ARTE PARA VER A HISTÓRIA, HISTÓRIA PARA FALAR DA ARTE: ARTE/EDUCAÇÃO EM MUSEUS HISTÓRICOS, PRÁTICAS POSSÍVEIS

July 13, 2017 | Autor: Valéria Alencar | Categoria: Arte Educação, Mediação Cultural, Relação Museu/escola, Museu Paulista
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Modalidade: Comunicação Oral GT: Artes Visuais Eixo Temático: Mediações Culturais: fundamentos, práticas e políticas

ARTE PARA VER A HISTÓRIA, HISTÓRIA PARA FALAR DA ARTE: ARTE/EDUCAÇÃO EM MUSEUS HISTÓRICOS, PRÁTICAS POSSÍVEIS

Valéria Peixoto de Alencar (Instituto de Artes/Universidade Estadual Paulista [IA/UNESP], São Paulo, Brasil) RESUMO: Este artigo apresenta parte de um estudo de campo realizado no Museu Paulista a partir das avaliações respondidas por professores que levaram seus alunos à visita educativa, no qual foi feito um levantamento, especialmente, sobre as razões que os levaram a escolha desse museu, evidenciando que professores de Arte pouco o procuram e, também, discutindo as expectativas de professores diante de uma narrativa visual numa exposição histórica, questões que passam pelo “o que” e “como” ver. Terezinha Franz (2003) foi o ponto de partida para as reflexões aqui apresentadas sobre a relação entre professores de arte e pinturas históricas, bem como o olhar e as expectativas para esse tipo de acervo. Ao final, a partir das ideias de Jacques Rancière (2011) a respeito de educação para emancipação, procuro apresentar algumas considerações sobre práticas de arte/educação, narrativas visuais e história. Palavras-chave: Mediação Cultural; Relação museu/escola; Museu Paulista

ART TO SEE THE HISTORY, HISTORY TO TALK ABOUT ART: ARTS EDUCATION INSIDE HISTORY MUSEUMS, POSSIBLE PRACTICES ABSTRACT: This article presents part of a field study done at Museu Paulista from evaluations answered by teachers who carried their students to the educational visit, in which a survey was done, especially on the reasons which led them to choose this museum, showing that Art teachers little demand it and also discussing the expectations of teachers with a visual narrative in a historical exhibition, questions that go through "what" and "how” to see. Terezinha Franz (2003) was the starting point for the reflections presented here about the relationship between art teachers and historical paintings, as well as the gaze and expectations for this type of collection. Finally, from the ideas of Jacques Rancière (2011) about education for emancipation I’ll present some considerations on art education practices, visual narratives and history. Key words: Museum education, Relationship museum/school, Museu Paulista

É comum encontrar entre professores, educadores de museus e artistas, a crença de que, por exemplo, a pintura acadêmica do século passado brasileiro [...] não deveria ser utilizada com fins educativos, por vários motivos, entre eles por ter sido produzida sob a tutela de determinada elite. (Terezinha Franz, 2003, p.39.)

Introdução Terezinha Franz (2003) expõe, como ela denomina, um “preconceito modernista” nas práticas de ensinar e aprender artes pelo fato da não procura ou não utilização de pinturas acadêmicas por professores de arte como ela constatou em sua pesquisa a respeito da compreensão da obra de arte considerada pela sua temática histórica, no caso, A primeira missa no Brasil de Victor Meirelles. A partir de suas considerações, procuro neste artigo discutir algumas questões, tais como: qual a expectativa dos professores que utilizam pinturas históricas? E, estendendo esse questionamento para a visualidade do discurso expositivo em museus: qual a expectativa de professores ao lidarem com a pintura histórica? Os professores percebem os museus e exposições históricas como possibilidades num processo de arte/educação? Assim, aqui procuro apresentar reflexões surgidas a partir da pesquisa de Doutorado que vem sendo realizada no Instituto de Artes da Unesp, sob a orientação da professora Dra. Rejane Coutinho, que tem como tema a mediação cultural em museus e exposições históricas, sendo o Museu Paulista analisado como estudo de caso. Considerando o trabalho de Terezinha Franz (2003) a respeito da Educação para a compreensão crítica da cultura visual, durante a etapa da pesquisa de campo, me propus a esboçar um perfil dos professores que levam seus alunos ao Museu Paulista, especificando se dentre eles podem ser encontrados professores de arte e quais suas expectativas diante da narrativa visual apresentada pelo museu. Desta forma, apresentarei um recorte do trabalho de campo realizado no museu, referente à relação museu/escola e mais especificamente a relação entre professores e suas expectativas sobre a visualidade do museu. Também, com essas reflexões, procurarei apresentar algumas propostas de possíveis práticas na Arte/educação que levem em consideração uma “metamorfose” no binômio arte acadêmica/arte contemporânea, melhor dizendo, no “preconceito modernista” presente na formação dos professores de arte como citado na epígrafe que abre este artigo.

