ARTE COMO INVESTIMENTO A ARTE DOS NEGÓCIOS E O NEGÓCIO DAS ARTES

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LÍVIA SPÓSITO BIANCALANA

ARTE COMO INVESTIMENTO A ARTE DOS NEGÓCIOS E O NEGÓCIO DAS ARTES

Coordenador Acadêmico: Prof. Dr. Carlos Eduardo Sarmento Professor orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Sarmento

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso MBA em Gestão em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão de Pós Graduação lato sensu, Nível de Especialização, do Programa FGV Management Turma BC04

São Paulo – SP

2012

O Trabalho de Conclusão de Curso:

ARTE COMO INVESTIMENTO A ARTE DOS NEGÓCIOS E O NEGÓCIO DAS ARTES

elaborado por Lívia Spósito Biancalana e aprovado pela Coordenação Acadêmica do curso GESTÃO EM BENS CULTURAIS: CULTURA, ECONOMIA E GESTÃO, foi aceito como requisito para a obtenção do certificado do curso de pós-graduação, nível de especialização, do Programa FGV Management.

Data de aprovação: _____ de ______________ de __________

________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Sarmento

________________________________ Profa. Ilana Seltzer Goldstein

 

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TERMO DE COMPROMISSO

A aluna Lívia Spósito Biancalana, abaixo-assinada, do Curso GESTÃO EM BENS CULTURAIS: CULTURA, ECONOMIA e GESTÃO FGV Management, realizado nas dependências da instituição no período de abril de 2010 a outubro de 2011, declara que o conteúdo de seu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “ARTE COMO INVESTIMENTO: A ARTE DOS NEGÓCIOS E O NEGÓCIO DAS ARTES”

São Paulo, 8 de abril de 2012

______________________________

 

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À minha mãe, por sempre incentivar minhas aventuras acadêmicas, por mais loucas que pareçam.

 

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AGRADECIMENTOS Ao Prof. Dr. Carlos Eduardo Sarmento, pela sua orientação.

À Profa. Ilana Seltzer Goldstein, por ser um exemplo de dedicação e por tudo que fez pela Turma 4.

Aos professores Renaldo Gonsalves e Sammy Dana, pelas indicações bibliográficas e discussões de tópico.

Ao Marcius Galan, por, sem querer, ter me dado a idéia inicial para este trabalho.

À Ana Varella, pela paciência e solicitude.

À Danuzia dos Anjos Pereira, Hugo Tavares e Letícia Miléo, por salvarem uma veterana em desespero.

À toda equipe da Galeria Luisa Strina: Ada, Adailton, Andréia, Graça, Gustavo, Lucia, Luisa, Maria, Mariana, Marli, Roberto, Rosângela, Sandro e Vinicius, por viver o “mercado” comigo todos os dias.

À toda minha família: Cristiana, funcionária e amiga; Dulce, avô (em memória); Leonardo, pai; Marcos, padrasto; Matilde, mãe; Teófilo, avô; por sempre estarem lá, não importa o desafio.

Às amigas: Caroline Zeferino, Fernanda Andrade Fava, Fernanda Assef e Thais Batista Siqueira, pelos almoços e risadas.

À minha querida “marida”, Thais Essu, por agüentar a luz acessa e me trazer lanches durante as horas a fio que passei escrevendo este trabalho.

E por fim, mas não menos importante, ao Fábio Gianesi (Gi), pelas caronas e por ter compreendido uma namorada ausente aos sábados, durante dois anos.

 

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RESUMO

Este trabalho trata da arte como parte do sistema cultural de uma sociedade e, estando na sociedade capitalista voltada para a economia de mercado em que estamos, parte para a análise natural da arte como um bem econômico passível de investimento. Ao trabalhar o conceito de dinheiro e de mercado, localiza a arte e aqueles que dela vivem – artistas, galeristas, curadores, críticos e etc – como produto e produtores interessados não apenas lucros monetários, mas também em prestígio social. A arte se torna, portanto, um ativo financeiro como ações de uma empresa. Por fim analisa a situação atual do mercado de arte no Brasil e cita dois exemplos de fundos de investimento em arte, um nacional e um internacional.

Palavras-chave: arte, investimento, mercado, fundos, monografia teórica.

 

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

p.7

1. A ARTE COMO PARTE DE UM SISTEMA CULTURAL

p.9

1.1 UMA BREVE HISTÓRIA DA ARTE: DAS CORPORAÇÕES DE ARTESÃOS ATÉ OS COLETIVOS DE ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS. p.11 2. ARTE E DINHEIRO 2.1 O TOQUE DE MIDAS

p.15 p.18

3. ARTE E MERCADO

p.20

4. KUNST = KAPITAL: ARTE COMO INVESTIMENTO

p.24

5. GALERIAS: OS BANCOS DA ARTE

p.29

6. BIENAIS, MUSEUS, LEILÕES E FEIRAS INTERNACIONAIS: CONSTRUTORES DE VALOR.

p.32

7. BRAZIL GOLDEN ART INVESTIMENTOS: UM EXEMPLO BRASILEIRO p. 36 8. ARTIST PENSION TRUST: PREVIDÊNCIA PRIVADA PARA ARTISTAS p.40 CONCLUSÃO

p.45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

p.47

SITES

p.49

 

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INTRODUÇÃO

Ganhar dinheiro é arte, trabalhar é arte e um bom negócio é a melhor das artes - Andy Warhol

É plausível afirmar que jamais o mercado da arte movimentou tanto dinheiro ou esteve tão aparelhado quanto nas três últimas décadas. Esta impressão se confirma diante do vasto e variado cenário formado por galerias, curadores, colecionadores e investidores, e diante do forte crescimento do consumo de luxo. As artes visuais - como ao mesmo tempo parte da produção “desinteressada” de gênios criativos e parte dos gêneros de consumo da elite - procuram a todo momento reconciliar valores estéticos de revolta com os mirabolantes valores de mercado obtidos em vendas de casas de Leilão como a Sothebyʼs e a Christieʼs. Essa tensão exige, forçosamente, observar a operação prática da cultura como capital no movimento incessante de transformação do lucro econômico em reconhecimento cultural e vice-versa. Onde a crítica parece se confundir com branding e os árbitros do valor artístico se vêem presos a pressões de mercado como agentes das bolsas de valores, mercadorias e derivativos. Neste contexto surge a necessidade de “trocar de óculos” e tentar ver ambos os lados da moeda sob uma nova perspectiva, como duas partes que ao invés de serrem conflitantes, são complementares e partes indissociáveis de um mesmo sistema. Começamos, então, por definir o que é arte no escopo deste trabalho, na primeira parte vemos como a antropologia definiu a arte e como este conceito é útil para aqueles que querem entender o seu mercado. Fazemos, para tanto, uma breve descrição da história da arte, desde o final da Idade Media até os dias de hoje. Depois passamos a analisar o conceito de dinheiro e as interseções entre este e a arte, ambos domínios da fé – entendida como crença no

 

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abstrato - e, portanto, ambos dotados de certa aura mística. O artista é visto aqui como uma figura mitológica, acima de todos os meros mortais. Na terceira parte passamos para uma análise mais crua do que é o mercado de arte e como este se apresenta no contexto atual. Vemos os problemas e as possibilidades advindas da visão da arte como um ativo, um produto passível de comercialização. Preparado o terreno e fechadas as definições das palavras-chaves deste trabalho, chegamos ao corpo constitutivo principal da tese aqui apresentada, qual seja, a que como qualquer produto financeiro a arte pode ser usada como investimento e reverter em mais capital para aqueles que podem dispor dos meios e riscos. Não é inteiramente igual a quotas da dívida do governo ou ações de empresas bem estabelecidas como a Petrobrás, mas pode gerar altos retornos se feita a diversificação de portfólio. Vista como uma fonte de renda complementar e fruto de especulação financeira, analisamos quem são as pessoas que formam os valores dentro do mercado de arte e podem, portando, mudar os ventos de determinados investimentos: as galerias, os museus, grandes feiras, bienais e casas de leilão. Por fim trabalhamos na sétima e oitava partes deste trabalho dois exemplos de utilização da arte como um bem especulativo financeiro, um nacional e um internacional respectivamente. Longe de tentar esgotar o tema, este trabalho visa apenas jogar uma luz sobre um tema pouco trabalhado pela academia no Brasil, seja ela advinda da economia, seja ela advinda dos estudos estéticos. Mostrando que existe uma área de confluência entre a arte, os negócios e os investimentos, que pode ser muito produtiva e gerar ainda grandes e acalourados debates.

