Art. 4º da Res. TSE n.º 21.8412004 e um dos Contos do Major Gorbiliov - Primeira Noite - de Mikhail Saltikov.

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O art. 4.º da Res. TSE 21.841/2004 e um dos Contos do Major Gorbiliov (Primeira Noite) de Mikhail SaltikovSchedrin

O ART. 4.º DA RES. TSE 21.841/2004 E UM DOS CONTOS DO MAJOR GORBILIOV (PRIMEIRA NOITE) DE MIKHAIL SALTIKOV-SCHEDRIN Revista dos Tribunais | vol. 951/2015 | p. 209 - 223 | Jan / 2015 DTR\2014\20992 Danilo Nascimento Cruz Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Uninter/PR e em Direito do Estado pela Universidade Católica de Brasília (UCB/DF) com aperfeiçoamento em Direito Eleitoral pela PUC/Minas. Professor de Direito Constitucional junto ao Centro de Pós-graduação do CESVALE/PI. Membro Efetivo da Rede Brasileira Direito e Literatura. Servidor do TRE/PI. Pesquisador nas áreas: Direito e Literatura, Direito Constitucional e Direito Processual Civil. Área do Direito: Eleitoral Resumo: O presente artigo tem como mote a oscilação interpretativa que orbita o caput do art. 4.º da Res. TSE 21.841/2004 quando menciona que o Partido Político deve manter contas bancárias distintas para movimentar os recursos financeiros do fundo partidário e os de outra natureza. Engendra-se primeiramente um questionamento interpretativo, dentro de uma perspectiva jusliterária, em torno do conceito de segurança jurídica para, alfim, tecer comentários sobre o conteúdo normativo, a jurisprudência do TRE/PI e a reforma da referida Resolução. Palavras-chave: Interpretação - Direito & Literatura - Segurança jurídica - Resolução TSE Prestação de contas eleitorais. Abstract: This article has as its motto the interpretive oscillation orbiting the caput of 4th Article of TSE Resolution No. 21841/2004 when it mentions that Political Party shall maintain separate bank accounts to handle the financial resources of the party fund and the financial resource of other kind. An interpretive questioning is primarily engendered within a perspective based on literature and law about the concept of legal certainty so it is finally possible to comment about the normative content of jurisprudence of TRE/PI and the reform of the mentioned Resolution. Keywords: Interpretation - Law & Literature - Legal certainty - TSE Resolution - Provision of Electoral Accounts. Sumário: 1.Introdução - 2.Um porquê interpretativo - 3.Porque “o diabo está nos detalhes…” - 4.O Conto e as contas - 5.A jurisprudência do TRE/PI: “Porque boas veredas abrem boas estradas…” - 6.E como evoluir é preciso… - 7.Conclusões - 8.Referências bibliográficas 1. Introdução A análise que envidarei nestes poucos comentários1 circunscrever-se-á à redação do art. 4.º da Res. TSE 21.841/2004 que disciplina a Prestação de Contas dos Partidos Políticos e a Tomada de Contas Especial. O referido artigo trata, dentre outras coisas, do procedimento legal que deve ser adotado pelos Partidos Políticos para movimentação de suas receitas, sejam aquelas advindas das (i) cotas do fundo partidário (ii) ou dos recursos de outra natureza. O que me inquieta é a oscilação interpretativa que orbita o caput do art. 4.º quando menciona que o Partido Político deve manter contas bancárias distintas para movimentar os recursos financeiros do fundo partidário e os de outra natureza (Lei 9.096/1995, art. 39, caput). Segue, Ipsis litteris, o teor do artigo: “DA RECEITA Art. 4.º O partido político pode receber cotas do fundo partidário, doações e contribuições de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro de pessoas físicas e jurídicas, devendo manter contas bancárias distintas para movimentar os recursos financeiros do Fundo Partidário e os de outra natureza (Lei n. 9.096/95, art. 39, caput). § 1.º Os depósitos e as movimentações dos recursos oriundos do Fundo partidário devem ser feitos pelo partido político em estabelecimentos bancários controlados pela União ou pelos estados e, na

