Arte, Cidade Criativa e Ócio

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X SEMINÁRIO ÓCIO E CONTEMPORANEIDADE Ócio: novas perspectivas para a investigação nas culturas contemporâneas

ARTE, CIDADE CRIATIVA E ÓCIO

Fernando Manuel Rocha da Cruz Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected]

No presente artigo procuramos relacionar arte, cultura e ócio apresentando em um primeiro momento, seus desenvolvimentos teóricos através da apresentação de breves sínteses conceituais. Em um segundo momento, apresentamos a partir de um estudo de caso na cidade do Porto, em Portugal, alguns exemplos de arte contemporânea, seja sob a forma de arte de rua, ou museológica, bem como, alguns exemplos de património e arquitetura da cidade, assim como, um exemplo de oferta musical em um espaço privado. Estes casos resultantes de um estudo de natureza qualitativa e de teor etnográfico desenvolvido no mês de junho de 2016, permitem refletir sobre a sua relação com o ócio, partindo do princípio de que todas as cidades são criativas, embora variem em intensidade.

1. Cidade Criativa No domínio das políticas urbanas, a cultura é utilizada como uma ferramenta de valorização do espaço, tendo a cidade criativa, enquanto ativismo cultural, por finalidade o retorno das classes médias e altas ao centro da cidade. Esta acepção é criticada por Vivant (2012, p. 19-25), que prefere a redução do conceito ao de bairro criativo. Nesse espaço, a cidade se torna expressão das singularidades, facilitando a reivindicação e revelação das diferenças e diversidades. Como refere a autora: A expressão "cidade criativa" pode, assim, ser interpretada como um projeto político liberal no sentido norte-americano do termo, ou seja, mais tolerante em matéria de costumes e de escolhas de vida. Como não ser seduzido pela ideia de que essa passagem à cidade 1

criativa é acompanhada de uma revalorização das qualidades dos espaços urbanos, com a transformação da imagem das metrópoles e o arquivamento da imagem da cidade industrial, cujos miasmas, poluição e sujeição do proletariado simbolizam a submissão dos homens e da natureza à obsessão da produção? (Vivant, 2012, p. 23-24) Desse modo, a boêmia e a criação artística constituem “o coração semântico de todas as teorizações sobre a cidade criativa”, segundo Vivant (2012, p. 24). Assim, os bairros “artísticos” são valorizados pela presença e instalação de artistas, o qual é muitas vezes acompanhado pelo processo conhecido por gentrificação, fomentando o desenvolvimento de uma cidade dual. Acrescenta a autora: A transformação das condições de vida e de trabalho do ser "artista" de uma parte importante das profissões intelectuais e culturais repousa, em parte, sobre a reorganização do sistema de produção no seio das atividades criativas e, em particular, das indústrias culturais. (Vivant, 2012, p. 25) Outra acepção de cidade criativa resulta da obra de Richard Florida que propõe o conceito de classe criativa. Para este autor, a classe criativa é formada por cientistas, engenheiros, arquitetos, designers, professores e educadores, artistas plásticos, músicos, profissionais do entretenimento, de negócios, finanças, leis, saúde e outras áreas afins, ou seja, profissionais “cuja função econômica é criar novas ideias, novas tecnologias e/ou novos conteúdos criativos” (FLORIDA, 2011, p. 8). A classe criativa tem por finalidade a resolução de problemas complexos, pelo que tem que estar dotada de qualidades como capacidade julgamento, elevado nível de escolaridade e de experiência. Desse modo, criatividade, individualidade, diferenças e mérito são valorizados neste grupo, pelo que tecnologia, cultura e economia estão interligados e são inseparáveis. Daí que estejam regidos pelos princípios da individualidade, liberdade de expressão e pela abertura à diferença (FLORIDA, 2011, p. 8-10). Por conseguinte, o estabelecimento de ranking entre as cidades criativas teve por finalidade a atração da classe criativa, o que gerou competição entre as cidades sobretudo norte-americanas, pela captação de profissionais que ampliassem o número de inovações e com isso, renda e lucro.