 

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1. A ARTE COMO PARTE DE UM SISTEMA CULTURAL

Como é notório, é difícil falar de arte. Pois a arte parece existir em um mundo próprio, que o discurso não pode alcançar - Clifford Geertz

Como aponta Clifford Geertz, falar de arte é um trabalho árduo. Sua definição não varia apenas com o tempo, mas também é diversa entre as múltiplas culturas que já existiram e ainda existem e, mesmo dentro de um mesmo período e dentro de uma mesma sociedade, pode variar de acordo com a ideologia de quem sobre ela filosofa. O que é certo é que onde houve civilização houve arte. Inicialmente com um sentido mágico e ritualístico, depois com um sentido de possuir habilidades úteis especiais, passando pelo que poderíamos chamar de habilidades técnicas artesanais – relações entre as formas, profundidade, relação entre as cores - e por fim, na definição que temos hoje no ocidente, surgida em meados do século XVIII, de algo que desperta fruição estética. Foi nesta mesma época que surgiu a separação entre as “belas artes” – pintura, escultura, musica erudita, teatro – e as “artes cotidianas” ou “artes aplicadas”1. E é apenas na Idade Moderna que surgem as teorias de explicação da “arte pela arte”, desligadas de seus valores decorativos, didáticos e religiosos, a arte por sua técnica e concepção criativa.

                                                                                                                1

O conceito de belas artes está associado à idéia de que um certo conjunto de

manifestações artísticas seria superior as demais manifestações. Seriam elas a pintura, a escultura, desenho e a arquitetura. O volume é pequeno e cada item possui um status exclusivo, enquanto produto de um indivíduo, o artista ainda que sejam empregados vários tipos de ajudantes. As fronteiras das chamadas “belas artes” jamais estiveram tão indefinidas como na atualidade, seja pela multiplicação dos meios e formas, seja pelas conexões com o mundo do entretenimento, moda e design.

 

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Foi da antropologia que surgiu o conceito de arte mais comumente aceito nos dias de hoje, e utilizado neste trabalho. A arte como parte expressiva dos objetivos humanos e dos modelos de vida de cada cultura da qual fazem parte. A arte não como um conceito hermético, definido totalmente dentro de planos intra-estéticos, mas sim como parte dos valores simbólicos e afetivos, com definições marginalmente estéticas. Saídos de um plano instrumental, entramos em um plano semiótico onde a arte é um feito cultural, e onde podemos ver que “Os rabiscos coloridos de Matisse assim como as linhas de uma tribo indígena materializam uma forma de viver e trazem um modelo especifico de pensar para o mundo dos objetos, tornando-os visíveis”2 A arte é uma experiência sensorial variável e culturalmente relativa, a sociedade e

as experiências de um homem definem a sua “bagagem

intelectual”, e é esta bagagem que ordena a experiência estética.3 É preciso participar do sistema simbólico geral, chamado de cultura, para poder participar do sistema particular, chamado arte. E, neste ponto, achamos o “preciosismo” da arte. Ela se torna um objeto no qual pode-se aprofundar o conhecimento de terminada cultura, ver como ela simbolicamente objetifica seus valores ou as contravenções a eles. Não necessitamos da arte para viver, necessitamos da arte para desfrutar aquilo que já vivemos. A arte não é amor, rebeldia ou beleza, é uma expressão destes sentimentos. Como um produto cultural, a arte toma uma forma de ação coletiva, e como parte de um sistema simbólico, exclui aqueles que não são familiarizados com ele. É necessário ter “educação” e determinadas “competências” para deleitar-se com a arte, e possuir essas competências gera distinção.                                                                                                                 2

GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa 2ª Ed.

Petrópolis RJ: Vozes, 1999 P. 150. 3

BAXANDALL, Michael. Painting and Experience in Fifteenth Century Italy. Londres:

1972.

 

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A “iniciação” em determinada cultura, ou sub-cultura, é necessária para o completo entendimento da arte que aquela cultura produz. Se não formos iniciados no sistema simbólico indiano, não entenderemos uma pintura de Ganesha por completo; se não formos iniciados no sistema simbólico renascentista; não entenderemos A Venus de Michelangelo por completo; os exemplos são incontáveis. Assim sendo, o conceito de arte trabalhado aqui será o herdeiro daquele construído pela sociedade ocidental desde a “quebra” que a idade media representou para a Europa em termos culturais.

1.1 UMA BREVE HISTÓRIA DA ARTE: DAS CORPORAÇÕES DE ARTESÃOS ATÉ OS COLETIVOS DE ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS.

Na idade média a sociedade era divida entre os nobres, detentores de títulos e terras, e os camponeses, que cultivavam a terra em troca de nela poderem habitar. Os artesões eram uma classe intermediária de detentores de ofícios úteis a ambos os lados – ferreiros e carpinteiros, por exemplo. Como possuir o conhecimento do oficio era um fator de distinção dos demais “não nobres”, para sobreviver, os artesãos se reuniam em corporações que mantinham o controle sobre os modos de produção e sobre aqueles que podiam ser “iniciados” no ofício. A arte, então, era exclusivamente definida como o produto do trabalho do artesão e seu valor era medido pelo tempo que tomava aprender determinado ofício e pela quantidade de material necessário para realizá-la. No século XIII, com o surto de urbanização, surge uma nova relação com a arte. Com o estabelecimento de grandes cidades, unificação da terra e estabelecimento dos grandes reinados, surgem as cortes e uma série de personagens que dela dependiam. Este passa a ser o caso de alguns artesãos selecionados, que conquistam prestígio por realizar seu ofício exclusivamente para membros da corte. E, alguns poucos selecionados, são chamados para morar dentro dos palácios e viver não apenas das encomendas da corte, mas também de um pequeno “salário”. O prestígio de

 

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ser uma artista de corte era imenso em relação a ser uma artista de corporação. Com as rotas comerciais e o enriquecimento de uma parcela não nobre da população, aparece a figura do artista autônomo, que mesmo fora da corte e tendo menor prestigio, atendia a diversas encomendas e era, de certa forma, mantido pelas camadas mais abastadas da população. O artista refinado, a semelhança do aristocrata, seu cliente ideal, não trabalhava por dinheiro e sim pela gloria pessoal. Seu valor nascia do seu pensamento e não de seu trabalho produtivo em termos estritos. Essa idéia expressava o desprezo aristocrático pelo comercio e colocava a arte como forma mais elevada da atividade produtiva humana. O prestigio do artista da corte entra em declínio no apenas século XVIII, por conta da Revolução Industrial. A ascensão do entendimento do trabalho como um valor moral, abre espaço para o artista como um profissional liberal. Enquanto a Revolução Industrial arruinava a produção artesanal, a individualidade do artista contrastava com o anonimato das massas trabalhadoras. A produção auto-determinada oferecia uma alternativa a alienação do trabalho assalariado. Com o tempo, o sistema dependente das instituições governamentais e do Salon anual, esgotou-se e marchands particulares começaram a competir exibindo obras de grupos de artistas que trabalhavam temas contrastantes ao conformismo dos meios tradicionais de exposição. A indiferença ou mesmo a rejeição inicial pelo público, passa a ser sinal de grandeza interior, temas, formas e linguagens até então inconcebíveis ganham visibilidade. O, cada vez maior, compromisso com o progresso trouxe consigo uma progressão histórica de grandes movimentos artísticos, de vanguardas concorrentes que darão estrutura à história da arte moderna. Vanguardas que guardavam para si o compromisso de serem originais e de quebrarem com todos os padrões históricos, até então, encontrados na arte. Futurismo, surrealismo, dadaísmo, foram todos, a seu tempo, quebras das convenções não apenas artísticas, mas também sociais.

 

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Surgem grandes movimentos internacionais nas artes, onde cada “escola” tentava quebrar com os saberes locais e rivalizar com o progresso dos demais países. Nem mesmo as Grandes Guerras e a Depressão dos anos 1930, destruíram o caráter internacional do modernismo artístico, limitando-se a transferir sua capital de Paris para Nova York, da Europa para a America. Após as guerras, a Alemanha tentou recuperar um pouco do prestígio Europeu criando a amostra qüinqüenal Documenta, em 1955. Demais outros estados seguiram o passo criando instituições encarregadas de promover a arte então “contemporânea”, grandes museus e coleções públicas vieram a tona representar não apenas o patrimônio histórico adquirido, mas também as novas ondas criativas de seus cidadãos. Com este apoio estatal cresceu o volume de atenção dedicados à arte contemporânea, aumentou o montante de dinheiro e incentivos dedicados a arte e o surgimento de um interesse cada vez mais comercial no produzir artístico tornou-se inevitável. Os anos 70 e 80 conheceram um duplo impulso de relação da arte com o mercado, ora o aceitavam (e até mesmo o exacerbavam, como os artistas pop tomaram para si a lição de que, sejam quais forem as intenções do artista ou o conteúdo da obra, a arte é um produto comercial ) ora o criticavam e rejeitavam. Do contraste de ou aceitar ou criticar o mercado de arte, surgiram alguns artistas que se desvencilharam deste jogo de balanças e é deste contexto que surge a atual liberdade da arte contemporânea. O termino do século XX nos presenteou com um mercado internacional de arte de fato com as bienais de Xangai, Veneza, São Paulo, Liverpool e do Whitney Museum em Nova York. Assim a globalização teve seu correspondente cultural no crescente envolvimento de instituições governamentais na promoção da arte. Hoje o sistema artístico conta com o apoio de uma série de instituições públicas e privadas: museus estatais, casas de leilão, supergalerias internacionais e até mesmo grandes colecionadores que fundam seus próprios institutos privados de interesse público, passando por coletivos de

 

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artistas que tentam promover uns aos outros estando “a margem” de todo esse sistema. Como podemos ver a arte sempre foi parte do mundo social no qual estava inserida e sempre refletiu e se transformou de acordo com os interesses e desinteresses deste mundo. Seja como investimento espiritual, de tempo ou exclusivamente financeiro, o que esta evolução da história da arte nos propiciou, de modo geral, foi liberdade de discussão de temas e formas, e liberdade para encarála não apenas em termos de iluminação criativa, mas também em termos monetários.

