Arquivos da sociedade civil em Sines: uma introdução.

June 24, 2017 | Autor: Sandra Patricio | Categoria: Communication Of Memory In Archives, Libraries And Museums
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Arquivos e Património da Sociedade Civil: resgatar a memória da acção colectiva em Portugal. Séculos XIX e XX Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa 16 e 17 de Janeiro de 2015

Arquivos da sociedade civil em Sines: uma introdução Civil society archives in Sines: an introduction

Sandra Patrício Câmara Municipal de Sines, IHC

Resumo O Arquivo Municipal de Sines custodia vários arquivos de entidades particulares e de munícipes que tiveram um papel relevante na vida social e cívica do concelho. Desde associações comerciais a poetas populares, são várias as facetas da sociedade civil representadas no Arquivo Municipal.

Palavras-chave: História Contemporânea, Arquivos, Sociedade Civil, Associações

Abstract In Sines, the Municipal Archive holds important fonds and collections produced by individuals and organisations that had an important role in social local live and citizenship. We hold fonds produced by associations and individuals, such as popular poets or actors, as well as economic development societies. They are presentative to the history of civil society.

Key words: Contemporary History, Archives, Civil Society, Associations

1. Associação Comercial e Industrial de Sines (1916-1927) Foi fundada em 1916 por um grupo de industriais e comerciantes de Sines com forte presença na Câmara Municipal de Sines. Foram sócios empresas e particulares: Herold, do sector da cortiça; Société La Bretagne, das conservas; Domingos Rodrigues Pablo, vereador nos anos 20 e armador; Joaquim Pereira Luz e Higino dos Santos 1

Guisados, vereadores e comerciantes; José Marreiros da Rosa, presidente da comissão executiva entre 1914 e 1916, presidente da câmara entre 1923 e 1926, fornecedor de farinhas e industrial da cortiça. Entre 1916 e 1927, data da sua extinção, a Associação procurou defender os interesses dos seus associados em várias ocasiões, nomeadamente o abastecimento, a criação de impostos, a arborização dos baldios do concelho, ou no concerto da estrada para Santiago do Cacém (Campos, 2010:160). A Associação Comercial foi encerrada em Fevereiro de 1927, e de acordo com o decreto 13138 de 15 de Fevereiro de 1927, os seus bens foram arrolados e o leilão procedeu-se a 2 de Março. A Associação foi assim dissolvida com o argumento da sua oposição política à Ditadura Militar, mas é possível, como propõe João Madeira (sem data:16-17) que a oposição desencadeada possa ter sido impulsionada por “factores de natureza pessoal”. O seu arquivo foi confiscado pela Administração do Concelho e hoje pode ser consultado no Arquivo Municipal de Sines. Contém o livro das atas das sessões da Direcção; o livro de actas da Assembleia Geral; o copiador de correspondência expedida, maços de correspondência recebida; convocatórias de reuniões; e os livros da conta corrente e do inventário.

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Figura 1:[192?] - Lista dos sócios convocados para uma Assembleia Geral

2. Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Sines (1943-) A Associação dos Bombeiros Voluntários de Sines foi fundada no dia 1 de Dezembro de 1943. Os primeiros membros da Associação e os primeiros bombeiros foram António Correia da Piedade (primeiro comandante e motorista da Rodoviária), Ramiro da Costa Beja (pedreiro), Jacinto da Silva (segundo comandante e carpinteiro), Francisco Pereira, Francisco da Costa Beja, Oldegário Ruivo (mecânico), José Dimas (mecânico), Carlos Augusto Águas (electricista), Augusto de Sousa Barata (carpinteiro), Manuel da Costa (trabalhador), Januário de Jesus (carpinteiro), Francisco Augusto Valadão (corticeiro), Joaquim Nunes (mecânico) e José Bento Lezário. Os anos 70 marcaram uma nova fase na vida da Associação. A instalação do complexo industrial em Sines significou a transformação da vila, em franco crescimento demográfico e com novos e variados motivos para intervenções de socorro. Em 1985 a Associação inaugurou o novo quartel, mais consentâneo com as suas crescentes funções. Em 1989 a Rádio Sines, emissora dos Bombeiros Voluntários de Sines, começou a emitir para o Litoral alentejano. O fundo da Associação doado ao Arquivo em 2009 compreende documentação relativa a várias actividades: informação e documentação (correspondência recebida e requerimentos); recursos humanos (processos individuais, registo de bombeiros, mapas de classificação e listas de bombeiros no activo); património, instalações e recursos materiais (inventário do material) e prevenção e controlo de sinistros (registo de sinistros). Contém ainda uma colecção bibliográfica. O arquivo intermédio e corrente mantém-se com a Associação.

