Arte, Religião e Imagens em Évora no tempo do Arcebispo D. Teotónio de Bragança, 1578-1602.

Share Embed


Descrição do Produto

© 2015, Fundação Casa de Bragança Título: A r t e , r e l i g i ã o e i m a g e n s e m É v o r a n o t e m p o d o A r c e b i s p o D. T e o t ó n i o d e B r a g a n ç a , 1 5 7 8­­‑ 1 6 0 2

Autor : Vitor Serrão

Imagem de capa: G r e g ó r i o L o p e s , S a n t a H e l e n a e o m i l a g r e d o r e c o n h e c i m e n t o d a Ve r a C r u z (por menor, com cavadores que buscam relíquias), c. 1537-1540. Évora, Museu de Arte Sacra da Sé. Capa e paginação: Rita L.Henriques Impressão e acabamento: V á r z e a d a R a i n h a I m p r e s s o r e s, S. A . Rua Empresarial nº 19 Z o n a I n d u s t r i a l d a Po n t e S e c a 2510-752 Gaeiras – Óbidos Te l e f . : + 3 5 1 2 6 2 0 9 8 0 0 8 Fax: +351 262 098 582 w w w. v a r z e a d a r a i n h a . p t ISBN: 978-989-691-361-8 Depósito Legal: 388932/15 1 ª E d i ç ã o, F u n d a ç ã o C a s a d e B r a g a n ç a , V i l a V i ç o s a Abril de 2015

Vi t o r S e r r ã o

A rt e, r e l i g i ão e i m ag e n s e m Évora no tempo do Arcebispo D. Teotónio de Bragança, 1 5 7 8­­‑ 1 6 0 2

RESUMO: Este ensaio aborda a vertente mecenática de D. Teotónio de Bragança à frente do Arcebispado de Évora, mostrando a importância dos seus empreendimentos construtivos e de decoração artística e o modo actualizado como adaptou os princípios tridentinos do ‘restauro storico’ e de revitalização das ‘sacrae imagines’ em lugares de alegado culto paleo­­‑cristão. Desenvolveu um novo tipo de arquitectura sacra servindo­­‑se de artistas de formação romana, como o arquitecto Nicolau de Frias ou o seu arquitecto e escultor Pero Vaz Pereira. São muito relevantes as construções que custeou, como o Mosteiro da Scala Coeli da Cartuxa , e muitas outras igrejas em vilas e aldeias da Arquidiocese. A arte que nasce em Évora no fim do século XVI, sob signo da Contra­­‑Maniera, atinge assim um brilho que rivaliza com os anos do reinado de D. João III e do humanista André de Resende. Velhos cultos e novos temas iconográficos emergem com D. Teotónio, como os de São Manços, São Jordão, São Brissos, Santa Comba, São Torpes e outros mártires considerados eborenses. Fez encomendas em Madrid, Roma e Florença para enriquecer a Sé e o grandioso Mosteiro de Scala Coeli da Cartuxa, por si fundado. Trata­­‑se, portanto, de um capítulo notabilíssimo da arte portuguesa sob signo de Trento, que merece ser devidamente analisado. Palavras­­‑chave: Évora; Tardo­­‑Maneirismo; Restauro Stori‑ co; Concílio de Trento; Cesare Baronio; Nicolau de Frias; Pero Vaz Pereira. 4

SUMMARY: ‘Restauro storico’ and ‘sacrae imagines’ in Évora under the government of Archbishop D. Teotónio de Bragança, 1578­­‑1602. This essay focuses on the figure of D. Teotónio de Bragança, the Archbishop of Évora between 1578 and 1602, showing the importance of its building projects and artistic decorations, under the sign of Tridentine values. He adapted the principles of ‘restauro storico’ and the revitalization of ‘imagine sacrae’ in alleged Early Christian sanctuaries. He promoted a new type of sacred architecture using artists formed in Rome, such as the architect Nicolau de Frias or his architect and sculptor Pero Vaz Pereira. Among the monuments that he has erected, the Carthusian monastery of Scala Coeli in Evora is one of the masterpieces of the Portuguese architecture of this period. The art born in Évora in the late sixteenth century, under the sign of the Contra­­ ‑Maniera, achieves a quality that rivals with those from the years of King John III and the humanist André de Resende. Old cults and new iconographic themes emerge with D. Teotónio, such as S. Manços, S. Jordão, S. Brissos, Sta. Comba, S. Torpes and other martyrs considered Évora­­‑born. He made several commands in Madrid, Rome and Florence to enrich the Cathedral and the majestatic Monastery of Scala Coeli (Cartuxa), founded by him. It is, therefore, one of the most remarkable chapters in the Portuguese Tridentine art that deserves to be analyzed. Keywords: Évora; Late Mannerism; Restauro Storico; Council of Trento; Cesare Baronio; Nicolau de Frias; Pero Vaz Pereira. 5

à memória de Túlio Espanca (1913­­‑1993) a Artur Goulart

A b r ev i at u r a s U t i l i z a d a s A.D.B. – Arquivo Distrital de Beja A.D.E. – Arquivo Distrital de Évora A.D.P. – Arquivo Distrital de Portalegre A.H.F.C.B. – Arquivo Histórico da Fundação da Casa de Bragança, Vila Viçosa A.H.F.E.A. – Arquivo Histórico da Fundação Eugénio de Almeida, Évora A.H.M.M.O.N. ­­– Arquivo Histórico da Misericórdia de Montemor­­‑o­­‑Novo A.M.E. – Arquivo Municipal de Elvas A.N.T.T. – Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, Lisboa A.S.E. – Arquivo da Sé de Évora A.S.P. – Arquivo da Sé de Portalegre B.A. – Biblioteca da Ajuda B.G.U.C. – Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra B.N.F. – Bibliothèque Nationale de France, Paris B.N.P. – Biblioteca Nacional de Portugal (Reservados), Lisboa B.P.E. – Biblioteca Pública de Évora M.A.S.S.E. – Museu de Arte Sacra da Sé de Évora M. B. – Museu de Beja M.E. – Museu de Évora M.N.A.A. –­­‑ ­­ Museu Nacional de Arte Antiga

8

A p r e s e n ta ç ã o e a g r a d e c i m e n t o s

Manifesto a minha gratidão e apreço à Fundação da Casa de Bragança, na pessoa do seu Presidente, Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, e do seu secretário­­‑geral, Dr. João Carlos Boléo­­‑Tomé, pelo seu empenho na edição deste livro; e às direcções da Biblioteca Nacional de Portugal (Reservados), do Arquivo da Sé de Évora, da Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora, da Direcção Regional da Cultura do Alentejo e do Arquivo Histórico da Fundação Eugénio de Almeida, pelas facilidades nas pesquisas efectuadas. Este livro é novíssimo: escrevi­­‑o integralmente entre o Verão e o Inverno de 2014. Reporta­­‑se, todavia, a pesquisas sistemáticas que fui realizando ao longo de muitos anos sobre a arte eborense do século XVI. Sintetiza velhas paixões pelo Alentejo e pelo seu património artístico, que Túlio Espanca me ajudou a descobrir. Organiza resultados de uma paciente recolha de dados de campo e de arquivo. Reflecte sobre o sentido profundo de uma sociedade precisa – a Évora do fim de Quinhentos, em tempo de Contra­­‑Reforma – nas suas grandezas e misérias. O livro procura traçar um perfil mecenático no seu contexto histórico e ideológico concreto. Necessariamente houve que tomar partido em questões até hoje muito polémicas no campo da História da Arte, como o concurso para o projecto do mosteiro da Cartuxa, a autoria da fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, as fontes teológicas dos programas restaurativos nas velhas igrejas alentejanas, ou a filiação do tecto da sacristia do Colégio do Espírito Santo. A respeito destes assuntos aduzo materiais novos 9

e respostas que, quero crer, serão concludentes. Neste percurso pelos anos de governo arquiepiscopal de D. Teotónio de Bragança avultam algumas personalidades que se tornaram os grandes protagonistas do meu trabalho, algumas já bem conhecidas, como o arquitecto Nicolau de Frias, outras praticamente ignoradas, caso do arquitecto­­‑escultor Pero Vaz Pereira, do entalhador Diogo Nobre, do ourives João Luís e dos pintores Duarte Frizão e Custódio da Costa. Destacam­­‑se naturalmente dois conceitos artísticos à luz dos quais, quero crer, o governo de D. Teotónio de Bragança foi absolutamente inovador: a defesa de um modelo arquitectónico austero e «reformado», em que o restauro storico funcionou como atestado de antiguidade legitimadora e a espacialidade dos novos corpos foi vista como sinónimo de igrejas­­‑auditório de novo tipo, e um originalíssimo conceito de decoração integral dos interiores, espécie de ars senza tempo pensada para o caso alentejano, onde pintura mural, stucco, azulejo, talha, imaginária, esgrafito, obra de massa e outras artes se souberam irmanar em programas ornamentais unívocos. Autor e livro devem muito dos seus conteúdos às facilidades encontradas, às portas abertas e à boa vontade de muita gente para discutir estas matérias: desde responsáveis de institutos, fundações, arquivos, bibliotecas e museus, a párocos, a técnicos de conservação e restauro, a inventariantes, a colegas, alunos e amigos. Os nomes a citar são, por tudo isso, necessariamente muitos. Com alguns deles discuti aspectos diversos desta obra. Cito, assim (com perigo de omissões): Alberto Rodrigues Machado da Rosa, Ana Cristina Baptista, Ana Paula Avelar, D. Antão López (Mosteiro da Scala Coeli), Antónia Fialho Conde, António Alegria, António Carlos Silva, Pe António Pereira Sanches, Arnaldo Espírito Santo, Artur Goulart de Melo Borges, Pe Bonifácio Bernardo, Carlos Fabião, Celso Mangucci, David Baptista, Cónego Eduardo Pereira da Silva, Fátima Farrica, Fernando Bouza Álvares, Fernando Correia Pina, Fernando Grilo, Fernando Marías, Pe Fernando Marques, Francisca Mendes, Francisco Bilou, 10

Helena Pinheiro de Melo, Hermínio Rico, S.J., Hugo Crespo, Jaelson Bitran Trindade, Jesué Pinharanda Gomes, João Carlos Garcia, João Luís Cardoso, João Ruas, Joaquim Chorão Lavajo, Joaquim Inácio Caetano, Jorge Estrela, Jorge Moleirinho, José Aguiar, José Alberto Gomes Machado, José Artur Pestana, José Cardim Ribeiro, José Chitas, José Eduardo Horta Correia, José Meco, José Pedro Paiva, D. José Sanches Alves (Arcebispo de Évora), José de Monterroso Teixeira, Juan Gil, Laurinda Abreu, Luís Urbano Afonso, Magda Tassinari, Maria Adelina Amorim, Maria do Céu Grilo, Maria do Céu Ramos, Maria Eugénia Alves, Maria João Baptista Neto, Manuel Joaquim Branco, Manuel Ribeiro, Maria de Jesus Monge, Maria José Redondo Cantera, Maria de Lourdes Cidraes, Mário Cabeças, Maurício Cunha, Miguel Soromenho, Patrícia Monteiro, Paulina Araújo, Paulo Farmhouse Alberto, Paulo Lima, Pedro Flor, Pedro Pinto, Ricardo Estevam Pereira, Rita Vaz Freire, Rui Mendes, Rui Palma, Sylvie Deswarte­­‑Rosa, Teresa Desterro, Teresa Leonor Vale, Teresa Perdigão e Vanessa Antunes. A todos agradeço informações fornecidas e tempo disponibilizado para reflexões conjuntas e partilha de ideias. Certos livros são assim: os temas ganham forma justamente porque têm sumo amadurecido na sequência de um trabalho pluri­­‑disciplinar que, com paciência, vai germinando. Uma palavra de agradecimento enfim, por todas as razões e pour cause, a minha Mãe, a meu Pai, aos meus filhos Diogo e Leonor, e às minhas netas Inês e Rita. Nota: Os conteúdos deste livro decorrem de pesquisas e interesses antigos manifestados pelo autor no estudo sistemático da arte alentejana do Renascimento e do Maneirismo. Na parte relativa à pintura mural do tempo de D. Teotónio, as investigações avançadas integram­­‑se no âmbito do projecto da FCT (coordenado por Milene Gil) PRIM’ART ­­‑ Redescoberta da Pintura Mural em Portugal. Estudo Histórico e cientí‑ fico do Arquiespiscopado de Évora (1516­­‑1615), refª nºs PTDC/CPC­­‑EAT/4769/2012 e FCOMP­­‑01­­‑0124­­‑FEDER­­‑028511. Na parte relativa à arquitectura ducal e às artes em Vila Viçosa, integram­­‑se no projecto da FCT De Todas as Partes do Mundo. O Patri‑ mónio do 5º Duque de Bragança D. Teodósio I (dirigido por Jessica Hallett), refª nº PTDC/ EAT­­‑HAT/098461/2008.

