Arquitetura Moderna Capixaba e Identidade

July 24, 2017 | Autor: Clara Miranda | Categoria: Teoria História e Crítica da Arquitetura e do Urbanismo
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VIII Encontro Regional da Anpuh-ES “História Política em debate: linguagens, conceitos, ideologias” Arquitetura Moderna Capixaba e Identidade Clara Luiza Miranda Professora PPGA-PPGAU-DAU-UFES “Identidade é o que a gente mostra para os outros. Caráter é o que a gente guarda para si” Carpinejar “Qual o sentido de uma identidade ou de uma memória que se querem nacionais?" Renato Ortiz

O modernismo no Brasil se articulou à constituição do Estado-nação, dirigindo a cultura nacional para construção de um “Brasil moderno”. A arquitetura como manifestação cultural contribui para alimentar o debate político e intelectual em torno do que é o nacional. Deste modo, relacionar a arquitetura capixaba produzida durante o auge da arquitetura moderna brasileira, ocorrida no período entre os anos 1940 e os anos 1960, conduz à discussão das problemáticas da identidade brasileira. Críticas internacionais sobre o afastamento da arquitetura brasileira das “congêneres” da Alemanha e da França, por outro lado, indagações regionais em torno das “coisas da terra” reposiciona a discussão sobre o que poderia ser um moderno nacional ou regional. Este artigo tem como ponto de partida a dificuldade de responder esta questão, porém a intenção principal é apresentar a arquitetura moderna capixaba, sobretudo, o trabalho produzido, pelos arquitetos Élio Vianna e Maria do Carmo Schwab como um veiculo da ideologia moderna, preconizada mais especificamente a partir do Governo de Jones Santos Neves (1951-54). A coerência da linguagem arquitetônica dos arquitetos modernos: Élio Vianna, Francisco Bolonha, Ary Garcia Roza e Maria do Carmo Schwab são modelos exemplares das construções que se difundem desde 1948, data da chegada de Èlio Vianna recém formado ao Espírito Santo. A linguagem da arquitetura moderna se difunde nitidamente nos anos 1950, sendo assimilada pelo Governo Jones e por outros setores da sociedade capixaba: construção civil, indústria e classe média alta. A partir desse modelo os arquitetos modernos capixabas recorrem aos códigos da Arquitetura Moderna Brasileira – AMB, fundamentada no modelo ético-estético do nacionaldesenvolvimentismo, com sintaxes coerentes, seguras e com adequação ao sítio onde construíram Para discutir a problemática da identidade nacional recorre-se a Renato Ortiz e a Paulo Eduardo Arantes. Renato Ortiz equipara a crítica dos intelectuais do Século XIX - sobre a “cópia das idéias das metrópoles”- e a crítica dos intelectuais dos anos 1960 - sobre seu diagnóstico de uma manifestação cultural alienada e importada dos países centrais. Esta percepção de dualidade entre centro e periferia manifesta uma inalterável “sensação de estar fora do eixo em relação a mundo do qual entretanto somos parte” diz Roberto Schwartz (apud ARANTES). Paulo Eduardo Arantes registra que os intelectuais (e a sociedade) brasileiros sentem-se condenados a oscilarem entre dois níveis de cultura e compelidos à dialética do local e do universal. O Brasil encontra-se “dividido entre duas realidades discrepantes”: a tradicional-rural e a moderna-urbana e representa os “dois Brasis” que Getúlio Vargas procurava conciliar

