ARQUITETURA EM TRÊS TEMPOS | projeto de intervenção no Paço das Artes

May 27, 2017 | Autor: Mariana Vetrone | Categoria: Arquitetura e Urbanismo, Restauro, Reabilitação Arquitectónica
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ARQUITETURA EM TRÊS TEMPOS projeto de intervenção no Paço das Artes

ARQUITETURA EM TRÊS TEMPOS projeto de intervenção no Paço das Artes

Mariana Lunardi Vetrone orientação: Prof. Dr.a Marta Vieira Bogéa a

Trabalho Final de Graduação | FAU USP São Paulo | 2015

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“O fazer pode parecer a atividade mais criativa, e o conserto, como um trabalho menor, a posteriori. Na verdade as diferenças entre os dois não são tão grandes.” (SENNETT: 2012, p. 241)

AGRADECIMENTOS

À professora Marta Bogéa pelas conversas inspiradoras e orientações sempre precisas ao longo de todo o processo de trabalho. Aos professores que influenciaram positivamente em minha formação como arquiteta, e, em especial, aos que muito contribuiram para o resultado final deste trabalho: Anna Lana, Carlos Faggin e Beatriz Kühl. A Priscila Arantes e Larissa Souto pela disponibilidade em me receber no Paço das Artes; a Cláudia Afonso pela enriquecedora visita guiada pelo Centro Cultural São Paulo; a Mainara Avelino por compartilhar as bases e informações históricas do edifício; a Guilherme Pimenta, Vivi Tiezzi e Victor Yamakado pelas fotos gentilmente cedidas para o trabalho; a Rodolfo Moralez pela assistência no cálculo estrutural do projeto; e aos colegas do Instituto Pedra pelo apoio e incentivo. Aos queridos amigos que me acompanharam nessa longa jornada; às Faunas pela parceria e troca de ideias, não só durante o trabalho, mas por todo o percurso dentro da FAU; e às minhas “irmãs de restauro” Laura De-Stefani e Gabriela Piccinini, que tanto influenciaram na construção das ideias aqui presentes. A Margarida, Maria Teresa e Cesar Lunardi pelo incentivo e apoio durante toda a vida; ao Tomás Azevedo pela paciência e companheirismo de todas as horas, e por revisar minuciosamente este caderno, mesmo estando atrasado com seus próprios trabalhos; e, sobretudo, a Laura Lunardi e Luiz Vetrone, sem os quais, nada disso teria sido possível.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................... 09 TEMPO E MATERIALIDADE ........................................... 11



1. PRESENTE | o que é ................................................... 21



a estrutura existente ...................................................... 27 o Paço das Artes ........................................................... 39 as “Ruínas” do Paço ...................................................... 43 usos informais x proibição de acesso ............................ 47 diagnóstico ................................................................... 49

2. FUTURO DO PRETÉRITO | o que teria sido ............ 51



o Centro Estadual de Cultura e Civismo ......................... 53

3. FUTURO DO PRESENTE | proposta ......................... 69

partido .......................................................................... 71 Vila Itororó | Canteiro Aberto .......................................... 73 Centro Cultural São Paulo ............................................. 77 programa proposto ....................................................... 82 diretrizes de intervenção ................................................ 84 projeto de intervenção ................................................... 87

REFERÊNCIAS ................................................................. 111 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................ 137 BIBLIOGRAFIA ................................................................ 141

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INTRODUÇÃO

“Parece possível reconhecer que o século XXI se inicia reconciliado com a cultura. Libertando-nos do passado circular que nos devolveria sempre ao mesmo ponto, ao mesmo tempo em que nos liberta do esforço radical de eterna reinvenção, ponto zero incessante a outro extremo da mesma idealização.” (BOGÉA: 2014, p. 109)

Os projetos de arquitetura das últimas décadas demonstram uma radical mudança de valor em relação ao projeto do “novo”. Observa-se uma espécie de reconciliação com o passado, em que os resquícios materiais de outros tempos deixam de ser obstáculos para a criação, mas passam a integrar o projeto contemporâneo, promovendo o diálogo entre o antigo e o novo. A motivação para este trabalho partiu de uma inquietação pessoal em relação às diferentes formas que este diálogo pode assumir dentro do projeto de arquitetura. Algumas vezes, até mesmo produzindo resultados indesejados, que acabam suprimindo as características essenciais da obra preexistente e, consequentemente, impedindo sua leitura. A obra escolhida para o projeto de intervenção foi a grande estrutura de concreto inacabada do antigo Centro Estadual de Cultura e Civismo, projetado por Jorge Wilheim nos 1970. Hoje ela se encontra parcialmente ocupada pelo Paço das Artes, estando o restante da estrutura em estado de abandono. Para a realização do trabalho, busquei a aproximação da atividade

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projetual com as teorias do Restauro Crítico, que possuem como metodologia de base uma análise consistente do edifício e constante posicionamento crítico, a fim de realizar uma intervenção pertinente com os diferentes extratos temporais presentes na obra. Dessa forma, o trabalho procura dialogar adequadamente com a preexistência, criando espaços coerentes com a realidade contemporânea sem, no entanto, ameaçar sua essência. O presente caderno está estruturado em três capítulos, que representam os três tempos encontrados na obra durante o desenvolvimento do trabalho: 1. Presente, que consiste no levantamento da estrutura existente e análise de seu estado atual; 2. Futuro do Pretérito, voltado ao estudo do projeto inconcluso de Wilheim para o Centro Estadual de Cultura; e 3. Futuro do Presente, onde é apresentada a proposta de intervenção. 12

TEMPO E MATERIALIDADE

Ao trabalhar o diálogo da arquitetura contemporânea com a preexistência é imprescindível problematizar alguns conceitos1 relativos ao tempo e à materialidade nas obras.

Conceitos apontados pela Prof. Dra. Anna Duarte Lana durtante discussão do presente trabalho na disciplina de TFG da FAU USP.

O edifício inacabado 2, no sentido mais amplo da palavra, diz respeito a um projeto não executado até sua completude. Pode configurar qualquer obra que por algum motivo não foi concluída, tenha isso ocorrido há 500 anos ou no ano passado. Representa uma forma de temporalidade interrompida antes mesmo de sua plena finalização, mas que não necessariamente a impede de ser colocada em uso, seja este uso presente, aproveitando-se da situação inacabada, ou mesmo futuro, onde o edifício passa a ser concluído. O inacabado diz respeito à materialidade do edifício que não foi concluída, e não diretamente a seu uso.

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INACABADO adj (part de inacabar) Que não foi acabado; inconcluído. (DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: Acessado em 07 set. 2015.)

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ABANDONADO adj (part de abandonar) 1 Que se abandonou. 2 De que ninguém trata; descuidado, negligenciado: Plantação abandonada. 3 Desamparado, enjeitado, exposto: Crianças abandonadas. 4 Entregue, exposto a: Abandonados ao seu destino. (DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: Acessado em 07 set. 2015.)

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RUÍNA sf (lat ruina) 1 Ato ou efeito de ruir; desmoronamento, destroço, destruição. 2 Resto de edifício desmoronado. 3 Edifício desmoronado ou escalavrado pelo tempo ou por causas naturais ou acidentais. (DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: Acessado em 07 set. 2015.)

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O edifício abandonado 3, por sua vez, refere-se a outra forma de ruptura temporal, que se configura pela questão do uso. O edifício abandonado pode ser inacabado ou não, mas o que o define, não é propriamente sua materialidade e sim a inexistência de uso no espaço. O abandono leva, consequentemente, à falta de conservação e manutenção, gerando uma materialidade arruinada, que pode ser confundida com o inacabado e, sobretudo, com a Ruína. A ruína 4, no sentido literal, está ligada a uma condição de destruição da materialidade do edifício, seja ela por causas naturais ou provocadas pelo homem. Essa, por sua vez, está intimamente ligada à

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condição de abandono, já que se contrapõe diretamente ao uso na arquitetura, sendo, a falta deste, sua principal causa. Contudo, é preciso ter em mente que a Ruína difere do edifício arruinado pura e simplesmente, pois este conceito envolve outros fatores, muito mais complexos, ligados à passagem do tempo e a formas de atribuição de valor ao edifício. O conceito de Ruína já estava presente na obra de Quatremère de Quincy, no final do século XVIII, quando o teórico lhe dedica todo um verbete em sua obra Encyclopédie Méthodique:

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“RUÍNA, RUÍNAS, s.f. Esta palavra no singular e em seu sentido ordinário, exprime o estado de degradação e de destruição no qual se encontra, ou está ameaçado, um edifício. [...] Usa-se essa palavra também no singular para exprimir o estado de destruição consumado. Mas nesse caso, é mais usual empregá-la no plural. [...] Milhares de ideias, milhares de lembranças, milhares de sentimentos ligam-se às ruínas dos monumentos antigos que não poderiam ser produzidos por aquelas de uma data recente. E é por isso que as ruínas, à medida que envelhecem, parecem adquirir mais direitos pelo nosso respeito e, por consequência, pela sua conservação.” (QUATREMÈRE DE QUINCY: 1825, p. 312-314, trad. Beatriz Kühl)

Percebe-se, dessa forma, a importância dada à passagem do tempo na obra arruinada, de modo a imbuí-la de um valor histórico e simbólico que vai além do conceito material de degradação. Isso reflete

a preocupação do autor em desvincular o conceito de Restauração ao reestabelecimento do estado original de um edifício, passando a valorizar neles a ideia de antiguidade. No século XIX, John Ruskin volta a explorar estes aspectos e associa o estado de ruína a uma noção de beleza inerente à obra arruinada, de caráter pitoresco, que evidencia a idade do edifício e, por esta razão, seria incompatível com a preservação da obra em seu estado original: “[...] ocorre que, em arquitetura, a beleza acessória e acidental é muito frequentemente incompatível com a preservação do caráter original [da obra]; o pitoresco é assim procurado na ruína, e supõe-se que consista na deterioração. [...] Mas na medida em que possa tornar-se compatível com o caráter inerente da arquitetura, o pitoresco ou a sublimidade extrínseca terá exatamente essa função, mais nobre nela do que em qualquer outro objeto: a de evidenciar a idade do edifício – aquilo que, como já foi dito, constitui sua maior glória; [...]” (RUSKIN: 2008, p.77, trad. Maria Lúcia Bressan)

Ruskin ressalta, dessa forma, a importância de reconhecer-se a beleza de um edifício através das marcas da passagem do tempo. Contudo, é preciso ter em mente que é extremamente difícil a definição do momento exato de passagem da obra à Ruína e, por esta razão, nem sempre os edifícios devem ser entendidos sob essa ótica. Em alguns

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casos, o uso e a prática de medidas conservativas preventivas são suficientes para evitar que edifícios tornem-se obras arruinadas, evitando assim que se caia na ilusória obsessão da materialidade arruinada esvaziada de significado. Ainda que o edifício não tenha atingindo o status de Ruína, as marcas da passagem do tempo são reconhecíveis na grande maioria dos materiais. O teórico Cesare Brandi enxerga essas marcas como um lento depósito sobre as antigas superfícies. A este depósito ele dá o nome de pátina, e afirma que esta deve ser respeitada como testemunha do tempo transcorrido.