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inexistência desses na circunscrição do respectivo órgão diretivo, em banco de sua escolha (Lei n. 9.096/95, art. 43). § 2.º As doações e as contribuições de recursos financeiros devem ser efetuadas por cheque nominativo cruzado ou por crédito bancário identificado, diretamente na conta do partido político (Lei n. 9.096/95, art. 39, § 3.º). § 3.º As doações de bens e serviços são estimáveis em dinheiro e devem: I – ser avaliadas com base em preços de mercado; II – ser comprovadas por documento fiscal que caracterize a doação ou, na sua impossibilidade, por termo de doação; e III – ser certificadas pelo tesoureiro do partido mediante notas explicativas.”2 De forma peremptória, a questão a ser respondida é, o Partido Político deve ou não manter contas bancárias abertas, ainda que sem movimentação? Antes, me deterei em alguns prolegômenos juslítero-hermenêuticos com fito de endossar a argumentação. 2. Um porquê interpretativo Este não é o momento adequado para digressões sobre métodos hermenêuticos ou processos interpretativos até porque adentrar em tal seara implica na necessidade de tecer comentários sobre questões de linguagem, semiótica, semiologia e não apenas reproduzir meia pataca de “métodos interpretativos” elencados na maioria dos manuais jurídicos que existem no mercado. No mais, importante é destacar que tudo é passível de interpretação, não existe situação consolidada no tempo e no espaço que seja incólume ao ato interpretativo, afinal, ser que pode ser compreendido é linguagem.3 Compreender é colocar algo dentro de palavras, ou melhor, formular a compreensão dentro de uma potencialidade linguística, evocando a importante objeção que nem tudo o que eu compreendo pode ser colocado em palavras. A necessária ideia é, para a noção gadameriana de interpretação e sua inerente linguisticidade, que o ouvinte é suprimido pelo que ele procura compreender e, assim, responde, interpreta, busca por palavras ou expressa. Portanto, compreender, no sentido gadameriano, é articular (um sentido, uma questão, um acontecimento) com palavras; “palavras que são sempre minhas, mas que ao mesmo tempo essas que eu luto para compreender”.4 O que o ouvinte ou o intérprete promove, ainda que de forma inconsciente, é a apreensão do que se ouve ou do que se lê, como um molde a uma pré-compreensão já estabelecida, e isso restringe e/ou suprime seu plexo de novas compreensões, numa luta perene.5 Diz Gadamer: “É somente pela capacidade de se comunicar que unicamente os homens podem pensar o comum, isto é, conceitos comuns e sobretudo aqueles conceitos comuns, pelos quais se torna possível a convivência humana sem assassinatos e homicídios, na forma de uma vida social, de uma constituição política, de uma convivência social articulada na divisão do trabalho. Isso tudo está contido no simples enunciado: o homem é um ser vivo dotado de linguagem.”6 Assim, necessário se faz buscar a unidade interpretativa para que o eterno jogo de palavras não seja mal utilizado, a contrariar o conteúdo normativo enunciado no dispositivo legal.7 3. Porque “o diabo está nos detalhes…” A alegoria do Diabo é algo que circunda desde sempre o imaginário da comunidade cristã, esta ortodoxa ou não, e isso vem bem retratado no conto “(Primeira Noite) Contos do Major Gorbiliov” de Mikhail Saltikov-Schedrin. Este brevíssimo conto é uma boa amostra da vasta produção de Mikhail Ievgráfovitch SaltikovSchedrin (1826-1889), grande satirista russo da segunda metade do século XIX. Polemista de mão cheia e intelectual ligado aos principais periódicos radicais, Saltikov-Schedrin voltou suas baterias especialmente a setores da direita russa, embora tenha também confrontado grupos à esquerda. Os “Contos do major Gorbiliov” integram o ciclo Contos de Pochekhonie, publicado inicialmente na revista Anais da Pátria em 1883 e 84. De acordo com a tradutora Denise Sales: “A introdução ficcional é feita por um alferes da cavalaria, que recolheu as histórias contadas à noite pelo ‘inesquecível major Gorbiliov’, sempre envolvido com forças impuras — ‘ora na forma de duendes, ora na forma de gnomos, ou então diretamente na figura do diabo’”.8