 

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2. ARTE E DINHEIRO O que os alquimistas medievais nunca entenderam é que o dinheiro é um produto social e não químico – Katy Siegel & Paul Mattick

Em todas as sociedades há trocas de bens entre indivíduos, mesmo que essas trocas não sejam necessariamente um escambo de um bem físico pelo outro. As trocas podem tomar a forma, por exemplo, de uma caça pela aceitação na tribo, de um alimento cultivável por ervas medicinais recolhidas e assim por diante. Conforme nossa sociedade foi se desenvolvendo, e aprimorando o volume de bens trocados, a capacidade de quantificar o valor de um bem em relação ao valor de diversos outros foi tornando-se um ofício cada vez mais complexo, digno de verdadeiros tratados sobre volumetria e matemática. A moeda, cunhada em ouro e outros metais preciosos, veio para facilitar essa arte da quantificação e logo das trocas. Era mais fácil de ser transportada e possuía uma certa equivalência em qualquer território que fosse negociada. O dinheiro como hoje o conhecemos, um pedaço de papel com um valor, foi criado quando a quantidade de metais disponíveis para serem transformados em moeda não mais equiparava o volume de trocas necessitando execução. E quando essas trocas começaram a ser feitas entre grandes distancias, as cartas de crédito, com um selo e uma assinatura, podiam ser trocadas, em locais especiais, pelas moedas de fato. Não passava de uma confiança, a confiança de que aquela assinatura seria reconhecida e possibilitaria uma troca final em ouro. Era uma convenção tal qual a de designar alguns objetos como sendo arte e outros não. “Ambos [a arte e o dinheiro] são sistemas simbólicos. Seus valores não são inerentes, mas construções sociais: muitos tipos de convenções sociais e instituições (museus e bancos

 

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entre elas) fornecem a base para seus significados e conferem a ambos, arte e dinheiro, legitimidade e valor. Sem fé em um pedaço de papel pintado, nenhuma troca haveria de ter lugar. Sem nenhuma noção de convenção artística, nenhuma arte teria existência. Em última instância ambos são abstrações”4

A arte e o dinheiro são, portanto, produtos do mesmo desenvolvimento histórico e tem o seu valor baseado inteiramente na confiança da manutenção deste sistema desenvolvido. E ao trocar arte por dinheiro, trocamos uma abstração por outra, trocamos um conjunto de confiança por outro.5 Desde a instauração do capitalismo, a circulação de bens corresponde a um fluxo de dinheiro no sentido contrario. E o dinheiro representa algo essencial para a sociedade moderna que, de outro modo, pareceria invisível: o caráter social do trabalho produtivo6 sob uma forma que pode te rum indivíduo como proprietário. É a quantificação de algo que parecia imensurável, o que denota uma grande capacidade societária para o pensamento quantitativo abstrato. Essa relação entre dinheiro e abstração, entre valores e confiança, se torna ainda mais patente quando pensamos na queda do “padrão ouro”. Deste ponto para frente, ao papel pintado não correspondia mais necessariamente um lastro em um metal precioso. A sociedade aceitava, de uma forma internacional, que a confiança nos termos monetários seria                                                                                                                 4

VELTHUL, Olay. Imaginary Economics: Contemporary Artists and The world of Big

Money. Rotedam: NAI Publishers, 2005 pg. 32. 5

SHELL, Marc. The issue of representation, in: WOODMANSEE, Martha; OSTEEN, Mark

(orgs) The new economic of criticism: Studies at the Intersection of Literature and Economics. Londres: Routledge, 1999 pg.67 6

SIEGEL, Katy; MATTICK, Paul. Arte & Dinheiro; prefácio a edição brasileira Gustavo H. B.

Franco; apresentação a edição brasileira Paulo Sergio Duarte; Tradução: Ivan Kuck – Rio de Janeiro: Zahar, 2010 P. 28

 

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mantida essencialmente pela crença na manutenção dos Estados e do sistema capitalista. Hoje extrapolamos essa abstração ainda mais, considerando dinheiro pulsos eletrônicos e números em uma tela como monetariamente válidos. A confiança nas instituições que mantém o valor destes pulsos é tal, que temos indivíduos únicos como proprietários de montantes tão absurdos e abstratos, que se colocássemos um ser humano a contar por toda sua vida ele não seria capaz de atingir um décimo deles.7 Porém estes montantes não tem nada de irreal. São feitos a partir de relações ideológicas e convenções muito reais e presentes em nossas vidas. O consumo corre nas veias do nosso cotidiano e quanto custa algo depende de quanto as pessoas podem pagar e estão dispostas a gastar para obtê-lo, depende de seu valor. Ao considerar o termo “valor” podemos encontrar diversas definições: uma utilitarista, quantidade de meios para um fim; uma estética, que pressupõe o fim em si mesmo; e uma econômica, a quantidade de moeda em um determinado tempo.8 E todo valor, independente de sua definição, é radicalmente contingente, não sendo um atributo fixo ou uma qualidade inerente, mas sim um efeito de múltiplas variáveis em constante mudança, o produto da dinâmica de um sistema, seja ele um sistema estético ou um sistema econômico. Neste sentido é importante distinguir a arte como atividade da arte como experiência. A arte como atividade pode ser medida e quantificada e logo, monetarizada, a arte como experiência, como sentimento não. Um pintura pode servir como meio de troca, decoração e investimento em termos de sua representação da arte como atividade e do status a ela conferido, mas a experiência individual que cada pessoa terá ao experimentá-la não pode ser comprada diretamente.                                                                                                                 7

referencia as teorias de Carl Sagan contidas no livro “Bilhões e Bilhões.”

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BRAEMBUSSCHE, Antoon Van Den. The value of art. In: KLAMER, Arjo. The value of

culture: on the relationship between economics and the arts. Ammsterdam University Press, 1996. Cap 2. P. 35.

 

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Porém, como já vimos na primeira parte deste trabalho, só podemos entender o que é a arte e como ela funciona considerando-a em relação a cultura na qual ela está inserida. E não há como negar a cultura voltada para o consumo e para o dinheiro na qual existimos hoje em dia. A cena, agora, assume valores muito explícitos e a relação entre arte e dinheiro deixam de ser reservadas, o consumo e o prazer que o dinheiro pode comprar são valores implicitamente aceitáveis.

2.1 O TOQUE DE MIDAS

 

Karl Marx já falava sobre os efeitos místicos que medir em termos

monetários tem para a coisa medida. Ela perde seu valor utilitário real e passa a ser envolta em um fetiche do seu valor comercial, munida de status por sua simples existência, a “coisa” medida carrega consigo uma série de distorções do sistema na qual está inserida. Com a arte, como parte de um sistema social, não poderia ser diferente. Enquanto a convenção social da compra e da venda faz do dinheiro o equivalente de qualquer objeto ou serviço imaginável, a convenção da arte permite que a assinatura do artista confira valor estético – e, portanto, valor monetário – ao mais simples objeto. Marcel Duchamp, ao inventar o Readymade – o objeto produzido em massa transformado em arte, cujo valor cultural e comercial não guarda a menor relação com suas origens materiais -, demonstrou que o toque do artista pode funcionar como o toque de Midas, em transformava em ouro tudo aquilo que tocava. Ele escancarou que o artista funcionava como um criador de valor praticamente miraculoso, transmutando materiais relativamente baratos, as vezes em pouco tempo de trabalho efetivo, em mercadorias fabulosamente caras e dignas de debate. A transformação da arte em commodity e esta criação de valor a partir do nada, deslocou as artes visuais de um nicho antes reservado a um público restrito, dotado de um capital cultural específico, para a industria do

 

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entretenimento, para a industria daquilo que é consumido em massa.

O

artista, com o poder de sua assinatura, vira celebridade e, assim como os atores de Hollywood, seu “autografo” em qualquer pedaço de papel passa a valer milhões.

