Arte e fé: sincretismo afro-brasileiro

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Arte y fé: sincretismo afro-brasileiro

Arte y fe: sincretismo afrobrasileño Art and faith: afro-brazilian syncretism Renata Homem *1

Recibido: 30/05/2014 Aceptado: 22/06/2014 Disponible en línea: 28/12/2014

Resumo Este artigo trata do sincretismo na arte afro-brasileira, ontem e hoje. Sete artistas tornam visível o processo de miscigenação cultural pelo qual o Brasil passou. Primeiro, dois dos artistas afrobrasileiros mais importantes do século XVIII: Aleijadinho e Mestre Valentim. Em seguida, cinco representantes da arte contemporânea. Da velha geração: Rubem Valentim e Mestre Didi. E da nova geração, menos presa à classificações e rótulos, mas ainda carregada da religiosidade advinda da relação Brasil-África, os três premiados artistas: Caetano Dias, Eustáquio Neves e Ayrson Heráclito. Perceberemos, por meio dos artistas, como o complexo processo sincrético se reflete na arte. Almejase aqui lograr um pequeno grande reconhecimento de uma temática que todavia não se esgotou, mas ao contrário, ainda carece de visibilidade e aceitação.

Resumen Este artículo trata del sincretismo en el arte afrobrasileño, ayer y hoy. Siete artistas hacen visible el mestizaje cultural que ocurrió en Brasil. Primero, dos de los más importantes artistas afrobrasileños del siglo XVIII: Aleijadinho y Mestre Valentim. Luego, cinco representantes del arte contemporáneo. De la antigua generación: Rubem Valentim y Mestre Didi. Y de la nueva generación, menos atada a clasificaciones y rótulos, pero que cargan consigo la religiosidad de la relación Brasil-África, los tres premiados artistas: Caetano Dias, Eustáquio Neves y Ayrson Heráclito. Se reconoce, a través de estos artistas, como el complejo proceso sincrético se refleja en el arte. Con esto, se desea aquí, lograr un pequeño gran reconocimiento a una temática que no se ha agotado todavía, sino al contrario, aún carece de visibilidad y aceptación.

Abstract This article it’s about syncretism in afro-brazilian art, yesterday and today. Seven artists make visible the cultural process of miscegenation ocurred in Brazil. First, two of the most important afro-brazilian’s artists of eighteenth century: Aleijadinho and Mestre Valentim. Then, five exponents of contemporary art. The older generation: Rubem Valentim and Master Didi. And the new generation, less tied to ratings and labels, but still loaded with religious sense arising from the Brazil-Africa relationship, the three awardwinning artists: Caetano Dias, Eustaquio Neves and Ayrson Heráclito. We can realize, through artists, how the complex syncretic process is reflected at art. Therefore, we aim achieve a little, but great recognition for an issue not finished yet, however, on the other hand, still needs visibility and acceptance.

Palavras-chave: Sincretismo, Religiosidade, Arte afro-brasileira, Barroco, Arte contemporânea

Palabras claves: Sincretismo, Religiosidad, Arte afrobrasileño, Barroco, Arte contemporáneo

Keywords: Syncretism, Religiousness, Afro-brazilian art, Baroque, Contemporary art

Revista Kaypunku / Volumen 1 / Diciembre 2014, pp. 41-55 Documento disponible en línea desde: www.kaypunku.com *

Universidad de Brasilia, Brasil. [email protected]