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Figura 2: 1997- Leilão de bens alimentares doados pela população. Arquivo Municipal de Sines, Colecção Fotográfica.

3. Cooperativa da Rádio Vendaval (1986-1989) A Rádio Vendaval foi constituída formalmente em Junho de 1987; as emissões foram iniciadas em Janeiro de 1988 como cooperativa, com sede no edifício onde funcionara o Centro Recreativo Sineense. Apresentava como fins “promover a defesa e divulgação dos valores intelectuais, artísticos, etnográficos da região”1. No entanto, não conseguiu obter a licença para emitir enquanto rádio local. A sua documentação tem como âmbito cronológico 1986 e 1989: estatutos, coleção de legislação, correspondência recebida e expedida, registo de donativos, programas, programação (programas, concursos de poesia, contratos publicitários) e divulgação (comunicações e inquéritos). Do seu arquivo consta ainda uma colecção de discos de vinil. O espólio desta associação encontrava-se ainda na sede quando a Câmara Municipal de Sines o adquiriu aos herdeiros do dono do edifício, Manuel Farelo, em 12 de Dezembro de 20032. A sociedade funcionava no primeiro andar do número 86 da Rua

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Estatuto da Rádio Vendaval, artigo 3º § 2. Escritura de Compra e Venda nº 88/2003, livro 44 fl.122. Secção de Património e Seguros. Câmara Municipal de Sines. 2

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Francisco Luís Lopes, do qual pagava uma renda aos seus herdeiros. No mesmo edifício funcionava o Centro Recreativo Sineense.

4. Centro Recreativo Sineense (1913-1987)

A associação foi fundada em 1913 por operários, pequenos industriais da cortiça, comerciantes e médicos. O primeiro presidente do concelho restaurado de Sines, Manuel Francisco Farelo, foi um dos sócios do Centro Recreativo e também da Associação Comercial e Industrial. Entre os primeiros sócios estavam Manuel de Sande, Abel Carrilho da Costa e Raul Mendonça. O seu objectivo era a “instrução e recreio” dos sócios. A Biblioteca Instrução e Recreio foi fundada em 1925 e reuniu, a princípio, livros oferecidos pelos sócios. Ao contrário do que aconteceu à Associação Comercial e Industrial, o carácter recreativo do Centro Recreativo Sineense permitiu-lhe sobreviver até aos anos 80 do século XX. O período de maior actividade decorreu nos anos quarenta e cinquenta, sendo a sociedade frequentada não só por sineenses mas também pelos veraneantes que acorriam à praia da vila. O espólio desta associação encontrava-se ainda na sede quando a Câmara Municipal de Sines adquiriu o edifício aos herdeiros de Manuel Farelo, em 12 de Dezembro de 2003. A sociedade funcionava no primeiro andar do número 86 da Rua Francisco Luís Lopes. A documentação encontra-se actualmente no Arquivo Histórico Municipal de Sines, cuja transferência, iniciada em Abril de 2005, foi concluída em Maio do mesmo ano. O seu arquivo inclui livros de actos, correspondência, fichas dos sócios, catálogos bibliográficos e uma importante biblioteca.

5. Santa Casa da Misericórdia de Sines (1516-) A Santa Casa da Misericórdia de Sines foi fundada possivelmente no início do século XVI. Nas Memórias Paroquiais de Sines, de 1758 o padre Alexandre Mimoso, que teve acesso ao seu arquivo, afirma que o documento mais antigo da instituição reportava-se a 1516. Em Sines a confraria instalou-se na Capela do Espírito Santo, anexa ao Hospital do mesmo nome. Na planta da vila de Alexandre Massai, dos inícios 5