Lisboa, Janeiro de 2015 11

1. Évora tridentina: u m a ‘ n ova R o m a ’

1 . 1 . A E b o r a d e D . Te o t ó n i o de Bragança D Teotónio de Bragança (1530­­‑1602), quarto Arcebispo de Évora, foi uma das mais fortes personalidades da Igreja Católica portuguesa no final do século XVI, com uma acção que se manifestou em vários domínios, incluindo os da política de fomento artístico, em que foi verdadeiro mecenas. Sem deixar nunca de ser um Bragança, ou seja, um membro da mais destacada família da nobreza portuguesa, investiu­­‑se de papel muito relevante na implementação dos valores de reforma que a Igreja assumira a seguir ao Concílio de Trento (1545­­‑1563). Homem de educação esmerada, já que, depois de receber aprendizado livresco no Paço Ducal de Vila Viçosa, estudou Humanidades no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a que se seguiu uma passagem por Roma, com os jesuítas, e a frequência das Universidades de Paris e Bordéus, onde se formou, D. Teotónio teve oportunidade de viajar pela Europa do Renascimento, de Itália a França, a Espanha e a Inglaterra, convivendo com as experiências culturais que aí se desenvolviam. No contexto da nova situação política estabelecida com o primeiro reinado da Monarquia Dual e o início da governação filipina, por um lado, e com um dirigismo centrado em Évora nas vésperas 13

do triunfal Jubileu católico de 1600, por outro, o Arcebispo assumiu então um papel decisivo no campo da arquitectura e ao nível do equipamento artístico das igrejas da sua Arquidiocese, dando incremento aos focos influentes de mecenatismo e revelando um gosto por demais actualizado em termos de soluções e modelos seguidos. A cidade de Évora era vista, de há muito, como a segunda do Reino em importância e notabilidade, tendo chegado a albergar a corte de D. João III por alguns anos e sendo desde sempre elogiada pelo seu estatuto de Colonia Romana, com a sua muralha quase intacta, os seus monumentos romanos, medievais e renascentistas, e a sua riqueza artística consensualmente reconhecida 1 . O cargo de Arcebispo de Évora era, pois, muito ambicionado, ainda que impusesse um perfil de pessoa com especiais responsabilidades, perfil esse encontrado em D. Teotónio de Bragança ao ser indigitado em 1578, certamente por recomendação do Cardeal D. Henrique, para ocupar o cargo. Viviam­­‑se então as dramáticas circunstâncias políticas decorrentes do desastre de Alcácer Quibir e da subsequente morte de D. Sebastião, o que levara o Cardeal D. Henrique a ser designado rei, abandonando o cargo arcebispal, e abrindo um período que, a breve trecho, desembocaria na crise sucessória que levará Filipe II ao trono português 2. Embora sempre se tenha destacado no múnus de D. Teotónio de Bragança o aspecto catequético, no que cabe dizer a respeito da prática pastoral empreendida, dos sínodos que organizou, da revisão de certos aspectos teológicos segundo os princípios conciliares, do apoio assistencial aos desfavorecidos e das estratégias gerais em favor do engrandecimento da Arquidiocese (com dinâmicas que contrastam, de certo modo, com as do governo precedente do Cardeal­­‑Rei D. Henrique, um homem da Renascença), a verdade é que também a vertente cultural e construtiva ganhou peso com o seu governo, através de empreendimentos de monta. Tal acento de proselitismo contra­­‑reformista só foi possível porque se tratava de uma personalidade culta e viajeira, que dispôs de uma base muito sólida de investigação histórica, 14

assente num gosto romanizado e na consciencialização da importância de um património comum. Nesse sentido, a figura do Arcebispo D. Teotónio de Bragança mostra, como aliás já acentuava o seu capelão, e atento biógrafo, padre Nicolau Agostinho 3, um originalíssimo perfil de prelado imbuído de intuitos renovadores, dentro do que podiam ser os preceitos de abertura e adaptação da Igreja contra­­‑reformista. Este aspecto da sua biografia – o do teólogo e homem da Igreja ­­– está, no essencial, bem estudado através de uma série de contribuições incontornáveis 4. Um dos dois textos sinodais que redigiu, datado de 1587, foi justamente dedicado à plena adequação das paróquias eborenses às normas e decretos conciliares. Em termos de intervenção social conhece­­‑se, por exemplo, o seu importantíssimo papel durante os surtos de peste e fome que o Alentejo sofreu, designadamente em 1579­­‑1581, quando criou uma série de espaços assistenciais e albergarias e proveu as necessidades elementares dos carenciados, na cidade e nas vilas e aldeias. Neste campo, seguiu uma precisa orientação tridentina, olhos postos no exemplo assistencial do Cardeal Carlos Borromeo durante a peste de Milão, sabiamente adaptado à realidade nacional, numa resposta muito directa à forma como a Coroa tinha organizado o campo, preenchendo os espaços deixados abertos pelo poder político. Nesse sentido também se entendem os contactos com Miguel de Giginta, autor do Trata‑ do de Remedio de Pobres (Coimbra, 1579), que defendia um modelo inovador de «casas da caridade», razão pela qual chegou a ser chamado a Évora pelo Arcebispo, que lhe ofereceu a oportunidade de desenvolver na cidade o projecto que Lisboa recusara. Esse projecto foi seguido em Évora à luz das circunstâncias e possibilidades existentes 5. Mas observam­­‑se outros aspectos relevantes a considerar na acção do Arcebispo, entre eles o do mecenas das artes e das letras, campos em que D. Teotónio de Bragança investiu muito do seu saber e réditos, tornando a cidade de Évora o mais importante centro da Contra­­‑Reforma portuguesa, logo a seguir a Lisboa, o que urge ser analisado com a devida atenção. O seu 15

mecenato renovador no campo construtivo e de decoração artística eborense não se restringiu a obras de eleição como foram os Mosteiros de Scala Coeli, primeira sede portuguesa de monges cartuxos, e de Santo António da Piedade, casa de franciscanos capuchos, ambos muito conhecidos e bem estudados pelos historiadores. Também não se limitou a custear obras nas paróquias da cidade e a reunir na sua colecção centenas de livros e muitas peças de arte, entre elas alguns testemunhos do seu interesse pelos «novos mundos». Durante os vinte e três anos de governo daquela que era uma das maiores Arquidioceses de toda a Cristandade, o ilustrado epíscope preocupou­­‑se também em assinalar e recuperar o património paleo­­‑cristão existente no seu território, em definir estratégias de restauro storico desses acervos segundo as directrizes romanas de autores como o cardeal Cesare Baronio, e em organizar os programas de decoração sacra das igrejas dentro dos princípios romanos promulgados na Roma Felix e que foram dominantes durante o pontificado de Sisto V (1585­­‑1590) 6. Essas linhas caracterizadoras de desenvolvimento da Évora teotonina assinalam um caminho que, em reacção aos ataques da Reforma protestante, atestou as valências da antichità christiana do seu historial, reforçada pela afirmação de santos eborenses cujo culto se recuperou, ou pela primeira vez se instalou, como são os casos de São Manços, de São Jordão e das suas irmãs Santas Comba e Inonimata, dos santos mártires Vicente, Sabina e Cristeta, de São Torpes, de São Cucufate, de São Brissos, de São Romão e de outros mártires com alegadas origens ou ligações alentejanos durante a era paleo­­‑cristã 7, em parte já assinalados nos textos dos humanistas, como o celebérrimo livro de André de Resende Historia da Antiguidade de Cidade de Evora (cuja primeira edição data de 1553). À luz do princípio da concinnitas promulgado pelo arquitecto quatrocentista Léon Battista Alberti ­­– uma busca da harmonia clássica muito seguida nos textos e na prática de Resende em nome da salvaguarda do património da cidade ­­– 8, os pretensos santos fundadores do cristianismo no Alentejo foram nesta altura alvo de novas investigações, por 16

vezes através de campanhas arqueológicas, e de uma verdadeira política de reabilitação construtiva dos lugares hierofânicos relacionados com os seus martírios e os seus focos de devoção popular 9. No caso das relíquias de São Torpes, tratou­­‑se mesmo de um pedido do Papa Sisto V a D. Teotónio para que investigasse a veracidade do assunto e procedesse a escavações, algures no termo de Sines 10. Trata­­‑se, por isso, de uma personalidade relevante e absolutamente original, tanto no contexto da governação da Igreja no início da dinastia dos Filipes 11, como no contexto do mecenatismo português do século XVI, um campo em que a cidade de Évora assumia então um papel de destaque, albergando grandes famílias e colecções de arte. Além da bem nutrida livraria e recheios artísticos de D. Teotónio de Bragança (com que dotou, em parte, o mosteiro da Cartuxa) 12, outros acervos se destacavam na cidade, caso dos recheio dos palácios da nobreza, a provar que a riqueza da cidade não se restringia aos inesgotáveis fundos dos mosteiros e conventos. Os nobres Castros, condes de Basto, tinham no seu palácio de São Miguel (hoje da Fundação Eugénio de Almeida) obras artísticas muito significativas, como tapeçarias de Bruxelas, pinturas sacras, porcelanas da China, tapetes persas, contadores da Índia, biombos e outras peças exóticas representativas dos «novos mundos», além de possuírem rica livraria, e vários escravos 13 . É certo que outros fidalgos eborenses possuíam recheios onde o exotismo também estava presente, e o próprio D. Teotónio se inseriu nesse número de colecionistas, mas o caso da colecção dos Condes de Basto, até pelo facto de ser melhor conhecido através de três inventários (o mais antigo dos quais de 1582), foi verdadeiramente excepcional. Na residência palatina de D. Fernando de Castro (1530­­‑1617), 1º Conde de Basto, governador militar da cidade, que estava a ser então alvo de vultosas obras de pedraria, decoração mural e engrandecimento intestino, eram muitas as peças avaliadas a alto preço, como as tapeçarias de Bruxelas (uma delas com a História de Sansão), várias alcatifas turcas e de Castela, mobiliá17

rio de madeiras exóticas, «cinco condises (sic) verdes de Ruam de Paris com sua barra de veludo», marfins do Oriente e um saleiro afro­­ ‑português, «sessenta e duas peças de vidro cristalino» acaso de Veneza, «dous sestos da China com tres bandeias pequenas» e um amplo acervo de «porcelanas da Índia» (parte destas peças, ainda existentes na posse dos Castros em 1644), «dois biombos grandes da India» avaliados em 30.000 rs (seguramente uma produção do sul da China), um «tavoleiro da China», três «bandeiras da China» e «trinta e oito escudelas da Índia», e uma «alcatifa da India de estrato com cadi‑ lhos vermelhos» avaliada por 40.000 rs, entre muitas outras. Um dos têxteis asiáticos assinalados como de alto preço decorava a Casa Pintada, decerto a Sala Oval, afrescada havia pouco pelo pintor Francisco de Campos com uma representação mitológica inspirada em Ovídio. No oratório, existiu um grande Calvário em pintura, que será um painel ainda existente (col. particular eborense) atribuído ao prestigiado artista local Francisco João (1539­­‑1595), que toma grande inspiração nos modelos de Luís de Morales. A joalharia de ouro e prata era também abundante na colecção dos Castros (seria alvo de avaliação, em 1617, pelo ourives lisboeta Cristóvão Lopes) e as peças de mobiliário reflectiam gostos aquisitivos requintados, caso de um «contador da India lavrado de marfim que se comprou por via de Antonio Pereira mar‑ ceneiro», «huma Escrivaninha de pao pretto com seu tinteiro e pueira the‑ zoura canivete e lanseta dourado», ou um «Bofetinho de pao santo com faxas de pao pretto e perfis de marfim com duas gavetas e ferragem doura‑ da». A estas peças se acrescentou em 1617, à data da morte do 1º Conde, um caro «Leito de pao santo guarnesido de pessas de Bron‑ ze dourados», que o torneiro Tomé Coelho adaptou ao novo espaço. Adquiriu­­‑se ainda uma «armação de guadamexim de couros de marzamaior cubertos de ouro e prata verde» e outras peças de couro lavrado. Mas é o rol das «Persolanas» chinesas, pela sua extensão e valia, que ocupa mais largos fólios do inventário dos Basto14. Nesta residência palatina, onde amiúde estadeou o Arcebispo, recebendo convivas e embaixadas, incluindo o próprio Filipe I de Portugal, a extensão de peças de arte estendia­­‑se ainda a grandes «armasõis de tapeçaria» reunidas por D. Fernando de Castro, 18

certamente de fabrico de Bruxelas, com temas clássicos (Triunfos de Petrarca, História de Diana), alegóricos (Meses e paisagens), hagiológicos (São Jerónimo) e vetero­­‑testamentários (História de David e Golias), os quais contribuíram para a opulência dos salões a que se referem os relatos de festividades e visitas de convidados de honra 15. Ao mesmo tempo, o Conde de Basto não só custeou obras de modernização do velho paço gótico­­‑manuelino (incluindo a notável decoração fresquista dos salões) como o recheou em preito de homenagem a seu pai D. Diogo de Castro, o das Treze Arruelas, soldado na expedição de Carlos V a Túnis (1535) e na tomada de La Goleta, feitos militares que enobreceram os Castros. É de lembrar que D. Fernando casou com D. Joana de Albuquerque, filha de Brás de Albuquerque, senhor da Bacalhoa, crescendo o prestígio familiar com essa união das duas casas (Castros e Albuquerques). Enviuvando sem descendência, voltou a casar com D. Filipa de Mendonça (fal. 1581), mãe do 2º titular D. Diogo de Castro (fal. 1638), que foi membro do conselho de Estado, alcaide­­‑mor de Évora, regedor da Casa da Suplicação, Presidente do Desembargo do Paço e vice­­ ‑rei de Portugal. Os cargos justificam a riqueza acumulada no Paço: as artes sumptuárias desta casa exprimiam uma mescla de peças de origem europeia e de exotismo colonial – um gosto em português, em suma ­­–, traço identitário que foi comum ao melhor colecionismo da época 16. A mesma opulência dos palazzi eborenses se encontrava certamente na residência de outros nobres, como os Silveiras, os Cogominhos e os Murça, por exemplo, para os quais, todavia, não remanescem inventários de bens. O próprio D. Teotónio possuía muitas obras de arte no Paço Arquiepiscopal, de que fez doação ao mosteiro da Cartuxa por si fundado. Tratava­­‑se de uma colecção que incluía tapeçarias e pinturas flamengas, muitos retratos régios, marfins, quadros sacros, e até uma peça devocional de origem asiática, um «retrato da cruz de sam Tome que veyo da yndia» 17. Já de D. Alexandre de Bragança, sobrinho de D. Teotónio e seu sucessor no cargo arcebispal, em 1602 18, sabemos que, morando alternadamente entre Évora e Vila Viçosa, 19