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Segue o conto: “Contos do major Gorbiliov (Primeira noite)9 Vou contar a vocês, meus senhores, como certa vez joguei cartas com o diabo. Houve um tempo em que fui louco por cartas. Da manhã até a noite cortava o monte ou fazia a banca e, reconheço, com bastante sucesso. E tanto me acostumei a essa operação que, até em campanhas militares, mais de uma vez fiz a banca na sela. Eis que, certa vez, tínhamos acabado de chegar a um lugarejo na província de Moguilevski, e um judeuzinho de lá me falou: ‘Hoje à noite, um conde polonês irá ao clube’. Pois bem. Fui lá ver: realmente, tinha aparecido uma cara nova no clube, e nossos jovens agitavam-se à sua volta. Vestia-se como janota – na camisa, abotoaduras de brilhantes quase do tamanho de uma avelã; olhando assim, era bem-apessoado. ‘Joga?’ – perguntou ele. ‘Com prazer’. E começou a me dar uma surra. Ele mesmo fazia a banca ou propunha que eu a fizesse – batia uma carta atrás da outra, o meu fim estava próximo. E, naquela época, por azar, eu era tesoureiro do regimento. Tudo o que levava comigo deixei escapar em meia hora, então fui em casa buscar reforço, que novamente durou apenas meia hora. Pra dizer a verdade, tive tanto azar, que apelei pra caixa do regimento. E ele ficava lá, sentado, dava as cartas com muita habilidade e ainda sorria… No começo pensei: será que caí nas garras de um trapaceiro? Mas por mais que eu prestasse atenção, não via nada – jogava limpo! Com precisão, sem pressa, carta após carta, era como se dissesse ‘Pode olhar!’. Só uma coisa suspeita: não tirava as luvas, de luvas dava as cartas. E eu, nessa altura, já perdera vinte mil – que acabaria no tribunal era coisa certa. Por despeito, comecei a implicar com ele. – Poderia tirar as luvas? – perguntei. – E por quê? – Por nada. Sem luvas, fica ainda mais cômodo para o senhor – eu disse. Palavra vem, palavra vai, ele fala, eu falo… Acabou que agarrei, sabem, a mão dele durante o bate-boca: e, em lugar de mão, oh, uma pata de ganso! Fiquei completamente pasmo, e ele não parava de grasnar! E ficou tudo tão terrível e penoso que o povo inteiro presente no clube debandou num minuto! E eu, do jeito que grudei as duas mãos na pata dele, ali fiquei, congelado. E vi que de sua boca, de seu nariz e de suas orelhas – rastejavam serpentes. E atrás – focinhos peludos. Eu queria gritar, mas minha língua não se mexia; queria fazer o sinal da cruz, mas não conseguia largar a pata. Finalmente, senti que ele me arrastava consigo, e eu não sabia pra onde… E, imaginem só, naquele exato momento, de repente, quando eu já estava completamente perdido, por sorte, levaram um galo para a cozinha! Iam fazer um picadinho dele, mas a ave começou a cantar! E então o que vi: meu conde ficou branco como um defunto, começou a se agitar, agitar. Ficou se agitando, agitando e, de repente, num segundo, diante de meus olhos, dissolveu-se no ar… Só então compreendi com que ‘conde’ estava jogando cartas. No final, o meu dinheirinho ficou ali na mesa. Resumindo, no mesmo instante juntei tudo e completei a caixa do regimento. No dia seguinte, no mesmo local onde ele fizera a banca, encontraram uma pequena ferradura bifurcada, prateada. Quer dizer, ‘ele’, na hora da pressa, perdeu-a de um dos cascos. Essa ferradura eu guardo comigo até hoje, mas, desde então, bebo apenas ponche, e em cartas nunca mais pus a mão.” (1884) Tradução de Denise Sales. 4. O Conto e as contas 4.1 Elementos da narrativa A representação literária acima transcrita nos conduz a uma delineação alegórica de como a ideia de insegurança frente a determinadas situações causa-nos pânico. A superação da insegurança e o apaziguamento da angústia sempre são buscados a partir do conhecimento sobre a realidade e sobre o outro, tornando esse outro previsível e passível de incorporação à nossa realidade. Quando o Major Gobiliov deparou-se com a austera figura do Conde polonês que se vestia como

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janota, na camisa abotoaduras de brilhantes quase do tamanho de uma avelã e que naquela noite estava no clube a jogar, nunca imaginaria que perderia tantos jogos em sequência, numa verdadeira surra. Se num primeiro momento, a ideia de superar o dito Conde tinha-se desfeita pela série de derrotas sofridas o que acabou por fazê-lo comprometer suas finanças pessoais e até mesmo o caixa do regimento e que por consequência, e aqui temos um elemento de previsibilidade, o levaria ao tribunal de forma certa, fato subsequente e imprevisível que haveria de suceder, lhe fustigaria a tranquilidade, de forma