(DINIZ FILHO e BESSA, 1981: p. 105). Até os “Anos JK” este modelo dualista de sociedade explicava o atraso e a mudança. Desde o seu advento o modernismo procurou designar obsessivamente a virtual identidade nacional. Entretanto, a construção da idéia de identidade nacional foi um concomitante projeto de tradicionalistas e modernistas. Renato Ortiz adverte que “toda identidade é uma construção simbólica [em seu ver necessária], o que elimina portanto as dúvidas sobre a veracidade ou a falsidade do que é produzido”. Ainda, de acordo com Renato Ortiz não existe uma identidade autêntica mas uma pluralidade de identidades produzidas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos. Neste quadro, Renato Ortiz se pergunta o que seria uma cultura nacional? E encaminha a indagação: “qual o sentido de uma identidade ou de uma memória que se querem nacionais?". A cultura brasileira no momento da inserção do modernismo no Brasil é tratada como uma questão política. Lúcio Costa, que pode ser considerado o teórico mais importante da arquitetura moderna brasileira - AMB, faz uma operação de “nacionalizar” a linguagem da arquitetura moderna que nasce e se dissemina de modo supranacional. Para Lúcio Costa a AMB: “(...), não somente (...) renova uns tantos recursos superficiais peculiares à nossa tradição, mas fundamentalmente porque é a própria personalidade nacional que se expressa, utilizando materiais e técnicas do tempo, através de determinadas individualidades do gênio artístico nativo”. A especificidade da arquitetura moderna brasileira, segundo Lúcio Costa, se expressa através da personalidade eleita de Oscar Niemeyer, assim como Aleijadinho tinha feito com o barroco, também um estilo adventício. No caso Niemeyer encarna o “gênio artístico nativo” que socializa a criação artística, unindo a arquitetura moderna a uma “raiz popular”, mais precisamente, a um significado coletivo nacional. Temos nesta sentença de Lúcio Costa uma das fórmulas da arte e da arquitetura modernas produzidas na América Latina. Estas são implementadas no cruzamento de caminhos entre citações (e interações) européias e citações populares que se compõe e se decompõem nos seus percursos de criação e recepção. Manifestações culturais estas sempre mestiças e impuras como diz Nestor Canclini (2006: p. 328). Outra questão relevante neste projeto cultural nacional modernista é que a relação entre cultura popular e cultura erudita é uma via de mão única. Assim, o popular é fonte e possível destino das obras da produção cultural. Entretanto, enquanto ao povo é imputado um papel passivo, aos intelectuais e aos artistas o papel “auto-atribuído [é o] de mediadores das “elites”: a coleta, seleção, re-elaboração e difusão da produção cultural, na qual era essencial a mediação do Estado” (CORDIDO, BUZZAR e SANTOS, 2010). Mesmo alguns arquitetos do “Realismo Socialista”, que consideram a arquitetura moderna imperialista, atribuem valor diferenciado à arquitetura moderna brasileira. Por exemplo, o arquiteto Vilanova Artigas nos anos 1950, diz que esta arquitetura, embora originalmente importada, mantém uma atitude crítica frente à realidade, articulando-se às lutas populares, por esta razão poderia ser organicamente nacional e proporcionar modernização. Mais tarde, no período do Regime Militar, este modelo modernista recebe fortes críticas. O arquiteto Sérgio Ferro faz uma crítica radical as precárias condições de trabalho dos operários nos canteiros de obras, e da ausência de racionalidade na construção civil. De modo que como fonte cultural com papel passivo (já referido), a população de baixa renda, quando não moldada à matriz moderna, é ignorada. Os recursos estatais e da arquitetura não dão conta do imenso déficit