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Assim, a renovação das cidades pode ter origem em inovações culturais, tecnológicas ou urbanísticas (Hall, 1995, p. 7). Importa, por conseguinte, segundo Landry e Bianchini (1995, p. 26-31), identificar os pré-requisitos para a criação de uma cidade criativa. Dessa forma, os referidos autores postulam o seguinte: 1. Necessidade de reavaliação do sucesso e do fracasso, uma vez que este pode ser a origem do futuro sucesso. Portanto, é necessário assumir riscos e não possuir uma política – incluindo política pública – de punir os projetos que não obtêm sucesso. 2. Definição de novos indicadores de sucesso que possam ir além da tradicional análise custo-benefício no âmbito das decisões de investimento. 3. Capacidade de gestão de ideias criativas em projetos viáveis. Não se trata, por isso, de uma mera competência de gestão administrativa, mas de encorajamento de pessoas para pensarem de forma holística, ou seja, que envolvam trabalho de equipe, parceiros, empreendedores sociais e corretores. 4. Projetos que desenvolvam a criatividade individual, através da oferta de bolsas para projetos experimentais e de inovação deliberadamente pensados para encorajar experimentos. 5. Encorajamento da participação de imigrantes e outros migrantes em projetos que impulsionem criativamente a cidade. 6. A sinergia de eventos e organizações, bem como a gestão de espaços de trabalho, podem criar oportunidades para os indivíduos sugerirem e compartilharem ideias. 7. O equilíbrio entre cosmopolitismo e o local pode resultar de competições e exibições nacionais e internacionais, as quais podem originar boas ideias, sem, contudo, eliminar a oportunidade de afirmação da identidade local. 8. A influência externa resultante do multiculturalismo ao interculturalismo, pode ser reelaborada criativamente através da cultura local, por forma a surgirem identidades hibridas. 9. A participação deve ser encorajada através de auditorias de cidadãos e júris representativos dos cidadãos locais que avaliem o desempenho das autoridades locais e outros setores públicos. 10. Uma cidade criativa precisa do desenvolvimento de espaços criativos próximos de equipamentos culturais. 11. Estabelecimento de objetivos e definição de vencedores, de modo a tornar visível em que direção a cidade está seguindo gerando confiança e entusiasmo. 3

12. A cidade precisa de repensar a gestão urbana, de modo a assumir as características em que é forte e em contratar nos setores privado, semi-público ou cooperativo, relativamente aos aspectos em que é fraca. 13. Por último, a cidade necessita de visão e liderança fortes.

Acreditamos, todavia, que todas as cidades podem ser criativas mudando apenas a intensidade da criatividade. Não há, por isso, de estabelecer pré-requisitos para classificar ou “criar” ou até reconhecer uma cidade criativa. Todas as cidades possuem um ambiente criativo resultante da sua população, políticas públicas, cultura, redes e conexões (CRUZ, 2016, p. 147-148) Por conseguinte, qualquer um destes fatores – políticas públicas, conexões e redes, cultura e população – pode explicar o desenvolvimento e as resistências ao ambiente criativo em uma cidade criativa.

2. Arte Contemporânea A arte contemporânea emergiu para alguns autores na década de 1960, embora outros considerem que a mesma teve origem após 1945, com o fim da II Guerra Mundial. Contudo, é nas décadas de 60 e 70 que se opera o fim das disciplinas artísticas face à explosão criativa registrada (MOURA, 2016). O campo da arte e pintura passam a partir daí a incluir quase tudo, canibalizando outras formas de expressão, como o teatro na performance, a fotografia e o cinema na apropriação das imagens, a vida social numa arte de protesto, o próprio corpo do artista, e até os seus dejetos com Manzoni e a sua famosa lata com “merda de artista”, ou a ideia na arte conceptual, cujo radicalismo levou à exposição do ar condicionado do grupo Art & Language, onde simplesmente se ligou o ar condicionado de uma galeria de arte vazia. (MOURA, 2016) A arte contemporânea é assumidamente subversiva, iconoplasta e política, onde o movimento do maio de 68 é a grande referência europeia. No entanto, nos anos 80, a arte perde seu carácter crítico ao integrar o sistema de mercado. O mercado passa a regular a qualidade e relevância das obras da arte através de uma série de agentes, funcionários públicos, 4