inesperada e que fugiria às condições humanas estabelecidas, caindo no surreal, no fantástico… A questão é, sempre nos imaginamos vivendo sob regras, claras e objetivas. A impressão tida pelo Major Gobiliov de que o Conde jogava limpo, com precisão, sem pressa, carta após carta, dava-lhe a sensação de estar perdendo, mas dentro do jogo, do plexo de previsibilidade por ele imaginado. Assim, no desenvolvimento do acontecido, com a retirada da luva do Conde, o desvelar de sua pata de ganso, com o grasnar incessante, retirou o Major de seu senso… e o desenrolar da história mostrado ao leitor em seu fim apoteótico deixa no ar o misticismo próprio dos melhores contistas do mundo, os russos… 4.2 Elementos para o normativo Sob a perspectiva jurídica, a segurança (que agora passa a ser jurídica) vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser “Estado de Direito”. Luiz Guilherme Marinoni adverte que, quando há uma crise de colaboração na realização do direito material e os textos normativos encontram diversas interpretações no Judiciário, o que obviamente importa são as decisões judiciais, momento em que a dimensão normativa dos textos encontra expressão, e não o texto normativo abstratamente considerado. Uma vez que a previsibilidade não depende da norma em que a ação se funda, mas da sua interpretação judicial, torna-se evidente que a segurança jurídica está ligada à decisão judicial e não à norma jurídica em abstrato. Assim, a certeza da ação através do direito, em última análise, não é tanto a formula escrita no código, a norma abstrata, mas a dita norma individual, a concretização da regra no caso específico. “Curioso é que o direito legislado, ao contrário de constituir um pressuposto, representa um obstáculo para a segurança jurídica. Isso se dá não apenas em razão da hiperinflação legislativa ou em virtude de ser impossível o pleno conhecimento das regras legais, mas substancialmente porque o sistema de direito legislado não liga a previsibilidade e a confiança a quem define o que é o direito. Contudo, se o conhecimento das regras legais pode não ser pressuposto para a previsibilidade, o mesmo não se pode dizer em relação à univocidade de interpretação das normas. Exatamente porque as normas podem ser diferentemente analisadas, a interpretação, ao tender a um único significado, aproxima-se do ideal de previsibilidade. Isso não quer dizer que a eliminação da dúvida interpretativa é factível, mas sim que se pode e deve minimizar, na medida do possível, as divergências interpretativas acerca das normas, colaborando-se, assim, para a proteção da previsibilidade, indispensável ao encontro da segurança jurídica. E é justamente aí que entra em jogo o terceiro dos elementos apontados no início deste tópico como imprescindível à previsibilidade. Trata-se da efetividade do sistema jurídico em sua dimensão de capacidade de permitir a previsibilidade. Massimo Corsale afirma que um ordenamento jurídico absolutamente destituído de capacidade de permitir previsões e qualificações jurídicas unívocas e de gerar, assim, um sentido de segurança nos cidadãos, não pode sobrevir enquanto tal. Ou seja, um ordenamento inidôneo a viabilizar a previsibilidade não pode ser qualificado de jurídico. Desta forma, a ideia de ‘certeza do direito’ visivelmente representa um componente indispensável da essência do próprio direito.”10 4.3 Dissensão na interpretação normativa Muitos advogados que atuam na defesa de processo de prestação de contas anual de partidos políticos alegam que não faz sentido a abertura de contas bancárias distintas para trânsito de cotas do fundo partidário e outros recursos financeiros exclusivamente com o fundamento de que se geraria ônus financeiro para a agremiação diante da incerteza do recebimento de recursos. Paciência, a vida em sua completude é cercada de ônus e incertezas… Com suas perdas e seus ganhos… A regulamentação social pelo direito material impõe comportamentos que invariavelmente são dotados de ônus. A atuação do direito processual, seja enquanto consectário do direito fundamental ao ideal processo