Narrativa do Museu Paulista Primeiramente, gostaria de trazer algumas palavras sobre o Museu Paulista e sua narrativa visual, especialmente a expografia analisada neste estudo.

Figura 1 – Mediador durante a visita com alunos da EE Jorge Julian no Museu Paulista. 2012.

Fotografia da autora.

O Museu Paulista, que atualmente pertence à Universidade de São Paulo, inicialmente uma edificação concebida para ser um monumento em homenagem à Independência do Brasil, foi inaugurado em 7 de setembro de 1895 como um museu de História Natural. Contudo, devido à simbologia do local, considerado marco do nascimento da nação, no período do centenário da Independência, com a administração de Affonso de Taunay1, foi reforçado seu caráter histórico. Taunay elaborou a Seção Histórica do museu, uma exposição que conta a História do Brasil a partir do ponto de vista da historiografia paulista. Para tanto encomendou a maior parte das pinturas e esculturas que compõem essa narrativa, como comenta Ana Claudia Brefe: “sem dúvida alguma, a construção de um novo universo estético foi o grande suporte de Taunay na composição histórica do museu [...] São as imagens e a forma pela qual elas foram dispostas que reconstruíram o espaço e o dotaram de sentido” (2005, p. 102). Com a Seção Histórica o Museu Paulista foi redefinindo a sua temática, tornando-se com o passar do tempo um Museu de História. O Museu Paulista foi escolhido como estudo de caso desta pesquisa, dentre outros fatores, por ser um dos principais museus brasileiros construídos no século XIX ao lado do Museu Nacional do Rio de Janeiro e do Museu Paraense Emilio Goeldi, estes dois, até hoje focam suas exposições em temas Etnográficos e de História Natural, enquanto que o Museu Paulista acabou por concentrar sua temática na História com a administração de Taunay e foi na exposição idealizada por ele em 1922 que este estudo se realizou. A pesquisa de campo foi feita segundo uma abordagem qualitativa por meio de análise documental, entrevista e observação participante. Para realizar esta pesquisa procurei coletar os dados a partir de um plano flexível que foi sendo complementado a medida em que a investigação se desenrolava. Ainda, sobre as visitas com grupos escolares, vale ressaltar que dentre as cinco opções de roteiros existentes no museu, escolhi A História do Brasil segundo 1