habitacional do período. Os mais críticos constatam que a modernização perpetrada ficou restrita as chamadas “ilhas de racionalidade” onde a modernização alcança: nos estados brasileiros se dissemina em poucas cidades e nestas abrange alguns poucos setores. Outra questão que se coloca é: como ser ao mesmo tempo moderno (individualista, cientificista, industrial, inovador) e nacional (autóctone, endógeno, autêntico, nativo)? Muitos arquitetos modernos brasileiros encaminham-se para valorização da criação individual e da paisagem. No entanto, mesmo este tipo de produção arquitetônica vanguardista, ligada à intenção plástica individual, acusada de não enquadrar-se a nenhum “sistema orgânico de projetação” (Ernesto Rogers apud MIRANDA, 1998: p. 271), socializava sua linguagem e seus procedimentos técnicos. O trabalho dos arquitetos modernos capixabas ou que atuaram no estado atestam este fato: Francisco Bolonha, Ari Garcia Roza, Élio de Almeida Vianna e Maria do Carmo de Novaes Schwab. Mas, o que é ser moderno? O que é arquitetura moderna? A modernidade é produto de processos globais de racionalização, que se deram na esfera econômica, política e cultural. Modernização significa aumento de eficácia conjugada ao aumento de autonomia. No fim da Primeira Guerra Mundial, principalmente nos países mais desenvolvidos da Europa, advém uma situação social, econômica e tecnológica profundamente modificada. Ocorre a aceleração do desenvolvimento industrial, gerando postos de trabalho e inovações tecnológicas, devido modelo industrial que submete e desagrega a produção rural, a multiplicação das populações urbanas mundialmente. A burguesia profissional se transforma em “classe” de técnicos dirigentes, enquanto a classe operária torna-se um componente forte da comunidade urbana densa, congestionada e poluída pelas emanações das instalações fabris (ARGAN, 1993). Em virtude de mudanças em seu dinamismo funcional, como também a crescente mecanização dos serviços e dos transportes, a estrutura da cidade do Século XIX não responde às novas exigências sociais e técnicas. Na concepção do movimento moderno, a cidade é considerada um organismo produtivo, uma máquina. De modo que o planejamento urbano deveria preceder ao projeto de arquitetura e à construção civil para controlar o crescimento urbano (ARGAN, 1993), configurando a cidade como uma linha de montagem industrial. A arte assume a programação cultural metropolitana, articulando uma rica interlocução com a arquitetura, que baseia uma nova plástica. Neste contexto entre 1928 e 1956 são organizados os Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAMs) com o objetivo de racionalização da construção e de adequação da estrutura da cidade à função produtiva social urbana, observando que as soluções da construção civil se alinhavam à escala urbanista e à tecnologia industrial. O CIAM se torna o principal órgão de difusão internacional da arquitetura moderna que visa expressar a nova civilização da técnica e da máquina. Porém no Segundo Pós Guerra, verificam manifestações implícitas de contextualismo no quadro internacional, e não somente a arquitetura de Niemeyer. A princípio, a arte moderna assim como a arquitetura moderna tinham vertentes de signo crítico ligadas ao primitivismo, ao arcaico, ao dissenso, à livre-expressão, à empatia mas estas foram submetidas pela “ordem científica” que passa dominar o campo cultural do movimento moderno. No campo cultural internacional, sobretudo, a “ordem científica”, naquele período, liga-se, por um lado, ao pretenso êxito da tecnologia, que produz determinada evolução do conhecimento científico e uma postura