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jurisdicional democrático ou como o já solapado instrumento processual para satisfação do direito material, invariavelmente é dotado de ônus… Não é cabível, ainda que no exercício do jus esperniandis, tal chorumela defensiva argumentativa. O comando normativo extraído da redação do art. 4.º da Res. TSE 21.841/2004, ao determinar que sejam abertas duas contas distintas: (i) uma para trânsito de cotas do fundo partidário e (ii) outra para trânsito de recursos de outra natureza, tem por finalidade promover total transparência dos recursos recebidos pelos Partidos Políticos, para que não haja mistura de recursos e assim se possa ter um maior controle do uso das verbas tanto em razão de sua origem, bem como um maior controle de sua destinação. Regras claras, objetivas e de univocidade interpretativa importam em garantia de segurança jurídica, não é concebível assim, a existência de algum ocaso hermenêutico, para me utilizar das palavras de Carlos Maximiliano. Observem, rememorando o conto, como o Major Gobiliov valorava o elemento de previsibilidade, afinal “o Conde jogava limpo, com precisão, sem pressa, carta após carta…” Reclamar um parco ônus financeiro por conta de tarifação para manutenção de contas bancárias é dos argumentos mais frágeis, pois alfim, o que se busca em forma de controle, enverga-se sobre fundamentos constitucionais de controle público. O TRE/SC em sua página na Internet possui uma apostila de perguntas frequentes em que indaga em sua primeira pergunta: 1) É obrigatória a abertura de conta bancária, mesmo na ausência de movimentação de recursos? – Em asserção clara e didática responde, expondo posicionamento que comunga com o defendido por este autor. Segue resposta: “O dispositivo visa, como se pode inferir, à identificação das fontes de receita partidárias. (…) Ora, como as doações são atos voluntários e, portanto, imprevisíveis, não possuir a conta bancária aberta implicaria negar-se ao recebimento de eventual doação (alternativa pouco provável) ou movimentá-la paralelamente à escrituração apresentada à Justiça Eleitoral. Idêntico raciocínio pode ser aplicado à movimentação bancária dos recursos do Fundo Partidário, cujo recebimento eventual também restaria inviabilizado (ou seja, o argumento do não recebimento no presente impediria os recebimentos futuros). A disposição normativa do TSE a respeito da matéria encontra-se presente na Res. 21.841/2004, que prevê a apresentação de extratos bancários consolidados e definitivos relativos ao período integral do exercício a que se referem as contas. Dessarte, considerando o teor dos dispositivos constantes da Res. 21.841/2004, em especial o art. 4.º, caput e § 2.º, art. 14, II, n, entende-se necessária a abertura de conta bancária para movimentação de recursos próprios do partido, mesmo na hipótese da ausência de movimentação de recursos financeiros, bem como necessária a abertura de conta bancária distinta para a movimentação de recursos do Fundo Partidário, salvo na hipótese em que o estatuto partidário exclua a possibilidade de recebimento de recursos do Fundo Partidário por direção municipal.”11 05 5. A jurisprudência do TRE/PI: “Porque boas veredas abrem boas estradas…” A jurisprudência do TRE/PI vem se consolidando no sentido em que propomos neste nosso ensaio. A busca de uma maior lisura na análise do controle das verbas tratadas pelas agremiações partidárias nos processos de prestação de contas partidárias vem solidificar uma efetiva tutela jurisdicional por parte da Corte Eleitoral Piauiense, o que é digno de nota e efusivas congratulações. Segue adiante, duas recentes e substanciais decisões proferidas pelo Sodalício Eleitoral Piauiense: “Acórdão n. 9.620 Prestação de contas n. 96-20.2014.6.18.0000 – Classe 25. Origem: Teresina-PI. Resumo: Prestação de contas anual – Exercício 2013 – Pedido de aprovação. Requerente: Partido Humanista da Solidariedade – PHS, Diretório Estadual no Piauí Rel. Des. Joaquim Dias de Santana Filho Prestação de contas. Ausência de extratos bancários consolidados e definitivos, relativos às contas específicas para movimentação do fundo partidário e recursos de outra natureza. Não lançamento de despesas e/ou receitas estimadas com serviços essenciais ao seu funcionamento. Irregularidades graves. Desaprovação. Suspensão das cotas do fundo partidário pelo prazo de um ano.”