 

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3. ARTE E MERCADO

O valor essencial de uma obra de arte consiste de tudo aquilo da qual ela se diferencia – Smith B.H.  

Cada vez que tentamos estudar como um mercado funciona, vemos

que sua complexidade é imensa. Com várias camadas de fatores pessoais, institucionais, culturais e econômicos, os mercados são uma das maiores instituições sociais que os seres humanos criaram. Seria contra produtivo negar que a arte é um bem ou serviço econômico como qualquer outro. Basta voltar a nossa definição de arte como parte de um sistema cultural para afirmar que cada obra de arte e cada passo dado pelo é artista é produto do ser social que ele é e da sociedade na qual ele está inserido, uma sociedade altamente mercantilizada. Contrario as aparências iniciais, o setor das artes não é menos voltado para os lucros do que outros setores de mercado. As forças de mercado e seus modelos de sucesso são muito poderosas, atraentes e difíceis de se resistir ou contrariar. As teorias econômicas elementares nos dizem que qualquer produto tem o seu valor determinado pela relação entre oferta e demanda no mercado, quando maior a demanda e menor a oferta maiores os preços e quanto maior a oferta e menor a demanda menores os preços. A arte, por ter oferta controlada por um grupo, os artistas e demanda livre, o mercado como um todo, seria visto como um commoditie de alto potencial de preço. Presumindo que as pessoas são racionais e que nunca irão pagar por uma obra mais do que elas consideram que ela vale, William Gramp, um economista, conclui que o preço das obras de arte são sim indicadores do seu valor estético. Se não consideram algo como arte válida, não irão aceitar os altos preços gerados pela escassez de oferta. Valores estéticos, portanto, podem ser considerados, pelo paradigma neoclássico da economia, na medida em que afetam os comportamentos da demanda. Não respondem, no

 

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entanto, se o valor é justo ou certo, mas sim se é eficiente e como as pessoas avaliam os custos de oportunidade9 em relação a arte. Porém, enquanto funciona para a demanda, a visão neoclássica da economia não explica a oferta dentro do mercado de arte que, além de limitada, não tem, necessariamente, incentivos para minimizar os custos. A grande falha esta no fato de que muitas organizações que financiam a produção de arte não são maximizadoras de lucro e, portanto, não são empresas racionais no sentido de sempre buscar vantagens. Isto faz com que a teoria da produtividade marginal10 se torne quase irrelevante. O que os economistas neoclássicos falham em explicar é que recompensas no campo da arte podem não ser exclusivamente monetárias. Prestigio e status são lucros advindos de custos altos de produção e são de difícil mensuração quantitativa. O reconhecimento social e o estabelecimento de transações comerciais, embora cada dentro de seu próprio sistema de valoração, são duas redes interdependentes. O sucesso não se quantifica apenas pelo preço de venda das obras; podemos avaliá-lo também pela freqüência com que um artista é chamado a realizar projetos para espaços de arte reconhecidos, pela promoção de uma galeria ou figuração em uma coleção particular importante. Este sucesso é uma via de mão dupla tanto para os produtores quanto para os consumidores, as instituições e colecionadores promovem os artistas assim como são por eles promovidos. E no contexto comercial, tudo isso se traduz em valor de mercado, em preço. Os artistas corporificam o ideal de individualidade e independência dos tempos modernos, o seu trabalho é visto como autêntico e insubstituível, fruto do esforço criativo ou de um dom congênito, ao contrário do trabalho da                                                                                                                 9

O custo de deixar de comprar outros produtos que não arte.

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LEI DO RENDIMENTOS MARGINAIS DECRESCENTES: afirma que o produto marginal de

um insumo de produção diminui à medida que a utilização do insumo aumenta, quando a quantidade de todos os demais fatores de produção (insumos) se mantêm constantes. Isto é, a partir de um certo ponto, os lucros ficam menores para os mesmos custos de produzir uma unidade.a mais.

 

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maioria, baseado no esforço e na repetição. Porém, todo aparente comportamento altruísta ou de “consciência” do artista, pode ser explicado por interesses de longo prazo do grupo artístico como um todo, de aparentar estar acima das preocupações “mundanas” e, com isso, gerar valor de distinção. O mercado de arte funciona de maneira local, regional e internacional, a dispersão dos lugares onde a arte é comercializada, no entanto, não significa que ela não seja altamente concentrada. Ou seja, são poucas as pessoas que controlam os meios de produção e até mesmo de consumo da arte11, porém elas o fazem de diversos locais do mundo. O que complica ainda mais a idéia de um livre mercado da arte, é o seu contexto critico restritivo. Os agentes responsáveis por descobrir, selecionar, produzir e avaliar arte – em suma, definir o que é e o que não é arte - são sempre os mesmos e extraem sua autoridade do reconhecimento pelo sistema dominante internacional. O cosmopolitismo obrigatório dos curadores de exposições e a sua inserção nos círculos formais do ocidente, continuam sendo a principal fonte de autoridade. As redes estabelecidas perpetuam a hegemonia do núcleo central e continuam a controlar a construção de valores e reputações, mesmo quando o assunto é algo tão livre quanto a produção criativa. Deste ponto surge a transição das “belas artes” para o entretenimento. Os poucos “escolhidos” tornam-se célebres, vendem revistas, entradas para exposições. Vernissages e aberturas, passam a ser grandes encontros sociais e o envolvimento do mercado na arte, deixa de ser um motivo de vergonha. É importante atentar, aqui, que não há juízo de valor neste reconhecimento da arte como parte do mercado já que, ao mesmo tempo que é geradora de exclusões, é também geradora de diversos “spillover effects” aproveitados por toda comunidade. Isto é, diversos empregos e rendas são gerados pela arte indiretamente, sendo a industria de seguros e transporte os maiores exemplos.                                                                                                                 11

 

Aqui vista como um bem a ser comprado e não um valor estético a ser fruído.

22  

A arte, vista como um mercado, chama a atenção não apenas pelos valores vultuosos envolvidos, até pouco tempo inéditos no campo das artes visuais, mas também pelas inúmeras possibilidades que surgem do tratar a arte como um produto. Há espaço para estudos comparativos, não apenas de preços de obras alcançados em leilões, mas dos mencionados efeitos nos demais mercados que servem como auxiliares ao mercado de arte. Análises de retorno para investimentos estatais, possibilidades de alcance de políticas públicas, subsídios, protecionismos aos mercados nacionais, efeitos de coletivos artísticos, comportamento daqueles que fogem dos núcleos centrais de controle dos meios de reconhecimento e até mesmo possibilidades de retorno financeiro particular, são todos campos pouco explorados do mercado de arte. Como veremos a seguir, a arte vista como um commoditie encaixa-se em diversos padrões de análise financeira já bem conhecidos e pode ser pensada em termos de negócio.

 

23  

4. KUNST = KAPITAL: ARTE COMO INVESTIMENTO Haveria alguma maneira melhor de provar que entendemos de um assunto do que ganhar dinheiro com ele? – Harold Rosenberg

Joseph Beuys, um dos mais influentes artistas europeus do final do século passado, insistiu que “Kunst=Kapital” - em alemão Arte=Capital - ou seja, que arte tinha um poder próprio e, assim como o capital entendido como: dinheiro utilizado para gerar mais dinheiro, poderia investir nela mesma. A arte, entendida como um investimento, é um bem que manterá seu valor, mais ou menos, ao longo do tempo e poderá ser capitalizado/vendido novamente. No contexto das incertezas econômicas e políticas, os investimentos em obras de arte estão incluídos entre as formas de proteção da poupança contra depreciações. Eles são, no entanto, apenas complementares, isto é, não substituem as formas tradicionais de investimentos em bens fundiários, valores mobiliários e outros. Por ser um mercado muito volátil, alta variação de preços, o mercado de arte é voltado para investidores menos avessos ao risco12 que, aqui é consideravelmente mais alto que nos mercados de ativos tradicionais. A estratégia de se investir em arte consiste em esperar sua valorização. Por isto, é um investimento de longo prazo que aposta na valorização de um tipo de ativos tangível, isto é, existente em termos físicos. Se arte é para ser vista como uma adição válida (e logo imperfeita) aos investimentos tradicionais como ações e etc., existe a necessidade de                                                                                                                 12

Em qualquer investimento e, portanto, também no investimento em arte, há uma

expectativa de ganho ou de retorno, isto é, de geração de rendimento positivo. Risco (baixo ou alto) é a probabilidade de que os retornos reais sobre os investimentos sejam diferentes dos retornos esperados.