triunfante dos partidários do cientificismo, enfim do Positivismo; ou simplesmente devido crença na superioridade do racionalismo ocidental. Neste quadro, a força ideológica da crítica internacional advém do modo como se coloca no campo, delimitando um “círculo civilizado” que lhe confere autoridade. A fim de pertencer a este círculo civilizado, a abordagem ou as cobranças de que a arquitetura moderna brasileira seja cada vez mais tecnológica e racional se iniciam nos anos 1950 e só cessam ao “toque de recolher” imposto pelos militares. Enfim, as fontes da identidade nacional da arquitetura moderna brasileira deslocam-se do popular para o “esforço para formar uma nova arquitetura, levando o modo de produção existente às últimas conseqüências” (Artigas apud MIRANDA, 1998: p. 316) e ao “gênio nacional” que produz a “melhor arquitetura do mundo”. O Brasil em 1930-46 possuía base econômica agro-exportadora, industrialização nascente, maioria da população rural, alto índice de analfabetismo e produção artística e cultural escassa. Desde os anos 30, os investimentos na formação de uma estrutura industrial, de um mercado nacional e de um campo cultural mais fértil foram massivos no Rio de Janeiro e em são Paulo. Constitui-se o alicerce para sair do subdesenvolvimento que fortalece a indústria de base e leva a uma relativa autonomia cultural. A lógica instaurada pelo projeto modernista brasileiro definia-se na interação entre a necessidade de renovação cultural e de reforma social. O objetivo era ingressar na modernidade e gerar a modernização do país. Tratava-se de construir uma identidade baseada na paisagem local e no novo homem brasileiro. Em toda parte sucedeu de os modernistas brasileiros, artistas e arquitetos, praticaram em sua ação cultural forçosamente política cultural. Esta modalidade de ação cultural pode ser verificada no trabalho de: Mário de Andrade que investiu em vários projetos culturais e de patrimônio histórico; na atuação de Villa Lobos e de Lúcio Costa, na defesa da implantação de disciplinas de canto e desenho nas escolas brasileiras; na iniciativa de Oscar Niemeyer com a criação de uma revista de arquitetura e arte; e na militância de Rino Levi pelo reconhecimento da profissão de arquitetos e na integração entre as artes. Aspectos estratégicos para condução deste projeto modernizador de artistas e arquitetos foram articulações entre Modernismo e Estado. Por seu turno, a indústria da construção civil captura da arquitetura moderna brasileira aporte para uma nova a imagem plástica dos edifícios e de sociabilidade urbana. O resultado é a expansão do tecido urbano e a verticalização dos centros das cidades. A Arquitetura Moderna colaborou com o incremento da produção de equipamentos e materiais de construção, sobretudo o concreto armado, e com o desenvolvimento de técnicas do cálculo estrutural (mediante trabalho de engenheiros como Emílio Baumgarten e Joaquim Cardoso), promovendo conjuntamente a difusão de novas tipologias de edificação1 e de novos modos de habitar. A Arquitetura Moderna para se efetivar exige uma série de premissas e condicionantes sócio-econômicos e culturais, sobretudo relacionados: a instalação da indústria de base, a formação de uma classe média numerosa; de uma classe operária considerável; de um campo cultural relativamente autônomo; de produção acadêmica e artística; de uma

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Tipologia é um instrumento de caráter genérico para concepção de projetos que difere de um modelo que se copia precisamente e permite realizar diferentes concepções a partir de um esquema básico que pode ser adaptado: como planta com pátio ou ainda casas geminadas, templos circulares ou igreja cruciforme.

circulação crítica de idéias (via mídia, instituições universitária e culturais, grupos e eventos). A arquitetura moderna capixaba tem estreita relação com a chamada Escola Carioca da arquitetura moderna. A Escola Carioca é uma denominação muito difundida do conjunto de obras e das críticas produzidos pelo grupo de arquitetos que atuam no Rio de Janeiro entre os anos 1940 e 60, dentre eles estão Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy. A constituição de um estilo, de uma linguagem ou de uma escola depende da colaboração de muitos - arquitetos, artistas, urbanistas, construtores, calculistas, críticos e teóricos. É inerente ao processo de projetação em arquitetura, de construção civil e de planejamento urbano a colaboração e a cooperação técnica. Estes colaboradores e criadores concretizam em obra e em discurso, problemas técnicos, construtivos, morfológicos, tipológicos e da relação com a paisagem, propondo soluções e as materializando. Uma escola nunca é trabalho de um indivíduo, embora dependa de insights individuais para dar visibilidade as melhores sintaxes e produtos. A Escola Carioca não é bem a expressão intrínseca de uma identidade carioca, inclusive apresenta variações entre arquitetos, teve aportes internacionais, foi construída em vários estados brasileiros e até no exterior. Observa-se na produção do grupo de arquitetos cariocas a partilha de volumetrias, morfologias e elementos arquitetônicos: tipos de colunas, de coberturas, de esquadrias, de vedações, formas de integração edifício-paisagem que se difundem no trabalho de arquitetos e inclusive, tornam-se chaves para a compreensão dos produtos dos seus trabalhos. Entretanto em 1950, acirrava-se o debate cultural entre o internacional e o regional, e entre a livre expressão, característica do grupo carioca, sobretudo do trabalho de Niemeyer, e o racionalismo. Alguns críticos internacionais questionam a posição da arquitetura moderna brasileira no movimento internacional. O debate internacional é ideológico baseado no intelectualismo ou no cientificismo que conferia autoridade aos seus partidários de administração de movimentos, consolidando lugares consistentes no campo disciplinar. Muitos são radicais, Max Bill, promotor do concretismo no Brasil, durante a Bienal de 1951 “Eu me pergunto, como um país onde existe um grupo do CIAM, uma revista como a Habitat2, e uma Bienal de arte, pode-se chegar a construções tão selvagens” Segundo Max Bill, a supervalorização plástica dessa arquitetura, a isolava dos valores humanos e mesmo artísticos, especificamente criticava o edifício da Bienal, concebido pela equipe de Niemeyer. Para Bill a arquitetura é uma arte social e não uma selfexpression. No Brasil, a voz autocrítica do arquiteto Abelardo de Sousa em artigo publicado na Habitat, reverbera voz a de outros críticos, e contemporizava. “Não sabemos, ainda precisar, o porque desse progresso em nossa arquitetura, não temos a cultura européia, não temos a indústria americana, não temos a tradição dos povos mais antigos, e apesar de tudo isso temos uma arquitetura melhor orientada no seu melhor sentido (...) 2