Affonso de Taunay foi direitor do Museu Paulista de 1917 a 1945

Affonso Taunay, porque se trata da expografia idealizada por Taunay em 1922 e, também porque dentro do que havia me proposto a pesquisar, a relação entre imagem e história é emblemática neste roteiro devido a força das imagens desta exposição, tanto no museu como por sua ostensiva reprodução em livros didáticos, como é o caso da tela de Pedro Américo, Independência ou Morte!, por exemplo. Além disso, este roteiro é o utilizado para as visitas do Programa Cultura é Currículo da FDE, e o Museu Paulista recebe 8º e 9º anos (13 e 14 anos) por este programa2, isso acabou sendo uma garantia de que todos os dias propostos para a observação eu iria ter visitas para acompanhar nos dois períodos. O processo de observação participante3 resultou em diferentes fontes de dados para a pesquisa, além de um diário de campo extenso, a análise de material produzido pelo Serviço de Atividades Educativas (questionários e roteiros de visita) e questionários de professores avaliando as visitas foram incluídos nesta etapa para verificar ideias que surgiram a partir de minhas reflexões durante a investigação (Bogdan, Biklen, 1994). E uma dessas ideias foi verificar nas avaliações realizadas pelos professores que agendaram visitas espontaneamente e visitas da FDE dos meses de junho e agosto de 2012, se professores de Arte procuravam agendar visitas no Museu Paulista e quais as expectativas dos professores em geral. Ao todo foram 203 avaliações, sendo 90 de professores que foram ao museu pelo programa Cultura é Currículo da FDE e 113 que agendaram a visita por iniciativa da própria escola ou professor. Posso adiantar aqui que, realmente, professores de Arte não procuram agendar visitas neste museu. Alguns dos dados levantados a partir das avaliações respondidas mostram que, por exemplo, no conjunto de 113 avalições preenchidas por professores de escolas que não foram ao museu pela FDE nesses dois meses, apenas em 3 questionários, 2,65%, especificou-se que o museu foi procurado pelo professor de Artes. Também, dentre as 113 avalições das escolas que agendaram a visita, 57,5% são de Ensino Fundamental I (especialmente 5º Ano, 35%). Assim, é possível supor pelas avaliações que o agendamento foi feito pelo professor polivalente ou pelo coordenador da escola, já que 53% assinalaram tal resposta à pergunta sobre quem teria agendado a visita. Mesmo se considerarmos que o coordenador pedagógico centralize essa a tarefa de realizar o agendamento a pedido do professor, dado que a avaliação não responde mas é possível argumentar pelo conhecimento do cotidiano escolar, a especificação de que apenas 2,65% das procuras pelo museu foi feita pelo professor de Arte é um dado que sobressai. Do mesmo modo, é evidente que São Paulo é uma cidade com muitas opções de exposições e museus de arte para se planejar uma visita educativa, contudo as justificativas dos professores para sua ida ao Museu Paulista trazem à tona questões que evidenciam o desconhecimento do acervo e o desejo de ver a História ilustrada. Arte para ver a História: aprender ou apreender? 2

O Programa Cultura é Currículo da FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação), é um conjunto de ações definidas pela Secretaria de Estado de Educação de São Paulo que disponibiliza verba para que as escolas da rede pública possam incluir em suas atividades programas culturais. As visitas a museus e exposições recebe o nome de Lugares de aprender: a escola sai da escola. 3 Observação participante junto ao Serviço de Atividades Educativas do Museu Paulista, SAE/MP, foi realizada com o objetivo de entender seu funcionamento e até que ponto a História contada pelas imagens “construídas” por Taunay ecoa no trabalho dos mediadores. Para tanto, de agosto a novembro de 2012, passei a observar o trabalho de mediação cultural: as reuniões de formação da equipe, e as visitas com grupos escolares