galeristas, diretores de centros de arte e museus. Os colecionadores tornam-se na voz dominante enquanto os artistas se remetem a um papel secundário caindo num extremo individualismo. Os críticos de arte desaparecem para dar lugar a promotores e relações públicas dos interesses dos colecionadores. O debate sobre arte resume-se agora a cotações. (MOURA, 2016) O mercado passa a ser o principal fator explicativo do (in)sucesso das obras de arte e dos artistas. Por outro lado, o sucesso é explicado pelo “curriculum” das obras de arte e dos artistas, ou seja, a colocação dos produtos artísticos em algumas galerias ou museus garantem visibilidade aos mesmos e, por conseguinte, o seu êxito (MOURA, 2016). No mesmo sentido, Harvey (2008) destaca a importância do mercado na produção cultural. A minimização da autoridade do produtor cultural cria a oportunidade de participação popular e de determinações democráticas de valores culturais, mas ao preço de uma certa incoerência ou, o que é mais problemático, de uma certa vulnerabilidade à manipulação do mercado de massa. De todo modo, o produtor cultural só cria matérias-primas (fragmentos e elementos), deixando aberta aos consumidores a recombinação desses elementos da maneira que eles quiserem. (HARVEY, 2008, p. 55) A própria arquitetura pós-moderna resulta do ecletismo entre o passado e o presente, negando a ideia de progresso, de continuidade e de memória histórica. Desse modo a perda da temporalidade e a busca do espontâneo representam igualmente a perda de profundidade com a fixação nas aparências e nos impactos imediatos, os quais encontram expressão na produção cultural em eventos, espetáculos, happenings e imagens da mídia e multimídia (HARVEY, 2008, p. 58-61).

3. Ócio A Escola de Chicago, através de Simmel (1967), racionaliza o homem metropolitano considerando que este reage cada vez menos emocionalmente face à elevada multiplicidade de fenômenos metropolitanos. Uma das razões alegadas por este autor é

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que a cidade é a sede da economia monetária, pelo que tudo é reduzido à troca econômica e à economia monetária. Desse modo, Simmel conclui que: a individualidade dos fenômenos não é comensurável com o princípio pecuniário. O dinheiro se refere unicamente ao que é comum a tudo: ele pergunta pelo valor de troca, reduz toda qualidade e individualidade à questão: quanto? Todas as relações emocionais íntimas entre pessoas são fundadas em sua individualidade, ao passo que, nas relações racionais, trabalha-se com o homem como com um número, como um elemento que é em si mesmo indiferente. Apenas a realização objetiva, mensurável, é de interesse. (SIMMEL, 1967) Desse modo, o carácter de anomia do homem metropolitano explica a racionalização da elevada intensidade de estímulos provocados pelos fenômenos metropolitanos, em detrimento do emocional. Mas se tudo é racionalizado como se explica o ócio urbano? Cuenca e Cuenca (2013) destacam a relevância do ócio na sociedade contemporânea face à importância econômica e ao seu papel na qualidade de vida. Como explicam: na nova mentalidade dos cidadãos do século XXI o ócio é um valor dominante não só por ser a ocasião de descanso do trabalho, mas também pelas novas funções de realização pessoal, identificação e evasão de umas circunstâncias não desejadas que tem vindo a assumir. A descoberta deste tipo de ócio e os seus efeitos benéficos para as pessoas e as comunidades é algo recente e tem múltiplas variantes. (CUENCA; CUENCA, 2013, p. 5)

Há, no entanto, que distinguir tempo livre, ócio e lazer. Este último, encontra-se normalmente associado a entretenimento, turismo e diversão fomentados pelo consumo. Como expressa Martins (2013, p, 13), o lazer no Brasil “é resultado de uma construção social orientada pela dominação e alienação produzida na relação capital-trabalhoempregado, incitada pelo frenesi consumista”. O tempo livre se contrapõe ao trabalho e implica o tempo de reposição da energia para o trabalho, na lógica dos valores capitalistas (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 484). O ócio é uma experiência humana que apesar de ser relevado em alguns autores sua dimensão psicológica (MARTINS, 2013), pode igualmente ser considerada em sua dimensão social (CUENCA, 2000). Como complementa Cuenca:

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La afirmación del ocio nos sitúa en un ámbito de concepciones ancladas en la dimensión humana y el desarrollo personal. Desde ellas se produce una identificación del ocio con realización e identidad personal, derecho a la cultura, el deporte y el turismo o ámbito de encuentro y de igualdad. Es un ocio que se reivindica independientemente del trabajo, como espacio vital al que tenemos derecho por el hecho de existir, una experiencia que, encauzada adecuadamente, nos reporta salud, encuentro y desarrollo. Esta vivencia de ocio es, ante todo, una vivencia profundamente humana y gozosamente humanista. (CUENCA, 2000, p. 51)