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“Na atuação prática, essa exigência histórica deve traduzir-se também no respeito à pátina, que pode ser concebida como o próprio sedimentar-se do tempo sobre a obra, e na conservação das amostras do estado precedente à restauração e ainda das partes não coevas, que representam a própria translação da obra no tempo.” (BRANDI: 2004, p. 61)

Ainda sobre a passagem do tempo, Brandi descreve três momentos em que este pode ser encontrado em uma obra: o primeiro, ligado à formulação da obra pelo artista, ou seja, o momento da criação; o segundo como o intervalo entre o fim do processo criativo e o momento em que a consciência capta a obra de arte; e o terceiro “como átimo dessa fulguração da obra de arte na consciência.” (BRANDI: 2004, p. 54) Segundo ele, apenas no último momento é que o restauro poderia adequadamente inserir-se:

“Não será, então, necessário insistir mais para afirmar que o único momento legítimo que se oferece para o ato da restauração é o do próprio presente da consciência observadora, em que a obra de arte está no átimo e é presente histórico, mas é também passado e, a custo, de outro modo, de não pertencer à consciência humana, está na história. A restauração para apresentar uma operação legítima não deverá presumir nem o tempo como reversível, nem a abolição da história.” (BRANDI: 2004, p. 61)

O que Brandi afirma com essa passagem é que o tempo não deve ser visto como algo que pode ser apagado na tentativa de retornar a obra ao momento de criação, mas sim como um dado de projeto a ser considerado no presente da intervenção, levando em conta a totalidade da obra e seu contexto atual. Tendo em vista estes conceitos, fica evidente que, para se propor qualquer tipo de intervenção no existente, seja ele uma obra arruinada, inacabada, uma ruína ou simplesmente um edifício abandonado, é preciso que haja conhecimento sobre sua totalidade, em seus diferentes momentos históricos, bem como um discernimento crítico para que a intervenção proposta seja coerente com a obra e com o contexto em que ela se insere. Justifica-se, neste sentido, a aproximação da atividade de projeto com a teoria do Restauro Crítico, sintetizada pelo arquiteto italiano Giovanni Carbonara: “[O restauro crítico] parte da afirmação de que toda intervenção constitui um caso em si, não classificável em categorias (como aque-

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las meticulosamente precisadas pelos teóricos do chamado restauro ‘científico’: completamento, liberação, inovação, recomposição etc.), nem responde a regras prefixadas ou a dogmas de qualquer tipo, mas deve ser reinventado com originalidade, de vez em vez, caso a caso, em seus critérios e métodos. Será a própria obra, indagada atentamente com sensibilidade histórico-crítica e com competência técnica, a sugerir ao restaurador a via mais correta a ser empreendida”. (CARBONARA: 1997, p. 285)

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Carbonara evidencia que cada intervenção deve ser realizada de acordo com as necessidades específicas da obra, a fim de resgatar sua boa leitura. E o que determina a melhor alternativa em cada caso é a criatividade, a competência técnica e o posicionamento crítico do arquiteto, que não pode ser confundido com uma mera interpretação ou opinião pessoal, estando baseado no conhecimento adquirido ao estudar atentamente a obra e seu contexto. Contudo, ainda que cada caso demande uma solução específica, existem alguns princípios basilares do Restauro atual a serem considerados. De acordo com os enunciados da Carta de Veneza 5, são eles: mínima intervenção, distinguibilidade, compatibilidade de materiais e reversibilidade. Dentro dessa lógica, a boa intervenção deveria ser mínima, a fim de evitar mascarar características essenciais da obra; reconhecível em meio à preexistência, para que se evite um falso histórico; mas com materiais compatíveis à materialidade existente; e por fim, reversível, para a eventual necessidade de retorno ao seu estado anterior.

Carta internacional sobre conservação e restauração de monumentos e sítios, documento-base do Icomos, escrita em congresso realizado em 1964.

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CONSERTO O filósofo Richard Sennett aborda o conceito de conserto em seu livro Juntos: os rituais, prazeres e a política de cooperação, o segundo de uma trilogia6 que reflete sobre as habilidades que, segundo ele, precisamos ter na vida cotidiana. O autor distingue três modalidades de conserto: a restauração, que seria determinada pelo retorno ao estado original do objeto; a retificação, que procederia à substituição por partes ou materiais melhores, ao mesmo tempo em que preservaria a forma antiga; e a reconfiguração, que reimagina a forma e o uso do objeto no processo de consertá-lo. (SENNETT: 2012, p. 257)

No primeiro livro da trilogia, O Artífice, Sennett analisa o empenho e a habilidade de fazer bem as coisas materiais; no segundo, Juntos: os rituais, prazeres e a política de cooperação, analisa o valor social da cooperação; e o terceiro (ainda não publicado) será sobre a construção das cidades. 6

Sennett utiliza um exemplo arquitetônico como metáfora para pensar a reconfiguração (segundo ele, o mais radical dos tipos de conserto): a ação da equipe de Chipperfield no projeto para o Neues Museum, em Berlim. O projeto não apaga ou ignora as marcas provocadas pelos bombardeios de guerra, propondo algo inteiramente novo no local ou ainda a reconstrução do prédio em seu estado original. Ele permite uma leitura de sua história, sem no entanto se afastar do momento presente, proporcionando uma fluidez temporal e espacial para que o edifício possa seguir em frente. “[...] A reconstrução [do Neues Museum] corporificava um pensamento dialógico. O resultado transmite uma mensagem ética

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sobre dano e reparo. Percorrendo as salas do museu, o visitante não esquece sua dolorosa história, mas essa lembrança não é fechada, contida em si mesma; a narrativa espacial vai em frente, sugerindo uma abertura a diferentes possibilidades que não sejam apenas o inteiramente novo ou como se fosse novo. Sua política é a da mudança, abrangendo rupturas históricas sem se fixar no puro e simples fato do dano.” (SENNETT: 2012, p. 264-265)

Percebe-se, novamente, a importância do juízo crítico aliado à criatividade do arquiteto no projeto de intervenção, de modo a propor soluções condizentes com os diferentes extratos alí presentes, possibilitando a fluidez espacial e continuidade temporal desejadas, e evitando, assim, resultados indesejados que venham a dificultar a leitura do objeto preexistente. 20

É importante ressaltar também que, neste caso, a palavra restauração é utilizada por Sennett ligada apenas ao retorno à forma original do objeto, o que difere do conceito de Restauro previamente abordado. Contudo, pode-se entender, dentro da lógica do conserto, que os conceitos de retificação e reconfiguração tratam-se também de formas de Restauro, a serem utilizadas de acordo com o juízo crítico do arquiteto em cada caso específico de intervenção, ligado novamente ao entendimento da obra em sua totalidade.

... Com base nessa discussão teórica, a compreensão do edifício pree-

xistente em seus diferentes extratos temporais mostrou-se indispensável para o desenvolvimento do presente trabalho. Isso, a fim de construir um conhecimento mais sólido de sua totalidade e, assim, garantir uma intervenção coerente e em diálogo com esses diferentes extratos. A seguir, será apresentado o primeiro tempo identificado no edifício estudado: o Presente, relativo à situação atual da estrutura, inacabada e parcialmente abandonada.

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PRESENTE o que é

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[01] a [03] Localização do Paço das Artes no contexto urbano de São Paulo. Imagens de Satélite. Fonte: Google Earth. Capturadas em jun 2015.

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[04] Localização do Paço das Artes e entorno imediato. Imagem de Satélite. Fonte: Google Earth. Capturada em jun 2015.

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Avenida da Universidade

A ESTRUTURA EXISTENTE

Localizada próximo ao Portão 1 da Cidade Universitária, na divisa com o Instituto Butantan e próxima à Academia de Polícia Civil, encontra-se uma grande estrutura de concreto inacabada, camuflada pela mata que a circunda, e que passa despercebida pela maioria dos transeuntes da Universidade. Trata-se do edifício inacabado, projeto de Jorge Wilheim para o Centro Estadual de Cultura (1973), hoje parcialmente ocupado pelas atividades do Paço das Artes, mas que encontra-se em sua maior parte em estado de abandono. São aproximadamente 14.800 m² de área construída, sendo destes 2.200 m² ocupados pelo Paço das Artes, 3.600 m² destinados a eventos temporários e cerca de 9.000 m² em estado de abandono. O restante do terreno é ocupado por uma área de mata nativa preservada junto à divisa com o Instituto Butantan. O acesso ao edifício dá-se exclusivamente pela Avenida da Universidade, pois os outros lados do terreno são cercados pelos muros dos fundos do Instituto Butantan e pelo córrego Pirajussara, dificultando sua relação com a cidade. Nas proximidades existem alguns pontos de ônibus, que servem a Universidade, incluindo o circular que dá acesso à Estação do Metrô Butantã. Recentemente foi inaugurada no local uma ciclovia e uma faixa especial para ônibus, contudo a maior parte da circulação ainda é realizada por automóveis, que congestionam a via em horários de pico.

[05] Implantação geral e entorno imediado, escala 1:2000.

O edifício está organizado em três pavimentos: térreo, inferior (semi-

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-enterrado) e superior (cobertura). A estrutura consiste basicamente em uma malha regular de pilares octogonais com vãos de aproximadamente 10 metros e vigas dispostas em eixos a cada 45 graus, partindo em todas as direções. Quebrando o ritmo triangular das vigas, grandes escadas em formato helicoidal dão acesso aos outros pavimentos.