Taunay, obviamente, não foi o primeiro nem será o último diretor, gestor ou curador que utiliza imagens para compor uma narrativia visual que conta uma certa história, mas a característica do Museu Paulista importa aqui no que se refere a criação de um imaginário ligado a Memória Nacional, como foi o caso dos grandes museus europeus criados nos séculos XVIII e XIX que serviam de modelo. Ulpiano Bezerra de Meneses, por exemplo, afirma ainda que “a fragmentação dos museus em especialidades tem também sua história que aponta para o século XVIII” (1994, p. 65) e, ainda segundo Donald Horne citado por Meneses, no século XIX, o desenvolvimento dos museus históricos está associado ao surgimento das nacionalidades. Se tomarmos o exemplo francês, temos a abertura das grandes coleções para a instrução do povo, que em sua maioria não era letrada no século XVIII e “o museu prestava-se muito bem às necessidades da burguesia de se estabelecer como classe dirigente” (SUANO, 1986, p. 28). E, ainda segundo Marlene Suano, os museus do Louvre, de História Natural, de Artes e Ofícios e o Musée des Monuments Français, foram os quatro primeiros museus franceses que o movimento revolucionário abriu ao público e, “foi na esteira dessa movimentação social que, entre os fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX, foram inaugurados aqueles que, além do Louvre, são, hoje, os maiores e mais importantes museus da Europa” (1986, p. 29). Importância política adquirida nesse passado e que perdura na atualidade, importância que pode estar relacionada a função didática que está atrelada ao surgimento desses museus, “o novo regime [após a Revolução Francesa] criou a noção de bem cultural público, visando tornar patrimônio do povo os antigos bens da Coroa e da Igreja. E isso foi feito sob o argumento de que era preciso instruir o povo” (BARBUY, 2002, p. 67). Instruir a partir da visualidade das exposições, apresentar objetos de coleções como patrimônio público, era uma forma de consolidar a ideia de nação, ou seja, o cidadão comum “aprendia” que fazia parte daquela sociedade comandada por aquele governo que tinha conquistado ou construído aqueles bens. Também Brefe, quando explana sobre o surgimento dos museus históricos no século XIX, apresenta a função do museu como uma instituição legitimadora de uma memória nacional recém-criada, “não apenas na França, mas em toda a Europa, foram criados museus voltados para a representação da história nacional que justificassem a nação como unidade” (2005, p. 39). Brefe ainda cita Krzysztof Pomian, que diferencia a denominação “museu nacional” no século XIX em dois significados. Primeiramente, citando o British Museum e o Louvre como portadores de coleções não especificamente inglesas ou francesas, mas que “remetiam a algo mais amplo, àquilo que se entendia por homem civilizado no século XIX, às elites europeias e ao imperialismo”, já um segundo significado, aí se inclui o Musée des Monuments Français e o Musée de Cluny, que dizem respeito “à especificidade e singularidade da nação e de seu percurso ao longo do tempo”, de modo que “a escolha dos objetos expostos, bem como do lugar ideal para abrigar as coleções, não era aleatória, mas pretendia ser a encarnação da história-memória nacional” (BREFE, 2005, p. 39-40) Cabendo aqui, ressaltar, o cenário da exposição, melhor ainda, a sua visualidade: A questão da visualidade da história também se funda no valor pedagógico que a imagem adquire, sobretudo ao longo do século XIX, como um dos meios mais eficazes de formar o imaginário popular, particularmente em momentos de mudança política e social e de redefinição de identidades coletivas. (BREFE, 2005, p. 84).

De modo que na relação entre Arte e História podemos ressaltar o viés educativo na construção das narrativas visuais como discurso expositivo que alimenta o imaginário acerca da história oficial. Visualidade que pode ser analisada como uma construção cultural, não apenas para uma crítica contundente de que foram “criadas sob a tutela de uma determinada elite” (FRANZ), mas para uma compreensão crítica dessa visualidade. Arte para ver a História, História para falar da Arte Os diferentes museus que surgiram no decorrer do século XIX tiveram como modelo os museus de História Natural, enciclopédicos, que também serviram de base para a criação dos museus escolares, inclusive oferecendo duplicatas de espécimes de seu acervo, além de receberem os estudantes para as “lições de coisas” (ALVES, 2001, BARBUY, 2002). À época do surgimento do Museu Paulista, é fácil perceber o valor dado ao objeto na virada dos séculos XIX/XX, é a época em que foi sistematizado para o ensino o método intuitivo, inspirado nas ideias de Pestalozzi e Fröbel. Além de Pestalozzi e Fröbel, a professora Ana Mae Barbosa (1978), por exemplo, ainda cita Rabelais, Fenelon, Lutero e Comenius como autores que embasaram o método, que ela afirma serem sempre citados por Rui Barbosa, que traduziu para o português no final do século XIX, a obra de Norman Allison Calkins, publicada pela primeira vez em 1861, Primeiras lições de coisas. Este livro foi “aprovado oficialmente para o uso nas escolas públicas [brasileiras] pelo aviso de 10 de fevereiro de 1882, tendo continuado a ser recomendado especialmente nas escolas normais pelo menos até 1916”. (BARBOSA, 1978, p. 57) O Museu Paulista é o museu mais antigo de São Paulo, e desde sua inauguração recebe escolas para aprender vendo (“lições de coisas”), com exposições que pretendiam colaborar com a instrução. Edgard Süssekind de Mendonça, em 1946, na monografia que apresentou como parte do processo do concurso para assumir o cargo de Técnico de Educação do Museu Nacional no Rio de Janeiro, ao falar da ação educativa do museu como complemento à educação escolar, apresentava o museu como o lugar do concreto, do ensino experimental, para ele, o Museu poderia “ser considerado o órgão por excelência da educação extra-escolar [...] É a fonte por excelência do ensino visualizado” (1946, p. 22). Ainda sobre a relação museu/escola por Mendonça (1946), o método intuitivo, o ver para aprender, parecia ser uma expectativa, grande parte de sua monografia trata desse assunto. Tal expectativa ainda existe hoje. Pude verificar, analisando as avaliações de visitas respondidas pelos professores nos meses de junho e agosto de 2012, na questão que procura investigar os motivos que levaram ao agendamento ao Museu Paulista; das 113 avaliações respondidas por professores de escolas que agendaram visita, 47,8% responderam diretamente que o motivo era “relacionar”/“ver” o conteúdo estudado em sala de aula, e mais 24%, de forma indireta, justificaram que era para “ver” ou “estudar” a História do Brasil, como uma professora disse, por exemplo: conhecer a História do Brasil na época da Independência, ou esta outra: Estudar a História na prática. A mesma questão, respondida pelos professores que estavam com as escolas que foram através do Programa Cultura é Currículo da FDE, dentre as 90 avaliações respondidas no mesmo período 25,5% responderam diretamente que o

