Arte Pública em Centros Comerciais – Responsabilidade cultural corporativa & programação artística SÓNIA ISABEL SANTOS DA ROCHA

May 22, 2017 | Autor: Sónia da Rocha | Categoria: Public Art, Corporate Cultural Responsibility, Shopping centers
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Arte Pública em Centros Comerciais – Responsabilidade cultural corporativa & programação artística SÓNIA ISABEL SANTOS DA ROCHA © Universidade Católica Editora . Porto Rua Diogo Botelho, 1327 | 4169-005 Porto | Portugal + 351 22 6196200 | [email protected] www.porto.ucp.pt | www.uceditora.ucp.pt 1.ª edição | Julho de 2012 ISBN 978-989-8366-35-1 Depósito legal: Execução gráfica: LabGraf 4

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Sónia Isabel Santos da Rocha

Arte Pública em Centros Comerciais Responsabilidade cultural corporativa & programação artística

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“Inner beauty” (montagem fotográfica), de Mr. Dheo Data da proposta: Maio de 2011 Materiais: Spray / Graffiti Dimensões reais da pintura na parede: 268m2 Local: Centro Comercial Gaiashopping, Vila Nova de Gaia

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Nota Prévia 1 O presente livro resulta da adaptação da dissertação apresentada pela Mestre Sónia Isabel Santos da Rocha, no Mestrado de Arte Contemporânea (2007/2010), da Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa, e que tivemos o gosto de coordenar. Intitulada “Arte Pública em Centros Comerciais: Responsabilidade Cultural Corporativa & Programação Artística”, centra-se num dos novos desafios da Arte Pública, ou seja, as manifestações artísticas que decorrem nestes importantes locais da cultura urbana contemporânea, incidindo principalmente, no caso da empresa Sonae Sierra. A Autora, através da sábia orientação do Doutor José Guilherme Abreu, levou a cabo um cuidadoso estudo que muito interessa àqueles que estudam e investigam a Arte Pública no período contemporâneo em Portugal. E fê-lo com um espírito de grande entrega pessoal, o que resultou neste livro, que oportunamente a Universidade Católica Editora – Porto, em parceria com o CITAR, dá à estampa. O trabalho, a cujo júri de provas públicas tivemos o gosto de presidir, foi defendido em 11 de junho de 2010 e teve como arguente o Prof. Doutor Antoni Remesar Betlloch, Professor Titular da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de 9

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Barcelona, reputado especialista internacional nos domínios da Arte Pública, merecendo a classificação de Excelente (19 valores) por unanimidade. De louvar o empenho da Sonae Sierra na prossecução desta investigação, e a esta empresa, na pessoa do arquiteto José Quintela da Fonseca, seu Chief Design Officer, agradecemos o acolhimento que desde a primeira hora deu à intenção da Autora de refletir em torno deste caso específico, que ficará como um importante subsídio para ulteriores estudos paralelos. Porto, 26 de novembro de 2011 Gonçalo de Vasconcelos e Sousa Prof. Catedrático da EA/UCP Diretor do CITAR

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Nota Prévia 2 Começo por declarar que é com grande satisfação que escrevo estas linhas. E essa satisfação é a satisfação que dá assistir à realização de um trabalho completo. Um trabalho completo, pois felizmente o mesmo pôde culminar naquele que é o momento mais importante de toda a investigação científica: a publicação. Em investigação científica, o valor da publicação decorre não somente de esta constituir o reconhecimento de um mérito pessoal, mas sobretudo por esta representar um serviço à comunidade, na medida em que é pela publicação que o investigador partilha o seu trabalho, e o expõe ao sufrágio dos seus pares, contribuindo, na sua modesta quota-parte, para a organização do estudo e para o avanço do conhecimento. Na dupla qualidade de orientador da presente Dissertação e de investigador daquele que constitui o seu campo de especialização, cumpre-me proceder agora ao seu elogio científico, enunciando as razões que justificam a presente edição. Em primeiro lugar, começo por salientar o esforço de preparação que caracterizou a investigação realizada pela, então, Candidata, depois promovida a Mestre, e com a presente 11

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publicação tornada Autora. Estudo esforçado, mas não só. Estudo rigoroso, sistemático e coerente, fundado num corpo de conhecimentos bem explicitados e assimilados, como só sucede quando se conhece o estado da arte, e se discutem os temas que definem um campo de estudos, bem delimitado e compreendido. Em segundo lugar, importa destacar a audácia com que a investigação foi realizada, bem como a segurança com que a mesma foi defendida. Tendo por tema a integração da Arte Pública nos Centros Comerciais, a Dissertação obrigava-se, por isso mesmo, a ser um trabalho, pelo menos, inovador, pois não há registo de estudos académicos centrados, nesse tema. E se o resultado final demonstra quanto a mesma é inovadora, no presente, o futuro confirmará se este poderá tornar-se um trabalho fundador. Em terceiro lugar, importa também destacar aqui, o respeito pela ética da prática de investigação científica, pois tratando-se de um estudo cujo enfoque incide sobre o domínio da atividade comercial, atividade na qual a Autora se encontra profissionalmente envolvida, em nenhum momento o seu teor comprometeu a postura, os fins e os métodos que devem nortear o trabalho do investigador. Finalmente, quero deixar um nota pessoal de apreço pelo “espírito” de cooperação e de diálogo entre todos quantos se encontraram envolvidos nesta “empresa científica”, pois estou convicto de que para se chegar ao fim “com a sensação de missão cumprida”, tal como, nas conclusões, refere a Autora, é imperioso descobrir o “lugar” interinstitucional, interdisciplinar e interpessoal, propício ao surgimento das sinergias que asseguram o êxito dos projetos. Termino com uma palavra de agradecimento ao Professor Doutor Gonçalo de Vasconcelos e Sousa, responsável pela Direção do Mestrado em Arte Contemporânea da Escola das Artes, da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional 12

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do Porto, ao Arquiteto José Quintela da Fonseca, Chief Design Officer da empresa Sonae Sierra, e ao Professor Doutor Antoni Remesar Betlloch da Facultat de Belles Arts da Universitat de Barcelona, que amavelmente acedeu ao convite para arguir a presente tese, e finalmente à Mestre Sónia Isabel dos Santos Rocha, pelo empenhamento, tenacidade e confiança com que realizou e defendeu o seu trabalho.

José Guilherme Abreu Coordenador da Área de Investigação em História da Arte do Século XX em Portugal do Centro de Investigação em Ciência e Tecnologia das Artes (CITAR) UCP Porto

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Nota Prévia 3 De vez em quando sou solicitado para apoiar ou orientar teses, ser coach, orientador ou meramente amigo mais velho de alunos das minhas Almae Mater (digo minhas, pois foram várias as Instituições que me “fizeram”, e às quais devo tanto que jamais me passaria pela cabeça a elas recusar fosse o que fosse: do Liceu Normal de Pedro Nunes à Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, da Universidade Nova a Harvard, e sobretudo àquela escola de vida e de exemplo, primus inter pares, a Sonae. Ao longo destes anos muitas foram as pessoas que a mim vieram recolher experiências e de quem eu, sem exceção, recolhi ensinamentos de vida, num processo que se esperava unívoco e que foi sistematicamente biunívoco, tendo sempre saído mais rico da experiência. Foi claramente o caso da Sónia. A Sónia que, enquanto geria Centros Comerciais para a Sonae decidiu em boa hora analisar e aprofundar um fenómeno no qual eu já estava envolvido, sem ter consciência disso, há anos, a Arte Pública. A Arte para todos, a Arte, por todos, entendida. A Arte viva, catalisadora, aquele mecanismo que abre mentes e que predispõe o comum dos mortais 15

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a pesquisar, e a ver o mundo que nos rodeia de outra maneira. Melhor. Mais sã. Menos elitista. O elitismo em Arte tem duas características extremamente negativas: permite e fomenta a fraude por parte de pseudo-artistas com impacto mediático, e autoriza os media ignorantes a transformarem-se em críticos de Arte com o poder intrínseco de emitir juízos de valor, que deveriam, no máximo, ser meras opiniões. E aí a Sónia disse: O Rei vai nu. Veio à defesa, tornou-se a campeã no sentido medieval do termo, do único “ismo” que vale a pena defender em Arte: o ecletismo. O ecletismo não é, nunca foi, moda, nem nunca poderá ser, pois é um anti-”ismo”. Nunca foi apadrinhado nem pelos media nem pela intelectualidade fraudalenta, mas, ao longo dos tempos, foi a voz da razão, foi o não ao modismo, foi a voz do que as pessoas normais gostam. Foi Jules Verne, Sandokan e Dali, foi Vermeer, foi a Arte Nova, Chopin, os Dire Straits, Dylan, Amália e os Deolinda. Todos serão eternos porque não são fechados pelo artista ao seu usufruto por terceiros: são abertos, abertos, abertos. Hoje e amanhã. Abertos para qualquer interpretação e usufruto individual. Não são edifícios-museus, obras-primas de Arquitetura que desprezam o seu conteúdo, subjugando-o, são experiencias individuais em que cada um interpreta a seu modo as obras e as julga de acordo com os seus padrões. Gosta-se ou não se gosta É irrelevante. Mas ninguém tem direito de impor o gosto oficial, ou da moda: o “ismo” da altura, do momento, da ocasião. Viva o ecletismo. Obrigado, Sónia, por nos abrir os olhos. José Quintela Arquiteto, Chief Design Officer da Sonae Sierra 16

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Às minhas duas pequenas filhas: Leonor e Alice Trabalhei neste projeto com a esperança de ter contribuído com sementes para que elas venham a usufruir de uma sociedade mais responsável e culturalmente mais esclarecida.

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Apresentação Esta dissertação versa sobre dois mundos que, apesar de distintos, se potenciam mutuamente quando se cruzam: o dos Centros Comerciais e o da Arte Pública. O seu elo de ligação é a comunidade a quem se dirigem. Existe uma tríade nesta dissertação entre a Comunidade, os Centros Comerciais e a Arte Pública. Este tema surge perante algumas constatações feitas sobre os hábitos culturais da nossa sociedade. Verificamos a diferença abismal de afluência de visitantes às instituições culturais e aos Centros Comerciais. Depois de estudar as diversas perspetivas e problemáticas sobre a disciplina de Arte Pública concluímos que ela é uma excelente via para a formação dos visitantes dos Centros Comerciais. A Arte Pública é feita para o público que dela usufruiu e tende a ser construída com a participação cidadã da comunidade local. Os grandes investidores do negócio imobiliário dos Centros Comerciais, nomeadamente a Sonae Sierra, possuem uma forte vocação para o desenvolvimento de ações de Responsabilidade Corporativa junto das comunidades locais de cada Centro Comercial que desenvolvem, promovem e gerem. Sugerimos, com este trabalho, a utilização do ideário da Arte Pública para dar forma a um novo vetor dentro da Responsabilidade Corporativa, 19

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o vetor Cultural. Para lhe dar corpo, elaboramos um documento que pretende ser uma política de Arte Pública para Centros Comerciais. Delimitamos a nossa investigação ao espaço físico dos Centros Comerciais. Os objetivos por nós desenhados para a realização desta dissertação são: 1. Analisar, criticamente, a integração de elementos de Arte Pública nos Centros Comerciais 2. Testar a hipótese de se introduzirem, criteriosamente, elementos de Arte Pública sempre que se concebe um Centro Comercial; 3. Promover o envolvimento de artistas e linguagens emergentes em programas de Arte Pública nos Centros Comerciais; 4. Reforçar a componente cultural dos espaços comerciais, tornando a experiência de visita mais enriquecedora; 5. Aproximar a obra de arte contemporânea da franja da população que se sente à margem do mundo da Arte; 6. Promover a renovação das temáticas artísticas, abrindo-as às causas sociais e ao multiculturalismo, com o objetivo de tornar a linguagem artística mais inclusiva; 7. Definir uma metodologia destinada a aprovar propostas artísticas envolvendo especialistas e cidadãos; 8. Aumentar a dimensão da contribuição social das empresas gestoras de Centros Comerciais; 9. Desenvolver um programa de Arte Pública promovido pela empresa gestora de Centros Comerciais em operação; 10. Analisar, criticamente, a “política” de Arte Pública praticada por uma empresa gestora de Centros Comerciais, avaliando a sua eficácia relativamente aos restantes objetivos. O método de investigação utilizado foi a pesquisa bibliográfica tematizada que se delimitou a leituras sobre a socie20

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dade de consumo, hábitos culturais, tentativas de definições de arte pública e suas problemáticas, e ainda a realidade e as questões que envolvem os Centros Comerciais. Da pesquisa realizada não encontrámos referência a publicações que incidam especificamente sobre o tema que nos propusemos estudar. Contudo, uma vez que o estudo incidiu sobre a temática da Arte Pública, pareceu-nos fundamental considerar os trabalhos que, justamente, a nível de investigações de mestrado e de doutoramento têm vindo a ser desenvolvidas em Portugal e em Espanha apesar de citarmos autores ainda em início de carreira académica. Verifica-se uma profusão do interesse sobre a Arte Pública por jovens alunos que visamos ilustrar através da sua citação, demonstrando-se a incontornável pertinência da Arte Pública dentro da Arte Contemporânea. Assim, importa referir a dissertação de mestrado A Construção do Lugar pela Arte Contemporânea, de Marta Traquino, defendida em 2006, no ISCTE. A obra “Arte Pública e os novos desafios das intervenções no espaço urbano”, de José Pedro Regatão, é já o resultado do texto da sua dissertação de Mestrado em Teorias da Arte, que defendeu na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, em julho de 2004, publicada em livro. No Instituto Superior Técnico, Filipa Pita Calvário defendeu, em novembro de 2008, a dissertação “Sentidos da Arte Pública: Reflexão sobre os significados da Arte Pública em periferias urbanas: Almada e Parque das Nações”. A publicação da Parque Expo sobre “Os espaços públicos da exposição do mundo português e da Expo’98” é uma leitura importante face à integração do Centro Comercial Vasco da Gama. Em 1996, José Guilherme Abreu defendeu a sua dissertação de mestrado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, denominada “A Escultura no Espaço Público do Porto no Século XX”, e mais tarde, em 2007, defendeu, dentro do mesmo âmbito científico, a sua dissertação de doutoramento inti21

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tulada “Escultura Pública e Monumentalidade em Portugal (1948-1998)”, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. José Pedro Regatão prepara a sua dissertação de doutoramento sobre “A Escultura Pública na cidade de Lisboa” (1974-2004), assim como Susana Piteira prepara a Dissertação de Doutoramento, com o título “Arte, Natureza e Cidade”, escultora com quem tivemos oportunidade de conversar sobre a hipótese aqui levantada. Na esfera internacional refletimos sobre a obra que Barbara Goldstein coordena, datada de 2005, onde compila uma série de programas de Arte Pública, realizados nos EUA, “Public Art by the Book” que face à inexistência de material semelhante produzido sobre os programas de Arte Pública em Portugal se revelou muito útil. Procurou-se estudar exemplos de programas de Arte Pública realizados em Portugal, como, por exemplo, o da Tabaqueira ou da Brisa, mas não foi possível saber como se desenrolaram os processos, como se escolheram os artistas, quem concorreu, qual foi o júri e como se tomaram as decisões dos locais de exposição. Este último ponto constituiu a maior dificuldade desta dissertação. Por este facto, as nossas orientações e referências serão dadas de acordo com a perspetiva anglo-saxónica de Barbara Goldenstein. Finalmente, apraz-nos referir que à data da publicação desta dissertação o documento “Política de Arte Pública para Centros Comerciais” que aqui é proposto, e que resulta do estudo realizado na presente dissertação, foi aprovado para implementação, após negociação com a Direção da Sonae Sierra, de acordo com a realidade estratégica da empresa. As suas formas de implementação irão sendo definidas de acordo com as oportunidades que forem surgindo, adaptando-se sempre ao modelo de negócio já existente.

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Public Sculpture attempts to fill the gap that comes about between art and public to make art public and artists citizens again. Siah Armajani, escultor

* Vd. ARMAJANI, Siah – Manifesto Public Sculpture in the context of American Democracy In AA. VV. – Reading Spaces, Barcelona: MACBA, 1995, pp. 111-114. 23

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Agradecimentos Esta dissertação surge como resultado da conjunção de diversos fatores e vontades. Num contexto de necessidade de desenvolvimento pessoal por parte da autora quer face ao mundo da Arte, quer face ao mundo dos Centros Comerciais e de como estes dois mundos, aparentemente opostos, se podem potenciar. Depois de proposto o tema ao Orientador, que considerou esta hipótese de investigação com potencial e inovadora, abordámos o então Presidente da Sonae Sierra, Eng.º Álvaro Portela1, para perceber se o tema da Arte Pública poderia ser estratégico no contexto do desenvolvimento da Responsabilidade Corporativa da empresa. A aceitação do tema foi imediata e recebemos o desafio de investigar e propor uma política de Arte Pública, antes de propor uma programação. Assim se fez, e com o pragmático e fundamental apoio do Chief Design Officer da Sonae Sierra, Arquiteto José Quintela da Fonseca, que gentilmente aceitou a missão de ser mentor da autora neste percurso, alcançou-se o texto da política de Arte Pública para os Centros Comerciais, imaginando-a aplicada à realidade desta empresa. 1

À data de publicação desta Tese o atual Presidente da Sonae Sierra é o Eng.º Fernando Guedes de Oliveira. 25

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O atual Presidente da Sonae Sierra, Eng.º Fernando Guedes de Oliveira, decidiu tomar como seu legado a aplicação desta política de Arte Pública, o que merece o nosso agradecimento por todo o entusiasmo que tem demonstrado na execução do projeto, o que nos permitirá continuar a nossa investigação no futuro próximo. Foram necessárias muitas leituras e algumas tertúlias com o sempre disponível e exigente orientador académico, Doutor José Guilherme Abreu, entusiasta da disciplina da Arte Pública, seus contornos e questões por resolver. Ainda na Universidade Católica do Porto, uma palavra de apreço para o apoio e entusiasmo demonstrado, nomeadamente na pessoa do Professor Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa, coordenador do Mestrado de Arte Contemporânea. Agradecemos também ao nosso arguente, Professor Antoni Remesar, que no ato da defesa desta tese levantou de forma crítica e construtiva, questões pertinentes que nos permitiram chegar ao resultado final da presente edição. Não menos importante foi o contacto direto com alguns artistas com os quais tive a oportunidade de trocar impressões e reflexões, pessoal ou virtualmente, nomeadamente a investigadora e Escultora, Susana Piteira, que tão simpaticamente me recebeu na sua residência, o Designer e Fotógrafo, Vítor Tavares, com quem me encontrei num Não Lugar e a investigadora e a artista plástica, Marta Traquino, que me disponibilizou algum material de apoio que ela própria produziu. Por fim, um especial agradecimento ao meu companheiro e amigo, Rui Guerra Marques, que além de ter de cuidar com maior intensidade e dedicação das nossas filhas, ainda me ajudou muito com a correção e revisão dos textos. Não podia deixar de referir a amizade da querida Rosa Carvalho Araújo, que me acompanhou neste período de tempo de dedicação à tese sempre com uma palavra de alento e carinho. A todos estes que muito me ajudaram, e a todos os outros que eu possa não ter referido, o meu sincero muito obrigado. 26

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Introdução O caminho percorrido ao longo desta investigação foi dividido em partes que correspondem aos capítulos existentes. Esta dissertação aborda a realidade de dois mundos tão distintos: a Arte Pública e os Centros Comerciais numa perspetiva teórica, e a relação destes dois mundos com a comunidade numa perspetiva sociológica. A grande motivação para se escrever uma tese sobre Arte Pública em Centros Comerciais é o facto de não existir uma verdadeira programação de Arte Pública para estes espaços. Apesar dos Centros Comerciais serem espaços de acesso público, faltava à teoria da Arte Pública definir os conceitos, os meios e os métodos adequados à sua controversa integração, já que a exposição à controvérsia é uma das características diferenciadoras da Arte Pública. De resto, Antoni Remesar é o único especialista que considera a possibilidade de os Centros Comerciais poderem ser um lugar para a Arte Pública. Embora conscientes da dificuldade, decidimos “instalar” este tema, simultaneamente, no mundo artístico e no mundo dos negócios imobiliários dos Centros Comerciais, pois somente pela interseção de ambos nos pareceu possível chegar a resultados concretos, e dessa forma converter a rede 27

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globalizada de Centros Comerciais num espaço de expansão e de experimentação, de valor, para a Arte e a Cultura Contemporâneas, designadamente junto de camadas da população que se encontram afastadas da esfera da criação cultural e artística. No primeiro capítulo realizamos uma breve análise aos conceitos que envolvem a Responsabilidade Corporativa das empresas, nomeadamente o papel que a Cultura desempenha neste campo. Detetou-se a falta de evolução da Responsabilidade Corporativa para o vetor cultural, apesar de se verificar uma crescente preocupação das maiores companhias investidoras no negócio dos Centros Comerciais com a sustentabilidade da economia, do ecossistema, e das carências económicas da sociedade. As carências culturais, por não serem urgentes, são subvalorizadas e existe pouco investimento pelas empresas e pouco reconhecimento pelos públicos. Foi analisado o contexto de uma empresa específica – Sonae Sierra – no que concerne às suas políticas no âmbito da Responsabilidade Corporativa e a eventual integração neste âmbito desta política cultural de Arte Pública. Ao confrontar a abordagem da Responsabilidade Corporativa dos Centros Comerciais e a da Arte Pública encontram-se algumas semelhanças e oportunidades para se potenciarem mutuamente. Ambas detêm uma forte ação e função social e podem contribuir para a estruturação do nosso comportamento em sociedade. A Arte Pública parece-nos ser um meio adequado para a educação e sensibilização da comunidade, função que a Responsabilidade Corporativa não pode esquecer como forma de promover e fazer compreender todas as suas outras dimensões. No segundo capítulo realizamos uma reflexão sobre a realidade dos Centros Comerciais e a sua evolução em Portugal e na Europa, desde os anos 70, do século XX, até aos dias de hoje. Na análise da esfera dos Centros Comerciais, abor28

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damos a importância do espaço público dentro do Centro Comercial e a questão sociológica da utilização coletiva dos espaços comerciais. O capítulo terceiro consiste num enquadramento teórico dos conceitos e realidades investigadas, e numa análise prática das hipóteses desenvolvidas. Na abordagem da Arte Pública estudamos alguns dos especialistas da área como Malcolm Miles, Siah Armajani, Jürgen Habermas, Antoni Remesar e Javier Maderuelo. Refletimos sobre a questão fundamental da interseção da Arte e da Arquitetura, e de como estas se relacionam ou se sobrepõem. São analisados exemplos de Centros Comerciais que já integram obras de Arte Pública. Existem em Portugal, Espanha, Brasil e Estados Unidos da América alguns casos de Arte Pública integrada em espaços como Centros Comerciais. Se pensarmos no que já é realizado ao nível da Arte Pública em Centros Comerciais encontramos duas dimensões: 1. A Arte Pública integrada na Arquitetura de alguns dos melhores Centros Comerciais, enquanto objetos criadores de Lugares de Memória, como é o caso da Máquina a Vapor no NorteShopping; 2. ou tentativas de programação de Arte Pública como foi o Cowparade em 2006 no NorteShopping, o SmartParade em 2008 no ArrábidaShopping e como tenta ser o EggParade no GaiaShopping em 2009 e 2010. Estes últimos constituem exemplos de programas de Arte Pública, do ponto de vista conceptual, pouco (ou nada) estruturados, já que importados de forma standard da Arte Pública Global, sem considerar na sua conceção a Comunidade ou o Lugar, sendo a primeira chamada a envolver-se só depois de decidido e organizado o evento, nomeadamente as escolas. Detetou-se a necessidade de definir as premissas da progra29

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mação da Arte Pública para os espaços comerciais para que se organizem à medida das necessidades de cada comunidade local. Abordamos, ali, criticamente o caso do recente Centro Comercial MarShopping, em Matosinhos, onde se apresentam, logo à entrada, quatro esculturas da autoria de Paulo Neves, tapadas pelos espaços de exposição das cozinhas IKEA, fazendo com que percam o seu impacto de boas-vindas. No Brasil, o Centro Comercial Parque D. Pedro constitui um bom exemplo de integração de Arte Pública, apesar de ser uma aposta pontual e não uma programação contínua, através da exposição de esculturas no seu interior que foram realizadas a partir das raízes das figueiras existentes no terreno em que o Centro Comercial foi construído. O Aventura Mall, em Miami, é um bom exemplo de investimento em Arte Pública Contemporânea Internacional, pois está a adquirir uma coleção que vai expondo ao longo dos corredores do Centro, incluindo peças de artistas como Lawrence Weiner e Louise Bourgeois. Em Espanha, o Luz del Tajo, em Toledo, foi alvo de integração de peças de Arte de artistas locais. Estes exemplos ajudam a enquadrar o nosso trabalho, e mostram que a introdução de obras de Arte Pública nos espaços comerciais é uma tendência emergente e crescente. Percorrido este caminho de análise do terreno, preparava-se o caminho para desenhar a política de Arte Pública para Centros Comerciais. O quarto capítulo é dedicado ao estudo das comunidades e da sua relação com os Centros Comerciais. Abordamos ainda a questão dos Centros Comerciais caracterizados enquanto Não Lugares por Marc Auge, Vítor Tavares e Marta Traquino. Este capítulo termina com a Nova Arte Pública, mais dialógica que objectual ou performativa. Definida a política, procuramos definir também as linhas da sua aplicabilidade no quinto e último capítulo. Demonstramos como se poderá implementar a nossa política de Arte Pública 30

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numa empresa gestora de Centros Comerciais. Surge, assim, a parte prática deste estudo, momento em que defendemos a possibilidade de aplicar a participação cidadã a este projeto. Foram levantadas hipóteses sobre as diversas formas da Arte Pública – Performance, Efémera (Centros em Operação), Site Specific (Centros em Construção ou Renovação), entre outras, e o pretendido apoio a jovens artistas ou artistas não consagrados e eventuais ofertas a museus. A conclusão procura ilustrar o resultado deste caminho de investigação, as asserções a que nos levou e as questões que ficaram por responder. Finalmente, importa referir que, para nós, o ideário da Arte Pública constrói-se a partir do Manifesto de Siah Armajani para a Escultura Pública. Acreditamos que a Arte Pública eleva o espírito do lugar, e destina-se a ser apropriada por todos. Esta dissertação visa, pois, objetivos de aplicabilidade que só através da sua prática pode aferir a eficácia dos seus pressupostos. Será a sua aplicação na Sonae Sierra o garante da existência de material de estudo e investigação que permitirá continuar no futuro a conhecer melhor o fenómeno da Arte Pública no universo dos Centros Comerciais.

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Capítulo I Da responsabilidade cultural corporativa Um olhar através da economia e do mercado da arte e da cultura

Pretende-se enquadrar a Cultura enquanto prática e expressão da Responsabilidade Corporativa1. Apesar da Responsabilidade Cultural ser já uma realidade em alguns países, como por exemplo o Brasil, o Ambiente e o Social são os vetores mais desenvolvidos na literatura e nas empresas em Portugal. Analisaremos a hipótese de acrescentar à Responsabilidade Corporativa do mercado Imobiliário, nomeadamente dos Centros Comerciais – conceptualização, construção, promoção e gestão – práticas de um vetor cultural.

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Entenda-se Responsabilidade Corporativa como a ética e a sustentabilidade que os negócios devem ter, contudo os contornos da sua definição serão discutidos com maior detalhe no ponto 1.1. deste capítulo. 33

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1.1 Conceptualização de Política de Arte Pública para Centros Comerciais É objetivo desta dissertação apresentar uma Política de Arte Pública para implementação nos Centros Comerciais, como continuidade da expressão da sua Responsabilidade Corporativa. Os Centros Comerciais são um fenómeno de sucesso em Portugal. Neste contexto, muitas das empresas que representam este negócio já praticam ações no âmbito da responsabilidade ambiental e social, junto das partes interessadas – habitualmente designadas por stakeholders – constituídas pelos seus visitantes, fornecedores, colaboradores e comunidade local. Os Centros Comerciais são um veículo privilegiado como “palco” para as diferentes artes devido ao elevado número de visitantes que recebem. No âmbito da Política de Responsabilidade Corporativa, esta proposta de organizar uma Política de Arte Pública a implementar em Centros Comerciais vai além de ações de mecenato pontuais que as empresas deste setor já realizam. Assim se transforma a visão simplista do apoio à cultura enquanto forma de promoção comercial da marca numa relação mais profunda com a sociedade, que procura o desenvolvimento cultural trazendo uma enorme visibilidade à empresa e à Arte e Cultura portuguesas. Esta proposta será delineada com base na observação de empresas promotoras e gestoras de Centros Comerciais com negócios em Portugal. Contudo é uma proposta global e internacional, que pode ser exportada em qualquer momento. O processo de internacionalização crescente que caracteriza a maior parte destas empresas será um aspeto crucial na promoção dos artistas portugueses no mercado global. As obras podem, ou não, ser efetuadas por artistas locais, mas têm sempre que se adaptar e respeitar a comunidade. A taxa de sucesso e de apropriação da obra aumenta sempre 34

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que se escolhem artistas e/ou temas locais na criação da Arte Pública, mesmo que seja com uma equipa de não locais ou mista. Por outro lado, Portugal e o público português necessitam de formas inovadoras de estimular o interesse dos cidadãos pela cultura, e de produção artística que possa ser alvo de projeção e promoção internacional.

1.2 Definição e vetores A Responsabilidade Social significa mais do que cumprir a legislação em vigor, ou os contratos com funcionários, fornecedores e clientes. Para Peter Drucker2 a Responsabilidade Social é a área onde a empresa decide qual será o seu papel na sociedade, desenhando as suas metas de desempenho e influência junto das comunidades em que o seu negócio opera. Expressa-se através do desenvolvimento ambiental, social e cultural. Neste artigo focamos a Responsabilidade Cultural, definindo o seu conceito, importância e expressão nas empresas que querem ser líderes nos seus negócios. Sem Cultura de base, os indivíduos e as suas famílias não podem, enquanto trabalhadores, gestores ou patronato, exigir ou compreender as outras duas dimensões da Responsabilidade Corporativa ou Cidadania3 – social e ambiental – mais exploradas e desenvolvidas na nossa sociedade contemporânea. O nosso quotidiano é recheado de fatores humanos e culturais, de alta e baixa Cultura. Os fatores culturais e antropológicos, ou a falta deles, estruturam o nosso comportamento em sociedade e 2

Vd. DRUCKER, Peter F. – Administração de Organizações sem fins lucrativos: Principios e Práticas. São Paulo: Pioneira, 1997. 3 Na literatura brasileira consultada no âmbito da realização da presente dissertação o conceito da Responsabilidade Corporativa surge muitas vezes denominado como Cidadania. 35

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estão na base dos atos diários de cada um de nós. No vigésimo sétimo lugar dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos estão os direitos culturais: Artigo 27.º 1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam 2. Todos têm direito à proteção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.

Apesar de compreendermos a razão pela qual aparecem depois dos outros estarem enunciados, todos são interdependentes. Para se exigir ou usufruir dos Direitos civis ou políticos alguns fatores culturais têm que estar ativos na sociedade, como, por exemplo, o acesso à informação. O Diretor de Marketing da TV Cultural no Brasil, Leonardo Brant, apresentou um estudo sobre Responsabilidade Cultural onde se referem três paradigmas no apoio às Artes: o Mecenato, o Marketing Cultural e a Responsabilidade Cultural.4 O paradigma do Mecenato estabelece-se na relação direta entre o artista ou a instituição em causa e a empresa. Esta relação não é habitualmente mediada por qualquer tipo de agente cultural. Este foi o paradigma de apoio privado às Artes que se aplicou durante o século XX a artistas como Pollock, que viu a sua obra ser financiada e alavancada por Peggy Guggenheim. O Mecenato estabelece-se através de compras diretas das obras de arte ao artista, com o objetivo de manter a sua criação artística, ou através de apoios financeiros às instituições, visando a organização do acervo museológico. O ponto central é a obra de arte e o artista. O Mecenas é uma pessoa individual no papel de investidor, mas não tem uma 4

In http://www.ustream.tv/recorded/854464 (2010.02.23). 36

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estratégia desenvolvida. Responde habitualmente a emoções estéticas e de empatia com os artistas. Com o desenvolvimento da noção de marca, e da sua utilização pelo Marketing como ferramenta de comunicação e posicionamento de produtos, surge a noção de Marketing Cultural. Este conceito transforma a Cultura num produto promocional. O ponto central é a empresa e a sua marca que se quer posicionar num determinado mercado de clientes habituados a usufruir e consumir Arte e Cultura. A marca desempenha o papel de investidor. Faz parte da estratégia de comunicação da marca utilizar a Cultura para se posicionar em determinado mercado ou público-alvo. É através do patrocínio, enquanto troca comercial de serviços entre a marca e o agente cultural, que o Marketing Cultural se exprime. A Responsabilidade Cultural, não utiliza a Arte e a Cultura para fins meramente promocionais ou de comunicação. Permitindo a participação de toda a sociedade nos eventos, atos, fatores, performances culturais, sem abandonar a origem da Arte e os seus princípios, e sem a fazer adaptar-se à função de ferramenta de apoio ao Marketing, traz para o seio das sociedades formas de Arte e Cultura mais legíveis na receção pelo público. É o novo paradigma de utilização da sociedade na criação cultural, de um novo compromisso social que as empresas estabelecem numa política corporativa. Este compromisso relaciona-se com modos de vida e com a produção simbólica de valor. Esta dimensão investe na Arte tendo em vista o desenvolvimento da própria sociedade, e não o resultado económico. As empresas que integram a Arte e a Cultura na sua Politica Corporativa e de Cidadania atingem um elevado patamar de responsabilidades social e civil para com a sua comunidade. São empresas cidadãs que participam na construção de cidades e comunidades. Não “poluem os rios”, não só porque a lei não o permite, mas principalmente porque estão conscientes dos 37

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efeitos negativos que esse tipo de ações tem para a sociedade como um todo. Investem no setor cultural porque acreditam que, através dele, se pode construir uma sociedade com maior nível de cultura, conhecimento, informação, e, consequentemente, com maior e incontornável cidadania, ética e civismo. Importa ainda referir que a Responsabilidade Cultural promove a convergência entre a esfera privada e pública. O benefício da empresa excede a dimensão do privado e transfere-se para a dimensão pública, através da partilha de interesses com a comunidade. O investimento no mercado da cultura realizado por uma empresa cidadã não pode acontecer de forma esporádica. Deve ser planeado a longo prazo e não deve esperar retornos imediatos mas sim a construção de efeitos ao longo do tempo, uma vez que não se trata de investir num evento pertencente a uma estratégia de Marketing. Esta empresa cidadã dialoga com a comunidade que a rodeia, recebe dos cidadãos e ajuda a construir uma sociedade mais consciente, sensível, apurada e com maior acesso à informação. Este planeamento pode e deve ser feito de forma participada pela sociedade. Qual é, então, a contrapartida que a empresa recebe? E os agentes culturais? O maior impacto é o sociocultural. Estas ações promovem e ampliam as relações entre a empresa cidadã e a sociedade, constituída por funcionários e não funcionários, concorrentes e não concorrentes, clientes e não clientes, até aos fornecedores e não fornecedores. A atitude da empresa cidadã é uma atitude virada para a comunidade em que se insere. O ponto central é o funcionamento da sociedade e a responsabilidade dos agentes empresariais, e não a Arte ou o Artista. Quando se pretende medir o ganho que se obtém com o investimento da ação de Responsabilidade Cultural deixa-se de pensar em unidades de medida monetárias, habitualmente utilizadas para medir os resultados económicos, passando a olhar-se para os benefícios socioeconómicos. O relacionamento direto 38

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com a sociedade traz mais-valias às empresas pois estabelecem-se elos que transportam informação vital sobre as necessidades reais dos mercados, informação esta que não se pode mensurar em unidades monetárias. Leonardo Brant refere no seu estudo as sete dimensões que, na sua opinião, a Responsabilidade Cultural possui: 1. Os Direitos Culturais – a Responsabilidade Cultural vem garantir o acesso à informação e à cultura a mais pessoas, através da sua participação na cidadania e abertura no diálogo com a sociedade; 2. A Cidadania Cultural – criação da Cultura em conjunto com os cidadãos; 3. A Identidade Cultural – a sociedade contemporânea caracteriza-se por falta de identidade dos indivíduos, pelos fenómenos de massificação e globalização. A Arte Contemporânea e a Cultura, apesar de cada vez mais globais, garantem ao sujeito individual a preservação da sua própria identidade enquanto pertença de um povo ou nação. A comunidade e o indivíduo podem viver em conjunto os seus elementos culturais característicos, definindo assim uma identidade; 4. A autorrepresentação de um povo – a Cultura de um povo é o seu melhor cartão de visita e o povo tem a capacidade de se autorrepresentar através da sua Cultura; 5. O sincretismo – capacidade das comunidades e Culturas conviverem; 6. A Diversidade Cultural – as diversas Culturas existentes no mesmo ambiente social devem conseguir coabitar e conviver pacificamente; 7. Espiral Cultural – esta espiral surge através das cadeias de desenvolvimento da Cultura na sociedade contemporânea, com a constante entrada de novos agentes culturais e novas formas de Arte. Inclui-se aqui a gestão da 39

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Cultura de um povo, as políticas governamentais, entre outras ações de ampliação cultural. 8. Como se manifesta e organiza a expressão da Responsabilidade Cultural no mercado?

1.3 Estudo KEA e papel da responsabilidade cultural no mercado Em disciplinas como a economia e gestão cultural discute-se se faz sentido gerir o mercado da Arte e da Cultura sob as mesmas perspetivas e modelos económicos com que se analisam todos os outros. Será a Cultura capaz de sobreviver sem subvenções estatais? Qual o papel do investimento privado e do mecenato no contexto atual? Existe lugar para o mercantilismo no mercado cultural? Não existem fórmulas mágicas para ajudar a responder a estas questões, e acreditamos que a resposta estará numa solução mista entre mercado livre e apoio do Estado. Apesar da importância da Cultura para um povo ou nação, tende-se a dar-lhe maior importância quanto mais distantes temporalmente estamos dela. Ou seja, hoje em dia não se discute a importância que os Museus Etnográficos, de Arte Antiga ou, os Museus Naturais desempenham na formação e educação das populações. Por exemplo, através da Arte Egípcia podemos concluir quais os temas a que este povo dava maior importância, através da interpretação e leitura dos seus registos artísticos. Mas quando colocamos a hipótese de subsidiar ou não a Cultura através dos fundos públicos – mesmo sabendo que existem diversas carências atual para as gerações vindouras. Talvez o papel do investimento privado tenha maior relevância neste contexto contemporâneo. Em março de 2000, no Conselho Europeu em Lisboa acordou-se um objetivo bastante audaz: fazer da União Europeia em 2010 a economia mais competitiva e dinâmica, baseada 40

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no conhecimento do mundo, capaz de um crescimento económico sustentável com mais e melhores empregos e maior coesão social. Este compromisso levou Governos, Universidades e empresas a aplicar muitos recursos em I&D5. O papel do setor cultural e criativo é ainda ignorado nestes contextos, por falta de ferramentas estatísticas e informação devidamente compilada. Para muitos, a Arte é apenas matéria de entretenimento ou um elemento inspirador. Através da apresentação de medidas e números concretos, o estudo da KEA esclarece quanto é que o setor cultural contribui para o desenvolvimento económico e social da nossa sociedade contemporânea. Desse estudo escolhemos para análise a secção IV – The role of Public Suport and Sponsorship. Uma característica específica do setor cultural e criativo6 é a de beneficiar de apoio público ou ser administrado pela autoridade pública nacional. Esta intervenção do Estado no setor cultural, como financiador ou empregador, é uma tradição europeia. O estudo salienta que o apoio público é necessário enquanto demonstração do valor público do património ou obra. Apesar de, por tradição, não se “ousar” questionar publicamente o investimento no setor cultural, é sempre difícil para o mercado deixar de olhar para a Cultura como um problema económico. Contudo, para muitos governos na Europa, a Cultura ainda continua a ser vista como um setor não produtivo, que deveria ser isolada dos mecanismos do mercado, porque enriquece as pessoas, reflete o nosso passado e é constitutiva das nossas identidades. O estudo da KEA cita o Prof. Mark Moore, da Kennedy School of Government (Harvard), para apresentar os argumentos que nos levam a suportar financeiramente a nossa Cultura. Segundo este autor, os argumentos são os benefícios sociais, económicos e 5

Investigação e Desenvolvimento. O estudo da KEA define o setor cultural como a soma entre as artes criativas e as artes culturais. 6

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políticos da cultura, quer para os indivíduos quer para a comunidade. Defende ainda que, enquanto a gestão do setor privado visa criar valor para os seus acionistas e colaboradores, os objetivos dos gestores do setor público são menos evidentes. Para Moore, a função de um gestor público é procurar e criar oportunidades com “valor público”, ou seja, que respeitem os interesses públicos, indo ao encontro das necessidades e preocupações da comunidade. Deste diálogo podem resultar valores possíveis de catalogar em: valor público para os cidadãos, valor político e social para a comunidade e o valor económico para a indústria criativa. Quanto aos valores da Cultura que beneficiam a comunidade de cidadãos, o estudo da KEA identifica os seguintes: • acesso à Cultura, que promove um empowerment democrático; • acesso à Cultura, que promove educação; • um setor cultural forte; • participação e acesso ao setor cultural que reforçam a identidade e o sentido de pertença; • participação e acesso para todos reforçam a coesão social; • geração de externalidades positivas para toda a comunidade; • expectativa de alto retorno no investimento público em Cultura. O papel do mecenato e do patrocínio segundo o estudo KEA Enquanto os Patrocínios são parte de uma estratégia comercial e de marketing calculada com retornos quantificáveis, o Mecenato não se relaciona com lucros diretos, mas sim com uma imagem corporativa reforçada ou reposicionada. Segundo este estudo da KEA sobre a Economia da Cultura na Europa, o conceito de patrocínio cultural aparece na Europa dos anos 70. Começou no setor cultural e alargou-se a outros 42

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setores tal como o ambiente, o desporto, o social e o desenvolvimento local. Em 2000, e segundo dados do estudo da KEA, o Patrocínio e as contribuições feitas a instituições culturais situou-se entre 3 a 6 biliões de euros. As artes performativas são as mais apoiadas pelo setor privado, seguidas pelas artes visuais, teatro e património. Contrariando a tendência anterior do investimento em coleções de arte. É no Reino Unido que existe o maior valor de Patrocínios e doações culturais vindos do setor privado. O investimento nas artes culturais e criativas é estimulado pelo programa Arts & Business, estrutura criada pelo próprio governo. Os países nórdicos também têm grande tradição de apoio financeiro privado à cultura. Na Dinamarca as autoridades nacionais criaram uma associação – NYx Forum– cujo objetivo é promover o Patrocínio. Em França, a situação tem evoluído nos anos mais recentes. Os incentivos fiscais para o investimento empresarial viram o seu impacto duplicar. Em conclusão, o Patrocínio cultural privado cresceu nos últimos dez anos e os Governos encorajam as doações às Artes. A Kea considera países como a Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Holanda, referências nesta matéria.

1.4 Case study: Responsabilidade corporativa na Sonae Sierra Neste ponto decidimos estudar com maior pormenor a realidade da Sonae Sierra por ter sido dentro dela que nasceu a vontade de realizar uma Política de Arte Pública, que veio mais tarde dar origem ao tema desta dissertação. Trata-se de uma empresa líder na conceção, desenvolvimento e gestão de centros comerciais, com uma significativa projeção internacional e que tem a seguinte missão: 43

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A Sonae Sierra considera sua missão a criação de valor para os acionistas, através do negócio de centros comerciais, tomando simultaneamente em consideração as suas responsabilidades sociais para com outros stakeholders[7] importantes, bem como as suas responsabilidades ambientais.