Revista vanguardista de arquitetura pertencente ao Grupo Diários Associados de Assis Chateaubriand, editorada inicialmente pela arquiteta italiana, naturalizada brasileira, Lina Bo Bardi, cujo marido Pietro Maria Bardi, ex colaborador de Mussolini, é contratado por Assis Chateaubriand para constituir o acervo do Masp: Museu de Arte de São Paulo. Bardi foi diretor do Masp muitos anos.

“Apesar do que dizem de nós, apesar do que pensamos de nós mesmos ainda não estamos fazendo arquitetura”. Porém Brasília reverte, no Brasil, a ideologia do domínio da ciência, tecnologia e da mecanização, substituídos pela forma e expressão triunfantes pelo “sucesso” do empreendimento. Até, o início do regime militar a arquitetura moderna brasileira segue em sua compactuação com o Estado e a indústria na construção na intenção de alcançar uma nação moderna. A ideologia encaminhada pelo movimento moderno, sobretudo, o grupo carioca, tinha o triplo aspecto, referido por Paul Ricouer, de distorção da realidade - os edifícios e seu processo construtivo não são tão racionais quanto se propunham, e a raiz popular foi retórica – de legitimação de um ponto de vista particular sobre o desenvolvimento e sobre o moderno e ainda, de integração da ação social, de mediação de um domínio social, instituindo a sua noção de identidade nacional e se afirmando como grupo que participa ativamente do processo de desenvolvimento nacional. As condições de possibilidade para o surgimento da arquitetura moderna no Espírito Santo foram iniciadas na Era Vargas, no Governo de Punaro Bley (1930-43). O interventor reorganizou a máquina financeira e administrativa. Empreendeu obras que apresentam um protomodernismo que verticaliza e expande a cidade de Vitória. Mas, a arquitetura moderna é melhor assimilada no governo de Jones Santos Neves, também partidário de Vargas Jones governa o estado do Espírito Santo entre 1951-55, teve seu governo pautado em mudanças estruturais no estado junto ao modelo nacional desenvolvimentista do país. Assim, alinhado ao princípio de racionalização e de industrialização da arquitetura moderna, esse governo partilhava da “mentalidade de planejamento” que começa a se disseminar no Brasil. Jones Santos Neves, no seu governo, não exercita o planejamento sistemático a partir de análise, diagnóstico e prognóstico, mas centraliza e coordena várias modalidades, etapas de intervenção e de gestão econômica, social e espacial. A linguagem da arquitetura moderna é um dos meios a expressar o programa modernizador de Jones, que coloca o Estado como instância de transformação social e cultural, atuando nos setores de infra-estrutura urbana e agro-industrial, de habitação e de educação. No conjunto de mudanças estruturais no Estado junto ao modelo nacional desenvolvimentista do país, para Jones dos Santos Neves a educação tinha valor estimado, considerada um dos pilares da sociedade. Em virtude da carência de instituições de ensino em todos os níveis e da necessidade de promover o ensino técnico e superior. A ação governamental de Santos Neves volta-se ao estabelecimento de estruturas de suporte ao ensino fundamental e superior. No seu governo, Santos Neves constrói mais de cinqüenta unidades escolares, tanto na capital quanto no interior do estado e funda Universidade Federal do Espírito Santo. Dentre essas obras, apresentavam-se algumas de grande porte, tais como a Escola Politécnica e o Colégio Estadual do Espírito Santo, em Vitória. O jardim de infância Ernestina Pessoa, de autoria do arquiteto Francisco Bolonha insere-se nesse conjunto de obras de edifícios escolares, em sua maioria, de autoria de Élio de Almeida Vianna, como: o jardim de infância Maria Queiroz Lindemberg, a Escola Normal e a Escola Irmã Maria Horta. O projeto do jardim de infância compõe o processo de reurbanização do Parque Moscoso, localizado no centro de Vitória, também realizado por Bolonha. Esse projeto