motivo era “relacionar”/“ver” o conteúdo estudado em sala de aula, e mais 36,6%, de forma indireta, justificaram que era para “ver” ou “estudar” a História do Brasil. Ou seja, o “ver para aprender” ainda é esperado, então, uma preocupação seria o que ver. Isso contribui para outra expectativa com a qual o mediador tem que lidar: a sua própria. Esta expectativa é múltipla, está relacionada aos conteúdos que se sabe ou gostaria de saber, com a chegada da turma, com o que o grupo sabe ou ele gostaria que soubesse. Esta última passa pelo desejo, que acontece muitas vezes, de que o professor tenha trabalhado conteúdos específicos antes da visita, por isso a proposta de envio de material educativo para o professor após o agendamento, ou mesmo dos livros que a FDE produziu e destinou às escolas. Mendonça já atentava para a necessidade de “uma visita prévia às coleções pelo professor da turma, seguida da comunicação à direção do museu dos assuntos que mais interessam à turma” (1946, p. 54) e essa expectativa ainda pode ser exemplificada por alguns trechos da entrevista de Denise Peixoto, sobre uma percepção sua sobre a relação com os professores, coordenadora so Serviço de Atividades Educativas do Museu Paulista (SAE/MP): ... o professor, às vezes, é a primeira vez que ele vem, junto com os alunos, ele não veio antes, ele nem conhece o museu... O professor não lê o material que ele recebe na mão, não se dá ao trabalho, não se pergunta: poxa, 1895 a inauguração, então, 1895, o que significa 1895? Perguntar pelo menos assim... Aí se reflete barbaramente nos alunos. ... se a gente acredita, educação permanente, professor pesquisador, aquelas coisas todas que a gente aprende, o professor precisa se envolver de outra forma com a aprendizagem, o que é aprendizagem em museus.

