ARTE E PATRIMÓNIO RELIGIOSO - O Mosteiro de Alcobaça

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ARTE E PATRIMÓNIO RELIGIOSO - E-FÓLIO B – O Mosteiro de Alcobaça

Assi como a bonina, que cortada / Antes do tempo foi, cândida e bela, / Sendo das mãos lascivas maltratada / Da menina que a trouxe na capela, / O cheiro traz perdido e a cor murchada: / Tal está morta, a pálida donzela, / Secas do rosto as rosas, e perdida / A branca e viva cor co’a doce vida.1

O trágico romance de D. Pedro e Inês de Castro perdura para a posteridade através dos seus túmulos em pedra lavrada, assentes no transepto do Mosteiro de Alcobaça e “considerados os mais notáveis exemplares de arte tumular gótica do século XIV, existentes em Portugal”2. O silêncio e a austeridade do espaço circundante realçam o dramatismo pungente por detrás das figuras que compõem estas sepulturas. É precisamente esse contraste que caracteriza a ética cisterciense subjacente a esta construção. O espaço para orar, na ótica de Bernardo de Claraval, deve estar despojado de ornamentação ostensiva, que desvie o monge do seu propósito de contemplação. Ali, além da liturgia, só se vivem dramas interiores, na relação de cada um com Deus. Fundada por D. Afonso Henriques em 1153, por carta de couto passada a S. Bernardo, abade de Claraval da Ordem de Cister, na França, no âmbito duma estratégia de povoamento a sul do território que ia sendo conquistado aos mouros, as obras do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça teriam início em 1178 e a dedicação do templo ocorreria em 12523. Considerada a “primeira obra plenamente «gótica» erguida em solo português” 4, o Mosteiro de Alcobaça enquadra-se no chamado gótico cisterciense, de estilo mais austero e menos monumental que o gótico das grandes catedrais do Norte de França5. Tecnicamente, o gótico define-se “pela utilização do arco ogival e de nervuras nas abóbadas”, solução que permitiu, ao libertar tensão das abóbadas, reduzir a espessura das paredes, promovendo assim a utilização de grandes janelas e uma maior verticalidade dos edifícios6. E é assim que nasce a Luz - a técnica criou as condições

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CAMÕES, Luís Vaz de – Os Lusíadas, Canto Terceiro. Alfragide: Ediclube Coleccionáveis, [s.d.], p153

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FIÚZA, Fernando (org.) - Visão do amor e do homem. Maceió: UFAL, 2005, p.58 PEREIRA, Paulo (dir.) - História da Arte Portuguesa, vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995, p.345-348 4 Idem, p.345 5 SERRO, Luís M. L. - Arquitectura no período gótico em Portugal. Influência medicante e da Ordem de Cister. Revista Arquitectura Lusíada, 1 (2013), p.189. [consult. 13 Maio 2015]. Disponível na Internet: 6 PEREIRA, Paulo (dir.), cit.3, p.340 3

Crescêncio Ferreira, aluno nº 1000692, turma TA, ano letivo 2014-2015

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para a evolução da arte religiosa no gótico, a “teologia da luz materializada no templo sagrado”7. Atentemos então na planta do convento (figura 1). A nave central e o transepto formam uma cruz latina, que “simboliza desde o período paleocristão a Paixão, o sofrimento de Cristo, a cruz do martírio”8. As doze colunas que separam cada lado da nave das colaterais também guardam um elevado simbolismo, a saber, as interiores representam os doze apóstolos, pilares da Igreja segundo a Bíblia (Gálatas 2:9), e as colunas exteriores os doze profetas9. O número 12 volta novamente a aparecer no número de colunas do transepto, seis de cada lado. Quanto à “preferência pelas formas retilíneas”, esta poderá “simbolizar a retidão do espírito”, detalhe fundamental para S. Bernardo10. A planta do Mosteiro de Alcobaça é um espelho, uma simetria da planta da Abadia de Claraval (figura 2). De um modo geral, as igrejas cistercienses, apesar de não respeitarem uma arquitectura única, observando-se sempre adaptações locais, obedecem ainda assim a um padrão de simplicidade e austeridade que lhes confere um ar familiar, “doméstico”, usando a terminologia de Georges Duby, pois são construções dedicadas a comunidades de monges e não a grandes multidões (veja-se a estreiteza das naves laterais) 11. É “esta materialização do espírito que cria esse elo de união existente” em todas estas igrejas que constitui, na realidade, a “estética cisterciense”.12 O livro bíblico de Revelação (21:2) menciona uma nova Jerusalém que desce dos céus. O pensamento cristão medieval procurou representações deste paraíso celestial aqui na Terra, sendo a Regra de S. Bento um dos seus exemplos mais carismáticos. A Regra, de que os monges cistercienses são herdeiros, definia muito bem o dia-a-dia no convento, dividindo as horas entre trabalho e oração – ora et labora -, e valorizando o silêncio (de taciturnitate), a obediência e a humildade13. Deste modo, os mosteiros cistercienses, ao contrário das grandes catedrais urbanas cluniacenses, isolavam-se no 7