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Em pouco mais de quinhentos anos de história, praticamente quatrocentos foram de escravidão no Brasil. Por isso, parte da história arte afro-brasileira traz consigo o banzo,1 a opressão e o anseio pela liberdade. Mas não é apenas de sofrimento que se faz essa história. A tradição africana teve que ser recriada e adaptada a uma nova realidade, gerando uma rica e complexa poética, chamada arte afrobrasileira. A fé, a espiritualidade, a criatividade, a forma, a cor, o cheiro e o sabor vindos do Atlântico somaram-se à tradição europeia, implantada no país dos índios. Os africanos trazidos ao Brasil souberam transferir sua singularidade, atravessando toda a sociedade brasileira por meio de elaboradas associações. Tanto o território quanto a formação da cultura brasileira ficaram profundamente marcados por instituições e estruturas sociais capazes de reelaborar com dignidade a herança africana. Sobre os trilhos da colônia, a religiosidade pós-diáspora teve que percorrer seu próprio caminho: «Tal como na África Ocidental, a religião impregnou todas as atividades, regulando e influenciando o viver cotidiano, conservando um sentido profundo de comunidade, preservando e recriando o mais específico de suas raízes culturais» (Santos, 1996, p. 266). Contudo, a religião afrodescendente fora proibida e o cristianismo europeu determinado como ideal. Desse impasse nasceria o sincretismo religioso afro-brasileiro: «Um exemplo disso foi a identificação de deuses africanos com santos e virgens católicas feitas pelos escravos, forçados a se tornarem cristãos no Brasil, Cuba e outros países». Mosquera lembra que no tempo atual, globalizado e pós-colonial, os processos sincréticos indicam uma negociação entre poder e diferença cultural e completa: «Não há sincretismo real enquanto a união de antagonismos não-contraditórios, mas enquanto estratégia de participação, re-significação e pluralização anti-hegemônicas» (Mosquera, 1996, p. 470). Para explicar a questão do sincretismo no Brasil, Pierre Verger costumava citar seu amigo Balbino, o pai de santo do Axé Opô Aganju, que comparava a relação entre o catolicismo e o candomblé da seguinte maneira: «como água e azeite dentro de um cálice, estão juntos, dentro de um mesmo recipiente, mas mesmo assim não se misturam. A mesma coisa acontece com as duas religiões: elas convivem lado ao lado mas não se misturam» (Lühning, s.f.). A partir disso, o termo mistura não quer dizer, em última instância, fusão completa, mas sim, coexistência, contato. Alguns autores consideram que o sincretismo sempre esteve marcado pela resistência e afirmação daquele que fora subordinado. Para Silva, o surgimento do candomblé teria sido gerado pela necessidade da asserção de uma identidade social e religiosa, a qual precisou ser reelaborada sob condições um tanto quanto desfavoráveis, derivadas da escravidão e posteriormente do desamparo social. Por isso, a organização social e religiosa dos terreiros tenderiam a ressaltar uma «reinvenção» da África no Brasil. Assim como o candomblé, a umbanda, concebida mais recentemente, teria nascido da tentativa de encontrar um modelo de religião que pudesse integrar de modo legítimo as contribuições dos diferentes grupos sociais. Por isso, a umbanda apresentava-se como uma religião genuinamente brasileira, que mais para a frente, seria facilmente adaptável a vida cotidiana das grandes cidades (Silva, 2006, p. 149). Se por um lado os africanos tiveram que se readaptar à nova forma de vida, os brancos europeus também foram fortemente influenciados pela cultura do povo escravizado. Segundo Verger, no início da colônia, da mesma forma que os escravos se europeizavam, os senhores também se africanizavam, a partir do contato com seus escravos. Um exemplo disso eram as babás e amas de leite negras, muito 1

«Processo psicológico causado pela desculturação, que levava os negros africanos escravizados, transportados para terras distantes, a um estado inicial de forte excitação, seguido de ímpetos de destruição e depois de uma nostalgia profunda, que induzia à apatia, à inanição e, por vezes, à loucura ou à morte». («Banzo», 2012­­­)

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comuns, que acabavam passando mais tempo com as crianças do que os próprios pais (Verger, 2006, p. 101). Desta forma, desde pequenos os filhos dos brancos absorviam a cultura e a tradição dos negros. Vimos que o sincretismo afro-brasileiro não refere-se apenas a uma suposta mistura entre religiões, mas também a incorporação de elementos negros pela cultura branca, e vice-e-versa. De qualquer modo, como infere Valente (as cited in Ferreti, 1995): Seja qual for o ângulo que se analise a questão do sincretismo religioso, é importante ressaltar que o negro não permaneceu passivo ante este processo, apesar da imposição, da obrigatoriedade e do papel desempenhado pela religião católica como sustentáculo do projeto colonial. Tudo leva a crer que a partir da realidade vivida naquela época considerando as dificuldades, o negro recriou e reinterpretou a cultura dominante, adequando-a à sua maneira de ser. (p. 74)