tinha nas suas casas peças artísticas caras: além de tapeçarias bruxelenses (História de Hércules, História de David, «panos de Bichos»), possuía ricas pratas, guadamecis, alcatifas de Veneza, retábulos e mobiliário de qualidade, e onde o exótico também estava presente, através de marfins, arcas da Índia e «pinturas com pássaros e verduras da China» 19. Um pouco mais tarde, D. Duarte de Bragança (1569­­‑1627), Marquês de Frechilla e de Mallegón, que tinha a seu serviço um pintor estrangeiro, Jerónimo de Vich (ouvido em 1613 na Inquisição de Évora por suspeitas de luteranismo)20, reunia na sua casa uma série de peças de arte, incluindo retratos áulicos, representações de Sibilas e «pinturas da China»21. Constitui vertente essencial da História da Arte o estudo do gosto coleccionístico, para se compreenderem critérios de escolha, aquisição e exposição, em situaçõs que, como é o caso da Évora quinhentista, são contextualizáveis e percebíveis. Os testamentos, pleitos judiciais, róis orfanológicos, partilhas, inventários de bens da nobreza, de conventos e irmandades, a informação dos registos de compra e venda e as descrições de festividades, permitem reconstituir acervos dispersos e perceber opções estéticas, fórmulas operativas e gostos dominantes no mercado português (nobre, sacro ou civil). É um campo de trabalho valioso, já que, sem esquecer ‘inconstantes estéticas’ e curvas de efemeridade que acompanham os ‘gostos’, a sua definição como factor social distintivo (com peso ideológico dialecticamente mutável), ou marcado por ritmos trans­­‑memoriais com retomas de modelos e variedade ilimitada de novas corporalidades, permite estudar melhor os tecidos artísticos e os interesses dominantes em cada época. A religiosidade militante do tempo de D. Teotónio, por exemplo, não escondia decisivos interesses pelos «novos mundos» e pelos exotismos. Ainda recentemente, em reedição crítica ao clássico livro de Julius von Schlosser (1908) sobre a colecção do arquiduque Ferdinando II de Habsburg, príncipe do Tirol, no castelo de Ambras (Innsbruck), Patricia Falguières destacou as singularidades históricas das câmaras de maravilhas reunidas ao longo da Idade Moderna, espécie de embrião do accrochage de peças dos museus 20

contemporâneos 22. É em nome dessa singularidade que podem ser hoje compreendidos os gabinetes e salas de opulência do século XVI, desde os da Rainha D. Catarina de Áustria e da Infanta D. Maria, à do Duque de Bragança D. Teodósio I, à do conde de Basto D. Fernando de Castro e à dos Arcebispos D. Teotónio e D. Alexandre de Bragança. São casos em que as peças reunidas, mais que por mera ostentação estatutária, incorporações casuísticas ou a necessidade de provir ao apetrechamento da casa, mostram um sentido de especialização que agrupa determinadas obras segundo uma lógica colecionística com três vertentes: o gosto pelos «novos mundos», o sentido de «actualização» e o atestado do Catolicismo triunfante. Era esta Évora, onde os pergaminhos de antiguidade rimavam com os testemunhos de exotismo dos «novos mundos», que se oferecia aos viajantes do fim de Quinhentos que visitavam os palácios, solares e lugares de culto, ou que adquiriam nas bem apetrechadas livrarias da Praça Grande (hoje, do Giraldo) e da rua de Burgos obras editadas nos prelos locais com relatos das terras de África e da Ásia, e era tudo isso que justificava em palavras o encómio geral. Cidade de contrastes, por certo, com a penúria das gentes do campo sofrendo a exploração dos poderosos, carregadas de tributos e sujeitas à inclemência dos ritmos agrícolas, quando não à violência das pestes, e com a tutela do Santo Ofício cerceando as liberdades 23... mas era essa mesma Évora, a Liberalitas Julia dos romanos, tão enaltecida durante o Renascimento, transformada numa urbe de «ambiente fervil e dogmático», tal como a definiu Túlio Espanca 24, que vivia nestas décadas de transição do século XVI para o XVII, ao receber D. Teotónio de Bragança como seu Arcebispo, uma fase de maior confiança e de «cunho novo», sob o signo do Concílio de Trento. Se a cidade de Évora nunca teve, nem podia ter, a pujança e desenvolvimento de uma capital como Lisboa, conseguiu com o Arcebispo D. Teotónio moldar­­‑se, em termos de imagem e condutas, ao figurino da Roma Felix de Gregório XIII e sobretudo de Sisto V, assumindo um estatuto que é de certo modo cotejável, no caso português, com o de «principato della religione 21

Fig. 2

Christiana», «sede stabilita da Dio… in un templo grandíssimo et enorme‑ mente splendido», tal como dizia o secretário papal Antonio Maria Graziano num rasgado elogio ao pontificato sistino 25. É essa cidade orgulhosa e desenvolvida que desponta, no final de Quinhentos, como um exemplo polar, unindo memória, tradição, crescimento e modernidade, afinados entre si com uma espécie de consciência senza tempo, aos modos da Roma papal, centro nevrálgico do catolicismo e umbilicus mundi da humanidade. 1 . 2 . N ova s l i n g u ag e n s pa r a u m a s o c i e d a d e c o n t r a­­‑ r e f o r m i s t a

Fig. 1

Foi neste ambiente de abertura artística e de mundialização, fiel aos pergaminhos históricos da cidade e ao triunfo do Catolicismo, e reflexo também de um micro­­‑cosmos atentíssimo ao processo das Descobertas, que D. Teotónio exerceu o seu múnus. Tal ambiente de ostentação, conhecia­­‑o já, de alguma forma, do Paço de Vila Viçosa, sede da corte dos Bragança, onde tantas vezes recolheu em tempo de veraneio, a ponto de escolher artistas (arquitectos, pedreiros, ourives, pintores) que aí actuavam, para realizarem na Ebora Colonia Romana alguns empreendimentos em igrejas e conventos do Arcebispado. O Arcebispo era um Bragança e, no fim de contas, sendo desprendido pela vocação tridentina, e austero pelo temperamento, não deixou de se rodear de uma vivência imponente, própria dos grandes senhores do tempo. As despesas miúdas revelam a intimidade da sua corte, onde havia pagens, sangrador, barbeiro, alfaiate, cocheiro e pintor privativo, além de secretário permanente e de fiéis capitulares a darem cumprimento às suas ordens. Nesse contexto, o acento nas grandes realizações artísticas e numa actualização dos modos de decorar – olhos postos na Roma dos papas, de Gregório XIII (1572­­‑85), a Sisto V (1585­­‑90) e a Clemente VIII (1592­­‑1605) – foi referência decisiva. Com ele, a aplicação das directivas conciliares de Trento não se resumiu a novos dispositivos de organização da Igreja, nos 22

aspectos espiritual e temporal, ou de controlo da sua estratégia imagética, antes incorporaram uma reflexão profunda sobre as bases histórico­­‑arqueológicas do Cristianismo no território eborense sob sua jurisdição. É certo que, sendo a fidelização do decorum uma das obsessões programáticas de todos os prelados tridentinos, D. Teotónio de Bragança tomou, de modo muito zeloso, as rédeas desse combate ao falso dogma, cumprindo assim, tal como escreveu Flávio Gonçalves 26, aquilo que era uma das dinâmicas comportamentais da hierarquia católica de então: «a Igreja apoderou­­‑se nesse período do comando da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis e de promover uma iconografia de combate, de testemunho e de catequese». A par dessa defesa do papel didascálico das imagens sagradas contra o que poderia ser considerado formosura dissoluta, ou falso dogma, D. Teotónio de Bragança soube desenvolver dinâmicas precisas no campo da construção, tanto sacra como civil. Assim, aplicou na sua acção pastoral, em moldes pioneiros, o conceito e a prática do restauro histórico (tal como, desde Roma, defendera o Cardeal Baronio) usando­­‑o em vários santuários alentejanos com alegadas origens paleo­­‑cristãs. Utilizando nesse entendimento, e nessa reforma do papel atribuído à Arquitectura, a experiência e pramatismo dos seus arquitectos – fossem os velhos mestres «henriquinos» Mateus Neto e Jerónimo de Torres, fosse o famoso arquitecto da corte, Nicolau de Frias, fosse sobretudo o mais jovem Pero Vaz Pereira, um portalegrense mandado por ele formar na própria Roma 27 –­ o Arcebispo ergueu novos santuários junto a velhas estruturas de origens difusas (como sucedeu na aldeia de São Manços) e reformulou algumas das igrejas góticas da cidade (como São Tiago, por exemplo), conferindo­­‑lhes um gosto mais consentâneo com o que ele entendia ser uma espécie de espacialidade comunitária. Era esse o sentido de uma arquitectura sacra de novo tipo com que pretendia polvilhar as vilas e aldeias do seu território. Em espaços litúrgicos de claro sentido tridentino (como sucedeu nas obras novas da capela­­‑mor e Sacristia Nova dessa Sé 23

Fig. 57

de Elvas, de cujo desenho se incumbiu o citado Pero Vaz Pereira, para o efeito mandado várias vezes à cidade raiana, entre 1599 e 1609) 28, D. Teotónio assumiu a opção por um gosto depurado mas cenograficamente atractivo, sequaz da doutrinação de Carlos Borromeo nas Instructiones Fabricae et Supellectilis Ec‑ clesiasticae (1577) e que contrasta à evidência com as estruturas gótico­­­‑manuelinas prevalecentes no conjunto dessa Sé raiana. Na arquitectura monacal, no caso da igreja do mosteiro de freiras clarissas do Salvador de Évora, ou no caso do novo mosteiro de carmelitas descalços de Nossa Senhora dos Remédios, de que lançou as estruturas e impõs traças de «estilo chão», dentro de um racional funcionalismo que reflectia os pretendidos valores tridentinos do decorum. E na magna fachada do mosteiro de Scala Coeli, sua obra maior e primeira sede de cartuxos em Portugal, assumiu na escolha da traça, de base serliana, um modelo neo­­­‑antigo inspirado na tradição construtiva constantiniana e seguindo os gostos prescritos, por exemplo, em igrejas de Domenico Fontana, o arquitecto de Sisto V. Já para os interiores de todos os lugares de culto da Arquidiocese, defendia uma linguagem mais exuberante, em contraste com a austeridade dos exteriores e com o pragmatismo despojado das linhas arquitectónicas, recorrendo a verdadeiros programas de arte total onde a talha dourada epimaneirista, a obra de massa relevada, o stucco, o esgrafito, o azulejo e a pintura a fresco se unem em soluções de forte originalidade no sentido de moldurarem paredes e coberturas, ritmarem alçados e criarem um gosto ornamental de novo tipo, por certo inspirado nas igrejas romanas da era de Gregório XIII e de Sisto V, que o prelado bem conhecia. D. Teotónio pudera acompanhar de visu a renovação sofrida no património religioso da Cidade Papal, entre a fidelidade ao antigo e a busca de um novo tipo de proselitismo construtivo assente na memória histórica, e introduziu esse gosto nas práticas construtivas da sua Diocese. É por isso que a Évora do fim do século XVI se equipara à imagem de uma Nova Roma, orgulhosa dos seus pergaminhos e dos seus monumentos 29. As novas construções teotoninas pon24

tuam com processos de renovação de velhas igrejas medievais, caso da igreja de São Tiago, no coração da cidade, que perde assim o seu carácter gótico e se assume, com o novo projecto construtivo posto em prática, um espaço de racionalismo tridentino, dentro do desejo do Arcebispo de que as naves das igrejas fossem verdadeiros auditórios das e para as comunidades 30. Pelo mesmo processo passam as igrejas matrizes do Redondo, do Lavre e de Évora­­‑monte, e vários templos das freguesias rurais de Nossa Senhora da Graça do Divor e de São Pedro da Gafanhoeira, entre muitas outras, bons exemplos deste gosto teotonino, aliás seguido depois, com idênticas tipologias de construção, em tantas paróquias e casas monacais da Arquidiocese durante o múnus dos seus sucessores D. Alexandre de Bragança (1602­­‑1608), D. Diogo de Sousa (1610) e D. José de Melo (1611­­ ‑1636) e mesmo nos períodos de sede vacante. Os cuidados em equipar todos estes lugares de culto com paramentos litúrgicos de aparato leva D. Teotónio a privilegiar não só o serviço de mestres bordadores, como o espanhol António Garcia, mas a realizar também grandes encomendas em Roma e em Florença, que envolveram somas consideráveis e de que dão conta alguns dos documentos adiante recenseados. Algumas dessas obras chegaram aos nossos dias, como a casula do Museu de Arte Sacra da Sé, que integra uma cartela bordada nos sebastos com o símbolo cartuxo da Scala Coeli, ou a dalmática, com estola e manípulo, do Museu de Évora, que são do melhor que existe, de paramentaria do século XVI, na arte portuguesa. O Arcebispo chegou a enviar «amostras» de tecidos com os ornatos pretendidos para as oficinas de Florença por si selecionadas, sugerindo desenhos e com indicação expressa para que se mudassem as cores tradicionalmente usadas. O mesmo se passou com a prataria sacra, recorrendo a mestres exímios, como era o caso do ourives calipolense João Luís, ou do espanhol Andrès Taude, em numerosas encomendas para as casas por si fundadas ou renovadas. Uma dessas peças, a grandiosa lâmpada de prata que se encomenda em 1588 para a Sé de Évora, dada a fazer ao citado João Luís a partir de um 25