O professor foi tratado nos comentários de forma generalizada. Obviamente existem os professores comprometidos com o processo, ouso dizer que o programa Cultura é currículo tem sido tão útil para os professores quanto para os alunos, tem ajudado a aproximar os docentes das instituições culturais, a conhecer o trabalho de mediação cultural em seus meandros, como fazer para agendar uma visita, como é o trabalho educativo em instituições diferentes etc. Mas, é comum nos depararmos com professores que não visitam a instituição com antecedência, que não preparam a visita, por diversas razões pessoais e/ou profissionais. As impressões a respeito da atuação, ou não atuação, do professor não é um sentimento solitário da Supervisora do SAE/MP, pude experienciar essas impressões durante toda a minha vida profissional de quase 20 anos como mediadora cultural. Também, posso citar um exemplo de depoimento que Franz utilizou para remeter à formação dos professores relacionado ao papel de mediador ao lidar com pinturas históricas: A explicação do educador que atua no Museu Nacional de Belas Artes, que aqui chamamos Antônio e que colaborou no estudo empírico [...] “A grande maioria dos nossos professores não conhece esses lugares de construção da pátria. A gente observa pela prática no museu que, pelo fato de os professores verem esta reprodução nos livros de história, eles associam essa imagem com o fato ocorrido e não trabalham com o conceito de que isso é uma invenção da arte. Eles pensam que o artista esteve lá, retratando isso. Confundem o fato histórico com o fato pintura. O professor não

consegue desconstruir este conceito na cabeça do aluno porque este conceito não está desconstruído na cabeça dele enquanto educador”. (2003, p. 290).

Terezinha Franz usa esse depoimento como um exemplo para, mais uma vez, falar da defasagem na formação de professores de arte, este também é um assunto de sua pesquisa, ela tangencia a história da formação do docente em Artes no Brasil. Contudo, podemos perceber também na fala de “Antônio” muitas questões relacionadas à leitura de imagem, sobre a utilização da imagem na História e historiografia e como, ainda hoje, pinturas históricas são usadas como ilustração. E, voltando ao SAE/MP, o professor vem muito por causa da Independência, vem muito por causa do Brasil Colônia, então ele quer mostrar as telas pra ilustrar o Brasil Colônia! (Denise Peixoto). Figura 2 – Mediador durante a visita com alunos da EE Jorge Julian no Museu Paulista. 2012. À direita, a tela de Pedro Américo, Independência ou Morte!, 1888.

Fotografia da autora.

Num certo sentido, podemos até dizer que as expectativas de ver o conteúdo escolar no museu, se complementam, já que as instituições em geral, o Museu Palista em particular, estão também preocupados em aliar o que se vê no museu com o que se aprendeu antes em sala de aula – ainda que não o conteúdo estudado, mas que se tenha estudado ou introduzido assuntos relacionados à exposição, como dito por Denise Peixoto: Quando a gente vai preparar a atividade do educativo, se a gente está falando de público escolar, a gente também está preocupado, minimamente, com os Parâmetros Curriculares Nacionais. E, veja bem, não para escolarizar o museu, como diria a Margarteh Lopes4, a ideia não é que o museu vá andar no sentido de ser um complemento. As escolas estão lá e estão trazendo seus alunos para cá por alguns motivos. Então, eu acho que a gente tem que dizer para as escolas que tem outros motivos pra trazer para cá que não é só a tela da Independência... 4

LOPES, Maria Margareth. A favor da desescolarização dos museus. Revista Educação & Sociedade, São Paulo, n. 40, p. 443-455, dez. 1991.