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O térreo está alguns metros acima da cota da avenida e é acessado por meio de escadarias e de um elevador para cadeirantes. Alí encontra-se a galeria principal do Paço das Artes, onde foram instalados pisos de madeira e vedações metálicas com fechamento em vidro, além de três grandes clarabóias, que hoje estão cobertas por lonas. No mesmo nível, do outro lado da estrutura, existe uma área em abandono, que se caracteriza por uma diversidade de espaços abertos e fechados, sob a cobertura. Nesse pavimento a estrutura de concreto enquadra as árvores do lado de fora, produzindo um contraste

[06] Imagem panorâmica do pav. inferior sob a galeria principal do Paço das Artes. A área é ocupada por atividades diversas promovidas pela instituição. Acervo Pessoal, 2015. [07] Imagem panorâmica da cobertura com as clarabóias cobertas, a partir da escadaria desativada. Acervo pessoal, 2015.

interessante. O pavimento inferior consiste em um semi-enterrado, logo abaixo do nível da rua. A área sob a galeria do Paço é cimentada e frequentemente utilizada para diversas atividades promovidas pela instituição, além de festas e eventos externos. Do outro lado, a área em abandono no mesmo nível é acessada apenas pela escadaria helicoidal, de onde se tem uma das mais belas visuais de todo o conjunto: a água que inunda todo o pavimento e reflete, como um espelho d’água “natural”, o desenho da estrutura, duplicando sua imagem e reforçando sua lógica geométrica precisa. Os pavimentos superiores, de ambos os lados do conjunto, encontram-se em desuso e não possuem conexão entre si. A parte localizada logo acima da galeria principal do Paço era originalmente acessada por uma escadaria lateral, que hoje encontra-se murada.

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O outro lado é acessado sempre pela mesma escadaria helicoidal, que se sustenta delicadamente no limite do rasgo deixado pelas lajes. Acima desta última, existe ainda um volume cúbico de dois pavimentos, acessado por outra escadaria helicoidal menor. Dalí tem-se uma bela visão da copa das árvores e da cidade ao longe. Foram cedidas, pelo escritório de Jorge Wilheim, plantas de um projeto de reforma não executado para a estrutura, que a transformava em um conjunto de laboratórios de vacina para o Instituto Butantan. Esses arquivos foram utilizados para a produção das bases de situação atual, sobretudo, a composição da malha estrutural de pilares, que não havia sido alterada neste projeto. Para que fosse possível a atualização das bases, realizei visitas a 32

[08] Vista principal do conjunto, voltada para a Av. da Universidade. Esc. 1:500.

campo, com levantamento fotográfico e algumas medições básicas para aferição do desenho existente. Nos locais onde não foi permitido o acesso devido a questões de segurança, felizmente obtive fotos cedidas por colegas que realizaram trabalhos de intervenção artística no edifício anteriormente. Dessa forma, foi possível realizar a atualização de praticamente todo o complexo e a produção das plantas de levantamento fotográfico, que serão apresentadas a seguir.

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Fotos: Victor Yamakado e Vivi Tiezzi (2011-2013) Acervo pessoal (2015)

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Fotos: Victor Yamakado e Vivi Tiezzi (2011-2013) Acervo pessoal (2015)

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Fotos: Victor Yamakado e Vivi Tiezzi (2011-2013) Acervo pessoal (2015)

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situação atual | pav. superior | nível 6.93

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O PAÇO DAS ARTES

O Paço das Artes é um equipamento da Secretaria de Estado da Cultura, fundado nos anos 70, cuja missão é “dar espaço para jovens artistas, curadores, críticos, eminentemente dentro do escopo da arte contemporânea.” (PAÇO DAS ARTES: 2015, online) Ocupando desde os anos 80 as únicas áreas em uso da grande estrutura de concreto inacabada, ele é hoje um espaço cultural multidisciplinar que organiza e mantem exposições de arte contemporânea, promove cursos, palestras, workshops, conferências, audições e intercâmbios artísticos. O equipamento possui uma programação variada, abrangendo todos os segmentos das artes visuais: artes plásticas, artes gráficas, design e multimídia; buscando sempre colaborar para a reflexão sobre a arte contemporânea. As atividades ocupam o espaço expositivo principal, no térreo do edifício, além de salas de palestra e de vídeo, expandindo-se eventualmente ao subsolo, ao jardim e à área externa.

O Paço das Artes criou em 1997 a “Temporada de Projetos”, que consiste em um edital anual que recebe projetos de jovens artistas e curadores. Através de um júri, convidado pela casa, esses projetos são selecionados entre todos os inscritos para se apresentarem dentro do Paço das Artes. A cada ano são inscritos de 400 a 500 projetos e, dentre eles, mais de 200 projetos ao todo já foram expostos no local. (PAÇO DAS ARTES, 2015: online)

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[09] Escadaria principal do Paço das Artes. Acervo pessoal, 2015.

Por não ser um museu no sentido tradicional da palavra, já que não possui uma coleção de obras próprias, seu trabalho de registro tornou-se o eixo fundamental de seu acervo. Desde 2014, o Paço desenvolve o MaPa: Memória Paço das Artes, uma plataforma digital de arte contemporânea, que reúne os artistas, críticos, curadores e membros do júri que passaram por sua Temporada de Projetos7 desde sua criação. Segundo a curadora do projeto, Priscila Arantes, a ideia dessa enciclopédia é servir como espaço de pesquisa sobre os artistas, curadores e críticos que fazem parte da História da Arte contemporânea brasileira.

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[10] Seminário gratuito sobre Arte Contemporânea organizado pelo Paço das Artes. Parte do espaço expositivo foi convertido em auditório para a realização do evento, que teve as inscrições esgotadas e fila de espera. Foto: Paço das Artes, 2015.

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[11] Instalação “Tautorama”, site-specific criado pela artista plástica Ana Maria Tavares. A artista propõe um diálogo entre o interior e exterior do espaço do Paço das Artes. Foto: Paço das Artes, 2013.

[12] Oficina de stencil promovida pela artista plástica Mônica Nador em ocasião da abertura de sua exposição. Atividade voltada à comunidade do Jardim Miriam, sobretudo para a formação artística de crianças e adolescentes, uma constante nas atividades do Paço. Foto: Paço das Artes, 2015.

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[13] Exposição do artista Fabio Flaks, montada nos moldes tradicionais, subdividindo o espaço em pequenas salas com painéis modulares. Foto: Paço das Artes, 2015.

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AS “RUÍNAS” DO PAÇO

Com o passar do tempo, a parte abandonada da estrutura adquiriu uma atmosfera poética e ao mesmo tempo misteriosa, que acabou conferindo-lhe o título de “As Ruínas do Paço.” O conceito de Ruína, como foi visto anteriormente, engloba um valor atribuído à estrutura abandonada, relativo à noção de beleza inerente à materialidade arruinada e à importancia das marcas do tempo alí registradas, sendo esta uma das maiores qualidades perceptíveis no espaço. A estrutura de concreto envelhecida que emoldura o verde da mata, ou mesmo a água no subsolo que reflete o desenho das vigas e o ritmo dos pilares, podem ser entendidas como características pitorescas que a estrutura adquiriu com o passar o tempo, agregando-lhe um valor estético que jamais seria possível obter em um edifício acabado e em uso. Contudo, é provavelmente o vazio o mais intrigante de todos os sinais de abandono alí presentes. Como o uso nunca se instalou alí, o vazio tornou-se sua característica mais marcante e vital. O vazio possibilita a leitura do espaço como um grande conjunto, que, caso fosse subdividido, perderia sua força.

[14] Vista do pavimento semi-enterrado inundado, a partir da escadaria helicoidal. A água reflete o desenho das vigas. Foto: Victor Yamakado, 2011.

Nesse sentido, pode-se afirmar que a estrutura adquire o valor de ruína antes mesmo de ser plenamente construída e ocupada. Ela já nasce como ruína e adquire o direito a esse título através da passagem do tempo e da significação atribuida pelas pessoas que vivenciaram o espaço ao longo desse processo.

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Por outro lado, o edifício pode ser entendido também como um monumento aos desperdícios e exageros do passado. Registro vivo de um projeto ambicioso, dentre tantos outros existentes, que acabou sendo abandonado à própria sorte.

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[15] A mata ao fundo enquadrada pela estrutura de concreto abandonada. Foto: Vivi Tiezzi, 2013. [16] Escadaria helicoidal inacabada banhada pela luz vinda do rasgo na cobertura.Foto: Victor Yamakado, 2011.

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[17] Talude em erosão e parte do semienterrado inundado, características do edifício arruinado. Foto: Victor Yamakado, 2011.

[18] Ocupação informal do subsolo alagado. Foto: Guilherme Pimenta, 2013. [19] A mata enquadrada pela estrutura de concreto abandonada. Foto: Vivi Tiezzi, 2013. [20] Piquenique realizado sob a marquise arruinada. Foto: Vivi Tiezzi, 2013.

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[21] Placa indicativa de “Perigo de Morte” colocada no edifício após a morte da estudante em 2013. Acervo pessoal, 2015.

USOS INFORMAIS x PROIBIÇÃO DE ACESSO

G1 NOTÍCIAS, Corpo de estudante é encontrado dentro da USP. 15 dez 2013. Disponível em: Acessado 21 set 2015.

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Mesmo estando inacabada, a estrutura vinha sendo gradativamente ocupada por estudantes e frequentadores da Cidade Universitária de maneira informal. Era comum observar sua utilização para encontros de amigos, piqueniques, ensaios fotográficos e até mesmo trabalhos de intervenção artística. Contudo, a falta de segurança, que já era uma preocupação no local, acabou lamentavelmente ocasionando a morte de uma estudante da FFLCH em dezembro de 2013 8, após sua queda através do fosso do elevador inexistente. Depois do acidente, o local foi lacrado e hoje o acesso a essas áreas abandonadas é proibido, onde placas advertem “perigo de morte”.