Sobre a tradição negra, Verger (2006) considera que é no campo da religiosidade que mais se manifesta a fidelidade dos valores africanos (p. 101). Para Santos: «Aarte africana está fundamentalmente associada à religião. Não é estranho, pois, que nas comunidades afro-brasileiras se repita esta modalidade. A manifestação do sagrado expressa-se por uma simbologia formal de manifestação estética» (Santos, 1996, p. 269). A partir dessa perspectiva, por uma questão de lógica, inferimos que: se o sincretismo faz parte da cultura e da cultura nasce a arte, a arte afro-brasileira, por sua vez, é naturalmente sincrética. E se a tradição africana é em sua essência religiosa, então a arte afro-brasileira tem grandes chances de ser religiosa. Mas o que teria acontecido no Brasil, desde o início do processo de sincretismo até os dias de hoje? Como a arte miscigenada se configurava no período colonial? Quais foram os desdobramentos da arte afro-brasileira na sociedade pós-moderna? São estas perguntas que este artigo pretende responder. Para isso, após analisarmos conceitualmente o sincretismo, precisamos entender um pouco da relação entre arte e religião de uma maneira geral, para então compreendermos como o processo de hibridização atua na arte contemporânea. A arte e a religião sempre se influenciaram, desde os tempos remotos. Elkins (2004) conta que há oito mil anos atrás a Europa, Ásia e África já estavam cheias de esculturas de deuses e animais totêmicos. Povos neolíticos deixavam oferendas, construíam altares e utilizavam pedras e ossos para fazerem imagens de deuses. A arte já era religiosa, pois era ritualística, e assim permaneceu durante as primeiras civilizações, na Suméria, na Turquia, no Egito e na Pérsia (pp. 1-4). A arte continuou a servir a religião durante a Idade Média, em Bizâncio, e, de certa forma, durante o Renascimento. Porém, no decorrer do século XIX, a paisagem religiosa cristã mudou drasticamente em toda a Europa. A democratização, a individualização, a ascensão das ciências empíricas e o crescimento econômico descreditou o cristianismo como base para a moralidade e a ética. No entanto, o desencantamento da religião pela sociedade ocidentalizada deu lugar a novas formas de religiosidade. A tradição cristã foi secularizada, as formas tradicionais de pensamento foram destruídas e as doutrinas foram reexaminadas. A combinação dos novos movimentos filosóficos resultou em uma interpretação mais pluralista e idiossincrática, voltada para uma experiência religiosa centrada nas necessidades espirituais do individuo (Bax, 2008, p. 3). Para Flusser (2002), as religiões tradicionais não são mais capazes de nos satisfazerem, e temos uma «fome religiosa insatisfeita». Como indivíduos e como sociedade estamos buscando novas formas de substituir as religiões tradicionais para suprir nossa «religiosidade latente». Neste sentido, nossas atividades criadoras (inclusive cientificas e artísticas) seriam realizadas especialmente com o intuito de abrir caminho para uma nova religiosidade (pp. 13-21).

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Em uma sociedade moderna, especialmente nos países marcados pela miscigenação póscolonização, é natural que surjam novas formas de religiosidade, sincréticas, híbridas. Como afirma Morais (1998): «[...] tudo na América Latina tende à hibridização e à mestiçagem cultural. Entre nós, nada existe em estado puro, seja no plano da arte erudita seja no plano da arte popular» (p. 6). A partir do dicionário, a palavra hibridismo refere-se à biologia, porém, já há algum tempo, o termo vem sendo utilizado pelas ciências humanas para descrever processos sociais e culturais de miscigenação, mescla e união. Kern nos recorda que para Burke (as cited in Kern, 2004), como consequência da globalização planetária, os processos de hibridização cultural são inevitáveis. Segundo Burke, o conceito de hibridização pode ser entendido como sentido de mistura, mas trata-se de um processo e não de um estado, que existiu em todas as fases da história, sob diferentes denominações (pp. 55-56). Sobre isso, Santaella (2003) também acrescenta dizendo que «na cultura, tudo é mistura», processo comum nas sociedades globalizadas, pós-industriais, pós-modernas, lembrando ainda, que é sobre isso que Canclini discute no premiado livro Culturas Hibridas (p. 30). Após esses esclarecimentos, partimos então para a exemplificação dos artistas afro-brasileiros. Segundo Emanuel Araújo (1988), no Brasil, qualquer pessoa com certo grau de instrução reconhece esses nomes: Aleijadinho e Mestre Valentim. Verdadeiros expoentes do Barroco brasileiro, ambos, muito competentes, influenciaram artistas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, por meio de suas oficinas e ateliês (p. 54). Tanto um quanto o outro introduziu no Brasil colônia o estilo europeu em voga à época na Europa, o rococó, adaptando-o a uma nova realidade cultural. A obra dos dois artistas deriva de uma linguagem religiosa cristã carregada de africanidade, refletindo o sincretismo cultural e religioso do país colonizado. Enquanto a religião e o estilo europeus marcavam a encomenda e a finalidade da obra de arte, a presença da cultura negra estava tanto no sangue quanto no processo criativo das obras de ambos os artistas. Pois, como indaga Araújo (1988): De onde poderia vir, senão da África, aquela força expressionista contida na obra de Alejadinho? A sua escultura reducionista, geométrica, talhada com energia angulosa, à maneira dos escultores nigerianos, pode ser resultante da influência dos três escravos que trabalhavam com ele, mas mesmo assim ao inconsciente do próprio Aleijadinho. E as mulatices dos anjos e Santos do Mestre Valentim, o brutalismo ou gigantismo aparente de suas talhas, de onde surgiram essas características? (p. 10)