Então, o problema agora não seria apenas o que ver, mas como ver. Talvez não na mesma perspectiva que Mendonça em 1946 concluiu sua sugestão, citada anteriormente, para um bom momento de aprendizagem na relação museu/escola: “Daí a necessidade de pessoal próprio, de técnicos que sejam verdadeiros intérpretes dos objetos, juntos aos professores das turmas, que são os instrutores de assuntos”. (p. 54). Mas, o que Terezinha Franz propõe para “ampliar a perspectiva do olhar para a obra de arte [...] que precisamos ensinar os alunos a realizar estudos sobre as obras de arte de qualquer tempo, lugar e cultura com o objetivo de buscar elevados níveis de interpretação” (2003, p. 158). Se há que se preocupar com o que e como ver, ou como George Hein (1999) afirma que se deve considerar no museu o que (what) e como (how) aprender, a preocupação do SAE/MP é legítima, o museu cumpriria sua função educativa e a relação museu/escola estaria garantida com o comprometimento do professor por um lado (que) e dos mediadores por outro (como); tal como propõe, inclusive, o material da FDE Patrimônios, expressões e produções (2008), cujo objetivo é “demonstrar a importância do objeto artístico [...] Possibilitar que jovens de 7ª. e 8ª. Séries5 tenham a possibilidade de visitar museus nos quais estão abrigados exemplos do patrimônio artístico brasileiro” (p. 5). Dois projetos são apresentados nessa proposta da FDE: 1. Os objetos e as diferentes formas de olhá-los; 2. História e histórias: múltiplas versões. Vou me ater ao segundo projeto, História e histórias, pois é o que mais se relaciona com a proposta do roteiro A história do Brasil segundo Affonso Taunay. “O que está em questão não é somente „o que aconteceu no passado‟ [...], mas „como nos é contado o que aconteceu no passado‟” (Patrimônios..., 2008, p. 25). Ou seja, para além do que, isto é, para além das “lições de coisas”, o como nos é apresentado, como o museu conta o que aconteceu; o objetivo deste projeto é: “Trabalhar com a questão das versões sobre acontecimentos em geral (históricos, sociais ou artísticos) passíveis de serem estudados nas exposições organizadas pelas instituições culturais, para que os alunos possam desenvolver nuanças de como são contadas determinadas histórias e lidar com elas de maneira compreensiva e crítica” (p. 26). Importante destacar que esses projetos têm como base, ou levam em conta, os PCN‟s, bem como os livros didáticos. Ainda, o livro Patrimônios, expressões e produções (2008), destaca o que se espera que os alunos aprendam: Reconhecer a diversidade de pontos de vista sobre um mesmo fato, sobre um personagem histórico ou sobre a obra de um artista ou movimento artístico. Identificar que sempre são feitos recortes, segundo pontos de vista específicos, quando se escreve, se fala, se apresenta ou se expõe sobre algo ao público. Distinguir „pontos de vista‟, podendo conceber que não existe uma verdade sobre todas as coisas, e sim verdades parciais, provisórias, passíveis de compreensão e de crítica. Reconhecer que existem diversas formas de ‘exposição’, desde exposições virtuais até exposições em cédulas de dinheiro, em museus e/ou em instituições culturais. (p. 26, grifos nossos)

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Atualmente, oitavo e nono anos.

Esperar que o aluno aprenda, “interpretar objetos” (MENDONÇA), “ensinar os alunos” (FRANZ), são expressões citadas anteriormente, que estão presentes no contexto do trabalho de mediação, mas que, ao mesmo tempo, parecem soar imperativas, “explicadoras”. É uma expectativa e proposta discutir na pesquisa de Doutorado, o trabalho de mediação a partir de reflexões relacionadas à ideia de “educação emancipadora” (RANCIÈRE, 2009, 2011), para pensar que outras possibilidades podem existir a partir da leitura da cultura visual em uma exposição histórica, em que a produção de significados seja tão importante quanto compreender algo que se espera, um compreender que parece significar “que nada [se] compreenderá, a menos que [se] lhe explique [...] quem emancipa não tem que se preocupar com aquilo que o emancipado deve aprender” (RANCIÈRE, 2011, p. 25). Também, quando temos uma imensa maioria de professores de História ou professores polivalentes de Ensino Fundamental I esperando “ver” a História, isso pode demosntrar um problema na formação não só dos professores de Arte, como aponta Franz, mas na formação básica em si, que não se atenta para a cultura visual presente na vida escolar, desde as reproduções de imagens em livros didáticos até as exposições e, no caso das pinturas históricas especificamente, como afirma Circe Bittencourt, “„ver as cenas históricas‟ [...] objetivo fundamental que justificava, ou ainda justifica, a inclusão de imagens nos livros didáticos em maior número possível, significando que as ilustrações concretizam a noção altamente abstrata de tempo histórico” (2008, p. 75). Possivelmente, sem uma discussão mais aprofundada ao longo de sua vida escolar, ou sem uma proposta mais emancipadora, esses estudantes que estão indo ao museu histórico para “ver a história”, se professores no futuro, não iriam repetir esses mesmos modelos de ação? Ou seja, modelo que usa a cultura visual como ilustração ou o modelo que tentar “ensinar”, “explicar”, a interpretar a imagem? Arte/Educação/História Após o término do estudo de campo, visitei a Pinacoteca do Estado de São Paulo. A exposição do acervo foi reformulada, e eu ainda não tinha visto até então. Lá, com os pensamentos em ebulição, analisando meu diário de campo, relendo autores, especialmente envolvida pelas ideias de Rancière, percebi que por mais diálogo que o mediador do SAE/MP estabeleça com o grupo, e de fato presenciei algumas visitas bastante dialogadas, o discurso expositivo de Taunay, tão preocupado com os “menos sabedores da nossa história” (TAUNAY apud BREFE, 2005, p. 119), ainda é muito eficiente para seus propósitos e expectativas, ao contrário da proposta emancipadora, ele é embrutecedor (RANCIÈRE, 2009)6. Talvez, diferente da exposição da Pinacoteca, onde a expografia propõe para as pinturas históricas, ou de gênero histórico, outras leituras, outros olhares, pela forma com a qual a narrativa visual apresenta seu discurso, não linear, não cronológica, colocando imagens de diferentes contextos próximas para criar temas de discussão. Não cabe aqui julgar se uma é melhor que a outra, até mesmo porque essa foi uma primeira impressão sobre a expografia da Pinacoteca, um espaço que não está no meu estudo de campo.