 

24  

realizar uma diversificação dentro de um mesmo portfólio13 como mostra Andrew Worthington e Helen Higgs14. Investir em apenas um artista seria como investir nas ações de apenas uma empresa (grande aumento do risco). A formação de portfólios serve para balancear riscos entre “grupos” de investimento. Uma das belezas das obras de arte é o fato de serem mercadorias inesgotáveis15, bastante portáteis e de fácil armazenagem em relação ao seu valor de mercado (é muito mais fácil guardar 1 milhão em arte do que em soja). Por ser um bem com boa demanda e oferta relativamente limitada, seu valor muitas vezes aumenta desproporcionalmente em relação a outras mercadorias e moedas, o que lhe confere uma vantagem adicional, tornandoa mais desejável e aumentando ainda mais o seu valor. Além disso é um fenômeno mercadológico por possuir valor de prestigio social (voltando ao exemplo da soja, ter um milhão de dólares em arte “vale” mais prestígio do que ter um milhão em grãos). A arte encarna seu valor econômico, como toda mercadoria, mas possui também valores culturais não tão bem definidos: originalidade, significado histórico, beleza, superioridade social, resistência às convenções, liberdade. Assim, a arte pode gerar lucros tanto monetários quanto de prestígio na sociedade na medida em que a obra pode transferir ao colecionador seus atributos de consciência social, ousadia sexual ou glamour. A arte critica ou difícil pode ser usada, tanto pelos artistas quanto pelas instituições, para acumular capital cultural, a credibilidade ou prestígio gerado por aspirações políticas ou teóricas superiores, a aura de revolta vanguardista ou seriedade intelectual.                                                                                                                 13

Diversificação entre escolas, movimentos e períodos.

14

WORTHINGTON, Andrew C.; HIGGS, Helen. Art as an investment: risk, return and portfólio

diversification in major painting markets. Accounting and Finance 44(2) PP 257-272 Blackwell Publishing, 2004. 15

 

São usadas mas não acabam e sempre haverá alguém que as queira.

25  

Desde que passou a existir algum livre-mercado de arte, também passaram a existir artistas de grande produtividade e, no movimento contrario, artistas que tomam o caminho da resistência realizando poucas obras

ou

obras

perecíveis,

obscenas,

imensas,

todas

de

difícil

comercialização. Porém o sistema tem o luxo de absorver as obras que o criticam. Cálculos, preferência, benefícios, lucros, preços e utilidade são todos conceitos a serem aplicados, também, neste mercado. Aqui o utilitarismo e a racionalidade instrumental também encontram local de vazão. Mas, nas palavras de Worthington e Higgs:

“Claro que não é preciso dizer que os mercados de arte diferem substancialmente dos mercados financeiros, e que isto limita o potencial de aplicação estrita de técnicas financeiras bem conhecidas. Obras de arte não são bens muito líquido, quase nunca são divisíveis, os custos de transação são altos e existe um grande Período de tempo entre a decisão de vender e a venda real. Investir em arte requer tipicamente conhecimento extensivo sobre arte e o mundo da arte e uma grande quantidade de capital para adquirir trabalhos de artistas renomados. O mercado é altamente segmentado e dominado por poucas grandes casas de leilão, e apenas uma pequena quantidade de trabalhos são apresentados à venda ao longo do ano. O risco é perverso, derivando tanto dos riscos físicos de fogo e roubo quanto ao risco da peça eventualmente ser atribuída a outro artista. Os custos de seguro, transporte e armazenagem podem ser proibitivos. E, enquanto os preços de venda em leilões representam, em parte, um consenso da opinião do valor das obras de arte, os valores são determinados por um rol complexo e subjetivo de crenças

 

26  

em preços passados, presentes e futuros, gostos individuais e modas passageiras.”16 A arte tradicional de artistas consagrados, à semelhança das ações de empresas sólidas é um investimento relativamente seguro. Mas, a valorização de artistas em começo de carreira e as vultuosas somas em jogo na arte contemporânea: 15,5 milhões de dólares para cascatas artificiais que vão durar três meses, 120 milhões de dólares para o leilão de um único artista vivo, todas baseada em indicadores como o artprice.co e o Uk-base Art Market Research (AMR) – largamente usado pelas grandes casas de Leilão e pelos principais jornais especializados ou não em arte17 - fazem da especulação em arte um negócio extremamente atraente. O êxito de La Peau de lʼOurs, uma associação de colecionadores que, em 1903, começou a comprar sistematicamente obras vanguardistas que foram vendidas, dez anos depois, com lucro de 300%, tornou inequívoca a conexão entre a idéia de vanguarda e o investimento especulativo na arte. Não é muito quando se pensa nos cachês de estrelas de Hollywood em um único filme ou nos custos de produção e retorno de bilheteria de “Avatar”, mas para o mundo da arte é novidade. Ele é o noviço no mundo na industria do entretenimento e é isso que muda tudo. Tanto as pessoas podem ser pensadas em termos de negócios quanto que os detalhes das transações econômicas podem ter a mesma carga emocional de qualquer desabafo impressionista. Investimentos em arte podem não são necessariamente motivados por valores estéticos. Alguém pode comprar uma peça de arte porque a vê como um bom investimento, essa pessoa pode estar absolutamente indiferente ao seu conteúdo e valores intrínsecos e apenas interessada nos retornos possíveis daquele capital. Este

                                                                                                                16

WORTHINGTON, Andrew C.; HIGGS, Helen. Art as an investment: risk, return and portfólio

diversification in major painting markets. Accounting and Finance 44(2) PP 257-272 Blackwell Publishing, 2004. tradução livre da autora 17

ex: Finantial Times, Wall Street Journal, The Economist, Business Week, The Art

Newspaper e Handelsblatt.

 

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fato não exclui, no entanto, que a experiência estética transcenda aquela da experiência econômica.

 

28  

5. GALERIAS: OS BANCOS DA ARTE

 

Um bom investimento é, obviamente, aquele que gera lucros. É, como

vimos, o capital que gera mais capital. Nesta visão, e com dinheiro cada vez mais representado em fluxos eletrônicos, é fácil esquecer-se que, mesmo sendo uma representação abstrata, o sentido do dinheiro, dos juros e do lucro é derivado de uma produção social concreta. Da mesmas forma é fácil acreditar que basta a idéia ou as escolhas de um artista para criar o mercado de arte. Porém isso é esquecer-se que existe o trabalho social de muitos outros, que não somente o gênio criativo, envolvidos na transformação de uma idéia em obra de arte socialmente reconhecida como tal.18 Os críticos, os marchands, os curadores, os colecionadores, são todos diversos coadjuvantes do processo de formação de valor de uma obra de arte. Podemos dizer, aqui, que um dos principais coadjuvantes são as galerias de arte. Desenvolvidas no final do século XIX, as galerias fundem em si a função comercial de loja e a função institucional de museu. São ao mesmo tempo um local de acúmulo, armazenagem, exposição e comercialização oferecendo obras tanto para a contemplação estética quanto para o aproveitamento econômico. Expressam em si a dualidade que discutimos até agora da arte, como mercadoria e como símbolo de valores não comerciais.19 São também grandes agenciadoras dos artistas, funcionando como fieis depositárias da carreira daqueles que representam. Fazem desde a promoção de imprensa até averiguação de materiais disponíveis para uma                                                                                                                 18

SIEGEL, Katy; MATTICK, Paul. Arte & Dinheiro; prefácio a edição brasileira Gustavo H.

B. Franco; apresentação a edição brasileira Paulo Sergio Duarte; Tradução: Ivan Kuck – Rio de Janeiro: Zahar, 2010 P. 89 19

 

idem P. 107.

29  

determinada produção e, em alguns casos, até mesmo fornecem um salário fixo, ou um controle financeiro, para aqueles que tem carreiras um tanto quanto instáveis. Alguns grandes galeristas, notoriamente, funcionam como os antigos marchands, envolvendo-se na vida pessoal do artista. Confundem-se um pouco, então, com empresas familiares ou administradoras do estado do artista, dada sua morte. Oferecem, muitas vezes, apoio jurídico e contábil para seus representados, encarregando-se de questões fiscais e administrativas morosas, que ocupariam o gênio criativo com preocupações mundanas. Elas, assim, auxiliam na manutenção da aura de especialidade que os artistas mantém frente ao público não iniciado e retro-alimentam um sistema de valorização monetária onde o status é o seu principal componente. São os principais atores no campo da arte que, por serem em numero limitado, junto com os museus, ajudam a demarcar o campo artístico. Enquanto a pintura de um determinado artista é vendida apenas em ateliês e galerias, prevalece uma situação de “polipólio”, ou seja, uma multiplicidade de situações de monopólio (entre cada galeria e seus artistas). Assim como um banco, o sonho de todos os artistas que não são representados por uma grande galeria é adentrar o seu mundo facilitador, o sonho de todos aqueles que já conseguiram sua representação é sair. Podem enganar em alguns de seus propósitos e na sua dupla função já discutida, mas ao fim e ao cabo as galerias são empresas, necessitam de lucro para sobreviver. Como bem colocaria Carter Ratcliff em seu ensaio “The Mariage of Art and Money”20 “Se as galerias não são nem mais nem menos comerciais do que as casas de leilões ou as empresas em geral, então a arte é uma mercadoria como outra qualquer... Acima de tudo, não precisaremos mais ter nenhum escrúpulo quanto ao casamento entre arte e dinheiro. Não teremos mais de                                                                                                                 20

 

RATCLIFF, Carter. The Marriage of Art and Money. Art in America, 1988.