urbano confere uma nova fisionomia ao parque, que anteriormente tinha uma linguagem estilística pinturesca, projeto de Paulo Motta, 1908. Bolonha manteve os traçados curvos dos pequenos bosques, inserindo a concha acústica. Destaca-se que o parque e o edifício apresentam-se como obra paradigmática da arquitetura moderna brasileira, apresentado no livro “Arquitetura Moderna no Brasil”, de Henrique Mindlin.

Figura 1- Jardim de Infância Ernestina Pessoa, projeto de Francisco Bolonha situado no Parque Moscoso, Vitória, 1951

A estética da arquitetura moderna brasileira - AMB populariza-se como o modelo a ser seguido em um país que visava ao progresso, à industrialização, sendo Santos Neves um grande incentivador da arquitetura moderna no Espírito Santo. Os ideais progressistas das políticas nacional e estadual, tem nos projetos escolares da época os mais ousados exemplos em sua arquitetura, utilizando-se da linguagem da AMB. O recurso a essa linguagem na arquitetura escolar é considerada prerrogativa para o desenvolvimento político, social e cultural do estado e do país. Os arquitetos capixabas Élio Vianna e Maria do Carmo Schwab formaram-se na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Élio Vianna formou-se entre 1943 e 1947; Maria do Carmo, entre 1949 e 1953. Embora se possam observar, num e noutra, algumas referências de projetações distintas, partilham posturas e repertórios da chamada Escola Carioca. A denominação escola é controversa entre historiadores da arquitetura, mas é acatada aqui para dar mais consistência à manifestação do grupo de arquitetos carioca que atua entre 1940 e 1960, referência para os arquitetos Vianna e Schwab, assim como para Bolonha e Roza. Enfim, corrobora-se com a idéia de que: seja por meio de escola ou grupo a “arquitetura moderna se caracteriza por sua intenção ‘exemplar’, pelo didadismo, os grandes mestres pioneiros foram além de arquitetos, professores e divulgadores das novas concepções” (ZEIN, 2001). Desde 1948, Élio Vianna ocupa o cargo de engenheiro da Secretaria de Viações e Obras Públicas do Espírito Santo (SVOPES). Ainda dentro do SVOPES, funda a seção de Planejamento, da qual é designado chefe. Élio Vianna, também professor da Politécnica do Espírito Santo, por um período significativo de sua carreira na SVOPES, ocupa-se da questão educacional, elaborando projetos de escolas e teses sobre educação. Nos anos de 1950, o arquiteto procura adequar os projetos de edifícios educacionais aos métodos

pedagógicos mais modernos, distanciando-se dos métodos que vigoram naquela época. Nesse trabalho, sua ação cultural se converteu em política cultural. Élio Vianna critica a organização de salas de aula tradicionais e propõe salas abertas para atividades múltiplas. Para ele, as escolas primárias, deveriam ser somente uma grande cobertura, com professores que dirigissem atividades diferenciadas e lúdicas, escolhidas livremente pelas crianças. O arquiteto acredita que esse método instigaria o interesse do aluno e, conseqüentemente, seu intelecto. No entanto, teve inúmeras dificuldades de implantar suas idéias nas escolas que projetou. Deparou-se com velha dificuldade dos modernos; a defasagem entre o horizonte de expectativas e a realidade de atuação.