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DIAGNÓSTICO

Os grandes vãos e a dimensão da estrutura favorecem a existência de usos coletivos no local. O histórico do edifício justifica a manutenção do uso cultural, assim como sua proximidade com a Universidade sugere a adição de espaços voltados aos usos acadêmicos e institucionais. Considerando o vazio e as marcas do tempo, percebe-se que o caráter arruinado agrega valor estético e histórico à estrutura, de modo que sua preservação mostra-se essencial para a manutenção da identidade do conjunto. Percebe-se ainda, uma forte segregação física entre os espaços em uso e os espaços em abandono, pois os dois constituem-se quase que como volumes independentes, ligados apenas por um ponto central em comum. Tendo em vista o potencial espacial presente na estrutura e, ao mesmo tempo, a falta de condições mínimas para sua ocupação, o edifício inacabado demanda um projeto de intervenção arquitetônica, que possibilite uma reconfiguração de seus espaços.

... [22] Ocupação informal da estrutura abandonada. Foto: Guilherme Pimenta, 2013.

A seguir será apresentado o segundo extrato temporal encontrado no edifício: o Futuro do Pretérito, relativo ao projeto inconcluso de Wilheim para o Centro Estadual de Cultura e Civismo.

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FUTURO DO PRETÉRITO o que teria sido

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O CENTRO ESTADUAL DE CULTURA DE JORGE WILHEIM

O projeto original de Jorge Wilheim para o Centro Estadual de Cultura e Civismo data de 1973. Consistia num grande complexo cultural de aproximadamente 70.000 m2, com quatro salas de espetáculos, estúdios de gravação, anexos técnicos, salas de uso múltiplo, além de um pequeno hotel para artistas convidados.

[23] e [24] Imagens da maquete do projeto original de Jorge Wilheim para o Centro Estadual de Cultura. Fonte:

A obra foi encomendada ao escritório de Wilheim pela Secretaria de Cultura, Ciências e Tecnologia do Governo do Estado de São Paulo e contou com a colaboração de Sílvio Sawaya no projeto de arquitetura; Rosa Kliass, para o projeto paisagístico da esplanada; e ainda acabamentos nos peitoris em azulejos desenhados por Renina Katz.

[25] Fachada Norte do projeto de Wilheim para o Centro de Cultura. Fonte:

Nos termos do memorial do projeto: 55

“Sobre uma vasta esplanada, havia quatro salas de espetáculos: uma ópera; uma sala de Concertos uma sala “vazia”, para a montagem de encenações livres; e um estúdio para cinema e televisão, todos os anexos técnicos. Na esplanada, cujo paisagismo coube a Rosa Kliass, seria possível ouvir música em recantos informais. Sob ela, dispunha-se de oito pequenas salas de organização flexível, destinadas a seminários, cinema, teatro de câmara e conferências, e três salas de uso múltiplo, adaptável a debates, muitos debates... Para os longos peitoris da esplanada, Renina Katz tinha projetado azulejos. Sílvio Sawaya colaborava em meu escritório.

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À esquerda, um pequeno prédio se destinava a um hotelzinho para artistas convidados - depois reprojetado para ser uma sede informática especializada nas artes da representação e, recentemente, outra vez reprojetado para acolher a editora e a livraria da USP. Este projeto foi iniciado, mas permanece inacabado...” (WILHEIM: online)

[26] a [28] Perspectivas do projeto de Wilheim para o Centro Estadual de Cultura e Civismo. Fonte:

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[29] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 719. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[30] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 724. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[31] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 728. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[32] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 733. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[33] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 737. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[34] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 740. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[35] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Planta Nível 749. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

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[36] Centro Estadual de Civismo e Cultura. Cortes CC e DD. Fonte: Arquivo de Projetos, Biblioteca da FAU USP. Digitalizado pela autora.

Devido a problemas na execução das fundações, a obra sofreu diversos atrasos. Quando foi feita a sondagem do terreno não foram detectadas pedras, porém ao cravar as estacas para a fundação encontrou-se os matacões. Isso acabou prolongando muito essa etapa da construção, de tal maneira que a obra chegou ao fim do governo do Laudo Natel em 1975, apenas com a fundação construída. O sucessor de Laudo Natel no governo de São Paulo, Paulo Egydio, juntamente com o prefeito Olavo Setúbal, suspendeu a construção do Centro de Cultura, e deu início à construção do Centro Cultural São Paulo, na Rua Vergueiro.

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[37] e [38] Cortes AA e BB do projeto para o Centro Estadual de Civismo e Cultura de Jorge Wilheim. Fonte: http://www.jorgewilheim.com.br/legado/

Devido a estes problemas ainda na primeira fase de sua execução, o projeto nunca foi concluído, sendo que as estruturas existentes hoje seriam apenas o embasamento do grande complexo cultural imaginado por Jorge Wilheim. O esquema da pagina seguinte apresenta uma sobreposição das estruturas construídas existentes com a área do projeto original de Wilheim. Em verde está a área em uso, ocupada pelo Paço das Artes, e em vermelho, as áreas construídas e abandonadas, hoje em estado arruinado. A área restante representa as partes do projeto não executadas, ainda ocupadas pela mata nativa, ao fundo do terreno.

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áreas do projeto original não executadas

estrutura inacabada atualmente em estado de abandono

estrutura construída ocupada pelo Paço das Artes

Percebe-se que a área efetivamente construída apresenta menos da metade da área total do projeto em projeção, sendo essas referentes ao embasamento e às esplanadas de acesso a grande caixa que continha as salas de espetáculo. Da área total prevista (aproximadamente 70.000 m2) apenas 14.800 m2 foram executadas, ou seja, pouco mais de 20% do projeto original. A grande estrutura de concreto ficou abandonada e exposta às intempéries por cerca de 16 anos, quando o Paço das Artes mudou-se para o local, sendo esta a única parte do projeto em uso. Posteriormente houve uma tentativa por parte da Universidade de readaptar o projeto para a nova sede da EDUSP e uma sala de concertos para a Orquestra da USP, ideia que novamente não saiu do papel.9 Hoje, o terreno pertence ao Instituto Butantan, com a concessão do espaço do Paço das Artes para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. O restante das estruturas seguem em abandono, com seus espaços sem uso há mais de 40 anos. Silvio Sawaya em entrevista concedida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.. Fonte: AVELINO: 2013, p.57.

9

[39] Sobreposição das áreas construídas com a Planta do subsolo do complexo projetado por Wilheim e imagem de Satélite atual.

... Com base no conhecimento adquirido através dos estudos realizados sobre a obra preexistente, será apresentado a seguir o terceiro tempo do edifício: o Futuro do Presente, que abrange a proposta de intervenção arquitetônica.

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FUTURO DO PRESENTE proposta

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PARTIDO

O projeto de intervenção tem como objetivo principal a ativação dos espaços em situação de abandono e maior integração com as áreas ocupadas pelo Paço das Artes, sem, no entanto, apagar completamente a identidade arruinada que o edifício assumiu com o passar do tempo. Ainda que a estrutura não seja um bem tombado pelo patrimônio histórico, justifica-se a aproximação da atividade projetual às teorias do Restauro, devido à necessidade de um posicionamento crítico no momento da intervenção, com o intuito de preservar suas características consideradas de valor histórico e/ou artístico.

Conceito abordado por Alessandra Criconia relativo aos museus contemporâneos sem acervo e com atividades diversas abertas ao público. “L’aumento delle attività collegate all’accoglienza e all’intrattenimento dei visitatori ha favorito la conversione del museo in un accumulatore topologico, che ne ha fatto una delle nuove piazze pubbliche della città contemporanea.” (CRICONIA: 2011, p. 57-58)

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[40] Perspectiva ilustrativa do projeto: usos possíveis para a área de pé-direito duplo no pavimento inferior.

Seguindo o pensamento do conserto elaborado por Sennett, procurei realizar uma reconfiguração do objeto preexistente, repensando seus usos e formas, a fim de estabelecer uma nova linguagem, coerente com seu passado inacabado e, principalmente, com o momento presente da intervenção. O projeto tem como diretriz principal o diálogo com a estrutura preexistente, a fim de permitir a leitura de seus elementos e garantir sua percepção espacial. Para isso, optei pela manutenção do vazio, entendido como uma das características essenciais do edifício, assim como sua materialidade arruinada. Alinhado com o conceito de museu-praça do século XXI 10, o equipamento seria uma proposta de espaço de convívio e criação, sem

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acervo físico, mas com infra-estrutura para usos múltiplos. Além da reorganização dos espaços relativos aos usos já promovidos pelo Paço das Artes, o novo programa proposto abrange uma série de espaços de convivência com infraestrutura básica para estudo, pesquisa, seminários e apresentações, ligados a incubadoras para atividades de extensão universitária.

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Trata-se de um equipamento com foco no público universitário, que toma partido da proximidade com o campus para atrair usuários, mas que não exclui, em nenhum momento, a possibilidade de um uso mais abrangente voltado para a sociedade como um todo. O objetivo é criar uma ponte entre o público externo e a Universidade, procurando quebrar as barreiras que separam o equipamento da cidade. Essa proposta configura uma tentativa de evitar o fracasso do projeto anterior, que levou o equipamento a ser implantado em um local mais central e de fácil acesso, dando origem ao CCSP, na Rua Vergueiro. Neste contexto, são propostos novos usos, de caráter aberto e flexível, compatíveis com a estrutura existente e que não demandem grandes intervenções invasivas. Como base para a construção desse novo programa aberto, foram utilizados dois grandes projetos de referência: a Vila Itororó Canteiro Aberto e o Centro Cultural São Paulo, ambos localizados na cidade de São Paulo.

VILA ITORORÓ | CANTEIRO ABERTO

Expressão utilizada pelo Curador do projeto, Benjamin Seroussi.

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[41] e [42] Mobiliário criado para o galpão em Workshop colaborativo Vila Itororó + ConstructLab, abril de 2015. Fotos: Marcos Vilas Boas.

Em um galpão anexo ao pátio em obras da Vila Itororó, no bairro paulistano do Bixiga, encontra-se o projeto Vila Itororó - Canteiro Aberto (2015), que pode ser entendido como um centro cultural temporário, ou um "experimento de centro cultural" 11, com diversas atividades atreladas ao projeto de restauração do conjunto de casas. O galpão foi desapropriado pela Prefeitura de São Paulo com o intuito de criar um quarto acesso à Vila, que já possuia outros três pelos outros lados da quadra. Com entrada pela Rua Pedroso e estando 17 metros acima do nível do pátio da Vila, o espaço abriga os escritórios da equipe de arquitetura, áreas de infraestrutura para os trabalhadores da obra de restauro, além de uma marcenaria, uma biblioteca e uma cozinha em construção. Segundo o curador Benjamin Seroussi, o projeto busca “novas formas de habitar a Vila por meio da cultura”, levando em conta o his-

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tórico de desocupação dos antigos moradores. Uma das propostas para o espaço foi abrir mão da curadoria tradicional, para pensar o galpão como uma grande praça pública aberta a usos espontâneos propostos pelo público em geral. Entre eles estão ensaios de grupos de dança, apresentações de teatro, reuniões de estudo, festas da comunidade local, brincadeiras livres, e outros tantos processos que demonstram uma cultura ainda em construção.