Fig. 25 Fig. 26 Fig. 33

Fig. 10

Fig. 13 Fig. 14

desenho do arquitecto Nicolau de Frias, pelo excepcional preço de 600.000 rs, era considerada por diversas fontes coevas «a mais bela e grandiosa lâmpada de prata que existiu em Portugal» e, pelo seu figurino, uma «invenção nova» 31, sendo muito de lamentar o seu desaparecimento na época dos saques das tropas napoleónicas à cidade. Esta lâmpada seguia a forma piramidal, de evidenciado peso simbólico e triunfalista, tão em uso na Roma de Sisto V; tratava­­‑se de um tipo bem preciso de simbologia tridentina, defendida e explicitada em tratado pelo arquitecto romano Domenico Fontana (1543­­‑1607) e ao tempo muito seguida como directriz. Assim aparece definida a referida lâmpada da Sé de Évora num dos textos que se revelam, mais adiante, no Elenco Documental deste livro: «huma custodia qua‑ drada de quatro cristais engastados nas quatro juntas larguas em baixo e aguda em cima a modo de pirâmide e no meo em baixo e em cima emcai‑ xos onde em ambas partes encaixavam as pontas ambas do osso santo de modo que estava direito e que se via muito bem por as vidraças», tal como é descrita num relato de Abril de 1591 relativo à entrada da relíquia em Vila Viçosa 32. O tratamento dado ao mestre ourives, que chegou a ter o coche pessoal do Arcebispo a ir buscá­­‑lo a Vila Viçosa, com pitanças recebidas em reconhecimento pela qualidade do seu trabalho, atesta também a liberalidade de D. Teotónio para com os artistas que o serviam. Idêntica morfologia piramidal registada na perdida lâmpada da Sé ­­– a forma de obelisco –­­ também se observa em outra peça por si ordenada e que chegou felizmente aos nossos dias: o relicário em prata e cristal que guarda a relíquia de São Manços trazida de Espanha por D. Teodósio em 1592, a qual segue a forma comemorativa, laudatória e triunfal da Roma Felix segundo as recomendações tratadísticas de Domenico Fontana 33. O modelo seguido remete para autoria escurialense: o Arcebispo recebeu a relíquia por licença especial de seu primo Filipe II e é natural que a peça fosse adaptada à tipologia das peças de ourivesaria castelhana congéneres 34. É quase certo que, tendo o Arcebispo tratado da doação da relíquia junto ao próprio Filipe II, conhecesse bem os relicários produzidos pelos ourives 26

do Escurial, inspirados nesse simbolismo all’antico em forma de pirâmide, o que leva à presunção de que a peça trazida por D. Teotónio para Évora seja de autoria escurialense e, mais, que seja a fonte de inspiração de outras que aqui se produziram com idêntica forma. Mas a responsabilidade da factura foi sua, e os custos foram por si suportados: como se vê na memória anónima intitulada Noticias do seu Governo, que lhe elogia as «grandes obras» feitas na Sé durante o seu múnus de vinte e três anos 35, «fez hum peramede (sic) donde esta a relíquia de Sam Manços, tudo isto (de) mujto presso». O recurso do Arcebispo a um escol artístico de eleição mostra as possibilidades abertas para a concretização do projecto re‑ novador tridentino do Arcebispo e será devidamente aprofundado mais adiante. Sabemos por nova documentação arquivística recenseada, por exemplo, que ele fez encomendas custosas de têxteis em Florença. Segundo a Noticia do seu governo, que temos citado, «no ano de 1592 ordenou fazer outro ornamento grande pª as festas principais pª ho qual deu ordem pera Florença e mandou pintado em papel grosso todos os xavascos e capelos de capas pera tudo vir daquela pintura, o qual ornamento tem vinte e nove capas todas das cavastras de borcado branco», e à hora da morte preparava outra encomenda caríssima de paramentos litúrgicos a serem bordados em oficinas italianas (uma florentina e uma romana), para cuja confecção mandou modelos com expressas indicações das cores a usar, mas essa sua intenção seria anulada pelo Cabido em sede vacante, que gastou o dinheiro noutras coisas 36. Também se sabe que D. Teotónio de Bragança fez aquisição de esculturas em Valladolid e em Madrid 37, encomendou obras de talha em Lisboa (sempre sob a superintendência do seu arquitecto Nicolau de Frias), comprou e mandou fazer pinturas em Roma (documenta­­‑se adiante um quadro para a Cartuxa, com ordem de encomenda em Janeiro de 1602), e adquiriu peças de prata em Castela (através de Andrés de Taude e de outros ourives). Das peças que reuniu na sua colecção e que doou ao mosteiro da Scala Coeli, conhece­­‑se um elenco parcial, que adiante se transcreve. Muitas foram, assim, as obras patrocinadas pelo 27

Arcebispo nos vinte e três anos que durou o seu múnus eborense e delas nos dá conta, entre outros textos inéditos, a referida e preciosa relação anónima intitulada Noticias do seu governo, escrita logo a seguir à sua morte com o intuito de sensibilizar os sucessores no cargo a seguirem políticas afins. Exemplos artísticos como este multiplicam­­‑se na acção episcopal de D. Teotónio de Bragança e mostram bem aquilo que ele foi e significou para os contemporâneos: um verdadeiro homem do Concílio de Trento, manifesto seguidor dos ditames conciliares em todas as vertentes do seu múnus pastoral e capaz, por isso, de qualitativamente melhorar a vivência das comunidades que dirigia sob o ponto de vista espiritual. 1 . 3 . A p i n t u r a a f r e s c o e a r e n o va ç ã o artística Saber­­‑se­­‑á adiante que também a arqueologia interessou, e muito, ao Arcebispo de Évora, não no sentido, naturalmente, em que se virá a constituír como ciência em pleno século XIX, mas como método de perscrutação do passado histórico. Assim, o acento no estudo de presumíveis origens paleo­­‑cristãs no Alentejo, dentro de uma sequência da prática do humanismo cristão, serviu a D. Teotónio razões de sobra para aprofundar uma espécie de cartografia hagiológica do vastíssimo território por si administrado. Mas a atenção do Arcebispo dirigiu­­‑se, concomitantemente, para a decoração das igrejas, cujo carácter distintivo foi acentuado com recurso à pintura mural e a outros géneros ornamentais usados numa perspectiva que chamaríamos de arte total, dentro do preceito tridentino de ars senza tempo. Sabemos que lia com atenção autores tridentinos como Carlos Borromeu e Cesare Baronio, e que trouxe de Espanha a relíquia de São Manços, um mártir considerado o primitivo epíscope eborense, o que originou uma série de manifestações artísticas com grande impacto. Por isso também, fomentou outras campanhas arqueológicas em lugares hierofânicos da Arquidiocese na busca 28

de vestígios e estruturas primevas, como nos lugares de martírio de São Torpes em Sines e das de Santas Comba e Inonimata na Tourega, ou de São Romão em terras de Brinches, e mais sabemos que recolheu (ou foi testemunha da recolha, promovida por seu sobrinho D. Teodósio) peças de epigrafia latina (as célebres inscrições ao deus lusitano Endovélico) e que definiu critérios de restauro storico, à boa maneira dos seus tão amados reformadores italianos. Trataremos adiante dessa sua política de consolidação de vestígios arquitectónicos de alegada origem paleo­­‑cristã, e das soluções com que encarou a ampliação de estruturas arquitectónicas existentes (como sucedeu nas igrejas de São Manços, São Pedro da Gafanhoeira ou Santa Maria de Machede). Estes são aspectos por demais interessantes, e muito desconhecidos, de uma personalidade verdadeiramente actualizada nas bases referenciais e nas soluções advogadas. Um dos géneros mais estimado foi a pintura mural a fresco. Desde as épocas mais remotas, a pintura mural era já uma das modalidades decorativas preferidas na produção de arte alentejana, mas veio a ocupar um papel de relevo no novo tipo de ornamentação intestina da era teotonina. O fresco fora prática dominante, no Gótico e no primeiro Renascimento, por questões climatéricas, de tradição, de durabilidade e de práxis. No século XVI, as autoridades eclesiásticas da Arquidiocese recomendavam, geralmente, que se usasse mais a pintura a fresco, em lugar de retábulos de marcenaria com painéis pintados a óleo, por ser esta a solução mais barata, duradoira e eficaz. Por isso, tornou­­‑se norma seguida tanto nas paróquias de menores recursos como em obras citadinas de maior erudição e responsabilidade. Um bom exemplo é­­‑nos dado por uma recomendação capitular do Cardeal­­‑Infante D. Henrique, em 1575, desmotivando os fregueses da igreja de São Pedro de Évoramonte a gastarem dinheiro com um novo retábulo de talha e painéis, dizendo­­‑lhes que «bastava» (sic) mandar pintar a fresco, em alternativa, um retábulo fingido na parede fundeira da ousia 38. Seguindo a boa tradição eborense das gerações precedentes, como é o caso dos frescos da cimalha da igreja da Misericórdia e 29

Fig. 43

do convento de Santa Clara (ambos tapados por opulentas telas e revestimentos de talha barroca), e da ousia da antiga igreja de São Vicente, servindo­­‑se de pintores da qualidade do neerlandês Francisco de Campos, a arte fresquista eborense continuava a ter, no declinar do século XVI, um papel preferencial por parte dos mercados da cidade. Francisco de Campos fora um pintor de óleo e de fresco de altíssimos recursos, activo para a Sé no tempo do Arcebispo D. João de Melo, para salões e oratórios do Paço Ducal de Vila Viçosa a mando dos Duques de Bragança D. Teotónio I e D. João I, e activo na Sala Oval do Paço dos Condes de Basto a mando de D. Diogo de Castro, tendo justamente falecido, vítima da grande peste de 1580, quando estava a pintar ao serviço dos Castros já que, não tendo receado a epidemia, prosseguiu os trabalhos. Ao admirar­­‑se o conjunto de tábuas que fez para os altares da Sé a mando de D. João de Melo, uma delas a Adoração dos Magos do Museu de Arte Sacra da Sé de Évora, sente­­‑se a força das alterações da concepção espacial e a ousadia das formas anti­­‑clássicas, com recurso a rovine arqueológicas ao modo de Maerten van Heemskerck e também de Giulio Romano, tudo de desenho irrepreensível, atestado na representação de peças de prata, armaria, barros ou livros iluminados 39. Pintor de óleo e fresco, Francisco de Campos é o nome mais destacado desta geração maneirista experimental que se seguiu à de Gregório Lopes e o exemplo de artista internacional que ousa surpreender­­‑nos com novas errâncias de pincel e estranhas dilatações de poses, num complicado exercício de superação da norma clássica. Os frescos da Sala Oval do Paço dos Bastos mostram­­‑no com clareza, e parece certo, também, que não seria essa Bella Maniera requintada e com laivos profanos que mais agradaria ao novo Arcebispo. Por isso, o contacto do pintor com D. Teotónio, se existiu, não foi significante em resultados nem podia sê­­‑lo, pois Campos morreu na peste do Verão de 1580. De outros pintores importantes ligados à Casa de Bragança, Giraldo Fernandes de Prado (c. 1530­­‑1592), também iluminador e calígrafo, passa por Évora no tempo de D. Teotónio e deixa 30

obra relevante de fresco na Enfermaria do mosteiro cisterciense de São Bento de Cástris (dois frescos recentemente identificados com o Calvário, integrado num altar maneirista lavrado em massa, e São Sebastião e doadora, ambos de primorosa execução). Em Évora, vivia ainda Marco António Nogueira, pintor de fresco, que era filho do pintor maneirista António Nogueira e que pintou o Arco de Alconchel, em Junho de 1583, para a Entrada de Filipe I de Portugal na cidade, uma obra fresquista elogiada pelas fontes e que custou o alto preço de 80.000 rs 40. Também servidor dos Braganças, o inglês Thomas Lewis (de nome aportuguesado para Tomás Luís) seguiu alguns anos depois os passos de Campos e de Giraldo, decorando em Évora, com exuberante programa eivado de citações ovidianas e de referências laudatórias aos Castros, dois salões do Paço dos Condes de Basto (c. 1582­­‑1585) e pintando de seguida, em Vila Viçosa, as «casas novas» do Paço Ducal (1602­­‑1603), com a saga de Perseu e Andrómeda, a história de David e Golias e outras narrações histórico­­‑mitológicas do maravilhoso e do insólito 41. Estes são óptimos exemplos de um Maneirismo aristocrático, tardio mas eivado de caprichos, com pinturas de sinal histórico­­ ‑mitológico aos modos do que se fazia em Itália no fim do século XVI. Mas existem em Évora muitas outras decorações fresquistas de qualidade, que traem a erudita formulação de que foram alvo por parte de agentes, mecenas e artistas: basta ver­­‑se o conjunto afrescado da Sacristia jesuítica do Colégio do Espírito Santo, datado de 1599, para se assinalar um testemunho especialmente cuidadoso em termos de execução plástica, de conteúdo simbólico e de programa iconológico, sobre cuja autoria adiante se falará 42. O gosto estético que se impõe no grande Alentejo com D. Teotónio de Bragança utilizou e aprofundou, assim, a antiga tradição do fresco. Usou­­‑o, naturalmente, num contexto algo afim a esse tipo de decorações, quando se tratava de decorar salões para clientes de estatuto acima da mediania, tal como se generalizara nas gerações precedentes. Assim fará José de Escovar, pintor com oficina na Rua do Raimundo e com profícua acti31