VILLAMARIZ, Catarina - A arquitectura religiosa gótica em Portugal no século XIV: o tempo dos experimentalismos. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2012, p.24. Tese de doutoramento em História da Arte Medieval [em linha]. [consult. 13 Maio 2015]. Disponível na Internet: 8 Idem, p.43 9 PEREIRA, Paulo (dir.), cit.3, p.351 10 VILLAMARIZ, Catarina, cit.7, ibidem 11 Idem, p.44 12 Idem, p.54 13 MARTINS, Ana Maria T. - Os mosteiros Cistercienses na região das Beiras. Revista Online do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2 [s.d], p.64,65. [consult. 14 Maio 2015]. Disponível na Internet:

Crescêncio Ferreira, aluno nº 1000692, turma TA, ano letivo 2014-2015

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mundo rural, afastando-se das zonas mais habitadas, para garantir o recolhimento que convidava à contemplação. Além disso, o trabalho árduo na agricultura contribuía, na visão de S. Bernardo, para transformar lugares inóspitos e desérticos em paraísos, embora o verdadeiro paraíso para este religioso fosse de facto o claustro, o Paradisus Claustralis.14 No caso de Alcobaça, habitavam lá monges e conversos, que dormiam e utilizavam zonas distintas do mosteiro, reservando-se a ala oriental para os primeiros e a ocidental para os segundos, partilhando a cozinha e a igreja, normalmente em horários distintos, exceto em dias de festa.15 * O gótico chega a Portugal “por via cisterciense. Despojado e frio. Claro e plano, luminoso e branco”16. O Mosteiro de Alcobaça retrata bem a estética cisterciense, com os seus espaços altos, longos e retilíneos, despojados de adornos, que convidavam os monges brancos ao silêncio e à contemplação, ao misticismo que os caracterizava. A arquitectura sagrada, carregada de simbolismos numéricos e de alusões cristãs, era o ambiente ideal para a prática monástica, para o encontro do monge com a sua beleza interior, com Deus. Nas palavras de Bernardo de Claraval: “Ó alma, que és verdadeiramente a mais bela, mesmo que habites um corpo inepto […] a luz divina não te repeliu”17. Ainda e sempre a Luz…

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MARTINS, Ana Maria T., cit.13, p.65,66 Idem, p.69 PEREIRA, Paulo – Arte Portuguesa – História Essencial. Lisboa: Círculo de Leitores, 2011, p.291 Idem, p.290

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Bibliografia 

CAMÕES, Luís Vaz de – Os Lusíadas. Alfragide: Ediclube Coleccionáveis, [s.d.].



FIÚZA, Fernando (org.) - Visão do amor e do homem. Maceió: UFAL, 2005.



MARTINS, Ana Maria T. - Os mosteiros Cistercienses na região das Beiras. Revista Online do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, 2 [s.d], p.61-75. [consult. 14 Maio 2015]. Disponível na Internet: PEREIRA, Paulo (dir.) - História da Arte Portuguesa, vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995. PEREIRA, Paulo – Arte Portuguesa – História Essencial. Lisboa: Círculo de Leitores, 2011. SERRO, Luís M. L. - Arquitectura no período gótico em Portugal. Influência medicante e da Ordem de Cister. Revista Arquitectura Lusíada, 1 (2013), p.187-205. [consult. 13 Maio 2015]. Disponível na Internet: VILLAMARIZ, Catarina - A arquitectura religiosa gótica em Portugal no século XIV: o tempo dos experimentalismos. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2012. Tese de doutoramento em História da Arte Medieval [em linha]. [consult. 13 Maio 2015]. Disponível na Internet:

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Figura 1. Planta do Convento de Alcobaça.

Fonte: Enunciado do E-fólio B

Figura 2. Planta de Claraval III. Fonte: SERRO, Luís M. L., cit.5, p.192

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