30  

nos perguntar se é possível separar o valor estético de uma obra de seu valor comercial.”    

 

31  

6.

BIENAIS,

MUSEUS,

LEILÕES

E

FEIRAS

INTERNACIONAIS:

CONSTRUTORES DE VALOR.

Se o mercado de arte está diferente, cada vez mais aberto e claro quanto a sua existência, as instituições artísticas também estão diferentes daquilo que foram um dia. Elas se adaptaram a nova situação de mercado e estão cada vez mais internacionais e, ao mesmo tempo, envolvidas com o ambiente próximo que as cerca. É cada vez maior o envolvimento das casas de leilões, dos programas de residência, das feiras comerciais e das salas de projeto instaladas em museus e bienais, na formação do gosto artístico e dos valores de mercado para cada obra. A parte da óbvia formação de preço das galerias e dos leilões, o cenário mundial das instituições voltadas para a promoção da arte compõe preços na medida que são emprestadoras de prestígio. Os museus mesmo quando não realizam mostras que atraem multidões, as famosas “exposições empreendimento”, cada vez mais se popularizam oferecendo lojas, restaurantes e serviços de assinatura de “clubes” exclusivos. Munidos de um monopólio de mercado, o monopólio da instituição de fomento por excelência das artes, os museus capitalizam vendendo não as obras, mas o acesso exclusivo a elas. Também funcionam como produtores de arte contemporânea, na medida em que encomendam projetos específicos para seus ambientes e funcionam como big players neste mercado de investimento já que são, ao mesmo tempo, tomadores e formadores de preço. Os curadores dos museus assumiram, com isto, a função antiga da crítica de arte. São eles agora que descobrem e promovem artistas ao fazer com que suas instituições empregadoras subsidiem a criação. Viajam as custas das instituições e, portanto, são hoje os únicos que podem acompanhar os itinerários das obras de arte mais interessantes. Munidos

 

32  

desta bagagem adquirida nestas viagens oferecerem juízos sinópticos fundamentados a partir da comparação.21 A negociação, por comparação, entre o que constitui boa ou má arte é do que a especulação no mundo da arte é feita. A arte se distingue de todas as demais mercadorias especulativas pela questão, já discutida, de conferir prestigio social além de lucros financeiros. O maior exemplo disso é a promoção da economia do pais sede de uma bienal. Além de informar quais os autores e as tendências em destaque, construindo uma inestimável fonte de atualização e a mais importante instancia de consagração para os artistas, as Bienais giram o setor hoteleiro, gastronômico e as vendas das galerias da cidade na qual são sediadas. As grandes feiras internacionais, agora, tomaram para si uma parcela deste papel. Cada grande cidade – pelo menos as que se vangloriem de seu caráter cosmopolita - têm, neste momento sua feira de arte internacional. Basta saber a multiplicidade de siglas anunciadas nas grandes revistas de arte: FIAC, ABMB, Frieze, ArtBO, ARCO, Art Basel, para citar apenas algumas. Rentabilizando a partir do aluguel do espaço, dividido no formato de stands, para as galerias, as grandes feiras mostram, sem uma linha curatorial única, tudo que há de disponível no mercado no momento. Realizam palestras, seminários e encontros dos “stakeholders”22 do mercado da arte. Tem eventos sociais, festas, almoços, jantares e tudo mais que gere trocas de tendências entre aqueles que fazem parte do mundo da arte. Por fim, mas não menos importantes, temos as grandes casas de leilões como a Sothebyʼs e a Christieʼs, que cada vez mais fortalecem a sua influencia na constituição do valor financeiro das obras de arte. Os leilões são vendas publicas (ao contrario das vendas privadas das galerias) que reúnem coletividades de autores e compradores, permitindo a                                                                                                                 21

Lane Relyea - profa. de teoria e critica da arte na Northwestern University

22

Conceito advindo da economia de grandes coorporações, os stakeholders, ou tomadores

de risco, são todos aqueles que possuem envolvimento com o empreendimento. No caso da arte, colecionadores, artistas, galeristas, diretores de grandes instituições e assim por diante.

 

33  

comparação de preços e, dai, a idéia de um mercado de arte, no singular. São pensados para tirar proveito da natureza competidora humana e, melhor do que qualquer outro regime de vendas, funcionam como instancias de formação de cotações e hierarquização de escolas e movimentos. Tanto funcionam neste papel que os principais índices medidores do mercado de arte são baseados nas informações publicadas pelos leilões. Todo estudo acadêmico sobre a economia da arte, de uma forma ou de outra, cita os resultados obtidos em leilão. E os leilões, mesmo apos a crise econômica de 2008, não cessam de bater recordes para artistas vivos, para citar apenas dois exemplos: “Benefits supervisor sleeping” (1995) de Lucian Freud foi vendido em maio de 2008 na Christieʼs por 33,6 milhões de dólares e o artista Damien Hirst fez, na Sothebyʼs, em setembro de 2008, no auge da crise financeira norte americada, um Leilão de 223 obras recentes suas e arrecadou 127,2 milhões de dólares. Basta abrir qualquer revista especializada em arte como a Art + Auction, Art Fórum ou Frieze Magazine para deparar-se com artigos enumerando os recordes dos últimos leilões. No Brasil a situação do mercado de arte amadureceu muito nas duas ultimas décadas, principalmente no âmbito da arte contemporânea. Além da consolidação de antigas galerias, que começaram a participar massivamente e constantemente das feiras internacionais, houve surgimento de duas feiras internacionais em território nacional, a SP Arte e, no ano passado a Art Rio. Artistas brasileiros tem ocupado papel de destaque nos leilões das grandes casas, tanto no que tange a arte moderna quanto no que tange a arte contemporânea. Nossos colecionadores tem recuperado obras de períodos coloniais que haviam deixado o Brasil e nossos artistas contemporâneos tem sido alvos de prêmios e grandes investimentos por parte das grandes instituições tanto européias como norte-americanas. Seguindo a tendência geral da economia mundial de enxergar o Brasil como uma potencia em ascensão, auxiliadas pelos empreendimentos da Copa e das Olimpíadas, a economia da cultura tem investido pesados esforços em conhecer o Brasil e sua produção.

 

34  

Vale

ressaltar

aqui,

também,

os

esforços

de

colecionadores

particulares em promover a arte brasileira em âmbito internacional, sendo o maior destaque, obviamente, dado ao Instituto Inhotim de Bernardo Paz que colocou, literalmente, Brumadinho MG no mapa. Conhecemos também, nos últimos dois anos, o nascimento do primeiro fundo de investimento no Brasil voltado exclusivamente para as artes. O Brazil Golden Art (BGA) que será tratado a seguir. O BGA junta-se a outros esforços de ver arte como um ativo financeiro do estilo já conhecidos no resto do mundo, cito como exemplo o Artists Pension Trust (APT), um fundo de investimento coletivo voltado exclusivamente para artistas. O papel que estes fundos de investimento terão na formação de preços está ainda a ser analisado, já que a grande maioria dos fundos conhecidos ainda está no momento de aquisição e valorização de obras. Porém, não há dúvida de que, em poucos anos, seu impacto será conhecido por todos os jogadores do mercado de arte.

 

35  

7. BRAZIL GOLDEN ART INVESTIMENTOS: UM EXEMPLO BRASILEIRO

O Brazil Golden Art – BGA Fundo de Investimentos e Participações, doravante denominado apenas BGA, é o primeiro fundo de investimentos voltado exclusivamente para o segmento das artes plásticas no Brasil. Seu objetivo principal é construir uma coleção representativa da arte brasileira ao mesmo tempo em que oferece um grande potencial de valorização para o capital investido. O gestor do fundo é a Plural Capital, uma sociedade formada por exsócios do Banco Pactual, que pretende ser provedora de soluções financeiras originais para empresas e investidores particulares. Tentando permanecer fiel a esta intenção de originalidade e aproveitando-se do bom momento das artes plásticas brasileiras tanto no mercado

nacional

quanto

internacional,

o

BGA

disponibiliza

duas

oportunidades de investimento: um fundo de investimento multimercado e um fundo de investimento em participações. A principal diferença é que enquanto o fundo em participações investe nas obras de arte propriamente ditas, o fundo multimercados investe no fundo de participações, ou seja, é um fundo que investe em um fundo. Pode parecer complicado a primeira vista para um leigo, mas faz bastante sentido quando olhamos para a forma de resgate do investimento. Um – o multimercados – pode ser amortizado em quotas no todo ou em parte durante a existência do fundo, o outro – o de participações – só poderá ser resgatado ao final de um período de total de cinco anos. Ambos são custodiados pelo Branco Bradesco S.A e auditados independentemente pela KPMG. O fundo multimercado tem uma taxa fixa mensal de mil reais e não tem taxa de administração, enquanto o fundo de investimento em participações possui uma taxa de administração de dois por cento (2%) ao ano, pagos mensalmente e uma taxa final de performance de vinte por cento (20%) sobre o valor que exceder a variação do CDI do período.