A Sonae Sierra tem definida, desde janeiro de 2005, uma Política de Responsabilidade Corporativa. A cultura corporativa da Sonae Sierra está diretamente associada aos princípios da Responsabilidade Corporativa. Os seus valores fundamentais abrangem a independência política, bem a responsabilidade para com os colaboradores, a comunidade e o ambiente. A nossa política de Responsabilidade Corporativa estabelece compromissos económicos, sociais e ambientais específicos. A Sonae Sierra está ciente do inter-relacionamento entre a economia, a sociedade e o ambiente, e acredita que o seu sucesso empresarial a longo prazo depende de um desempenho excecional nestas três áreas. Neste sentido, a empresa reconhece que é necessária uma abordagem ponderada na condução dos negócios, realizável apenas mediante uma gestão prudente do risco e de uma atitude moderna na procura de novas oportunidades. O objetivo da Sonae Sierra é estar na linha da frente do setor em matéria de responsabilidade corporativa. A empresa está empenhada em desafiar sistematicamente o status quo, de modo a descobrir formas inovadoras e mais sustentáveis de promover e gerir os centros comerciais. Aspira a tornar-se uma organização em constante aprendizagem, avaliando o seu desempenho com base em normas exigentes, a fim de poder melhorar continuamente.

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Stakeholders são as partes interessadas no negócio: visitantes, colaboradores, fornecedores e comunidade local. 44

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A empresa pretende estabelecer e manter relações fortes e duradouras com os seus stakeholders, honrando sempre os seus compromissos e mantendo a sua reputação de consistência e excelência. A Sonae Sierra assume um papel pró-ativo na mudança da sociedade através de campanhas de educação e sensibilização, tirando partido da sua capacidade de comunicação com o público que visita os seus centros comerciais e de lazer. Esta política de Responsabilidade Corporativa mereceu a aprovação do Conselho de Administração e será implementada através da prossecução de metas e ações específicas de RC nas principais áreas de impacto. Esta política é acompanhada por outras políticas autónomas tanto para a área de Ambiente como para a área de Segurança e Saúde. Todas estas políticas serão documentadas, implementadas, mantidas e comunicadas a todos os colaboradores e stakeholders.

A Sonae Sierra deve sustentar o seu caminho para o vetor Cultural da Responsabilidade Corporativa através de um papel pró-ativo na mudança da sociedade, como indica no 5.º parágrafo da sua política supracitada. Da mensagem do anterior Presidente da Sonae Sierra, Álvaro Portela, destacamos o seguinte: 1. A nossa estratégia de RC continua a ter como principal objetivo melhorar o nosso desempenho nas 9 principais áreas de impacte da Empresa: Alterações Climáticas, Água, Resíduos, Uso do Solo, Fornecedores, Lojistas, Comunidades e Visitantes, Colaboradores e Segurança e Saúde (S&H). (…) 2. Definimos novos objetivos a longo prazo relativamente a áreas de impacte social, aproveitando as nossas atuais atividades para reforçar a colaboração com as comunidades locais onde operamos e para melhorar o nosso contributo através de iniciativas de voluntariado por parte dos nossos colaboradores, e procurando criar melhores condições de trabalho para estes. 45

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3. Ao pensarmos em 2009, estamos cientes de que, com o agravamento da atual crise económica, esperam-nos tempos muito difíceis. Porém, estamos convictos de que as questões de RC e de sustentabilidade serão cada vez mais importantes e que tanto os indivíduos como as organizações se aperceberão de que as suas atividades terão de contribuir para construir um futuro melhor para o nosso planeta. Embora nos estejamos a preparar para enfrentar a tempestade que se avizinha, continuaremos empenhados na nossa missão de criar valor para os nossos acionistas, através do negócio de centros comerciais, tendo simultaneamente em consideração as nossas responsabilidades sociais e ambientais.

A Sonae Sierra deseja comunicar com o seu público visitante criando relações que ultrapassam a vertente comercial e estabelecem pontes de comunicação. No ponto 1 (um) e 2 (dois) da mensagem, os valores da Responsabilidade Corporativa ficam clarificados. No ponto 3 (três) é-nos dada a noção temporal alargada tão importante na estratégia da Responsabilidade Cultural. Em entrevista ao jornal Vida Económica, edição de janeiro de 2009, o Eng.º Paulo Azevedo, Presidente do Grupo Sonae, adianta que o grupo económico que representa investiu mais de 11,1 milhões de euros em ações de responsabilidade social e sustentabilidade. Os objetivos a curto e médio prazo são de continuar a ouvir os stakeholders, a promover o diálogo para que as nossas atividades de negócio e também de responsabilidade social e ambiental sejam cada vez mais eficazes e de clara criação de valor para esta geração e para as gerações vindouras. Falta fazer crescer – com planeamento e não apenas com evidências pontuais – o vetor cultural no Grupo Sonae, nomeadamente na Sonae Sierra? Consideramos que a Sonae Sierra está num ponto ideal para desenhar ações que promovam a sua Responsabilidade Cultural. Nesta dissertação defendemos que a Arte, nomea46

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damente a Arte Pública, é o meio adequado para a educação e sensibilização da comunidade. Ao olharmos para a Arte Contemporânea percebemos que ela toca todos os temas importantes da contemporaneidade, todos os dilemas próprios de início de século. Os Artistas são os que mais questionam o mundo que os rodeia. À semelhança dos filósofos colocam questões através das suas atitudes e através dos objetos ou momentos de performance que produzem.

1.5 Proposta de conceptualização de Política de Arte Pública Com o desenho da política de Arte Pública pretendemos que esta estabeleça um compromisso perante os seus Stakeholders, no sentido de considerar os impactes visuais, estéticos, artísticos e culturais da implantação dos seus Centros Comerciais e de Lazer na comunidade local. Esta política estabelece como um dos seus objetivos a produção de Arte Pública na conceção de um Centro Comercial. Consideramos que não é vocação dos edifícios comerciais cumprirem a função de se apresentarem enquanto obra de Arte Arquitetónica. Esse papel cabe a edifícios institucionais – e não aos Centros Comerciais – onde Arquitetos não se limitam à Arquitetura e concebem edifícios que são, eles próprios, uma obra de arte. Damos como exemplo o Museu de Guggenheim, de Frank O’ Gehry, tantas vezes descrito como uma escultura e não como um edifício. Mas a vocação dos Centros Comerciais é servir comercial e culturalmente o cliente e as comunidades em que se inserem, e um posicionamento destes poderia colocar em questão a sua viabilidade económica. O objetivo maior da política de Arte Pública é enriquecer com Arte os edifícios com vocação comercial e aumentar assim o vetor cultural e de lazer. 47

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Apesar da vocação de um centro comercial ser diferente da de um museu, na sociedade contemporânea assiste-se ao fenómeno de aproximação entre estas duas realidades. Já existem novos conceitos de museu com estratégias de marketing e comunicação semelhantes às das empresas. Assistiremos no futuro a espaços comerciais animados com teatros improvisados, danças e performances contemporâneas de diversão e estímulo social? Assistiremos no futuro a espaços comerciais que servem de local para exposições de Arte Pública sem pagamento de bilhete? Esta dissertação apresentará no final uma proposta de política que justificará todas estas ações. Depois de implementada a Política de Arte Pública, facilmente se evolui para uma Política Cultural, que pode apoiar outras formas de fazer Arte Pública fora do espaço físico do Centro Comercial através de outras formas de Arte mais efémeras, como são alguns projetos artísticos comunitários contemporâneos. Para esclarecer o conceito de Comunidade tomemos como exemplo o seguinte parágrafo retirado do relatório da Sonae Sierra “Responsabilidade Corporativa Desempenho por país”, relativo a Portugal e à secção de Comunidades e Visitantes: Formular e implementar uma estratégia a longo prazo destinada a envolver o maior número possível e membros da comunidade local dos nossos Centros Comerciais, a fim de melhorar o bem-estar das nossas comunidades.

No parágrafo supracitado torna-se clara a distinção entre Comunidades e Visitantes. Tratam-se de duas realidades distintas que se intersetam. Não significa que realizar ações dentro do Centro Comercial tenha repercussão direta na Comunidade local. O “New Genre Public Art” defendido por Suzanne Lacy é a prova desta asserção. Esta artista trabalha com a comunidade sem recurso à produção objectual, estabelece relações 48

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e provoca o nascimento de relações e comportamentos que visam o encontro de identidades coletivas e individuais através das artes e dos comportamentos artísticos. Grant Kester chama-lhe processos comunitários ou dialógicos: Even as dialogical projects challenge the avant-garde tradition at some points, they parallel and complement it at others. Rather than posit a hierarchy between museum-based art and projects developed in non-art environments, it is more appropriate to think of these as two equally productive sites, each with its own appropriate strategies and potential compromises.8 Na nossa perspetiva o Marketing trabalha o visitante com a produção de eventos e a Responsabilidade Corporativa trabalha a Comunidade. A interseção destes dois mundos quando acontece é um ganho duplo, ou extra, para cada indivíduo.

8 Vd. KESTER, Grant – Conversation Pieces, Community + Communication in modern art. Califórnia: University of California Press, Ltd., 2004, p. 188.

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Capítulo II Do Centro Comercial A atividade social chamada comércio, por mal vista que esteja hoje pelos teoristas das sociedades impossíveis, é contudo um dos dois característicos distintivos das sociedades chamadas civilizadas. O outro característico distintivo é o que se denomina cultura. Entre o comércio e a cultura houve sempre uma relação íntima, ainda não bem explicada, mas observada por muitos. É, com efeito, notável que as sociedades que mais proeminentemente se destacaram na criação de valores culturais são as que mais proeminentemente se destacaram no exercício assíduo do comércio.1 Fernando Pessoa

2.1 Perspetivas sobre os Centros Comerciais Começamos este capítulo com uma breve retrospetiva sobre a realidade dos Centros Comerciais em Portugal. Tomamos como base da reflexão o seguinte artigo: Localização dos Centros 1

Vd. PESSOA, Fernando – A Essência do Comércio, Revista do Comércio e Contabilidade, 1926. 51

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Comerciais em Portugal: alguma evidência empírica, realizado por José António Ribeiro e José de Freitas Santos, em 2003, no âmbito do V Encontro de Economistas da Língua Portuguesa. O objetivo deste artigo é conhecer com algum detalhe as mudanças operadas nos padrões de localização destes empreendimentos, ao mesmo tempo que se vai dando conta da crescente importância do fenómeno, não só em termos sociais, mas também do ponto de vista da modernização do comércio português. Os autores dividem a história do fenómeno dos Centros Comerciais em três momentos: década de 70, 80 e 90. Relativamente à década de 70, eles referem o aparecimento dos primeiros exemplos de Centros Comerciais concentrados em Lisboa e Porto. Com tipologias variadas e lógicas de localização diversas, os centros comerciais provocam focos de centralidade, trazem a cidade para os subúrbios e participam na renovação dos centros urbanos. Estes primeiros crescem a um ritmo lento e não possuem uma gestão centralizada. Na opinião destes autores, é a partir dos anos 80 que surge a expansão deste fenómeno. Procuram-se localizações como as capitais de distrito do litoral e verifica-se a entrada no negócio de grandes grupos de distribuição alimentar estrangeiros, associados a grupos nacionais. Também é nesta época que se concebe a ideia de loja Âncora – loja que pela sua dimensão e atracão garante ao projeto parte da sua rentabilidade2. Os autores identificam quatro formas distintas de localização dos centros Comerciais nos anos 80: 1. no centro de novas urbanizações citadinas – despidas de malha comercial; 2. na periferia – de forma progressiva esta localização começa a despertar para o fenómeno e transforma-se no centro de bairros comerciais e sociais; 2

São exemplos de lojas âncoras nos dias de hoje: Zara, H&M, C&A, Lusomundo, Continente, entre outros. 52

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3. em centros de comércio de bairro e nas artérias secundárias – servindo para aumentar o poder de atração destas zonas; 4. nos centros das cidades integrando projetos de reabilitação urbana. A terceira fase de desenvolvimento do fenómeno dos Centros Comerciais acontece na década de 90. As principais características dos novos Centros Comerciais são ancorarem-se em grandes superfícies de predominância alimentar, e a melhoria substancial da qualidade arquitetónica, urbanística e comercial. A sua localização expande-se a outros aglomerados urbanos além de Lisboa e Porto, nomeadamente zonas urbanas do litoral como Coimbra, Guimarães, Portimão, Albufeira, Braga, Aveiro, Viseu e Leiria. Estes empreendimentos desempenharam um papel fundamental na metamorfose da paisagem urbana portuguesa e na configuração dos hábitos de consumo da população. Considerando que este estudo foi realizado em 2003, e que nos encontramos a escrever uma dissertação em 2010, de seguida tentamos descrever mais uma década de operação com base noutros artigos publicados sobre este fenómeno e o seu contínuo sucesso que se expande ao século XXI. Perhaps the beginning of the twenty-first century will be remembered as the point where the urban could no longer be understood without shopping.3

José Romano, que assina o editorial e o artigo Centros Comerciais na edição n.º 8 da revista Arquitetura 21, publi3 Vd. Chuihua Judy CHUNG; Jeffrey INABA; Rem KOOLHAAS; Sze Tsung LEONG – Project on the City 2 – Harvard Design School Guide to Shopping. Koln-LondonMadrid-NY-Paris-Tokyo: Taschen, 2001. Apud GRAÇA, Miguel Silva – O admirável mundo novo do consumo e as suas catedrais. Revista Arquitetura 21, publicada em novembro/dezembro de 2009.

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cada em novembro/dezembro de 2009, apresenta uma caracterização do fenómeno dos Centros Comerciais nos dias de hoje. Romano começa por fazer algum enquadramento histórico da chegada deste fenómeno a Portugal na década de 80, com a adesão do país à então Comunidade Económica Europeia. Portugal então um país pobre, rural e profundamente iletrado, acabado de sair de um processo revolucionário (…) aderia ao espaço político e económico mais próspero e civilizado do planeta. Este autor refere que com a abertura das portas ao consumo, ao acesso aos créditos, facilitados com juros mais baixos, e à redução de preços face à concorrência os portugueses aprendem a gostar de consumir. Acrescenta ainda o comércio de rua desgastado e desatualizado, a deslocação das populações para a periferia e o aparecimento do fenómeno de Centros Comerciais nestas novas zonas, como fatores que proporcionaram o seu sucesso. É neste contexto que surge o primeiro grande centro comercial urbano do país – as Amoreiras, desenhado pelo Arquiteto Tomás Taveira – e a Sonae instala as suas primeiras grandes superfícies da distribuição nas periferias das principais cidades. Este investimento por parte dos promotores imobiliários vem trazer uma profunda mudança nos hábitos de consumo dos portugueses e consequentemente da forma e dos espaços onde o fazem. Mais do que ser moda, bonito ou ter muitas lojas, para José Romano o segredo do sucesso dos Centros Comerciais é o modelo de gestão integrada do espaço, que ainda hoje existe. Modelo esse que garante que o espaço esteja sempre limpo, seguro e disponível para visitar. Este autor chega a sugerir que as Câmaras Municipais reajam contra a desertificação dos centros urbanos seguindo o exemplo destes modelos de gestão integrada do espaço, utilizados em espaços privados de utilização pública, como são os Centros Comerciais. Na mesma publicação supracitada, Miguel Silva Graça apresenta-nos o seu depoimento no artigo O admirável mundo 54

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novo do consumo e as suas catedrais. Neste artigo o autor começa por realizar um enquadramento histórico e sociológico do fenómeno dos Centros Comerciais. Na sua opinião, na segunda metade do século XX, o consumo assume-se como um dos interesses centrais da vida contemporânea. Os centros comerciais posicionam-se como locais onde é possível viver intensamente as experiências do consumo e da urbanidade. Mais do que um objeto, compra-se o atendimento, o estacionamento fácil ou gratuito, as temperaturas amenas, os percursos e os momentos de lazer. A experiência de adquirir, torna-se tão ou mais importante do que os próprios produtos adquiridos. Para caracterizar o nível de experiência de visita aos Centros Comerciais, Miguel Silva Graça identifica diferentes dimensões de acordo com o que se disponibiliza no espaço público de um Centro Comercial: • Caracterizam a primeira dimensão as infraestruturas mais básicas, das quais fazem parte os sanitários, os fraldários, os Multibancos, os telefones, a assistência de primeiros socorros, o estacionamento, entre outros; • O ócio e o lazer surgem como a segunda dimensão integrada nas áreas de restauração, nas zonas de descanso e convívio, nos arranjos paisagísticos, nas diversões para crianças e nos Healthclubs; • A terceira dimensão surge quando há ofertas ligadas à esfera cultural: além dos cinemas surgem filiais de museus, livrarias, galerias de arte, ou até exposições de carácter diverso, feiras de alfarrabistas e antiguidades, workshops de expressão plástica, aulas de cozinha e provas de vinho, desfiles de moda ou espetáculos de música e dança. • Apresenta na quarta dimensão os serviços dirigidos aos cidadãos habitualmente designados por Lojas do cidadão.

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Nas ruas e praças dos Centros Comerciais surgem campanhas de divulgação e sensibilização para questões ambientais, de saúde pública, hábitos de leitura e proteção civil. Aqui reside uma clara mudança de paradigma. Segundo este autor é a intensidade de serviços e a densidade do equipamento que os faz ser aceites pelo público, face à capacidade de outros espaços públicos tradicionais. Como se de uma cidade depurada e destilada se tratasse, o centro comercial concentra num espaço delimitado, apenas e nada mais do que o necessário e suficiente à realização da “arte ilusória da escolha”4. Intensidade e variedade comercial, acompanhada de uma ampla gama de comodidades, será no fundo o denominador comum destes espaços onde a busca da evasão e da diversão se faz através da via redentora do consumo.5 Mas não é apenas o consumo o motor da visita aos centros comerciais. Miguel Silva Graça diz que as famílias procuram também a oportunidade de um lazer intergeracional em segurança. O que presenciamos nestes espaços que oscilam entre a propriedade privada e o uso coletivo, não são mais do que mundos construídos à medida dos seus utilizadores. Pequenas simulações de mundos perfeitos onde não tem lugar o imprevisto, onde tudo está sinalizado e organizado, onde o ambiente e a temperatura estão controlados, onde os comportamentos estão normalizados e no qual as pessoas se sentem seguras. Os Centros Comerciais apelam à construção de um sonho coletivo. São simulações afinadas e otimizadas do edificado espaço público urbano tradicional.6 Para Miguel Silva Graça, o tipo de visitante que vai ao Centro Comercial mais para passear do 4

SPEARIT, Peter – I Shop therefore I am. [S.l.:s.n.], 1994. Apud JOHNSON, Louise – Suburban Dreaming Geelong. Victoria:Deaking University Press, [s.d.] pp. 129-140. Apud GRAÇA, Miguel Silva – O admirável mundo novo do consumo e as suas catedrais, revista Arquitetura 21, publicada em novembro/dezembro de 2009. 5 Graça, Miguel Silva – Op. cit., p. 28. 6 Vd. IDEM, Ibidem p. 29. 56

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Gráfico 1. Evolução anual da Área Bruta Locável por m2 representada pela APCC Crescimento do setor por ano (1970-2008)

2008

2006

2004

2002

2000

1998

1996

1994

1992

1990

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1985

1980

1973

1970

450 000 400 000 350 000 300 000 250 000 200 000 150 000 100 000 50 000 0

Fonte/Source: APCC 2008

que para comprar, revisita o conceito de flanêur de Baudelaire, na obra O Pintor da Vida Moderna. Para o autor, este visitante é o “flanêur contemporâneo”, que se dirige ao centro comercial não necessariamente para comprar, mas para “sentir o ambiente”, para ver “o movimento”, para interagir com a realidade.7 Sobre o crescimento económico dos Centros Comerciais, o artigo refere ainda que, em 2008, o rácio da Área Bruta Locável8 por cada 1000 habitantes atingiu limites na ordem dos 195m2, na Europa. A exceção a esta média, situando-se acima, é os países do Norte da Europa e a Península Ibérica. Apesar de estarmos a atravessar uma época caracterizada por uma conjuntura económica muito desfavorável, prevê-se que a evolução deste crescimento seja positiva, apesar de mais lenta. Veja-se no gráfico supra a evolução anual da Área Bruta Locável (ABL) em Portugal. 7

SAVAGE, Mike; WARDE, Alan (1993) – Urban Sociology, Capitalism and Modernity. Londres: Macmillan Press. Apud GRAÇA, Miguel Silva, Op. cit. 8 Ver Lei n.º 12/2004 de 30 de março de 2004, DR 76 – SÉRIE I-A Emitido Por Assembleia da República no CAPÍTULO I – Disposições gerais, Artigo 3.º – Definições, alínea l) “Área bruta locável (ABL)” a área que produz rendimento no conjunto comercial (arrendada ou vendida), afeta aos estabelecimentos de comércio. Inclui a área de venda bem como os espaços de armazenagem e escritórios afetos aos estabelecimentos; 57

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Numa altura, em que estes espaços privados ganham intensos usos coletivos, abre-se um novo panorama perante a afirmação crescente destas tipologias híbridas, interessando refletir não apenas sobre a sua evolução futura, mas também sobre a possibilidade da sua validade enquanto espaços potenciais de socialização da cidade.9 Ficamos protegidos da própria urbanidade quando estamos dentro de um Centro Comercial. Como se só as características positivas da urbe fossem coladas neste simulacro. Mas também existem algumas críticas a este fenómeno, como acontece com todos os fenómenos de muito sucesso. Além das críticas sobre o estímulo de um estilo de vida muito consumista, os próprios consumidores apresentam críticas quando questionados. Segundo artigo publicado no site da Universia-Knowledge de Wharton10, Será que os grandes Shopping dos EUA perderam o encanto?, de 2009, e de acordo com pesquisa desta instituição, os consumidores de Centros Comerciais criticam a sua previsibilidade, mau serviço ao cliente nas lojas, problemas em estacionar e em orientarem-se dentro do edifício. Stephen Hoch, professor de Marketing da Wharton, refere: As pessoas têm hoje muita prática de shopping. Não que eles não tenham nada de novo, mas a questão é que as pessoas esperam muito mais deles (…) são as mesmas lojas que já vimos milhões de vezes, e que se multiplicam cada vez mais. Hoch prevê que no fim desta recessão do início do século XXI, cerca de 10% dos equipamentos comerciais tenham fechado por má performance. Como os reprogramar? Os pesquisadores do Projeto de Retalho Baker e do The Verde Grupo entrevistaram 900 consumidores entre outubro e novembro de 2008, e concluíram que o consumidor típico percorre 37 km para lá chegar, e visita, em média, cinco lojas. 9

GRAÇA, Miguel Silva – Op. cit., p. 35. In http://www.wharton.universia.net (2010.02.14;12h)

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Um terço gasta entre duas a três horas e 90% compra pelo menos um objeto, sendo que a maioria gasta em média 150$. O topo das escolhas é o setor do vestuário. Descobriram também que as mulheres se queixam da falta de eventos especiais. Paula Courtney, CEO do The Verde Group11, afirma que os Shoppings deveriam trabalhar com eventos de carácter mais comunitário, levando em conta o perfil demográfico da região onde se acha localizado. Neste inquérito foi sugerido que os Centros Comerciais criassem programas mais educativos, divertidos e que respeitassem o ambiente. Hoch termina dizendo que os Shoppings precisam descobrir o que fazer, porque haverá cada vez mais espaços vazios à medida que as redes forem fechando suas lojas menos rentáveis. Haverá muito espaço vazio no shopping. Esse é um motivo a mais de preocupação, porque pode dar a impressão de abandono. Mas se não restam dúvidas a Miguel Silva Graça que os Centros Comerciais constroem quotidianos paralelos, que esboçam novas vivências e novos hábitos culturais e urbanos, também é um facto que o consumo é hoje uma forma de construir a própria identidade individual e a integração social. A forma como as cidades crescem e evoluem está intimamente ligada ao crescimento do fenómeno do consumo. Miguel Silva Graça deixa-nos a seguinte questão: com a crescente influência da esfera do consumo, a vida urbana ainda precisa indispensavelmente do espaço público para existir? Acreditamos que sim. E acreditamos ainda que o Centro Comercial possui o seu próprio espaço público, apesar de simulado. Poderíamos denominá-lo como um “novo género de espaço público”, uma extensão mais controlada do espaço público da urbe, como características, ao mesmo tempo, semelhantes e diferenciadoras desta. 11 In http://verdegroup.ca/default.asp (13.02.2010; 10h) About Us: Unlike customer satisfaction strategy and research firms, The Verde Group specializes in helping companies measure the cost of customer dissatisfaction, prioritize the issues based on ROI, and quickly fix them for improved retention and profitability.

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2.2 O Centro Comercial e a sua esfera pública Antoni Remesar refere o Centro Comercial como um espaço de utilização coletiva onde a Arte Pública pode ser integrada e encontrada.12 Nesta perspetiva, já referimos que para adjetivar a sua esfera pública, se considera o tipo de utilização do espaço e não a natureza da sua propriedade. Mas devemos ir um pouco mais além: existe uma dimensão de esfera pública dentro de um Centro Comercial? Nós pensamos que sim. A esfera pública, como a define Habermas13, mais do que o espaço ou a sua utilização pública, é uma esfera de partilha e interação, uma esfera de pertença e de identidade coletivamente construída. Ao observar o comportamento dos visitantes de um Centro Comercial percebemos que estão pouco à vontade, ainda mais constrangidos do que se estivessem nas ruas das suas cidades. No Centro Comercial tudo tende a ser perfeito. Habitualmente não há pressas, há espaço de circulação, e ao descer ou subir as escadas rolantes todos se veem. Existem olhares entre clientes, partilhas dentro dos restaurantes, desavenças nos parques de estacionamento. Há uma esfera pública dentro do Centro Comercial. Existe uma dimensão de reclamações de quem se preocupa com o seu bem-estar e o dos outros, e sabem que alguém está do outro lado a analisar os seus inputs. Existem salas de primeiros socorros, socorristas, chamadas de ambulâncias e aguarda-se a chegada dos des12 “Public art is under question. Taking art out of the galleries and into the public domain is not necessarily a straightforward step.Public art can involve a variety of public places: • parks in the city but too natural parks • libraries • hospitals • streets • housing estates • public buildings • shopping centres ...that is to say, anywhere where people live, work or take their leisure.” In REMESAR, Antoni – Urban Regeneration, A Challenge for Public Art. Barcelona: A. Remesar (ed) Publicacions de la Universitat de Barcelona, 2005, p. 7. 13 Vd. definição de esfera pública por Habermas na página 41, Capítulo III desta dissertação.

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fibrilhadores. Existem comunidades e estreitas relações com entidades locais. Existe opinião pública e comportamentos de grupo enquanto comunidade. Somos clientes deste ou daquele centro porque nos identificamos com a sua imagem e com o ambiente que nele se vive. Podemos ser clientes de mais do que um, mas existe quase sempre um Centro Comercial Top of Mind, o primeiro que nos ocorre, a nossa primeira escolha. No estudo Modeling Consumer Perception of Public Space in Shopping Centers14 os seus autores – Harmen Oppewal e Harry Timmermans – defendem a proeminência do Espaço Público do Centro Comercial, nomeadamente os corredores, em detrimento das lojas. Este artigo apresenta um estudo, realizado em vários Centros Comerciais, sobre os efeitos que o design e a gestão de atributos têm na avaliação que o consumidor faz sobre a atmosfera do espaço público dos Centros. Por gestão de atributos os autores entendem: nível de manutenção do espaço, áreas pedonais, exposição das vitrinas, layout das ruas e o tipo de atividades que nelas se encontram. A maior dificuldade deste estudo é, segundo os seus autores, prever de que forma os consumidores irão percecionar o formato e design do Centro Comercial no seu conjunto. O objetivo do artigo é ilustrar a utilidade de uma abordagem sobre os atributos, associados em conjuntos para medir a sua influência relativa no processo percetivo. Timmerman, em 1982, realizou um estudo através do qual concluiu que a importância da aparência, a atmosfera e o layout físico, 14

Vd. OPPEWAL, Harmen; TIMMERMANS, Harry, – Environment and Behaviour. [S.l.] : SAGE Publications, 1999. Harmen Oppewal is assistant professor in the Department of Urban Planning of the Eindhoven University Technology, the Netherlands, and senior lecturer at the Department of Marketing of the University of Sydney, Australia. His research interest focuses on modeling human decision making in retailing, urban planning, and transportation. Harry Timmermans is chaired professor of urban planning at the Eindhoven University of Technology, the Netherlands. His research interest include modeling consumer preferences and choice behaviour, and decision support systems in a variety of application contexts. 61

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eram os 3.ºs e 4.ºs atributos mais utilizados para distinguir Centros Comerciais na Holanda. Esta informação é preciosa para quem desenvolve e gere os Centros Comerciais, especialmente em momentos de renovação e restruturação. Com base nas leituras realizadas, estes autores definem os seguintes atributos como indicadores de medida para a perceção do público sobre a aparência e design do espaço público dos Centros Comerciais: 1. Capacidade de compactação do espaço – significa não ter de caminhar muito para chegar aos locais que se pretende; 2. Proporção da área do Centro Comercial reservada à circulação dos visitantes – quanto representa o espaço público na área total; 3. Quantidade de espaços congestionados – que criam filas e dificuldades de circulação; 4. Decoração e mobiliário na área do Centro Comercial; 5. Manutenção; 6. Proporção de bonitas fachadas com boas vitrinas; 7. Número de atividades nas ruas; 8. Número de lojas ou quiosques de café; 9. Quantidade de espaços verdes – jardins e ou plantas; 10. Proporção e distribuição das áreas interiores do Centro Comercial. A estes atributos acrescentaram três variáveis relacionadas com o tenant-mix, conjunto de lojas e atividades comerciais que o Centro Comercial oferece aos seus clientes. Os autores realizaram diversas entrevistas à população da cidade de Maastricht e identificaram 29 Centros Comerciais para aplicar o seu questionário. Como resultado do estudo concluem que os atributos do Espaço Público dos Centros Comerciais mais votados são: o nível de manutenção percebido pelo cliente, o 62

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poder de atração das montras, o número de atividades que decorrem no espaço público do Centro e ainda a quantidade de jardins e espaços verdes. Este estudo aponta também a área reservada à circulação dos visitantes e a extensão do interior do Centro como atributos importantes na avaliação do espaço público por quem visita os Centros Comerciais. Apesar destas conclusões datarem de 1999, elas são ainda muito atuais e ajudam-nos a perceber que a Arte Pública, além de ter que ser vizinha da Arquitetura do Centro Comercial, não poderá ocupar, visual nem fisicamente, uma grande proporção do seu espaço público. Veja-se o bom exemplo da intervenção do artista Lawrence Weiner no Centro Comercial The Aventura Mall, localizado em Miami.15 Como conclusão, os autores do estudo referem que o número de atividades realizadas nos espaços de circulação do Espaço Público do Centro Comercial é também significativo. A Arte Pública num Centro Comercial, deve ser a mais interativa possível, para suscitar interesse nos seus visitantes e funcionar como animação e ativação dos espaços de passagem. Por se tratar de atividade artística existem outros “espaços” a ativar, como por exemplo a memória e a atenção dos visitantes. Condição muito importante e significativa neste 15 A imagem deste trabalho poderá ser vista na rubrica Arts program do site do Centro Comercial Aventura – http://www.turnberryforthearts.com/artist/current-artist/6-lawrence-weiner.html O nome da obra de Arte é “ACQUIRED REQUIRED DESIRED ADMIRED | ALL WITHIN THE REALM OF | POSSIBILITY” de 2007. Lawrence Weiner is one of the central figures of conceptual art whose work challenges traditional assumptions about the nature of the art object. In this site-specific commission, Weiner points to the actions and materials that people use everyday; each beam in the work expressing a shift in mood and intention, and representing another stage in the equation that Weiner has set up. In describing the installation in a recent interview he noted, “It’s a matter (of) how we give value to things. Everything that can be admired is within the realm of possibility.”

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estudo é o facto de as pessoas gostarem de jardins. Como a Arte Pública vive também no exterior, ela pode integrar-se facilmente nas paisagens verdes envolventes dos Centros Comerciais. Em conclusão, pelo facto de os entrevistados terem demonstrado maior apreço por locais não congestionados, devemos ter atenção à gestão das multidões quando concebermos uma atividade artística nos corredores de circulação pública dos Centros Comerciais.

2.3 Dimensão estética e espaço expositivo do Centro Comercial O Centro Comercial e a sua dimensão estética Pode parecer estranha a preocupação com a dimensão estética de um Centro Comercial.16 Haverá quem questione: Que estética? Nesta dissertação testa-se a hipótese de acrescentar valor social ao projeto empresarial da conceção e construção de centros comerciais, através da incorporação de obras de arte pública nos edifícios, e ainda da animação ou ativação dos espaços comuns através da arte. Chegou a altura de versar a estética. O que é de facto a estética? Existe dimensão estética num centro comercial? Se sim, onde se situa ela? No ambiente criado? Nas montras das lojas? Na moda que essas montras ditam? São estas e outras questões que se tentam responder. Pode ler-se na publicação da Sonae Sierra que: Este é um tipo de equipamento onde se investe fortemente e tem de ser obrigatoriamente bem-sucedido. Esta realidade está perma16 Da mesma forma que os estádios de Futebol eram vistos como obras essencialmente de engenharia e depois de 2004, com a intervenção de Arquitetos de renome como Eduardo Souto Moura esse paradigma foi alterado, o mesmo pode acontecer com os Centros Comerciais. Ver Espacio Buenavista em Oviedo, Espanha, por Santiago Calatrava.

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nentemente presente ao longo de todo o processo arquitetónico, levando a soluções de rigor, incompatíveis com caprichos de ordem meramente formal. Eis o lado não poético do mundo dos negócios! Acrescentam ainda que: Apesar das nossas preocupações básicas no desenho de cada centro comercial, é muito difícil de quantificar a influência desse mesmo desenho por si só na performance individual de cada centro. Não é possível fisicamente fazer simulações que permitam perceber se a opção por um outro tipo de desenho tornaria um centro mais apreciado. A introdução do conceito de génio do lugar no parágrafo seguinte revela-nos a elevada sensibilidade desta Gestão de Topo para a subjetividade. Vejamos: Cada um dos Centros só faz sentido no espaço em que foi erguido, entendendo-se a palavra espaço na sua forma mais lata: geográfica, histórica, demográfica, urbana. E é a capacidade de entender a essência de cada lugar, aquilo a que os romanos, na sua sabedoria, designaram como genius loci, que, em última instância, faz a especificidade dos projetos concretizados. Com um número sempre crescente de visitas, os Centros Comerciais são um veículo privilegiado como palco de artes que se pretende que seja usufruído pelo maior número possível de visitantes. Mais uma vez se reitera que não é vocação desta dissertação legitimar o fenómeno dos centros comerciais. Pretende-se testar a hipótese de cruzar o mundo dos Centros Comerciais com o mundo da Cultura e da Arte. Nomeadamente através de uma política que utilize a Arte Pública – por ser a mais adequada – para fazer chegar a Arte aos milhares de visitantes consumidores de Centros Comerciais. Diz o Arquiteto José Fonseca Quintela que os seus Centros Comerciais não são obras de autor, são antes fruto de um extenso trabalho de equipas pluridisciplinares que cruzam os seus conhecimentos com vista a uma otimização do produto final, tornando a conceção destes projetos muito pouco ortodoxa do ponto de vista da praxis arquitetónica tradicional. Várias equipas de design, com for65

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mação e origens geográficas distintas, trabalham em conjunto e desenvolvem diálogos fundamentais. Irá ser testada a hipótese de, acrescentando a esta equipa pluridisciplinar um ou vários artistas, se criar obras de arte integradas e que essa Arte permita criar lugares, dando aos cidadãos que os visitam os elos de identidade que precisam e procuram. Ou seja, a Arte como forma de alimentar o espírito e de fomentar uma identidade, transformando os Centros Comerciais em “Lugares para estar” e em locais de encontro com substância e subjetividade. Luc Ferry, na sua obra Homo Aestheticus – A Invenção do Gosto na Era Democrática diz-nos que a rutura entre a antiguidade e o modernismo se explica pelo seguinte: Já não é porque o objeto é intrinsecamente belo que agrada, mas, no limite, porque proporciona um certo tipo de prazer a que se chama Belo. Um Centro Comercial é Belo ou prazenteiro? E pode ser as duas coisas? Pode ler-se sobre o centro Vasco da Gama, numa publicação da sua promotora de 1997, que o jogo de sedução ao visitante começa nas fachadas magníficas que nos transportam para um mundo imaginário, passando pela sofisticação e festividade dos seus interiores, onde toda uma panóplia de luzes, cores, formas e simbologias é intensamente estudada e desenhada e finaliza na conquista do apreço de todos aqueles que o visitam. A forte ligação entre a temática e o espaço comercial é o que possibilita conquistar um elemento definidor do espírito do mesmo (…). Avaliemos se da dimensão estética de um centro comercial recebemos o bem e/ou mal-estar de frequentar um local como este. Não basta simular a urbe, há que lhe acrescentar algum espírito de lugar. O Arquiteto José Fonseca Quintela fala de Desenho e não especificamente de Arquitetura; fala de como os arquitetos têm que se relacionar com todas as outras disciplinas do Desenho (luminotecnia, o paisagismo, o grafismo, a cenogra66

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fia e a sinalética). Pensamos que, pela sua importância, o texto se deva transcrever na íntegra, como se segue: A Educação do Arquiteto e a estetização generalizada da nossa envolvente imediata (julgamos as coisas pela sua aparência visível e imediatamente percebível, fazendo benchmarketing com formas e estilos socialmente aprovados), reforçada pelos media que daí tiram largos benefícios através da criação de ídolos que fazem notícia e constroem opinião, leva a maioria dos arquitetos a considerarem-se artistas. Ora, está na natureza do processo estético que o utilizador nunca seja consultado, o que dá à priori liberdades ao artista para exprimir as suas convicções num processo que só fomenta uma postura individualista, egocêntrica e ignorante no que de desprezo tem pelas realidades básicas que constituem o sistema de valores em que a sociedade se baseia. Este posicionamento de rebelião é fundamental para a evolução da fenomenologia artística, mas, dado o elevado risco e o total divórcio com a realidade, não é compatível com a conceção de um centro comercial. (…) talvez por isso nunca se veem os “grandes nomes” da arquitetura ligados aos mesmos…

E além da Arquitetura? Onde existe mais dimensão estética? Importa recordar que, tal como no espaço público citadino, os revestimentos e o recheio dos Centros Comerciais, pelo seu desenho e conceção plástica, denotam um dado gosto e veiculam uma determinada estética, desde o mobiliário, ao desenho dos gradeamentos, aos placards, aos candeeiros, aos bancos, às papeleiras, aos espaços de repouso, e evidentemente toda a paleta de cores e de padrões escolhidos para preencher todos os revestimentos – o desenho do chão e das paredes. Pensemos no ambiente criado dentro de um centro comercial. Não nos restam dúvidas quanto à sua estetização, à forma pensada de tudo o que nos rodeia. Ali nada acontece ao acaso, como na Natureza. A nossa sociedade contemporâ67

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nea já é tão estetizada que se rege mais pela forma das coisas, e menos pelo seu conteúdo. Qual o conteúdo de um centro comercial? As lojas! Resposta perentória! E verdadeira, evidentemente. Mas quem tem experiência de desenho de centros comerciais já consegue perceber que há muito mais além de lojas dentro de um centro comercial, e que também contribui de forma eficaz, mas difícil de medir, para o seu sucesso. O primeiro conteúdo que é dado aos centros comerciais é a sua própria forma: planta do centro, desenho no papel, a sua configuração de acordo com o terreno. O que aparentemente seria facilmente reprodutível, não o é, face às dimensões do projeto, às características do solo e à forma como ele pode ser utilizado, tendo em conta o objetivo de criar o menor impacto, caso a caso, na Natureza. Se este conceito pudesse ser aplicado bastaria copiar o desenho do centro com maior sucesso e aplicá-lo em qualquer região. Isso não acontece devido a um certo aqui e agora do local, o seu Genius Loci, que é para nós o segundo tipo de conteúdo que se transforma em forma na concretização da decoração e design do centro. Todos os projetos são únicos e irrepetíveis em planta, são desenhados de acordo com as possibilidades do terreno e a forma estética que se lhes dá procura acrescentar valor ao negócio. Através da ligação à comunidade local, à terra, aos costumes, ao micro cosmos que o rodeia. A procura da apropriação pelo seu público é um fator-chave de sucesso. Os Centros Comerciais apresentam elementos distintivos que ligam o seu sentido funcional – a oferta de comércio via abertura de lojas – a um carácter marcadamente estético. Eles constituem uma forma de arte industrial, não desprovida de singularidade inicial, não reprodutível, mas de onde não se espera encontrar inicialmente um contexto “artístico”, pois não foi feito com essa intenção. Com a introdução de obras de arte nos Centros Comerciais, nasce um novo significado além do seu desenho. Potencia-se 68

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o conteúdo já existente na forma do Centro Comercial, bem como a receção que o público faz do local. Não só se potencia a dimensão estética já existente – a sua imagem – como se potenciam também novos significados. Como podemos ler no artigo Uma nova arquitetura17, o francês Bernard Jean Kaplan18, presidente da Shopping Center Promoções19, defende o conceito de Shopping Contemporâneo como aquele que além de oferecer cinema, teatro, livraria e loja de discos, oferece também a promoção de encontros, seminários e outros eventos culturais e de entretenimento. A Arquitetura também é afetada por esta contemporaneidade, e, segundo ele, arquitetos e engenheiros deveriam fazer equipa com psicólogos, sociólogos, urbanistas, ambientalistas, educadores, economistas, criando uma arquitetura a que chama de inteligente. É preciso aumentar o poder psicológico da Arquitetura. Falta referir que o trabalho feito isoladamente por cada lojista tem também o seu contributo para a dimensão estética do interior do centro comercial, nomeadamente através do ambiente recriado na montra da sua loja, da sua decoração e do desenho da fachada. Tudo isto é alvo de análise contínua pela gestão e arquitetura da empresa, para que o ambiente seja coerente e agradável. Uma sensação metafísica de Beleza é o que habitualmente se encontra. A este nível, a dimensão estética tem que ter medidas e proporções harmoniosas. A dimensão estética dos centros comerciais também se vê quando percebemos que muitas pessoas procuram o centro não para comprar mas para fazer outra coisa relacionada com lazer. Gostaríamos de relembrar o excelente exemplo do Aventura Mall, enquanto aumento de dimensão estética num centro comercial. Este centro está a construir uma coleção de 17

Publicada originalmente em Finestra, Edição 51, dezembro de 2007. Radicado no Brasil desde 1959. 19 Empresa de consultoria e planeamento do setor dos Centros Comerciais. 18