O ócio resulta, nesse sentido, de uma necessidade humana cuja satisfação se constitui como requisito indispensável de qualidade de vida. Para Aristóteles, o ócio era um estado que se opunha enquanto condição de liberdade à necessidade de trabalhar (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 490). Mas, o ócio é também de modo indireto, fator de equilíbrio de desajustes e carências pessoais ou sociais. As experiências do ócio, enquanto ocupação prazerosa, assumem as funções que antes eram atendidas pelo trabalho, mas que devido à sua escassez, ou pelas suas peculiaridades atuais, são de difícil concretização. Desse modo, há que entender o ócio como uma experiência integral da pessoa e um direito humano fundamental. Uma experiência humana integral significa que ela é total, complexa e centrada em ações desejadas, autotélicas, ou seja, com um fim em si mesmas, devendo ainda ser pessoais. E, enquanto direito humano básico deve favorecer o desenvolvimento, em termos de educação, trabalho ou saúde, do qual ninguém deveria ser privado, seja por razões de gênero, orientação sexual, idade, raça, religião, crença, saúde, deficiência ou condição econômica (CUENCA, 2009, p. 9). No entanto, o ócio encerra em si um sentido utópico na dinâmica socioeconômica dominante, difícil de atingir (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 484). Consideram ainda, Aquino e Martins: a palavra ócio resguarda valores negativos apregoados pela influência religiosa puritana, pela própria história da industrialização e modernização brasileira, ao longo da qual se pode observar, claramente, o surgimento de uma nova ordem entre empresários e empregados, operários e patrões e a necessidade de controle social no tempo fora do trabalho, para garantir a ordem numa sociedade elitista, herdeira de valores colonialistas. (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 484) Desse modo, o lazer remete para as funções de descanso, desenvolvimento da personalidade e diversão, enquanto o ócio se explica no contexto do gratuito, do 7

hedonismo, do liberatório e do pessoal, sendo estes fatores de caráter individual e colocados ao nível do prazer da experiência (AQUINO; MARTINS, 2007, p. 486).

4. O caso da cidade do Porto (Portugal) A organização de eventos culturais da cidade do Porto, em Portugal, vem conquistando milhares de turistas em todo o mundo. A Câmara Municipal do Porto, através da empresa municipal PortoLazer1 vem apoiando a organização e realização de eventos, ou mesmo organizando eventos na cidade do Porto (CRUZ, 2011). Desse modo, a cidade é promovida através da cultura e da arte com um envolvimento direto das instituições políticas locais. A concentração de galerias de arte na Rua Miguel Bombarda; de bares na Rua Cândido dos Reis e na Rua Galerias de Paris deslocando a procura anterior pela Ribeira; e, de estabelecimentos hoteleiros, de restauração e bebidas na Rua das Flores são alguns exemplos do poder renovador e criativo da cidade. Trata-se evidentemente de uma cidade criativa promovida quer pelo setor público, quer pelo setor privado, onde a arte e a cultura vêm desempenhando um papel primordial. Mas se a cidade criativa se desenvolve numa lógica capitalista e se a própria arte integra essa mesma lógica, qual o lugar do ócio? Será possível, o ócio em uma cidade com forte apelo para o consumo e lazer? De que forma, se desenvolvem as experiências de ócio perante a arte contemporânea? Vejamos alguns casos da cidade do Porto. A ponte Dom Luís (Fig. 1) foi construída entre 1881 e 1887, possuindo um arco com 172m, tabuleiro superior com 392m de comprimento e o inferior com 174m de comprimento. A obra foi adjudicada à empresa Société Willebreck, de Bruxelas, de que era administrador Théophile Seyrig, discípulo de Gustave Eiffel. Hoje, é um ex-libris da cidade e está incluída na zona classificada como Património Mundial pela UNESCO desde 1996.2

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http://www.portolazer.pt/ http://www.portopatrimoniomundial.com/ponte-luis-i.html

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Fig. 1 – Ponte Dom Luís e o rio Douro

Fonte própria (12 de junho de 2016). A Avenida dos Aliados marca o “centro político” da cidade com a presença do edifício da Câmara Municipal do Porto. O nome da Avenida dos Aliados é uma homenagem da cidade à vitória dos Aliados na Primeira Guerra Mundial e o seu projeto foi executado pelo Arquiteto Marques da Silva. Este espaço público conhecido por “sala de visitas” da cidade do Porto é lugar de organização de múltiplos eventos esportivos, culturais, políticos, religiosos, entre outros (CRUZ, 2011). De 3 de junho a 26 de junho de 2016, no âmbito das festividades do São João, foi instalada uma peça artística pelo o coletivo Moradavaga denominada “sunwheel”, formada por um enorme círculo, constituído por centenas de pequenas placas de cor amarela-dourada, cuja rotação produzia diferentes reflexos quer de dia, quer de noite, resultantes das mudanças de vento, da luz e da própria velocidade imprimida pelos utilizadores, uma vez que era possível rodar a mesma (Fig. 2).

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Fig. 2 – Avenida dos Aliados e “Sunwheel”

Fonte própria (12 de junho de 2016).