do século XVII, a capela surge como "Misericórdia Velha ". O Hospital do Espírito Santo foi administrado até 1603 pela Câmara Municipal de Sines, que elegia os seus mordomos, sendo que a partir dessa data começou a ser administrado pela Santa Casa da Misericórdia de Sines, num processo conhecido para outros hospitais congéneres no país. Em 1587 a Misericórdia foi autorizada a construir a sua própria capela. As obras teriam sido terminadas pouco antes do terramoto de 1755. Em 1758 o retábulo já havia sido concluído, e as Memórias Paroquiais não são explícitas acerca das consequências do terramoto na capela. Ao longo do século XVIII e XIX a confraria parece ter passado várias dificuldades financeiras, assim como outras confrarias portuguesas. Com a Primeira República a assistência foi laicizada pela Separação do Estado das Igrejas (1911). Os bens das igrejas, confrarias e misericórdias são declarados bens nacionais, e o culto seria prestado por associações reconhecidas pelo Estado. A Santa Casa da Misericórdia de Sines torna-se então Associação de Beneficência da Misericórdia de Sines. Em 1941 já a Misericórdia de Sines regressara ao antigo nome em virtude do novo Código Administrativo de 1940 reconhecer a denominação Santa Casa da Misericórdia ou Misericórdia a todos os estabelecimentos de assistência "canonicamente erectos" e com compromissos aprovados pelo Governo. A sua principal ocupação era a administração do Hospital Civil, instalado no edifício que fora do antigo Hospital do Espírito Santo. Atravessou, na primeira metade do século XX, vários problemas económicos. Após o 25 de Abril de 1974 a Santa Casa da Misericórdia de Sines herda as competências da extinta Junta Central da Casa dos Pescadores e dedica-se aos serviços sociais de apoio aos idosos e às crianças. O Fundo da Santa Casa da Misericórdia de Sines encontra-se no Arquivo Municipal possivelmente por um seu irmão ter sido também membro da Câmara Municipal. Toda a documentação anterior ao século XIX perdeu-se. O arquivo remanescente contém as actas da Assembleia Geral da Associação de Beneficência da Misericórdia de Sines (1914-1941), Actas da Direcção da Associação de Beneficência da Misericórdia de Sines (1928-1947), Tombo dos Bens de Raiz (1871-1876), Relação dos Foros e juros que recebe a Santa Caza da Misericordia de Sines (cc.1871), Relação das Propriedades Foreiras à Santa Caza da Mizericordia de Sines (cc 1876), Registo de assentos de óbitos do Hospital de Sines (1911-1966).

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Arquivos de pessoas singulares

1. Alberto Marques (1921-2009)

Nasceu em 1921 em Sines e faleceu em 2009. Foi cabeleireiro profissional e, nos tempos livres, era actor e declamador de poesia. Fez parte do grupo de teatro amador do Sport Lisboa e Sines e do Teatro Amador de Sines. Tinha vários programas de poesia popular na Rádio Sines. A documentação oferecida pela família de Alberto Marques, em 2009. Encontrava-se na casa do doador, na Rua Pêro de Alenquer. É constituída por fotografias, livros, manuscritos com peças de teatro e dáctiloescritos com poesia popular dita pelo autor nos programas radiofónicos, textos biográficos. Tem um âmbito cronológico entre 1940 e 2004.

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Figura 3: Alberto Marques, à direita, numa representação em Lisboa, anos 40. Arquivo Municipal de Sines. Colecção Alberto Marques

2. António da Silva Jorge (1927-2013)

Foi presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Sines entre 1975/07/30 e 1976/12/29, assim como membro da Assembleia Municipal de Sines no mandato de 1977/1979, quando foi o seu secretário. Nessa qualidade participou nas reuniões da Assembleia Distrital de Setúbal, em representação do concelho de Sines. Enquanto membro da comissão administrativa, viveu o período conturbado das relações com o Gabinete da Área de Sines após o 25 de Abril, quando a jurisdição deste 8

organismo foi posta em causa. Participou em reuniões do Grupo de Trabalho de Informação à População Residente, composto por membros do Gabinete da Área de Sines, da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Sines e da Comissão Administrativa de Santiago do Cacém. Foi comerciante durante vários anos e, na qualidade de representante dos pequenos comerciantes, foi membro do Conselho Municipal em 1978. A documentação foi oferecida ao Arquivo em 2012. A colecção é constituída por cartazes e folhetos políticos de vários partidos políticos, folhetos de sindicatos e anúncios profissionais, recortes de imprensa e documentos relativos à participação eleitoral e política do coleccionador. Tem documentação entre 1974 e 1992.