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Arte Pública. Contudo, como já está em operação, foram os artistas que tiveram que encontrar o espaço para criar as suas próprias obras.20 Segundo nos diz Herbert Marcuse, A lógica interna da obra de arte faz emergir outra razão, outra sensibilidade, que desafiam a racionalidade e a sensibilidade incorporadas nas instituições dominantes (…) 21. A revolução seria fazer com que as pessoas, através da Arte, pudessem ascender a outros planos, a outras dimensões da realidade, para além do mero consumo. Da mesma forma que a Arte tem uma parte subjetiva, o desenho de um centro comercial também o tem. Onde está, então, o segredo do sucesso? Não basta criar um edifício onde é sempre primavera, como refere Jean Baudrillard22. Se assim fosse, como explicaríamos o facto de nem todos os Centros Comerciais terem o mesmo sucesso? Poderá a integração de arte pública elevar a experiência estética de visitar um centro comercial a um patamar diferente de dimensão mais emotiva, amplificando-lhe as sensações? Ainda em Marcuse se lê: A obra de arte conseguida perpetua a memória do momento de prazer. E a obra de arte é bela na medida em que opõe a sua própria ordem à da realidade – a sua ordem não repressiva, onde a própria maldição é proferida em nome do Eros. Aparece nos breves momentos de realização, de tranquilidade – no belo “momento” que suspende a dinâmica incessante e a desordem, a necessidade constante de fazer tudo o que deve ser feito para se continuar a viver.23 Para nós existem múltiplas possibilidades de dimensões estéticas na realidade dos centros comerciais, e cada vez mais esta sociedade filha de um atroz consumismo necessita deste 20

Ver em http://www.aventuramall.com a totalidade das obras. Vd. MARCUSE, Herbert – A Dimensão Estética. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 17. 22 Vd. BAUDRILLARD, Jean – A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, 1977. 23 Vd. MARCUSE, Herbert, ob. cit., p. 19. 21

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contributo – de ser e estar de forma confortável, mas lúcida. Para ir além da exatidão e da evidência das imagens e das mensagens, é necessário fazer pensar, fazer refletir, ajudar a perceber que as nossas vidas são fruto das nossas decisões e indecisões. Não podemos viver sem rumo, sem fazer opções, mas na verdade a grande maioria de nós limita-se a viver, sem questionar. A Arte pode não trazer com ela a verdade, mas traz as questões, e são elas que fazem avançar o mundo. Se o público não vai à Arte que vá a Arte ao público. Que seja contextualizada num ambiente mais confortável, mais Eros, mais familiar do que o minimalismo museológico da contemporaneidade. Acreditamos que os espaços comerciais têm potencial para receber uma Arte, que, sendo pública, a sua dimensão e experiência estética seja facilmente inteligível e não crie constrangimento. Tudo isto na busca de um ambiente que promova públicos para a Arte. O Centro Comercial e o seu espaço expositivo Apoiamos O’Doherty na crítica ao Cubo Branco e queremos refletir sobre este tema antes de defender a exposição em locais coloridos e recheados, como um corredor de Centro Comercial. Brian O’Doherty nasceu em 1928, na Irlanda, estudou física, e mudou-se para Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Em 1961 emerge como um artista e escritor. Apresenta-se, quer como artista quer como crítico de arte, preocupado com a cena artística, nomeadamente no que respeita à Arte conceptual. O’Doherty adota o pseudónimo Patrick Ireland para protestar contra o massacre em Derry, em 1971 – Bloody Sunday – e usa-o desde então. Além desta obra, escreveu Object and Idea (1967) e American Masters: The Voice and the Myth (1973, 1988). Várias galerias e museus nos Estados Unidos da América e na Europa têm recebido exposições com a sua obra. A figura da capa do livro é White Cube, 71

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de 1998, uma instalação na Orchard Gallery Derry, na Irlanda do Norte. Esta obra de arte, bem como o livro que aqui analisamos, defende que as paredes brancas das galerias ajudaram a determinar o significado da arte moderna, bem como das obras de arte em si, o arquétipo da arte do Século XX. O capítulo – Notas sobre o espaço da galeria – coloca questões inovadoras para esta época tais como: o estatuto da parede no final da arte moderna e início da arte contemporânea; a estética de pendurar quadros e como ela surge nas galerias minimalistas do pós-modernismo, entre outros. Os conceitos desenvolvidos por O’Doherty neste capítulo prendem-se com a introdução de uma nova forma de expor as obras no meio artístico, que influencia a leitura dessas mesmas obras. Na sua opinião é este novo layout que promove o aparecimento de novas formas e formatos de obras de arte, em função do local onde serão expostas. Para o autor, o espaço expositivo fica agarrado ao tipo de Arte que contém. No espaço modernista, o contexto chega a tornar-se conteúdo. É exemplo deste fenómeno o facto de alguns visitantes de Museus visitarem uma instituição pelo edifico, relegando para segundo plano a exposição. Que exposições poderão surgir num contexto contemporâneo do século XXI em edifícios com vocação comercial? Nascerá uma nova Arte Pública? O autor conclui que o cubo branco como espaço expositivo é o arquétipo da arte do século XX. O espaço modernista é tão minimalista que quase não se sente a Arte, sacraliza-se. O Contexto torna-se conteúdo. Assim, as obras são expostas de forma atemporal, não existe contexto. Só se pode olhar e não interferir, como num lugar sagrado. As vistas da exposição na modernidade devem ser feitas sem pessoas, o espectador é eliminado das fotos dos eventos. Antes, as paredes das galerias eram recheadas de quadros porque todas as obras tinham a sua moldura. A moldura é que permitiu pendurar quadros como sardinhas. Mas no século XX preocupamo-nos 72

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mais com os limites e desejamos ampliá-los. Não procuramos perspetiva ou profundidade, queremos destacar o tema, ampliando-o. O mito do achatamento, a superfície plana da tela, o elemento racional na luta da pintura pela sua autodefinição, mudaram profundamente a noção de quadro, e de como ele se pendurava no espaço da galeria. Na era moderna, a técnica do achatamento implicou uma visão do mundo inteiramente diferente. As pinturas expressionistas abstratas seguiram o caminho da expansão lateral, dispensaram a moldura e gradativamente passaram a conceber a borda como a unidade estrutural por meio da qual a pintura começava a dialogar com a parede por trás. O’Doherty diz que é neste momento que os marchand art e o curador saem dos bastidores. O modo como expuseram as obras contribuiu para a definição da nova pintura. Chama-lhe a estética do ato de pendurar, que evoluiu de acordo com os usos que se tornaram convenções e normas nos anos 50 e 60. O’Doherty diz que as obras de arte começam a competir por espaço nas paredes, mais do que um contexto na exposição. A parede deixa de ser zona neutra e ganha força estética, capaz de modificar tudo o que nela é exposto. O contexto influencia a leitura da obra de arte e determina o seu conteúdo, a sua mensagem, pelo que no espaço expositivo do Centro Comercial este fenómeno deve ser levado em conta. Por outro lado, por se tratar de uma espaço não sacralizado nem minimalista, mas sim um espaço para ser vivido, as obras de arte a surgir nestes espaços deverão ser integradas, lidas e recebidas de forma mais simples e divertida. A colocação da Arte dentro de um espaço comercial desafia o cubo branco, na medida em que traz a Arte para o dia a dia dos públicos não arte. Ou seja, é uma antítese à situação descrita pelo autor. Contudo, quando refere que as obras ficam no limbo, expostas sem contexto e de forma atemporal, e que é preciso ter morrido para estar lá, temos que discordar, uma vez 73

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que não terá acontecido exatamente assim. Como já se disse Alexander Dorner, no Museu de Hanover, e Alfred Barr, no MOMA, foram enquanto Diretores de Museus exemplos de contextualização das obras nas suas exposições. Desde os anos 70, existiu a preocupação de como pendurar as obras e as organizar, não só pela cronologia, como também pelos temas. Na nossa perspetiva, a arte contemporânea do século XXI vive mais da tridimensionalidade e procura locais do nosso quotidiano para nos fazer chegar a mensagem. Estamos a lembrarmo-nos da intervenção de Joana Vasconcelos na Ponte D. Luís I, no Porto, Portugal. Esta artista criou uma toalha de renda gigante que foi pendurada na ponte.24 A Arte Contemporânea tende a ser global, não espera que a vejam numa galeria. Impõe-se e o seu processo criativo faz parte da mensagem. O contexto expositivo da obra interfere com a produção da Arte Pública, adequando-se ao local e à comunidade. A estética expositiva dentro de um Centro Comercial será diferente da existente nos Museus e galerias e nunca se sobreporá. Contudo, será suficiente atenta e teorizada para criar públicos para a Arte. O que não queremos realizar no âmbito da programação e da estética expositiva: Como atrativo para o consumo e como garantia de permanência prolongada dos consumidores dentro do “shopping”, organizam-se áreas e atividades de lazer e entretenimento, na tentativa de aliar o comércio a atividades tidas como culturais, criando, assim, um novo espaço social em que a “cultura” estaria a serviço da função prioritariamente comercial, por ser vista como um complemento ao esforço promocional de um “shopping”.25

24 A imagem desta obra pode ser consultada no site da artista: www.joanavasconcelos.com. 25 Vd. COUTINHO, Karyne Dias – Shopping centers e governamentalidade neoliberal. Lisboa: A Página da Educação, XII, 129 (dez.) (2003b), p. 29.

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Capítulo III Da Arte Pública 3.1 Perspetivas da Arte Pública Nesta dissertação pretende-se refletir sobre as formas que a Arte possui para alcançar a dimensão coletiva. Em 1964, Jürgen Habermas, filósofo pertencente à Escola de Frankfurt, escreveu um texto sobre a Esfera Pública que intitulou de The Public Sphere: An Encyclopedia Article. Este texto vai ajudar-nos a compreender esta dimensão da esfera pública, agora em análise na nossa dissertação1. Começamos por ler o que Habermas escreve como sendo o conceito de Esfera Pública. Por esfera pública entendemos, essencialmente, a dimensão da nossa vida social na qual algo aproximado à opinião pública pode ser formado. O acesso é garantido a todos os cidadãos. Em todas as conversas em que um conjunto de indi1 Vd. HABERMAS, Jürgen – The Public Sphere: An Encyclopedia Article, [S.l: s.n.],1964. Tradução livre da autora do Inglês para Português. Texto original: The Concept, History, The liberal Model of the Public Sphere, The Public Sphere in the Social Welfare State Mass Democracy.

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víduos privados forma um corpo público surge uma parte de esfera pública. (…) Num grande corpo público este tipo de comunicação requer meios específicos para transmitir a informação e influenciar aqueles que a recebem. Hoje, os jornais e revistas, a rádio e a TV são os meios da esfera pública.2

Ao classificar um sujeito, ou objeto, com o termo “público” estamos a remetê-lo para o domínio dos que pertencem ao Estado, à Administração Pública ou às suas instituições. Habermas quer estender este conceito de “público” fazendo com que se relacione mais com os cidadãos e não apenas com a autoridade nacional pública. Para ele, o domínio do que é público é o domínio do que pertence a muitos ao mesmo tempo, do que é acessível e dirigida a todos. O que resulta de um grupo de indivíduos privados pode atuar de forma a chegar ao coletivo. É exemplo disso uma manifestação pública de opinião ou uma intervenção artística no espaço público. Habermas separa os conceitos e dimensões entre nacional e público. A classificação “nacional” refere-se a algo que está no domínio da esfera da nação, regida por uma autoridade do Estado, com base num conjunto de regras. A classificação de “público” vai para além do que é propriedade de uma Nação. Esta definição de esfera pública demonstra a capacidade dos indivíduos de se organizarem no espaço público, de acordo com os pontos de interesse comuns. A autoridade nacional é uma instituição política que é regulamentada pelo Estado, enquanto que a esfera pública é regulada pelos cidadãos. 2

Vd. IDEM, Ibidem. Tradução livre da autora do Inglês para Português. Texto original: By the public sphere we mean first of all a realm of our social life in which something approaching public opinion can be formed. Access is guaranteed to all citizens. A portion of the public sphere comes into being in every conversation in which private individuals assemble to form public body. (…) In a large public body this kind of communication requires specific means for transmitting information and influencing those who receive it. Today newspapers and magazines, radio and television are the media of the public sphere. 76

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1. Escultura de Pedro Cabrita Reis. (Foto da autora)

A Arte Pública tende a ser de propriedade pública quando instalada em espaços públicos. Contudo há espaços que, apesar de serem propriedade privada, sendo de utilização pública, constituem um palco para a atuação da esfera pública. Nestas situações, a Arte Pública pode ser contemplada pelo exterior ou por visita ao espaço público de propriedade privada, ou, se preferirmos, espaço coletivo. Pense-se no exemplo da escultura de Pedro Cabrita Reis integrada na arquitetura do Hotel Porto Palácio & Spa, na cidade do Porto. Estamos perante uma total ligação entre o espaço público, a Arte e o transeunte. Torna-se quase impossível não contemplar a obra quando se passeia na rua. É a propriedade privada na esfera pública. 77

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Pelo princípio da esfera pública, os cidadãos organizados emitem a “opinião pública”. Habermas apresenta-nos o fenómeno da “opinião pública” como a ferramenta de controlo a uso pelo corpo público de cidadãos, mediando a sua relação com o Estado. É a possibilidade de qualquer cidadão contribuir livremente para a “opinião pública” que garante à sociedade o bom cumprimento das regras instituídas pelo Estado. Por outro lado, os fluxos de informação tornam-se determinantes no controlo democrático das atividades estatais. No campo da Arte, a opinião pública pode ser equiparada a duas situações distintas (mas ao mesmo tempo semelhantes): a crítica especializada dos agentes mediadores do mundo da Arte – críticos, colecionadores, negociantes, historiadores, curadores, museólogos – e a apropriação pelo público em geral. Porque a Arte Pública não está fechada nas quatro paredes de um Cubo Branco, numa qualquer galeria minimalista, está sujeita à crítica da esfera pública e não apenas da esfera privada, específica e técnica. Este processo designa-se por receção pelo público e o seu resultado pode ser a apropriação ou rejeição da obra de Arte. Habermas também esclarece que este conceito de “opinião pública” não aparece no século XVIII por mero acaso. Surge num contexto em que uma sociedade burguesa emerge dentro do Estado Constitucional como resultado de uma constelação particular de interesses. Assiste-se à transformação da Nobreza em órgãos de autoridade pública, parlamento e instituições legais, enquanto que a burguesia se ocupa dos negócios, garantindo a sua autonomia privada.3 “Público” já não se refere à corte representativa de um principado que gere com autoridade, mas sim a uma instituição regulada de acordo com a competência, uma máquina com o 3

Vd. HABERMAS, Jürgen – Op. cit., p. 51. 78

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monopólio no exercício legal da autoridade. A Esfera pública burguesa poderia ser entendida como a esfera privada dos indivíduos reunidos num corpo público, que quase imediatamente declara a posse dos oficialmente regulados jornais intelectuais para uso contra a própria autoridade pública.4

Na segunda metade do século XVIII assiste-se, de acordo com Habermas, ao desenvolvimento do negócio dos mass media. Os jornais da época deixam de ser apenas um serviço público de recolha de notícias, expandindo a sua ação rumo à construção da opinião pública. Em Inglaterra, França e nos EUA a transformação de um jornalismo de convicção para um de comércio começou, quase ao mesmo tempo, em 1830. Na transição do jornalismo literário de indivíduos privados para os serviços públicos dos mass media, a esfera foi transformada pelo influxo dos interesses públicos privados, que receberam proeminências especiais nos mass media.5

Mistura-se a esfera pública com a privada: os jornais que emitem opinião pública servem também os interesses comerciais da sociedade. Assim se caracteriza o modelo liberal da esfera pública, segundo Habermas. Para José Guilherme Abreu, a Arte Pública repercute o registo conceptual e opera4

Vd. IDEM, Ibidem. p. 52. Tradução livre da autora do original em Inglês: “Public” no longer referred to the “representative” court of a prince endowed with authority, but rather to an institution regulated according to competence, to an apparatus endowed with a monopoly on the legal exertion of authority. Private individuals subsumed in the state at whom public authority was directed now made up the public body. 5 Vd. IDEM, Ibidem, p. 52. Tradução livre da autora do original em Inglês: In England, France, and the United States the transformation from a journalism of conviction to one of commerce began in the 1830s at approximately the same time. In the transition from the literary journalism of private individuals to the public services of the mass media the public sphere was transformed by the influx of private interests, which received special prominence in the mass media. 79

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tivo da Teoria da Esfera Pública de Jürgen Habermas, através da sua expressão. Ao analisar as produções artísticas que estão instaladas na esfera pública como lugares de memória, e outros mais recentes como expressão de identidade, podemos analisar a história da Esfera Pública e de como ela tem evoluído ao longo dos tempos, desde o seu surgimento com a transformação da sociedade e da ideologia burguesa. Pode concluir-se que a Arte Pública constitui um ponto de partida na construção da esfera pública e um ponto de chegada na sua expressão, crescendo em espiral ao longo das transformações sociais que se têm verificado ao longo dos séculos. A opinião pública é também um tema de interesse para Malcolm Miles6 quando analisa a disciplina da Arte Pública. Defende que a opinião pública sobre Arte Pública ainda está pouco desenvolvida pelo facto de esta não estimular os negócios da Arte.7 A Arte Pública não serve os interesses do comércio de Arte porque não pode, ou não deve, ser vendida e instalada num qualquer outro local. Como a mobilidade e a licitação são os fatores que mais estimulam o mercado do comércio da Arte, a Arte Pública não constitui um alvo preferido dos críticos ou comerciantes. Não sendo habitual a realização de leilões, exposições ou outros eventos de Arte Pública não é produzida massa crítica suficientemente atraente para a opinião pública artística. Com a difusão da opinião pública nos mass media, a burguesia perde a exclusividade na constituição do corpo público da sociedade (conjunto de indivíduos privados). Os conflitos, até então restringidos à esfera privada dos negócios, entram na esfera pública da sociedade, via opinião pública. A esfera pública absorve os conflitos de interesses. Segundo 6

Malcolm Miles é o principal conferencista e Diretor do Curso de Design e Arte Pública na Universidade de Arte & Design de Chelsea 7 Vd. MILES, Malcolm – Art, Space and City – Public Art and Urban Future, NY: Routledge, 1997, p. 16. 80

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Habermas, este fenómeno social e histórico leva a um tipo de refeudalização da esfera pública. O nosso objetivo é retirar da mensagem de Habermas a esfera pública da Arte. Sem o correto entendimento da esfera pública, a vertente do Espaço Público e da Arte integrada no Espaço Público, ou seja, a Arte na Esfera Pública, não faz sentido. Conclui-se que a esfera pública da Arte lhe é conferida pelo seu contexto de localização (espaço aberto à interação coletiva livre entre cidadãos), e pelo facto de ser dirigida e acessível a todos, não se definindo, portanto, como pública, unicamente em função do regime de propriedade. É a esfera pública que à volta da Arte se constitui que coloca as obras de Arte Pública no centro da formação e construção da esfera pública de uma cidade. Falando ainda de Espaço Público, Malcolm Miles, na obra “Arte, Espaço e a Cidade” diz claramente que deseja construir pontes entre as práticas contemporâneas de Arte e design para espaços urbanos públicos e as críticas às cidades, geradas em disciplinas como a sociologia urbana e a geografia. São estas pontes que dão sentido à construção da esfera pública que é crítica face às políticas urbanas das grandes e globais metrópoles no Século XXI. Interessa-lhe demonstrar a importância do papel dos artistas e designers no futuro estético da cidade. Logo na introdução do livro, o autor denuncia a falta de transdisciplinaridade na discussão do futuro das zonas urbanas. … but cities are not like potatoes and have been planned by people regarded as expert. Perhaps it will be in the spaces between disciplines that alternative frameworks will emerge, and perhaps these will be nurtured by the imagination to which the creative arts lay claim, but which is not their exclusive property.8 Afirma que raramente se fala de Arte ou design, e que se escreve pouco sobre Arte Pública. To date, the specialist 8

Vd. IDEM, Ibidem, p. 2. 81

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practice called “public art”, (…) – has grown in isolation from debates on the future of cities, largely untouched by the theoretical perspectives which enliven other disciplines; as a result it is an impoverished field, with little critical writing through which artists an designers can interrogate their practices.9 A obra de Malcolm Miles tem dois pontos de partida: a Arte Pública que faz meditar por se encontrar num local diferente do habitual (galeria ou museu); e aquilo a que o autor chama de “cidade animada” (convivial cities) que resulta do conjunto de estratégias de envolvimento dos residentes nos centros das cidades para a planear e desenhar. Na nossa interpretação, daqui nasce a participatory art.    Miles introduz na discussão da Arte Pública a questão do gosto quando refere que é necessário educar o olhar. A arte tem de ser inserida na educação formalmente e a todos os níveis. Para o autor, a evidência do gosto popular não se coaduna com a opinião dos críticos, colecionadores e mediadores de Arte.  Existe um ponto comum entre Malcolm Miles e Cristóvão Valente Pereira10, quando se referem ao tipo de local onde a Arte Pública se encontra. Ela tem dimensão pública quando está em espaços públicos e também em espaços privados de utilização pública, designados por Cristóvão Valente como espaços coletivos. Malcolm Miles, ao apresentar a Arte Pública como um bem social, levanta as seguintes questões: a exclusividade do gosto, a falta de público específico e a estética transcendente do modernismo que separa a Arte da vida.11 A sua conclusão é que a Arte pode constituir uma resposta para a decadência urbana. 9

Vd. IDEM, Ibidem, p. 1. ABREU, José Guilherme – Arte Pública e Lugares de Memória. Porto: Revista da Faculdade de Letras, 2005 Apud PEREIRA, Cristóvão Valente – Camadas Públicas e Privadas. Lisboa: @pha.Boletim n.º 1, 2002. 11 Vd. MILES, Malcolm – Op. cit., p. 16. 10

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Contudo a resposta não está apenas na Arte, mas sim na soma das diversas disciplinas que envolvem a regeneração urbana. No capítulo relativo às contradições da Arte Pública, Malcolm Miles refere todos os aspetos que, na sua opinião, se encontram por resolver no âmbito desta disciplina: 1. Assinala as frequentes semelhanças entre Arte Pública e o monumento do século XIX, reduzindo-a à recolocação da Arte num espaço fora da galeria ou museu. 2. Caracteriza o público da Arte Pública como uma diversidade de públicos específicos. 3. Refere que a Arte colocada sob o domínio público com objetivo de satisfazer as necessidades do artista ou do curador é uma má prática, a ser eliminada na esfera pública. A satisfação das necessidades do público que receciona as obras nos locais públicos ou coletivos é uma das características basilares da Arte Pública. 4. Ainda sobre os públicos, o autor afirma que a falha da criação de público específico de Arte Pública é resultado da falta de uma pós-avaliação junto dos públicos locais. 5. Faz uma chamada de atenção para a inexistência de produção de crítica de Arte Pública. Quer pelas instituições de Arte, quer pela Sociologia Urbana. E, até mesmo, pela Geografia. 6. Volta a focar-se na receção da obra de Arte Pública. Não se fala de Arte Pública mas sim de receção de Arte pelo público. Segundo Filipe Carreira da Silva12, Habermas ao defender que qualquer leigo tem o direito de julgar uma pintura numa exposição está também a contribuir para este fenómeno – uma conceção de crítica de arte enquanto troca racional de argumentos.13 12

Filipe Carreira da Silva é sociólogo. SILVA, Filipe Carreira – Espaço Público em Habermas. – Estudos e Investigações n.º26. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2002. 13

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7. O que pensa e o que pretende quem dirige as instituições públicas e efetua as encomendas de Arte Pública para as praças e jardins públicos? Miles defende que, por vezes, esta Arte Pública é legitimada pela longa relação existente entre a Arte e a Arquitetura. Dá como exemplo as conferências dos anos 80 onde se falou da Arte na Arquitetura, e se preconizou o conceito de beautification, ilustrando-se o termo com as imagens do Phartenon ou da Renascença Florentina. 8. O facto de a Arte Contemporânea ser maioritariamente conceptualizada pelo artista e concretizada pelo técnico – rejeitando a noção do artesanato e substituindo-a pela do ready-made – é visto como um problema para Miles. Não é uma questão exclusiva da Arte Pública, mas de todas as formas de Arte Contemporânea, e está a ser estimulada pelo recente conceito das Indústrias Criativas.   A construção de planos de negócios para a arte tornou-se parte de uma crescente cultura da gestão das artes (cada vez mais) profissionalizadas, que adotou modelos de sucesso de outras indústrias, uma transição da qual resultou o termo “indústrias culturais”, que inclui quer o cinema e a música rock, quer a ópera, o teatro e a arte.14

Susana Piteira15, em fevereiro de 2006, numa entrevista16 a O Primeiro de Janeiro, comenta o estado da Arte Pública 14 Vd. MILES, Malcolm – Op. cit., p. 96. Tradução livre da autora do texto original: the construction of a business case for the arts became part of an increasingly professionalized culture of “arts management” which adopted models of success from other industries, a transition enhanced by the new concept: “the cultural industries”, which included cinema and rock music as well as opera, theatre and art. 15 Escultora e bolseira da Fundação Ciência e Tecnologia para desenvolver tese de doutoramento do domínio da Escultura Pública, na Facultat de Belles Arts da Universitat de Barcelona. 16 In http://www.susanapiteira.com (09.06.2009; 17h) Noticia publicada na edição de 18 fevereiro de 2006 do Jornal Primeiro de janeiro, extraída do site pessoal da Artista

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em Portugal, alinhando algumas das suas reflexões com as de Malcolm Miles. No decorrer da entrevista, a escultora apresenta as Indústrias Criativas – surgidas em 1996 no Reino Unido, e em 2008 em Portugal, com a criação da ADDICT17 – como um dos possíveis modelos de investimento a implementar em Portugal para sustentar a criação de Arte Pública. Não desconsidera ainda a hipótese de se programar Arte Pública financiada pelo Estado. No entanto, da experiência enquanto escultora, conclui que a Arte Pública é ainda muito politizada. Dá o exemplo da Arte Pública produzida em conjunto com promotores imobiliários, que relega para segundo plano as preocupações sociais ou estéticas. Denuncia e critica o paradigma da decoração que habitualmente regula as relações contratuais entre artistas e construtores imobiliários e que transforma a Arte Pública num mero ornamento. Apesar de reconhecer que o Museu Internacional de Escultura Contemporânea, ao ar livre, em Santo Tirso18 é o único projeto de Arte Pública em Portugal com princípios e objetivos cumpridos, a artista sente que a dimensão do público, enquanto recetor da obra, não é bem conseguida. Discorda ainda da defesa da Escultura Pública enquanto Património, com o objetivo evidente de a monumentalizar.

17 No passado dia 14 outubro de 2008, pelas 16h30, na Casa de Serralves, teve lugar a escritura de constituição da “ADDICT – Agência para o Desenvolvimento das Indústrias Criativas”, associação de direito privado na qual esteve presente o Ministro da Economia e Inovação, o Doutor Manuel Pinho. In http://www.serralves. pt/gca/?id=3800 (09.06.2009; 17h) 18 In http://www.cm-stirso.pt (05.03.2009;15h): Santo Tirso recebe de dois em dois anos, cinco escultores de renome para o Simpósio Internacional de Escultura que criam, para o concelho, obras de arte que se vão juntar às já existentes, colocadas em vários locais da cidade. Promovido pela Câmara Municipal de Santo Tirso, sob direção artística nacional de Alberto Carneiro e internacional de Gérard Xuriguera, o Museu Internacional de Escultura Contemporânea (MIEC) de Santo Tirso conta para já com 39 das 60 esculturas previstas.

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Quando a maioria dos artistas chega, o arquiteto paisagista já sabe o que quer de nós. Estamos quase reduzidos à função de canteiro. (…) Salvo casos muito raros, ficamos pela decoração. Em relação à escultura, também ficamos muitas vezes pela decoração, porque a dimensão criativa da formação se confina apenas ao objeto e não é exercitado o trabalho de integração e/ou estruturação do espaço. (…) Todavia, acredito que a arte pode contribuir para alterar a nossa vida.19

No seguimento destas declarações da escultora, salientamos que Miles cita Andrew Brighton20 para explicar que os arquitetos definem os seus projetos tão pormenorizadamente que não sobra lugar para o embelezamento ou decoração. O que levaria a Arte Pública a abandonar a Escultura, enveredando pelo caminho do ativismo. His provisional conclusion – Miles referindo-se a Andrew Brighton – is that public art, if serious, is at variance with its context, whilst in architecture that denotes itself there is no need for decoration. This seems to leave public art only an activist route if it is to avoid banality.21 Nós acreditamos num modelo parceiro entre as duas disciplinas. Armajani opõe-se a esta perspetiva de Brighton. A Arte Pública defendida no seu Manifesto não tem como objetivo ser apropriada pela Arquitetura. Elas são disciplinas vizinhas 19 In http://www.susanapiteira.com (09.06.2009; 17h): Noticia publicada na edição de 18 fevereiro de 2006 do Jornal Primeiro de janeiro, extraída do site pessoal da Artista. 20 In http://www.battleofideas.org.uk (10.06.2009; 18h): Andrew Brighton was formerly Senior Curator for Public Programmes at Tate Modern. He contributed to Art for All? Their Policies and our Culture and Culture Vultures: Is UK arts policy damaging the arts? Other publications includes articles in Art in America, London Review of Books and the Guardian. He has curated exhibitions, written books on Francis Bacon and Picasso and taught both art practice and history at various universities. His recent/forthcoming publications include ‘The Managerial State: Culture without Art’ (Printed Project, Editor: Munira Mirza Issue 8, October 2007) and ‘Peter’s Joke: Art and the Nonconformist Conscience’ (Critical Quarterly, Volume 50, Number 1, 2008) 21 Miles, Malcolm – Op. cit., p. 89.

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e devem ser concebidas de forma integrada, harmoniosa e desenvolvidas ao mesmo tempo. Sobre a questão da crítica, Miles faz menção a autores como John Willet, Townsend, e outras publicações como a revista “Arte para Arquitetura”, publicada pelo Departamento de Ambiente do Reino Unido. Miles faz referência a Richard Corks, Patrícia Phillips (que considera que a noção de dimensão pública é uma construção psicológica), Lacy (que compara a receção da Arte Pública ao dos mass media onde tudo o que é novidade é uma prova de autenticidade) e Suzi Gablik (que se preocupa mais com o healing da ecologia) enquanto críticos de Arte Pública. Na Arte Pública, o orçamento a que se concorre determina o resultado da obra, pelo que fazer crítica de Arte Pública não pode ser igual à crítica de uma exposição numa galeria de arte. Miles conclui afirmando que a maioria da crítica contemporânea é feita de acordo com os padrões que se deseja colocar no mapa da cultura internacional. Victor Correia22 apresenta a Arte Pública como o fenómeno que mais caracteriza as manifestações artísticas do último terço do Século XX. Ao procurar as causa da falta de estudo e escrita sobre esta disciplina, o autor refere as formas e linguagens muito diversificadas entre si e que escapam ao reducionismo estilístico ou temático que estamos habituados no estudo da História da Arte. Para este autor, é a Arte Pública, dentro do mundo da Arte, que constitui deveras a matéria mais pertinente quanto à ideia de cidadania. The impulse of create art in public spaces is one of the things that make us human.23 Goldstein afirma que desde sempre o Homem recorreu à Arte para registar a sua história, para 22

Vd. CORREIA, Vítor – Arte Pública: sua identidade e função. [S.l.: s.n.], 2003. Dissertação de Mestrado de Estética e Filsofia da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa. 23 Vd. GOLDSTEIN, Barbara – Public Art by the Book. Washington: University of Washington Press, 2005. 87

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marcar o seu próprio território e para criar a sua comunidade. Inicialmente, o trabalho da Arte Pública servia para embelezar os edifícios e narrar momentos históricos, garantindo que o público percecionava o poder das suas personagens. Estes programas públicos de apoio à Arte eram estratégias de preencher as cidades, com as celebrações das vitórias e conquistas, através dos monumentos e das Esculturas Públicas. Com o crescimento destes apoios às Artes, a Arte Pública assume um papel importante no seio da esfera pública. Os governos percebem que esta ajuda a construir um conceito de comunidade. Os artistas, por sua vez, passam a intervir no espaço público, em vez de simplesmente lhe fornecerem obras de Arte.24 A Arte Pública dos anos 90 resolve as suas próprias contradições, de acordo com Miles. Porque esta Arte traz para o espaço da esfera pública os assuntos realmente públicos, evidenciando a separação entre o domínio público da sociedade civil e o domínio nacional do Estado. A Arte Pública tem uma definição complexa, onde todas as formas parecem caber: é um campo de produção multidisciplinar, polissémico e pluriodimensional, que abarca diversos géneros artísticos, se apresenta em diferentes espaços e comporta distintas modalidades de fruição.25 Gostaríamos de salientar a distinção que José Guilherme Abreu apresenta entre as duas dimensões: arte pública e arte em espaços públicos. Com base em leituras de Antoni Remesar e José Jimenez, este autor conclui que a distinção entre estas duas dimensões reside no facto da Arte Pública não se limitar a estar exposta num local público, ou de utilização pública. A Arte Pública procura exprimir uma identidade própria, buscando expressar temas, sentidos ou usos sociais, abordando-os por vezes criticamente, por forma a ligar24

Vd. IDEM, Ibidem, p. 9. Vd. ABREU, José Guilherme – Apontamentos para o Estudo da Arte Pública. Porto: Universidade Católica do Porto, 2007/2008, p. 9. 25

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-se aos locais e aos problemas que encontram ressonância numa dada coletividade, e repercutindo assim a intencionalidade de contribuir para a definição de uma identidade coletiva. José Guilherme Abreu tem ainda um duplo entendimento sobre a Arte Pública, vendo-a: como Campo Pertinente da produção artística contemporânea, repercutindo tensões na expressão da identidade e como Domínio Patrimonial da produção artística histórica, perpetuando registos da memória colectiva. Veja-se agora a perspetiva de um artista sobre a Arte Pública. Siah Armajani é um escultor, que escreveu um manifesto sobre Arte Pública. Se pensarmos na perspetiva do cidadão comum a quem se destina este manifesto, seria interessante observar a descrição da Wikipédia sobre o que é um Manifesto, mesmo tendo em consideração o seu diminuto prestígio académico. Na nossa opinião, o seu conteúdo satisfaria o autor uma vez que este dicionário enciclopédico, construído pela sociedade, se trata de um fenómeno relacionado com a esfera pública onde se refletem as suas tensões: Na literatura, define-se Manifesto como um texto de natureza dissertativa e persuasiva, uma declaração pública de princípios e intenções, que objetiva alertar um problema ou fazer a denúncia pública de um problema que está ocorrendo, normalmente de cunho político. O manifesto destina-se a declarar um ponto de vista, denunciar um problema ou conclamar uma comunidade para uma determinada ação. Estrutura relativamente livre, mas com alguns elementos indispensáveis: título, identificação e análise do problema, argumentos que fundamentam o ponto de vista do(s) autor(es) do manifesto, local, data, assinaturas dos autores e simpatizantes da causa. In Wikipédia

  O que se pretende neste momento da dissertação é realizar um olhar analítico sobre o Manifesto escrito por Siah Armajani no final do século XX – A Escultura Pública no 89

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contexto da Democracia Americana26. Convém-nos salientar o facto de se estar a olhar o texto à luz da contemporaneidade do século XXI. Apesar de ter sido escrito nos anos noventa, no contexto político e social norte-americano, este texto é fundamental para a elaboração da nossa tese uma vez que procura não só definir o que é a Escultura Pública, bem como o que não é. O Manifesto tem também muita relevância para o nosso estudo na medida em que acrescenta à Escultura Pública um certo contexto, não de enquadramento teórico no mundo das Arte como seria de esperar, mas sim numa dimensão sociológica, e mesmo ontológica.  O título do Manifesto pode levar-nos a uma leitura política e social a respeito deste manifesto. O mesmo acontece com a performance do alemão Joseph Beuys, “I like America and America likes me.”, Pós-Segunda Guerra Mundial, cuja leitura é pouco estética e muito politizada.   O título deste Manifesto evidencia o valor bandeira da comunidade americana – a democracia – como contexto da Escultura Pública e remete-nos para uma subliminar crítica ao país de onde vem Siah – o Irão. O artista fala apenas de Escultura Pública, mas tudo o que refere aplica-se hoje à Arte Pública. Esta transformação de denominações entre Escultura Pública e Arte Pública acontece no século XX, à medida que os artistas percebem que ganham mais valências se forem flexíveis e se se dedicarem a diversos meios, como nos diz David Harding no seu artigo de 1998 – “What have we learned about Public Art?”. O que antes era um evento ocasional e designado por Escultura Pública é agora distinguido e designado por Arte Pública. Os artistas não têm problemas em serem curadores, expositores, envolvidos socialmente, ou até realizarem trabalhos na esfera pública na cidade ou no cam26 Vd. ARMAJANI, Siah – Manifesto Public Sculpture in the context of American Democracy. In AA. VV. Reading Spaces, Barcelona: MACBA, 1995, pp. 111-114.

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po.27 Resulta de toda esta flexibilidade a expansão do campo da Arte, que pode ser Pública para além da Escultura. Para ser Arte Pública, há pressupostos a cumprir, aparte do meio utilizado, e Armajani evidencia-os com o seu Manifesto. “I embrace the common. I explore the familiar, the low (…). Give me insight into today; you may have the antique and the future.” Emerson

Esta frase escolhida por Siah Armajani inspira o seu Manifesto e remete-nos para a simplicidade do artista e autor, bem como da sua obra. As pontes, as mesas, os locais de usufruto, são criados não para a contemplação ou sacralização da obra de Arte mas para a verdadeira apropriação pública pelo público. As peças ligam-se diretamente a estas noções de comum, de familiar. Sobre a expressão insight into today resta-nos referir a intemporalidade da obra de Armajani. Ele não veste as suas obras de materiais nobres ou de modas. Tratam-se de peças esteticamente simples, úteis e intemporais. Como resultado da evolução das técnicas de construção das obras de arte, nelas encontramos o passado; sob a perspetiva da apropriação sentimos-lhes o nosso futuro. Qualquer obra de Arte Contemporânea é resultado da maturação das ideias, da teorização dos artistas e contém todo o contributo do caminho traçado pelos anteriores artistas. Mesmo quando se inova, fazemo-lo sobre algo que existia anteriormente. Neste caso sobre uma criação artística ou técnica de uma outra época. Nada se perde ou cria, tudo se transforma, Lavoisier ajuda-nos a perceber esta mecânica de Emerson. Acrescentamos a inovação da contemporaneidade ao legado dos nossos antepassados. Nesta soma não se perde o passado, acrescenta-se-lhe o hoje, na esperança de que a obra 27 In http://www.publicartscotland.com/features/1-What-Have-We-Learned-AboutPublic-Art (10.10.2009; 15h)

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de arte seja apropriada para o futuro28. O primeiro ponto do Manifesto fala precisamente desta continuidade. A Escultura Pública enquanto fenómeno de contemporaneidade é, sob o ponto de vista do autor, a continuação lógica do movimento moderno, incorporando o “Iluminismo” da Revolução Americana. Este fenómeno histórico caracterizou-se pelos valores da liberdade e da democracia, pelos valores mais humanistas da história da civilização Ocidental, e que, na nossa opinião, se podem sentir ao longo de todo este Manifesto, como se tivessem sido absorvidos pela Escultura Pública. No mesmo seguimento lógico, é-nos dito que a Escultura Pública tenta desmistificar a Arte, ou seja, no contexto da democracia é necessário fazer chegar a cultura, neste caso a Arte Pública, a todos, desmistificando-a.   O Manifesto revela crenças sociológicas profundas e a Arte é uma forma de realizar essa missão sentida por Siah Armajani. Para nós, este é um ponto muito significativo na decisão de realizar uma tese de mestrado sobre a pertinência da Arte Pública na sociedade contemporânea e de como as suas utilizações podem ser alargadas. Acreditamos que é na história das exposições de Arte realizadas ao longo das várias épocas que encontramos o porquê do caminho seguido até aqui. Antes do Século XVIII os gabinetes de curiosidades surgem como meio de instrução dos príncipes e poucas são as pessoas que podem aceder-lhes. Durante o século XVIII, e com a abertura do Museu do Louvre em França e do Museu Britânico no Reino Unido, abrem-se as portas ao público, publicando-se gravuras com indicações de como seria adequado vestir-se para visitar as exposições. As peças eram expostas em “Skying”, cobrindo as paredes da 28 Existem alguns exemplos menos felizes como é o caso do Titled Arch de Richard Serra que foi retirado por falta de apropriação.