A tragédia da Ponte das Barcas que ocorreu a 29 de março de 1809, aquando o cerco da cidade pelas tropas napoleónicas comandadas pelo General Soult encontra-se representada na Ribeira em um baixo relevo em bronze realizado em 1897 pelo escultor Teixeira Lopes (pai). Nessa tragédia, centenas de pessoas morreram quando tentaram atravessar para a outra margem através dessa ponte que não aguentou o peso. Hoje, a população local continua a homenagear a memória dos que morreram colocando velas junto ao referido baixo relevo (Fig. 3).

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Fig. 3 – Alminhas da Ponte

Fonte própria (12 de junho de 2016).

O Café Restaurante Guarany é um dos cafés emblemáticos da baixa portuense. Fundado em 1933, cedo passou a ser conhecido como café dos músicos. Hoje oferece dois dias – quintas-feiras e sábados – por semana, de apresentações de fado (estilo musical português) e uma noite com piano e violino (sextas-feiras), à hora de jantar (Fig. 4).

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Fig. 4 – Fado no Café Guarany

Fonte própria (3 de junho de 2016) A Festa de Serralves – 40 horas non stop e com entrada gratuita – organizada no Parque e Museu de Serralves, na cidade do Porto, nos dias 3 e 4 de junho de 2016 ofereceu diversas disciplinas de arte contemporânea como artes plásticas, música, fotografia, dança, circo, entre outros.

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Figura 5 – Árvore fractal – argon modelado e vidro (Museu Serralves)

Fonte própria (4 de junho de 2016)

Através dos exemplos apresentados, é possível compreendermos que a arte e o património podem provocar nos indivíduos experiências prazerosas, mas que as respostas serão diferenciadas, uma vez que se para uns não possa passar de diversão ou entretenimento, outros se questionarão e produzirão compreensões construtivas e transformadoras do seu “eu”. Assim, não é o ato consumista ou o ciclo capitalista que irão determinar se a experiência individual face a uma oferta social deve ser classificada como ócio ou lazer, mas sim, a reflexão que a mesma possa provocar nos indivíduos. Por último, nos parece que a arte tem esse efeito de questionar ou mesmo provocar diferentes indagações nos indivíduos, em termos de auto-conhecimento ou conhecimento transformador. Esse contato – ou essa intensidade na oferta - possível nas cidades mais criativas, potenciam igualmente uma maior intensidade de respostas nos indivíduos, em termos de experiências de ócio. Desse modo, acreditamos em uma forte relação entre cidades criativas, arte e ócio em que a elevada oferta de arte e de inovações determinam um número elevado de experiências de ócio. 13

Considerações finais Em uma interessante entrevista, Nuccio Ordine (2016) afirma que “a única coisa que não pode ser comprada é o saber”. Ora, o saber e a criatividade dependem, em último grau, de capacidades individuais e psicológicas. A oferta pode ser coletiva ou até resultar de um ato de consumo como comprar um livro ou uma entrada para o cinema ou um show de música ou dança, mas a apreensão, a compreensão e a reflexão são individuais. O prazer de saber é uma experiência de ócio, assim como a de conhecer uma cidade, de a apreender em seus sentidos, cheiros, cores e sons. Os cinco sentidos são responsáveis por essas experiências que se podem constituir como ócio, enquanto conscientes. Através dos exemplos apresentados na seção anterior foi possível constatar diferentes disciplinas de saber e arte: História e paisagem (fig. 1), Arte contemporânea: rua e museu (fig. 2 e 5) património e memória (fig.3), música (fig. 4). Desse modo, o contato sensitivo com essas experiências artísticas e patrimoniais despertam nos indivíduos formas diferenciadas de ócio. Essas experiências gratuitas e prazerosas – ainda que possam eventualmente implicar custos econômicos – não permitem reduzir a experiência ao lazer, uma vez que permitem modos distintos de apreensão desse real que vai produzir mudanças pessoais e, eventualmente, despertar o sentido crítico e criativo dos mesmos. É esse contato com experiências urbanas distintas que favorece por um lado, o ócio, e por outro, a criatividade. No entanto, a mesma experiência que para uns se pode constituir como lazer (entretenimento ou diversão), pode para outros, se constituir como um momento de desenvolvimento e crescimento individual, onde a arte urbana se constitui como um excelente exemplo potenciador de ócio. Finalmente, mesmo que todas as cidades sejam criativas, estas podem variar em intensidade, pelo que a arte nestas também existirá com diferentes níveis de oferta. Urgem assim, medidas políticas que facilitem e promovam a oferta de espaços criativos e artísticos tendo em vista a promoção de uma cidade cada vez menos dual.

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