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, era natural de Minas Gerais, da cidade de Vila Rica, nasce em 1730 e falece em 1814. Era filho de mãe africana e pai português, o arquiteto e mestre de obras com quem aprendeu muito do que sabia. Toda sua produção artística é de natureza religiosa, pois à época colonial as Irmandades e Ordens Terceiras eram as grandes comissárias das obras de arte. Aleijadinho tinha seu estilo próprio e apresentava grande originalidade no universo da arte rococó. Sua biografia consiste em uma carreira de grande importância para o Brasil, sua produção apresentava alta qualidade e seu trabalho gerou discípulos e seguidores. Os Doze Profetas, esculturas feitas em pedra sabão, suas obras de maior projeção, podem ser vistas no município de Congonhas do Campo, no pátio do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos (Figuras 1 e 2) (Araújo 1988, pp. 54-75, 2006, p. 244). Valentim da Fonseca e Silva, Mestre Valentim (1750-1813) foi, entre outras coisas, escultor e arquiteto. De naturalidade mineira, nascido em Serro, foi um dos principais construtores de obras públicas no Rio de Janeiro do final do século XVIII. Unindo a estética rococó e a simbologia cristã, Mestre Valentim executou e talhou imagens sacras para inúmeras igrejas. Também filho de um branco com uma negra, Mestre Valentim, ao contrário de Aleijadinho que nunca saíra do país, viveu parte

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Figura 1. Aleijadinho. (1800-1805). Doze profetas. [Conjunto de esculturas em pedra sabão]. Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, Minas Gerais, Brasil. Fotografia: Jean Yves Donnard.

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Figura 2. Aleijadinho. (1800-1805). Profeta Daniel (Detalhe) [Escultura em pedra sabão]. Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, Minas Gerais, Brasil. Fotografia: Fábio Cabral Durso.

da infância em Portugal. Ao que tudo indica, os dois artistas, apesar de contemporâneos, nunca se conheceram. O trabalho de Mestre Valentim é em sua maioria, religioso, derivados de encomendas de confrarias católicas, porém, também fazem parte de seu legado artístico importantes obras de natureza civil e urbana, confiadas pelo Vice-Rei Dom Luís de Vasconcellos (Araújo, 2006, p. 247). A «mulatices dos anjos» a que se referia Emanuel Araújo pode ser vista em muitos de seus trabalhos para as igrejas (Figuras 3 e 4), representando, de modo brilhante e sutil, não apenas a afirmação dos negros —grupo social arbitrariamente excluído nas representações artísticas— como uma união entre raças, idealizada e espiritualizada. Carvalho explica que o trabalho de Mestre Valentim é de suma importância para o Brasil, tanto do ponto de vista artístico, quanto social. Por meio de sua arte, Mestre Valentim chegou a unir, literalmente, fiéis de diferentes grupos étnicos. Trata-se da obra da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte, realizada em 1790. Por meio dela, o artista uniu duas irmandades que por anos estavam em litígio: a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição dos Homens Pardos e a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Ele foi o responsável pela recuperação interior da igreja, criando modelos e elementos artísticos comuns às duas ordens, que eram capazes de representar ambas, simbolizando assim, um elo entre as mesmas (Carvalho, 1999) Araújo (1988) diz que é notório o interesse dos modernistas, principalmente Mário de Andrade, pelo trabalho dos artistas «mulatos» do Brasil colônia. Ele explica que apesar de o movimento romântico e nacionalista ser mais coerente com os princípios modernistas, de elevação de uma cultura independente, calcada nas questões próprias à terra, a valorização da arte do século XIX, era menos comum que a da arte do século XVIII (p. 54). Sob a influência viva da arte barroca de Aleijadinho e Mestre Valentim, após todo o processo de modernização histórico-cultural, eis que surgem novos modelos de sincretismo na arte afrobrasileira, como veremos na obra de outro Valentim, não menos importante: Rubem Valentim. Baiano de Salvador, Rubem Valentim nasceu em 1922 e faleceu em 1991. Iniciou sua carreira como autodidata, foi pintor, escultor, gravador, jornalista e professor. Expoente do concretismo brasileiro, é um dos principais nomes da arte afro-brasileira contemporânea. Entre 1946-1947, participou do

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Movimento de Renovação das Artes Plásticas na Bahia com Mario Cravo Júnior e outros. Viveu no Rio de Janeiro e em Roma, ganhou prêmios e participou de exposições internacionais. Em 1974, instalou a escultura em concreto armado Marco Sincrético da Cultura Afro Brasileira, na Praça da Sé, em São Paulo (Figura 5) (Araújo, 2006, p. 267).

Figura 3. Mestre Valentim (s. XVIIIb). Medalhão com anjo. [Madeira policromada]. Coleção Alberto Moreira, Rio de Janeiro. Brasil.

Figura 4. Mestre Valentim (s. XVIIIa). Do retábulo do altar da Capela do Noviciado (Detalhe). Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Rio de Janeiro, Brasil.