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exposição desde o chão até ao teto. Mais tarde, no século XX, muitos dos visitantes dos modernos e novos Salons apareciam no local mais pelo lado social do que pela Arte. É ao longo da segunda metade do século XX que chegamos ao fenómeno do Cubo Branco, onde não se pode falar alto, comer ou tocar nas peças. Estamos, segundo Doherty29, num ambiente asséptico, e de respeito, como se de uma Igreja se tratasse. Personagens como Alexander Dorner30, Diretor do Museu de Hannover em 1925, ou Alfred Barr, Diretor fundador do MOMA de Nova York em 1928, resolvem alterar a perceção dos visitantes tornando os ambientes mais organizados, com menos obras de arte expostas por parede. Dorner foi o primeiro a organizar as obras por ordem cronológica, e o seu maior objetivo foi criar salas com a atmosfera da época a que se referem. Foi o inicio do processo que veio a tornar mais clean os espaços expositivos, mais minimalistas. Barr organiza as suas exposições não pela cronologia, mas pela mensagem e pelas incontornáveis contaminações formais dos objetos de arte. Aqui se inicia a sacralização, o artista começa a ser visto como um ser superior que recebe do mundo das ideias mensagens ininteligíveis para o comum dos mortais. A relação com os objetos acaba por ser a de “olho”, mais nada. Neste contexto, o surgimento de uma Escultura Pública contemporânea – que sai do registo mais comum da decora29

Vd. O’DOHERTY, Brian – No Interior do Cubo Branco, A Ideologia do Espaço da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 30 In http://www.dictionaryofarthistorians.org (02.03.2010;11h): Alexander Dorner joined the State Museum (Landesmuseum) in Hannover as a curator in 1923, rising to diretor in 1925 (one of the youngest in Germany). As such, he was responsible for many smaller museums in the Hanover area. Dorner was one of the early and great leaders of avant-garde art collecting in Germany in the 1920s and 1930s concentrating in Constructivist art for the collection focusing on Piet Mondrian, Naum Gabo, Kazimir Malevich, and El Lissitzky. With the collaboration of Lazlo Moholy Nagy, Dorner built a special room to display this art, the “Abstract Cabinet,” designed for the viewer’s perspetive, including film projection and sound. 93

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ção, inspiração religiosa ou mitológica, ou de apoio à arquitetura, e que se afirma enquanto Arte que contribui para a qualificação urbana e se dedica, quase em exclusivo, à missão de ser apropriada e usufruída pelo seu público – realiza a tentativa clara de dessacralizar, desmistificar, de facto, a Arte e os seus artistas, como um todo. Continuando neste registo, o autor deste Manifesto preconiza que cabe à Escultura Pública fazer cair o mito do artista e da sua criação como algo inatingível pelo comum dos mortais. Esta deve preocupar-se mais com o cidadão do que com o ego do seu autor. Toda a Arte tende a ser uma interseção da esfera privada do artista com a esfera pública do visitante. Contudo, esta interseção pode não acontecer se a peça de Arte não contiver uma mensagem (nem no seu conteúdo, nem na forma, pois como diz Marcuse31, uma obra bem conseguida é aquela em que a forma se torna conteúdo) ou, a existir, se revele ininteligível. Mais uma vez um claro enfoque nas necessidades do público. Armajani está numa dimensão da teoria da receção, em que a obra só existe se é recebida pelo público. Para ele são as necessidades culturais e sociais, que a esfera pública tem, que suportam a prática artística da Escultura Pública. É no ponto cinco que Armajani insere o conceito de lugar e o relaciona com a sociedade, referindo-se ao espaço social que a obra ocupa. A Escultura Pública é vista como a procura de uma história cultural que exige uma unidade estrutural entre o objeto e o espaço social que ele vai ocupar. Esta relação deve ser aberta, disponível, útil e comum. Através da Escultura Pública é possível falar sobre a sociedade local e promover a interação entre o objeto artístico e os visitantes observadores e agentes de interação. Através destas relações constrói-se, ao longo do tempo, a história cultural de um determinado local. Este ponto aplica-se à Escultura Pública no decurso da 31

Vd. MARCUSE, Herbert, A dimensão estética. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 44. 94

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história, quer a obra de arte seja narrativa, decorativa, objeto de culto ou uma mera animação arquitetónica. Quando se promove uma relação entre o objeto artístico e o local – de preferência positiva, de apropriação – é o objeto artístico que tende a constituir a história cultural do lugar. Como? Através da sua própria conceção, da história do artista, ou da relação que este estabelece com o local, e ainda questões como a escolha das matérias-primas ou cores, entre outras. São motivos destes que levam a que o fenómeno suceda e esteja comprovado na história da Arte, e nas narrativas das urbes e localidades. Podemos, por exemplo, pensar como foi que o Cubo da Ribeira, na cidade do Porto, tão rapidamente ganhou este estatuto de fenómeno artístico de apropriação. O autor deste Manifesto apresenta-nos a Escultura Pública como uma perspetiva através da qual podemos tentar compreender não só a história do lugar como a construção social da própria Arte. A Escultura Pública é uma expressão artística cuja grande diferença para a Arte de galeria é o facto de ser, à partida, conceptualizada para acrescentar algo ao espaço público, humanizando-o e contribuindo para a gestação da esfera pública. Nesta fase do Manifesto Armajani introduz uma fortíssima expressão: A Escultura Pública tenta preencher o hiato entre a arte e o público, transformando a arte em pública e os artistas em cidadãos outra vez. Este autor coloca na Arte e no artista a responsabilidade de unir dois mundos interligados, o Público e a Arte. Mas não se trata de uni-los apenas fisicamente, trata-se de os unir de forma interativa, com permuta e contaminação entre as partes. O que se lê desta premissa é que um criador de Arte Pública deve ser, em primeiro lugar, cidadão, para perceber as necessidades do público cidadão. Para que a Arte seja pública, deve ter sido feita para um determinado uso. A Arte é pública quando cumpre uma função significativa para os cidadãos, propiciando que a esfera pública se desenvolva e aprofunde. Lê-se 95

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também a obrigatoriedade de ser uma obra de Arte inteligível pela sociedade local, fazendo assim com que desapareça o habitual hiato entre o objeto e o observador. Estas são as premissas para que se estabeleça a relação entre o público e o objeto artístico, e assim ele se transforma em verdadeira Arte, porque é usufruído em toda a sua dimensão. O autor não refere especificamente o processo de participação cidadã, mas tudo o que nos diz, remete-nos nesse sentido. Para Armajani a Arte Pública não tem um estilo particular ou ideologia por base. É através da ação numa determinada situação que a Escultura Pública adquire determinado carácter. Na contemporaneidade, a Arte Pública pode exprimir-se através de muitos meios: pintura, escultura, performance, objetos, teatro, entre outros. Desde que aconteça na esfera pública, transmita mensagem aos visitantes e ainda se relacione numa perspetiva preferencial de apropriação com o local onde se encontra, ela ganha o carácter público e útil. Não interessa se a mensagem a transmitir pertence a esta ou aquela vanguarda. O que verdadeiramente interessa é a sua apropriação pelo público. Ela pode ter formas diversas de interação na sociedade: civismo, voluntariado, ativismo, entre outras.  Armajani diz-nos que a Escultura Pública sofre uma transformação, abandonando a larga escala, outdoor ou site-specific em direção à escultura com contexto social. A Escultura Pública transforma-se em Arte Pública a partir do momento em que se emancipa e deixa de ser uma exposição de Arte Pública e passa a ser de facto Arte produzida para se relacionar e interagir com um determinado espaço. Neste caso, a Arte ganha o campo da experiência social da escultura. Existem, de facto, inúmeros exemplos de escultura social como defendia Joseph Beuys, mas muitas vezes essa escultura social continua a ser de larga escala, outdoor, ou site-specific. Acreditamos que a função social da Escultura Pública existe na obra de Siah Armajani, e existe em toda a linha deste Manifesto. 96

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Com base numa perspetiva sociológica e do lugar onde se encontra o objeto artístico, Armajani desenha o ponto dez do seu Manifesto, permitindo à escultura, e à cultura em geral, um desenvolvimento de acordo com a região a que se destina ou onde é produzida. No fundo combate a ideia de uma cultura de imagem visual que tem de ser cosmopolita e avant-garde. Para validar esta sua ideia – que poderá não agradar ao artista contemporâneo com uma forte ligação ao especto estético e ao seu mundo individual interior – ele busca o seguinte paralelismo: da mesma forma que a política é feita de acordo com a região em que se insere, também na cultura, nos artefactos, no artesanato, nas obras de arte e no design há que aceitar e entender as influências locais. O autor parece aceitar plenamente, e sem preconceito, a Arte Contemporânea que se deixa contaminar pelos temas e técnicas do artesanato, e vice-versa.   O ponto seguinte (onze) também pode ser visto como castrador para a maioria dos artistas. A criação de Escultura Pública, pelo facto de ter que se adaptar ao espaço público e social a que se destina, não se pode deixar conduzir pela tendência de criação artística contemporânea, ou seja, a criação em que o artista representa o seu mundo interior sem se preocupar em narrar de acordo com qualquer tipo de semelhança com a fisicidade exterior e aparente do mundo. A Escultura Pública não pode esquecer o mundo que a rodeia e tem que resolver necessidades concretas, sociais, e culturais do público e local a que se destina. Aqui também se procura desmistificar a Arte. Contudo pode haver uma certa castração à criatividade do autor do objeto artístico, pelo que a participação cidadã pode constituir uma forma de contornar esta questão. Uma vez envolvido o público interessado, e em conjunto com o artista, a obra pode ser explicada e o público pode entrar e conhecer o mundo interior do artista para se encontrar nele e no objeto artístico. Caso o artista não tenha consigo esta 97

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capacidade e a sua pretensão passe por não partilhar de forma tão óbvia o seu mundo interior, então não possui todas as características necessárias, à luz deste Manifesto, para a produção da Escultura Pública.  Sempre no alinhamento de não sacralização do autor, aqui se define a Escultura Pública como uma produção cooperativa, porque existe habitualmente uma equipa de produção ou montagem, e seria injusto dar todos os louros apenas ao artista. Mas nós realizamos uma segunda leitura menos óbvia deste ponto doze do Manifesto: Armajani levanta uma questão que nasce na contemporaneidade escultórica, que é o facto de não se valorizar o técnico que trabalha a pedra ou o ferro, mas sim quem a conceptualiza, quem a desenha. Estamos numa fase de grande valorização da “conceção”.   Armajani coloca-se a si e à Escultura Pública num nível missionário, uma vez que o artista tem que deixar de lado o seu ego, e cumprir a missão de satisfazer necessidades concretas como um ato voluntário e importante na sociedade, como uma missão. Devido ao crescimento do comércio da Arte durante o século XX, perde-se a imagem do pintor que morre na miséria, como aconteceu com Van Gogh. Ao dizer que a dimensão ética só regressa à Arte a partir do momento em que esta cria uma relação com o público mais leigo, que não a audiência habitual da Arte, corta-se este ciclo habitual do mercado livre, da oferta e de procura, onde o marketing assume uma dimensão gigante e, por vezes, a ética profissional se esquece. A Escultura Pública é, então, uma ferramenta para uma atividade missionária de influência da sociedade e de dar um sentido único aos lugares. Não é um mero objeto, esteticamente interessante, exposto em quatro paredes brancas.  Segundo este Manifesto, a Escultura Pública e a Arquitetura têm de trabalhar em conjunto. A Escultura Pública não foi feita para decorar os edifícios, nem estes para a albergar, devem ser vizinhos. Este ponto é fundamental para a nossa 98

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tese. A única forma que vemos de resolver esta questão é inserir o artista na equipa de trabalho dos arquitetos / desenhistas enquanto se constroem os edifícios. E também aqui tem que existir uma missão e algum ego tem que ser sacrificado pela viabilidade de construção. Parece-nos óbvio, e positivo, que a Arte e a Arquitetura tenham diferentes histórias, metodologias e linguagens.  Armajani nega o sentido metafísico da Arte e não concebe mais nenhum local além do Planeta Terra, para a existência do homem, quer seja em corpo físico ou alma (se é que chega a acreditar numa versão subtil da existência humana). Para ele, o Homem só tem o Planeta Terra como lar e deve dar-lhe sentido através da Escultura Pública. Existe a ideia de busca de sentido, de identidade no mundo físico, através da materialidade e fisicidade das obras de arte e não do seu lado etéreo ou virtual do mundo subtil. Parece-nos que neste ponto do Manifesto Armajani tenta inserir a sua preocupação com o ambiente do Planeta Terra e com o facto de este ser a nossa casa e de não haver alternativa para a nossa vivência enquanto seres humanos. Existe a necessidade de designar o local onde as atividades acontecem, explicando a sua noção de ambiente ou esfera pública. Como nos organizamos em comunidade temos que vir para a esfera pública para nos relacionarmos. A Escultura Pública faz parte deste cenário, desta criação de relações na Natureza ou na zona urbana. A Escultura Pública depende da interação entre ela mesma e o público. Habitualmente essa interação acontece com base em alguns pressupostos partilhados. O artista deve conhecer a comunidade, o local e as necessidades do público para ir ao seu encontro, através do seu código estético.  Contudo, apesar de todas as premissas do Manifesto, existe um limite para a Escultura Pública, assim como existe para a medicina, quando se depara com a morte. Concordamos. A Escultura ou Arte Pública, num sentido mais lato do con99

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ceito, pode não conseguir dar resposta a tudo, e o artista pode produzir uma bela obra estética e apesar disso ela não ser verdadeira Escultura Pública – por exemplo, por falta de apropriação pelo público, ou por se desadequar ao local ou às pessoas e seus valores. A Escultura Pública não deve intimidar, assaltar ou controlar o público. Deve dar-lhe uma dimensão superior, deve elevar o local. Enfatizando a utilidade, a Escultura Pública transforma-se numa ferramenta para uma atividade. Assim rejeita a ideia de metafísica kantiana de que a arte é inútil.   A Escultura Pública rejeita a ideia da universalidade da Arte. De facto, a arte é universal na medida em que é uma constante de todos os povos e de todos os tempos, mas as formas artísticas não são universais, na medida em que variam em função dos povos, das culturas e dos tempos32. Se além da forma existe conteúdo numa obra, que ferramentas temos para ler uma obra do antigo Egito, ou uma obra chinesa? Quanto nos distancia a cultura de cada povo? Eu diria que a Arte tende para a universalidade na sua parte mais emotiva e subtil, e a Escultura Pública, se quiser, pode enveredar por esse caminho e tentar universalizar-se, mas se ela se adapta a cada local, a cada cultura de uma região, tem um duplo trabalho ao querer ser peculiar e universal ao mesmo tempo.  Em resumo, o Manifesto de Siah Armajani tenta estabelecer uma série de pressupostos que definem o que deve ser a Escultura Pública. Acontece com muita frequência os investigadores selecionarem uma série de obras de Arte Pública, caracterizando os seus elementos comuns para os transformar em normas ou pressupostos teóricos que suportam a prática artística. O que nos parece que o autor faz é um processo inverso, teorizando sobre o que deve e não deve ser a Escultura Pública, na prática. 32

ABREU, José Guilherme, Inscrições críticas ao texto. 100

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Gostaríamos de destacar e resumir os seguintes pontos, que nos evidenciam as semelhanças entre este Manifesto de Siah Armajani e a obra de Malcolm Miles, já analisada no decurso deste capítulo da dissertação: 1. A receção da Arte Pública é tão importante como a sua produção; 2. A Arte Pública é vista por diversos públicos, incluindo os “não arte”33; 3. O facto de uma obra estar exposta num local público não faz dela mais acessível ao público. Por exemplo: se a mensagem da obra não é apropriada e, ou, se não é recebida pelo público, ela não cumpre a sua função. Na contemporaneidade, este Manifesto faz muito sentido, e Armajani, quando o escreveu, teve, por um lado, um sentido visionário e, por outro, conseguiu influenciar as teorias sobre Arte Pública atuais, que preconizam muito dos pontos deste documentos como sendo conteúdo das tentativas de definição da própria Arte Pública. Para Siah Armajani e para nós: A Arte Pública tende a não ser feita por artistas demiurgos; A Arte Pública reconhece a existência das gentes e o genius loci dos lugares; A Arte Pública visa ser apropriada e não sacralizada; A Arte Pública visa ser utilizada; A Arte Pública visa elevar o espírito de determinado lugar e a não ser universal; A Arte Pública reconhece a importância dos locais públicos na vida de uma comunidade; A Arte Pública quer ser entendida, acessível a uma fácil leitura; 33 Por público “não arte” entende-se os cidadãos que não são frequentadores de espaços de exposição de obras de Arte (como Museus ou Galerias).

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A Arte Pública e os artistas têm uma missão a cumprir junto da comunidade; A Arte Pública contemporânea é um trabalho de equipa, cuja aplicação da participação cidadã permite ampliar a sua taxa de sucesso na apropriação e legibilidade; A Arte Pública não tem por trás uma ideologia, trabalha em função do local, do público e do momento concreto; A Arte Pública através da sua forma e/ou conteúdo, possui uma forte função social.

3.2 Arte Pública e Arquitetura José Regatão defende na sua tese de Mestrado – A Arte Pública e os Novos desafios das Intervenções no espaço Urbano – que a Arte Pública contemporânea não pode ser vista como uma Arte menor ao serviço da Arquitetura. Mas sim como Arte Pública Integrada na própria Arquitetura, dando a esta última uma nova dimensão de relacionamento com o espaço público e alterando a sua leitura. Sérgio Guimarães de Andrade34 é referenciado nesta obra de José Regatão pela publicação do livro Escultura Portuguesa, onde refere que a Arte Pública Integrada na Arquitetura é a intervenção artística que apesar de surgir associada a uma obra de Arquitetura, não pode ser compreendida como uma intervenção de cariz ornamental. Jes Fernie explica-nos que, na perspetiva da modernidade, o conjunto formado pela Arte e pela Arquitetura nos edifícios com mais de dois mil anos não são o exemplo da síntese entre estes dois mundos, mas sim a sua não diferenciação.35 34 Sérgio Guimarães de Andrade (1946– 1999) foi conservador do Museu Nacional de Arte Antiga entre 1983 e 1999, in www.agendalx.pt (09.06.2009; 17h) 35 FERNIE, Jes Two Minds – Artists in collaboration. London: Black Dog Publishing, 2006, p. 9.

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A relação entre a Arquitetura e as outras Artes tem História. Na arquitetura clássica era comum observar-se as três Artes juntas: Arquitetura, Pintura e Escultura. Veja-se o exemplo do Cinema Batalha, no Porto, desenhado pelo arquiteto Artur Andrade. A pintura mural existente no interior foi realizada por Júlio Pomar e a fachada foi decorada com um baixo-relevo de Américo Braga.36 Segundo Regatão estamos perante um caso de Escultura de Animação Arquitetónica. Na contemporaneidade esta forma de intervir na Arquitetura já não faz sentido pois, segundo o mesmo autor, a Arte Pública de hoje deve ser algo dinâmico e interventivo. O escultor Regatão considera esta Arquitetura Moderna demasiado individualista para integrar Arte Pública, que não se deve destinar a ornamentar mas sim a acrescentar algo – enquanto mensagem – ao projeto. A divisão familiar das duas disciplinas dá-se quando as Belas Artes se emancipam no século XVIII. Após esta divisão surge a necessidade de colocar as duas disciplinas em diálogo. William Morris e John Ruskin levantam esta questão no Reino Unido através do movimento Arts & Crafts e, no início do século XX, surgem ainda coletivos e grupos como De Stijl e Bauhaus que veem defender um diálogo entre arte, arquitetura, design e tecnologia. O modernismo fica marcado pelo desinteresse da perspetiva ornamental da Arte na Arquitetura e pelo interesse em colocar as duas disciplinas em diálogo.37 Depois da Segunda Guerra Mundial, grupos coletivos como o COBRA produziram manifestos e projetos interdisciplinares. Em 1956 a galeria WhiteChapel apresenta a exposição “This is Tomorrow”, de artistas e arquitetos como Alison e Peter Smithson e Eduardo Paolozzi. Segundo a opinião de Fernie, a maioria da produção dos anos 50 e 60 espelha conversas para36

Vd. ABREU, José Guilherme – A Escultura no Espaço Público do Porto no Século XX. Porto: [s.n.], 2005 pp. 185-188. 37 Vd. FERNIE, Jes – Op. cit.,, p.10. 103

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lelas entre as duas disciplinas que, mais do que estabelecerem um genuíno diálogo, medem a distância entre elas.38 O período pós-modernista dos anos 80 dá possibilidades à Arquitetura de perder as ligações ao modernismo e criar uma maior dinâmica e relação com o público. Este é o começo do diálogo entre arquitetos e artistas. Inicialmente o programa público “percentagem para a Arte” oferece fundos para projetos para incorporarem Arte nos edifícios. No final dos anos 90 este modelo é abandonado. Os arquitetos sentem que são obrigados a ceder espaço para os artistas. E estes sentem que são obrigados a construir Arte onde alguém determinou. No livro de Fernie são dados diversos exemplos de colaboração entre Arquitetos e Artistas durante o período de 1995 a 2005, divididos entre três categorias: praças, edifícios e outros. Rather than being bought in at the end of a scheme to fill a lonely space, artists began to work closely with architects from the initial stages of a design process, integrating conversations regarding aesthetic, spatial and conceptual issues into the fabric of a building or landscape project. 39

Em cada estudo de caso explica-se como trabalharam em conjunto o artista e o arquiteto, as razões que os motivaram a trabalhar em conjunto, e os papéis que cada um assumiu. E ainda as forças percebidas por cada um relativamente à sua área de conhecimento. Fernie acrescenta que este fenómeno pós-moderno é, na perspetiva da Arquitetura, um desenvolvimento no campo da prática do cruzamento interdisciplinar. Alguns arquitetos encontram no mundo da Arte maior espaço para a experimentação e investigação do que no mundo da Arquitetura. Quanto à perspetiva da Arte, Fernie acrescenta que o desen38 39

Ibidem. Vd. IDEM, Ibidem, p. 10. 104

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volvimento de práticas em colaboração com a Arquitetura coincidiram com o crescimento notável da habilidade em obter e reter poder no domínio público. Artists and the organisations which support them have become savvy to this and are now providing a powerful alternative for artists’ involvement in the public domain which allows them to develop their practice, as well as play an important role in rethinking public space. Collaboration with architects is just one of the ways that artists are achieving this end.40

Na opinião de Regatão, apesar de já existirem exemplos de projetos concebidos entre Arquitetos e Artistas – por exemplo Frank o’Gehry e artistas vários como Richard Serra, e outros – o trabalho dos Artistas continua a ser confinado, na maior parte das vezes, para a parte final dos projetos, reduzindo o seu papel a uma pequena participação num espaço previamente definido. Contudo, neste exemplo dado por Regatão coloca-se a questão da participação cidadã, que a Arte Pública deve considerar no seu processo de criação. Este trabalho realizado por Arquitetos demiurgos não combina com esta postura. Como colocar a Arquitetura a trabalhar de forma envolvente com os residentes? Como fazer do artista cidadão e do cidadão artista (como sugere Siah Armajani)? Regatão levanta algumas questões às quais nós gostaríamos de poder responder: 1. Será que a contribuição dos artistas representa um risco para o sucesso do projeto? 2. Ou a sua função continua a ser entendida como uma prática decorativa? 3. A independência da produção artística assustará os arquitetos? 40

Vd. IDEM, Ibidem, p. 11. 105

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4. Haverá uma incompatibilidade entre os dois processos criativos, ou a integração dos artistas vai implicar um aumento de custos da obra?41 Concluímos que a única forma de ultrapassar estas questões será através de equipas de projeto multidisciplinares, com Artistas e Arquitetos a trabalhar em simultâneo. Regatão faz ainda referência a uma obra de Mark Migley onde se refere que a “(…) colaboração [entre artistas e arquitetos] começa realmente quando já não é nítido quem é que faz o quê.” Fernie cita Clare Doherty a propósito do conceito dos novos situacionistas42. São os novos artistas que trabalham além do seu estúdio ou galeria, utilizando o contexto como ferramenta de investigação na criação da sua Arte. Os novos campos da Arquitetura estão abertos a recebê-los. Em 1991, o esquema RSA’s Art for Architecture foi criado para garantir esta parceria no Reino Unido. Estimulou as conversas entre as duas disciplinas afetando a natureza e o sentir do espaço público, tornando-o mais excitante. A Arte Pública integrada na Arquitetura não se refere a obras de arte implantadas em espaços públicos, mas sim a obras de arte que procuram exprimir uma identidade própria, buscando expressar temas, sentidos ou usos sociais, por forma a ligar-se aos locais e aos problemas de uma dada coletividade tendo como intenção contribuir para a definição de um identidade coletiva.43 Pretende-se uma Arte Pública significativa e inteligível para o público que procura repercutir tensões na expressão da identidade e perpetuar registos da memória coletiva.44 41

REGATÃO, José – Op. cit., p. 104. Tradução livre da autora da expressão “The new Situacionists”. Vs FERNIE, Jes – Op. cit., p. 11. 43 ABREU, José Guilherme – Op. cit., p. 9. 44 Ibidem. 42

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2 e 3. Centro Comercial Vasco da Gama. (Fonte www.sonaesierra.com)

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Na nossa perspetiva não faz sentido criar Centros Comerciais que sejam eles próprios um objeto de Arte Pública. Estes são edifícios cuja construção, venda e arrendamento devem ser rentáveis para o gestor e proprietário. Logo o investimento deve ser adequado e seguro. Nenhum Centro Comercial poderá ser concebido como um Museu. Não obstante, em 2008, a Multi Development45 abre ao público o Espacio BuenaVista, em Oviedo, Espanha, no local onde anteriormente existia um estádio de futebol. Trata-se de um Centro Comercial com 60.500m2, três pisos e um hotel, parque de negócios e centro de conferências, desenhado em parceria com a equipa do Arquiteto Santiago Calatrava. Também num contexto de regeneração urbana da antiga zona portuária do rio Tejo nasceu a Expo’98 de Lisboa, e com ela o Centro Comercial Vasco da Gama assinado pelo Arquiteto José Quintela da Fonseca46. A respeito da reabilitação da zona do Parque das Nações, Filipa Calvário refere o seguinte: Ao analisarmos o programa de Arte no parque das Nações percebemos que este foi bastante condicionado pela arquitetura, no entanto apresenta um discurso e uma interpretação própria (que nem sempre é óbvia). Daqui se conclui que estas duas disciplinas se sobrepõem, assim terá todo o sentido fazer valer uma interdisciplinaridade entre ambas através da ação do artista no design urbano, para que se completem.47

Não faz sentido deixar um “local” para o artista trabalhar relegando-o para o plano da decoração. A ação do artista 45

Empresa Multinacional proprietária e promotora de Centros Comerciais. Chief Design Officer da Sonae Sierra. 47 Vd. CALVÁRIO, Filipa Pita – Sentidos da Arte Pública: Reflexão sobre os significados da Arte Pública em Periferias Urbanas: Almada e Parque das Nações. [S.l.:s.n.], 2008, p. 112. Dissertação de Mestrado no Instituto Superior Técnico em Lisboa. 46

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deve ser interventiva, deve criar sentidos e ir de encontro aos modos de uso da comunidade. Poderá haver limitações à intervenção do artista, como também há à intervenção do arquiteto. Estas limitações devem definir-se numa perspetiva transdisciplinar e em equipa. Dan Graham, por seu lado, defende um paralelismo entre estas duas dimensões – da Arte e da Arquitetura. Ele afirma que a tarefa da obra de arte ou de arquitetura não consiste na resolução de conflitos sociais ou ideológicos numa bela obra de arte. Ou ainda, na construção de um novo contentor-conteúdo ideológico. Concorda com Siah Armajani na não colocação de ideologias na Arte. A obra utiliza uma forma híbrida para a qual concorrem um código popular de entretenimento e uma análise baseada na política da forma.48 Filipa Calvário defende que estes são os sentidos da Arte Pública: 1. A Arte Pública faz parte do quotidiano da comunidade. 2. A Arte Pública só faz sentido no espaço público. (…) Um espaço onde uma obra é inserida torna-se automaticamente outro, ou seja, de espaço transforma-se em lugar, em oposição aos “não lugares”. 3. A Arte Pública promove o diálogo entre os cidadãos. 4. A Arte Pública provoca meditação, estimula o pensamento e a imaginação. 5. A Arte Pública é uma forma de expressão de convicções, valores e ideais de diferentes culturas e artistas, ensinando-nos sobre o passado, presente e futuro. 6. A Arte Pública é uma forma de instrução da sociedade. 7. A Arte Pública proporciona a interdisciplinaridade.49 48 Vd. GRAHAM, Dan – A arte com relación a la arquitetura. La arquitetura com relación a la arte, Barcelona:GG Mínima, 2009. Título original publicado na Art Forum, vol 17, a 6 de fevereiro de 1979. 49 Vd. CALVARIO, Filipa – Op. cit., p. 144.

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No programa de reabilitação da cidade de Almada, distrito de Lisboa, procurou-se estimular a apropriação das obras de arte pela população utilizando o argumento do seu contributo para a promoção da cidade. Esta atuação foi criticada por Filipa Calvário pois é através da participação cidadã, do envolvimento e interação entre os artistas, a comunidade local e a obra que nasce a apropriação. Não através de uma politica ideológica de desenvolvimento urbano via Arte Pública. Os artistas têm um forte papel de atores sociais em todo o processo de conceção das peças, num projeto com uma expressão tão pública e interventiva, seria direito dos cidadãos poderem participar na discussão de um trabalho que (se dirige) para o seu espaço comunitário.50

Em conclusão, não é o facto de uma obra de arte estar num local aberto, como uma praça ou edifício, que a torna, consequentemente, uma obra de arte pública. Mas sim o processo pelo qual ela foi inserida na contexto urbano, a sua relação com o local e a resposta que dá às expectativas da comunidade onde se insere, aspeto que uma vez mais vem mostrar as insuficiências da noção de obra site specific.

3.3. Reflexão sobre Programas de Arte Pública Desenho conceptual de um programa de Arte Pública Faz parte dos objetivos desta dissertação refletir sobre alguns programas de Arte Pública. A programação no âmbito da Arte Pública representa uma das formas de promover este tipo de Arte e de proporcionar às comunidades a oportunidade de usufruírem dos seus benefícios. 50

Vd. IDEM, Ibidem, p. 113. 110

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Este fenómeno é bem representado no livro Public Art By the Book, edição coordenada por Barbara Goldstein.51 Nesta obra de referência a autora pretende examinar as filosofias e métodos que foram adotadas pelos diversos programas para colocar a Arte na esfera pública. Analisámos com maior profundidade o primeiro e segundo capítulos. O livro surge como produto de três conferências ocorridas em 1998, 1999 e 2001, promovidas pela Comissão de Artes de Seatlle. Goldstein escolhe a reflexão de Jessica Cusick sobre o planeamento da estrutura do programa de Arte Pública para iniciar a publicação. Neste primeiro capítulo, Cusick começa por referir a importância que o planeamento, e o seu processo de desenvolvimento, têm para demonstrar as diversas necessidades culturais que devem ser levantadas junto da comunidade, bem como a sua identidade cultural. Seguindo a análise de Cusick, um bom plano de Arte Pública tem que ter bem definidos os seguintes pontos: 1. Os seus objetivos e as prioridades da comunidade; 2. As localizações-chave e as oportunidades para a Arte Pública; 3. As projeções financeiras dos fundos de financiamento e a sua natureza pública e/ou privada; 4. A estrutura do programa e os requisitos do Staff; 5. As milestones – momentos mais significativos – para o projeto; 6. Políticas e procedimentos para: chegar à comunidade, selecionar artistas, gerir a coleção e garantir a sua conservação e manutenção. A definição de todos estes pontos no plano de Arte Pública permite que possam ser revistos e melhorados de acordo com os inputs que surjam ao longo da sua implementação. 51

Vd. GOLDSTEIN, Barbara – Public Art by the book. Washington: University of Washington Press, 2005, p. 9. 111

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Cusick define quatro momentos do processo de planeamento do programa de Arte Pública: a pesquisa inicial, o desenvolvimento do projeto, a aprovação dos stakeholders – partes interessadas – e a sua implementação no terreno. No momento da pesquisa e recolha de informação é muito importante constituir um focus-group com cidadãos ou outros stakeholders pertencentes à comunidade, para se avaliar as necessidades culturais da comunidade local. Ao desenvolver o plano, define-se o seu formato, que pode ser escrito, digital (CD-Rom) ou virtual (website). Para ser um plano eficaz, segundo a opinião desta autora, deve ser desenhado para um local e tempo específicos no momento do seu desenvolvimento. Cusick sugere ainda que no desenvolvimento do plano o seu autor responda às seguintes questões: Qual o papel que as Artes desempenham na comunidade em questão? De que forma é que a História influenciou a forma do local? Que fatores económicos e demográficos afetam a região? Como tem de ser estruturado este plano de forma a refletir as características específicas da área? Que tendências nacionais da Arte Pública são relevantes para a comunidade e para este plano? O que espera cumprir? Que assuntos terão que ser endereçados a terceiros? Quem vai trabalhar no plano e no programa? Que fundos estão disponíveis? Quais são as estruturas que suportam a Arte nesta comunidade? Já existem atividades a decorrer nesta comunidade no âmbito da Arte Pública? Se sim, de que tipo? Quem participa nelas? O que fará deste programa um sucesso? O que tornará o plano eficaz? Como garantir que o plano é implementado?

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É fundamental a formação de coligações, de alianças, entre o plano e o público a quem se destina. Estas alianças podem estabelecer-se através da organização de um comité, constituído por diversos tipo de stakeholders – cidadãos, residentes, entre outros – que formem um corpo conselheiro. Concordamos inteiramente com Cusick quando refere o convite à comunidade para participar no desenvolvimento do plano como a melhor forma de criar um apoio vindo dessa mesma comunidade. Para tal, devem ser identificados elementos da comunidade que sejam significativos neste processo. Quem são os Key-Stakeholders? Como podemos assegurar o seu envolvimento? Cusick refere como exemplos de Key-Stakeholders pessoas eleitas pela comunidade, ativistas, comissões (de parques, de bibliotecas, entre outros), agências governamentais, grupos de vizinhos ou associações, comunidades de desenvolvimento de negócios e, ou, de Arte e Design. Ao promover a criação deste comité é essencial determinar à partida se as suas competências serão de conselho ou de aprovação. O número de reuniões e a sua periodicidade também devem ficar bem definidas no primeiro momento. Pode acontecer que alguns Key-Stakeholders não queiram apresentar a sua opinião publicamente mas aceitem um contacto mais reservado, como declarações ou entrevistas. Cusick dá destaque ao processo de envolvimento público, ou seja, antes do projeto estar em vigor devem ser apresentados os benefícios da Arte Pública à comunidade. Uma das sugestões da autora é fazê-lo através de conferências de Arte Pública que demonstrem a sua aplicação, com sucesso, em outras comunidades. O Website é uma excelente ferramenta de comunicação na sociedade contemporânea, que permite a atualização permanente do plano sem custos adicionais. Na opinião de Cusick, só depois de estabelecidos os objetivos do programa de Arte Pública, as comunidades se podem tornar consultores, assistindo e aconselhando o desenvolvimento do plano. 113

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Os objetivos devem ser consensuais e refletir as prioridades do projeto para os Stakeholders. Um projeto-piloto poderia, segundo esta autora, demonstrar empiricamente as vantagens da Arte Pública. Relativamente à aprovação e à implementação do plano, Cusick sugere a sua apresentação ao comité de cidadãos para revisão e comentários. Depois de revisto, o plano deve ser apresentado a alguns grupos oficiais para aprovação, de acordo com os regulamentos do espaço público. O segundo capítulo desta obra é dedicado aos fundos de financiamento dos programas de Arte Pública. Ele é escrito pela própria Barbara Goldstein no que respeita aos financiamentos públicos e por Penny Balkin Bach52 no que respeita aos financiamentos privados. Ambas levantam uma diversi52 In http://www.fpaa.org/AboutStaff.html (10.01.10;19h): Fairmount Park Art Association Staff Penny Balkin Bach, Executive Diretor Ms. Bach is a noted curator, writer, cultural observer, educator who provides artistic direction for the Art Association. She initiated the pioneering Light Up Philadelphia, Form and Function, and New•Land•Marks programs, and led a movement to preserve and protect Philadelphia’s outdoor sculpture. Ms. Bach has written extensively about public art and the environment in Public Art in Philadelphia published by Temple University Press, “Lessons Learned: the Past Informs the Future” in the Public Art Review, and as essayist and editor of New•Land•Marks: public art, community, and the meaning of place, published by Ariel Editions, an imprint of Grayson Publishing. Ms. Bach wrote on private funding for public art in Public Art by the Book, published by Americans for the Arts and the University of Washington Press. She has served on numerous juries and selection panels and has presented lectures, workshops, and exhibitions. She has worked with communities and organizations worldwide, including the Scottish Sculpture Trust in Edinburgh, the ARCO International Contemporary Art Forum in Madrid, and the Yuzi Sculpture Garden in China. A graduate of the Tyler School of Art in Philadelphia, Ms. Bach received a Master’s Degree in Visual Communications and Social Organization from Goddard College in Vermont and pursued graduate studies in fine arts and design at the Allgemeine Gewerbeschule in Switzerland. She has served on the Board of Trustees of The Fabric Workshop and Museum and the Charter High School for Architecture and Design (CHAD). Laura S. Griffith, Assistant Diretor

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dade de questões e analisam alguns exemplos de modelos de financiamento enquanto case-studies. São os fundos privados os que mais interesse suscitam para a nossa dissertação. Como Penny Balkin Bach nos indica, um programa sustentado por financiamento privado goza de um autonomia particular, que tende a permitir e encorajar a experimentação e inovação, face ao apoio do mesmo tipo de programa mas com dinheiro público dos contribuintes. Penny Ms. Griffith manages daily administration, including contractual and insurance issues, landscape and conservation programs, public relations, special events, policy development, and research. A graduate of Allegheny College, Ms. Griffith received her master’s degree in art history from Case Western Reserve University in Cleveland, Ohio, and previously held positions at the Philadelphia Museum of Art and Institute of Contemporary Art. She has served as the Philadelphia contact and award reviewer for the Heritage Preservation and Smithsonian Institution’s Save Outdoor Sculpture! (SOS!) program, and has presented at numerous conferences and workshops, including Conservation and Maintenance of Contemporary Art whose proceedings were published by Archetype Press. Ms. Griffith coordinated the landmark national interdisciplinary conference Public Art in America ’87, currently serves on the City’s Conservation Advisory Committee, and is the cofounder/facilitator of the Philadelphia Public Art Forum. Susan Myers, New•Land•Marks Project Manager Ms. Myers is responsible for coordinating artists, design professionals, contractors, and community organizations in the creation of new permanent public art. Prior to joining the Art Association, Ms. Myers worked at the Pew Fellowships in the Arts overseeing the development and creation of the Artists’ Resource Guide for artists in the Philadelphia region. She also worked as a Project Manager for the public art project Past Presence: Contemporary Reflections on the Main and served as Program Diretor at Artist Trust in Seattle, WA, a widely recognized nonprofit arts organization that supports artists of all disciplines. She is a practicing artist and holds an M.F.A. from Syracuse University and a B.F.A. from Virginia Commonwealth University in Richmond, VA. Jennifer Richards, Development and Communications Manager Ms. Richards oversees fundraising activities and produces content for the Art Association’s publicity materials and web site. A graduate of the University of Pennsylvania, Ms. Richards has worked as a development consultant for several large nonprofit organizations in New York City and as a fundraiser and operations administrator for Teach For America and The Lance Armstrong Foundation/ LIVESTRONG Challenge in Philadelphia. Ginger Osborne, Office Manager 115

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apresenta três casos de programas de Arte sem fins lucrativos: Creative Time e o Public Art Fund, ambos em Nova Iorque e o Fairmount Park Art Association em Filadélfia. Segundo Penny Bach, todos consideram a esfera pública um laboratório para a experimentação artística. O autor identificou nos três programas uma liderança curatorial muito forte, apoiada por individualidades do mundo da Cultura. Concluiu que os artistas são selecionados – através de convite ou concurso – por profissionais experientes no mundo das Artes, que geralmente estão dentro da organização. Identificou que todos se comprometem, enquanto organizações que apoiam a Cultura, a trabalhar com artistas emergentes ou já estabelecidos – locais, nacionais ou internacionais – com um sentido de continuidade programática. Bach referiu que todas estas organizações procuram formas de se autofinanciarem para suportar os programas de Arte Pública, procurando os concursos públicos para entidades privadas, apoios de indivíduos mecenas e fundações. Importa ainda referir que estas três empresas não trabalham com locais obrigatórios ou dedicados para a Arte Pública, como habitualmente se faz nos programas Percent for art53. Estes desenvolvem parcerias e procuram colaboradores que possam fazer parte de uma estratégia de envolvimento público mais significativa. O programa, iniciado em 1996, pela Fairmount Park Art Association, designado por New*Land*Marks: Public Art, Community, and the meaning of Place, mantém a tradição de juntar artistas e organizações da comunidade para planear e criar novos trabalhos de Arte Pública na cidade de Filadélfia. Na opinião desta autora, estes esforços celebram a identidade da comunidade e respondem ao ambiente local, oferecendo uma forma mais visionária, mas ainda assim razoável, de 53

Programas americanos que obrigavam os edifícios públicos a reservar uma percentagem do seu orçamento de construção para o embelezamento através da Arte Pública. 116

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fortalecimento do espaço público. Pela conservação e exposição das peças, realizaram nova iluminação das Esculturas nas vias públicas de Filadélfia. As três organizações acederam a deixar correr os trabalhos de acordo com a orientação do artista. E estes aproveitaram a oportunidade para se desenvolverem e contribuírem para o meio cultural. No que respeita à educação, Penny Bach identificou a ênfase dado ao envolvimento público e à educação através de publicações, exposições, workshops, conferências e eventos – todos desenhados para tornar a Arte Pública contemporânea mais acessível ao público. A celebração também é um fator identificado por Bach como impulsionador de um projeto de natureza individual. O público, ao participar nestas celebrações, está também a participar na construção histórica da Arte Pública da sua cidade. Exemplo de Política Municipal de Percentagem para a Arte para a promoção da Arte Pública, de 2007, da cidade de Edmonton, EUA. Segundo dados do site PAN – Public Art Network, existem atualmente mais de 350 programas de Arte Pública nos EUA, a nível federal, estatal e local.54 Foquemonos na realidade portuguesa dos últimos 20 anos. O caso português – análise dos programas de Arte Pública da Tabaqueira, Brisa e Expo’98 Dos programas de Arte Pública que tiveram lugar em Portugal, e num primeiro momento, escolhemos refletir sobre o da empresa Tabaqueira, de 1998-2006, e o da Brisa, de 1992-93. Contudo, dada a falta de informação a reflexão tornar-se-ia incipiente, pelo que lhe juntamos o caso da Expo’98. É nosso propósito utilizar as conclusões desta análise para decidir qual o caminho a seguir na nossa proposta de programa de Arte Pública para Centros Comerciais. Acreditámos que, 54

http://thepublicartnetwork.blogspot.com (10.01.15;14h). 117

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estudando o percurso destas empresas, iríamos definir os passos fundamentais a levar a cabo, bem como as “afinações” que nos permitiriam contornar os aspetos menos positivos que ocorrem neste tipo de projetos. Os dois primeiros projetos distinguem-se num ponto fundamental: o facto de a Brisa utilizar os seus terrenos das áreas de serviço, enquanto que a Tabaqueira negoceia com as Câmaras Municipais – das cidades escolhidas para esta iniciativa – o melhor local para colocar a obra. Ambas são obrigadas a lidar com o paradoxo das suas obras se poderem tornar monumentos iconográficos ou ideológicos e com o facto de, pela sua estética, serem mais ou menos apropriados e/ou compreendidos. Segundo Pinharanda55, o facto de Portugal se ter integrado na União Europeia permitiu, após resolução das necessidades mais básicas, que os seus políticos e empresários se voltassem para a Cultura e as Artes.56 Pinharanda também ressalva o facto de o prémio Tabaqueira ter tido um valor acrescido para o país enquanto descentralizador da cultura, tendo-a levado a 7 cidades diferentes, cinco além de Lisboa e Porto. O mesmo aconteceu com o Programa Arte nas Autoestradas da Brisa uma vez que as entradas e saídas das 7 autoestradas selecionadas para receber Arte Pública não são cidades centrais. Durante a realização desta dissertação foram endereçadas à empresa Brisa as seguintes questões, que ficaram por responder até esta data: 1. Em 1992 a Brisa estabeleceu um protocolo com a Secretaria de Estado da Cultura. Todas as peças produ55 Historiador de arte, crítico de arte e comissário, João Pinharanda é o Diretor artístico do Museu de Arte Contemporânea de Elvas. In http://www.artecapital.net (2010.01.10; 15h). 56 Vd. PINHARANDA, João Lima – 7Artistas7Paradigmas, Prémio Tabaqueira de Arte Pública. [S.l.]:Tabaqueira, 2007, p. 17.

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zidas no âmbito deste projeto foram produzidas entre 1992 e 1993? Houve só uma edição deste programa? Ou foi desenvolvido ao longo do tempo? Como foi constituído o júri e quais os critérios mais importantes na seleção das obras? A quantos artistas foram entregues os Cadernos de Encargos até escolherem cada uma das peças? O conteúdo do Caderno de Encargos pode ser consultado? Desde 2001, data em que foi editada esta publicação57, já foi produzida mais alguma obra? Se sim, poderia ter acesso a essa informação? Seria possível ter acesso a mais documentação, ou a outros registos como entrevistas feitas na época aos artistas? Conseguiram medir o impacto da ação no público que consome as autoestradas? Ou alguma mudança de perceção?