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O nível principal do galpão, consiste em um grande espaço subdividido em duas áreas principais: uma mais pública, que se integra completamente à rua quando os portões estão abertos; e uma um pouco mais reservada, dividida por um segundo portão que, algumas vezes é completamente aberto, permitindo o fluxo livre de visitantes, e por outras vezes permanece fechado, garantindo a segurança do local. Alí existem também as instalações dos escritórios da equipe de Arquitetura, sala de reunião e sanitários, que configuram uma fragmentação não muito interessante do espaço aberto do galpão. O mobiliário existente no local foi produzido em um workshop em conjunto com o coletivo europeu ConstructLab 12 e é totalmente flexível. Os módulos são feitos com madeira reaproveitada das instalações da 31a Bienal de Arte de São Paulo e possuem um sistema de paletes instalados em suas bases, podendo ser facilmente reorganizados com o auxílio de um carrinho. Isso permite uma variada gama de configurações que o espaço pode assumir, dependendo do uso desejado. Além dos módulos existem também variadas peças de mobi-

Coletivo europeu que se organiza ao redor do conceito “construindo e vivendo juntos”. O trabalho do grupo acontece em espaços vazios ou em contruções transformando-os através de estruturas simples ou unidades móveis. Tratam-se de possibilidades temporárias e reversíveis de ocupação do espaço, através do uso e da construção coletiva. 12

[43] e [44] Duas das muitas configurações que o espaço pode assumir, dependendo da disposição do mobiliário existente. Os módulos maiores possuem paletes de madeira em suas bases, podendo ser facilmente movidos de um lado para o outro do galpão com o auxílio de um carrinho de paletes. Fotos: Acervo Vila Itororó Canteiro Aberto, Camila Picolo.

liário menores, como mesas, bancos e cadeiras, de fácil manuseio e transporte, reorganizando-se de acordo com as atividades propostas. Durante o desenvolvimento do presente trabalho, pude vivenciar todo o processo de instalação do projeto Vila Itororó - Canteiro Aberto, graças ao estágio que realizei no projeto de restauro da Vila, junto ao Instituto Pedra, organização responsável pela gestão da obra e do espaço. Essa vivência despertou-me para a riqueza dos usos expontâneos (ou não-programados) alí presentes, que não necessitam de grandes infraestruturas para acontecer, e estão fortemente ligados à flexibilidade de organização do espaço, abrindo infinitas possibilidades para o usuário. Isso acabou influenciando o desenvolvimento de parte do programa proposto para o edifício do Paço, buscando trazer essa flexibilidade de usos expontâneos como alternativa de ocupação para a estrutura inacabada. 77

disposições possíveis

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[45] Três possíveis layouts para o galpão organizados a partir dos módulos de mobiliário flexível. Proposta realizada pelo ConstructLab, em abril de 2015. [46] Carrinho de palete utilizado para mover os módulos maiores. Foto: Marcos Vilas Boas. 0

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CENTRO CULTURAL SÃO PAULO

[47] e [48] Centro Cultural São Paulo. Acervo pessoal, 2015

O Centro Cultural São Paulo (1973-1982) foi outra grande referência de flexibilidade de usos no espaço. Construído no imenso talude que divide as cotas entre a Av. 23 de Maio e a Rua Vergueiro para abrigar uma extensão da Biblioteca Mário de Andrade (1925), o edifício acabou transformando-se em um dos primeiros espaços culturais multidisciplinares do país e hoje é tido com o espaço público mais democrático da cidade, especialmente devido a sua facilidade de acesso. O projeto foi concebido nos anos 1970 por Eurico Prado Lopes e Luiz Telles, como alternativa ao projeto abandonado de Wilheim. Utilizou-se a estrutura metálica para obter grandes vãos em curva, criando espaços permeáveis e convidativos, abertos para a cidade. Seu eixo principal funciona como uma rua interna, com caminhos cobertos e semi-cobertos que ampliam as possibilidades de circulação pública e dão vida ao edifício, enquanto as árvores preexistentes, 79

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0

25

[49] Plantas dos quatro pavimentos do edifício, em ordem: nível 810 (exposições), 806 (rua de distribuição), 801 (bibliotecas e teatros e 796 (serviços). Fonte: SERAPIÃO: 2012, p. 76-77)

incorporadas ao projeto, servem como um filtro que mantém uma certa curiosidade sobre o espaço. Com uma área de aproximadamente 46.500 m2, o edifício abriga um vasto e diversificado programa cultural, divido em seus quatro pavimentos. O nível inferior, correspondente à cota da Av. 23 de Maio, abriga as áreas de apoio e serviços, como oficinas de marcenaria, serralheria, pintura, restauro e conservação de papel, e ainda salas de ensaio e camarins. O nível logo acima abriga as bibliotecas e teatros do complexo, seguido pelo piso conhecido como “rua de distribuição”, que contém os acessos para a Rua Vergueiro, foyer dos teatros, restaurante e lojas em acordo de cessão de espaço. O piso superior, por sua vez, é destinado às áreas expositivas e dá acesso ao jardim da cobertura, espaço favorito de grande parte dos usuários do edifício. Além do programa cultural pré-estabelecido, o edifício proporciona uma riquíssima gama de usos não-programados, inventados pelos usuários nas diversas formas de ocupação informal dos espaços. As mesas de estudo são extremamente disputadas pelos jovens, seja para uso individual ou trabalhos em grupo, enquanto que grupos de dança se apropriam dos corredores para fazer ensaios e apresentações. O jardim da cobertura é um dos lugares favoritos dos usuários para momentos de descanso ou convívio social. A possibilidade de contato com o verde é convidativa e proporciona atividades coletivas expontâneas, como yoga na grama e piqueniques, ou planejadas, como as hortas comunitárias mantidas através de mutirões aos

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[50] Usos espontâneos no jardim da cobertura do CCSP. Acervo pessoal, 2015. [51] Grupo de estudo nas mesas internas ao pavimento da rua de distribuição. Acervo pessoal, 2015. [52] Horta comunitária no jardim da cobertura do edifício. As plantas são cuidadas por meio de mutirão aos domingos, promovido pelo coletivo Hortelões Urbanos. Acervo pessoal, 2015.

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[53] Estudantes ocupando informalmente os vazios do piso superior. Acervo pessoal, 2015.

domingos. É justamente essa mistura de usos programados e não-programados que qualifica o espaço e o torna tão atraente ao público. A arquitetura, permeável, generosa e convidativa, possibilita que essa mistura aconteça, e o edifício acaba funcionando como uma extensão da cidade, onde o usuário tem o poder de recriar os espaços, tornando-se parte deles.

... Com base nessas referências de uso dos espaços, foi elaborado o novo programa para o edifício, como será apresentado a seguir.

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PROGRAMA PROPOSTO

COBERTURA COBERTURA

TÉRREO TÉRREO COBERTURA

84 TÉRREO

SUBSOLO

SUBSOLO SUBSOLO

QNTD. QNTD.

RA Áreas cobertas Áreas Áreas cobertas cobertas

Áreas descobertas Áreas Áreas descobertas descobertas

Sanitários Sanitários Sanitários Restaurante Restaurante Restaurante

1 1 1 1

Terraço-jardim Terraço-jardim Terraço-jardim Não-programado Não-programado Não-programado

1 1 1 1

Paço das Artes Paço Paço dasdas Artes Artes Administração Administração Administração Área Expositiva Área Área Expositiva Expositiva Aberta Aberta Aberta Área Expositiva Área Área Expositiva Expositiva Fechada Fechada Fechada Livraria/Loja Livraria/Loja Livraria/Loja Sanitários Sanitários Sanitários Incubadoras/Estudo Incubadoras/Estudo Incubadoras/Estudo Administração Administração Administração Sala de estudos Sala Sala de de estudos estudos Pequeno auditório Pequeno Pequeno auditório auditório Uso múltiplo UsoUso múltiplo múltiplo Sanitários Sanitários Sanitários Não-programado Não-programado Não-programado Cultural Cultural Cultural Auditórios Auditórios Auditórios Salas de ensaio Salas Salas de de ensaio ensaio Uso múltiplo UsoUso múltiplo múltiplo Sanitários Sanitários Sanitários Usos expontâneos Usos Usos expontâneos expontâneos Não-programado Não-programado Não-programado Café Café Café Sanitários Sanitários Sanitários Espelho Espelho Espelho d'água d'água d'água

QNTD. ÁREA ÁREA UNIT. ÁREA TOTAL ÁREA ÁREA UNIT. UNIT. ÁREA TOTAL TOTAL 208 208208 1 18 18 18 18 18 18 1 150150 150 190190 190 5550 5550 5550 1 2550 2550 2550 2550 2550 2550 1 3000 3000 3000 3000 3000 3000 1894 1894 1894 2 36 72 36 36 72 72 1 1660 1660 1660 1660 1660 1660 1 108108 108 108108 108 1 36 36 36 36 36 36 1 18 18 18 18 18 18

2 1 1 1 1

2 1 1 1 1

2 4 2 2 2 1

2 4 2 2 2 1

2 36 36 4 36 36 2 72 72 2 72 72 2 18 18 1 2000 2000

2 2 2 4

2 2 2 4

2 2 2 4

1 1 2 1

1 1 2 1

1 6240 6240 1 36 36 2 18 18 1 1380 1380

2540 2540

2540

36 72 72 36 144144 72 144144 72 144144 18 36 36 2000 2000 2000 688688 200 400400 72 144144 36 72 72 18 72 72 7692 7692 6240 6240 6240 36 36 36 18 36 36 1380 1380 1380