Fig. 30

Fig. 58

Fig. 55 Fig. 31

vidade fresquista em toda a Arquidiocese, quando se desloca a Elvas no início do século XVII e afresca não só a capela­­‑mor da igreja de Santa Clara como também o salão do palacete do Bailio de Malta, o Dr. Rui de Brito 43. Com estas e outras intervenções, Escovar ampliou os recursos e possibilidades da arte do fresco ao saber integrá­­‑la num tipo mais ousado de ornamentação total, dentro de um estudado espírito de bel composto com raízes italianizadas. A decoração que fez em 1605 do Refeitório do Mosteiro de São Bento de Cástris, com uma alegoria profana aos Meses e aos Elementos, por encomenda das freiras cistercienses e segundo programa do procurador da casa, Frei Pedro da Cruz, é bem sintomática desse espírito e dessa linguagem 44. São de referir outros exemplos desse tipo de ars senza tempo aplicada à Arquidiocese, com recurso à associação de frescos, stucchi, esgrafitos e azulejos fingidos, como sucede na igreja de São Brissos, verdadeira pinacoteca do novo hagiológio eborense, que o mesmo Escovar pinta, com colaboradores, e que trai essa ‘linguagem total’, a lembrar (com as devidas distâncias) algumas capelas afrescadas em Roma no tempo de Sisto V. Esse gosto teotonino, que é seguramente da responsabilidade do Arcebispo e que, sendo mais romanizado, se situa dentro de uma tipologia «reformada» (ou «contra­­‑maneirista») com maior alinhamento a um espírito neo­­‑antigo, extrapola o papel das várias modalidades artísticas, situadas dentro daquilo que exigia a reforma tridentina vigente, atribuindo­­‑lhes um papel de globalidade cenográfica, ou seja, um papel de «obra de arte total» inteligível pelas comunidades. Tal contributo, que é em si uma novidade no panorama artístico eborense, já se atesta, por exemplo, no programa com que D. Teotónio mandou afrescar a cobertura da Capela gótica de São Lourenço no transepto da Sé, que José de Escovar iria pintar em 1597, recorrendo a esse gosto neo­­‑constantiniano que era o do Arcebispo. Este é um bom exemplo desse gosto teotonino: numa composição de stucco e fresco, com molduras de obra de massa relevada envolvendo quadri riportati afrescados em que se desenvolve uma narração apologética da vida e martírio do santo, de tónus didascálico. Era esse, precisamente, o gosto do 32

que se recomendava e fazia em Roma no final do mesmo século XVI nas decorações papais afrescadas por artistas como Cesare Nebbia, Giovanni Guerra, Niccoló Pomarancio ou Giovan Battista Ricci da Novara 45 ! É interessante sabermos que essa capela catedralícea de São Lourenço acabara de receber bula de privilégio por parte do papa Clemente VIII, o que levou o Arcebispo a decorá­­‑la dentro desse gosto senza tempo que era o da cidade de Roma, vista como a umbilicus mundi, a capital da Cristandade e do Mundo. Tal como em outros casos de decorações teotoninas de que falaremos com maior pormenor, como é o caso do projecto ornamental das igrejas de Nossa Senhora da Graça de Divor e de Santa Maria de Machede, onde são outros os pintores envolvidos (um deles, por certo, Custódio da Costa), a supervisão do programa decorativo da obra da Capela de São Lourenço deve ter cabido ao seu arquitecto e escultor Pero Vaz Pereira, que estivera em Roma, e a quem é lícito tributar o desenho e o «modelo» para a ornamentação de massa e para a traça geral dos quadri riportati. Sabemos exactamente que coube a Pero Vaz Pereira definir a traça e o programa de decoração intestina de Santa Maria de Machede (traça de 1604), uma tarefa que assumira ao longo da década precedente e para a qual a sua dupla qualidade de arquitecto e de escultor ao serviço da Arquidiocese (e, de seguida, ao serviço da Casa de Bragança) o apetrechavam como a nenhum outro artista do tempo. O incremento desse tipo de linguagem artística, com raízes neo­­‑constantinianas, constitui um dos pólos de novidade e de interesse dessa renovação ideológica e estética empreendida no tempo de D. Teotónio em toda a sua Arquidiocese. E foi por isso, também, que estas décadas de transição do século XVI para o XVII foram um tempo de abundância de trabalho para os fresquistas eborenses, como não sucedeu em nenhuma outra cidade portuguesa: pintores como Marco António Nogueira, José de Escovar, Manuel de Araújo, João de Moura, Francisco António, Manuel Carvalho, Fernão Luís, Custódio da Costa ou Luís de Escovar, entre outros, encontravam nos conventos, irmandades, 33

Figs. 28-29

igrejas e oratórios da província inúmeras solicitações de trabalho. Era um tempo de encomendas multiplicadas por certo ainda que, convém dizer também, com conflitos laborais e rivalidades que os documentos deixam transpirar, mas onde alguns factos atestam a importância da modalidade: quando em 1589 José de Escovar foi acusado de ter morto sua primeira mulher Júlia da Rocha, e preso no Limoeiro com condenação de degredo para Angola, viu a pena comutada pelo facto de exercer uma actividade que era importante para o Arcebispado 46. Apesar do crime alegadamente cometido, a sua múltipla produção fresquista nas três décadas seguintes comprova de modo taxativo que a sociedade eborense lho perdoou. Para o Arcebispado era mais importante assegurar a sua actividade de decorador freesquista, que era rápida, barata e muito eficaz. Vemos D. Teotónio de Bragança, em resumo, a enriquecer substancialmente os acervos catedralíceos e das demais igrejas arquiepiscopais, a promover novos temas iconográficos, a valorizar o estatuto social dos artistas a seu serviço e a definir uma tipologia construtiva distinta da que pautara a arquitectura eborense precedente. Todo este esforço para modernizar a produção artística, qualificando­­‑a com bases históricas e segundo os preceitos da ars senza tempo, merece ser conhecido e analisado globalmente. Ele foi em suma, com as devidas distâncias, um mecenas da cultura, das letras e das artes com dimensão similar à dos seus contemporâneos D. Bernardo de Sandoval y Rojas (1546­­‑1618), Arcebispo de Toledo, ou D. Juan de Ribera (1532­­ ‑1611), Arcebispo de Valência e de Sevilha, nomes ilustres do mecenatismo artístico no contexto peninsular do chamado «largo tempo» do Renascimento 47, ou ainda de D. Frei Aleixo de Meneses (1559­­‑1617), o Arcebispo de Goa entre 1595 e 1612, uma fase de grande prestígio construtivo e pastoral do Estado Português da Índia 48. Tal como essas e outras figuras de bispos­­‑mecenas, e não sendo ele já um homem do Renascimento na acepção histórica e temporal com que utilizamos o conceito, D. Teotónio interveio de modo sólido na arquitectura, nas artes decorativas, no 34

coleccionismo e na cultura vivenciada no seu tempo, activando tanto os fenómenos de persistência, de revitalização e de ruptura, lançando novos olhares sobre a prática da religião, o mundo natural, o exercício político, o papel da mercância, a saúde pública, as estratégias da escrita e da representação do Outro, e o descobrimento arqueológico das origens e identidades. Ele foi, assim, um dos frutos mecenáticos dos ideais renovadores do Concílio de Trento e do novo gosto estético implantado na fase tardia do Maneirismo italiano, o que explica e «situa» a sua acção dentro da influência dos cânones da Contra­­‑Maniera romana. Essas linhas programáticas de novo tipo, que seguiu na sua governação, rastreadas a partir de um sólido conhecimento da Roma de Sisto V e da ars senza tempo, transformaram a Évora do final do século XVI num caso excepcional de sucesso em termos construtivos e de renovação do seu património. É certo que dispôs de um escol artístico à altura dos objectivos traçados, mas a verdade é que criou um ambiente propício ao seu trabalho, atraindo também artistas estrangeiros para assegurarem as obras pretendidas. Trata­­‑se de um campo que merece ser investigado; abundam os materiais, os fundos arquivísticos e as remanescências artísticas, e o propósito deste livro é justamente esse: dar conhecimento do mecenato deste Bragança que foi ilustre homem da Igreja no declinar do século XVI. Nesse sentido também (e apesar dos surtos de pestes ou de anos de carestia devido a más colheitas agrícolas), a cidade de Évora confirmou o seu estatuto de segunda cidade do Reino, unindo o peso da antiguidade romana e medieval aos novos e actualizados empreendimentos arquiepiscopais. Com D. Teotónio de Bragança, a velha Ebora Colonia Romana dispõs de circunstâncias privilegiadas para assumir os dispositivos tridentinos nas suas componentes fundamentais de prestígio histórico, de assistência cívica, de organização social, de memória paleo­­‑cristã e de dinâmicas de crescimento.

35

Notas 1 Cf. os textos incontornáveis de Túlio Espanca no seu Inventário Artístico de Portugal. Concelho de Évora, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 2 vols., Lisboa, 1966. 2 Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal (1495­­‑1580), Lisboa, Verbo, vol. II, 1978, pp. 76­­‑94 3 Nicolau Agostinho, Relaçam Summaria da Vida do illustrissimo, et Reverendissimo Senhor Dom Theotonio de Bragãça, Quatro Arcebispoo de Évora, Off. Francisco Simões, Évora, 1614. 4 Cf. os seguintes estudos essenciais sobre o Arcebispo: Manuel Caetano de Sousa, Collecçam de Documentos e Memorias da Academia Real de Historia Portuguesa, tomo V, Lisboa, 1725, ppp. 230­­‑255; J. Pinharanda Gomes, «O Arcebispo de Évora D. Teotónio de Bragança, fundador da Cartuxa, na Vida de Santa Teresa de Jesus», Igreja Eborense, I, 1983, pp. 7­­‑34; idem, Dom Teotónio de Bragança: Escritos Pastorais, Braga, 1984; Maria Antónia Hespanhol, Dom Theotonio de Bragança. O Primeiro Arcebispo de Évora no Domí‑ nio Filipino (1578­­‑1602), tese de Mestrado em História Moderna, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 vols., 1993; Federico Palomo del Barrio, Poder e Disci‑ plinamento en la Diocésis de Evora: el episcopado de D. Teotonio de Bragança, Madrid, Universidad Complutense, 1994; idem, «La autoridade de los prelados postridentinos y la sociedad moderna. El gobierno de Don Teotonio de Braganza en el arzobispado de Evora», Hispania Sacra, vol. XLVII, nº 96, 1995, pp. 587­­‑624, e Cátia Teles e Marques, «Os paços episcopais nos modelos de representação protagonizados por bispos de nobreza no período pós-tridentino», A Casa Senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro, FCSH e FBARJ, 2014, pp. 27-32. 5 Laurinda Abreu, «O Arcebispo D. Teotónio de Bragança e a reestruturação do sistema assistencial da Évora Moderna», in Igreja, Caridade e Assistência na Península Ibérica (sécs. XVI­­‑XVIII), Lisboa, Colibri, 2004, pp. 155­­‑165. Segundo A. F. Barata, Evora Antiga, Évora, 1909, a peste de 1579­­‑1580 provocou mais de 25.000 mortos (números extrapolados, pois Évora não tinha mais de 13 a 15.000 habitantes); além da rede hospitalar estruturada por D. Teotónio, houve também serviço assistencial por parte dos jesuítas, que criaram um hospício no Loredo. 6 Cf. Federico Zeri, Pittura e Controrriforma. L’arte senza tempo de Scipione Pulzone da Gaeta, Turim, Einaudi, 1957; Gisella Cantino, Claudio Strinati, Luigi Spezzabero e Giorgio Fulco, Roma Nell’anno 1600, in Richerche di Storia Dell’Arte, nº 10, 1980; Alessandro Zuccari, I pittori di Sisto V, Fratelli Palombi Editori, Roma, 1992; Ottavio Nicoli, Vedere com gli occhi del cuore. Alle origine del potere delle immagini, Roma, Laterza, 2011. 7 Vitor Serrão, «Impactos do Concílio de Trento na arte portuguesa entre o Maneirismo e o Barroco (1563­­‑1750)», O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquis‑ tas: olhares novos, coord. de José Pedro Paiva Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2012, pp. 103­­‑132, refª pp. 114­­‑115. 8 Susana Matos Abreu, «André de Resende, um novo Alberti ? Um ideólogo entre o “princeps” e o “architectus”, na recuperação da “Vrbs” romana de Évora (1531­­ ‑1537)», Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010, pp. 223­­‑230. 9 Vitor Serrão, «Restauro storico y sacrae imagines en Évora bajo el gobierno del arzobispo don Teotonio de Braganza (1578­­‑1602)», Archivo Español de Arte (no prelo).