Sem resposta a estas questões não é fácil retirar conclusões sobre que caminho seguir na organização do nosso Programa de Arte Pública. Um ponto fundamental a reter, seja qual for o formato do programa de Arte Pública a implementar, é também referido por Pinharanda no excerto seguinte: A Arte Pública afirma-se então como prática que perdeu a aceção restrita de arte monumental, passando a poder referir toda a expressão artística disponibilizada em espaço público, fruída em espaço público, crítica e reordenadora do espaço público, confundida mas não dissolvida nesse espaço público. E os gestores (poderes locais ou centrais) desse espaço público devem saber aprender a lidar com as vertentes contestatárias dominantes nos discursos dos que respondem às encomendas 57

Refiro-me à publicação Arte nas Autoestradas, Brisa, Lisboa, 2001. 119

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artísticas. Porque, finalmente, sabemos que a dinâmica atual da Arte Pública configura a afirmação de novas formas de exercício do Poder (a sua pulverização) em sociedades que se encontram em mudança acelerada. Ou seja, a Arte Pública implica uma relação diversa da Arte quer com o encomendador (político e económico) quer com o destinatário – não mais se deve confundir com a linear encomenda de objetos escultóricos e celebrativos estáticos para o centro de uma Praça. 58

O Prémio Tabaqueira foi criado em 1998, com o apoio do Ministério da Cultura e as suas peças abrangem um período de produção/instalação de 1999 a 2006. Durante a realização desta dissertação foram endereçadas à empresa Tabaqueira as seguintes questões, que ficaram, até esta data, sem resposta clara59: 1. Como aconteceu o caso da obra de Croft, que inicialmente era para ser numa rotunda e acabou colocada num jardim? 2. Como comenta o facto da rotunda que recebeu a obra de Fernanda Fragateiro não ter as árvores que a artista escolheu? E o facto de, por vezes, surgirem decorações de Natal na peça? 3. Quem escolheu os lugares? O Artista? Quais os critérios? Quem convidou os artistas? Quantas participações houve por ano? Houve repescagens de anos anteriores? 4. Foram propostos temas aos artistas? Ao observarmos as questões que ficaram sem resposta facilmente as identificamos como estruturantes do ponto de vista da conceção do programa. Depois da análise à realidade anglo-saxónica, onde os programas são concebidos e escritos 58

Vd. IDEM, ibidem. p. 21. Recebemos um telefonema para esclarecimento das questões e sentimos que do outro lado não haveria a capacidade de resposta a este tipo de questões com maior teor técnico e não se voltou a insistir. 59

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num regulamento claro e transparente colocado à disposição da esfera pública, não podemos deixar de nos identificar com as críticas da escultora Susana Piteira quando referia, na sua entrevista, que em Portugal não existe uma programação séria de Arte Pública. Sem que a esfera pública possa ter acesso livre aos conteúdos do programa – regulamento, objetivos, resultados, avaliação, entre outros – este tende a ser interpretado como uma encomenda, mas desta feita a um curador ou programador que gere as relações com os artistas, o que pode ser uma forma pouco parcial e justa de decidir a programação para o espaço público. Uma das atuais discussões em relação à arte pública, que é uma das vertentes que pode dar muitas saídas além da institucional, é como é que se sustenta isto? Vamos programar, vão ser outra vez as instituições a pagar, vão ser os políticos a decidir, ou não? (...) Devemos conhecer outras práticas, sobretudo dos países anglo-saxónicos, sem copiá-las, mas vendo o que podemos adaptar ou para que é que nos alertam muitas das suas práticas já testadas, de forma a criarmos as nossas próprias práticas. E não copiar padrões e regulamentos de obra que não têm nada a ver connosco. Portugal tem que respeitar a sua própria escala e cultura. 60

É pela experiência que tem tido enquanto escultora que Susana Piteira decide fazer uma tese de doutoramento enquanto tentativa de programa de Arte Pública. A nossa programação é uma não programação. É possível uma câmara comprar trabalhos e não os colocar ou pagar um simpósio de escultura e não colocar as peças. (...) Tenho dez esculturas que não estão colocadas porque sou muito criteriosa com a sua montagem, senão já estavam algures 60 Notícia publicada na edição de 18 de fevereiro de 2006 do jornal O Primeiro de Janeiro, retirado do site pessoal da artista www.susanapiteira.com.

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por aí. Na maioria das vezes os artistas desenvolvem trabalhos escultóricos em resposta a concursos, ao trabalho de integração das artes a partir dos trabalhos conjuntos com arquitetos, a encomenda direta e o simpósio.61 Após a falta de informação nos dois programas escolhidos anteriormente para nossa análise, acrescentámos a EXPO’98, onde se desenvolveu uma espécie de programa de Arte (Urbana) Pública. Para esta análise suportamo-nos na dissertação de José Guilherme Abreu e na de Filipa Calvário. Ambos constatam que não se pode definir este programa enquanto puro programa de Arte Pública, pelo facto de os locais a serem intervencionados terem sido definidos pelos Arquitetos envolvidos no programa desde o seu início. Um verdadeiro programa de Arte Pública envolveria todos os artistas na definição dos espaços a tratar, permitindo uma abordagem mais democrática e interdisciplinar. Segundo opinião de José Guilherme Abreu constitui exceção a esta asserção, e pela positiva, a criação da Torre de TCC, da autoria de Graça Dias, Egas Vieira e Pedro Calapez. Este autor acrescenta que a participação cidadã não foi tida em conta neste programa, e esse facto também o desvia da definição de Arte Pública na linha de Siah Armajani, que vimos e seguimos nesta dissertação. Contudo, Filipa Calvário salienta, pela positiva, que um dos aspetos deste programa foi os seus responsáveis estarem preocupados com a implantação das peças. Não temos dúvida, como de resto ainda salienta José Guilherme Abreu, que este programa, apesar de não preencher todos os requisitos necessários à sua afirmação enquanto programa de Arte Pública, vem realizar em Portugal a atribulada transição do paradigma das “obras públicas” para o paradigma da “arte pública”. Uma das grandes heranças que Filipa Calvário reconhece que esta exposição deixou a Portugal foi a 61

Vd. Ibidem. 122

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distribuição aleatória um pouco fragmentada, vinculativa dos princípios pós modernistas de conceber o espaço público. Ainda na opinião desta autora, a exposição de arte urbana vinda da EXPO’98 tem sido continuada na urbanização do Parque das Nações e dá os seguintes exemplos: instalação de um painel de azulejos de grandes dimensões do pintor islandês Erró no futuro Art’s-Business & Hotel Centre, de uma escultura de Chartes de Almeida num edifício de habitação e de outra de José Aurélio no Edifício Zen ou de uma intervenção do artista plástico Gilberto Reis na sede da Vodafone. E ainda os Homem-Fonte de Fabrice Hybert ou a escultura de Antony Gormley. No edificio ECRAN existe uma escultura em aço corten de Fernando Conduto e um painel de azulejos de Jorge Martins. Na Torre Fernão de Magalhães uma peça escultórica em aço corten do escultor António Vidigal. Da parte II, sexto tempo, Arte Pública e Monumentalidade – O Prodígio da Expo’98, da dissertação de José Guilherme Abreu, pode ler-se que a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP) propõe a formação de um grupo de trabalho próprio para a EXPO’98 formado por cinco elementos: António Mega Ferreira, António Manuel Pinto, Fausto Lopo de Carvalho, Rui Pereira Correia e José Sarmento de Matos. De acordo com José Guilherme Abreu diríamos que seguiram a estratégia de estabelecer um grupo técnico e algo interdisciplinar, com vista à coordenação de todo o projeto, em vez de ficarem demasiado presos aos aspetos político-culturais. Envolto na exposição estava o programa de Arte Urbana62, como lhe chamam na literatura oficial sobre o evento. José Guilherme Abreu refere a regeneração urbana deste espaço como a habitual força motriz das “Waterfronts of Art”, e cita na sua dissertação exemplos como 62

Vd. MACHADO, Aquilino – Os Espaços Públicos da exposição do mundo português e da Expo’98. Lisboa: ParqueExpo, 2006. pp.100-101. 123

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o Battery Park City em NY e a Villa Olímpica em Barcelona. Pela sua importância para a nossa dissertação reescrevemos o autor: Não é de todo pacífico, de resto, a avaliação deste tipo de programas, já que na verdade as obras de arte contemporânea muitas vezes se inserem nos espaços regenerados de forma idêntica àquela como se apresentam nos espaços museais ou nas galerias comerciais, não repercutindo as memórias, os significados e usos coletivos desses mesmos espaços, coisa que compromete o carácter identitário da obra de arte pública. Daí que importe reconhecer que a implantação de obras de arte nos espaços públicos regenerados, assim como nos restantes espaços urbanos, tem visado, no plano geral mais imediato, objetivos claramente mercantis, na medida em que as mesmas valorizam os espaços em que se inserem (...) Um programa de Arte Pública para Centros Comerciais tem que estar inserido na estratégia da Responsabilidade Corporativa Cultural, de forma a garantir que não se trata de simplesmente expor obras de Arte em espaços públicos, mas sim em criar a Arte Pública para a comunidade local, ou seja, Arte com que a comunidade se identifique, que trabalhe os usos e costumes locais e crie significados. Por outro lado, não deve existir no programa a pretensão de construir uma coleção de Arte Pública valiosa e que valorize os edifícios, pois isso desviaria o programa do objetivo inicial de promover jovens artistas nacionais e locais. O catálogo da exposição refere a existência de 24 obras de Arte Pública, das quais 16 são escultura, entendida em sentido alargado, segundo opinião de José Guilherme Abreu. Este projeto foi planeado e concebido de forma bastante diferente da encomenda ou da exposição temporária, ou até mesmo dos Simpósios que até então se organizavam. Contudo faltou-lhe estabelecer com os visitantes relações que ultrapassassem o ser funcional, lúdico ou ornamental. Por este facto, José Guilherme Abreu escolhe a Torre TCC e o Jardins da Água como exceção a este desvio do identitarismo e simbolismo da Arte Pública. 124

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Escolhe a Torre de TCC da Petrogal porque, segundo este autor, ela assinala um momento importante para a formação de uma arte pública interdisciplinar de expressão portuguesa. Além disso, não se limitou a ser conservada enquanto lugar histórico, procurou-se manter a memória do lugar, reinterpretando-o através da arquitetura para lhe dar novos usos. A possibilidade de a subir para usufruir da vista, a possibilidade de alcançar a outra margem, e o trabalho artístico do chão que a rodeia e do perfil de um barco. Sobre esta obra o autor reflete: Esse será o papel da arte pública. Através de uma composição híbrida que terá como origem a metodologia de projeto interdisciplinar, objeto, espaço, imagem e significado(s) serão chamados a integrar uma composição extraordinariamente densa e poderosa, agregando diferentes disciplinas, linguagens, lógicas e poéticas, que ali aparecem fundidas numa totalidade pluridimensional e polissémica.

A obra “Os Jardins da Água” foi realizada com base num projeto artístico da responsabilidade da artista Fernanda Fragateiro, inspirado no livro “As Ondas” de Virginia Woolf, mas que, por sua vez, se baseia num trabalho pluridisciplinar que conta com a participação de outros artistas, como Lino Ramos e Nelson Ramos, e diversos meios plásticos. José Guilherme Abreu destaca o mosaico, a escultura, o azulejo, o desenho de calçada, a land art e a arte dos jardins. O Jardim das Ondas, também de autoria de Fernanda Fragateiro, é resultado de um trabalho conjunto com o Arquiteto paisagista João Gomes da Silva. Atrevemo-nos a concordar com a asserção de José Guilherme Abreu quando classifica esta obra como um exercício exemplar de Arte Pública. De facto há uma forma de trabalhar o solo extremamente criativa, deixando-o ser usufrido pelo visitante e transmitindo uma clara mensagem visual e de texturas, através do tratamento do relevo e declive do solo, bem como do corte da relva. Filipa Calvário, sobre esta obra, refere de forma explícita: (…), o papel do paisagista neste projecto foi mais de apoio 125

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técnico no sentido de tornar fazível a ideia da autora. (…) É um jardim criado para ser vivido pela comunidade,(…). Apesar da Arquitetura ter definido os locais de intervenção, houve artistas que conseguiram potenciar esse facto a seu favor e transformaram a sua intervenção, ou proposta de intervenção, em obras de Arte Pública, de, para e com, o público. Essa é a verdadeira atitude de um artista de Arte Pública. Em nenhum dos três exemplos estudados se procedeu a análise inicial de recolha de informação junto da comunidade, para aferir as suas necessidades culturais, como sugere Cusick. Sugerimos que no planeamento e desenvolvimento do programa de Arte Pública para Centros Comerciais se realize este focus group na comunidade local, pois é a melhor forma de criar um apoio ao programa por parte dos residentes. Sugerimos a escolha de um Centro Comercial de média dimensão para projeto-piloto.

3.4 A Arte Pública nos Centros Comerciais As formas que a Arte Pública pode tomar são diversas, na opinião de Antoni Remesar: Public Art can take so many different forms and shapes. Public Art can mean: small sculptures, big sculptures, murals, paintings, street furniture, buildings, tramways or buses, fountains, bridges and arches, communication towers, signalling systems, sports infrastructures…63 E ainda atos e eventos não permanentes como happenings, performances, música e toda a atividade criativa ou expressiva, arte comunitária, ativista – new genre of public art.64 Sobre este último conceito, Miles refere que Public Art might, since definitions are mutable and cumulative, be taken to include the work of artists 63

Vd. REMESAR, Antoni – Public Art. An Ethical Approach, in Urban Regeneration, A Challenge for Public Art. Barcelona: A. Remesar (Ed), 2005, p. 7. 64 Vd. IDEM, Ibidem, p. 132. 126

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undertaking residences in industrial or social setting, and the community arts programmes which began in the late 1960, (…) . One difference between conventional public art and community arts or new genre public art, is that the community artist, and often the new genre being perhaps as valued as drawing skill.65 Ainda segundo Remesar, as suas funções são também diversas: to commemorate, to improve the visual landscape, to help economic regeneration through tourism and investment, to identify a community, to help people to manage public space, to answer to a more general policy on quality of life… Diz ainda que a Arte Pública deve ser “para” e “pelas” pessoas. Está a referir-se à participação cidadã, fundamental para aproximar a Arte das comunidades locais. José Guilherme Abreu66, ao estudar a produção escultórica inserida no espaço público do Porto, no Século XX, organizou-a pela sua função: 1. Lugares de Devoção – particularizam-se por se conceberem ou funcionarem como registos de crenças, ligadas à sacralização de acontecimentos, figuras ou sítios; 2. Lugares de Memória – particularizam-se por se conceberem ou funcionarem como registos de memórias, ligadas à rememoração de factos ou figuras históricos; 3. Elementos de Animação Arquitetónica – particularizam-se por se conceberem ou funcionarem como adereços ornamentais ou intervenções plástico-conceptuais, destinadas a enriquecer os espaços arquitetónicos singulares; 4. Elementos de Qualificação Urbana – particularizam-se por se concebem ou funcionam como adereços ornamentais ou intervenções plástico-conceptuais, destinadas a enriquecer conjuntos arquitetónicos, como sendo 65 66

Vd. MILES, Malcolm – Art, Space and the City. NY: Routledge, 1997, pp. 8-12. Vd. ABREU, José Guilherme – Op. cit. 127

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os que se entendem como praças, eixos urbanos, bairros, entre outros; Nos primeiros dois pontos de classificação as obras denotam uma intenção narrativa preponderante, enquanto que nos dois últimos predominam os aspetos imagéticos, face aos discursivos. Porque a presente dissertação analisa os elementos de Arte Pública presentes no interior dos espaços dos Centros Comerciais, para aplicarmos o modelo de classificação deste autor, o mesmo terá de ser adaptado. A primeira categoria – Lugares de Devoção – não é uma entidade que à partida nos pareça fazer sentido dentro de um espaço comercial. Contudo, existem em Portugal pelo menos dois exemplos de Lugares de Devoção: a Capela do Colombo e a Capela das Amoreiras, em Lisboa. Pela raridade do fenómeno vamos descrevê-lo um pouco melhor no seguimento desta análise. Quanto à segunda categoria – Lugares de Memória – gostaríamos de analisar alguns elementos de Arte Pública que fornecem ao NorteShopping característica de um Lugar de Memória, pela presença da rememoração histórica da fábrica existente no terreno onde foi construído o Centro Comercial, como veremos mais à frente. Os elementos de Arte Pública presentes dentro dos Centros Comerciais que vamos analisar, seriam de acordo com aquela classificação Elementos de Animação Arquitetónica. Contudo, porque existem, ou podem existir, Centros Comerciais que se inserem em zonas transformadas por planos de regeneração ou expansão urbana, nas suas redondezas podem encontrar-se elementos de Arte Pública, como por exemplo, esculturas, pérgulas, ou até monumentos, sendo os mesmos, nesse sentido, Elementos de Qualificação Urbana.67 67 Caso da rotunda junto ao GaiaShopping que ostenta uma escultura de um barco Rabelo, que repercute a tematização do próprio Centro Comercial.

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Parece-nos ainda necessário acrescentar a esta lista mais duas funções que consideramos importantes e necessárias para serem desempenhadas pela Arte Pública, a desenvolver para os Centros Comerciais. A nossa proposta é desenvolver através da Arte Pública: 6. Polos de catalisação identitária – promovem a transformação do “não lugar” em um “lugar”; 7. Polos de envolvimento Comunitário – promovem a ligação às comunidades locais via do desenvolvimento de programas artísticos. Mais à frente neste capítulo veremos como. Lugares de devoção Quanto à função da Arte Pública promover o agenciamento de espaços de sacralização ou devoção, à partida ela parece não se enquadrar na realidade dos Centros Comerciais. Contudo existem dois exemplos de Centros Comerciais em Portugal que dentro das suas instalações possuem lugares de sacralização com Arte Pública, desta feita Sacra – Capelas. São eles o Centro Comercial Colombo e o Centro das Amoreiras. Encontrámos no site das paróquias68 uma notícia editada pelo Jornal de Notícias de outubro de 2001 – Impérios do consumo também rezam missa. Esta notícia é bastante interessante para a análise deste ponto pelo que transcrevemos os excertos mais relevantes. A capela das Amoreiras nasceu com o próprio centro comercial, em 1985, provocando um grande impacto arquitetónico na cidade, pela mão do arquiteto Tomás Taveira. O espaço religioso é perfeitamente autónomo. No Colombo, centro cuja decoração retrata a época dos Descobrimentos, o 68

Extraído de http://www.paroquias.org/noticias.php?n=1046 (03.01.2010; 11h). 129

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espaço da capela foi cedido gratuitamente. A Igreja apenas assume os encargos com a eletricidade, telefone e manutenção das instalações, e depende da paróquia de Benfica. A Igreja do Colombo já fez, pelo menos, um casamento e dois batizados. As capelas funcionam sobretudo como “um espaço de recolhimento, de pausa”, explica ao JN Eduardo Vieira, diretor comercial do Colombo. Tanto são utilizadas por funcionários como por visitantes, ao final da tarde ou na hora de almoço. “Há sempre caras novas”, garante o padre Peter Stilwell, da capela das Amoreiras. (...) Fátima Crespo é uma frequentadora assídua da capela das Amoreiras. Reside na zona de Campolide e tem igrejas tradicionais perto de casa, mas prefere a do centro comercial, por ser “um espaço agradável e íntimo”, que transmite paz. “Sinto-me melhor aqui. Sei que pode parecer um paradoxo. Entro e parece que estou noutro mundo”, diz. (...) Inventar a senhora das Descobertas: “Virgem Santa Maria, rainha do Céu e da Terra, Senhora dos mares profundos, Vós que foste companheira extremosa dos que se aventuraram na descoberta de novas gentes (...) fazei surgir a civilização do amor, para que todos os homens se amem como irmãos, segundo os desígnios de Deus Pai. Ámen”. É assim que começa e acaba a oração a Nossa Senhora das Descobertas, criada propositadamente para veneração na Igreja do Centro Colombo, construído sob o tema da expansão portuguesa.

A escultura de Nossa Senhora das Descobertas foi criada por José Pereira69. Uma das características da imagem é a posição do seu manto, que faz lembrar os pontos cardeais. Uma santa diferente que costuma ser alvo de muita curiosidade para quem se desloca pela primeira vez à Igreja do Colombo.

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A foto da escultura da Nossa Senhora das Descobertas na Capela do Centro Comercial Colombo em Lisboa pode ser vista no site http://jornalismodigital. net/?tag=centro-comercial-colombo (03.01.2010; 11h). 130

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“Muitas pessoas perguntam-me como surgiu a ideia do nome. Nós explicamos que o Colombo foi construído com o tema das Descobertas”, explica Isaura Gonçalves, uma das voluntárias da Igreja, pertencente à paróquia de Benfica. Uma das atracões da Igreja do Colombo é uma imagem de um Cristo de Marfim, muito antigo, datado do século XVIII, doado por um paroquiano. Na capela do Centro Comercial das Amoreiras é venerada uma imagem antiga de Nossa Senhora da Conceição, a que muitos chamam vulgarmente Senhora das Amoreiras.

Existe ainda dentro do site Jornalismo Digital70, uma pequena reportagem da autoria de João Santos Filipe, datada de 2009, que inclui imagens71 do espaço e testemunhos dos seus visitantes. Como refere a voluntária da Capela do Centro Colombo, a arquitetura do espaço é baseada na época dos Descobrimentos Portugueses, razão pela qual as praças e ruas no interior do centro têm nomes alusivos à época quinhentista, tais como Avenida dos Descobrimentos e Praça Trópico de Câncer. Por esta razão, a tematização do Centro Comercial Colombo e os respetivos elementos de Arte Pública foram facilmente apropriados pela comunidade portuguesa e lisboeta, mais especificamente. Os Descobrimentos são uma das épocas mais significativas para a História de Portugal pela importância de expansão cultural e económica que representaram para a nossa sociedade de então. Apesar de reconhecermos nestes aspetos um lugar de rememoração histórica para a comunidade portuguesa, preferimos nesse grupo analisar o caso do NorteShopping, por ser ainda mais específico e local.

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Idem. In http://www.youtube.com/watch?v=BLw8sK8TIdw&feature=player_embedded (03.01.2010; 11h). 71

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4. Máquina a Vapor, NorteShopping. (Imagem retirada com autorização do site oficial: www.sonaesierra.com)

Lugares de memória O NorteShopping é um exemplo de simulacro do espaço público enquanto conceito de Centro Comercial, mas com a tematização industrial apelando à memória de quem trabalhou na Efanor – antiga fábrica que ali existia antes de se construir o Centro Comercial – ele transforma-se num lugar de memória, e não apenas uma recriação da urbe. Esta tematização acrescenta significado, e as peças industriais que estão em exposição no Centro Comercial vindas das fábricas desativadas – Soure e Efanor – acrescentam ao seu espaço público uma memória, e criam um lugar. Com uma decoração alusiva ao património industrial, o NorteShopping introduz no universo dos centros comerciais 132

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5. Máquina a Vapor, NorteShopping. (Imagem retirada com autorização do site oficial: www.sonaesierra.com)

uma dinâmica de lazer, centrada na valorização do património industrial, como valor cultural. Tem as suas raízes na indústria do passado, protegendo os seus valores técnicos, oferecendo-os à comunidade e aos consumidores que o frequentam. Com a escolha deste tema pretende-se invocar a antiga fábrica Efanor, uma das fábricas têxteis mais importantes para o contributo do desenvolvimento industrial de Portugal. Esta homenagem tem uma razão fácil ser apreendida: o NorteShopping está implantado no terreno onde se situava a antiga fábrica. Numa das praças do NorteShopping, foi instalada uma máquina a vapor que foi recuperada da antiga fábrica de Paleão. É uma máquina do fim do século XVIII, bastante rara e diretamente relacionada com a transformação da energia a vapor em energia mecânica. A propósito da recuperação desta 133

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máquina foi editada uma monografia sobre o seu estudo histórico e técnico. A máquina a vapor assume-se assim como uma referência monumental e evocativa à fruição pública, aludindo a outros tempos e outras memórias. 72

Podemos assim concluir que constitui obra de Arte Pública acrescentar memória ao lugar do Centro Comercial NorteShopping, com as obras e as intervenções artísticas que lhe acrescentam o cariz industrial de outrora. Polos de catalisação identitária Ao longo da nossa pesquisa sobre elementos de Arte Pública em Centros Comerciais identificámos que são já uma realidade um pouco por todo o mundo. Neste ponto apresentaremos os casos que considerámos serem exemplo da transformação do “não lugar” em “lugar” promovida pela introdução de elementos de Arte Pública. O primeiro exemplo que gostaríamos de apresentar é uma intervenção na fachada do Ala Moana Shopping Center, em Honolulu, no Hawaii. Trata-se de uma intervenção artística em baixo relevo, representando o mapa de Oahu. Estima-se que tenha sido realizada por volta de 1966. O Gabinete de arquitetura que assina o desenho do edifício é o John Graham & Company73. O artista plástico Alan Gerard designou a obra de Oahu Mural. A fotografia é da autoria de David Cornwell. Contudo, por se tratar de uma referência encontrada no 72 Vd. CUSTÓDIO, Jorge – A máquina a vapor de Soure. Porto: Fundação Belmiro de Azevedo, 1998. 73 In Wikipédia, março 2010: John Graham & Company, or John Graham & Associates is the name of an architectural firm, founded by John Graham, which originated in Seattle, Washington, in 1900. The firm was merged into the DLR Group on May 19, 1986, and the name saw full deletion in 1998. John Graham & Company is responsible for the architecture of over 30 metropolitan structures, including two complexes. Included are The Space Needle, the Chase Tower of Rochester, New York, and the South Tower of The Westin Seattle. http://www.flickr.com/photos/14696209@N02/4373106573/

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6. Flight Stop. (Imagem do autor Andrew Bardwell retirada da www.wikipedia.org, sob a licença Creative Commons)

Flickr74, não foi possível identificar a publicação de onde esta informação foi retirada. Apesar de se tratar de uma imagem a preto e branco, conseguimos identificar o impacto estético da obra de arte, bem como a importância para a comunidade local do desenho da localidade onde são residentes. No Centro Comercial Eaton Centre, no centro da cidade de Toronto, no Canadá, podemos usufruir do impacto da obra de arte que o artista Michael Snow75 concebeu para este espaço 74

O Flickr é um site da web de hospedagem e partilha de imagens fotográficas (e eventualmente de outros tipos de documentos gráficos, como desenhos e ilustrações), caracterizado também como rede social. In Wikipédia. 75 Michael Snow lives and works in Toronto. He makes films, video installations, photographic and holographic works, sculpture, sound installations, music, paintings, drawings and books. His works have been presented world-wide in festivals and exhibitions, and are in the collections of Musée National d’Art Moderne (Paris), National Gallery 135

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e comunidade – “Flight Stop” – que consiste num bando de gansos canadianos construídos em fibra de vidro posicionados em simulação de voo. Através da análise do Curriculum do artista concluímos que esta obra foi instalada em 1979, resultado de um concurso público. Num dos sites que promove o turismo da região pode lerse: Inside the Toronto Eaton Centre, Michael Snow’s sculpture of a flock of Canadian geese “fly” over the multilevel shopping complex, one of the city’s most visited attractions.76 O impacto visual desta obra de arte, pelo fato de estar instalada debaixo de uma enorme cúpula de vidro – simulando a ligação direta com o céu – cria uma confortável ilusão de proximidade com uma parte da natureza local de Toronto, os gansos.77 Encontramos uma referência ao processo de apropriação desta obra no seguinte comentário anónimo: He made a project using 60 life size Canade Geese. Although they were meant to be taken down long tie ago – people decided they wanted to keep it. Contudo não nos foi possível validar a veracidade desta afirmação. 78 Em Toledo, nasceu em 2004 o Centro Comercial Luz del Tajo. Foi construído considerando a integração de algumas obras de Arte Pública (de artistas locais e não locais). Na entrada principal do Centro existe uma coluna revestida a um material metálico que se assemelha a peças de armaduras organizadas em forma de escama de peixe, da autoria of Canada (Ottawa), Museum of Modern Art (New York), and many others. He is a member of the Order of Canada (1982) and a recipient of the Governor General’s Award in Visual and Media Arts (2000). In http://www.ccca.ca/artists/artist_info. html?link_id=259 (09.09.2009;16h) 76 Informação disponível em www.torontoeatoncentre.com (09.09.2009;16h) 77 “Flight Stop” do artista Michael Snow no Toronto Eaton Center pode ser visto em: http://www.flickr.com/photos/squeakybear/311307389/ http://www.flickr.com/photos/41086578@N00/2161844211 www.torontoioacongress.org/tourism/tourism.php 78 http://www.virtualtourist.com/travel/North_America/Canada/Province_of_Ontario/ Toronto-903418/Shopping-Toronto-Eaton_Centre-BR4.html 136

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7. Luz del Tajo. (Fonte www.sonaesierra.com)

do Arquiteto José Quintela da Fonseca. A calçada portuguesa reveste esta entrada com o nome do Centro desenhado, da autoria da equipa dos Arquitetos Eduardo Henrique e Hugo Castanheira79. Existem outras esculturas que também se encontram na entrada principal do Centro Comercial e que são da autoria de Luís Martin de Vidales, um escultor da comunidade de Toledo. O Centro Comercial Quartier 205, na Friedrichstrasse em Berlim, recria o conceito da Pop Art, trazendo-o à contemporaneidade através da ideia de sustentabilidade e do excesso de consumo com a obra de John Chamberlain, Der Turm von Klythie, um torre feita com carros amassados. 79

Pertencentes à equipa de environmental graphics da Sonae Sierra, empresa que concebeu e atual proprietária do Centro Comercial. 137

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8. Der Turm von Klythie, do artista John Chamberlain, de 1995. (Créditos fotográficos gentilmente cedidos por Johanna Tachler)

No Centro Comercial Highpoint, situado num subúrbio de Melbourne, Maribyrnong, na Austrália, encontrámos a primeira obra de Arte Pública do artista local Alexander Knox.80 A escultura Ultra Violet data de 2005, e a sua escolha para o Centro Comercial foi comissariada por Daniel Besen. As suas medidas são 6x4,5x5 metros.81 Em 2010 Alexander Knox é um artista cuja Arte Pública começa a ser parte da paisagem visual de Melbourne. Ele estudou Belas Artes (Arte Pública) na The Royal Melbourne Institute of Technology, em Melbourne. O seu trabalho é transdisciplinar na medida em que produz esculturas cinéti80

http://alexanderknox.com/bio/Default.htm?pk=0&p=612 (10.06.2009; 10h) “UltraViolet” de Alexander Knox, no Highpoint Shopping Center, Maribyrnong. Pode ser vista em: http://www.flickr.com/photos/adonline/2444385523/in/pool-shoppingcentersandmalls

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cas, trabalhos artísticos para fachadas com movimento e luz, e escultura pública em grande escala. Em 2008 criou uma obra de arte pública na fachada dos anos 60, do século XX, do edifício dos Correios (Royal Mail), comissariada pela cidade de Melbourne. A instalação é ativada por 88 luzes de LED controladas por computadores82. Figuras gigantes de transeuntes em movimento atravessam a fachada colorida. Esta obra ganhou o prémio 2009 Melbourne Prize for Urban Sculpture, e foi inspirada num poema sobre fantasmas de Lewis Carroll, criador da obra Alice no País das Maravilhas.83 No Centro Comercial Dolce Vita de Ovar houve uma clara intenção de integrar o espaço com a tradição da equipa de Basquetebol da Ovarense. Esta intenção é percetível pelo exterior do edifício e pelo seu interior. No que respeita ao seu exterior, a agência de arte Vera Cortês84 foi contratada para trabalhar um projeto de Arte Pública para transfigurar a perceção e imagem arquitetónica que esta tipologia arquitetónica normalmente tem.85 O edifício tem as suas fachadas construídas com placas de betão onde foram impressas imagens fotográficas de Daniel Malhão86, sempre sobre situações desportivas locais. Existe ainda uma escultura de grande escala criada pelo artista Gonçalo Barreiros87. Esta obra foi construída com mais 82

Pode ser visto em http://www.youtube.com/watch?v=Q-lLBtvoQPM&feature=related http://www.artpoll.com.au/home 84 A agência Vera Cortês tem sede em Lisboa. 85 www.veracortes.com 86 In http://www.oasrn.org/pdf_upload/pressCAV.pdf : Nasceu em Lisboa em 1971. Vive e trabalha em Lisboa. Estudou Fotografia no Ar.Co, em Lisboa. Expõe regularmente desde inícios dos anos 00. Das suas exposições individuais, destacam-se “Box Office / Sala 3 / Cabine de projeção” (Art Attack /Museu José Malhoa, Caldas da Rainha, 2002), “Metereologia – Parte II” (Espaço Baginski, Lisboa, 2003) e “P.150FPS” (no âmbito do programa “Project Room”) (Centro Cultural de Belém, Lisboa, 2005) 87 In (http://www.e-vai.net/content/view/1283/44/): Gonçalo Barreiros (n. Lisboa, 1978) vive e trabalha em Londres e Lisboa. O artista fez estudos de teatro no ISCTE, o Curso Avançado de Artes Plásticas – (Escultura) no Ar.Co e um MA em escultura na 83

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9 e 10. Imagens do exterior. (Fotos da autora)

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11. Interior da escultura de Gonçalo Barreiros. (Foto da autora)

de 200 metros de ondulantes lajes de betão que funcionam como uma canópia. Além do aspeto formal do desenho da escultura, tem ainda a função de orientar e proteger os visitantes que dos parques de estacionamento querem chegar à entrada do Centro Comercial. Gostaríamos ainda de deixar em aberto as seguintes questões: Terá sido envolvida a comunidade na escolha dos projetos agenciados por Vera Cortês? Seria ou não importante para esta comunidade que os artistas fossem residentes do Slade School of Fine Arts, Londres. Para além dessa formação foi assistente dos escultores Rui Sanches e José Pedro Croft e ator numa performance diária na Gulbenkian Centro de Arte Moderna incluída na exposição solo “L’Orage” de Francisco Tropa. A Fundação de Serralves, a Cordoaria Nacional, o CCB, e o Museu Nacional de Arte Antiga são alguns dos espaços onde o artista já expôs. Gonçalo Barreiros foi artista Residente em Budapeste, e obteve já várias bolsas de mérito. A sua obra encontra-se representada nas coleções Pedro Cabrita Reis, Manuel Figueiredo entre outras. 141

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12, 13 e 14. Interior do Dolce Vita Ovar, Portugal. (Fotos da autora)

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distrito de Aveiro? Reconhecerão os ovarenses legitimidade a um artista do sul para representar a massa associativa da sua equipa de basquetebol? São questões que ficam por responder por falta de tempo para realizar a investigação. Contudo concluímos que existe um esforço em tematizar o espaço para a comunidade, com um efeito estético interessante. Não foi encontrada nenhuma referência à realização de concurso para a escolha dos projetos artísticos pelo que se conclui que terá passado por uma encomenda à mediadora Vera Cortês. Elementos de animação arquitetónica No que respeita ao interior deste centro comercial – Dolce Vita Ovar – desde o chão às palavras impressas nas paredes, e ainda às próprias lonas que se produzem para tapar as lojas vagas, remetem para o desporto, tema principal da arquitetura do Centro Comercial, que visa a apropriação pela comunidade local. De acordo com os conceitos que temos estudado, consideramos que estamos ao nível da utilização da Arte Pública como um elemento de animação arquitetónica, apesar de tematizado de acordo com a comunidade, enquanto que na escultura e nos painéis que já vimos os artistas representaram um signo da identidade coletiva, para promover o surgimento do lugar. Estas figuras mostram-nos um chão que poderia ser de um pavilhão desportivo, com as marcações relativas aos diversos desportos indoor. A lona que oculta uma loja vaga tem um motivo ligado ao basquetebol que permite interação com o público, como se vê na primeira figura. Os desenhos do chão têm ainda função lúdica, como se vê na segunda imagem. Existem diversas palavras relacionadas com a atividade desportiva que surgem escritas no cimo das paredes, junto ao teto, preenchendo o passeio pelo corredor com uma panóplia de desportos, todos escritos em Inglês. O Centro dispõe de uma galeria de arte onde são expostos trabalhos de artesãos e artis143

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tas locais amadores ou peças de instituições locais (exemplo: exposição vinda do Museu de Ovar). Existe uma parte do chão que é alusiva às pistas das piscinas, como se vê na imagem. Contudo não serve só de carácter ornamental pois o rumo que tomam tem também como função orientar o público visitante. Um outro exemplo de integração de Arte em Centros Comerciais, do final da década de 60, é através da exposição no mall, que também está disponível na aplicação Flickr88. Diz o autor da sua inserção neste portal de fotografias que se trata de uma digitalização do livro Art in Architecture, de Louis G. Redstone, pela Editora Faia. Trata-se do Centro Comercial Southland, na cidade de Hayward, no estado da Califórnia. O gabinete de arquitetura responsável pela conceção do Centro Comercial é a mesma do Ala Moana Shopping Centre: John Graham & Co. A escultura em madeira da imagem é do artista Francois Stahly89. As fotografias que observamos forma preferencialmente retiradas de sites que não os sites oficiais dos Centros Comerciais porque na perspetiva da Arte Pública parece-nos fazer mais sentido olhar pelos olhos de quem o visita do que pelos olhos de quem o concebe. Por esse motivo, as fotografias aqui comentadas foram observadas através da ferramenta on-line Flickr, apresentando sempre o respetivo endereço de 88

Ver a imagem da obra de arte em: http://www.flickr.com/photos/14696209@ N02/4193893151/ 89 In http://www.tate.org.uk: French sculptor of abstract works related to natural forms. Born in Constance, Germany, of an Italian father and a German mother, and brought up in Switzerland. Moved to Paris in 1931 Collaborated with architects on monumental sculptures in association with architecture, and with Etienne Martin, Delahaye and Poncet on window-reliefs for the church of Baccarat. Opened in 1958 a private school and studio at Meudon, where young sculptors and architects could work on joint projects. Taught at the University of California in 1960 and at Washington University, Seattle, 1961; was afterwards Artist-in-Residence at Stanford University, California, 1964-5, and has received several major commissions for large sculptures in the USA. Lives at Meudon. 144

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forma a referenciar o link do seu autor para eventual visita por parte do leitor. Nestes casos, os fotógrafos habitualmente se identificam através de nicknames e não de identificação real. Pela falta de pertinência preferimos não os referenciar, ficando apenas em referência o endereço direto à imagem. Encontramos desenhos do chão do Luz del Tajo90 que foram concebidos também pelo Arqto. Hugo Castanheira, e que contêm poemas de José Zorrilla91. Nestas imagens que encontramos do chão do Centro Comercial Alexa, em Berlim, na Alemanha, podemos ver que os desenhos procuram orientar os fluxos de pessoas que circulam no espaço público, enquanto lhe dão o colorido da Arte Déco92. A autoria deste trabalho é fruto de um trabalho de equipa entre os Arquitetos José Quintela da Fonseca, Hugo Castanheira e Phil Engelke93. Ainda neste Centro existe uma mega escultura94 na fachada que foi criada pela equipa dos Arquitetos Mark Gurney e José Quintela da Fonseca.95 O próximo exemplo em análise – Crystals Shopping Mall, em Las Vegas – apresenta um desenho no chão que tem claramente uma função de orientação do caminho dos visitantes 90 Para ver Pormenor do chão do Centro Comercial Luz del Tajo, Toledo, Espanha, consultar: http://www.flickr.com/photos/albinworld/39242829/ 91 In http://www.valvanera.com: Una de las figuras más prestigiosas del romaticismo español, es el dramaturgo y poeta José Zorrilla (1817 – 1893) . Nacio en Valladolid y desde muy joven su aficionado a la literatura de autores como Walter Scott, F. Cooper, Chateubriand, Dumas, Victor Hugo, Rivas o Espronceda. Cursó estudios de leyes en las Universidades de Toledo y de su ciudad natal. que abandonó para transladarse a Madrid donde llevó una vida bohemia. 92 Para observar os pormenores do piso do AlexaShopping, na AlexanderPlatz, em Berlim: http://www.flickr.com/photos/stephansplace/1635740459/in/pool-shoppingcentersandmalls/ 93 Pertence à empresa Baltimore. 94 Pormenores da escultura na entrada do Alexa Shopping em: http://www.qype. com.br/events/293917-plutosport-ALEXA-Shopping-Center-am-Alexanderplatz-Mitte-Berlin 95 Ambos da Sonae Sierra Design Department.

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15. Árvores Metafóricas no Gli Orsi. (Fonte www.sonaesierra.com)

mas também uma função decorativa, embora mais atenuada do que no exemplo anterior do AlexaShopping96. Continuando a analisar o caso do Crystals Shopping Mall, os elementos da sua arquitetura constituem a dinâmica que se pretende ter neste espaço público. A sua dimensão, transparência e grandiosidade dá-nos muito do ambiente do espaço público, simulando inclusive as suas subidas e descidas, os declives acidentais da topografia habitual da urbe. No seu site oficial pode ler-se: Designed by internationally renowned architects Studio Daniel Libeskind and David Rockwell, Crystals will be an experiential environment combining dramatic architecture and design with the world’s most elite high-end couture and luxury brands such as Louis Vuitton, 96

Fotos do interior do Crystals, Las Vegas em: www.flickr.com 146

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16. Pormenores do Centro Gli Orsi. (Fonte www.sonaesierra.com)

Tiffany & Co., Bulgari, Ermenegildo Zegna, H. Stern, Marni and Mikimoto. Add dynamic dining concepts from the likes of master chef Wolfgang Puck, as well as innovative nightlife and Crystals is destined to become one of the world’s premier shopping destinations. 97 A escolha dos elementos de iluminação também constituem elementos de Arte Pública, que orientam e estimulam um ambiente sobre o visitante. O Centro Comercial Gli Orsi, em Itália, possui umas árvores metafóricas da autoria de Redmond Schwartz Mark que, ao mesmo tempo que elevam a experiência estética do passeio no mall, iluminam o caminho de passagem, orientando o visitante. As imagens que estão no interior deste centro comercial foram selecionadas e tratadas pelo Arquiteto Mário Santos, tendo em vista a integração deste espaço público nos lugares visitados pela comunidade, através do sentimento da apro97

In http://www.crystalsatcitycenter.com/default.aspx (03.03.2010; 17h) 147

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17. O urso. (Fonte www.sonaesierra.com)

priação pela empatia familiar do lugar. Elas ganham uma dimensão paisagística quando contempladas pelo seu exterior através da transparência da fachada.98 O elemento chave da tematização deste centro comercial no norte da Itália é o Urso. Veja-se aqui a apropriação das crianças junto das suas esculturas. Autoria da conceção e orientação de execução dos Arquitetos José Quintela da Fonseca e Eduardo Henrique. Olhemos agora para a Arte Pública em Centros Comerciais pelo prisma do placement99 da obra de arte. Para autores como Victoria Newhouse é a forma como se expõe, o local, o suporte, a sala, a parede que está atrás, entre outros, que faz a diferença na perceção artística que se tem de determinada obra. Na introdução do seu livro esta autora começa por nos 98

Pormenores Centro Comercial Gli Orsi em: www.sonaesierra.com NEWHOUSE, Victoria – Art and the power of placement, USA: The Monacelli Press, 2005. 99

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dizer que Marcel Duchamp demonstrou o poder do placement quando colocou um urinol em exposição, como se de uma escultura se tratasse. Where a artwork is seen – be it in a cave, a church, a palace, a museum, a commercial gallery, an outdoor space, or a private home – and where it is placed within that chosen space can confer a meaning that is religious, political, decorative, entertaining, moralizing, or educational.100 Segundo Neil e Philip Kotler, as investigações feitas às audiências em Museus indicam que a diversão, curiosidade e espontaneidade caracterizam melhor a vontade do visitante do que uma aprendizagem muito estruturada. Ou seja, o visitante deseja aprender mas de forma interessante, interativa, curiosa. Penso que apresentarmos numa galeria comercial um bando de gansos é uma enorme curiosidade e estimula os sentidos a qualquer visitante mais desligado ou distraído. Visitors expect learning and cognitive experiences as well, and to encounter things in museums which contrast with the routines of work and everyday life.101 Se esta situação acontece nos museus, isso significa que os museus e os centros comerciais partilham uma franja do mesmo público. Públicos com os mesmos interesses e que encontraram num Centro Comercial Arte servida de uma forma insólita e apetecível, pela legibilidade que caracteriza a Arte Pública. O público de cada Centro Comercial encontra-se já identificado e classificado por percentagem de homens e mulheres, famílias ou pessoas sozinhas, jovens ou famílias maduras, etc. Os públicos dos Centros Comerciais são as verdadeiras comunidades de estranhos, utilizando a expressão de João Teixeira Lopes102. O facto de o público que frequenta locais 100

Idem – Op. cit., p. 8. KOTLER, Neil and Philip, Can Museums be all things to all people? in Reinventing the Museum, NY: Altamira Press, p. 174. 102 In (http://museologiaporto.ning.com/profile/JoaoTeixeiraLOpes) João Teixeira Lopes é sociólogo, Professor Catedrático do curso de Sociologia da Faculdade de 101

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de consumo cultural estar habituado a vestir uma pele para não se deixar espantar ou constranger é também comum nos Centros Comerciais. Mas na minha opinião, a Arte Pública é a uma expressão criativa capaz de os colocar na sintonia certa, sem os constranger com códigos indecifráveis, como tantas vezes fazemos nos museus. Até ao público vulgarmente designado de infoexcluído, a Arte Pública tem a capacidade de chegar. As interpretações, fruições ou leituras dadas às peças ficam muita na mão de quem a vê, poderá existir uma descrição do curriculum do artista ou participante que ajuda a situá-lo no contexto da obra e contribui para a leitura da mesma. Estas obras são, de facto, de simples receção cultural e têm impacto na vida de quem as contempla, mesmo que apenas lhes confira diversão ou relaxamento. A Arte amplia as nossas vidas, ajuda-nos a perceber o que é mais importante e isso sente-se quando se está perante uma obra de arte que se consegue receber. Este tipo de exposição ou integração de Arte Pública dispensa uma mediação forte, comparada, por exemplo, com o Robert Rauschenberg que poucos públicos compreendem, pelo que não é necessário organizar eventos à volta dela. Em muitos casos analisados a mediação é feita através da história do Centro Comercial em si. O museu cada vez mais comercial e o centro comercial (e de lazer) cada vez mais expositivo, ambos desejam uma experiência mais interessante para os seus públicos. Letras da Universidade do Porto e ex-coordenador do respetivo instituto de investigação (2002-2010) e Presidente do Departamento de Sociologia. Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento, 1997). Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). 150

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Construir uma política de Arte Pública para os Centros Comerciais – que se estende da Arquitetura do Edifício até à programação cultural necessária para garantir o compromisso de apoiar a cultura e de a fazer chegar a todos – pode criar alguma resistência nas pessoas mais ligadas à Arte, nomeadamente em alguns artistas. A grande maioria dos teóricos da Arte Moderna ou Contemporânea são críticos do consumismo e das catedrais de consumo (é como habitualmente se referem aos Centros Comerciais), bem como a grande maioria dos artistas. Com esta posição tão vincada, não é fácil, para as pessoas do meio, imaginar que algo que os próprios museus anseiam alcançar – e fazem um trabalho seríssimo na busca de maior número de visitas e de alcançar uma maior fatia da população mas sem poder alterar os códigos de linguagem mais elitistas e quase impenetráveis, só compreendida pelas pessoas do meio, da maioria dos artistas contemporâneos e das exposições contemporâneas – possa estar ao alcance das “catedrais de consumo”. Contudo, ao realizar leituras sobre o estado em que se encontram os museus nos dias de hoje e quais os seus grandes desafios, sinto que concorrem já com equipamentos ainda não culturais, como os Centros Comerciais e de lazer. Vejamos o que nos deixa Kotler sobre este tema: Change is pervasive in today’s museums, and the boundaries which once separated museums from other recreational and educational organizations are blurring or breaking down altogether. A growing number of museums leaders is concerned about competition from the entertainment and cultural districts in central cities, cyberspaces, restaurants, aports arenas, and those shopping malls which also present collections and exhibitions, as well as from the growing of new museum proper, and history and science centers. (…) The result is that museum managers are working double-time, to raise the comfort level for visitors, provide a range of programs, and, 151

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in addition, expand their overall audience. Not surprisingly, museum managers, laboring under tight budgets, are hiring marketers and business experts to help them identify tradeoffs, make choices and keep costs down. The challenge in running museums, then, is to determine, in the midst of competing claims for resources, a realistic set of goals and the strategies and tools which can accomplish the desired changes.103

Noutras leituras104 é referida a mudança que os museus sofreram e ainda terão de sofrer no sentido comercial. Em seu interior, o museu transformou-se em um lugar destinado à afluência maciça de um público ativo, aos estímulos, à interação e também ao consumo em seu sentido mais amplo (cafetarias, restaurantes, lojas, livrarias, etc.) (…) Os museus tentam se aproximar dos lugares de consumo e as lojas, para agregar valor a seus produtos (…). Cabe-nos questionar: não terão os Centros Comerciais a legitimidade de lutar pelo inverso (aproximarem-se de espaços expositivos) pelos mesmos motivos (agregar valor aos seus ativos)? Correremos o risco de homogeneizar espaços e se perderam as identidades de cada equipamento? Pensamos que não, e que cada público saberá encontrar as suas diferenças. Encontrará nos Centros Comerciais apontamentos culturais que lhe permitirão usufruir de forma diferente dos espaços, tendo uma nova experiência de visita, e sentir-se-á mais à vontade num Museu menos formal e mais interativo. Penso que a grande conclusão será o ganho que os públicos terão.