72 144 144 144 36 2000 688 400 144 72 72 7692 6240 36 36 1380

ÁREA TOTAL18572 ÁREA ÁREA TOTAL TOTAL 18572

18572

200200 72 72 36 36 18 18

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DIRETRIZES DE INTERVENÇÃO

1. Demolições pontuais para restituição da leitura das estruturas preexistentes e liberação do vazio;

2. Reativação das estruturas de circulação vertical do projeto original;

3. Reorganização das áreas e programa do Paço das Artes;

4. Aprimoramento da circulação horizontal entre os volumes existentes;

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5. Preservação do caráter "arruinado", entendido como parte da identidade atual do edifício;

6. Abertura dos vazios para usos nãoprogramados e lazer;

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7. espaço de encontro entre as diferentes unidades da USP, com áreas para atividades de extensão acadêmica, salas de estudo e auditórios;

8. Implantação de um Terraço-jardim na cobertura.

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PROJETO DE INTERVENÇÃO

Os primeiros gestos de projeto foram intervenções pontuais a fim de restituir a leitura do espaço proposto por Wilheim. Trata-se principalmente da liberação do vazio constituido pela malha estrutural, que em muitos locais havia sido interrompido por paredes divisórias, dando a sensação de um espaço “loteado”. Da mesma forma, a reativação dos eixos de circulação vertical, como a abertura das escadarias bloqueadas, consolidação das escadarias helicoidais deterioradas, reconstrução dos acessos principais do edifício e instalação de elevadores nos fossos existentes, retomando os fluxos de circulação vertical previstos no projeto original. Para intensificar a circulação e proporcionar maior interação entre o volume em uso e as áreas em abandono, projetei uma passarela de conexão entre as duas lajes de cobertura, possibilitando o fluxo de circulação horizontal também neste nível. A passarela consiste em um sistema estrutural com vigas e tirantes metálicos apoiados sobre a estrutura existente, que deverá passar por reforços para suportar a carga extra, vencendo os 40 metros de vão junto à copa das árvores. O volume é revestido por chapas de aço corten e configura-se como um bloco independente, inserido em meio ao concreto e à mata preexistentes. O material metálico utilizado garante a distinguibilidade da intervenção, caracterizando uma ação de projeto contemporânea.

[54] Perspectiva ilustrativa do Projeto: vista para a passarela metálica.

A fim de permitir que as áreas arruinadas possam ser acessadas e utilizadas com segurança, foi necessária a criação de guarda-corpos junto aos vãos existentes, tanto nas áreas internas ao edifício, quanto

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em suas bordas voltadas para a mata. O desenho proposto consiste em uma membrana contínua de aço corten, que percorre toda a extenção do complexo, seguindo o perímetro do edifício. O mesmo guarda-corpo foi utilizado para as escadarias helicoidais e vãos internos, onde a membrana desdobra-se e contorna o vazio, junto aos elementos preexistentes. O material transmite um traço preciso de intervenção, que abraça os volumes e promove a continuidade dos espaços, ao mesmo tempo em que distingue-se da estrutura de concreto. O programa proposto foi organizado dentro de volumes independentes que se apoiam no existente sem grandes interferências em sua leitura. Trata-se de grandes caixas modulares de estrutura metálica 90

[55] Guarda-corpo metálico em aço cortén que envolve a escadaria helicoidal preexistente. [56] Caixas metálicas na área das incubadoras, voltada para usos acadêmicos de extensão universitária. [57] Espaço expositivo aberto do Paço das Artes, após reconfiguração as clarabóias voltam a iluminar o local.

que se inserem na malha de pilares, em meio ao espaço do edifício, e abrigam as diversas atividades propostas: salas de estudo, pequenos auditórios, salas administrativas, banheiros e infraestrutura básica para funcionamento dos usos no local. Para responder às diferentes demandas de uso, as fachadas das caixas são compostas por portas e painéis deslizantes e pivotantes, permitindo a criação de diferentes situações espaciais. Com isso, é possível aliar os novos usos à característica arruinada do edifício, permitindo que a intervenção mantenha-se sempre reconhecível e com uma distância crítica da estrutura existente, inspirando ainda um diálogo espacial com o vazio. Para a área expositiva principal do Paço das Artes, foi proposta a demolição das vedações e divisórias existentes a fim de restituir a lei91

tura do vazio no espaço. As clarabóias, descobertas, voltam a encher o espaço de luz natural, enquanto a membrana de corten adentra o espaço, dando continuidade à intervenção. A área administrativa, os sanitários, uma loja/livraria, além de um espaço expositivo fechado, foram inseridos também nas grandes caixas metálicas, seguindo o raciocínio proposto no resto do edifício. Para a área expositiva aberta, foi pensado um sistema de painéis expositivos modulares de composição flexível, possibilitando o desenho de diferentes layouts para o espaço. Quando não estão em uso, os expositores ficam armazenados atrás das caixas metálicas fixas, liberando todo espaço.

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Como proposta de intervenção para o pavimento inferior alagado, tem-se a drenagem de todo o piso e impermeabilização do mesmo, garantindo as condições mínimas para a ocupação dos espaços. A fim de manter uma das visuais mais potentes de todo o complexo, propus um espelho d’água em frente ao acesso da escada helicoidal, no mesmo local em que hoje a água inunda o pavimento e reflete o desenho da estrutura preexistente, duplicando sua imagem. A passagem que segue junto ao espelho dá acesso aos auditórios e salas de ensaio implantadas no mesmo nível. Ainda no pavimento inferior, o outro lado da estrutrura configura-se como um espaço destinado aos usos não programados em geral: piqueniques, ensaios de dança, performances, intervenções artísti-

[58] Espelho d’água que procura manter uma das visuais mais potentes do complexo: a estrutura e a mata refletidas na superfície alagada.

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cas espontâneas, etc. São usos que já vinham ocorrendo no edifício antes da proibição de acesso, e que poderão voltar a ocorrer espontaneamente e em contato com a mata nativa. O espaço conta ainda com um pequeno café e sanitários. Para a cobertura, foi pensado um espaço nos moldes do telhado-jardim do CCSP da Rua Vergueiro: um local de descanso e convívio, com infraestrutura para a criação de hortas comunitárias e outras atividades relacionadas ao espaço do gramado. Este espaço estaria ligado ainda à ideia da esplanada com paisagismo, existente no projeto original de Wilheim. Atravessando a passarela, o usuário chega a uma esplanada de concreto, também direcionada a usos não-programados ao ar livre. Em sua extremidade, junto às escadas e prumada de elevadores, foi insta94

[59] Vista para o jardim na cobertura com seus possíveis usos expontâneos [60] e [61] Vistas gerais da passarela metálica, ligando os dois volumes preexistentes.

lado um volume para o restaurante, que se abre para a vista da copa das árvores, acompanhado de um módulo de sanitários.

... A seguir, serão apresentados os desenhos referentes ao projeto de intervenção. As plantas e cortes da proposta podem ser visualizadas em melhor escala nas pranchas anexas a este caderno.

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demolir-construir | pavimento térreo | nível 2.51 esc. 1:1000

proposta | pavimento térreo | nível 2.51 esc. 1:1000

demolir-construir | pavimento inferior | nível - 2.93 esc. 1:1000

proposta | pavimento inferior | nível - 2.93 esc. 1:1000

demolir-construir | pavimento superior | nível 6.93 esc. 1:1000

proposta | pavimento superior | nível 6.93 esc. 1:1000

proposta | corte AA esc. 1:1000

proposta | corte BB esc. 1:1000

proposta | corte CC esc. 1:1000

proposta | corte DD esc. 1:1000

corte longitudinal da passarela metálica | estrutura esc. 1:250

corte longitudinal da passarela metálica | revestimento esc. 1:250

detalhe da estrutura da passarela metálica esc. 1:50 105

corte transversal da passarela metálica esc. 1:50

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opção de layout para área expositiva esc. 1:500

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opção de layout para área expositiva esc. 1:500

detalhe caixa metálica | tipo 1 esc. 1:100

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detalhe caixa metálica | tipo 2 esc. 1:100

detalhe painéis expositivos esc. 1:100

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detalhe painéis expositivos junto a caixa metálica esc. 1:100

esc. 1:50

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detalhe em corte do espelho d’água | pavimento inferior esc. 1:100

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REFERÊNCIAS

A seguir serão apresentados projetos que, de diferentes formas, serviram de referência para o projeto de intervenção aqui apresentado. Alguns deles puderam ser visitados durante o desenvolvimento do trabalho ou em viagens realizadas anteriormente, o que facilitou muito a compreensão dos aspectos estudados. Os projetos que não puderam ser visitados, foram estudados com base em fotos e desenhos de publicações existentes sobre os mesmos. Alguns dos projetos foram selecionados pelas formas como a preexistência foi incorporada no projeto do novo, como é o caso do Neues Museum de David Chipperfield, em Berlim, e do Museo di Castelvecchio de Carlo Scarpa, em Verona. Dentro da mesma lógica de diálogo com a preexistência, mas com foco nas relações de materialidade entre o antigo e o novo, foram escolhidos também para estudo os projetos do Kolumba Museum de Peter Zumthor, em Colônia, do MUDE, em Lisboa, do DI Telegraph, um antigo edifício de telecomunicações em Moscow, e da Z-Gallery, na China.

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NEUES MUSEUM, DAVID CHIPPERFIELD Berlim, 2009

O projeto de intervenção de David Chipperfield para o Neues Museum (2009) é uma referência de altíssima qualidade no que diz respeito ao modo como os diferentes tempos presentes na estrutura foram trabalhados em equilíbrio dentro do projeto. O museu, projetado originalmente por Friedrich August Stüler e construído entre 1841 e 1859, sofreu sérios danos durante a Segunda Guerra Mundial e se tornou um sítio bombardeado abandonado. Medidas emergenciais foram tomadas apenas nos anos 1980, para garantir a segurança da estrutura remanescente. Em 1997 o escritório de Chipperfield ganhou o concurso para sua reconstrução, em colaboração com Julian Harrap, com um projeto com foco na reparação do volume original, respeitando a estrutura histórica.

[62] Escadaria principal do museu. A forma original foi mantida, porém refeita com um material contemporâneo. David Chipperfield Architects. [63] Croquis de estudo para completamento da estrutura existente. David Chipperfield Architects.