36

10 Ricardo Estêvam Pereira, «A descoberta do túmulo de São Torpes em 1591», Actas on­­ ‑line do 1º Congresso de Arqueologia da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 2013. 11 Maria Antónia Hespanhol, Dom Theotonio de Bragança. O Primeiro Arcebispo de Évora no Domínio Filipino (1578­­‑1602), cit. 12 Cf. Belmiro Fernandes Pereira, «Duas bibliotecas humanísticas: alguns livros doados à Cartuxa de Évora por Diogo Mendes de Vasconcelos e por D. Teotónio de Bragança», Humanitas, XLVII, 1995, pp. 845­­‑860; e A. Aires do Nascimento, «A livraria de D. Teodósio I, Duque de Bragança», Actas do Congresso de História. Évora, IV Centenário do Seminário de Évora, 1994, pp. 209­­‑220. 13 Vitor Serrão, «As artes decorativas na colecção palaciana de D. Fernando de Castro, 1º Conde de Basto, na Évora do final do século XVI», Artis – revista de História da Arte e Ciências do Património, nº 2, 2014, pp. 8­­‑21. Cf. DOC. Nº 4 e DOC. Nº 56. 14 Arquivo Histórico da Fundação Eugénio de Almeida (doravante citado A.H.F.E.A.), Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto dom Lourenso pires de Castro que faleseo em Catalunha no lugar de fraga sem descen‑ dentes deixando por sua universal herdeira a senhora Condessa de Basto Dona Violante de Len‑ castre sua molher. DOC. Nº 4. 15 Túlio Espanca, «Visitas de Embaixadores célebres, Reis, Príncipes e Arcebispos a Évora nos Séculos XV­­‑XVIII». A Cidade de Évora, nºs 27­­‑28, 1952, pp. 139­­‑246. 16 Vitor Serrão, «Mecenas e colecções em Portugal na Idade Moderna: dos Castro da Penha Verde aos Basto de Évora, e uma encomenda em Pernambuco», in Colecções de Arte em Portugal e Brasil nos séculos XIX e XXX. Perfis e trânsitos, coord. de Maria João Neto e Marize Malta, Lisboa, ed. Caleidoscópio, 2014, pp. 22­­‑48. 17 A.N.T.T., Códices e documentos de proveniência desconhecida, nº 64. Sem data, mas aparentando ser do princípio do século XVII, logo após a morte de D. Teotónio, apresenta uma etiqueta na pasta superior da encadernação com a informação Cartuxa de Évora. Comunicação inédita do senhor Dr. Francisco Bilou, a quem agradecemos. Cf. DOC. Nº 47. 18 O múnus de D. Alexandre, homem de personalidade absolutamente oposta à de D. Teotónio, foi muito pouco significativo em termos culturais e mereceu críticas do Cabido, tanto pelas suas ausências, como pela ostentação de vida. Logo após a sua morte, o Cabido em sede vacante ordenou a demolição de um passadiço que ele fizera construír entre os Paços arquiepiscopais e a Sé para sua exclusiva comodidade. 19 Arquivo da Sé de Évora (doravante citado A.S.E.), Inventários dos bens móveis de D. Alexandre de Bragança, 1603 (PT/ASE/ME/B/002/Doc.003), cf. DOC. Nº 35. D. Alexandre era filho do 6º Duque D. João I e de D. Catarina de Bragança, que lhe doaram vários bens aquando da designação. Homem doente, passou parte dos anos de governação diocesana no Paço de Vila Viçosa, de onde despachava os assuntos pastorais. O seu múnus, num sentido oposto ao de D. Teotónio, foi muito pouco significativo e mereceu críticas, tanto pelas ausências como pela ostentação de vida. Após a sua morte, o Cabido em sede vacante apeou o passadiço que fizera construír entre os Paços arquiepiscopais e a Sé para sua comodidade. 20 ANTT, Inquisição de Évora, procº 5868. Informação da senhora Doutora Isabel Drumond Braga, a quem agradecemos.

37

21 D. Duarte, irmão de D. Teodósio II, viveu muitos anos em Espanha, e foi figura letrada, tendo custeado as edições da Etiópia Oriental de Frei João dos Santos (Évora, 1609) e da Corte na Aldeia de Francisco Rodrigues Lobo (Lisboa, 1618). O inventário de bens consta de Archivo Historico Nacional de Madrid, Sección Nobleza, Toledo – Casa de Frias, Cajas 1375­­‑1377. Ver DOC. Nº 54. Informação do Doutor Fernando Bouza Álvares, a quem agradecemos. 22 Patricia Falguières, «La société des objects» e «Lire Schlosser aujoud’hui ?», in Les Cabinets d’art et les merveilles de la Renaissance tardive de Julius von Schlosser (Leipzig, 1908), éd. Macula, Paris, 2014, pp. 8­­‑60 e 266­­‑350. 23 António Borges Coelho, A Inquisição em Évora (1533­­‑1668), Lisboa, Editorial Caminho, 1987. 24 Túlio Espanca, op. cit., p. XX. 25 Alessandro Zuccari, op. cit., p. 58. 26 Flávio Gonçalves, Breve Ensaio sobre a Iconografia da Pintura Religiosa em Portugal, sep. de Belas­­‑Artes, 3ª série, nº 27, 1973, p. 13. 27 Vitor Serrão, O Fresco Maneirista no Paço de Vila Viçosa, Parnaso dos Duques de Bra‑ gança (1540­­‑1640), Caxias, Fundação da Casa de Bragança, 2008, pp. 131­­‑136. 28 Documentação revelada em Mário Cabeças, «Obras e remodelações na Sé Catedral de Elvas (1599­­‑1637)», Artis ­­‑ Revista do Instituto de História da Arte, nº 3, 2004, pp. 239­­‑265. 29 Cf. Paulo Simões Rodrigues Apologia da Cidade Antiga. A formação da identidade de Évora (séculos XVI a XIX), tese de Doutoramento, Universidade de Évora, 2009. 30 Celso Mangucci, «Anatomia da Arquitectura da Igreja da Colegiada de Santiago de Évora», Boletim do Arquivo Distrital de Évora, nº 1, Julho de 2014, pp. 27­­‑39. 31 Túlio Espanca, «Documentos notariais inéditos e artistas alentejanos dos séculos XVI­­‑XVIII», A Cidade de Évora, 67­­‑68, 1984­­‑85, pp. 98­­‑126, refª pp. 102 e 125. 32 Biblioteca Nacional de Portugal (doravante designada B.N.P.), Reservados, Cód. 146, Relação da Entrada da Reliquia de S. Manços (em Vila Viçosa), fls. 17­­‑23. DOC. Nº 25. 33 Domenico Fontana, Della trasportatione dell’obelisco Vaticano et delle fabriche di Nostro Signore Papa Sisto V, fatte dal caualier Domenico Fontana architetto di Sua Santita: libro primo, Roma, appresso Domenico Basa, 1590. O exemplar guardado na B.N.P., cota res­­ ‑2990­­‑a, bem pode ser o que existia na Biblioteca do Arcebispo. 34 No Catálogo da Exposição De El Bosco a Tiziano. Arte y maravilla en El Escorial, comissariada por Fernando Checa Cremades, Palacio Real de Madrid, 2013, expuseram­­ ‑se peças idênticas ao Relicário de São Manços. Refira­­‑se, como curiosidade, um emblema numa gravura do livro de Sebastián de Covarrubias Orozco, Emblemas Morales, de 1610 onde se representa um obelisco muito similar ao relicário de Évora, usado como modelo num painel de azulejos de c. 1620 no Museu Nacional do Azulejo, nº invº 4191Az (catálogo Um Gosto Português, O uso do azulejo no século XVII, Museu do Azulejo, «entrada» de Alexandre Pais, pp. 273 e 279). 35 B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. No‑ ticias do seu governo. Início do século XVII. Cf. DOC. Nº 46.

38

36 Segundo mais diz essa preciosa memória anónima, escrita logo a seguir à morte do Arcebispo, «tinha então posto hum valle de dois mil e quinhentos crusados da obra para co‑ meçar outro ornamento rico em Florença o qual se não fez nem começou com sua morte. E ho cabi‑ do em Se vagãte arrecadou ho drº e se gastou no que se ordenou emtam que foi o fazerem as maças e outras coisas» (DOC. Nº 46: B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo, fls. 5 vº e 6 vº). DOC. Nº 46. 37 Biblioteca Pública de Évora (doravante citada B.P.E.), Cód. CVII/1­­‑28: Inven‑ tario de tudo o que o Arcebpo tem dado aos padres Cartuxos do Mosteiro de eScala caeli desta cidade de Evora. 38 A.S.E., Lº 2 do Governo Capitular, 1574­­‑1577 (cota PT/ASE/CSE/C/001/Lº 2), fl. 22. 39 Sobre este artista de excelentes recursos, cf. Martín S. Soria, «Francisco de Campos (?) and Mannerist Ornamental Design in Évora, 1555 to 1580», Belas­­‑Artes, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 2ª série, nº 10, 1957, pp. 22­­‑27; Joaquim Oliveira Caetano e José Alberto Seabra Carvalho, Frescos Quinhentistas do Paço de S. Miguel, Fundação Eugénio de Almeida, Évora, 1990; Vitor Serrão, op. cit. (2008), pp. 96­­‑102 e 141­­ ‑143; Maria Teresa Desterro, Francisco de Campos (c. 1515­­‑1580) e a ‘Bella Maniera’ entre a Flandres, Espanha e Portugal, tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 2008. 40 Sobre Marco António Nogueira, cf. Arquivo Distrital de Évora (doravante designado A.D.E.), Cód. III da Câmara de Évora, fls. 68 vº e 69, e Lº 252 de Notas de Bal‑ tazar de Andrade, fls. 104 vº­­‑106, com referências à sua actividade em Maio de 1582. 41 Cf. Vitor Serrão, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, e op. cit. (2008), pp. 113­­‑139 e 152­­‑155­­‑102; Filipa Raposo Cordeiro, Thomas Luis, pintor ma‑ neirista do sacro e do profano: arte, conservação e restauro. Casos de Évora, Aldeia Galega, Elvas, Idanha­­‑a­­‑Nova e Vila Viçosa – séculos XVI a XVIII, tese de doutoramento, Universidade de Lisboa, 2014. 42 Sobre estes frescos, cf. Túlio Espanca, «Notas sobre pintores em Évora nos séculos XVI e XVII», A Cidade de Évora, nºs 13­­‑14, 1947, pp. 109­­‑213; idem, Inventário Artístico de Portugal. Concelho de Évora, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1966; José Alberto Gomes Machado, «As pinturas a fresco da Sacristia Nova da igreja do Espírito Santo de Évora (1599)», Homenagem ao Prof. Augusto da Silva, Universidade de Évora, 2000, pp. 347­­‑359; Fausto Sanches Martins, A arquitectura dos primeiros Colégios jesuitas em Portugal, 1542­­‑1759, Doutoramento, Universidade do Porto, 1994; Vitor Serrão, «A série seiscentista da Vida de São Francisco Xavier do antigo Colégio do Espírito Santo de Évora: a iconografia xavieriana à luz de uma singular narração policénica», Oriente, nº 13, Dezembro de 2005, pp. 110­­‑130; Celina Simas de Oliveira, As pinturas da Sacristia Nova do Colégio do Espírito Santo de Évora. Um património a preservar, tese de Mestrado, Universidade de Évora, 2009; e Luís de Moura Sobral, «Espiritualidade e propaganda nos programas iconográficos dos jesuítas portugueses», Actas do Cong. Internacional A Companhia de Jesus na Península Ibérica nos séculos XVI­­‑XVIII. Espiritu‑ alidade e Cultura, vol. II, 2004, pp. 385­­‑415. 43 Cf. DOC. Nº 45. Vide também, sobre o pintor, DOCS. Nºs 6, 16, 18, 31, 32, 34, 39, 40 e 41. 44 Cf. DOC. Nº 40 (A.D.E., Cartório Notarial de Évora, Lº. 333 de Notas de Domin‑ gos Pires, fls. 191­­‑193). Assim se esclarece um «pequeno problema» que se arrastava

39

nos estudos sobre o fresco eborense: a correcta interpretação do monograma F. Pº + que se vê, junto a escudo armoriado, no topo do Refeitório desse convento, e que Túlio Espanca e outros autores pensaram fossem iniciais do ignoto pintor. Trata­­‑se, afinal, do nome do procurador da casa, Frei Pedro da Cruz, que nesta encomenda com José de Escovar actuou como programador desse ciclo pictórico ! Acresce a raridade deste ciclo em termos iconográficos: só se conhecem, quanto a programas artísticos portugueses com representação dos Meses e Estações do Ano, as iluminuras do chamado Livro de Horas de D. Manuel (M.N.A.A.), um ciclo de telas seiscentistas de Baltazar Gomes Figueira e Josefa de Óbidos, e a série de cobre com Meses, de fins do século XVI, conservadas na Sé de Miranda do Douro. 45 Cf. Alessandro Zuccari, I Pittori di Sisto V, cit., e Nicole Dacos, Viaggio a Roma. I pittori europei nel’500, Roma, Jaca Book, 2012. 46 A.D.E., Lº 264 de Notas de Baltazar de Andrade, fls. 94­­‑95, v. DOC. Nº 18. Ainda em Setembro de 1619 havia ecos destes acontecimentos, aquando de partilhas de bens em Estremoz com o filho, pintor Luís de Escovar (A.D.E., Lº 485 de Notas de António Gomes de Mariz, fls. 94 vº­­‑95). Assina nesse contrato Manuel Nunes, discípulo do filho de José de Escovar. 47 Fernando Marías, El Largo Siglo XVI. Los usos artísticos del Renacimiento español, editorial Taurus, col. Conceptos fundamentales para la Historia del Arte Español, Madrid, 1989. 48 Cf. Vitor Serrão, «Pintura e Devoção em Goa no Tempo dos Filipes: o Mosteiro de Santa Mónica no ‘Monte Santo’ (c. 1606­­‑1639) e os seus artistas», revista Oriente, nº 20, 2011, pp. 11­­‑50.