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A Res. TSE 21.841/2004 exige, independentemente da existência de movimentação bancária, a abertura de contas bancárias distintas para movimentar os recursos financeiros do Fundo Partidário e os de outra natureza, bem como a apresentação de extratos bancários consolidados e definitivos, abrangendo todo o período do exercício ao qual se refere a prestação de contas. Obrigatório o lançamento de todos os bens e serviços estimáveis em dinheiro recebidos em doação, utilizados na manutenção e funcionamento do Comitê do Partido. Irregularidades graves que comprometem a confiabilidade das contas prestadas, inviabilizando a sua análise, ensejam a aplicação da sanção de suspensão das cotas do fundo partidário pelo prazo de um ano. Desaprovação das contas. 21.10.2014.” “Acórdão 13029 Prestação de Contas n. 130-29.2013.6.18.0000 – Classe 25. Origem; Teresina-PI. Resumo: Prestação de contas – De partido político – De exercício financeiro – Órgão de direção regional – Exercício anual de 2012 – Pedido de aprovação. Recorrente: Partido Progressista – PP, Diretório Regional no Estado do Piauí/PI, por seu Representante Legal Advogado: Doutor Edson Vieira Araújo Relator: Dr. Francisco Hélio Camelo Ferreira Prestação de contas. De partido político. De exercício financeiro. 2012. Órgão de direção regional. Intempestividade na apresentação. Recursos do fundo partidário com trânsito fora de conta bancária específica. Ausência de documentos contábeis essenciais. Lançamentos contábeis inadequados. Realização de despesas em desacordo com o art. 10 da Res. TSE 21.841/2004. Gastos de recursos oriundos do fundo partidário sem a comprovação da destinação estabelecida no art. 8.º da Res. TSE 21.841/2004. Irregularidades não sanadas após diversas concessões de prazo. Desaprovação. Sanção de suspensão de recebimento das cotas do fundo partidário. – O partido político deve manter contas distintas para movimentar os recursos financeiros do Fundo Partidário e os de outra natureza. (Lei 9.096/95, art. 39, caput). – É obrigatória a instrução da prestação de contas com os documentos listados no art. 14 da Res. TSE 21.841/2004 sob pena de inviabilizar o controle das contas pela Justiça Eleitoral. – As despesas partidárias devem ser realizadas por chegues nominativos ou por crédito bancário identificado. – As doações e as contribuições de recursos financeiros devem ser efetuadas por cheque nominativo cruzado ou por crédito bancário identificado, diretamente na conta do partido político. (Lei 9.096/ 1995, art. 39, § 30.) – Desaprovação das contas. – Aplicação da sanção de suspensão do repasse das cotas do fundo partidário pelo prazo de 06 (seis) meses, nos termos do art. 37, § 3.º, da Lei 9.096/1995. 14.10.2014.” 6. E como evoluir é preciso… Tramita Processo Administrativo 1581-56.2014.6.00.0000 – Classe 26 – Brasília – Distrito Federal sob a relatoria do Min. Henrique Neves que em despacho de data de 21.10.2014 convocou a realização de audiência pública para o dia 05.11.2014 no auditório II do Tribunal Superior Eleitoral, no intuito de possibilitar a oitiva dos partidos políticos, entidades e pessoas a respeito da regulamentação do disposto no Título III da Lei 9.096, de 19.09.1995 – das finanças e contabilidade dos partidos –, em especial da matéria tratada no Capítulo I – Da prestação de contas.12 Essa elogiável atitude do TSE de procurar aperfeiçoar seu normativo trouxe a público a minuta da instrução de prestação de contas anuais dos partidos políticos, no intento de que, apresentada à sociedade, para debate, e ouvindo-se especialmente os partidos políticos e os órgãos representantes de classe, estes venham a contribuir para o aperfeiçoamento da função desempenhada por aquele Tribunal.13 Porém, para minha surpresa, e confesso, seguido de uma leve decepção, a nova minuta trouxe a seguinte redação no tocante às contas bancárias: “Art. 6.º As contas bancárias, abertas para a movimentação financeira dos recursos dos partidos