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KOTLER, Neil and Philip, Can Museums be all things to all people? in Reinventing the Museum, NY: Altamira Press, p. 168. 104 MONTANER, Josep Maria, Museus para o século XXI, Barcelona: Editorial GG, 2003. 152

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3.5 Proposta de Política de Arte Pública A Promotora e Gestora de Centros Comerciais reconhece que: 1. A sua atividade tende a influenciar os hábitos comportamentais e culturais dos seus visitantes. 2. Os artistas em geral, e a Arte Pública em particular, têm uma missão a cumprir, junto da comunidade. 3. A Arte Pública visa melhorar a experiência, a perceção e a identidade de determinado lugar. 4. A Arte Pública declara a importância da valorização estética dos locais públicos e de acesso público para a promoção da qualidade de vida de uma comunidade. 5. As obras de Arte Pública através da sua forma e/ou conteúdo, possuem uma forte função social. 6. As obras de Arte Pública induzem efeitos positivos em quem contempla e usufrui da sua presença. 7. A Arte Pública pode ser fomentada por intermédio de ações privadas de construção de lugares de acesso público, como os centros comerciais. 8. A Arte Pública é a forma de produção artística mais adequada aos edifícios dos centros comerciais, porque é criada especificamente para aquele local e visitantes, dialogando com os seus utentes e interpretando o carácter do lugar. A Promotora e Gestora de Centros Comerciais propõe-se a:  1. Fomentar a criação artística através da Arte Pública concebendo ou renovando, sempre que económica e estrategicamente viável, os seus edifícios para que estes enriqueçam o património artístico do País onde se encontra. 2. Permitir que as comunidades locais usufruam de coleções artísticas de Arte Pública no interior dos edifícios, 153

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garantindo a colaboração dos artistas na produção de obras de arte inteligíveis e apropriáveis pelo público em geral. Contribuir para a regeneração urbana de alguns locais através da integração da Arte Pública na área de implementação do centro comercial. Garantir que a Arte Pública trabalha em função do local, do público e do momento concreto, e não em função de uma qualquer ideologia. Encarar a Arte Pública como um trabalho de equipa aberto à participação cidadã, permitindo ampliar a sua taxa de sucesso, junto das comunidades locais. Utilizar a Arte Pública como referência para qualificar ambientes interiores com memória e identidade, promovendo os centros comerciais como lugares detentores de identidade cultural e não apenas como espaços comerciais.105

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Já após a conclusão da presente tese, a Sonae-Sierra aprovou o documento oficial “Política de Arte Pública”, em 13 de abril de 2011, o qual apresentamos, em Anexo. 154

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Capítulo IV Da comunidade O estudo da esfera da comunidade é fundamental na nossa dissertação. Queremos refletir sobre como as comunidades são, ou podem ser, afetadas pelo fenómeno do Consumo, em geral, e dos Centros Comerciais, em particular. Todos os Centros Comerciais estão inseridos numa comunidade com vizinhos, visitantes, lojistas, fornecedores, entidades locais, entre outros. Apesar de não termos encontrado uma definição formal do termo Comunidade Local, vamos refletir sobre os seus conteúdos para explicitá-la. Designa-se por comunidade local um conjunto de pessoas ou instituições que se relacionam com o Centro Comercial, de diversas formas, num perímetro de distância habitualmente definidos pelos limites do concelho a que pertencem. Estas relações com o Centro Comercial podem ser comerciais, como as que se entendem estabelecer, de forma muito simplista, com os lojistas e com os visitantes. As relações institucionais também fazem parte deste rol das relações estabelecidas com a comunidade local, numa perspetiva de parceria com ganhos para ambas as parte, o que no final reverte a favor dos habitantes locais e/ou visitantes dos Centros. São exemplo destas as relações 155

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estabelecidas com os Bombeiros locais, Instituições dedicadas à Emergência Médica como a Cruz Vermelha Portuguesa, Proteção Civil, Organizações de defesa do meio ambiente locais, Parques Biológicos e Naturais, IPSS, entre outros, Os Centros Comerciais quando são projetados e desenvolvidos têm em conta as características da comunidade local. Quer da residente quer da que flutua. Em Centros Comerciais com localizações em pólos de negócios, ou em núcleos centrais das cidades, existe uma população flutuante que nem sempre é fiel. Há elementos da comunidade local que o são por vontade própria, por exemplo se adquiriram a sua casa após a construção do Centro Comercial, assumindo essa grande proximidade. Outras vezes acontece o fenómeno inverso. Os residentes de um determinado local passam a constituir a sua zona envolvente primária e o seu público, com a apropriação do Centro Comercial como seu local de consumo e lazer. Esta massa crítica da zona envolvente primária dos espaços dos Centros Comerciais constitui a sua comunidade local. As empresas que desenham políticas no âmbito da Responsabilidade Corporativa tendem a considerar os impactos da sua operação na comunidade onde estão inseridas. Os impactos positivos são para ser potenciados e os negativos aliviados. Vejamos como a Arte Pública se pode constituir um aliado da Responsabilidade Corporativa e trazer benefícios às comunidades envolvidas.

4.1 A sociedade de consumo e a cultura Jean Baudrillard (J.B.) foi um sociólogo francês que nasceu a 1929, em Reims, França, e faleceu em 2007. Estudou alemão na Sorbonne e trabalhou como crítico e tradutor. Traduziu do alemão para o francês obras de Karl Marx e Bertold Brecht. Em 1966 começou a lecionar na Universidade de Paris X – 156

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Nanterre. A sua tese de doutoramento “O sistema dos objectos” foi publicada em 1968. Em 1970 escreve a “Sociedade de Consumo” que aqui se analisa. Escreveu sobre a cultura de massa dos meios de comunicação social e sobre a necessidade de se consumir na dita sociedade “pós-moderna”, que tanto criticava. Os realizadores do filme Matrix inspiraram-se na sua obra. A obra que interessa analisar no âmbito desta dissertação é Sociedade de Consumo e encontra-se dividida em três partes – A Liturgia Formal do Objecto, a Teoria do Consumo, e por fim, a Mass Media, Sexo e Lazeres – e uma conclusão. Versa sobre a perspetiva social da relação que a sociedade de hoje – a que o autor chama de consumo – estabelece com os objetos. E de como o sistema económico e social se mantém a si mesmo através dos seus pontos negativos (guerra, alcoolismo, pobreza, entre outros). A exposição atraente, envolta num determinado ambiente criado para o efeito do fascínio e da sedução, criam aquilo a que chama de “superobjecto – é algo que é a soma entre a funcionalidade em si e o encadeamento de significantes que existem na cabeça do consumidor e lhe oferecem uma série de motivações mais complexas”. Ele critica o sistema pelo facto de manipular a realidade do consumo exacerbado e das suas consequências. É também detalhada uma série de ideias sobre a lógica social do consumo, que é a perspetiva que interessa ao sociólogo, e que ele apresenta como sendo constituintes de uma Teoria do Consumo. O conceito de lógica social do consumo é introduzido na obra não como a lógica do valor de uso dos objetos, nem a lógica da satisfação, mas sim como a do valor dos signos. Baudrillard cola o seu conceito de consumo para a Cultura referindo que esta também já não é feita para durar e segue as modas como qualquer outra atividade económica da 157

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Sociedade de Consumo. Afirma que a Arte Contemporânea (refere-se à dos anos 70) está sem perspectiva critica de si mesma, e aponta-a como cúmplice da Sociedade de Consumo. O problema do consumo da cultura é visto como dimensão do ciclo e da reciclagem e não tanto como dos conteúdos culturais ou o público cultural. A cultura já não se faz para durar. Como todos os objetos, Baudrillard vê esta substância cultural a ser consumida com vista a obter o elemento codificado de estatuto social. Ele afirma que os artistas Pop só pintam siglas, marcas e slogans porque reconhecem a evidência da Sociedade de Consumo e sabem, ou assumem, que a verdade dos objetos e dos produtos é a despectiva marca. Mas o que teriam os artista Pop a dizer sobre isto? Para o autor consumir é como um jogo, onde o consumidor escolhe quem quer ser e é assim que o consumo é lúdico e que o lúdico do consumo tomou progressivamente o lugar do trágico da identidade. Não interessa ser, interessa ter para parecer que é. No final, o autor acaba por concluir que como qualquer mito, a Sociedade de Consumo tem que ter um contramito: os que estão sempre a declarar o que não está bem e a denunciar os desequilíbrios. Mas Baudrillard, em jeito de autocrítica, diz-nos que é este contramito que legitima o mito. O autor conclui que o facto de os Homens de hoje se rodearem de objetos – ao contrário do que acontecia com os grandes senhores de outrora, sempre rodeados de outras pessoas (como ele próprio diz, o homem da sociedade de consumo “rodeia-se da ausência mútua de uns aos outros”) se justifica através de fenómenos como a exposição sensual, e o correto, e estimulante, amontoamento de produtos nos novos Shopping Centers. Estamos em 1970 e Jean Baudrillard dá-nos o exemplo do Parly como maior centro comercial da Europa. E explica-nos o fenómeno através do qual o consumidor sente um deter158

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minado estatuto ao apropriar-se de um determinado objeto (percecionado em toda a sua plenitude, como superobjeto). Não lhe interessa o seu valor de uso, mas sim o valor signo. Não se interessa pela sua utilidade, mas sim o que o ato de o ter pode significar para si e para quem o rodeia. Interessa ao consumidor o facto de como esta apropriação de objetos o posiciona em função da marca do produto, ou da montra em que se encontra, ou ainda do que o anúncio que o publicita transmite à sociedade em geral. Os objetos são oferecidos aos consumidores de uma forma estudada e ordenada com vista a atingir este efeito de irresistibilidade. São detalhadas nesta obra, com muito pormenor e astúcia, as diferenças existentes entre um armazém de produtos – tipo hipermercado – e o novo conceito, bem mais evoluído – o de Centro Comercial. Este conceito mais evoluído de apresentação de bens para consumo é caracterizado, por Jean Baudrillard, como um espaço que não justapõe categorias de bens, que pratica a amálgama dos signos, que tem como sua parte integrante o centro cultural, se apresenta como recital subtil do consumo, que vende não só produtos mas também matéria cinzenta, que apresenta mais calor humano e que são, segundo ele, conceitos mais inteligentes. Conclui-se que nestes espaços tudo é homogéneo, não há estações do ano. No Centro Comercial existem todas as atividades da vida: trabalho, lazer, natureza e cultura misturadas, homogeneizadas num Centro assexuado, no ambiente hermafrodita da moda! O que pretendem criar os donos dos meios de produção deste serviço são ambientes de eternas Primaveras. Com a satisfação que o consumidor retira dos objetos que adquire, alcança simulacros de felicidade. Rodeia-se de objetos que acredita que o vão fazer sentir melhor. Como que através de um milagre, eles (objetos) irão atrair sobre ele (consumidor) a felicidade. 159

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Na tentativa de escrever uma Teoria do Consumo, Baudrillard começa por nos chamar a atenção para o facto de a Sociedade de Consumo ter a felicidade como referência absoluta. Mas, segundo ele, este conceito já não é “a inclinação natural de cada indivíduo para a realizar por si mesmo”, mas sim o que encarna o mito da Igualdade – que todos tenham as mesmas oportunidades em democracia. A noção de necessidade, segundo Baudrillard, é solidária do bem-estar para a igualdade. Perante as necessidades todos dão o mesmo valor de uso aos bens, com vista à sua satisfação. Alerta para o facto de se criarem novos bens de luxo que outrora eram bens gratuitos e de acesso coletivo: a água, o silêncio, a natureza, entre outros. Esta escassez dos recursos foi acelerada pela Sociedade de Consumo. A lógica do consumo não é a do valor de uso dos objetos, não é a lógica da satisfação, mas sim a lógica de produção e da manipulação dos significantes sociais. O processo do consumo é classificado como um processo de significação, comunicação, classificação e de diferenciação social. Para o autor, há que abandonar a ideia de que a sociedade de abundância satisfaz todas as necessidades materiais (e culturais), pois isso não acontece. Caso contrário, não haveria pobreza. Nas sociedades primitivas existem trocas de bens com base nas relações sociais recíprocas e de confiança, que lhes transmitem a noção de abundância em plena fome. A riqueza destas sociedades não se baseia no bem, mas na permuta concreta entre as pessoas, diz-nos ainda o autor. Neste caso, cada relação aumenta a riqueza social; na nossa sociedade cada relação social intensifica a carência individual. Isto porque tudo o que possuímos é medido pelo que possuem os outros. Assim será necessária uma “revolução da organização social e das relações sociais”. Os cidadãos já não conseguem ter prazer no consumo. Por vezes veem-se obrigados a consumir o que não gostam para se integrarem. Segundo Baudrillard, as pessoas procuram, 160

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sem cessar, uma identidade. Para o autor, o marketing utiliza inteligentemente este facto para convencer o Homem de que adquirindo determinados produtos irá personalizar-se, construir uma individualidade. Isto acontece também quando as pessoas se recusam a consumir certos produtos que estão abaixo do seu estatuto. “Diferenciação de prestigio – razões ‘objectivas’ para a posse de automóveis ou residência secundária que são álibis para uma determinação mais fundamental”. O Consumo cultural é definido pelo autor como “o tempo e o lugar de ressurreição caricatural e da evocação pândega do que já não existe”, ou seja, do que foi realmente consumido. Inventando o conceito de Menor Cultura Comum, que significa: signos intelectuais de moda a que se dá o nome de “cultura de massas”, Baudrillard afirma que a cultura dada pela comunicação de massas exclui a verdadeira aceção da palavra cultura e o saber. “(…) é inútil e absurdo confrontar e opor quanto ao valor a Cultura Científica e a Cultura dos ‘mass media’”. Introduz também o conceito de Menores Múltiplos Comuns, que significa a multiplicação das obras de arte. “‘A arte contemporânea’, de Rauschenberg a Picasso, de Vasarely a Chagall e aos mais jovens, inaugura a sua exposição nos armazéns Printemps. (…)”. Para o autor, multiplicar obras não lhes retira qualidade. Contudo faz com que sejam vistas e integradas no rol de bens de consumo que conferem status ao cidadão comum. Introduz o tema da estética industrial – o design – para referir a homogeneidade estética que este lhes deseja imprimir, com vista à criação de um certo “ambiente”. Ele opõe a estética da beleza à estética da simulação, discursando sobre o objeto da Arte. Preconiza que os objetos foram, até ao século XX, figurantes simbólicos e decorativos e que atualmente, com o aparecimento de correntes como o cubismo, ganham uma extra161

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ordinária importância e passam a ser inspiração, o tema em destaque. “Tendo festejado a sua ressurreição paródica no Dada e no Sobrerrealismo destruturados e volatizados pelo Abstrato, ei-los agora aparentemente reconciliados com a sua imagem na Nova Figuração e na Pop-Arte”. A atual lógica do consumo elimina o estatuto sublime tradicional da representação artística, explica-nos. A Arte Pop significa o fim da evocação, do gestual criador. Baudrillard acrescenta que o sucesso comercial que estes artistas alcançaram quando tentavam satirizar a Sociedade de Consumo não lhes pode ser reprovado. Tornou-se a primeira Arte a explorar o próprio estatuto de “arte-objeto” “assinado” e “consumido”. A Arte Pop é caracterizada pelo autor de duas formas: como uma ideologia de uma sociedade integrada e como instauradora do processo sagrado da Arte – aniquilando o seu objetivo fundamental. “A Arte Pop pretende ser a arte do banal.” O objeto só é banal no uso e no momento em que serve. No momento em que passa a significar, o objeto deixa de ser banal. Quanto mais os artistas Pop queriam dessacralizar a Arte, mais os sacralizava a sociedade. Para que os quadros deixassem de ser um supersigno sagrado não era necessário que o artista o dissesse mas que as estruturas de produção de cultura assim o entendessem. Diz-nos ainda que a repetição mecânica da mesma foto (como o fez, por exemplo, Andy Warhol), pressupõe duas partes: a foto original e o seu real, do qual esta foto é o reflexo. Com este comentário Baudrillard quer evocar o conceito de reprodutibilidade técnica da arte que nos fala Walter Benjamin e que libertou a pintura para a verdade. Mas é aqui que a Arte Pop foge à regra, pois para ele esta vanguarda não foi autêntica. Para nós, ela foi autêntica na sua atitude. A atitude foi a sua verdadeira Arte, não os objetos que febrilmente produziu, ou reproduziu. Baudrillard refere que a Arte Pop se afasta do nosso “sentimento estético” e que não exige participação 162

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afetiva ou simbólica. Mas existe aqui uma certa contradição, pois se a Arte é também objeto deve ter um signo, logo um elemento simbólico. Esta é uma postura tipicamente política. Além de abordar apenas o problema, a teoria deste sociólogo poderia contribuir com uma solução. Os sistemas não capitalistas também falharam (Ex-União Soviética) e falham (caso da China, por exemplo) no que respeita à falta de democracia e equidade. Onde estará o equilíbrio? Será a Arte uma dimensão de objetos distinta desta que Baudrillard caracteriza como responsável pela Sociedade de Consumo? Um outro conceito que Baudrillard descreve, e nos interessa aqui refletir, é o conceito de vitrina das lojas. Para este teórico, as vitrinas não refletem o indivíduo per si, como um espelho, mas o que o indivíduo gostaria de ser, e procura ser, através do consumo. Na sua opinião, a abundância é algo que não existe per si. O que existe é o conceito de abundância e criou-se o mito de sermos uma sociedade de consumo devido à abundância. No fundo, ela existe como um mito, como consequência da superprodução gerada no pós-guerra e surge também com a criação do marketing, ao estimular o superconsumo. A atual moral, a nova mitologia tribal é a imagem do consumo, consumimos a ideia de consumo, diariamente. O autor conclui que, como todos os mitos, também o do consumo tem um contramito – danos na sociedade de consumo. Segundo Baudrillard, é esta contra corrente que existe contra o consumo que mantém o mito – discursos sobre a “alienação”, a arte pop e da antiarte contribuem para o mito, e de forma mais perversa do que a pura adesão ao consumo. “Atingiremos as irrupções brutais e as desagregações súbitas que, de maneira tão imprevisível, mas certa, como em maio de 1968, virão interromper esta missa branca”. Em toda a obra se pode sentir uma certa afinidade com uma contra corrente ao sistema económico em vigor – o capitalismo. Nesta perspetiva, Baudrillard poderia estar ao lado 163

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de Karl Marx, cujas obras traduziu da língua alemã para a língua francesa. Contudo, parece-nos que este sociólogo está para além de Karl Marx, não só no tempo mas também na sua perspetiva. Para ele, o mais importante desta obra são os conceitos de desperdício e de abundância, que Marx não utilizou. Este pensador sempre se preocupou com a organização dos fatores de produção, enquanto que Baudrillard coloca em questão o próprio conceito de produção e de produtividade. O nosso objetivo ao realizar esta abordagem crítica é refletir sobre os aspetos apontados pelos críticos do fenómeno Centros Comerciais. E ainda refletir em que medida a Arte Pública pode contribuir para o equilíbrio da Sociedade como um todo (desde o consumidor até ao lojista), através do crescimento sustentado, responsabilidade social e da participação cidadã. Esta parece-nos ser a única alternativa para a correção dos desequilíbrios inevitáveis da sociedade capitalista contemporânea. Esta obra de Jean Baudrillard é muito importante, e para a época em que foi escrita, parece-nos muito inovadora. Foi uma das obras que potenciou o conceito de desenvolvimento sustentável. Tem bastante coerência, até porque existe um discurso político que a apoia. E apesar desta intenção política ser mais ou menos explícita, Baudrillard não deixa de citar muito estudiosos destas ou de outras matéria como Nietzsche, Galbraith, entre outros, mesmo não concordando com eles. Apresenta-nos, assim, de forma clara a sua fortuna critica. É difícil acompanhar o raciocínio deste autor sem se dominar os conceitos macroeconómicos de equilíbrio de mercados no sistema capitalista, de políticas económicas e sociais, da maior ou menor intervenção do Estado na economia. A discussão não existe nesta obra e não somos chamados a seguir de forma dedutiva as suas ideias. O autor entrega-nos as suas convicções e realiza todo o tipo de afirmações sem se justificar, mas tentando interligar as ideias para que tenha maior 164

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sentido. Nunca foram apresentadas as fontes de dados que lhe permitiram retirar as suas conclusões. Sente-se um afirmar através de ideias pré-concebidas. O autor peca pelo excesso de adjetivações, demonstrando pouca imparcialidade. A obra tem mérito pela sua inovação e originalidade, contribuindo para a evolução da sociologia e da economia. Atrevemo-nos a dizer que Baudrillard foi visionário com a chamada de atenção para alguns problemas que ainda hoje, passados 38 anos, são muito atuais. Quando fala da Arte e do Design, que nos são queridos nesta dissertação, refere-os como se fossem também cúmplices do sistema e culpados pelo facto de os objetos se tornarem atraentes. Gostaria Baudrillard de viver sem ser rodeado do Belo, do subjetivo, de uma outra dimensão? Ter-se-á esquecido do impacto positivo que a Arte tem na Sociedade?

4.2 A comunidade e a cultura O excerto da obra que aqui analisamos é um capítulo da tese de doutoramento do Prof. João Teixeira Lopes1 – As práticas culturais da cidade do Porto – que desempenha o papel de enquadrar historicamente o tema. Este capítulo encontra-se, por sua vez, dividido em duas partes: O Porto de 1

In http://museologiaporto.ning.com/profile/JoaoTeixeiraLOpes (2010.02.14;20h) João Teixeira Lopes é sociólogo, Professor Catedrático do curso de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e ex-coordenador do respetivo instituto de investigação (2002-2010) e Presidente do Departamento de Sociologia. Mestre em ciências sociais pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa com a Dissertação Tristes Escolas – Um Estudo sobre Práticas Culturais Estudantis no Espaço Escolar Urbano (Porto, Edições Afrontamento, 1997). Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação com a Dissertação (A Cidade e a Cultura – Um Estudo sobre Práticas Culturais Urbanas (Porto, Edições Afrontamento, 2000). Publicou até ao momento dez livros, nos domínios da Sociologia da Cultura, Sociologia da Educação, Sociologia da Juventude, Sociologia Urbana e Sociologia da Leitura. 165

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Oitocentos e O novo século. Versa sobre a evolução histórica da cidade, sempre com a finalidade de espelhar os hábitos do passado para nos ajudar a compreender o presente cultural da cidade do Porto, precisamente antes do evento Porto Capital Europeia da Cultura em 2001. A ideia introdutória apresentada por este excerto é a de que A contemporaneidade é uma visão sincrética de assincronismos; uma coexistência de ritmos sociais justapostos mas com temporalidades distintas. O autor quer chamar a nossa atenção para o facto de olharmos hoje para uma cultura que não é nova. Apesar de a chamarmos de contemporânea, ela é expressão do resultado de uma miscelânea de culturas de outros tempos. João Teixeira Lopes evoca o sociólogo Marc Augé para nos falar da importância da história na compreensão, por parte do homem, da superabundância de acontecimentos na sociedade contemporânea. O autor fala-nos de um Porto de Oitocentos e da sua vida cultural, na primeira parte deste capítulo, através dos modos de vida da sociedade da época. Introduz-nos ao conceito de burguesia e burguês que, enquanto classe, se liga à meritocracia e à crença de que qualquer indivíduo, independentemente da sua origem social, pode ascender ao estatuto que a sua capacidade de iniciativa lhe permitir. Devido à insegurança desta classe no início do século XIX, o mundo da cultura foi utilizado para tentar impô-la na sociedade, através de todas as formas de expressão existentes. Mas, segundo a investigação feita pelo autor, foi na segunda metade do século XIX que a cidade do Porto sentiu um crescimento em termos culturais. As instalações de iluminação a gás, os novos transportes que permitem o crescimento da cidade, os cafés escolhidos como ponto de paragem apenas para a burguesia, e o hábito do passeio público em jardins venham, na opinião de João Teixeira Lopes, promover a moda burguesa da cultura de aparência. Tanto, que ele refere, que se sentiu na burguesia a necessidade 166

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de separar os locais públicos dos privados para que esta se sentisse efetivamente separada do povo. Em consequência, diz-nos que os salões e saraus são lentamente substituídos pelos bailes privados. Salvar as aparências e ter boas maneiras, eis a pedra de toque da Burguesia de segunda metade do século XIX. Para impor uma nova forma de estar desta classe, o autor refere-nos a necessidade de se realizar manuais de civilidade, onde se especificam o savoir faire e o savoir vivre que legitimam a nobreza adquirida desta nova classe, como sendo mais meritória do que a nobreza herdada através do sangue. Através destes documentos, o autor explica que esta burguesia sente necessidade de se afastar das classes populares, pelo que organiza o espaço público de uma nova forma que inclui medidas de proibição da mendicidade e o consequente aprisionamento dos pedintes em instituições. É-nos explicada a falta de instrução da burguesia portuense através dos números dos censos ou pelos bens relatados pelos falecidos de elevados rendimentos, onde se vê que apenas 9% possuíam livros. Demonstra-se que não havia grande interesse pela cultura nesta época, apenas nos negócios, e que só mais tarde, na opinião do autor, esta nova aristocracia se dá conta da importância da cultura e do facto do diploma ser o garante social da classe. Quanto à evolução da cidade, João Teixeira Lopes ilustra-nos o facto com muitos exemplos, nomeadamente com o aparecimento de novas escolas de música e canto, de lojas de fotografia, com o surgimento dos primeiros jornais que se vendiam com fascículos de grandes obras literárias, com a multiplicação dos concertos de bandas, dos espetáculos de fogo de artifício e dos bailes de máscaras de Carnaval. A Foz é referida pelo autor como um local de eleição da burguesia do século XIX. Quanto à leitura, é-nos apresentado o facto de em 1870 já existirem alguns bons livros a serem editados 167

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em Portugal, apesar das baixas tiragens. No que diz respeito aos equipamentos culturais, o autor faz referência à construção, em 1860, do Palácio de Cristal, onde em 1865 se faz a Exposição Internacional. João Teixeira Lopes interpreta o aparecimento na cidade desta série de Museus, Bibliotecas, academias de música e teatros como uma tentativa de modernizar a cidade mas também de a colocar ao nível da capital. Segundo os dados obtidos pelo autor, a Ópera e o teatro lírico eram o tipo de espetáculo que esta burguesia portuense mais admirava, talvez porque os baixos conhecimentos artísticos não lhes permitissem descodificar outro tipo de espetáculo. Mas João Teixeira Lopes também fala deste Porto de fim de século como uma cidade com muita pobreza, e com uma classe operária que, cansada de ser explorada pela Burguesia, começa a tornar-se perigosa com os seus valores socialistas e capacidade de associativismo pressionadas pelas péssimas condições em que viviam. Na década de 70 surgem as primeiras greves, e na de 90 começa a ser comemorado o dia do trabalhador. Os hábitos culturais ou modos de distração da plebe é a rua, onde nela se estende o espaço doméstico da porta de casa. Segundo opinião do autor, as novidades na cidade surgem no século XX, com o início do cinema e das salas de divulgação da sétima arte, nomeadamente o Metropolitano (1909), O Águia d’Ouro, o salão High Life (atual cinema Batalha), o Sá da Bandeira, o Passos Manuel, o Trindade, entre outros. O Rivoli foi inaugurado em 1932, substituindo o antigo teatro Nacional, e no final deste mesmo ano é adaptado também para cinema. O autor refere com importância o défice de produção destes espetáculos, que eram todos importados da capital, o que para ele representaria um retrocesso face a épocas anteriores. Durante a 1ª República criou-se a Universidade do Porto (1911), o Conservatório de Música (1917) e o primeiro Cineclube (1923). 168

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O Regime ditatorial e a orientação burguesa para o saber estar permitiram ao Porto, na opinião do autor, manifestações públicas e espetaculares, ou mesmo ao incentivo da cultura ou criatividade. Em 1928 assiste-se ao fecho da Faculdade de Letras. Para sobreviver, era necessário ser-se discreto e apenas na esfera privada se podia questionar o regime, facto que leva, por exemplo, o Ateneu Comercial do Porto a iniciar as manhãs literárias com prémios, concertos e recitais, onde participavam figuras como Miguel Torga, Lopes Graça, João Villaret, entre outros. Apesar destas iniciativas, o Porto não conseguia concorrer com Lisboa, em especial devido ao apoio cultural da Fundação Calouste Gulbenkian e a sua crescente atividade, como nos indica o autor. Em 1951 cria-se o TEP (Teatro Experimental do Porto). O autor também faz referência ao incontornável facto de muitos dos intelectuais e artistas portugueses de vulto serem portuenses: Sophia de Mello Breyner Andersen, Eugénio de Andrade, Agustina Bessa-Luís, Manoel de Oliveira, Fernando Lopes-Graça, entre outros. Contudo fala da falta de animação e vitalidade das instituições. Comercialmente, em especial depois de 1970, o Porto conhece, segundo João Teixeira Lopes, um segundo centro urbano, a zona da Boavista. Consequência disto é a baixa fervilhar durante o dia e à noite ficar deserta apesar da importante concentração de oferta cultural da cidade ser nesta região. Nesta mesma época refere a consolidação da Escola do Porto como resultado do trabalho dos arquitetos Fernando Távora e Siza Vieira, o surgimento da Cooperativa artística Árvore, em 1963, e ainda da Fundação Engenheiro António D’Almeida, em 1969. A revolução de 1974 é apresentada pelo autor como o motor do nascimento de associações e grupos culturais que não dissociam a politica da cultura, o que provocará, mais tarde, a necessidade de institucionalizar estes grupos e de criar uma política cultural para alimentar os equipamentos instalados na cidade. 169

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O surgimento do Pelouro de Animação da Cidade foi, na opinião do autor, o que proporcionou o cruzamento de artistas e formas de expressão provenientes de várias partes do globo, expresso em festivais como o Ritmos, Intercéltico, o Festival de Jazz, o Salão Internacional de Banda Desenhada no Porto, entre outros, bem como o mote para a recuperação dos equipamentos e consequente ligação às escolas e às associações. Fala-nos da renovação do Rivoli, da construção do Teatro do Campo Alegre, bem como da renovação das CasasMuseu Guerra Junqueiro e Marta Ortigão Sampaio. O autor revela ainda o facto do Estado ter recuperado o Teatro S. João e o ter elevado a Teatro Nacional, consagrado a Orquestra Nacional do Porto e instalado na cidade o Centro Português de Fotografia, no edifício da antiga Cadeia da Relação. João Teixeira Lopes dá também relevo às ações da sociedade civil organizada, apoiadas pelo Estado e/ou autarquia, tais como o FITEI e o Fantasporto, que se iniciam também nesta mesma época, ou outros exemplos como a Fundação de Serralves, o Rivoli (na época de 80) ou o Teatro Nacional S. João, que são também criados ou mantidos com o apoio de fundos públicos e privados. Os factos apresentados são que, em 10 anos, os grupos de teatro da cidade passaram de 3 para 18, e só em 1997 o Ministério da Cultura apoiou 10 projetos teatrais portuenses. Para além disso, a cidade tinha 3 instituições de formação artística nesta mesma área. No mesmo ano, a contagem das salas de cinema ascendiam a 46 contra as 83 de Lisboa. Ao nível das Galerias e/ou espaços de exposição a cidade contava com 40 unidades, sendo que 25 são especificamente galerias. A cidade tinha mais de 600 associações e coletividades. Segundo o autor, a primeira política cultural da cidade no Século XX teve resultados muito positivos ao nível da reabilitação dos equipamentos e na articulação entre a oferta e a procura. Contudo, e porque a cidade deixa de ser tão provin170

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ciana, já não está imune às grandes (e transnacionais) recomposições no mundo das sociabilidades e do espaço público. João Teixeira Lopes sugere que é na década de 90 que a história cultural do Porto sofre profundas metamorfoses, apesar de em 1992 François Guichard ainda nos falar do Porto centrado nas tertúlias de cafés e pastelarias, do ainda tradicional passeio à Foz ou a Matosinhos. Este Porto ainda existia à data da publicação desta tese de doutoramento, e, na nossa opinião, ainda existe. Mas também existe um Porto cosmopolita, do comércio de rua alternativo e da animação noturna. O final deste capítulo desenhado por João Teixeira Lopes é o que mais nos interessa analisar, dado que ajuda a confirmar a pertinência desta nossa dissertação. O autor fala-nos de um outro tipo de consumo cultural que invade o quotidiano portuense – os Centros Comerciais enquanto modernas catedrais de consumo. Para o autor, os Centros Comerciais configuram uma radical reestruturação das formas tradicionais da esfera pública. Como características maiores destes locais refere o clima e a falta de época na arquitetura. Os Centros Comerciais referidos pelo autor não obedecem a estilos arquitetónicos, são feitos para diversão e lazer e não para criar tendências arquitetónicas. O clima, a limpeza e a segurança destes espaços criam ambientes com os quais a rua não pode concorrer. Quase todas as necessidades regulares de 24h do nosso dia a dia poderiam ser satisfeitas dentro de um Centro Comercial, diz-nos o autor, reconhecendo a sua diferenciação face ao mercado de rua e a sua mais-valia para os consumidores face a outras formas de consumo cultural. Não posso deixar de referir duas das suas notas de rodapé com muito interesse pelo seu anacronismo. É muito interessante fazer esta leitura sabendo que entre ela e nós apenas distam cerca de dez anos: No grande Porto, num curtíssimo espaço de tempo surgiram entre outros: o Central Shopping, O Cidade do Porto, o GaiaShopping, o ViaCatarina, o ArrábidaShopping, 171

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o MaiaShopping, e o NorteShopping. Perante a arrogância e a imponência da sua presença, quase coramos de incredulidade pela novidade que suscitaram, em inícios da década de 80, centros como o Dallas e o Brasília. No recém-inaugurado Colombo, em Lisboa, o seu arquiteto fala-nos do peculiar urbanismo imagético dos centros comerciais. (…) Ao lado do Colombo, classificado como de importância suprarregional, com os seus 122 mil metros quadrados, os centros comerciais do Grande Porto são ainda miniaturas. Mas apressa-se a construção do Norteshopping, com 73 500 metros quadrados projetados, ainda assim um mero empreendimento regional. O autor cita muitas vezes Marc Augé e Margaret Crawford que são críticos deste tipo de local e do consumismo nos paraísos artificiais. Mas no final do capítulo deixa a sua própria cunhagem. João Teixeira Lopes identifica a desertificação do grande centro da cidade como consequência do aparecimento dos Centros Comerciais. Questiona qual o motivo que lhes leva tantos milhões de pessoas por ano, avançando com o défice de formação cultural e com a reduzida exposição a uma oferta lúdica alternativa como algumas das razões. Afirma também que, por vezes, o anonimato que o Centro Comercial nos proporciona, nos leva a escolhê-lo como ponto de receção. Qual a resposta de uma política cultural da cidade face à proliferação de não lugares? Pergunta-nos, retoricamente, o autor. Fica inseguro quanto à resposta, ocorre-lhe o facto de existir neste local uma enorme exposição à vontade de consumir e ainda o facto de este ser um local de fraca sociabilidade. As próximas ideias foram transcritas por mim na íntegra pela sua importância, como à frente se perceberá: Mas estes espaços podem conter em si mesmo sementes de um espaço praticado (para utilizar a terminologia de Certeau). Iniciativas de animação (concertos, exposições, performances) têm vindo a 172

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proliferar nestes cenários. Sabemos que elas constituem, antes de mais, uma tentativa de reforço do ethos consumista (que talvez se possa definir pela máxima de Augé: fazer como os outros para ser ele próprio), através do poder da atracção adjacente que direcciona os olhares e os estímulos para as mercadorias circundantes e omnipresentes. Ao abranger a esfera do lazer, mais necessidades são satisfeitas e mais motivos as pessoas encontram para frequentar estes locais. Mas demitirmo-nos de uma acção cultural organizada, equivaleria a legitimar a fuga da cidade, dentro da cidade, que eles também (e tão bem) representam. E, quem sabe, se em vez de se oferecerem como objecto de uma etnologia da solidão de que Marc Augé reivindica a emergência, não poderão constituir novos cenários de encontro, agir comunicacional e sociabilidade. Neles circulam cidadãos, ainda que adormecidos, públicos virtuais a serem conquistados. E é por isto que acreditamos que podemos e devemos levar a Arte aos Centros Comerciais e que decidimos investigar sobre o tema escrevendo esta dissertação. Em todo o capítulo da obra de João Teixeira Lopes pode sentir-se uma certa afinidade com uma contracorrente ao sistema económico em vigor – o capitalismo – mas nem por isso um ataque forte à realidade dos Centros Comerciais. Na verdade, interessa aqui referir que os Centros Comerciais não são um fenómeno exclusivo do Capitalismo ou da Sociedade de Consumo. Repare-se na história do GUM, em Moscovo, que no final do Século XIX era o maior Centro Comercial da Europa2, ou do Harrods, em Londres, que em 1880 já empregava mil colaboradores3. O nosso maior interesse em realizar esta análise é, mais uma vez, refletir sobre o fenómeno “Centros Comerciais” na perspetiva sociológica. 2 3

In http://www.moscow.info/red-square/gum.aspx (2010.02.23; 12:30h) In http://www.wikipedia.org/wiki/harrods (2010.02.23; 12:40h) 173

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Pretendemos contaminar os cidadãos com a perspetiva cultural da Arte, de forma a provocar novas sensações e experiências a um público, habitualmente, apenas consumidor. E ao realizar este trabalho concluo que o nosso caminho estará certo, uma vez que João Teixeira Lopes, ao estudar os hábitos culturais dos portuenses, tem necessidade de falar deste fenómeno, o que demonstra a sua legitimidade e nos permitirá aproveitar o seu sucesso para contribuir para a massa crítica que os públicos podem ter se corretamente “sensibilizados para” e “expostos perante” as realidades culturais.