Figura 2 – Estudo de ambiente para “escola de integração”, projeto não realizado de Élio Vianna.

Figura 3 – Jardim de infância Maria Lindemberg Queirós, Praia do Canto, Vitória 1951, projeto de Élio Vianna.

Figura 4 – À esquerda Élio Vianna, atuação nos projetos na SVOPES

Figura 5 - Escola Politécnica, Maruípe, atual Casa do Cidadão, Vitória, 1954, projeto de Élio Vianna

Durante o ano de 1966, Élio frequenta um curso de Instalações Industriais na PUC do Rio de Janeiro. A partir deste curso produz diversos projetos industriais como a fábrica da Real Café e da CCPL em Viana, redirecionando o foco de sua carreira. Élio Vianna considera como sua fase mais madura arquitetonicamente aquela dedicada a elaboração de projetos industriais. Especialmente devido às pesquisas realizadas relacionadas a cada tipo de projeto concebido, Vianna considera como suas melhores obras aquelas dedicadas à indústria. As primeiras providências de Maria do Carmo Schwab, ao retornar a Vitória após a conclusão do curso de graduação, consistem em fazer o gráfico de insolação, “definir” os caminhos do sol nos solstícios e assimilar os outros conhecimentos do clima e os ventos dominantes. Tais conhecimentos seriam as “armas” para o início do trabalho:

“foi a época da chamada ‘Arquitetura Racional’”. Segundo ela, Vitória aceita bem a ‘técnica’ daquele tempo. Essa adesão ao racionalismo arquitetônico trás componentes da “maneira reidyana de trabalhar”, marcada pelo estudo do sítio, do meio urbano e da paisagem, pelo rigor construtivo, pela atenção ao conforto, pela preocupação com os detalhes e o respeito ao programa.

Figura 6 - Clube Libanês em Vila Velha, projeto de Maria do Carmo Schwab

Figura 7 - Escritório de Campo, “Catetinho”, Campus Universitário da UFES, 1967, projeto de Maria do Carmo Schwab

Maria do Carmo estagia por um período de três anos no Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito Federal, sob coordenação de Affonso Eduardo Reidy, com Ligia Fernandes, Francisco Bolonha, entre outros, entre os projetos podem ser citados a elaboração e o detalhamento do projeto do Pedregulho do Rio de Janeiro. Em 1953, após a graduação, retorna a Vitória onde começa a atuar como arquiteta elaborando diversos projetos para particulares. Em 1958 sai vitoriosa do concurso para a construção da Sede Social do Clube Libanês. Trabalha algum tempo na Secretaria de Viação e Obras Públicas do Espírito Santo entre 1954 e 1957, juntamente com Élio