 

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Além de formar um panorama significativo da arte brasileira, o BGA visa, na sua estratégia de aquisição e valorização, expor as obras adquiridas tanto no Brasil quanto no exterior. A fim de diversificar o portfólio de investimento, buscará obras de vários movimentos artísticos, desde a arte moderna até a arte contemporânea. Investindo tanto em artistas já consolidados, de retorno baixo porém garantido, como em artistas emergentes, com alto risco e potencial elevado de retorno. A estratégia de aquisição é dividida em quatro partes: pesquisa de mercado, onde serão realizados bancos de dados de obras e de trajetórias de artistas potenciais; identificação de oportunidades, busca por obras disponíveis dentro dos artistas e períodos escolhidos na etapa anterior; negociação de valores, compra de galerias, coleções ou diretamente do artista com alto poder de barganha devido do volume de recursos disponíveis; e finalmente a aquisição da obra e conseqüente armazenagem em depósito segurado. Todas as oportunidades de aquisição deverão ser aprovadas por um Comitê de Investimento formado por profissionais qualificados tanto no mercado financeiro quanto no mercado de arte. As principais regras do investimento são: os recursos captados inicialmente serão aplicados em renda fixa com liquidez diária; o BGA terá três anos para investir os recursos captados em obras de arte, os recursos que não forem investidos desta forma serão devolvidos aos quotistas; nenhuma aquisição de obra específica poderá representar mais de dez por cento (10%) do valor total do patrimônio do BGA; todas as obras terão cobertura de seguro capaz de cobrir o valor investido; as obras ficarão expostas na sede do gestor Plural Capital e poderão ser emprestadas para museus e instituições a fim de promover a coleção; e, afim também de promover a coleção, até três por cento (3%) do patrimônio do BGA poderá ser destinado a marketing. O BGA poderá se desfazer a qualquer momento das obras adquiridas, caso isso ocorra dentro do período de investimento, primeiros três anos, o valor conseguido poderá ser reinvestido na recompra de outras obras. Se a

 

37  

venda for realizada apos o período de três aos, os recursos serão devolvidos aos cotistas de acordo com a modalidade de fundo investida e montante de capital inicialmente alocado. A venda, o desinvestimento, acontece em duas etapas: contato com os potenciais compradores, acionando museus, galerias e colecionadores particulares para garantir o encontro da melhor oferta; e venda das obras ou diretamente ou através de leilões tanto no Brasil quanto no exterior. Se ao final do prazo de cinco anos ainda existirem obras não comercializadas / desinvestidas, estas irão para um leilão especial entre os cotistas do fundo, onde o montante inicialmente investido no fundo não terá importância, mas sim o valor do lance mais elevado. Além do retorno financeiro, o BGA também prevê um retorno em termos de prestígio para seus investidores. As obras adquiridas pelo BGA terão visitações guiadas periódicas e exclusivas para os cotistas, todos terão direito a visitação exclusiva juntamente com seus convidados quando as obras forem expostas em museus e demais instituições, um relatório trimestral com o andamento do fundo e noticias sobre o mercado de arte em geral será distribuído para todos os investidores e, ao final, será entregue uma publicação de qualidade com todas as imagens das obras do portfólio. Outras informações não disponíveis no site e folder do BGA foram conseguidas em entrevista a Ana Varella, administradora assistente do fundo. Ela informou que , por constatação de potencial de mercado, o BGA não está mais investido em arte moderna, apenas em arte contemporânea. É um movimento que tem maior potencial de rendimento e maior quantidade de obras disponíveis para aquisição. Disse também que a busca é por artistas em meio-de-carreira, que já tenham um valor consolidado, mas ainda mantenham alto potencial de valorização. Apesar destas constatações empíricas de mercado o BGA permanece aberto a diversificação de portfólio. Por não ser um museu, eles não tem compromisso com uma linha curatorial específica, mas sim com a garantia de retornos após o desinvestimento. A idéia é abrir frentes em termos de investimento em arte no Brasil, por ser o primeiro fundo do estilo, ainda há

 

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algo de desbravador nas realizações do BGA frente ao mercado de arte brasileiro. Suas maiores reclamações foram quanto a falta de informações sobre a proveniência de muitas obras, é notória a informalidade do mercado de arte brasileira até pouco tempo, o que dificulta bastante as negociações para um fundo que visa ser transparente e auditado externamente. Uma outra questão é a falta de índices específicos para a arte brasileira, apenas artistas de grande renome, e obras já extremamente valorizadas entram nos índices internacionais e, mesmo neste caso, são colocados junto a arte Latino Americana em geral, que nada tem de uniforme. O perfil dos investidores participantes é bem uniforme, são investidores de outros mercados, já habituados a linguagem e ao sistema do mercado de capitais. Pouco avessos ao risco usam o BGA como diversificação pessoal de seus investimentos. Usam o BGA também como plataforma de informações sobre o mundo da arte, usando os boletins informativos trimestrais como uma “peneira” entre as diversas noticias que o mercado disponibiliza. Para Ana Varella, o BGA e demais investimentos em arte estariam classificados do que ela chamou de “passion investment”, investimento de paixão. Eles são feitos não apenas pela busca de retorno financeiro estrito, não são investimentos estéreis, mas também por condizerem com um padrão diversificado de vida, por trazerem fruição e socialização, além de dividendos. Sua dica final foi salientar que nesta área é preciso ter muita paciência e construir a carreira do artista junto com ele. É importante manter o estudo e dedicação não apenas voltado aos retornos diretos, mas também àqueles retornos que, neste trabalho, chamamos de estéticos.

 

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8.  ARTIST  PENSION  TRUST:  PREVIDÊNCIA  PRIVADA  PARA  ARTISTAS  

Os métodos tradicionais de planejamento financeiro não são práticos para a maioria dos artistas por causa das maneiras em que se desdobram as suas carreiras e a imprevisibilidade de sua renda. Poucos têm renda prontamente disponível para investir em programas de previdência convencionais, logo havia a necessidade e o potencial de criação de um modelo financeiro que usasse a arte como o único meio de investir. O Artist Pension Trust (APT) foi criado para preencher este nicho. É o primeiro programa de investimento criado especificamente para proporcionar aos

artistas

emergentes

e

em

meio-de-carreira

um

programa

de

planejamento financeiro a longo prazo. A idéia do programa é construir um sistema integrado de serviços financeiros que atenda às necessidades do artista, proporcionando assim fluxo de renda alternativo e único para esta classe. Ao invés de dinheiro, os participantes investem obras de arte, acumulando vinte obras ao longo de um período de vinte anos. Sendo dois trabalhos por ano nos primeiros cinco anos, um trabalho por ano para os próximos cinco anos e um trabalho a cada dois anos para os restantes dez anos. As obra de arte investidas deverão equiparar o valor de mercado e serem representativas da produção do artista no ano de investimento. Estas vinte obras ao final do investimento criarão, portanto, uma coleção representativa da carreira do artista, e não apenas de um período. O APT irá armazenar as obras colocadas no fundo até o momento de sua venda. Durante este período de detenção, as obras estarão disponíveis para exposição em museus, galerias e outros locais, sujeitos a provação através do Conselho Curatorial do APT – formado por nomes renomados no mercado internacional de arte – e do artista interessado. O APT também prevê a circulação de exposições desenhadas exclusivamente com obras da sua coleção, bem como a publicação de catálogos e estudos próprios.