4.3 A comunidade e os não lugares Marc Augé no seu livro Não Lugares, fala-nos da necessidade que o Homem tem em encontrar um sentido para a sua vida. Se a este fenómeno, lhe somarmos o excesso de espaço da sociedade contemporânea (uma vez que chego rapidamente a um outro país) encontramos o que habitualmente designamos por concentrações urbanas, transferências diárias de populações, e a multiplicação dos Não Lugares. Os não lugares tanto podem ser as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens como próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, ou ainda os campos de trânsito prolongado onde são colocados os refugiados do planeta.4 Para este antropólogo, o Ego do indivíduo está em crise, e ele procura individualizar as suas referências. Não existe uma cultura de grupo, de sociedade, existe a perda da identidade, da identificação. À soma destes três fenómenos – a superabundância espacial, o excesso de acontecimentos e a individualização das referências – o autor chama aculturação. 4

Vd. AUGÉ, Marc – Não-Lugares. Introdução a uma antropologia da sobremodernidade. Venda Nova: Bertrand Editora, 1998, p. 42. 174

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A questão que se coloca na definição dos Não Lugares definida nos anos noventa face à realidade dos Centros Comerciais do século XXI, é se estes continuam a ser espaços de rápida passagem ou se já evoluíram no sentido de Lugar. É sobre isso que vamos refletir neste ponto. Para que um local seja um Lugar, segundo a definição de Augé, tem que conseguir ter as seguintes características simultaneamente: identitário, relacional e histórico. Seguindo este raciocínio, um centro comercial não constitui (ainda, na nossa opinião) um lugar antropológico e não integra (ainda) lugares antigos de memória. Mas sendo um lugar de vivência, histórico para quem lá vive, porque ficam os Centros Comerciais de fora desta classificação? E se ficam fora, ficam-no para quem? Quem são os interlocutores? Não passam estes espaços por serem a junção da mercearia da esquina, do café de todos os dias, com a boutique de moda do tempo da avó? Diariamente passam no mínimo 500 funcionários de loja num Centro Comercial médio, e 10000 clientes. Cerca de 20 pessoas fixas no mínimo para garantir que tudo está limpo e organizado. São 10520 pessoas no mínimo envolvidas diariamente na vida de um Centro Comercial médio. Para estas pessoas, o grau de significação será diferente, mas para todos o local é de convivência e vivência diária, ou seja, é um lugar antropológico. E se daqui a uns séculos este fenómeno for substituído por outro, permanecerão maquetas e fotos de Centros Comerciais desaparecidos e a cripto-história dos que apesar de projetados não se chegaram a executar. Quanto ao Centro Comercial ser, ou poder ser, um lugar antropológico ainda é difícil de prever face à juventude do fenómeno. Não constitui nosso objeto discutir ou resolver esta questão. Contudo, aqui deixamos algumas questões que se baseiam em observações sistemáticas do fenómeno, nomeadamente:

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• As crianças que todos os dias vão com os avós ao Centro Comercial porque eles lá vão comprar o jornal e beber o café; • Os clientes que visitam o Centro Comercial todos os dias, e se sentam no mesmo sítio à mesma hora; • As famílias completas (três gerações) que ao fim de semana se passeiam pelos corredores; • As jovens mães que usufruem da sua licença de maternidade passeando com todo o conforto no Centro Comercial onde é assegurada a existência de espaços próprios para os cuidados infantis; • E, por fim, os programas lúdico-culturais que aí são amiúde organizados, nomeadamente no Centro Comercial Dolce Vita, no Porto, que propiciam, ainda que sem isenção de análise crítica, o relacionamento interpessoal. Este último aspeto permite aos Centros Comerciais do Século XXI serem considerados como relacionais, uma das três características basilares dos Lugares. Deteta-se aqui uma evolução do fenómeno dos Centros Comerciais e uma tentativa de sair da categoria dos Não Lugares. Há 20 ou 30 anos amigos, vizinhos e famílias utilizavam a Igreja e o café da Rua onde moravam como o lugar de encontro. Hoje, os Centros Comerciais são utilizados para estar, e não só para fazer compras. Muitas vezes a pequena compra do jornal é um pretexto para se ir ao Centro Comercial e tentar a socialização. Na praça da restauração de um Centro Comercial partilham-se opiniões como se fazia no café da esquina, sabe quem lá passa os seus dias a observar os outros. As cafetarias das livrarias são as preferidas para se estar, mais recônditas e pequenas que permitem um maior sossego a quem quiser apenas ler, mas também aí se encontram amigos e se socializa. O Lugar é, por fim, necessariamente histórico, na medida em que, conjugando identidade e relação se define por uma estabilidade mínima, e 176

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desde que os que nele vivem possam reconhecer pontos de referência que não têm de ser, obrigatoriamente, objectos de conhecimento.5 É também referida a situação do não lugar ser um espaço onde o indivíduo é informado através de textos, aliás onde se supõe que os indivíduos interagem apenas com textos, onde quem escreve é uma instituição cuja presença se desconhece. Nesta linha de pensamento, o visitante de um Centro Comercial tem uma identidade temporária enquanto o consome, numa espécie de relação contratual, com a identidade controlada. Como se só existissem quando compram, seria essa a sua identidade enquanto cliente. Assim, Augé diz que este tipo de lugar não estimula a criação de identidades singulares, por ter que se obedecer a um determinado código como todos os outros clientes. Não são promovidas relações, apenas solidão e similitude. Neste sentido, também o Museu seria um Não Lugar. Pois é habitual os espaços de utilização pública terem as suas regras ou sugestões escritas e expostas. No momento em que Augé escreveu este texto, os Centros Comerciais não estariam tão vocacionados para se relacionarem com os clientes e com a comunidade envolvente, como acontece nos dias de hoje. No Século XXI existem, a título de exemplo, eventos com crianças nos Centros Comerciais, onde pintam desenhos, se vestem de fadas ou aliens. É também importante analisar o Lugar de Memória em oposição ao Lugar de História. Refletindo sobre o texto Arte Pública e Lugares de Memória da autoria de José Guilherme Abreu6, conclui-se que Lugares de Memória são lugares onde se cristaliza o passado, mas nem todos os locais onde o passado seja cristalizado constituem um Lugar de Memória, mas sim um Lugar de História. Para termos um Lugar de Memória 5

Vd. IDEM, Ibidem, p. 60. Vd. ABREU, José Guilherme – Arte Pública e Lugares de Memória, Porto: Revista da Faculdade de Letras, 2005.

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tem que existir a vontade dos cidadãos, da coletividade, em que se construa essa memória, não é uma decisão meramente institucional. Os lugares de memória são, pois, aquilo que resta: um resíduo e uma perpetuação. Os testemunhos de um outro tempo, que emprestam ritual a uma sociedade desritualizada. (…) O que distingue um lugar de memória de um lugar de história é “uma vontade e memória”. É essa intenção memorialista que constitui o garante da sua identidade, e que permite que os lugares de memória não sejam meros lugares de história.7 Na sobremodernidade existirão realmente Não Lugares, ou Não Ser Social? O que faz a diferença são os lugares e a forma textual de comunicar com as pessoas, ou a sua atitude de não procurar o elemento pessoa que existe para ajudar e esclarecer? Hoje em dia Lugares e Não Lugares confundem-se. A possibilidade do Não Lugar nunca está ausente de um lugar. Os Lugares podem ser promovidos a Lugares de Memória pela utilização que os cidadãos fazem deles. Os Centros Comerciais são mais relacionais hoje, não são apenas grandes armazéns cheios de materiais para venda, também estabelecem relações com quem os visita, contudo, o visitante é soberano e cabe-lhe decidir se quer relacionar-se ou não. Vítor Tavares defendeu a sua tese de Mestrado na Faculdade de Belas de Artes do Porto, com o tema dos Não Lugares aplicado à cidade. O projeto pode ser visitado no site e blogue criado pelo autor e artista – www.nao-lugares.com. Partindo do problema que detetou ser o crescente abandono de alguns locais da Cidade do Porto que lhe parece ser consequência da nova e crescente convivência física das grandes superfícies comerciais e da ausência de envolvimento da população em redor do potencial dos espaços públicos urbanos – Vítor 7

Vd. NORA, Pierre – Présentation. In, NORA, Pierre, (dir), Les Lieux de mémoire, Paris: Editions Gallimard, Vol.I, 1984, p. 24. 178

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Tavares deambulou pela cidade e realizou registos fotográficos que publicou no seu site. O “www.nao-lugares.com” é um site participativo e que oferece a possibilidade de o visitante submeter as suas próprias imagens e/ou palavras. Parte para a sua abordagem tendo como referências as definições de Marc Augé, nomeadamente o facto dos não lugares serem espaços impessoais e de anonimato no quotidiano das pessoas, não criando identidade singular a quem o visita, nem relação, mas sim solidão e semelhança de comportamentos. Os não lugares são fruto da sobremodernidade e criam contratualidade solitária. Foi organizada, em julho e agosto de 2009, no Centro Português de Fotografia do Porto, uma exposição para mostrar algumas das fotografias deste projeto. Na inauguração da exposição houve lugar a uma conferência sobre o tema. Foram publicadas no site dos não lugares as seguintes citações: Citando algumas palavras do prof. Álvaro Domingues, “o conceito de ‘Não lugar’ é ‘plasticina’. Deveria ser um conceito a destruir, porque divide os ‘lugares’ entre os que são e os que não são. Ora, lugares mais do que pontos definidos por sistemas de coordenadas de latitude e longitude, são construções sociais: há lugares eternos, lugares comuns, lugares mágicos, lugares fora do lugar, etc. Quando falamos em não lugares era melhor pensarmos antes o que é que verdadeiramente nos incomoda, e se isso é uma qualidade dos lugares ou não? A questão é que não estou nada a ver o que há em comum entre um aeroporto, um centro comercial, um edifício arruinado ou uma estação de metro... São realidades que se podem inscrever em múltiplos imaginários sociais, vivências, experiências, etc. mais ou menos colectiva ou individuais. Multireferenciação, transculturalidade, instabilidade, etc., são qualidades das sociedades contemporâneas. Se a sociedade é tão diversa, como é que o não poderá ser também a forma como se apropria (física ou simbolicamente) dos lugares?, desde o puro zapping ao casulo do 179

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meu quarto”. O arquiteto do Lugar, Joaquim Massena, acredita nas memórias e no sonho dos espaços, acredita no projeto participado, tem a natureza como escala e a vida como forma das suas obras. Recusa o estereótipo, e considera que a arquitetura é um serviço público independente, sem poder nem submissão.8 Marcámos uma conversa com Vítor Tavares com objetivo de obter a sua perspetiva sobre a nossa proposta de inserção de elementos de Arte Pública nos Centros Comerciais, segundo ele, locais de contratualidade solitária. Reunimonos num não lugar, nas instalações do Centro Comercial El Corte Inglês em Vila Nova de Gaia, por comodismo de ambas as partes. E ali estivemos algum tempo, cerca de uma hora, deambulando pelos conceitos de Augé, e pelo impacto que a Arte pode ter nas pessoas que a contemplam. Vítor Tavares começa por explicar que não lugar é um espaço de passagem, que não cria história nem identidade. Os Centros Comerciais são, para Vítor Tavares, não lugares porque neles não criamos relações com eles. São grandes, não conhecemos os funcionários por estarem sempre a mudar, e em resumo não são estabelecidas grandes relações com os elementos destes espaços. À primeira questão sobre “porque coloca os Centros Comerciais a par dos espaços abandonados? Ou não estão a par, mas sim em contraste?”, Vítor Tavares explica que o seu objetivo, ao colocar espaços abandonados da Cidade do Porto em contraste com os Centros Comerciais, prende-se com chamar a atenção para a fuga da população do centro da cidade, outrora repleto de lugares, relações e identidades. Quanto à questão sobre os Centros Comerciais em si: “Enquanto cliente dos centros comerciais alguma vez se deu conta da tentativa da Arquitetura de o constituir como lugar e não apenas como espaço comercial? Dou como exemplo a praça de alimentação do ViaCatarina que pega no tema das casas típi8

In www.nao-lugares.com (2009.12.23;19h) 180

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cas da ribeira e as tenta enquadrar nas fachadas dos restaurantes. Crê que esta tentativa de integração de elementos culturais tem sucesso? Identifica-a como um esforço do Arquiteto em atribuir história e identidade ao local? Vítor Tavares refere-se a este esforço da Arquitetura como fenómeno de Dysneificação, ou seja, a criação de um mundo imaginário, onde tudo é mágico. Na ilusão das luzes, das cores e da estética os cidadãos apegam-se ao conforto do consumismo. Existe um paralelismo estre esta opinião de Vítor Tavares e a opinião dos Arquitetos Paulo Martins Barata (PMB) e João Perlouro (JP) que em entrevista à revista arquitetura 21 referem que (…) PMB: Há um lado fantasioso, com o pós-modernismo, com aquela coisa horrorosa da tematização da arquitetura… (…) é um ir atrás daqueles mundos sonhados das várias Disneyland. (…) Acreditamos (…) que é possível pegar num Centro Comercial, um parente pobre da arquitectura e fazer boa arquitectura, de qualidade, retirando-lhe a carga da tematização e criar um objecto interessante. (…) Se temos tematização vamos trabalhá-la como um projecto de arte pública. JP: Há uma infantilização na forma de como as pessoas vêm a arquitectura nestes locais.9 Refletindo sob a hipótese de um Centro Comercial ser um local mais relacional e de integração cultural através da introdução de elementos de Arte Pública o artista reconhece que a Arte, se for interativa que baste, tem poder e forma de chegar ao público. A identidade singular estabelece-se entre o visitante e a peça de obra de arte em exposição quando ele estabelece relações com a mensagem do artista. Ou ainda quando alcança a sua própria interpretação da obra. A Arte Pública cria um efeito incontornável em quem a vê, interpelando-o. As relações que se criem entre as obras e os visitantes serão referências importantes na memória de cada um, potenciando um tipo de emoções, adectos e tomadas de consciên9

In Revista Arquitetura 21, #8 (novembro e dezembro de 2009), pp. 67-70. 181

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cia que, habitualmente, não exercitamos no nosso quotidiano. Assim ficará na nossa memória um Lugar e não apenas os objetos dentro dos sacos que trazemos na bagagem. A artista e investigadora Marta Traquino10 parte de um outro ponto na sua abordagem ao Lugar. Para ela está em foco a construção do Lugar pela Arte Contemporânea. Para alcançar o seu objetivo, esta artista reflete sobre a reconfiguração da conceptualização do Espaço a partir da década de sessenta do Século XX. Defende que para se perceber como emerge o Lugar é essencial perceber de que se fala quando nos referimos ao Espaço. (...) como é possível emergir o Lugar, num mundo onde grande parte das pessoas estão desintegradas dos seus Lugares de origem e dos lugares onde se encontram, não por opção, mas por necessidade ou, mesmo, por imposição. Marta Traquino também denuncia o facto de nas obras site-specific caberem demasiadas situações no contexto da Arte Contemporânea. Refere que ainda existem equívocos no que respeita ao que significa abordar o Espaço ou o Lugar nos designados projetos site-specific de contexto urbano. Grande parte das propostas que são fundamentadas com base no termo não chegam muitas das vezes a estabelecer qualquer relação com a especificidade do sítio no qual se apresentam, ou fazem-no superficialmente. (...) trabalhar realmente com a especificidade do sítio implica activar a experiência do “aqui e agora” que, por natureza, é única e irrepetível, portanto sempre inovadora. Relativamente à relevância do espaço público, Marta Traquino defende que existem propostas artísticas no espaço 10

In Revista arq|a, (setembro de 2009): Marta Traquino é Artista Plástica e investigadora. Tem explorado a relação entre a arte contemporânea e o espaço físico, vivido, procurando cruzar experiências e reflexões em torno de intervenções artísticas que contemplem influências múltiplas entre o contexto arquitetónico, o lugar, a esfera pública, a comunidade e o seu quotidiano. Com o título “A Construção do Lugar pela Arte Contemporânea” – ISCTE 2006 – a sua tese de dissertação expõe várias questões relacionadas com estes temas, considerando o significado, a abrangência crítica, teórica e prática de novas formas de interação, com o meio envolvente. 182

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público que podem dar “voz” ao “silêncio” dos utilizadores do espaço. Se por um lado a artista reconhece a relevância da Arte no espaço público – uma vez que esta trabalha com a dimensão do Lugar, mediando e reconstruindo referências que aproximam as pessoas dos seus contextos quotidianos facilitando, assim, a existência e a prática de valores de cidadania – por outro lado crítica as propostas que ainda surgem na Arte Pública – que servem apenas para marcar mais uns pontos nos currículos pessoais de artistas, curadores e autarquias (sobretudo no contexto nacional), resultando em adornos decorativos que fazem uso do artifício da monumentalidade pelo exercício da escala. A Marta Traquino interessam-lhe os projetos artísticos que têm por base: modelos de acção e de sociabilidade situada; uma estética do inter-humano, do reencontro, da proximidade, tomando o diálogo como o princípio de um processo que leva à construção de imagens baseadas no desenvolvimento de experiências; resistência à formatação social sob influência dos media; uma “forma” sem limites materiais de um objecto produzido, mas equivalendo ao principio de aglutinação dinâmica de um conjunto de acções e relações que se produzem num dado espaço-tempo e que sensibilizam para o sentido de se habitar um mundo em comum.11 Marta Traquino tem três textos publicados no site da Arte Capital que são excertos retirados da sua Tese de Dissertação. O primeiro texto designa-se Do sentido de Lugar na condição contemporânea12. Neste texto, a autora reflete sobre o conceito de Lugar e de como este se constrói ou reconstrói. O segundo texto designa-se por Do Espaço ao Lugar: Fluxus e a proposta de (re)olhar em volta13, onde explora o conceito 11

Todos os itálicos são excertos da entrevista a Marta Traquino in Revista arq|a de setembro de 2009. 12 In http://artecapital.net/opinioes.php?ref=75 (2009.12.23;15h) 13 In http://artecapital.net/opinioes.php?ref=77 (2009.12.23;15h) 183

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de site-specific desde a época de setenta do século XX, e de como, na sua opinião, os artistas Fluxus contribuíram para o seu desenvolvimento. Citando Higgins, refere que o trabalho do Fluxus lida com a capacidade de oferecer conhecimento ontológico que liga as pessoas ao mundo real e umas às outras, expandindo o sentido individual de pertencer a um lugar e a um grupo.14 O terceiro texto que analisámos designa-se por A Arte como um Estado de Encontro: o trabalho do grupo Oda Projesi e será alvo da nossa reflexão no capítulo que se segue, dedicado à Arte Pública de envolvimento com a comunidade.

4.4 A comunidade e a Nova Arte Pública O trabalho do Grupo Oda Projesi, que Marta Traquino investigou, é um bom exemplo do trabalho de envolvimento com as comunidades que os grupos artísticos locais podem oferecer. É um projeto de três artistas que começaram a trabalhar juntas em 1997. Özge Açikkol, Günes Savas e Seçil Yersel nasceram e vivem em Istambul. Em 2000 adotam o nome coletivo de Oda Projesi e iniciam o seu trabalho artístico num prédio em Gálata, um antigo bairro da cidade. 15Esta autora refere que, segundo as artistas, o principal objetivo deste projeto é recuperar a vida quotidiana como um modo de fazer arte, entendida como uma escultura social formada pelas relações entre pessoas e espaços. Na opinião de Marta Traquino a posição destas artistas nada tem a ver com a de artistas convidados para trabalhar com a comunidade, mas sim de uma escolha voluntária. Esta característica do projeto Oda Projesi 14

Vd. TRAQUINO, Marta, Apud, HIGGINS, Hannah – Fluxus Experience. Berkeley, Los Angeles, London: University of Califórnia Press, 2002, p. 59. 15 In http://artecapital.net/opinioes.php?ref=79 (2009.12.23;15h) TRAQUINO, Marta – A Arte como um Estado de Encontro: o trabalho do grupo Oda Projesi, [Sl;s.n.], 2009. 184

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faz grande diferença na opinião da autora – o facto das artistas terem o seu lugar no bairro. Como o projeto não depende de apoios institucionais, não existem objetivos estipulados por membros de fora da comunidade. Só deste modo se cumpre o desejo das artistas de criar um monumento composto de gestos da vida quotidiana e de camadas de memórias da comunidade. Existe ainda o cuidado por parte das artistas de evitar que o resultado dos seus workshops seja vendável. O grande objetivo é criar um diário que registe a memória coletiva da comunidade. Não procuram produzir objetos mas sim memórias das experiências conjuntas. Sem separação entre o “mundo da Arte” e o “mundo real”. Os Centros Comerciais entram nas nossas vidas como uma cultura difusa, antropológica, como um lugar de usos e costumes. A incorporação nos seus edifícios de obras de Arte Pública, ou a exposição nos corredores de obras de arte, não faz com que passem a ser lugares de culto, e não alteram o seu público não arte. Contudo, esta incorporação da Arte numa cultura difusa permite expô-la a mais pessoas, de uma forma mais descontraída que não lhe tira o “pedestal”, mas sim a “baia”. O público sente-se mais próximo da Arte se ela, em vez de um lugar de culto, estiver num local como o Centro Comercial, também sem grande separação entre o “mundo da Arte” e o “mundo real”. Marta Traquino explica-nos que a Arte relacional do Oda Projesi implicou uma rede de projetos num processo contínuo e assenta num encadear de projetos anteriores que estimulam os seguintes, construindo relações e memórias. Resultam das relações quotidianas dentro de uma comunidade, quer das suas semelhanças, quer das suas diferenças. Estas práticas são potenciadas quando utilizadas no espaço público, segundo a autora, o terreno mais fértil para a arte trabalhar com o Lugar. Desta esfera, Marta interessa-se pelo que define como essencial do universo da Arte Pública: os modos de aproximação do 185

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artista em relação ao Outro, a receção participante, nos quais se viabiliza o ponto de partida para desenvolver no espaço público contemporâneo a abordagem ao Lugar. Defende que numa sociedade com vidas descoladas dos lugares a Arte no espaço público pode desempenhar um papel relevante na mediação da relação entre as pessoas e os seus contextos. E acrescenta algo que também segue a linha de Siah Armajani: Será também um espaço ideal e pragmaticamente dialógico e cívico quanto mais se cultivarem aproximações, ultrapassando barreiras físicas, sociais, ideológicas e políticas. Marta Traquino conclui a sua análise do contexto do espaço público referindo que é nele que surge a consciência de que o Lugar não se confina a uma área, (...) ele intersecta uma ampla constelação de relações sociais e simbólicas que a Arte Pública deve conhecer e promover as suas conexões, visando a requalificação da cidadania. Ainda sobre o papel da Arte Pública mais relacional junto das comunidades, Grant Kester16 realizou na sua obra – Conversation Pieces, Community + Communication in modern art – uma análise a exemplos de Arte baseada no diálogo, e não nos media tradicionais mais objetai, como a escultura, pintura ou instalação. Esta sua análise inicia-se na década de 60 e 70 do Século XX e vem até aos dias de hoje. Gostaríamos de refletir sobre algumas das conclusões de Kester no que respeita à comunidade e à “Nova Arte Pública”. Este autor começa o livro analisando dois projetos artísticos que classifica como Arte dialógica, porque em ambos os casos os projetos partilharam uma preocupação com a mediação e a facilitação criativa, do diálogo e da troca de experiências.

16 Grant H. Kester is Associate Professor of Art History at the University of California, San Diego, and the editor of Art, Activism, and Oppositionality: Essays from “Afterimage” (1998) in KESTER, Grant H. – Conversation Pieces, Community + Communication in modern art. Califórnia: University of California Press, 2004.

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Um dos projetos chama-se Routes, e o seu objetivo era aproximar condutores de autocarros de Belfast, na Irlanda do Norte, protestantes e católicos, entre eles e entre eles e a comunidade, numa partilha de experiências muito violentas, devido aos ataques que sofreram às suas viaturas por fundamentalistas religiosos. Chegaram a escrever nos autocarros, numa ação de Arte Pública: “Eu não sou protestante, eu não sou católico, sou condutor de autocarro”. O outro projeto chama-se Boarding House e pretendia apoiar mulheres, toxicodependentes e profissionais do sexo, em Zurique, na Suíça. Através do diálogo e troca de experiências entre elas e um conjunto de pessoas importantes na comunidade local. Kester chama a nossa atenção para o facto de, habitualmente, as obras de arte provocarem diálogo no público que as recebe. Nestes projetos as conversas são parte integrante do ato criativo. Tocam, na opinião do autor, a tradição britânica da Arte comunitária e a Arte Pública temporária americana. Para Kester, estes projetos unem-se pelo facto dos artistas acreditarem na força da Arte em relacionar-se com o mundo social, e até político, bem como do tipo de conhecimento que a experiência estética é capaz de produzir. Para Lacy este trabalho representa o novo género de Arte Pública. Kester prefere chamar-lhe arte dialógica – dialogical art – conceito que, segundo ele, deriva do teorista literário Mikhail Bakhtin (1895-1975), que por sua vez pode ser visto como um tipo de conversa – um foco de diferentes significados, interpretações e pontos de vista.17 Habituamo-nos a olhar a Arte como um meio objectual ou performativo de comunicação entre o artista e o público. Nesta Arte dialógica o artista prescinde da obra física enquanto objeto artístico e cria a sua Arte criando relações e diálogos com as comunidades. 17

Vd. KESTER, Grant H. – Op. cit., p. 188. 187

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O campo da Arte é expandido, abandonando os meios de criação artística habituais, expandindo-se para uma “atitude dialógica” em vez de um “objecto ou performance”. As comunidades a que as empresas querem chegar através da Responsabilidade Cultural têm um potencial acesso via Arte dialógica, que respeita as tradições e memórias das gentes, dos usos e dos lugares, promovendo a perpetuação da sua identidade local e comunitária, podendo ajudar a limar arestas de zonas mais desfavorecidas e carentes. Em suma, existem várias formas de fazer crescer o fenómeno dos Centros Comerciais através da introdução da Arte Pública. Os Centros Comerciais por si só são polos de atração, que tentam através da tematização e dos eventos que promovem ser integradores das gentes e dos usos da comunidade em que se inserem. Para ascenderem a Lugar os Centros Comerciais têm que conseguir ser relacionais, identitários e históricos. Estas três características apesar de diferentes interagem entre si. O Centro Comercial do Século XXI tende a ser relacional. A Arte Pública, em qualquer dos seus formatos, pode ajudá-los a ser identitários e históricos. Já vimos que o NorteShopping constitui um Lugar de Memória através da tematização industrial e da elevação de símbolos identitários e históricos como é a máquina de vapor de Soure, que, consequentemente, se torna relacional por interagir com a esfera pública simulada do Centro Comercial. Este exemplo demonstra como se pode elevar a Lugar através da Arte Pública objetivo maior do Programa de Arte Pública que queremos desenhar no capítulo que se segue.

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Capítulo V Da implementação de uma Política de Arte Pública nos Centros Comerciais 5.1 Na arquitetura Como já tivemos oportunidade de referir, muitas infraestruturas aplicadas no edifício do Centro Comercial constituem Arte Pública. Na nossa opinião, uma empresa que queira aplicar a Política de Arte Pública definida nesta dissertação deverá, para garantir o sucesso da apropriação das obras, ter em conta os seguintes aspetos: 1. Na sua equipa de conceção de desenho e projeto do edifício do Centro Comercial devem estar representadas uma diversidade de disciplinas para além da Arquitetura. Nomeadamente paisagistas, gráficos, especialistas na iluminação e a presença de artistas plásticos, com interesse em desenvolver projetos artísticos que se situam entre a Arquitetura e a Arte: a Arte Pública. Estes artistas deverão trabalhar temas em equipa com as comunidades locais; 189

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2. Se for estratégia dessa empresa realizar a tematização do Centro Comercial esta deve ter em consideração a comunidade a que se destina. Considerar as pessoas que vão viver o espaço é a primeira ação a tomar no desenho do Centro Comercial. A tematização, se trabalhada em forma de Arte Pública, ajuda a apropriação pela comunidade. 3. Ter presentes os conceitos de Lugar (relacional, identitário e histórico) enquanto oposição a Não Lugar. E ter presente o conceito de Lugar de Memória (o que foi vivido) em oposição ao Lugar de História (o que ficou registado).

5.2 Programa de Arte Pública Existem bons exemplos de como motivar a sociedade civil a contribuir para a inovação, para a cultura e para as Artes. A Fundação de Serralves e a Unicer lançaram em 2009 um concurso de Indústrias Criativas para identificar projetos inovadores e exequíveis num formato de negócio no âmbito das áreas criativas. A Fundação EDP tem um prémio que, todos os anos, revela ao mundo das Artes alguns artistas plásticos. Esta é uma forma de motivar artistas e coletivos a mostrarem o quanto vale o seu trabalho e como este tem uma base teórica. O Millenium BCP também promove o Anteciparte1 e um prémio literário em parceria com a Sociedade Portuguesa de Autores. Pretende-se alinhar algumas orientações para este programa de Arte Pública, que deve funcionar como um concurso aberto a todas os artistas. Alguns aspetos que devem estar salvaguardados no regulamento são: 1

In http://artecapital.net/recomendacoes.php?ref=45 (2010.01.12;16h).: O processo do ANTECIPARTE inicia-se todos os anos em fevereiro com o lançamento de um concurso dirigido a todos os finalistas das escolas de arte em Portugal. 190

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1. Os artistas para serem elegíveis devem comprovar o seu envolvimento artístico com a comunidade e respetiva investigação sobre o lugar; 2. O Projeto de Arte Pública pode ser definido nos meios que o Artista considerar mais adequados à comunidade e ao Centro Comercial: pode ser objectual ou dialógico; 3. O Projeto de Arte Pública pode ser conceptualizado para as instalações interiores ou exteriores (por exemplo, jardins ou parques) do Centro Comercial; 4. No caso do projeto prever uma ação de Arte Comunitária é importante descrever com pormenor todas as entidades envolvidas e obter uma carta de pré-acordo junto das mesmas (por exemplo, a Cruz Vermelha, a PSP, entre outras); 5. Podem concorrer artistas ou coletivos de artistas; 6. Um curriculum com participação em projetos de Arte Pública será valorizado; 7. A candidatura deve ser acompanhada de um texto com um máximo de 1500 palavras justificando, teoricamente, o seu projeto e definindo o que é, para o artista a Arte Pública; 8. Os desenhos do projeto devem ser o mais explicativos possíveis e as legendas, a existir, devem ser realizadas com letra legível; 9. O Artista deve fazer referência ao local exato onde pretende colocar a sua obra dentro do Centro Comercial. Deve ainda explicar do ponto de vista teórico a razão pela qual a inserção da obra promove o surgimento do Lugar. 10. Deve ser definido de que forma o projeto a implementar é Arte para a comunidade local e como se pode promover a interação com os visitantes. Além do regulamento, deve-se promover um grupo consultivo que se constituirá nas seguintes partes: 191

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a) deverão ser escolhidos representantes da comunidade local do espaço onde o Centro Comercial foi construído. O comité deve ter na sua constituição figuras importantes na região, nomeadamente ligados à comunidade local – figuras que são líderes de opinião e que possam apadrinhar o projeto e ajudar a encontrar suportes para o realizar junto da comunidade. b) deverão ser escolhidos representantes dos artistas e especialistas da matéria, nomeadamente especialistas em Arte Pública, que possam assessorar o Comité como consultores, a par de curadores, professores das Faculdades de Belas-Artes, com responsabilidades descritas ajudando a definir a programação artística dos Centros Comerciais. c) colaboradores da empresa que promove o Centro Comercial que estejam qualificados para a Arte Pública. Esta representação procura garantir que este projeto tem presente a principal vocação que um edifício destes possui na comunidade. d) representantes dos lojistas do Centro Comercial. Por indicação dos colaboradores mencionados em c) deverão os principais lojistas e/ou os mais qualificados para a matéria da Arte Pública ser convidados a intervir na seleção das propostas. Os lojistas fazem parte da apropriação deste projeto pelo que devem ser envolvidos na busca de maior sucesso. Numa primeira fase e de forma a implementar esta programação sem apoio financeiro, poderá pensar-se em organizar as seguintes parcerias: • Existem Museus que têm as suas instalações bastante preenchidas mas que têm capacidade de organizar mais exposições, devido à extensão do seu acervo. O espaço 192

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público do Centro Comercial poderá receber um conjunto de peças que intervenham e comuniquem com o público e com o espaço, criando um novo sentido, uma nova leitura, das peças e do espaço. O Centro Comercial terá que se conjugar com a curadoria da instituição do projeto artístico em questão para garantir que a exposição se adequa ao público que o frequenta, de forma a se enquadrar na política de Arte Pública. • Todas as Faculdades de Belas Artes podem ser pontos de partida para a realização de um programa de Arte Pública para os Centros Comerciais. Os alunos do 5.º ano destas licenciaturas precisam de realizar um projeto de final de curso. A proposta é entregar um Centro Comercial específico a um conjunto de alunos, fazê-los desenvolver projetos artísticos utilizando o conceito da Arte Pública para o espaço, e posteriormente levar os projetos a concurso. Os eleitos seriam expostos, a título de prémio vencedor, no local, com a merecida referência aos alunos e à faculdade. Este é o primeiro passo para ajudar a divulgar os artistas emergentes. Podem ainda ser realizados intercâmbios, colocando alunos de outras faculdades da Europa a trabalhar em equipa com outros Centros Comerciais em países distintos dos seus, estimulando o intercâmbio artístico e obrigando a estudar e investigar a comunidade em questão. Colocadas as peças, o Centro Comercial poderia criar atividades lúdicas e criativas à volta das obras como forma de colocar à disposição da comunidade um serviço educativo. Poderiam ser produzidos materiais de mershandising sobre o tema das obras de arte (puzzles, cartas, relógios, por exemplo) de forma a estimular o público, à semelhança do que é feito nos Museus. Na proposta de implementação de um plano de Arte Pública para Centros Comerciais, sugerimos que este seja 193

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revisto por uma comissão de Arte a nomear pela promotora. Não se pretende solicitar aprovação, pois o espaço a intervir é coletivo – de utilização pública mas de propriedade privada. A cada 5 ou 10 anos o plano deve ser revisto, na opinião de Cusick, para se identificarem novos desafios e oportunidades, e renovar o entusiasmo da comunidade na Arte Pública. Este prémio poderá, numa outra perspetiva da descrita no regulamento, ser tematizado por meio, por exemplo: 1. 2012 – Ano da Escultura pública, 2. 2013 – Ano da Arte Pública comunitária, 3. 2014 – Ano da Arte Pública performativa; 4. 2015 – Ano da Arte Pública efémera; 5. 2016 – Ano da Arte Pública integrada na Arquitetura; 6. 2017 – Ano da Arte Pública Mural; 7. 2018 – Ano da Arte Pública na Paisagem. E continuando pelos restantes anos, podendo repetir-se os temas de acordo com a sua pertinência. Apesar de o regulamento dizer que aceita todas as formas de Arte Pública, esta é uma outra forma de animar o prémio. Proposta de Ficha Técnica do Programa de Arte Pública para Sonae Sierra Nome do promotor: Sonae Sierra, Portugal Titulo: Programa de Arte Pública para Sonae Sierra Financiador: Sonae Sierra Data: a definir Equipa de planeamento: a designar pela Sonae Sierra. Grupo Conselheiro: Sim – constituído por visitantes, vizinhos, lojistas, administração do centro comercial, e organizações de apoio à Arte da comunidade local. Orçamento Anual: a definir 194

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Maiores apoios/financiadores: Sonae Sierra Existência de regulamento artístico: sim, a definir pela Sonae Sierra. Pontos-Chave: Arte Pública, Comunidade, Público-visitante, Arquitectura, Tematização, História do Centro.

5.3 Outras formas de apoiar a Arte Pública Por exemplo no contexto de eventos culturais específicos da Região Local do Centro Comercial, mas com dimensão internacional, como irá acontecer em Guimarães, com a “Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012”. Os Centros Comerciais poderão oferecer o seu espaço para servir de apoio à realização de eventos artísticos, desde que adequadas ao seu público. Para além disso, e em parceria com a direção do evento, o Centro Comercial poderá desenvolver uma série de atividades educacionais e culturais para fomentar o interesse pelo evento artístico junto da comunidade. O apoio, temporário, à clusterização de indústrias criativas que trabalhem a Arte Pública ou com outras formas artísticas que possam estimular a comunidade, é possível ser realizado através da cedência de espaços a valores simbólicos, que os artistas em início de carreira possam pagar. Existindo espaços para arrendar nos Centros Comerciais que tenham uma taxa de desocupação superior a, por exemplo, 12 meses, o Centro Comercial poderia ser alvo de um programa de apoio às Indústrias Criativas colocando o espaço a concurso por um valor de arrendamento simbólico, de forma a fomentar a vinda de públicos ligados à arte para dentro do espaço do Centro Comercial. Estas indústrias criativas, dependendo da sua abertura e do seu interesse para a comunidade, poderiam ser integradas na visita guiada ao centro a realizar por um potencial Serviço Educativo (ver ponto 5.4). 195

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Uma outra forma de promover a Arte Pública é permitir o envolvimento de artistas locais no Painel Comunitário2. O Painel Comunitário é constituído por um grupo de entidades que se juntam periodicamente nas instalações do Centro Comercial para pensar a comunidade. É habitual encontrar representantes de corporações de Bombeiros, da Polícia local, de alguns departamentos das Câmaras Municipais e outras associações de cariz social e sem fins lucrativos. Nestas reuniões são discutidos assuntos de interesse comunitário, e são pensadas atividades no sentido de potenciar as ações sociais entre as diferentes entidades, procurando aproveitar eventuais sinergias. Para se alcançarem objetivos sociais, a nossa sociedade contemporânea está habituada a utilizar os eventos com cariz cultural e artístico. Faria todo o sentido incluir neste painel artistas locais com interesses sociais e comunitários que pudessem ajudar a cumprir o objetivo artístico e social do painel. Estas atividades podem ser organizadas junto da comunidade, dentro ou fora das instalações do Centro Comercial. O facto de haver artistas a participar neste painel poderá aumentar a sua transdisciplinaridade e potenciar soluções mais criativas e novas abordagens aos problemas da comunidade, nomeadamente artísticas, via a nova Arte Pública.

5.4 A importância do Serviço Educativo Existe um novo discurso na exposição da Arte Contemporânea que levanta questões sobre o seu processo de criação, formação e receção. As exposições tornaram-se a forma mais adequada à mostra da Arte. Não só o número de equipamen2

A figura de painel comunitário generalizou-se aos Centros Comerciais geridos pela Sonae Sierra em 2009. 196

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tos culturais tem aumentado, como o número de exposições por equipamento cultural também tem crescido. Vejam-se os equipamentos que possuem um grande acervo, impossível de expor em exposição permanente, e que descobriram as exposições temporárias como forma de animar a sua programação e ir apresentando a totalidade das obras. É na exposição da obra de arte que se constrói um significado, é na sua receção que a obra atinge o seu potencial mais elevado. O Serviço Educativo tem uma função social mais evidente e anterior à que a própria obra de Arte possa eventualmente ter, ou pretender ter. É através do Serviço Educativo que os públicos se constroem, ou aumentam. Os “públicos-arte” de amanhã estão hoje a ser construídos com os projetos dirigidos às escolas. O Serviço Educativo já é parte integrante da “cultura” contemporânea dos museus, ou de outros equipamentos culturais. Existe sempre um paradoxo entre interpretação/explicação por parte do serviço educativo, bem como por parte do curador. Estas duas figuras devem trabalhar em parceria, para se alcançar o sucesso da exposição. Por vezes, não é intenção do curador ou dos artistas que as obras sejam interpretadas ou desvendadas e isso pode ser considerado pelo Serviço Educativo. O maior desafio de um Serviço Educativo é criar questões à volta das obras de arte, para suscitar o interesse do público. Não tem obrigatoriamente de ser uma visita guiada, pode ser um jogo interativo entre a equipa do Serviço Educativo e o público, pode ser uma conferência, um jogo de palavras, construção de histórias, entre outros. Mais do que interpretada, a Arte precisa de ser sentida, como preconiza Susan Sontag no artigo Contra a interpretação3. Mais do que ser explicada, a Arte tem que se expor com os sentidos certos para provocar a reação desejada: o abalar das consciências, a experimentação de uma nova sensação. 3

Vd. SONTAG, Susan– Contra a Interpretação e outros ensaios. Lisboa: Gótica, 2004. 197

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Um artista pode transmitir-nos uma determinada mensagem mesmo que não tenha sido essa a sua intenção. A leitura do público pode ser diferenciada daquela que inicialmente se arquitetou. Mas que importa isso na Arte Contemporânea Global? Sem dúvida que o impacto trará algum benefício, alguma “mão na consciência”, uma vontade de ligar a um amigo esquecido ou ir visitar o pai. No fundo, um maior cuidado com este ou aquele tema. A função social da Arte é muito discutida hoje em dia. Assim como a própria Arte em si mesma. Numa exposição coletiva comissariada, quem é o verdadeiro artista? O curador ou os artistas plásticos? Os consumidores e visitantes já não absorvem tão facilmente as mensagens, estão cansados da imagem e da mensagem que foi saturada pela publicidade. Os visitantes leem atitudes, absorvem experiências, fruem de uma performance efémera, sentem um concerto de música barroca… não querem receber mensagens. Contudo, todos os públicos são curiosos. E quem não gostaria de saber da boca do artista qual a intenção daquela linha vermelha na tela? Existe uma curiosidade inata, um vazio que se pode querer preencher. Pelo paradoxo existente atualmente no interpretar ou sentir, e/ou, nas duas coisas ao mesmo tempo, o Serviço Educativo tem o grande desafio de perceber como desenvolver a sua atividade face a cada uma das exposições ou eventos culturais. À semelhança da crítica de Arte, também o Serviço Educativo para a Arte Contemporânea deve “falar” ou debruçar-se mais sobre a exposição e o seu discurso do que sobre esta ou aquela peça. A própria História da Arte deixará de existir como a conhecíamos até aqui e passará a dedicar-se mais à História das Exposições – pela preponderância deste fenómeno no século XXI – face às próprias criações artísticas dos artistas plásticos. A função do Serviço Educativo deve ser dual, deve olhar para as obras de arte e para a leitura do curador. Debora J. Meijers diz-nos que the museum is an 198

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institution which plays a decisive part in determining the significance of works of art. Não temos dúvida que a forma de expor determina os sentidos da Arte exposta. O desafio está em mediar a Arte exposta com os públicos através de atividades e outras formas de comunicação que devem ser sempre adequadas aos sentidos da exposição. A good exhibition is never the last word on its subject. Instead it should be an intelligently conceived and scrupulously realized interpretation of the works selected, one which acknowledges by its organization and installation that even the material on view – not mention those things which might have been included but were not – may be seen form a variety of perspectives, and that this will sooner or later happen to the benefit of other possible understandings of the art in question.4

Existe um diálogo espacial entre as peças de uma exposição que se deve saber ouvir, e uma composição visual que se deve saber ler. É fundamental perceber o Leitmotiv do curador e dos artistas individualmente. Não se deve desconsiderar, inclusive, algumas divergências de olhares entre estas duas partes. Por seu lado, aconselha-se – essencialmente ao curador mas também a artistas plásticos por se tratar da criação de Arte Pública – que se conheça bem a comunidade envolvente para aumentar a possibilidade de sucesso junto do público visitante. O Serviço Educativo é um aliado ao curador e artistas, pois é conhecedor da caracterização dos seus públicos visitantes e conhece as estratégias para atrair novos públicos. The primary means for “explaining” an artist’s work is to let it reveal it self. Showing is telling. (…) Installation is both presentation and commentary, documentation and interpretation.5 Já

4 5

Vd. STORR, Robert – What makes a good exhibition?.Philadephia: PEI, 2006. p.14. Vd. Ibidem. p. 23. 199

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O’ Doherty, com o seu livro Cubo Branco, nos tinha apresentado o ambiente e a forma de expor como não inócuas. Todos os projetos culturais desejam ter sucesso. Seja uma peça de teatro, uma exposição ou um concerto de música. E do que depende este sucesso? Depende dos fundos e restantes recursos físicos e humanos necessários para o realizar. Depende dos artistas escolhidos e de como são coordenados pela Direção de espetáculos ou Curadoria. Depende do número de bilhetes que são vendidos. Depende muito da receção que o público (crítica especializada incluída) faz à obra de arte ou projeto. E depende da comunicação que é feita, antes e depois do projeto. A comunicação antes do projeto é vulgarmente chamada de promoção do evento. A comunicação pós-espetáculo chama-se crítica de Arte ou opinião pública. O “quanto se falou” do projeto depois da sua realização, no meio artístico e nos mass media, permite-nos avaliar parte desse sucesso. O Serviço Educativo tem uma importância fundamental na comunicação do projeto artístico. O desenho e produção de eventos que gravitam à volta do evento principal trazem mais pessoas, e por vezes pessoas diferentes, das que vêm espontaneamente visitar o evento. É função do Serviço Educativo organizar conferências, debates, tertúlias, jantares-convívio com artistas, em torno do projeto cultural e artístico. Segundo a opinião de Vera Zolberg6, reconhecida socióloga para as questões da Arte, os Museus de Arte têm dois papéis distintos e contraditórios: por um lado espera-se que colecionem e preservem obras de arte para um público que discerne a sua amplitude; por outro, com essas mesmas obras devem captar a atenção de outros públicos com poucos conhecimentos de fine art. 6

Vd. ZOLBERG, Vera – An Elite experience for everyone: Art Museums, the Public and Cultural Literacy. [S.l.:s.n.,s.d.] 200

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De seguida, vejamos as formas que nos parecem ser as mais adequadas no desenho de um Serviço Educativo para um projeto cultural nos Centros Comerciais: A História do Centro Comercial e o seu contributo para a comunidade local – Lugares de memória Os edifícios dos Centros Comerciais da Sonae Sierra têm uma história na sua tematização e construção. Caberia ao Serviço Educativo editar alguns catálogos com fotos do edifício e a história da sua construção e motivos arquitetónicos. Poderia considerar-se a colocação de alguma cripto-história, ou seja, o que o edifício poderia ter sido, mas que não aconteceu. Poder-se-ia produzir áudio-guias ou visitas guiadas ao edifício do centro comercial para promover a sua história e tematização. Alguns exemplos a considerar seriam: O Centro Comercial Colombo, com a história dos descobrimentos na sua génese, será útil a muitas crianças e adultos que se interessem por história de Portugal e do Mundo; O facto do Centro Comercial Norteshopping ter sido construído em terrenos onde antes existia uma das maiores fábricas da região: a Efanor. Para muitos adultos e crianças o mundo fabril é encantador, e muitos dos visitantes dos centros têm familiares ou amigos que pertenceram a esta geração de trabalhadores da fábrica. Eventos para o público juvenil – Lugares de memória À medida que os elementos de Arte Pública vão sendo descobertos podem ser realizadas atividades lúdicas à volta do tema para estimular a curiosidade dos mais jovens. Promoção de outros projetos artísticos de entidades parceiras Não seria inédito que, de repente, um grupo de pessoas começassem a dançar do nada dentro de um Centro Comercial. Damos como exemplo o lançamento de um 201

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detergente de roupa da Marca Surf que foi feito no Centro Comercial Vasco da Gama e cuja performance de promoção comercial, feita através da dança, se pode visualizar no site do You Tube.7 Com uma motivação mais artística do que comercial, os espetáculos de ópera, teatro, ballet, entre outros, poderiam ser promovidos nos espaços dos Centros Comerciais com base na apresentação de um pequeno excerto do espetáculo, para aguçar o interesse do público. Mesmo não estando dentro da sala de espetáculo, é possível ilustrar um pouquinho do potencial do espetáculo através de uma pequena demonstração ao vivo. Neste tipo de situações o Serviço Educativo não terá grande intervenção mas pode ajudar o promotor artístico a adequar-se aos públicos-alvo. Em conclusão, um espaço comercial pode ajudar um Museu na sua tarefa de construção de públicos oferecendo a mesma fine art mas num contexto descontraído e diferente do habitual.