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políticos, em cada nível de direção, deverão ser discriminadas em conformidade com a origem das receitas, nos termos dos incisos I a V do art. 5.º, e terão as seguintes denominações: I – ‘Fundo Partidário’, para movimentação dos recursos indicados no inciso I do art. 5.º; II – ‘Doações para Campanha’, para movimentação dos recursos indicados no inciso IV do art. 5.º; III – ‘Outras Receitas’, para movimentação dos recursos indicados nos incisos II, III e V do art. 5.º. § 1.º A exigência de abertura de conta específica para movimentar recursos do Fundo Partidário, de que trata o inciso I deste artigo, somente se aplica aos órgãos partidários que, direta ou indiretamente, recebam recursos do gênero. § 2.º As instituições financeiras que procederem à abertura de conta bancária de partido político fornecerão mensalmente à Justiça Eleitoral os extratos eletrônicos do movimento financeiro para fins de instrução dos processos de prestação de contas; § 3.º Os extratos eletrônicos serão padronizados e fornecidos conforme normas específicas do Banco Central do Brasil e deverão compreender o registro de toda movimentação financeira com identificação da contraparte; § 4.º Os extratos bancários previstos neste artigo serão enviados à Justiça Eleitoral pelas instituições financeiras mensalmente, até o trigésimo dia do mês seguinte daquele a que se referem. § 5.º Os rendimentos financeiros e os recursos obtidos com a alienação de bens têm a mesma natureza dos recursos investidos ou utilizados para sua aquisição e deverão ser creditados na respectiva conta bancária.” Então fica o questionamento. Se a exigência de abertura de conta específica para movimentar recursos do Fundo Partidário, de que trata o inciso I deste artigo, somente se aplica aos órgãos partidários que, direta ou indiretamente, recebam recursos do gênero, qual a garantia de recebimento de tal recurso? Em caso de contínuo recebimento e abrupta suspensão do repasse da cota, a conta pode ser fechada? Se fechada não cairíamos na mesma roda-viva uma vez que o recebimento eventual também restaria inviabilizado (ou seja, o argumento do não recebimento no presente impediria os recebimentos futuros)… 7. Conclusões 1. Tudo é passível de interpretação, não existe situação consolidada no tempo e no espaço que seja incólume ao ato interpretativo, afinal, compreender é colocar algo dentro de palavras, ou melhor, formular a compreensão dentro de uma potencialidade linguística. 2. A representação literária trazida, numa aproximação sob a interdisciplinaridade do Direito e Literatura, nos conduziu a uma delineação alegórica de como a ideia de insegurança frente a determinadas situações causam-nos pânico e a superação da insegurança e o apaziguamento da angústia sempre são buscados a partir do conhecimento sobre a realidade e sobre o outro, tornando esse outro previsível e passível de incorporação à nossa realidade, sempre buscando a convivência sob regras, claras e objetivas. 3. Uma vez que a previsibilidade não depende da norma em que a ação se funda, mas da sua interpretação judicial, torna-se evidente que a segurança jurídica está ligada à decisão judicial e não à norma jurídica em abstrato, assim, a certeza da ação através do direito, em última análise, não é tanto a fórmula escrita no código, a norma abstrata, mas a dita norma individual, a concretização da regra no caso específico. 4. O comando normativo extraído da redação do art. 4.º da Res. TSE 21.841/2004, ao determinar que sejam abertas duas contas distintas: (i) uma para trânsito de cotas do fundo partidário e (ii) outra para trânsito de recursos de outra natureza, tem por finalidade promover total transparência dos recursos recebidos pelos Partidos Políticos, para que não haja mistura de recursos e assim se possa ter um maior controle do uso das verbas tanto em razão de sua origem, bem como um maior controle de sua destinação. Devendo, portanto, o partido político manter, ainda que sem movimentação, contas bancárias abertas para eventual recebimento de cotas do fundo partidário, bem como recursos de outra natureza, pois alfim, o que se busca em forma de controle, enverga-se sobre fundamentos constitucionais de controle público. 5. A busca de uma maior lisura na análise do controle das verbas tratadas pelas agremiações partidárias nos processos de prestação de contas partidárias vem solidificar uma efetiva tutela jurisdicional por parte do TRE/PI. 6. Apesar de elogiável a atitude do TSE de procurar aperfeiçoar seu normativo, este surpreendeu e provocou leve decepção, uma vez que a minuta que traz a nova redação do artigo que trata das contas bancárias se embrenha pela mesma roda-viva existente.