40

2. A personalidade de D. Teotónio de Bragança

2.1. Um príncipe da casa de Bragança D. Teotónio era o quinto filho de D. Jaime, quarto duque de Bragança, e de sua segunda mulher D. Joana de Mendonça. Nasceu em Coimbra em 2 de Agosto de 1530, e bem cedo evidenciou vocação pela vida religiosa, o que o levou a seguir estudos no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e, de seguida, no Colégio da Companhia de Jesus dessa cidade. Teve intenção de professar como jesuíta, sendo depois desaconselhado dessa escolha pelo próprio Santo Inácio de Loyola, que o chamara a Roma no intuito de poder vir a integrar a milícia da Companhia de Jesus. Esclarece o seu biógrafo Nicolau Agostinho que D. Teotónio era «homem alto de corpo, encorpado de carnes em perfeição que nem o faziam gordo, nem ficava magro: mas em huma proporção tão propor‑ cionada que, como dizem, era um homem bem posto no chão. Foi de rosto comprido, alvo e rosado, quanto bastava para ser formoso, a testa larga, a barba de rosto mui bem posta, de cabelo que parece que devia ser castanho‑ sobre louro, por ser já branco quando Arcebispo, a cabeça com calva hon‑ rada, o nariz comprido, um pouco aquilino. Era enfim tão perfeito e igual em todas as partes do corpo, que o faziam mui bem disposto e airozo» 49. … Se Nicolau Agostinho, por ser capelão privativo de D. Teotónio, dedicou o essencial da biografia do Arcebispo a esse 41

Fig. 1

Fig. 57

período de governação catedralícea, não dando informações suficientes sobre a sua vida precedente, existem dados para se reconstituir a sua passagem temporã pelo mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, considerada «naquele tempo a palestra da Nobreza» e, sobretudo, as passagens por Roma, os estudos na Universidade de Paris em 1555­­‑1559, onde se formou, e na de Bordéus, onde em 23 de Maio de 1574 recebeu o grau de Doutor em Teologia 50 . Também existe alguma informação sobre os largos trechos passados no Paço Ducal de Vila Viçosa junto do irmão D. Teodósio I, do sobrinho D. João I e dos numerosos parentes, o que deixa a impressão de que o peso artístico da vida palatina lhe inflamou os gostos e as escolhas ulteriores. Segundo Luís de Matos, o Paço de Vila Viçosa era «uma das cortes mais ilustres do humanismo peninsular em meados do século XVI» 51. Imagina­­‑se, nas palavras deste historiador, a pompa dos debates, os saraus de poesia e música, as tertúlias, parangonas livrescas e discussões estéticas e teológicas que animavam os salões palatinos: «convivamos um instante com homens de letras e de ciência, que por elas ganham a sua vida, com fidalgos eruditos e príncipes do Renascimento, que se encontram sob o mesmo tecto do Paço Ducal. Decifra­­‑se a inscrição do último cipo trazido de Terena ao Paço, abre­­‑se um manuscrito iluminado da Biblioteca de D. Teodósio, admira­­ ‑se a tapeçaria de seda e oiro dos feitos de Nuno Álvares, um quadro ou uma escultura; estuda­­‑se por outro lado a carta que o correio real acaba de entregar, num momento de preocupações políticas; toma­­‑se posição quanto à política a adoptar para com a Espanha e a França, pesam­­‑se as vantagens e as desvantagens do abandono das praças de África; Afonso Vaz de Caminha conversa em latim com Juan Fernández, como seria capaz de o fazer em grego e hebraico, em árabe ou em caldeu, se achasse interlocutor; Fernão Cardoso graceja livremente com Diogo Sigeu; discutem­­‑se as obras de Mestre Aires Barbosa e de Mestre Olmedo, de Vives e de Erasmo, trava­­‑se a disputa sobre se os nomes verbais eram necessários à perfeição da gramática; D. Teodósio dialoga em grego e hebraico 42

com Mestre Sigeu, desce até à oficina de instrumentos náuticos de António Rodrigues, dá­­‑se pressa em que Maldonado remeta a el­­‑rei a sua Tauoada de Alturas, senta o cosmógrafo à sua mesa para conversarem de astronomia; é o mesmo D. Teodósio que concebe os planos da fundação da sua Universidade em Vila Viçosa...» 52. Várias cartas do Duque seu irmão enviadas de Vila Viçosa para Frei Brás de Barros, entre 1542 e 1555, referenciam a vida de D. Teotónio passada em Coimbra, e os seus estudos no Mosteiro de Santa Cruz, onde cursou Humanidades, e recebeu lições de D. Máximo de Sousa, que em 1535 vira publicada na cidade a sua Arte da Gramática, primeira obra do género impressa em Portugal 53. Também recebeu aulas dos humanistas Diogo de Teive e Diogo Sigeu, entre outros mestres, e teve como colegas os infantes D. Duarte e D. António, o futuro Prior do Crato. Existem cartas do Duque D. Teodósio I (citando também o seu irmão D. Fulgêncio) onde se denunciam situações de mal­­‑estar que se verificaram amiúde com o comportamento de D. Teotónio durante estes anos conimbricenses, em parte porque não viam com bons olhos a sua opção pela vida religiosa 54. Uma carta de 16 de Junho de 1548, remetida a Fr. Dionísio de Morais, é especialmente reveladora de tensões envolvendo o aprendizado de D. Teotónio na casa crúzia, designadamente porque (carta de 16 de Junho de 1548) se passara para o Colégio da Companhia de Jesus sem prévia licença dos frades, o que merecia fortes reparos da parte do velho Duque seu irmão. Numa outra carta, de 22 de Agosto de 1549, o padre Francisco Mendes exige que ele nunca se ausente do mosteiro dos crúzios 55. O chamamento ao seio dos jesuítas foi intenso, mas breve, pois se desencantou; como se disse atrás. Na Cidade Papal, D. Teotónio chegou a privar com o próprio Santo Inácio de Loyola, que o desmotivaria a entrar na milícias, julgando que o jovem português se revelaria pouco fadado para se adaptar à disciplina da Companhia, como aliás recorda o seu biógrafo Nicolau Agostinho, gorando­­‑se a intenção de integrar a milícia jesuítica. Tendo optado pela formação teológica na Universidade de Paris, 43

onde estadeou, impelido pelos familiares, aí se veio a doutorar em Teologia, em 1554. Também estadeou na Universidade de Bordéus, e na de Salamanca, onde criou relações culturais, adquirindo livros e estabelecendo pontes que lhe seriam valiosos, mais tarde, já na condição de Arcebispo. Sabemos que viajou muito, durante esses anos, por terras italianas, francesas e inglesas e multiplicado contactos e conhecimentos, e conhecendo os mosteiros de cartuxos, que tanto o sensibilizaram pelo tipo de vivência eremítica, oposta à ostentação do século 56. Estava em 1554 em Londres, e aí assistiu ao casamento de Maria Tudor com Filipe II. Seu sobrinho D. Teodósio I, quinto duque de Bragança (1532­­‑1563), insistiu muito em que voltasse ao Reino, designando­­‑o para vir servir de tesoureiro na Colegiada de Barcelos, mas logo renunciou a esse cargo para poder prosseguir os seus estudos na Universidade de Salamanca, onde teve oportunidade, em 1574, de conhecer a própria Santa Teresa de Ávila e se corresponder com a reformadora do Carmelo sobre questões espirituais 57, tendo dela recebido inclusive dois livros da sua autoria, La Vida y Milagros de el glorioso padre Santo Alberto, de la sagrada religion, de nuestra Señora del Carmen e O Caminho da Perfeição, obras que virão a ser editadas em Évora a expensas do Arcebispo, a primeira em 1582, sem indicação de editor, e a segunda em 1583, nos prelos da viúva de André de Burgos 58. Tal como escrevia André de Resende a respeito de D. João II, chamando­­‑lhe pater patriae por ter ultimado a reedificação do Aqueduto romano da Água da Prata 59, poder­­‑se­­‑á investir dessa mesma imagem a figura de D. Teotónio de Bragança como mecenas e consciência viva da sua cidade, quase um evergesta (benfeitor) dotado de magnanimidade e espírito de concinnitas (a harmonia, segundo o conceito albertiano). Tratou­­‑se, assim, de um verdadeiro homem da Igreja, dotado de vasta cultura prática, universitária e livresca, mas dotado também de chama artística, e nesse sentido foi chamado em Junho de 1578 pelo Cardeal D. Henrique a regressar a Portugal para o coadjuvar, com o título de bispo de Fez, no Arquiepiscopado de Évora. 44

Mas o desastre de Alcácer Quibir, e a decorrente subida ao trono do Cardeal D. Henrique, conduzem D. Teotónio de Bragança, em Dezembro, ao cargo arcebispal. Aí dá entrada como Arcebispo a 7 de Dezembro de 1578, com recepção entusiástica da população, mas regressa à capital dada a fase de conturbação política que se vivia. No início de 1579, recebe­­‑se de Roma o pálio, que lhe é dado em solene entrega pelo Arcebispo de Lisboa D. Jorge de Almeida, em cerimónia decorrida no Mosteiro do Carmo de Lisboa. Só em Maio de 1579 veio D. Teotónio para Évora assumir o seu múnus episcopal, mas a grande peste que então grassava na cidade e nos campos leva­­‑o a refugiar­­‑se algum tempo no palácio junto ao Santuário de Vera Cruz de Marmelar, nos bons ares de Portel, de onde irá seguindo, na medida do possível, a dramática situação vivida, e estruturando o combate à epidemia, através dos seus representantes, com as medidas de assistência hospitalar, com dose de pormenores, no citado manuscrito Noticias do seu governo… Foram meses de infortúnio e pauperização, sobretudo das camadas de camponeses desprotegidos e sujeitos à fome e ao abandono, apesar das acções desenvolvidas e dos espaços assistenciais que se começaram a criar por instâncias do Arcebispo, que chegou a abrir os celeiros da Mitra para acudir aos mais necessitados. Nesse surto pestífero morreram artistas, como os pintores Jorge Dinis e Francisco de Campos, este último a trabalhar na cidade para os Condes de Basto. Desse período de trevas nos dá conta, também, o capelão e biógrafo de D. Teotónio, Nicolau Agostinho. Só com o «levantamento da bandeira de saúde», em início de 1581, afastados que eram já os perigos de contágio, regressou ao seu paço, em Évora, e começou verdadeiramente o seu múnus pastoral, com toda a eficiência. Entretanto, ainda o Arcebispo se deslocará a Tomar, em Abril de 1581, para intervir nas Cortes que elegeram Filipe II como rei, com o nome de Filipe I de Portugal, mostrando sempre uma atitude clara de apoio ao monarca espanhol, aliás a posição seguida pela maioria da nobreza e do clero portugueses, favorá45

veis à Monarquia Dual como sendo a legítima e mais adequada solução para ultrapassar a crise dinástica. Apesar dessa sua postura, observe­­‑se que em 1593, ano em que apareceram em Beja exortações a um levantamento contra o rei Filipe I, D. Teotónio impôs um «interdito» na sua Arquidiocese (a que a cidade de Beja pertencia), publicando no ano seguinte a bula In coena Domini que, segundo Fernando Bouza Álvares 60, «continha a advertência de que seriam excomungados aqueles que apresentassem à justiça secular o recurso de sentenças proferidas por julgadores eclesiásticos», o que podia ser (e foi…) considerado um desafio directo ao poder régio. Estes conflitos de jurisdição, que D. Teotónio assumiu com talento e espírito de intransigência, atingiram o clímax com a publicação do breve Clamor gravium de Clemente VIII, de 2 de Agosto de 1594. Tratava­­‑se de uma disputa pela autoridade jurisdicional, em que o Arcebispo de Évora tanto se envolveu defendendo as prerrogativas do cargo de modo inflexível, mostrando­­‑se que ele era, sobretudo, um homem da Igreja e que a ela devotava todas as suas energias. 2.2. O

múnus pastoral de

Évora

Ao assumir definitivamente as rédeas do Arcebispado de Évora, já com quarenta e oito anos de idade, essa vertente tridentina torna­­‑se especialmente clara no seu percurso. Recolheu então, como demonstraram Pinharanda Gomes e Maria Antónia Hespanhol, os conselhos teológicos de nomes como o Cardeal Gabriele Paleotti, Arcebispo de Bolonha, D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Arcebispo de Braga, e o Cardeal Carlos Borromeo, Arcebispo de Milão, autores que vão ter influência decisiva nas suas cartas pastorais, em termos canónico­­‑jurídicos, políticos, sinodais, ascético­­‑litúrgicos e de missionação propriamente dita 61. Os conhecimentos adquiridos e a solidez da formação teológica do Arcebispo conduzem­­‑no a uma governação exemplar e dando cumprimento à Constituição Apostólica de Sisto V. To46

mou cedo o pulso da cidade, assim descrita em 1596 por um dos seus teólogos diocesanos, o Dr. Francisco Rodrigues: «Evo‑ ra cabeça deste Arcebispado he huma Cidade mui insigne, e a segunda em priminencia neste Reyno de Portugal, donde os Reis delle tinhão sua Corte ordinariamente, quasi contemporânea na fundação com Roma, foy coroa‑ da de muro, torres, e barbacans pelo famosíssimo Sertorio (…) e recebeu no culto divino pregadores evangélicos desde o tempo dos Apostolos porque hum discípulo de Christo, chamado Mantyo, que dizem lhe deu agoa no dia da ultima Cea pera lavar os pés dos discípulos foy o Apostolo desta cidade, e primeiro Bispo della, e que a ornou, e esmaltou com seu sangue sendo martirizado em o tempo do Prefeito Validio…» 62. Conhecedor da importância histórica da cidade, D. Teotónio assumiu sempre uma estratégia renovadora (não isenta de pontuais conflitos com o Cabido e, também, com o Senado da Câmara e o governador militar da cidade, D. Fernando de Castro, Conde de Basto) e levou a cabo uma investigação organizada no sentido de enriquecer a Arquidiocese em termos construtivos e artísticos, deixando­­‑lhe uma marca mecenática, só em parte cumprida. Ganhou grande prestígio junto das populações pelo modo como enfrentou o surto de fome de 1579 e a peste de 1580, abrindo os celeiros da cidade aos famintos, e pela sua política assistencial, tendo fundado o Hospício da Piedade, o Recolhimento de Santa Maria Madalena e o Seminário de São Manços. Seguiu nestes empreendimentos sociais o modelo proposto pelo filantropo Miguel de Giginta (1534­­‑1588), autor do Tra‑ tado de Remedio de Pobres (Coimbra, 1579) e da Exhortación a la Compasión de los Pobres (Barcelona, 1583) e defensor das casas da caridade, espécie de estruturas de assistência com mendicidade organizada e apoio assegurado por entidades públicas e privadas. Como diz Laurinda Abreu, «o Hospício da Piedade, para pobres, o Recolhimento de S. Manços, para jovens da elite local, o Recolhimento da Madalena, para “mulheres desonestas”, os hospitais temporários para pestilentos, o apoio a incuráveis e convalescentes do Hospital do Espírito Santo, compuseram uma oferta variada, e altamente dispendiosa, custeada pelas rendas da Diocese e pelo património pessoal do arcebispo. Subja47