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URL: http://www.youtube.com/watch?v=_u1GnNbBrUY (2009.12.16;19h). 202

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Conclusão Chegámos ao final da dissertação com a sensação de missão cumprida. Mas, ao mesmo tempo, com a sensação de que há muito mais a dizer sobre o mundo da Arte Pública, que nos apaixona, e sobre o mundo dos Centros Comerciais, cuja grandeza e potencial nos fascinam. Esta dissertação começa por esclarecer a importância da Responsabilidade Corporativa na nossa sociedade contemporânea, e, nomeadamente, de que forma o vetor artístico e cultural pode ser um contributo para a comunidade. A falta de Cultura da população faz com que esta não esteja preparada para entender, em toda a sua plenitude, as outras dimensões da Responsabilidade Corporativa – Social e Ambiental. São os fatores Culturais que estruturam a nossa identidade e história enquanto nação ou comunidade. O paradigma de apoio às Artes por entidades privadas tem evoluído ao longo do tempo, como se viu no primeiro capítulo: começou-se com o Mecenato, seguiu-se o Marketing Cultural e hoje fala-se da Responsabilidade Cultural. Este paradigma contemporâneo não utiliza a Arte e a Cultura para fins promocionais ou de comunicação. Preconiza o envolvimento da sociedade civil na criação cultural. Esta 203

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dimensão investe na Arte visando o desenvolvimento da própria sociedade e não no resultado económico. As empresas cidadãs que investem na Responsabilidade Cultural têm um papel social nas comunidades além da criação do emprego, ou da contribuição para o produto nacional. Participam na construção de cidades e comunidades. O seu ponto central é o funcionamento da sociedade e a responsabilidade dos agentes empresariais e não a Arte ou o artista. O Marketing trabalha os clientes, a Responsabilidade Corporativa trabalha as comunidades. A primeira conclusão que gostaríamos de deixar como contributo à sociedade do Século XXI, no contexto de uma grave crise económica, e ainda com a Cimeira de Copenhaga na memória, é que a Responsabilidade Corporativa deixa de ser uma moda da gestão estratégica das empresas para ser uma obrigação moral, civil e ética perante as partes interessadas no negócio, incluindo a nossa microesfera pessoal. A gestão de empresas tem que tomar consciência que a não atuação nesta matéria, seja a nível ambiental, social ou cultural, terá repercussões negativas na sua própria família e amigos. Todos partilhamos o mesmo planeta e a mesma sociedade civil. Quanto mais a sociedade estiver informada e estimulada pela Arte e pela Cultura, mais cívico poderá ser o seu comportamento. A Cultura promove a educação, reforça a identidade e sentido de pertença, provoca externalidades positivas nos outros setores da economia, reforça a coesão social, enriquece as pessoas e reflete o nosso passado. Apesar do estudo da KEA (que utilizamos para demonstrar o peso importante que o setor cultural e criativo tem para a economia) apontar para a importância do investimento Estatal na Cultura para fomentar o valor público da obra ou património, o papel do Estado nestas funções tem-se demonstrado inoperante. Perante isto, a responsabilidade de apoio a estas causas, via apoio do terceiro setor, fica nas mãos das famílias e das empresas. 204

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Nesta dissertação colocamos a hipótese da Sonae Sierra reforçar a sua política de Responsabilidade Corporativa através da Responsabilidade Cultural. Defende-se a aplicação de uma política de Arte Pública para Centros Comerciais para enriquecer com Arte os edifícios com vocação comercial, tornando-os mais identitários, mais relacionais e mais históricos. Sobre o fenómeno dos Centros Comerciais existe alguma produção crítica que nos ajudou a enriquecer a dissertação e a colocar questões interessantes, como por exemplo: São os Centros Comerciais, instalados na periferia, os responsáveis pelo abandono do centro das cidades, ou será que foram os empresários que seguiram o rumo dos novos habitantes? Este fenómeno surge em Portugal pelos anos 70, mas apenas nos anos 80 se apresenta de forma mais madura e inovadora com um modelo de gestão centralizado. Nos anos 90 assumem-se as grandes superfícies como lojas âncora deste negócio e ele cresce acoplando-se aos hipermercados. No pós-guerra a sociedade procura e precisa de abundância, sendo o consumo um dos interesses centrais de uma sociedade em mutação. Hoje, no Século XXI, os Centros Comerciais são muito mais relacionais e não vendem apenas produtos, vendem o nível de experiência de visita: atendimento, estacionamento, temperaturas amenas, percursos e momentos de lazer. Os Centros Comerciais constroem novos hábitos culturais e urbanos pelo que é evidente a responsabilidade na formação da sociedade civil que os consome. O Centro Comercial tem, como se viu no segundo capítulo da dissertação, um novo género de espaço público, simulado. Dentro da esfera pública do Centro Comercial existe a formação da opinião pública crítica, bem como comportamentos de grupo enquanto comunidade. Na linha de Siah Armajani, todos os elementos estruturais dos Centros Comerciais podem constituir obra de Arte 205

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Pública, mas mais do que fornecer meros objetos estéticos ou simples configurações plásticas, ainda de acordo com Siah Armajani, como vimos, a Arte Pública é detentora de um ideário, que se manifesta através da sua natureza missionária e da sua função mediadora, que conjuntamente visam preencher o hiato que presentemente existe entre a Arte e o Público. Acreditamos que a integração de obras ou manifestações de Arte Pública nos edifícios podem elevar a experiência estética de visita a um Centro Comercial a um patamar diferente, de dimensão mais emocional e mais reflexiva, ampliando as sensações e expandindo os olhares. A nossa segunda conclusão é que o fenómeno dos Centros Comerciais já provou ser do agrado dos cidadãos. Contudo, tem que renovar a sua oferta. Tem que seguir o caminho da renovação pelo estreitamento das relações com a cidadania. Este caminho pode, e deve, ser seguido via Responsabilidade ambiental, social e cultural. Interessa-nos demonstrar como aplicar este terceiro vetor. Com o número de visitantes que recebe, os Centros Comerciais têm que considerar a hipótese de assumir esta função de promotor cultural para os seus clientes, potenciando as suas vidas, transformando os Centros Comerciais em espaços mais relacionais, onde existam registos e se procurem perpetuar tradições e usos da comunidade, através da via artística. A lógica e a estética expositivas de um Centro Comercial serão diferentes da de um Museu ou Galeria de Arte, contudo nunca se sobreporá. Mas esta exposição de Arte Pública em espaços comerciais deverá ser suficientemente atenta e lúcida, isto é, deverá ser teoricamente apoiada, a fim de poder transformar públicos não arte, em públicos disponíveis para a receção da obra de Arte. Na análise teórica que fizemos sobre as perspetivas da Arte Pública apoiamo-nos em Jürgen Habermas para compreender o conceito de esfera pública que mobiliza este tipo de 206

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Arte. Assim, se compreendeu que a classificação de “público” transcende o que se define como propriedade do Estado ou pertença da Nação. Público, é o que é do domínio dos cidadãos e das suas relações. A opinião pública nasce nesta esfera, bem como a crítica coletiva da Arte. A Arte é, então, Pública quando interage com a esfera pública, e se sujeita à rejeição ou apropriação no ato da receção. A Arte Pública é por um lado a expressão da esfera pública onde se insere, e por outro a recetora da esfera pública que se cria à sua volta, na construção do espaço público relacional entre cidadãos. Este é o tipo de Arte que nos faz refletir e transforma as cidades, ou os espaços públicos, em espaços de convívio entre cidadãos e artistas, nascendo assim o conceito da participação cidadã. Existem decerto muitas questões ainda por resolver dentro da disciplina da Arte Pública. Como formar os diferentes públicos que a recebem e como formar o seu gosto distinto do dos críticos de Arte? Recordamos que para Malcolm Miles um dos problemas da Arte Pública é justamente o de não possuir um público específico, fiel e ciente do seu gosto, daí que a Arte Pública deva ser criada para as pessoas, e não para o artista ou curador. A Arte Pública não pode ser vista pela Arquitetura como decorativa, relegando a sua função estética e social para segundo plano. Caso contrário só lhe restará o caminho do ativismo, através da nova Arte Pública comunitária. A terceira conclusão a partilhar é a nossa perspetiva sobre a definição da Arte Pública e o seu papel para a sociedade do Século XXI. A Arte Pública quer expressar uma identidade, relacionar-se com o público que a vê, contribuir para registar a memória coletiva. É inteligível e feita “pelas” e “para” as pessoas residentes ou frequentadoras do local. É adequada ao espaço físico – enquanto site specific – e social – enquanto geradora de Lugares e promotora do viver humano. 207

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Chegamos aos pontos seguintes, que resumem a orientação que acreditamos que a Arte Pública deve ter, depois de ler e refletir sobre o manifesto do Siah Armajani no capítulo terceiro desta dissertação: A Arte Pública tende a não ser feita por artistas demiurgos; A Arte Pública reconhece a existência das gentes e o genius loci dos lugares; A Arte Pública visa ser apropriada e não sacralizada; A Arte Pública visa ser utilizada; A Arte Pública visa elevar o espírito de determinado lugar e não pretende ser universal; A Arte Pública reconhece a importância dos locais públicos na vida de uma comunidade; A Arte Pública pretende ser entendida, e prefere tornar fácil a sua leitura; A Arte Pública e os artistas têm uma missão a cumprir junto da comunidade; A Arte Pública contemporânea é um trabalho de equipa, A Arte Pública pela participação cidadã pretende ampliar a sua apropriação e legibilidade; A Arte Pública não tem ideologia, e produz em função do local, do público e do presente; A Arte Pública através da sua forma e/ou conteúdo, exerce uma forte função social.

A quarta conclusão a registar, refere-se à comunidade e à forma como a Arte e os Centros Comerciais podem intervir nessa mesma comunidade, através de uma correta e participada programação artística. De acordo com as investigações feitas, as comunidades de hoje – face às exigências da vida moderna, à rapidez com que vivemos cada momento, sem ter tempo para refletir e sentir as emoções de forma duradoura e verdadeira – tendem a ter dificuldade em registar memórias, em criar relações com os 208

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lugares e com as outras pessoas. Existem não lugares ou não seres sociais? A sociedade global precisa de reinventar a vida em comunidade. A relacionar-se com os vizinhos. A considerar a funcionária da loja que apresenta os seus préstimos e tantas vezes são imediatamente rejeitados. Existe uma grande relutância no relacionamento com as pessoas que todos os dias partilham o mesmo autocarro, às mesmas horas. Se tomarmos as crianças como exemplo veremos que a natureza humana é tendencialmente social e relacional. Contudo, o modo de vida moderno remete-nos para uma certa arrogância da solitude. Mas não é só a Arte que poderá ajudar a melhorar a interação cidadã, pelo envolvimento comunitário, pela participação ou pela festa. Também a Arte ganha com isso, e no final bem que o benefício maior poderá calhar à própria Arte, pois para Siah Armajani, como vimos, a dimensão ética da arte só poderá restabelecer-se, por meio da redefinição da sua relação com um público não especializado. Ora esse público “não arte”, aonde se encontra em grande número, e disponível para receber imagens e mensagens? Os Centros Comerciais parecem-nos, por isso, sem sombra de dúvida, locais privilegiados para catalisar e impulsionar essa redefinição, que urge. A Arquitetura enquanto disciplina já está muito vocacionada para a Arte Pública quando desenha edifícios públicos. O Arquiteto está sempre voltado para os usos dos espaços. O artista de Arte Pública sente-se mais ligado à função social do seu trabalho. Ambos constroem, ou possuem potencial para construir, a Arte Pública nos Centros Comerciais. Devem trabalhar em equipa desde a conceção do projeto, pois como refere também Siah Armajani, a Arte Pública é uma produção em colaboração. Se por um lado a escultura como ornamento da arquitetura não tem cabimento na conceção de Arte Pública de 209

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alguns artistas, por outro lado, alguns arquitetos encontram no mundo da Arte maior espaço para a experimentação e investigação do que no mundo da Arquitetura. Além disso, é notório que os Artistas têm aumentado a sua habilidade no domínio público. A colaboração real começará, quando já não soubermos quem foi que fez o quê. A quinta conclusão é que, apesar dos Centros Comerciais serem já um exemplo de aplicação de Arte Pública, e terem um enorme potencial para aumentar esta tendência e raio de influência fora dos limites físicos do seu espaço, uma política de Arte Pública pode ser apoiada por qualquer tipo de negócio, que queira pôr em prática as suas intenções ao nível do apoio do terceiro setor. Basta realizar um programa ou prémio de Arte Pública em parceria com o seu Município (para a escolha dos lugares, em consonância com a vontade dos artistas) no caso da Arte objectual ou performativa. Ou ainda, no caso da nova Arte Pública, qualquer empresa poderá apadrinhar um projeto de apoio a uma determinada comunidade através da via artística, permitindo ao artista ou coletivo a oportunidade de obter recursos – local, recursos humanos pagos e materiais – para o realizar. Gostaríamos de finalizar esta conclusão com o segundo sentido que Filipa Calvário apontou para a Arte Pública: “A Arte Pública só faz sentido no espaço público. – (...) um espaço onde uma obra é inserida torna-se automaticamente outro, ou seja, de espaço transforma-se em lugar, em oposição aos não lugares.” E como conclusão de fecho, parece-nos que os modelos de interpretação da natureza de lugares como os Centros Comerciais, nomeadamente, a Teoria dos Não Lugares de Marc Augé, depara com algumas insuficiências e dificuldades, quando se refere à sua natureza, pois parece-nos complicado pretender classificar da mesma forma, por exem210

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plo, Aeroportos Internacionais, Gares do TGV e Centros Comerciais, porque no fim o Centro Comercial é uma expressão muito melhorada e moderna recriação da Feira Medieval, desta se distinguindo, basicamente, na substância, mas não na essência. Esta dissertação demonstrou que os Centros Comerciais têm potencial para se poderem tornar Lugares possuidores de identidade, através da Arte Pública, pois inclusive a própria teoria dos não Lugares, considera que podem coabitar, circunscritos, não Lugares e Lugares de Memória, como de resto o demonstra o caso do NorteShopping, mediante a rememoração da Fábrica EFANOR, através de fotografias, de máquinas de renda Jacquard, da magnífica máquina a vapor do Soure, etc. E se formos mais além, com a introdução de programas de Nova Arte Pública há potencial para gerar o envolvimento comunitário, ligando as comunidades locais, através da intervenção artística. Deixamos este ponto para uma reflexão posterior, esperando vir a desenvolver, mais tarde, uma reflexão sobre a aplicação desta nova Arte Pública, bem mais arrojada e dialogante. Ficamos satisfeitos por ter chegado a estas conclusões. Entre o muito esforço empreendido, fica-nos a sensação de que o de manter a imparcialidade em todos os momentos desta reflexão e análise, não terá sido o menor. Não é fácil ficar indiferente às emoções inerentes a estes dois mundos. Da Arte, pela sua paixão desde cedo. Dos Centros Comerciais, pela sua grandeza e opulência, e, sobretudo, pela experiência profissional de uma década.

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http://www.dolcevita.com http://www.dre.pt http://www.e-vai.net/content/view/1283/44/ http://www.flickr.com/photos/14696209@N02/4193893151/ http://www.flickr.com/photos/14696209@N02/4373106573/ http://www.flickr.com/photos/41086578@N00/2161844211 http://www.flickr.com/photos/adonline/2444385523/in/pool-shoppingcentersandmalls http://www.flickr.com/photos/albinworld/39242829/ http://www.flickr.com/photos/bataez/3095029861/in/pool-shoppingcentersandmalls http://www.flickr.com/photos/squeakybear/311307389/ http://www.flickr.com/photos/stephansplace/1635740459/in/poolshoppingcentersandmalls/ http://www.hotelportopalacio.com/pt/index.html http://www.nao-lugares.com http://www.oasrn.org/pdf_upload/pressCAV.pdf http://www.paroquias.org/noticias.php?n=1046 http://www.promontorio.com http://www.publicartscotland.com/features/1-What-Have-WeLearned-About-Public-Art  http://www.qype.com.br/events/293917-plutosport-ALEXA-Shopping-Center-am-Alexanderplatz-Mitte-Berlin http://www.serralves.pt/gca/?id=3800 http://www.sonaesierra.com http://www.susanapiteira.com http://www.tate.org.uk http://www.torontoeatoncentre.com http://www.torontoioacongress.org/tourism/tourism.php http://www.ustream.tv/recorded/854464 http://www.valvanera.com http://www.veracortes.com http://www.virtualtourist.com/travel/North_America/Canada/ Province_of_Ontario/Toronto-903418/Shopping-Toronto-Eaton_ Centre-BR-4.html http://www.wharton.universia.net http://www.youtube.com/watch?v=BLw8sK8TIdw&feature=player_ embedded http://www.youtube.com/watch?v=Q-lLBtvoQPM&feature=related 216

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Estudo auxiliar

Os direitos de autor das obras de Arte Pública Antes da implementação da política de Arte Pública gostaríamos de aplicar o código dos Direitos de Autor a alguns dos cenários já existentes. Todos os projetos imobiliários desenhados e propostos para execução serão avaliados no que respeita ao seu investimento, ao cálculo de indicadores de rentabilidade, à previsão do ano em que se estabelece o seu payback, e, por fim, à estimativa da valorização e exploração dos ativos. Ao integrar obras de Arte Pública nestes projetos não se pode descurar as suas consequências jurídicas, quer no ato da exposição, quer no ato de uma eventual retirada ou modificação. É este o objetivo deste ponto da dissertação: avaliar, à luz da legislação, três situações reais, agrupadas de forma distinta: 1. A integração máxima na Arquitetura – é o caso do Centro Comercial Luz del Tajo, em Toledo.1 Convidaram-se alguns artistas locais para realizar peças para o Centro Comercial, ainda em fase de construção. As peças e a sua localização foram aprovadas pelo Departamento 1

Ver Figura 7 na página 84 desta publicação. 217

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de Arquitetura da empresa, que concebe e desenvolve os edifícios. As obras de arte estão inseridas no próprio edifício e para se retirarem tem que se alterar o projeto de Arquitetura. 2. Exemplo de colocação de esculturas de Arte Pública no Centro Comercial – também estas integradas, não na construção, mas enquanto peças escultóricas de inspiração da temática arquitetónica. É exemplo disto a situação da figura Anjo/Diabo da autoria do Arquiteto José Quintela da Fonseca, no Centro Comercial do Rio Sul Shopping. Outro exemplo pode ser encontrado no Parque D. Pedro, no Brasil, com a retirada das raízes das árvores figueiras que existiam no terreno onde se construiu o Centro Comercial, e que se transformaram em escultura no seu interior, tentando ser o prolongamento e a inspiração do tema da Natureza.

18. Anjo/Diabo, do Arquiteto José Quintela da Fonseca. (Fonte www.sonaesierra.com)

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19. Esculturas Figueiras, Parque Dom Pedro. (Fonte www.sonaesierra.com)

Existem artigos do Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) que se aplicam a qualquer um dos casos de forma transversal, e outros que se aplicam a apenas um determinado tipo de situação. • Em todos os casos apresentados foram tomados os seguintes pressupostos: • Houve lugar a uma encomenda aos artistas; • Nessa encomenda seguiam as especificações da obra; 219

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• Houve resposta às especificações com desenhos e orçamento; • Foram aceites e cumpridas as condições acordadas no que respeita ao valor patrimonial de cada peça; • Não sabemos se houve lugar a registo das obras ou se documento público decorreu do contrato entre as partes.

Da obra protegida No que respeita à obra em si, todos os exemplos anteriormente referidos se inserem na definição de obra de arte original protegida pelo CDADC, com base no artigo 1.º e 2.º. Tratam-se de criações intelectuais do domínio artístico exteriorizadas, nomeadamente sob a forma explícita na línea g) do artigo 2.º que passamos a citar: “Obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitectura;”. Segundo o artigo 6.º, todas estas obras são obras divulgadas, uma vez que “foram licitamente trazidas ao conhecimento do público por qualquer meio como seja (…) a construção de obra de arquitectura ou de obra plástica nela incorporada e a exposição de qualquer obra artística.” Quanto ao título da obra protege-se com base no artigo 4.º, quando a obra também é protegida. Se se tratar de obra não divulgada ou publicada deve-se proceder ao registo da obra e do despectivo título. Na minha opinião, para que a empresa de Centros Comerciais não se sujeite a um impacto negativo na comunicação social, com querelas entre artistas, e numa perspetiva de defesa jurídica, deve adquirir apenas peças de arte registadas em nome do autor em causa. O ato da alienação da obra deve ficar registado em escritura pública que, apesar de não ser obrigatório, é sugerido no artigo 44.º.

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Dos direitos de autor Analisem-se agora os direitos de autor que abrangem direitos de carácter patrimonial e de natureza pessoal, estes últimos também conhecidos por direitos morais. A grande distinção entre estes dois tipos de direitos de autor reside no facto de os de carácter patrimonial conferirem ao autor da obra o exclusivo direito de dispor, fruir e utilizar a sua obra, mas poderem ser transmitidos ou onerados a terceiros, enquanto que os direitos morais são inalienáveis. Todas as obras vistas foram pagas aos autores criadores, pelo que foi transmitido à empresa construtora do Centro Comercial o direito patrimonial sobre a obra. Que tipo de poderes lhe foram conferidos com a alienação da obra? Diz-nos o ponto 3.º do artigo 9.º do CDADC que “Independemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade.” Daqui se depreende que existe direito de paternidade por parte do autor à parte incorpórea da obra, independentemente da propriedade sobre as coisas materiais que lhe sirvam de suporte, como nos indica ainda o ponto 1, do artigo 10.º. Apesar da propriedade material do Anjo/Diabo, das esculturas em inox, ou das raízes das figueiras passar do artista para a empresa construtora após alienação, a propriedade moral, incorpórea da obra é propriedade dos artistas. Daqui se conclui ser fundamental manter os melhores contactos do artista e/ou da sua família (no caso de morte do artista) para qualquer eventual alteração que seja necessário realizar poder ser alvo de acordo moral destes, como previsto no artigo 59.º. Além do valor da alienação da obra, e dos consequentes direitos patrimoniais sobre a mesma, pode ainda assim ser 221

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exigido pelo criador intelectual uma remuneração especial no caso de se virem a fazer utilizações ou a retirar-se vantagens não incluídas nem previstas na fixação da remuneração ajustada, ou quando esta exceda claramente a função ou tarefa que lhe estava confiada. Poderá ser realizada, nos termos do artigo 11.º a 14.º, uma convenção que expresse a pertença do direito de autor a outro que não o seu criador intelectual. Na falta de convenção presume-se que a titularidade do direito de autor é pertença do seu criador intelectual. Mesmo que a obra tenha sido subsidiada e não adquirida pela empresa, e se houver convenção escrita expressando a transmissão de algum dos poderes de autor, existem algumas limitações, de acordo com o artigo 15.º, que diz que a faculdade de introduzir modificações nas obras depende do acordo expresso do seu criador e só pode exercer-se nos termos convencionados. Se a convenção não transmite todas as faculdades do direito de autor, e este ainda é titularidade do seu criador intelectual, depende do estipulado na convenção o fim para o qual a obra pode ser utilizada. Nos casos aqui expressos não se aplica a noção de obra coletiva ou feita em colaboração. Todo o direito de autor caduca, regra geral, setenta anos após a morte do seu criador intelectual, de acordo com o previsto no artigo 31.º do CDADC. Estes setenta anos contam-se a partir da divulgação da obra e a caducidade surge apenas depois do dia 1 de janeiro do ano seguinte. No caso de se convidarem artistas internacionais (fora da União Europeia), a duração do direito de autor é a que estiver contemplada na legislação do seu país de origem, desde que não exceda os setenta anos. O artigo 42.º do CDADC expressa claramente que a transmissão ou oneração dos poderes concedidos para tutela dos direitos morais não é possível ser realizada, mesmo voluntariamente. Atente-se que, mesmo quanto ao conteúdo patrimonial do direito de autor da obra, este só pode ser transmi222

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tido total e definitivamente através de escritura pública, com identificação da obra e indicação do preço despectivo, sob pena de nulidade, segundo o artigo 44.º. Em caso de penhora podem-se transmitir os direitos de autor, segundo o estabelecido nos artigos 45.º, 46.º e 47.º. No que respeita à compensação suplementar prevista pelo artigo 49.º cumpre-nos referir as questões que nos preocupam: como mensurar o lucro e o proveito de inserir / integrar na arquitetura de um edifício uma obra de arte? Acrescentamos o valor do investimento ao valor total do edifício, ou valorizará mais o imóvel caso o artista também vá valorizando no mercado? Pela dificuldade em medir este acréscimo de valor cremos que esta questão da compensação suplementar não se colocaria nos exemplos referidos anteriormente. Acrescento ainda que a letra da lei é pouco elucidativa, pois a expressão manifesta desproporção é uma medida muita vaga. O artigo n.º 54.º sobre o direito de sequência também não nos interessa analisar muito profundamente, na medida em que muito dificilmente poderá surgir a necessidade de vender uma obra que, enquanto obra de Arte Pública integrada no edifício, foi concebida e desenhada para estar naquele local. Se ocorrer a venda do imóvel, a peça está integrada e faz parte do projeto e, por isso acompanha-o e, como sabemos, as obras de arquitetura e de arte aplicada são exceções a esta regra. Contudo, caso se adquirissem peças para expor no Centro comercial, e houvesse a intenção de as vender, seríamos obrigados a entregar ao artista uma percentagem do valor de venda, deduzido de qualquer custo existente de promoção da peça. Quanto aos direitos morais mais especificamente, relembre-se o artigo 56.º onde estes são definidos como o direito que o autor tem, mesmo apesar de onerar ou transmitir o direito patrimonial a outrem, de reivindicar a paternidade da obra e assegurar a sua genuinidade e integridade. 223

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Temos uma questão complexa para resolver: imagine-se que as esculturas expostas no Parque D. Pedro ou no Luz del Tajo são sujeitas a vandalismo e não é possível realizar uma ação, nem preventiva nem corretiva para o evitar. Ou seja, não se consegue garantir a integridade de uma peça de Arte Pública exposta num edifício de categoria mista, ou seja, privado de utilização pública. O que fazer? O artista tem direito a reivindicar a integridade da obra, mas todos sabemos que uma obra de Arte Pública pode ser sujeita a atos de apropriação ou de rejeição, como foi o caso da obra Titled Arch de Richard Serra. Este direito perpetua-se no tempo além da morte do artista, competindo aos seus sucessores o seu exercício. Caso tal não aconteça será o Estado a exercer tal papel protetor da obra de arte. De que forma pode o artista reivindicar a integridade da obra? O que faria o Centro Comercial perante uma escultura grafitada? Iria retirá-la de exposição pela má impressão que iria causar comprometendo os seus compromissos com o autor? O que faria um Museu nestas circunstâncias? Qual a legitimidade dos sucessores para garantirem a integridade e genuinidade da obra? Quem nos garante que a família de um autor conhece a sua vontade perante a necessária obra de conservação preventiva ou curativa? Qualquer modificação à obra de Arte Pública deve ser questionada ao seu autor através de carta registada com aviso de receção, e este dispõe de um mês a contar da data do registo para responder com o seu consentimento ou recusa, de acordo com o artigo 59.º. Interessa-nos especialmente abordar o artigo 60.º em que é dito o seguinte: “Modificações de projecto arquitetónico 1 – O autor de projecto de arquitectura ou de obra plástica executada por outrem e incorporada em obra de arquitectura tem o direito de fiscalizar a sua construção ou execução em todas as fases e pormenores, de maneira a assegurar a exata conformidade da 224

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obra com o projecto que é autor. 2– Quando edificada segundo projecto, não pode o dono da obra, durante a construção nem após a conclusão, introduzir nela alterações sem consulta prévia ao autor do projecto, sob pena de indemnização por perdas e danos. 3– Não havendo acordo, pode o autor repudiar a paternidade da obra modificada, ficando vedado ao proprietário invocar para o futuro, em proveito próprio, o nome do autor do projecto inicial.” Este direito protege o autor do projeto de arquitetura ou o autor do projeto de obra plástica em que a responsabilidade de a concretizar é de outrem. Nos casos analisados anteriormente referem-se à obra desenhada ou feita desenhar pelo Arquiteto José Manuel Quintela, enquanto edifícios de centros comerciais da Sonae Sierra. No caso do Anjo/Diabo foi ainda este mesmo Arquiteto que a desenhou e fez produzir. Todas as alterações devem ser comunicadas ao criador da obra de Arquitetura. Caso este não concorde e o dono da obra a modifique à mesma de acordo com o previsto no artigo 60.º, resta ao Arquiteto repudiar a obra. O direito de retirada não é um direito simples de executar em qualquer um dos casos anteriores apresentados. Mas analisemos o caso da escultura Anjo/Diabo que criou alguma agitação, segundo nos relatou o Arquiteto Quintela, devido a más interpretações da imagem. Ela representa através da figuração a ideia da “antítese”, o que não é fácil de rececionar por um público habituado às evidências comerciais. Imagine-se que, pelo desconforto, o artista decide exercer o seu direito de retirada previsto no artigo 62.º, “o autor de obra divulgada ou publicada poderá retirá-la a todo o tempo da circulação e fazer cessar a respectiva utilização, sejam quais forem as modalidades desta, contando que tenha razões morais atendíveis, mas deverá indemnizar os interessados pelos prejuízos que a retirada lhes causar.” Como se calculam os prejuízos neste caso? Como saber se haverá uma relação direta entre o tráfego de 225

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um Centro Comercial, e ou compras, e a exposição de uma obra de arte integrada na arquitectura? Como mensurar? Não creio que a legislação referente aos Direitos de Autor seja um impedimento para uma empresa promotora de Centros Comerciais adquirir e expor peças de Arte Pública, bem pelo contrário. O facto das obras estarem protegidas por lei, o facto de ser possível registar desde as obras, ao nome do artista, ao título da obra, e às alienações das obras via escritura pública permite trabalhar de forma mais profissionalizada do que se espera habitualmente no mercado da arte. O pagamento do direito de sequência, a acontecer, deve ser visto como uma oportunidade de apoio à cultura, pois de alguma forma remunera além do ato da venda, acompanhando o sucesso da mercantilização da arte. Uma empresa que gere Centros Comerciais e que decida aplicar uma política de Arte Pública deve garantir ao artista um respeito inequívoco pela sua obra, cumprindo o direito da paternidade, genuinidade e integridade das obras. Facto que consideramos importantes para o mercado da arte portuguesa. Uma situação que poderá levantar dúvidas é o direito de retirada. Mas deve-se ser sensível às razões apresentadas pelo artista. E este terá que ser sensível a um eventual pedido de indemnização. Outra questão a resolver é a alínea q) do ponto 2 do artigo 75.º, no âmbito da aplicação da utilização livre da obra, e que passamos a citar: “São lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra: a utilização de obras, como, por exemplo, obras de arquitectura ou escultura, feitas para serem mantidas permanentemente em locais públicos;” O que está no espírito do legislador face a esta letra da lei? Será que se refere apenas ao facto de todos podermos usufruir livremente das obras expostas no espaço público? Não, pois além de tão óbvio que nem precisava de vir na letra da 226

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lei, também não faria sentido pedir autorização ao artista para usufruir dessa obra! Quereria o legislador dizer que uma escultura concebida para estar ao ar livre poderia ser utilizada de forma livre, e portanto, colocada no local onde melhor entender o dono da obra? E quando o local público é um Centro Comercial? É indiferente ficar à entrada ou no meio da zona dos cinemas ou da zona da restauração? Mas então onde fica a intenção do artista? Quando o artista desenha uma obra para a colocar em exposição numa rotunda vai preocupar-se com alguns aspetos visuais e não se vai preocupar por exemplo com a textura, uma vez que a peça está inacessível ao toque. Caso essa obra vá ter a um jardim não está adaptada às necessidades das comunidades, pois poderiam gostar de a afagar e ela poderá não estar trabalhada para esse efeito, podendo até colocar em risco a segurança das pessoas caso tenha arestas vivas. Diz a definição de Arte Pública que esta não se trata de arte exposta em espaço público mas sim arte criada para um determinado espaço público. Quais os Direitos de Autor que defendem a Arte Pública? Todos os artistas que produzam Arte Pública deverão defender-se dos Direitos de Autor através do artigo 157.º ponto 2 onde se refere a possibilidade de acordar em convenção a não transmissão do direito de expor a obra sem o seu consentimento de forma a poder manter a intenção da exposição, uma vez que este tipo de obras são não apenas site-specific – considerando o espaço físico formal – mas lugar-especifica

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Anexos

Manifesto Public Sculpture in the context of American democracy, Siah Armajani 1. Public sculpture is a logical continuation of the modern movement and the enlightenment which was tempered and conditioned by the American Revolution. 2. Public sculpture attempts to de-mystify art. 3. Public sculpture is less about self expression and the myth of its maker and more about its civicness. Public sculpture is not based upon a philosophy which seeks to separate itself from the everydayness of everyday life. 4. In public sculpture the artist offers his/her expertise, therefore the artist as a maker has a place in society. The social and the cultural need to support artistic practice. 5. Public sculpture is a search for a cultural history which calls for structural unity between the object and its social and spatial setting. It should be open, available, useful and common. 6. Public sculpture opens up a perspective through which we may comprehend the social construction of art. 7. Public sculpture attempts to fill the gap that comes about between art and public to make art public and artists citizens again. 229

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8. Generally speaking, public sculpture is not of a particular style or ideology. It is through action in concrete situations that public sculpture will acquire a given character. 9. Public sculpture has some kind of social function. It has moved from large scale, outdoor site-specific sculpture into sculpture with social content. In the process it has annexed a new territory for sculpture that extends the field for social experience. 10. Public sculpture believes that culture should be detectable geographically. The idea of region must be understood as a term of value. That is the case in politics. Why not in culture? 11. Public sculpture is not artistic creation alone but rather social and cultural productions based upon concrete needs. 12. Public sculpture is a cooperative production. There are others besides the artist who are responsible for the work. To give all the credit to the individual artist is misleading and untrue. 13. The art in public art is not a genteel art but a missionary art. 14. The ethical dimensions of the arts are mostly gone and only in a newly formed relationship with a non-art audience may the ethical dimensions come back to the arts. 15. We enter public sculpture not as a thing between four walls in a spatial sense but as a tool for activity. 16. There is a value in a site in itself but we should keep our preoccupation with the site to a minimum. 17. Public sculpture is not here to enhance architecture in or out, nor is architecture here to house public sculpture in or out. They are to be neighbourly. 18. Art and architecture have different histories, different methodologies and two different languages. 19. The use of the adjectives “architectural”, in sculpture and “sculptural”, in architecture, for the purpose of estab230

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lishing analogy, simile, metaphor, contrast or similarity between public sculpture and architecture is no longer descriptive or valid. Public sculpture puts aside the allusion, the illusion and the metaphysical supposition that the human being is only a spiritual being who was misplaced here on earth. We are here because home is here and no other place. The public environment is a notion of reference to the field in which activity takes place. The public environment is a necessary implication of being in the community. Public sculpture depends upon some interplay with the public based upon some shared assumptions. There is a limit to public sculpture. There are also limits in science and in philosophy. Public sculpture should not intimidate, assault or control the public. It should enhance a given place. By emphasizing usefulness, public sculpture becomes a tool for activity. Therefore we reject Kantian metaphysics and the idea that art is useless. Public sculpture rejects the idea of the universality of art.1

1 ARMAJANI, Siah, Manifesto Public Sculpture in the Context of American Democracy, In, AA.VV., Reading Spaces, MACBA, 1995, Barcelona, pp. 111-114.

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1. Política de Responsabilidade Corporativa da Sonae Sierra. Extraído do site oficial: http://www.sonaesierra.com (12.06.2009;12h).

6. Documento oficial do Percent for Art. In http://www.docstoc.com/ docs/26861438/Percent-for-Art-to-Provide-and-Encourage-Art-inPublic-Areas-C458B (10.01.13;16h). 232

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Apêndice

Política de Arte Pública aprovada a 13 de abril de 2011

1. Política de Arte Pública 2. Entendendo a Arte Pública nos Centros Comerciais enquanto qualquer elemento arquitectónico ou artístico que, através do seu conteúdo ou forma, se relacione com o público de forma significativa, nomeadamente melhorando a experiência, a percepção e a identidade do espaço onde se insere, a Sonae Sierra propõe-se promovê-la nos empreendimentos imobiliários que desenvolve e/ ou gere, de acordo com os pressupostos da presente política. A Sonae Sierra reconhece que: 1. A sua actividade tende a influenciar os hábitos comportamentais e culturais dos visitantes dos seus centros comerciais. 2. Os artistas em geral, e a Arte Pública em particular, têm uma missão a cumprir junto da comunidade. 3. A Arte Pública visa melhorar a experiência, a percepção e a identidade de determinado lugar. 4. A Arte Pública declara a importância da valorização estética dos locais públicos e de acesso público para a promoção da qualidade de vida de uma comunidade. 5. As obras de Arte Pública, através da sua forma e/ou conteúdo, possuem uma forte função social.

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6. As obras de Arte Pública induzem efeitos positivos em quem contempla e usufrui da sua presença. 7. A Arte Pública pode ser fomentada por intermédio de acções privadas de construção de lugares de acesso público, como já acontece em alguns dos seus centros comerciais. 8. A Arte Pública é a forma de produção artística mais adequada aos centros comerciais, porque é criada especificamente para aquele local e visitantes, dialogando com os seus utentes e interpretando o carácter do lugar.

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Política de Arte Pública (cont.)

Entendendo a Arte Pública nos Centros Comerciais enquanto qualquer elemento arquitectónico ou artístico que, através do seu conteúdo ou forma, se relacione com o público de forma significativa, nomeadamente melhorando a experiência, a percepção e a identidade do espaço onde se insere, a Sonae Sierra propõe-se promovê-la nos empreendimentos imobiliários que desenvolve e/ ou gere, de acordo com os pressupostos da presente política. A Sonae Sierra propõe-se a:  Fomentar a criação artística através da Arte Pública concebendo ou renovando, sempre que viável, os seus edifícios para que estes enriqueçam o espírito e a memória do local: 1. Permitindo que as comunidades locais usufruam de Arte, promovendo a colaboração de artistas na produção de obras de arte inteligíveis e apropriáveis pelo público em geral. 2. Contribuindo para a regeneração urbana de alguns locais através da integração da Arte Pública no centro comercial. 3. Garantindo que a Arte Pública trabalha em função do local, do público e do momento concreto, e não em função de uma qualquer ideologia. 4. Encarando a Arte Pública como um trabalho aberto à participação cidadã. 5. Utilizando a Arte Pública como referência para qualificar ambientes com memória e identidade, promovendo os centros comerciais como lugares de destino detentores de identidade cultural. Política aprovada pela Comissão Executiva em 13-04-2011

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Índice

Nota Prévia 1

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Nota Prévia 2

11

Nota Prévia 3

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Apresentação

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Agradecimentos

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Introdução

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Capítulo I. Da responsabilidade cultural corporativa 1.1 Conceptualização de Política de Arte Pública para Centros Comerciais 1.2 Definição e vetores 1.3 Estudo KEA e papel da responsabilidade cultural no mercado 1.4 Case study: Responsabilidade corporativa na Sonae Sierra 1.5 Proposta de conceptualização de Política de Arte Pública Capítulo II. Do Centro Comercial 2.1 Perspetivas sobre os Centros Comerciais 2.2 O Centro Comercial e a sua esfera pública 2.3 Dimensão estética e espaço expositivo do Centro Comercial Capítulo III. Da Arte Pública 3.1 Perspetivas da Arte Pública 3.2 Arte Pública e Arquitetura 3.3 Reflexão sobre Programas de Arte Pública

34 35 40 43 47

51 60 64

75 102 110

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3.4 3.5

A Arte Pública nos Centros Comerciais Proposta de Política de Arte Pública

126 153

Capítulo IV. Da comunidade 4.1 A sociedade de consumo e a cultura 4.2 A comunidade e a cultura 4.3 A comunidade e os não lugares 4.4 A comunidade e a Nova Arte Pública

156 165 174 184

Capítulo V. Da implementação de uma Política de Arte Pública nos Centros Comerciais 5.1 Na arquitetura 5.2 Programa de Arte Pública 5.3 Outras formas de apoiar a Arte Pública 5.4 A importância do Serviço Educativo

189 190 195 196

Conclusão

203

Fontes e bibliografia

213

Estudos auxiliares Os direitos de autor das obras de Arte Pública

217

Anexos Manifesto Public Sculpture in the context of American democracy Política de Responsabilidade Corporativa da Sonae Sierra Documento oficial do Percent-for-art

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Apêndices Política de Arte Pública aprovada a 13 de abril de 2011 233

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