É interessante notar como a arte afro-brasileira atua no subconsciente da sociedade. Contida na obra, permanece silenciosa toda uma história, carregada de simbologia e religiosidade. A escultura Marco Sincrético da Cultura Afro Brasileira representa uma nação que fora subjugada, renegada, e ainda assim, ela embeleza, participa e protege a vida cotidiana da cidade. Ao fundo da escultura pode ser vista a Catedral da Sé. Quem conhece São Paulo, sabe que a Praça da Sé abriga dezenas de moradores de rua, órfãos, indigentes, viciados e maltrapilhos, cuja cor da pele denuncia o passado de escravidão. Ironicamente, lá está ela, armada, concreta. Como uma guardiã, a simbólica escultura de Rubem Valentim representa, literalmente, um marco sincrético da cultura afro brasileira.. Em 1972, Rubem Valentim faz um mural em mármore para o então edifício-sede da Novacap, em Brasília, considerado sua primeira obra pública (Figura 6). Frederico Morais, ao falar da linguagem concretista, fluida, leve e sinuosa que tomava a Capital, descreve conceitualmente um estilo que pode ser igualmente atribuído à obra pública de Rubem Valentim. Ao mesmo tempo em que a obra retoma o passado, ela aponta para um futuro utópico: Esta arquitetura niemeyeriana, convidando ao sonho, é a contrafase, dentro do nosso Barroco, da exuberância, do excesso e do fausto das igrejas setecentistas. Entre nós, portanto, a arte é simultaneamente transe, ou seja, um sentimento atávico, um recuo até as origens mitomágicas do continente, e transitório, um impulso para frente, para o futuro, virtualidade pura. (Morais, 1998, p. 6)

Segundo Herkenhoff (1996), a arte de Rubem Valentim não representava a nostalgia ou a melancolia do passado africano, mas sim a necessidade de reafirmação da herança africana no Brasil, com reivindicação de direito religioso e seu reconhecimento na cultura brasileira. «A obra de Valentim, no seu viés mitológico e religioso, tem como ponto de partida aquilo que Freud entende como “fundo vivo de nosso idioma, de nossas crenças e nossa filosofia”» (p. 419). Herkenhoff explica

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que a teogonia2 do artista se apresenta na forma escrita, simbólica, e não na representação figurativa dos orixás. Neste sentido, os orixás de Valentim eram diferentes dos orixás dos artistas cubanos Wifredo Lam e Cárdenas, que, envoltos numa atmosfera de magia, tiveram sua condição religiosa tratada como surrealismo pelo etnocentrismo europeu.

Figura 5. Valentim, R (1978-1979). Marco Sincrético da Cultura Afrobrasileira. [Concreto armado]. Praça da Sé, São Paulo, Brasil. Fotografia: André Deak

Figura 6. Valentim, R. (1972). Mural em mármore branco. SBN, Brasília, Brasil. Fotografia: Zuleika de Souza.

Genuinamente afro-brasileira, a vida de Rubem Valentim é ótimo exemplo de sincretismo no Brasil. Após infância marcada por tradições católicas, ele se tornaria, mais tarde, obá3 da Casa Mãe Senhora. O passado da religião cristã e o presente da religião afro-brasileira, marcariam significativamente toda sua obra. Na condição de baiano, ele mesmo concluía: […] de todos meus encantos infantis nenhum se comparava ao de fazer presépios. Mundo poético, popular, de cor e riqueza imaginativas, que ficou em mim e influenciou profundamente minha arte. Me perdia na contemplação das igrejas: o ouro dos altares, as imagens, o silêncio, o cheiro de incenso e de velas queimando. Cantochão. Procissões. O Natal e a Paixão. Minha família, católica, de quando em vez ia ver um caboclo num candomblé. O baiano, para sua felicidade, é católico e animista. (Valentim, 1997)

Mais um grande artista brasileiro, cuja obra recria de modo singular a espiritualidade e cultura africanas: Deoscóredes Maximiliano dos Santos, o Mestre Didi, nasceu em 1917 e faleceu já no século XXI, em 2013. Nascido em Salvador, Bahia, foi escultor e escritor. Publicou livros sobre a cultura afro-brasileira, realizou pesquisas comparativas entre Brasil e África e coordenou importantes trabalhos de tradição e cultura afro no Brasil. Criava objetos rituais desde a infância, utilizando em suas obras nervuras de palmeiras, búzios, miçangas e tiras de couro (Araújo, 2006, p. 268). Pode-se dizer que arte de Mestre Didi explicita a tradição que o antecede. Ao longo da história, artistas ligados à religiosidade produziram signos e símbolos capazes de atingir não apenas a aparência externa, mas também a essência da obra. A figuração não pretende oferecer uma interpretação das formas naturais visíveis, mas ao contrário, ela sugere atributos essenciais, invisíveis. É preciso transcender a forma para atingir sua essência (Moura, 2006, p. 67). Como explica Sylla (as cited in Moura, 2006): 2 3