A proposta de Chipperfield não apaga ou ignora as marcas provocadas pelos bombardeios de guerra, criando algo inteiramente novo no local, nem a reconstrução do prédio em seu estado original. O projeto segue o que o arquiteto chama de “terceiro caminho”, permitindo uma leitura de sua história, sem, no entanto, se afastar do momento presente, proporcionando uma fluidez temporal e espacial para que o edifício possa seguir em frente. “O processo pode ser descrito como uma interação multidisciplinar entre reparo, conservação, restauração e recriação de todos os seus componentes. A sequência original de salas foi recuperada com as novas seções construídas, que criam continuidade com a estrutura existente. O restauro quase que arqueológico seguiu os preceitos da

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[64] Novos elementos pré-fabricados de concreto, que recompõem as salas expositivas. David Chipperfield Architects. < http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum > [65] Hall principal com as colunas marcadas pela Guerra. David Chipperfield Architects. < http://www.davidchipperfield. co.uk/project/neues_museum > [66] Sala original restaurada de acordo com os preceitos da Carta de Veneza. David Chipperfield Architects. < http://www. davidchipperfield.co.uk/project/neues_ museum > [67] Nova sala expositiva. David Chipperfield Architects. < http://www.davidchipperfield.co.uk/project/neues_museum >

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“The process can be described as a multidisciplinary interaction between repairing, conserving, restoring and recreating all of its components. The original sequence of rooms was restored with newly built sections that create continuity with the existing structure. The almost archaeological restoration followed the guidelines of the Charter of Venice, respecting the historical structure in its different states of preservation. All the gaps in the existing structure were filled in without competing with its brightness or surface. The restoration and repair of the existing elements of the building were driven by the idea that the spatial context and materiality of the original structure should be emphasised – the contemporary reflects the lost but without imitating it.” Trecho do memorial de projeto traduzido pela autora. (CHIPPERFIELD, 2009.)

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Carta de Veneza, respeitando a estrutura histórica em seus diferentes estados de preservação. Todas as lacunas na estrutura existente foram preenchidas sem competir com seu brilho ou superfície. O restauro e reparação dos elementos existentes do edifício foram impulsionados pela ideia de que o contexto espacial e a materialidade da estrutura original deve ser enfatizada - o contemporâneo reflete a perda mas sem imitá-la.” (CHIPPERFIELD: 2009.) 13

As novas salas expositivas, propõem novas formas de ocupação do espaço, como as famosas apresentações de dança criadas pelo museu. As escadarias principais foram refeitas com elementos de concreto pré-fabricados de grande formato, produzidos com uma mistura de cimento branco e pedaços de mármore, repetindo a forma original sem, no entanto, replicá-las, dentro do majestoso salão onde estão preservados os volumes de tijolos, desprovidos de sua ornamentação original.

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MUSEO DEL CASTELVECCHIO, CARLO SCARPA Verona, 1959-73

O projeto de restauro de Carlo Scarpa para o Museo di Castelvecchio (1959-73), em Verona, enquadra-se na linha italiana dos anos 1950-60, que se distingue pela recuperação de edifícios históricos de valor particular e por uma concepção de projeto que é ao mesmo tempo restauro e reorganização de seus espaços interiores. O arquiteto operou sobre um objeto complexo, fragmentado, e procurou dar fluidez e sentido a esses fragmentos dentro do projeto, insinuando-se entre as preexistências a fim de propor ampliações, novos percursos e soluções distributivas. Dessa forma, interessou-lhe, mais do que as teorias do Restauro, a clareza histórica, para que cada fragmento se tornasse reconhecível dentro da trama.

“A Castelvecchio tutto era falso. Ho deciso di adottare alcuni valori ascendenti, per rompere la innaturale simmetria: lo richiedeva il gotico e il gotico, sopratutto quello veneziano, non è molto simmetrico.” Carlo Scarpa sobre o projeto de intervenção para o Castelvecchio em entrevista em Madrid, 1978. In: LOS, Sergio. Carlo Scarpa, guida all’architettura. Verona: Arsenale Editrice, 1995. p. 54, trad. pela autora. 14

[68] Intervenção de Scarpa na Reggia para a colocação da estátua de Cangrande della Scala, Museo di Castelvecchio, Verona. Os materiais e o novo desenho proposto por Scarpa ficam evidentes em meio à preexistência. Acervo pessoal, fev. 2014.

O edifício já havia passado por um restauro em 1923, quando foi transformado em museu pelo arquiteto Forlati, que acabou mascarando muitas de suas caracteristicas originais ao criar um novo ritmo com repertório gótico para a fachada principal, voltada ao pátio central. “No Castelvecchio tudo era falso. Decidi adotar alguns valores ascendentes para romper com a simetria artificial: exigencia do gótico. E o gótico, sobretudo aquele veneziano, não é tão simétrico.” (SCARPA, 1978) 14

Depois de várias tentativas, Scarpa acabou deixando a fachada praticamente intacta, realizando pequenas intervenções para quebrar a indesejada simetria existente.

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As salas foram desenhadas com base no confronto entre o antigo e o novo e em função das obras que iriam abrigar. O objetivo era uma fusão espacial e uma harmonia entre o edifício, o ambiente expositivo e os objetos expostos. Dessa forma, o que é de cada período é identificável por sua materialidade, porém, não há uma grande diferenciação formal, ao contrário, o que predomina é uma agradável continuidade de formas.

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Sua intervenção mais significativa no edifício se deu no local escolhido para a colocação da estátua de Cangrande della Scala, o ponto de maior trama histórica do conjunto. Hasteada sobre uma altíssima laje, apoiada por um suporte de cimento, a estátua foi colocada para ser vista a partir de qualquer ponto do castelo, tornando-se um ponto de referência em todo o conjunto. Dessa forma, o arquiteto cria uma linguagem própria que o permite expressar-se no projeto, sem, no entanto, deixar de respeitar e dialogar com a obra preexistente.

[69] Fachada do Museo voltada ao pátio, retrabalahda por Scarpa. Acervo pessoal, fev. 2014. [70] O projeto museográfico, desenvolvido em conjunto com o restauro do edifício, utiliza as formas da preexistência e a luz para criar salas pensadas especialmente para as obras a serem abrigadas. Acervo pessoal, fev. 2014.

[71] Portão metálico desenhado por Scarpa, que se tornou um dos desenhos característico em suas intervenções. A nova linguagem contrasta com a forma do vão preexistente, mas em nenhum momento impede sua leitura. É possível, dessa forma, ler dois extratos temporais em um mesmo desenho. Acervo pessoal, fev. 2014. [72] Área de intervenção para a colocação da estátua de Cangrande della Scala vista por outro ângulo. Acervo pessoal, fev. 2014.

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KOLUMBA MUSEUM, PETER ZUMTHOR Colônia, 2007

O projeto de Zumthor para o Kolumba Museum (2007) é outro exemplo que lida com os rastros de destruição deixados pela Segunda Guerra Mundial. Ele delicadamente renasce das ruínas de uma igreja do gótico tardio em Colônia, respeitando a história do lugar e preservando sua essência. O volume final é grandioso, mas o que realmente surpreende é a forma como os novos materiais se inserem em meio aos antigos, com respeito e distinção. O museu abriga a coleção de arte da Arquidiocese Católica Romana, que se estende por mais de mil anos. A peça mais importante da coleção consiste na imagem consagrada da “Madonna of the Ruins”, que sobreviveu intacta aos bombardeios de guerra em meio às ruínas da igreja gótica preexistente. Segundo Zumthor, “Eles [a Arquidiocese] acreditam nos valores próprios da arte, sua capacidade de nos fazer pensar e sentir, seus valores espirituais. Este projeto surge de dentro para fora e a partir do local”. (ZUMTHOR, 2007)

[73] Encaixe preciso entre os tijolos preexistentes e os novos tijolos cinza, feitos sob medida para a intervenção. Foto: José Fernando Vazquez para o ArchDaily.

A intervenção é criteriosa e procura dar continuidade e fluidez às formas preexistentes. Para isso, o arquiteto utilizou tijolo cinza, confeccionado artesanalmente e sob medida para o projeto, para unir os fragmentos destruídos do lugar, que incluem peças remanescentes da igreja gótica, ruínas de pedras dos períodos romano e medieval, e a capela para “Madonna of the Ruins” projetada pelo arquiteto alemão Gottfried Böhm, em 1950.

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[74] e [75] Percurso proposto pelo projeto com passarelas por entre as ruínas da antiga igreja. É possível identificar vestígios de diferentes períodos contrutivos sobrepostos, envoltos pelo novo invólucro contemporâneo, que propõe ainda o jogo de luzes recorrente nas catedrais góticas. Fotos: José Fernando Vazquez para o ArchDaily. [76] Escada metálica leve, que se acopla à estrutura e permite que o encontro entre os difetentes tempos protagonize a obra. Foto: José Fernando Vazquez para o ArchDaily.

[77] O novo volume criado por Zumthor distingui-se das ruínas preexistentes. Foto: José Fernando Vazquez para o ArchDaily. [78] Plantas de dois pavimentos do museu. Em branco as áreas preexistentes e em tons de marrom as intervenções de Zumthor. Fonte: Archisquare < http://www. archisquare.it/peter-zumthor-kolumba-museum-colonia/>.

A materialidade desempenha um importante papel na totalidade do desenho, de forma que a fachada de tijolos cinza integra o que restou da antiga fachada da igreja, criando a imagem de um museu contemporâneo. Articulada com perfurações, o tijolo permite luz difusa que preenchem alguns espaços específicos do museu. Conforme o passar das estações, a “luz mosqueada se desloca e brinca pelas ruínas” (ZUMTHOR: 2007), criando um ambiente pacífico em constante mudança.

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MUDE, RICARDO CARVALHO + JOANA VILHENA Lisboa, 2009

A instalação provisória do Museu do Design e da Moda (2009) em Lisboa, realizada pelos arquitetos portugueses Ricardo Carvalho e Joana Vilhena, assumiu a aspereza dos acabamentos depredados do antigo edifício do Banco Nacional Ultramarino como parte do projeto. Após uma reforma interrompida no ano 2000 por questões patrimoniais, o edifício de 1952, projeto do arquiteto Cristino da Silva, acabou ficando sem seus acabamentos originais, expondo suas colunas de concreto e laje crua. O projeto original caracterizava-se pelo piso térreo inteiramente dedicado ao atendimento dos clientes do banco, com uma forte relação urbana com as quatro ruas que envolvem o quarteirão, e um ambiente marcado pelos materiais de grande solidez e sofisticação construtiva, com um balcão em pedra capaz de desenhar por si só todo o espaço e marcar o quarteirão pelo interior. O estado ‘em bruto’ em que o edifício se encontra é a imagem marcante do projeto. Neste pressuposto, a intervenção é mínima e enfatiza, por contraste, o programa funcional, criando uma acessibilidade e circulação fluida e segura, inclusive para portadores de deficiências físicas. O projeto reforça a identidade arquitetônica, preservando os elementos fundamentais do edifício preexistente.