3. Júlio Gomes da Silva (1896-1985)

Filho de um republicano homónimo, foi jornalista e co-fundador do jornal A Folha de Sines (1918-1930). Colaborou em vários jornais na região. Escreveu vários artigos de opinião sobre o impacto do Gabinete da Área de Sines. Após o 25 de Abril, foi eleito membro da Comissão Administrativa que geriu o município até 1977. Em 2005 o seu arquivo foi oferecido ao arquivo pelo professor João Fragoso. É composto por artigos jornalísticos manuscritos, copiadores de correspondência expedida, recortes de imprensa e publicações periódicas.

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Figura 4: Primeira página do nº 9 da A Folha de Sines, Arquivo Municipal de Sines, Colecção Júlio Gomes da Silva

4. Maria Teresa Palmela (1923-2012)

Além de comerciante, Maria Teresa Palmela foi uma das impulsionadores, com o marido António Amaral da Silva e Alberto Marques, do Teatro Amador de Sines. Com actividade desde os anos 40 do século XX, este grupo amador realizava espectáculos com finas não lucrativos para apoiar o Hospital de Sines e a Associação de Socorros Mútuos. O arquivo de Maria Teresa Palmela, constituído por fotografias, manuscritos e dáctilo-escritos com peças de teatro, programas e cartazes foi oferecido pela própria ao Arquivo em 2010.

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Figura 5: O Grupo Cénico do Sport Lisboa e Sines, 1941, Arquivo Municipal de Sines, Colecção Maria Teresa Palmela

Figura 6: Revista Oh Zé! Aguenta!...., 1978. Maria Teresa Palmela em primeiro plano. Arquivo Municipal de Sines, Colecção Maria Teresa Palmela

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Figura 7: Cartaz da Revista Oh Zé! Aguenta!.... , 1978, Arquivo Municipal de Sines, Colecção Maria Teresa Palmela

Conclusões O Arquivo Municipal de Sines custodia importantes fundos e colecções relevantes para o estudo do século XX em várias vertentes. Foram recolhidos a partir de doações de munícipes, transferência de organizações extintas ou através de compra. A recolha de documentos de arquivo da sociedade civil permite preencher uma lacuna num Arquivo Municipal cujos fundos principais têm, tradicionalmente, uma origem institucional que apenas documenta uma pequena parte da história de uma comunidade.

Referências´

Câmara Municipal de Sines. Arquivo Municipal (2007). Inventário do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Sines (1871-1966). [documento electrónico]. Redacção de Sandra Patrício. Sines: Câmara Municipal de Sines. Disponível em http://www.sines.pt/PT/Viver/memoria/arquivo/inventarios/Documents/Inventário%20da%20Sa nta%20Casa%20da%20Misericórdia%20de%20Sines%201871-1966.pdf > 12

Campos, António (2010). O Fundo da Associação Comercial e Industrial de Sines: uma história biográfica. In 2º Encontro de História do Alentejo Litoral, 28 e 29 de Novembro de 2009. Sines: Centro Cultural Emmérico Nunes. 158-161.

Dâmaso, Ana; Patrício, Sandra (2014). Às Portas da Guerra: Movimentos Sociais em Sines. As movimentações operárias e patronais em Sines de 1914 a 1926. Comunicação apresentada no II Congresso Primeira República e Republicanismo, em Outubro de 2014.

Lopes, Francisco Luís (1985). Breve Notícia de Sines, pátria de Vasco da Gama. Introdução de João Madeira. 2ª edição. Sines: Câmara Municipal de Sines.

Madeira, João (sem data). Proprietários, comerciantes e industriais de Sines (19141927). Documento policopiado.

Patrício, Sandra (2008). As mulheres e os seus novos papéis cívicos e políticos. Folheto da exposição Ao sabor da pena: jornalismo feminino em Sines em 1909, patente no átrio do Centro de Artes de Sines entre 7 e 14 de Março de 2008. Sines: Câmara Municipal de Sines. Arquivo Municipal. Disponível no Arquivo Municipal de Sines. Silva, António de Macedo e Silva (1869). Annaes do Município de Sant’Iago de Cacem. 2ª edição. Lisboa: Imprensa Nacional.

Patrício, Sandra (2015). Arquivos da sociedade civil em Sines: uma introdução. Comunicação no Encontro Arquivos e Património da Sociedade Civil: resgatar a memória da acção colectiva em Portugal (Séculos XIX e XX). Organizado pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa em 16 e 17 de Janeiro de 2015.

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