«Conjunto de deidades cujo culto fundamenta la organização de um povo pagão». («Teogonía», 2012­­­) Título honorífico do candomblé concedido aos amigos e protetores do terreiro. (Lima, 1966)

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O objeto de arte que o artista africano produz é em si um signo, um símbolo; o que ele procura atingir não é uma aparência externa, mas uma essência. Após a observação e análise dos modelos sensíveis, ele extrai do modelo os traços dominantes e os atributos essenciais. A simplificação dos motivos naturais percebidos o leva à elaboração dessas formas geométricas: em vez de tender ao retrato, ele generaliza os aspectos. Longe de reproduzir com exatidão uma figura ou de fornecer uma interpretação intelectual das formas naturais, ele se esforça em sugerir e representar com a ajuda de sinais, símbolos, linhas e círculos. O que resta da forma natural representada, quando a obra está terminada, é aquilo que permite a sugestão dos atributos essenciais da forma e não essa forma visível. De certa maneira transcende-se essa forma para que a essência do animal ou da realidade simbolizada seja alcançada. (p. 67)

Para Santos (1996), Mestre Didi era um sacerdote-artista, completamente envolvido no universo nagô de origem yorubana. Sua arte expressa a experiência do sagrado e a adoração aos orixás por meio de símbolos e elementos rituais. Santos ainda declara que é comum encontrar na história comparada das religiões o emprego de certos símbolos, como a lua, os peixes, a serpente, o relâmpago, o arco-íris e a cabaça, por exemplo. (Figuras 7 e 8). Para a autora, esses emblemas se repetem e se reinterpretam desde os tempos pré-históricos, e «encerram em si mesmos um “microcosmo” que, compreendido, pode ajudar-nos a inferir todo o sistema religioso-estético de uma determinada comunidade» (p. 269). Segundo Santos, a obra de Mestre Didi representa a vertente mitológica da cultura afro, e traz, para o aqui e o agora, mitos e cultos afro-brasileiros. Não se trata apenas de uma referência ao passado histórico, mas também de formas de expressão que são dramatizadas e revividas no tempo presente. Santos (1996) completa: « A obra de Mestre Didi confere existência a um plural universo simbólico neo-africano que se cria e recria na multiplicação de formas e sentidos» (p. 269). Da nova geração de artistas, apresentaremos apenas três deles. Porém, atuantes e presentes no cenário artístico contemporâneo nacional e internacional, esses três artistas exemplificam de modo brilhante como o sincretismo religioso se desenvolveu na arte afro-brasileira, levantando questões que unem religiosidade à temas cotidianos atuais.

Figura 7. Mestre Didi (2001). Ibiri Ati Ejo NiLe - Panteão da Terra. [Escultura-Objeto], técnica mista.

Figura 8. Mestre Didi (2003). Opa Nilá Baba Igi. [EsculturaObjeto], técnica mista.

Nascido em 1959, em Feira de Santana, Bahia, Alberto Caetano Dias Rodrigues, o Caetano Dias, é artista multimídia e trabalha com vídeo, pintura e instalação, entre outras linguagens (Araújo, 2006, p. 286). Seu trabalho emerge por volta de 1990 e tem sido relacionado à temas como: resistência,

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sexualidade, deslocamento do estatuto de religiosidade e misticismo. Caetano Dias recria o precário e faz referência ao Barroco inserido no contexto urbano de Salvador. Ele trabalha com uma estética homoerótica e a associa à significados de religiosidade, elevando o pornô ao sacro. Quando Caetano Dias apresenta o Cristo de Rapadura (2004), (Figuras 9 e 10), ele evoca o sublime de Bataille, suscitando ao mesmo tempo, erotismo e morte. Noções de sacrifício são relacionadas à um erotismo proibido pelo cristianismo. Sua obra convida o público a transitar entre o sagrado e o profano, o íntimo e o coletivo, em um jogo de ressignificações. Em Cristo de Rapadura, cada visitante poderia comer um pedaço do corpo sagrado (Bousso, 2009).

Figura 9. Dias, C. (2007). Cristo de Rapadura. Exhibited at the Bienal de Valência, Valência, Espanha. Fotografia: Kboco e Melim.

Figura 10. Dias, C. (2004). Da obra Cristo de Rapadura (Detalhe).