 

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Será um procedimento padrão, para fins de seguro, realizar avaliações bienais do valor de todas as obras, e ajustes ad-hoc serão feitos em casos de mudanças muito significativas no valor de um trabalho. É importante notar que cada artista mantém o título de suas obras até que o trabalho seja vendido, a propriedade não é transferida para o APT. A venda de obras de é cuidadosamente gerida por um comitê independente de venda a fim de maximizar o valor monetário de cada transação e assegurar que a venda seja feita no melhor interesse a longo prazo do artista. As circunstâncias da venda serão cuidadosamente consideradas para evitar qualquer impacto de mercado adverso e, sempre que possível, o APT irá negociar a venda primeiramente com a galeria principal de cada artista, depois com coleções públicas, considerando apenas então o mercado secundário. Os custos de venda, como transportes, comissões e etc. serão absorvidos pelo próprio valor de venda da obra. O APT é projetado para trabalhar em conjunto com a estrutura já existente do mercado de arte. Seu sucesso será conduzido por uma confluência de interesses entre os artistas participantes, comerciantes e a gestão APT para gerar o máximo de retorno possível. Quando as obras são vendidas, cada artista recebe quarenta por cento (40%) do produto líquido da venda de seu trabalho, garantindo o lucro diretamente com base em seu sucesso individual comercial. Trinta e dois por cento (32%) das receitas líquidas revertem para o benefício coletivo de todos os artistas participantes do APT, permitindo que cada artista membro participe também do sucesso comercial dos outros artistas. E a porcentagem restante de vinte e oito por cento (28%) dos recursos líquidos são retidos pelo APT para cobrir todos os custos operacionais e de gestão. Oito APTs, compostos de até 250 artistas cada, foram formados e desenvolvidos nos centros de arte mais importantes do mundo. Cada APT é uma soma de coleções individuais dentro de um conjunto maior, elas são distintas entre si, porém interligadas em uma rede.

 

41  

Cada APT está organizado em torno de um mercado regional. O alcance do APT pode se estender para além da geografia imediata, mas concorda-se que esses artistas

deverão ter um motivo razoável para a

filiação, sendo um exemplo, a forte presença em um mercado distinto daquele no qual o artista vive/trabalha. Para participar do APT existem duas formas: nomeação direta pelo comitê curatorial regional de cada APT ou aplicação, sujeita a aprovação deste mesmo comitê curatorial. Logo a seleção de um artista para participar do APT é, em si, um poderoso reconhecimento da qualidade do trabalho do indivíduo e seu potencial financeiro no futuro frente ao mercado. Após o convite, caso o artista aceite, é assinado um Acordo de Participação, que como um contrato, regulamenta os direitos e deveres de cada participante. O APT permite ao artista a participar efetivamente na apreciação de valor a longo prazo das suas obras de arte, enquanto os custos de conservação, armazenamento e seguro são cobertos. Além disso, a obra de arte investido torna-se parte de uma rede global para a exposição e promoção. Mais importante ainda, fazendo uso do conceito de sociedades de garantia mútua, cada participante benefícios artista a partir do sucesso comercial de 249 outros artistas participantes. Este aspecto do programa oferece aos artistas um único mecanismo de diversificação de risco. Como artistas precisam muito mais do que uma aposentadoria, o modelo APT concebeu um plano que paga desembolsos de caixa dos interesses mutuamente investidos (obras de arte) de todos os artistas participantes, após a primeira venda, em uma data de distribuição anual. Ou seja, todos os artistas que têm obras depositados no APT podem beneficiarse dos fundos distribuídos a partir da venda de qualquer obra de arte comercializada naquele ano, desde seu primeiro ano de participação. Esta participação no fundo anual está ligada proporcionalmente, em termos de pontos, ao investimento do artista, não apenas em número de obras, mas também no valor de mercado de cada obra investida. O quanto o

 

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artista investe de sua obra no fundo é equivalente ao quanto dos lucros gerais do fundo ele tem direito a recolher. No entanto, o APT é um esforço coletivo que assegura que cada artista participante receberá algum benefício financeiro, independentemente de sua posição ou parte do mercado. De certa forma, os artistas se ajudam mutuamente através do fundo, já que a carreira de um pode estar em um ponto baixo enquanto a de outro está alavancada, e esta situação pode ser invertida no futuro. Como o APT opera em mais de trinta países, a incorporação foi realizada nas Ilhas Virgens Britânicas, portanto, a estrutura legal e tributária da empresa é definido por leis das IVB. Esta escolha foi feita por este território fornecer uma jurisdição neutra, amigável a todas as demais jurisdições. O artista é responsável por quaisquer impostos ou receitas impostas por seu país de residência, tais como rendimento, dedutibilidade fiscal e etc. O artista é aconselhado a consultar o seu conselheiro fiscal ou um advogado sobre estas questões específicas. Os artistas podem optar por encerrar a participação no APT, mas no caso de qualquer rescisão do Acordo de Participação as obras investidas deverão permanecer na posse do APT pela a duração do período de vinte anos. O APT terá direito a prosseguir com seus esforços de marketing e venda da obra e o artista permanecerá com direito a todos os benefícios resultantes da venda de suas obras. O APT é concebido, no entanto, como um programa que premia a fidelidade dos artistas que participam. Artistas que se retirarem do programa antes de cumprir a contribuição exigida de vinte obras ao longo de um período de vinte anos receberão apenas os benefícios acumulados a partir dos trabalhos que investiram, não participando mais, portanto, dos dividendos do fundo como um todo. O artista deixará de ser, obrigatoriamente, um beneficiário do APT uma vez que todas suas obras tenham sido vendidas ou ao final do término do acordo vigente. Também será removido do APT caso não realize os depósitos nos primeiros seis meses após a assinatura do Acordo de

 

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Participação, ou deixe de investir obras de nos termos do Acordo, sendo aplicadas, neste caso, as mesmas regras da remoção voluntária. Quaisquer receitas provenientes da venda serão atribuídas de acordo com a atribuição da propriedade do artista. O beneficiário atribuído de uma propriedade receberá todas as distribuições futuras do APT que poderiam vir para o artista. Assim, dependendo da última vontade do artista em testamento ou das diretivas legais pertinentes na jurisdição do artista, os representantes legais pertinentes assumirão a responsabilidade pela participação do artista no APT, que inclui a opção de continuar depositando obras de arte por o cronograma de investimento recomendado ou realizar a saída voluntária do APT. Em caso do APT deixar de existir como uma entidade corporativa capaz de armazenar e manter a arte investida, o APT reconhece e assegura que as obras aceitas voltarem ao controle direto do artista específico. Tal como acontece com todos os programas de investimento, o APT não pode garantir que qualquer receita significativa será gerada para seus participantes. No entanto, uma vez que os investimentos são as obras dos investidores, as expectativas são, obviamente, altas.

 

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CONCLUSÃO

Ao que tudo indica o mundo da arte oscila entre o desconforto e o deslumbramento diante das profundas transformações que a aceitação do mercado lhe impôs. Jamais houve tanto público para a arte, jamais houve tanta demanda em escala global por suas produções, e esta modificação no papel social do artista e a entrada do mundo da arte na industria do entretenimento, trazem uma repercussão para esta atividade de grandes implicações. Agentes e produtores culturais, cuja atuação e infra-estrutura estão sempre se expandindo para dar conta de públicos e meios cada vez maiores e mais diversos, provocam um enorme aumento do internacionalismo e da diversidade do mundo artístico. Toda a industria cultural atravessa um processo de globalização e “consolidação”, que está por trás da enorme explosão de museus, feiras internacionais, parques temáticos culturais e espetáculos bienais. Em resposta a esta explosão uma literatura pequena mas crescente, tem investigado as características financeiras dos mercados de arte. A este movimento de interesse acadêmico soma-se, obviamente, um aumento no interesse por parte do mundo dos negócios em perceber a arte como uma diversificação válida. Claro que temos que ter cautela quando aplicamos as ferramentas clássicas de análise de mercado quando falamos de arte, mas essa interdisciplinaridade pode oferecer insights valiosos para ambos os lados. Os artistas e suas galerias trocam todos os dias, o mundo da arte é parte da sociedade capitalista. Padrões comerciais foram plenamente absorvidos por diferentes atores, incluindo os artistas. O ranking das qualidades artísticas é uma questão de mensuração em termos de valor e preços econômicos. E a chamada “pureza” da experiência artística não preveniu sua comercialização generalizada e sua transformação em um commoditie.

 

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Não são, no entanto, os pequenos investidores que irão absorver a prosperidade do mercado de arte, ao contrário. São os grandes investidores os que mais aplicavam e que mais continuarão a comprar arte como investimento. E mesmo nos termos dos grandes investidores é bom lembrar que o mercado de arte não pode ser uma alternativa para uma grande quantia de capital especulativo, por sua oferta limitada. Em termos comparativos aproximados, o movimento anual do mercado de arte, em São Paulo, corresponde ao valor negociado em apenas um dia nas operações de bolsa regulares. A arte pode funcionar como uma diversificação de portfólio de investimento, mas dificilmente poderá funcionar como reserva de valor para um percentual significativo de capital. Mesmo assim, a economia da arte está se mostrando um fator importante para qualquer planejador urbano ou político. Os efeitos de geração de renda, não apenas dentro do mercado, mas dentro daqueles a ele associados, são significativos e podem trazer consigo a geração de empregos e a movimentação da economia como um todo. Como pudemos observar, existem bons exemplos e bons prospectos para aqueles que enxergarem o mundo das artes não como algo a parte da economia e do cotidiano, mas como parte constituinte deste, como parte da cultura não apenas em seu valor moral, mas também em seu valor comercial.

 

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