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8. Referências bibliográficas FERRARI, Flávia Dias de Oliveira. Começando pelo jogo: compreensão e linguagem em Gadamer. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, PUC/Rio, 2010. Disponível em: [www.maxwell.vrac.pucrio.br/16085/16085_5.pdf]. MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. Processos Coletivos. vol. 2, n. 2. Porto Alegre, 01.04.2011. Disponível em: [www.processoscoletivos.net/~pcoletiv/ revista-eletronica/24-volume-2-numero-2-trimestre-01-04-2011-a-30-06-2011/121-o-precedentena-dimen-sao-da-seguranca-juridica-]. Acesso em: 04.11.2014. GOMIDE, Bruno Barreto. Nova antologia do conto russo – (Primeira Noite) Contos do Major Gorbiliov – Mikhail Saltikov-Schedrin. São Paulo: Editora 34, 2013. [www.tre-sc.jus.br/site/fileadmin/arquivos/partidos_politicos/prestacao_contas_anual/FAQ_01]. Res. TSE 21.841/2004 que disciplina a prestação de contas dos partidos políticos e a Tomada de Contas Especial. Disponível em: [www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/normas-editadaspelo-tse/resolucao-nb0-21.841-de-22-de-junho-e-2004-brasilia-2013-df]. [www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-despacho-de-convocacao-prestacao-de-contas-anuaisde-partidospoliticos-para-audiencia-publica]. [www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-minuta-prestacao-de-contas-anuais-de-partidos-politicospara-audiencia-publica].

1 Nota explicativa: O presente artigo foi escrito em primeira pessoa, afinal representa a opinião do autor. Inconcebível acatar de forma silente imposições metodológicas desarrazoadas que embebidas de um pueril e falso ideal de neutralidade impõe a escrita de artigos científicos em terceira pessoa, o que conduz a comunidade científica a uma inautenticidade de fala e de ideias. O sujeito que aqui escreve é sim determinado e determinante. 2 Res. TSE 21.841/2004 que disciplina a prestação de contas dos partidos políticos e a Tomada de Contas Especial. Disponível em: [www.tse.jus.br/legislacao/codigo-eleitoral/normas-editadaspelo-tse/resolucao-nb0-21.841-de-22-de-junho-e-2004-brasilia-2013-df]. 3 Vigora plenamente no bojo deste texto um ideal zetético a partir da tópica, enquanto técnica de pensar por problemas desenvolvida pela retórica. Não que eu esteja negando qualquer incursão dogmática, uma vez que zetética e dogmática são irmãs siamesas e interdependentes, mas o que se nega veementemente é a utilização de qualquer compreensão excessivamente dogmática, impositiva, circunscrita e fechada. Para um aprofundamento na temática indico a obra “Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação” do Prof. Tercio Sampaio Ferraz Jr. 4 FERRARI, Flávia Dias de Oliveira. Começando pelo jogo: compreensão e linguagem em Gadamer. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, PUC/Rio, 2010. p. 65. Disponível em: [www.maxwell.vrac.puc-rio.br/16085/16085_5.pdf]. 5 Para um aprofundamento da temática, recomendo por todos, a leitura do artigo: Bases para a compreensão da hermenêutica jurídica em tempos de superação do esquema sujeito-objeto do Prof. Lenio Luiz Streck. Disponível em: [https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/Article/download/ 15066/13733]. 6 FERRARI, Flávia Dias de Oliveira. Op. cit., p. 66. 7 O conteúdo normativo extrai-se interpretativamente do enunciado normativo. Para um aprofundamento na temática indico a obra “Teoria dos Princípios” do Prof. Humberto Ávila. E por favor, que não se venha falar em mens legislatoris, tal engodo “pseudo-interpretativo” já não mais condiz com o que se compreende do atual estágio da teoria da norma jurídica. 8 GOMIDE, Bruno Barreto. Nova antologia do conto russo – (Primeira Noite) Contos do Major Gorbiliov – Mikhail Saltikov-Schedrin. São Paulo: Editora 34, 2013. p. 201. 9 Idem, p. 203-204. 10 MARINONI, Luiz Guilherme. O precedente na dimensão da segurança jurídica. Processos

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Coletivos, Porto Alegre, vol. 2, n. 2, 01.04.2011. Disponível em: [www.processoscoletivos.net/ ~pcoletiv/revista-eletronica/24-volume-2-numero-2-trimestre-01-04-2011-a-30-06-2011/121-oprecedente-na-dimensao-da-seguranca-juridica]. Acesso em: 04.11.2014. 11 Disponível em: [www.tre-sc.jus.br/site/fileadmin/arquivos/partidos_politicos/ prestacao_contas_anual/FAQ_01.pdf]. 12 Disponível em: [www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-despacho-de-convocacao-prestacaode-contas-anuais-de-partidos-politicos-para-audiencia-publica]. 13 Disponível em: [www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-minuta-prestacao-de-contas-anuaisde-partidos-politicos-para-audiencia-publica].

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