É comum em suas obras a utilização de elementos simbólicos como a rapadura, que remete ao Ciclo de Açúcar do qual Salvador era parte. Deste modo, Caetano Dias gera em sua obra a capacidade de estabelecer vínculos semânticos com aqueles que a apreciam ou dela participam. Parente diz que é de fato na relação com o público que a obra se constrói e se configura como espaço de convívio. Sobre a obra Cristo de Rapadura, ele diz que: Em algumas tradições esotéricas de leitura das sagradas escrituras, há muitos sábios que defendem a ideia de que a Bíblia teria sido criada para cada um de seus leitores. Isso nos faz pensar na obra de Caetano. Comer o corpo de Cristo pode ser parte de um processo coletivo de participação de uma obra de arte, como pode ser um gesto renovado de comunhão. (Parente, 2007)

Para Bousso, as obras iconoclastas de Caetano Dias beiram a abjeção, porém, não seria essa a intenção. Os significados das obras transitam entre a construção e a desconstrução, criando um antagonismo proposital que visa subverter ordens e regras pré-estabelecidas. Suas obras costumam

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apresentar a imagem religiosa em um patamar mais humano, aproximando sagrado e profano. «Nessa intersecção, transparece a tentativa de reduzir a culpa, situada entre o desejo e a proibição. O artista subtrai para neutralizar uma pulsão de morte. Na era cristã, a alusão à negação do corpo revela um desejo de reafirmá-lo» (Bousso, 2009). Outro artista da segunda geração afro-brasileira é José Eustáquio Neves de Paula, nascido em 1955, em Minas Gerais, na cidade de Juatuba. Eustáquio Neves, como é conhecido, abandonou a carreira de químico industrial para dedicar-se a fotografia e aprendeu sozinho essa linguagem, destacando-se nessa área com criatividade e ousadia. A química continuaria a lhe servir entre experimentos, manipulações e emulsões (Araújo, 2006, p. 298). Parte da magia presente no trabalho de Eustáquio Neves provém de sua capacidade de sobrepor símbolos e camadas em imagens complexas, conferindo profundidade à sua fotografia. A estratégia ótica utilizada provoca uma introspecção para dentro da imagem. Segundo Chiodetto (2009), esta é «uma forma eficaz de trair a letargia dos olhos do homem contemporâneo, fustigados pelo excesso de imagens e, ao mesmo tempo, excitar a íris e a percepção para novas possibilidades de abordagem». O trabalho de Eustáquio Neves pode ser vinculado ao conceito contemporâneo de fotografia expandida (experimental, híbrida, manipulada). Neste sentido, a série Arturos (Figuras 11 e 12), desenvolvida entre 1993 e 1996, exemplifica uma estética peculiar, onde diferentes processos criativos são utilizados para representar uma comunidade, e com ela, seus significados históricos e culturais. A partir do trabalho realizado na comunidade religiosa de Arturos, em Contagem, Minas Gerais, Eustáquio Neves chama a atenção para uma identidade étnico-racial, retomando memórias do passado colonial e fazendo, deste modo, uma homenagem à cultura africana do Brasil. Sant’Anna (2007) explica que a história de Arturos se relaciona ao período da escravidão e ao sentimento de pertença, que se mantém na comunidade. Ela conta que: «Esse sentimento garantiu ao negro, quando oprimido e humilhado no passado, resistir culturalmente à exploração estrangeira, mantendo viva sua representação simbólica, seu ritual religioso, e sua ligação com a África» (p. 2).

Figura 11. Neves, E. (1993-94a). Série Arturos. [Fotografia]. Minas Gerais, Brasil.

Figura 12. Neves, E. (1993-94b). Série Arturos. [Fotografia]. Minas Gerais, Brasil.