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Para Rancière, “instruir pode, portanto, significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as consequências desse reconhecimento. O primeiro ato chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação” (2011, p. 11-12).

Contudo, estas reflexões apresentam uma outra questão acerca da narrativa visual, entendida como construção cultural, e passível de análise também para uma compreensão crítica da cultura visual. Uma vez que está para além do professor interferir na expografia do museu, o que poderia o professor de arte fazer em sua prática acerca das narrativas visuais históricas? Não questiono sobre a importância do professor conhecer o contexto de produção das pinturas históricas e narrativas visuais para percebê-las não como a mas sim como uma visão da História. Sim, isto é importante, mas também uma possibilidade, dentre outras. Se podemos depreender de alguns dados do levantamento apresentado que a ida ao museu histórico é para ver a história, deflagrando uma situação, até mesmo um problema de interpretação de imagens, que perdura por toda a vida escolar, além da, muitas vezes, difícil realidade de escolas em bairros e/ou cidades muito afastadas dos grandes centros e de seus museus, essa possibilidade pode ser irreal. Contudo, acredito, que isso pode ser encarado por outro viés, a visita ao museu pode ser o início do processo, e não o meio. Melhor dizendo, espera-se, ou anseia-se, que o professor prepare seus alunos, visite a exposição e depois encerre essa atividade na escola. Mas por que a visita não pde ser o ponto de partida, o que muitas vezes já é na prática. Como quando iniciei minha pesquisa de campo, espiar como na Figura 1, ou melhor dizendo, observar as ações educativas do Museu Paulista, museu muito conhecido por mim, me deparei com muitas informações sobre as exposições, o trabalho de Taunay, algumas obras, que eu absolutamente desconhecia e foram pontos de partida para novas reflexões. Assim, gostaria de concluir com uma provocação sugestionando uma atividade muito possível em sala de aula para refletir sobre a relação cultura visual/história. A construção de uma narrativa visual a partir das histórias de vida dos estudantes, talvez por temas, imagens que os estudantes postam nas redes sociais, por exemplo. Nenhuma novidade, acredito que muitos professores já tenham feito, eu mesma utilizava essa estratégia enquanto professora de história para falar sobre fontes históricas. Porém, aqui, um novo olhar para esta ação, um olhar de fato para a visualidade como construção cultural, refletindo e provocando sobre que imagens foram excluídas? Por que? Qual a sequência das imagens? Poderia ser outra? Alguma imagem foi modificada ou manipulada? Seria interessante dar essa possibilidade. E, assim por diante. Talvez, de uma experiência do micro possa se iniciar uma compreensão maior, sem olhar para as pinturas históricas ou narrativas visuais históricas como “ver” o passado, mas sim como um olhar possível sobre o passado.

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