[79] Área expositiva no piso superior do MuDE. O estado bruto dos materiais construtivos expostos contrasta com a expografia de materiais leves e luz. Foto: Acervo pessoal, fev. 2014.

Segundo o arquiteto Ricardo Carvalho: “Trata-se do único quarteirão na Baixa Pombalina passível de ser visto no interior sem obstruções significativas. O projeto partiu

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desta singular possibilidade perceptiva e propôs a instalação do novo programa sem recurso à construção de paredes. Foram necessárias demolições pontuais para clarificar a matriz da intervenção. A iluminação artificial apodera-se de alguns elementos construídos e investe na imaterialidade da luz para reforçar a presença da estrutura em betão armado e, principalmente, das peças da coleção.” (CARVALHO, 2009)

A maior parte dos espaços que funcionam como galerias expositivas podem ser usados de maneira flexível e modular. A utilização da luz e de materiais do universo da construção procura valorizar a forte presença da estrutura preexistente e também das peças da coleção, que ocupam o espaço de modo informal, enquanto o olhar percorre livre todo o espaço. 128

[80] Planta do nível térreo. Área de exposição permanente. A expografia é modular e se ajusta à estrutura preexistente. Fonte: Catálogo da exposição permanente do MuDE, “Único e Múltiplo - 2 séculos de Design” Câmara Municipal de Lisboa. [81] e [82] Áreas expositivas do nível térreo. Projeto de intervenção de Ricardo Carvalho e Joana Vilhena. Disponível em:

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[83] Detalhe de uma das colunas do edifício em seu estado bruto, sem revestimentos. Foto: Acervo pessoal, fev. 2014.

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DI TELEGRAPH, ARCHIPROBA Moscow, 2014

O Central Telegraph, antigo edifício de telecomunicações construído em 1927 no centro de Moscow, passou por um interessante projeto de intervenção comandado pelo escritório russo Archiproba, a fim de produzir uma planta livre para a companhia de tecnologia Dream Industries (2014). O edifício, com características modernistas e construtivistas, abrigava originalmente grandes equipamentos de telecomunicação analógica, que geravam muito calor. Isso justificava seus generosos pé-direitos de até 7m, permitindo que os sistemas de ventilação dessem conta de dissipar o calor. Posteriormente, a estrutura ficou abandonada por um longo período, chegando a um estado de degradação avançada. A ideia principal do projeto foi retornar o espaço a seu estado original, sem interferir na composição dos materiais remanescentes, que faziam fortes referências à história do edifício. Para isso, os arquitetos tiveram que lidar com a restauração das grandes colunas agrupadas em linha no centro da sala, assim como a limpeza das esquadrias metálicas originais, escondidas sob muitas camadas de tinta e papel. O uso de materiais como o vidro e estruturas metálicas leves proporcionou um diálogo sutil com o concreto e o tijolo preexistentes, garantindo ainda os grandes espaços abertos desejados pela empresa.

[84] Vista geral do projeto com quiosque de vidro e metal à esquerda e auditório com cortinas divisórias à direita. Foto: Ilya Ivanov.

“Paredes de tijolo, colunas de concreto, teto com traços de revestimento de madeira áspera de 1920, e molduras de madeira de 80 anos de idade falam eloquentemente por si mesmos fazendo referência à

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[85] Vista para o mesanino de estrutura metálica preta, que dialóga com as colunas de concreto e as vedações de tijolo preexistentes. Foto: Ilya Ivanov. [86] Quiosque de vidro e estrutura metálica que abriga um pequeno café e uma sala de reuniões. Foto: Ilya Ivanov. [87] Alinhamento central das colunas de concreto preexistentes. Foto: Ilya Ivanov.

“Brick piers, concrete columns, ceiling with traces of rough wooden casing from 1920s, and 80-years-old wooden frames speak eloquently for themselves making reference to the building’s history. All that the authors had to do is just not to spoil anything.“ ARCHIPROBA in: “DI Telegraph / Archiproba” 15 Aug 2014. ArchDaily. Acessado em 11 Set 2015.

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[88] Área reservada para a zona de coworking, com mesas modulares e mobiliário de composição flexível. Foto: Ilya Ivanov.

história do edifício. Tudo o que os autores tinham a fazer era apenas não estragar nada.” (ARCHIPROBA: 2014) 15

A grande sala foi dividida em várias partes: a primeira, ao lado da entrada, tornou-se um espaço para seminários, conferências e apresentações, com cortinas de tecido de isolamento sonoro. A seguir, está localizado um quiosque de vidro e metal que abriga de um lado um mini-café e do outro uma sala de reuniões. A última área é reservada para uma zona de co-working com módulos destacáveis que, dependendo das necessidades das equipes, podem se transformar e assumir novas configurações. O projeto chamou a atenção pela flexibilidade proporcionada pela apropriação do vazio do edifício antigo, além da excelente escolha de materiais, que distinguem-se dos preexistentes, mas, ainda assim, proporcionam um diálogo harmônico e contemporâneo.

Layout

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Z GALLERY, O-OFFICE ARCHITECTS Shenzhen, 2014

A Z Gallery (2014) consiste na primeira intervenção realizada pelo escritório O-Office no complexo fabril abandonado próximo a Shenzhen, na China. O projeto procura dar uma nova identidade aos edifícios abandonados, transformando-os em um novo distrito de arte para a cidade, conhecido como ID Town. O complexo, composto por cinco grandes edifícios de estrutura de concreto com vãos modulares de 6 metros, pertencia à fábrica Honghua Dyeing, fundada em 1989. Em 2001 a fábrica fechou por falência e, desde então, seus espaços permaneceram abandonados e alvo de intempéries, o que lhes conferiu o ar arruinado que possuem hoje. A fim de manter o caráter de ruína do edifício, os novos elementos inseridos pelo projeto mantêm uma distância em relação aos elementos preexistentes, criando um interessante contraste entre o antigo e o novo. A ausência de janelas e portas confere aos espaços uma transparência que também dialoga com as paisagens do entorno, no coração de uma área verde montanhosa.

[89] Caixa preta de aço que parece flutuar sobre o piso arruinado da antiga fábrica. Foto: O-Office Architects. [90] Diagrama esquemático do projeto. Fonte: O-Office Architects.

O projeto é concebido como uma caixa de aço preto linear que parece flutuar sobre o piso arruinado do edifício. Espaços expositivos, café, salas de reuniões e uma pequena recepção estão organizados dentro da caixa. A fim de responder às diversas demandas de uso do espaço, e para lidar com o calor e a umidade do sul da China no verão, suas fachadas são compostas por uma série de painéis e portas deslizantes, que permitem criar variadas configurações, em

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diferentes eventos ou épocas do ano. Alinhadas com a caixa preta principal, existem mais 7 caixas de cor acinzentada, dispostas em ziguezague entre os substratos de máquinas abandonadas, que abrigam ateliês individuais para artistas. Cada caixa funciona como uma incubadora e, ao mesmo tempo, como uma vitrine de determinado artista, que pode explorar o espaço construído e toda a área da fábrica, extendendo suas criações para as ruínas pós-industriais.

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[91] Layout e cortes do projeto de intervenção. Fonte: O-Office Architects.

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[92] Relação da caixa principal com o edifício existente. Foto: O-Office Architects. [93] e [94] Caixas acinzentadas que abrigam os ateliês individuais dos artistas e extrapolam suas criações para a ruína. Fotos: O-Office Architects.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho é resultado de uma inquietação pessoal, constituída ao longo de todo o meu percurso na graduação, sobre as formas de atuação na preexistência arquitetônica. Procurei sintetizar algumas das questões relevantes a essa prática no âmbito teórico, a fim de aplicá-las no exercício de projeto. Apesar de o edifício preexistente não configurar um bem tombado pelos órgãos de preservação, foi possível mobilizar o problema de projeto como uma questão patrimonial, tratada também como tema de Restauro. Isso demonstra que a preservação de um edifício independe de seu tombamento, estando muito mais ligada ao reconhecimento de um valor existente na obra, seja ele histórico ou artístico, a ser mantido e respeitado durante o desenvolvimento do projeto. Restauro é Arquitetura e, portanto, trata-se de uma atividade essencialmente de Projeto. Nesse sentido, a aproximação das duas disciplinas mostrou-se extremamente enriquecedora no que diz respeito à construção de um conhecimento integrado da Arquitetura, que une o saber teórico à criatividade de projeto, através de um constante posicionamento crítico. O reconhecimento dos diferentes extratos temporais presentes no edifício possibilitou um maior entendimento da obra em sua totalidade, além da compreensão de seus valores a serem mantidos no projeto. Nesse sentido, a proposta de intervenção procurou dialogar de maneira adequada com cada um dos extratos temporais alí pre-

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sentes, buscando sempre manter a boa leitura de seus elementos e garantir sua percepção espacial. Assim, a manutenção do vazio e da materialidade arruinada do concreto, bem como a decisão por uma intervenção mínima, reconhecível e de caráter flexível mostraram-se adequadas, funcionando como respostas de projeto às questões levantadas durante o estudo da obra preexistente. A proposta de reconfiguração do edifício possibilitou, através do novo programa proposto, a criação de um equipamento que promove o encontro entre as diferentes unidades da USP e, ao mesmo tempo, uma ponte entre o público externo e a Universidade, quebrando as barreiras entre seus usuários e garantindo que o uso se estabeleça no espaço.

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O trabalho é finalizado com um exercício de projeto, que procura contribuir para o alargamento do diálogo entre o antigo e o novo, levantando questões que não se encerram dentro do recorte abordado, mas que buscam uma ampliação do tema para outros contextos e tempos da arquitetura.

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BIBLIOGRAFIA

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TRABALHOS ACADÊMICOS 146

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VIDEOS CCSP, Concepção e uso dos espaços. CCSP 30 anos. Entrevista

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