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Outra característica que pode ser observada no trabalho de Eustáquio Neves é a referência que faz a signos e símbolos presentes na arte barroca. Sant’Anna diz que a alusão a esse estilo pode ser confirmada a partir da explicação dada por ele sobre sua tentativa de comprometimento com a realidade, sem contudo, tentar controlá-la. Além disso, como diz Sant’Anna (2007): «Suas imagens são assimétricas, irregulares, com molduras em detalhes curvilíneos e capazes de causar um estranhamento ao espectador» ( p. 8). Por fim, o último artista escolhido aqui para representar a segunda geração afro-brasileira da arte é Ayrson Heráclito. Nascido em Macaúbas, Bahia, no ano de 1968, Ayrson Heráclito é artista multimídia de formação universitária. Suas instalações e performances tratam conceitualmente e visualmente do candomblé e do sincretismo afro-brasileiro. Muitas vezes incorpora em seu trabalho elementos culinários com significados religiosos e regionais da Bahia, fazendo alusão a relação transnacional África-Brasil por meio de símbolos como óleo de palma, açúcar e carne seca, dentre outros. Cleveland (2013) sugere que apesar de altamente envolvido na religião afro-brasileira, Ayrson Heráclito é bastante cuidadoso sobre o rótulo de arte afro-brasileira no que diz respeito à sua própria identidade artística. Suas obras apresentam-se sob um novo ponto de vista, onde a cultura africana se manifesta, porém, sem aludir à significantes regionais estigmatizados, comumente atribuídos à arte e à cultura negra da Bahia (pp. 110-127). Danillo Barata (2012), artista e parceiro em muitos trabalhos, diz que a poética utilizada pelos dois baseia-se em ícones religiosos, na cultura de massas e no mito de baianidade. Sobre o sincretismo presente no seu trabalho, que pode ser estendido à obra de Heráclito, Barata diz que o corpo histórico, fruto das transformações culturais e estéticas fomenta a relação entre homem e divindade. A religião une natureza e corpo abrindo passagem ao sagrado, por isso ele acredita nas dinâmicas contemporâneas que abarcam o sincretismo (p. 208). Na performance Bori (2009) Ayrson Heráclito cria um ritual inspirado no ato religioso de ofertar comidas aos orixás (Figuras 13 e 14). Bori deriva da fusão entre «bó», que significa oferenda, em Iorubá, e «ori», que quer dizer cabeça. Bori significa, portanto, «oferenda à cabeça». Na performance, Ayrson Heráclito oferece comidas às cabeças de doze performers, que representam os doze principais orixás do candomblé. Para ele: «Dar comida para a cabeça é nutrir a nossa alma.

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Figura 13. Heráclito, A. (2009). Bori. [Performance]. Belo Horizonte, Brasil. Fotografía: Marcelo Terça Nada.

Figura 14. Heráclito, A. (2011). Bori MIP2. [Performance]. Bruxelas, Bélgica.

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Alimentar a cabeça com comidas para os deuses é evocar proteção» (Heráclito, 2006). O artista ainda explica que todos os elementos que são oferecidos, traduzem desejos de saúde, paz, prosperidade, amor, riqueza e longevidade, entre outros, e que cada pessoa teria seu próprio ori, principio individual que nos confere singularidade. Sobre a escolha dos elementos que utiliza em suas obras e performances, Ayrson Heráclito explica que: Sempre foi do meu interesse trabalhar com materiais «intermediários», ou seja, a matéria em estado bruto —matéria para reflexão—. Intermediários, porque estão em constante estado de transformação pelo seu caráter físico ou simbólico. Materiais que promovessem uma associação direta com determinada temática e, ao mesmo tempo, provocassem uma ampliação de diversas outras interpretações. Constatei que alguns materiais poderiam ser interpretados de forma hegemônica por diversos grupos sociais locais, como por exemplo, os materiais utilizados nos rituais e na culinária afro-baiana. Seguindo o caminho traçado por Beuys quero atingir a methexis —a expressão concreta de uma ideia ou espiritualidade—. O Azeite de dendê é um deles. Simultaneamente, promovo uma decodificação e uma nova forma de absorção de seu significado usual. (Heráclito, 2006).

O presente artigo não pretende esgotar ou superficializar o tema ou seus representantes artísticos, mas ao contrário, aproveitar o espaço e a visibilidade internacional para apresentar e exemplificar, mesmo que breve, importantes referências estéticas na história cultural do Brasil. O tema «sincretismo religioso na arte afro-brasileira», pretende provocar uma discussão não findada no Brasil, sobre sua própria brasilidade. É preciso aproveitar lacunas, divulgar e apresentar os expoentes da arte e da cultura negra brasileiras, que fora tantas vezes ignorada e descreditada. O próprio Brasil ainda não conhece [ou reconhece] a beleza e a complexidade de sua cultura, explicitada na mistura cultural e no sincretismo religioso. Como diria Abdias Nascimento (1950): «Uma arte brasileira, para ser autêntica precisa incorporar o cânon negro que permeou nossa formação desde os primeiros dias». A partir disto, fica aqui o desejo de contribuir para o reconhecimento de uma raça que, adaptando-se à realidade do sincretismo, construiu e enriqueceu a cultura brasileira. Que a poesia seja capaz de unir mundos, raças, crenças, mente e espírito. Que a arte possa sensibilizar e transformar. Que os povos sejam complacentes entre si. Oxalá. Amém.

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Renata Homem Doutoranda e bolsista (Capes) do Curso de Teoria e História da Arte da Universidade de Brasília (2014), mestre em Arte e Tecnologia (2011) e Licenciada em Artes Visuais pela mesma Universidade (2006). Possui formação complementar em cinema e cenografia. Desde de a graduação participa de congressos e eventos artísticos e culturais. Já participou de performances e exposições coletivas. Possui artigos acadêmicos sobre diversos temas, dentre eles Nanoarte, Arte e Espiritualidade.

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