Vianna e Marcelo Vivacqua. Também é Diretora da Planta Física da Universidade Federal do Espírito Santo. Junto com Vianna, Maria do Carmo funda a seção estadual do Instituto dos Arquitetos do Brasil. O processo de concepção de Maria do Carmo preza pelo racionalismo no qual “nada é proposto ou construído sem uma razão”, sem fundamento. Segundo Schwab, a aceitação da arquitetura moderna não foi imediata no contexto cultural da Grande vitória que importa idéias do Rio e de São Paulo e ostenta casas com lareiras, por exemplo. Foi aos poucos que a ação dos arquitetos modernistas modifica a cultura local. Maria do Carmo ainda disse isto em 1997: “A arquitetura que fizemos sempre se valeu dos recursos naturais e da possibilidade de climatização artificial. Foi sempre uma constante a integração dos jardins à arquitetura. Era a presença da ecologia na linha do planejamento”. No seu trabalho além da influência de Reidy, o mais racionalista dos cariocas, também de Richard Neutra, cuja obra conhece em viagem aos EUA. Não obstante, a industrialização incipiente, condição fundamental da arquitetura moderna, e ainda, uma classe média pouco numerosa e a inexistência de um campo artístico, a linguagem moderna se instalou no Espírito Santo. Isso sem que o planejamento urbano ou regional tenha sido assimilado, uma das premissas da arquitetura moderna. Outra premissa é que a eficácia tenha como paralelo autonomia (política). Jones com o incentivo a construção massiva de escolas e com a criação da universidade, talvez mirasse esta autonomia. A questão identidade local ou capixaba não está colocada pelos arquitetos capixabas, ao contrário, pois consideram exógena a arquitetura de estilo – “importada do Rio de Janeiro ou de São Paulo” ou copiada de velhos periódicos, pois a arquitetura moderna traz fatores ao mesmo tempo cosmopolitas e eminentemente brasileiros na visão desses arquitetos. A difusão da linguagem moderna no Espírito Santo, entre os anos 1950 e 70, é inconteste e contribui para isso o trabalho desses arquitetos e outros como Ary Garcia Roza e Marcello Vivacqua. Os trabalhos ocorrem como tradução local da linguagem que nasce internacional e converte-se em nacional, contudo ainda uma linguagem mestiça. Devido acepção moderna, esta arquitetura não pode ter o atributo de inerente à cultura local, mas pode ser considerada autêntica expressão da criação pessoal desses arquitetos no enfrentamento de suas demandas. Essas criações expressam o caráter local mediante sua conversação com a paisagem, a técnica e a cultura local. Enfim, seria contraditório e demasiado cobrar a manifestação da identidade capixaba das obras da Arquitetura Moderna realizada no Espírito Santo. Esta se enquadra com valorosas obras no quadro amplo da Arquitetura Moderna Brasileira - AMB. Os modernistas capixabas recorrem aos códigos da AMB com sintaxes coerentes, seguras e com adequação ao sítio onde construíram. Fizeram uma bela arquitetura que, no entanto, não é muito valorizada entre os capixabas. Pois é invisível à opinião pública ou objeto de reformas acríticas ou de demolição sumária. As fotos pertencem ao acervo da Pesquisa Arquitetura Capixaba desde 1535, cedidas pelos arquitetos ou pelo IPES e UFES. A foto do Clube Libanês é do acervo da Casa de Cultura de Vila Velha

Referências: ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimento da Dialética. São Paulo: Paz e Terra, 1992. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo. Companhia das Letras, 1992. CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2006 CORDIDO, Maria Tereza L. B., BUZZAR Miguel A. e SANTOS, Fábio L. S. Cultura e Cidade: Visões Alternativas. Anais do Seminário História da Cidade e do Urbanismo. Vitória, ES: XI SHCU, 2010. (CD-ROOM) COSTA, Lúcio. Sobre Arquitetura. (Org. Alberto Xavier). Porto alegre: CEU, 1962 FERREIRA, Agnes L. T; GONÇALVES, Luciana C.. MIRANDA, Clara L.. Arquitetura de edifícios escolares, o Jardim de Infância Ernestina Pessoa de Francisco Bolonha, Vitória 1950. Anais do I DOCOMOMO Minas, Uberlândia, MG, 2010. (CD-ROOM) FERRO, Sergio. Arquitetura e Trabalho Livre. São Paulo: Cosac Naify, 2004 MINDLIN, Henrique. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999 MIRANDA, Clara L.; SPOLAOR, Silvia M. C.; FERREIRA, Agnes L. T.; ANDRADE, Tarcísio B. Arquitetura Moderna Capixaba. Texto da exposição realizada no 2º Congresso Capixaba de Arquitetura promovido pelo IAB, Vitória, 2009 MIRANDA, Clara L.; SPOLAOR, Silvia M. C.; OLIVEIRA, Larissa A.; FERREIRA, Agnes L. T. Relatório de Pesquisa FAPES. Modernismo e Tardomodernismo na RMGV. 2009. (Relatório de pesquisa). MIRANDA, Clara Luiza. A crítica nas revistas de arquitetura nos anos 50: a expressão plástica e a síntese das artes. Dissertação apresentada à Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. São Carlos, SP, 1998. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1985.

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