cente, uma visão holística do espaço social e, como objectivo, a provisão de cuidados e recursos diferenciados de acordo com o público­­‑alvo e respectivas necessidades. Doentes, expostos, presos pobres e pobres em trânsito estavam a cargo da misericórdia, que partilhava com o cabido a assistência domiciliária» 63 . Neste quadro, tinham cabimento as teses de Miguel de Giginta, clérigo de Elna, que iam no sentido de se multiplicarem pela Cristandade as casas de apoio aos desfavorecidos, onde a simplicidade da arquitectura, a boa gestão administrativa, a eliminação dos exames de pobreza e o voluntariado de ingresso fossem norma, cabendo aos pobres pedir esmolas com o distintivo da sua casa de recolhimento. Estas casas assistenciais de novo tipo relevavam o papel da instrução, da doutrina e, também, do estímulo ao trabalho em determinados ofícios. Após o nascimento da casa de caridade de Toledo, em 1580, por iniciativa do Cardeal Gaspar de Quiroga, abriram as de Madrid, em 1581, e de Barcelona, em 1583. Atento ao modelo proposto, e leitor atento do Tratado de Remedio de Pobres, D. Teotónio chegou a convidar Miguel de Giginta para vir a Évora assessorar a obra do Hospício da Piedade que pretendia criar, o que ele não pôde fazer devido a outros compromissos, e sem deixar de atender os pedidos dos carenciados, caso dos frades do Bom Jesus de Valverde que em 1594 lhe suplicavam a mercê de um moio de trigo galego 64... Mas a verdade é que, como atestam os estudos de Laurinda Abreu e de Federico Palomo del Barrio, os modelos de combate à pobreza propostos por Giginta vingaram, pelo menos no que toca ao modelo vivenciado, na organização e estatutos dos hospitais de assistência criados em Évora pelo Arcebispo 65. No final do século XVI, o sucesso dessa política de centralização contra­­‑reformista, com aplicação das normas apostólicas de Sisto V, fez­­‑se sentir tanto na sede arquiepiscopal, com seus «tres mil passos redondos dos muros adentro (com) sete mil vizinhos, que em numero fazem trinta mil moradores», como no vastíssimo território arquidiocesano, «40 legoas e 22 de largo, com duas cidades Evora e Beja e 68 villas afora mtªs aldeas e Povoações», abrangendo um total de 67 mosteiros de religiosos e 48 casas e hospitais de Misericór48

dia66, todos eles visitados pessoalmente pelo epíscope e, alguns destes, alvo de substanciais melhorias em termos de reconstrução ou de equipamento litúrgico e decorativo. Assim sucedeu, por exemplo, no convento de Jesus de Viana do Alentejo e em várias igrejas de Arraiolos, Estremoz, Mértola, Vila Ruiva, Redondo, Évora­­‑monte, Lavre, Montemor­­‑o­­‑Novo, ou na matriz de São Paulo de Pavia67, entre muitas outras, verificando­­‑se que o Arcebispo, ou os seus visitadores, ordenavam ora a pintura de sacrários novos68, ora a aquisição de têxteis, livros de missa e peças de pratas, ora a guarnição intestina das naves das igrejas com pinturas murais69, ao mesmo tempo que desaconselhavam determinadas festas consideradas licenciosas ou impunham a retirada de imagens antigas «com cabeleiras hereges», ou capazes de «suscitar o falso dogma», com outras anomalias, em estado considerado impróprio para a devoção dos fiéis70… Fica a conhecer­­‑se o modo diligente como operava, com um apertado séquito de colaboradores, com quem almoçava e reunia, discutindo a estratégia de melhoramentos a propor caso a caso. Também para a descrição dos inúmeros oratórios da cidade de Évora, e os muitos outros espalhados pelo Arcebispado, existem termos de visitações diocesanas dos anos de 1591, 1597 e 1599, realizadas por D. Teotónio e envolvendo tanto as famílias nobres eborenses, como D. Fernando de Castro, primeiro conde de Basto e governador militar da cidade, e seu filho D. Diogo de Castro, o Conde da Vidigueira, D. António de Melo, o Inquisidor António de Mendonça, o comendador Manuel de Macedo, o desembargador Martim Vaz de Castro, o cónego da Sé Francisco de Macedo, o médico André Pires, como muitos outros existentes em aldeias recônditas da província, além ainda que existiam em casas de donas viúvas, e que são devidamente descritos em atenção à sua antiguidade, recheio, aparato e «decência», com indicações precisas para o seu enriquecimento71. Obstinado no combate a tudo o que fosse contrário à fé católica, o Arcebispo era um atento vigiador dos preceitos religiosos, ora exigindo em pastoral de 1583 que «todos emendemos nossos caminhos deregindo nossas vidas àquella estrada e guardando os mandamentos de Deos»72, ora regulamentando o modo 49

Fig. 47

de realizar procissões73, ora notificando os párocos das igrejas de Coruche e seu termo, em 1593, no sentido de denunciarem a passagem de certos cristãos­­‑novos por essas terras 74, ora ainda vigiando e listando os nomes de quem não cumpria o preceito da confissão 75 ou, enfim, escrevendo em 1588 a todas as freguesias da Arquidiocese pedindo que rezassem pelo bom sucesso do exército naval que ia invadir a Inglaterra protestante e que, como se sabe, se saldou pela humilhante derrota da Invencível Armada 76. São muitas as cartas pastorais remanescentes e que nos dão conta de um epíscope com trabalho infatigável, guiado por normas proselitistas e por um fio condutor abnegado, leia­­‑se tridentino, pelo qual norteou a sua acção. Homem de sólidos princípios morais, como é por todas as fontes destacado, D. Teotónio manteve também conflitos diversos com a Inquisição de Évora, a cujos despachos raramente assistiu, recusando­­‑se mesmo a fazê­­‑lo na presença do inquisidor Dr. Rui Pires da Veiga (que seria, apesar disso, designado Bispo de Elvas, mas só em 1612), com quem as relações foram sempre tensas. Houve polémicas por causa da nomeação de representantes capitulares por si indicados (caso do dominicano frei Simão da Luz, que chegou a ser acusado de heterodoxia), os quais seriam liminarmente preteridos pelo Santo Ofício, e em questões como a hierarquia a seguir nas cerimónias religiosas e nos autos­­‑de­­‑fé77. Pretendia D. Teotónio, em suma, preservar a sua legítima jurisdição como Arcebispo, e conseguiu­­‑o em boa verdade através dos litígios constantes que manteve com os dignitários da Inquisição, ameaçando mesmo recorrer contra eles junto do Geral, para Roma. Todavia, como observa José Pedro Paiva, «tal não significa, da parte do prelado, total oposição à acção do Santo Ofício», como bem se prova pelo facto de ele ter sido chamado a Valladolid, em 1602, juntamente com os Arcebispos de Braga e de Lisboa, mandatado pelo próprio Conselho Geral do Santo Ofício, a fim de se mostrar contrário ao anunciado perdão geral que se pretendia fosse dado aos cristãos­­‑novos, já que esse perdão, segundo ele, «traria prejuízos ao Reino» e faria perigar a integridade religiosa nos territórios da Monarquia 50

Dual 78. Revela­­‑se bem nestas posições o integrismo proselitista do Arcebispo de Évora, para quem a vasta cultura e a experiência que acumulou com as viagens europeias o transformaram num verdadeiro homem da Contra­­‑Reforma. Os sólidos contactos internacionais explicam o esforço de D. Teotónio de Bragança quando, já designado Arcebispo de Évora, envidou esforços para trazer para a cidade alentejana monges cartuxos e frades carmelitas descalços, para os quais fundou casas de significativa importância. Além da fundação do mosteiro da Scala Coeli da Cartuxa, impulsionará a criação em Évora do convento de carmelitas descalços de Nossa Senhora dos Remédios, mas a sua súbita morte em 28 de Agosto de 1602, quando se encontrava em missão junto à corte, em Valladolid, onde se deslocara, impediu que pudesse assistir ao lançamento da primeira pedra dessa casa religiosa, o que ocorreu já em tempo de seu sucessor, o sobrinho D. Alexandre de Bragança (1602­­‑1608). Trata­­‑se de um importante projecto arquitectónico com traças do grande arquitecto Francisco de Mora, que desenvolveu na sua concepção um grande rigorismo de gosto «herreriano», que marcará a paisagem construtiva nacional ao longo do século XVI como uma das vertentes do «estilo chão»79. O seu cuidadoso desenho, por certo, não teria deixado de passar pela batuta e pelo aval de D. Teotónio, ainda que a sua morte inviabilizasse o acompanhamento da construção carmelita80. A morte súbita de D. Teotónio, em Valladolid, foi conhecida em reunião capitular do dia 3 de Agosto com a leitura de uma carta do Arcebispo de Lisboa, estante na cidade espanhola, em que dava conta de que falecera no mosteiro de São Francisco daquela cidade espanhola, a 29 de Julho, vítima de paralisia e apoplexia. Davam­­‑se mais pormenores através de uma segunda carta de Miguel Nunes de Abreu, desembargador da casa de D. Teotónio 81. Logo se designaram para o lugar de governador do Arcebispado o Chantre Baltazar de Faria Severim e para Provisor o Dr. Sebastião da Costa de Andrade, os quais vieram a cumprir o inventário dos bens e fazenda do defunto e a assegurar o funcionamento da rede assistencial por ele criada, o que foi cumprido apesar de certas reticências dos capitulares. A 8 de 51

Agosto, o governador eleito propôs que, pelos muitos serviços devidos a D. Teotónio de Bragança, e como acto de grande consolação para a cidade, se conservassem o hospital de pobres e as casas de convertidas por ele fundadas. Apesar de reservas de alguns cónegos, dado serem elevadas as obrigações financeiras, por receio de que o Cabido sede vacante não pudesse assumir os encargos da fazenda pontifical com essas casas, a proposta vingou, depois de Baltazar de Faria Severim assegurar o pagamento por um ano, a expensas próprias, da casa das convertidas, e de o Dr. Gregório Rodrigues de Oliveira assumir igual encargo face ao hospital dos pobres. Só no dia 15 de Agosto chegou a Évora o corpo do Arcebispo, tendo vários membros do Cabido ido a cavalo ao encontro do grupo que trazia o caixão, vindo a encontrá­­‑lo junto ao rio Xarrama, de onde seguiu em cortejo fúnebre para o Convento de Santo António da Piedade, onde foi sepultado com adequadas exéquias. Com as alterações sofridas por esta casa religiosa, que perdeu muito do seu património devido a sucessivas remodelações a seguir à exclaustração (pertence hoje ao Seminário Redemptoris Mater e a igreja foi muito alterada após 1755), deixou de ser conhecida a estrutura da capela onde o Arcebispo jaz, e nem a própria lápide que memorizava o enterramento é localizável na actualidade82. 2.3. O Arcebispo, os seus arquitectos e d e m a i s a rt i s ta s O recurso do Arcebispo D. Teotónio de Bragança a um escol artístico de eleição ­­– como foram os arquitectos Mateus Neto83, Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira, que adiante reencontraremos, os pedreiros Jerónimo de Torres84 e Jorge Pechim85, os entalhadores Ascenso Fernandes86, Gaspar Gonçalves87 e Diogo Nobre88, os pintores de óleo e fresco Francisco João89, José de Escovar90 e Custódio da Costa, o ourives João Luís91, o bordador António Garcia92, o azulejador Manuel Gonçalves93, o impressor­­‑livreiro Cristóvão de Burgos, e vá52

rios outros artistas e artífices eborenses cujas actividades vão sendo aos poucos melhor esclarecidas, como o mestre de guadamecis Domingos Martins94, o jardineiro Gaspar Mendes95, o alfaiate Luís Prego96, ou o sineiro Luís Godinho97, sem se esquecerem os mestres estrangeiros, como o neerlandês Duarte Frizão, que foi o pintor ao serviço do Arcebispo e faleceu em Outubro de 159698, o vidreiro Gaspar de Rua (Caspar van der Straeten, holandês ou de ascendência holandesa), que em 1601 fez vidraças para a igreja de Santo Antão99, o ourives Andrés de Taude, e o pintor também nórdico Isbrant de Renoy 100, activo na pintura de um retábulo para os carmelitas de Évora ­­– mostra as possibilidades abertas para a concretização do projecto renovador tridentino do Arcebispo. A sua relação com os melhores arquitectos do Reino era, aliás, inequívoca e com ritmo regular. Tal o levou a chamar a Évora, em início de 1588, o italiano Filipe Terzi (1520­­‑1597), uma celebridade do tempo, natural de Bolonha e artista ao serviço de Filipe II (I de Portugal), como «ingegnere molto sperimentato». A sua relação com Terzi foi esporádica, mas merece referência. Terzi estadeou então a Évora, numa etapa da sua viagem a caminho do Algarve, pois se ocupava então das obras de fortificação do Cabo de São Vicente, arruinada por ataques de corsários ingleses 101. Era um arquitecto estimado nos círculos dos Bragança, pois estivera cativo em Alcácer Quibir em 1578, no rescaldo da derrota de Alcácer Quibir, junto ao jovem D. Teodósio (II) e a centenas de cavaleiros da casa ducal, incluindo­­‑se nesse número de detidos o arquitecto Nicolau de Frias. Foi autor do único manual conhecido em Portugal que se dedica às ordens arquitectónicas, com inspiração no de Vignola (B.N.P., Cód. 12.956) e tracista de uma série de edifícios sacros e civis de primeira importância 102. É de crer que o interesse de D. Teotónio no parecer de Terzi se relacionasse também com as traças para o Mosteiro da Cartuxa, cujas obras se tinham entretanto iniciado, seguindo as plantas desenhadas por Giovanni Vincenzo Casale (1539­­‑1593), mas não é de esquecer que Terzi tinha debuxado, ele mesmo, uma das traças recusadas para a Scala Coeli. De fac53

Fig. 57

to, já em fins de 1587, início de 1588, se tinham analizado vários projectos (solicitados a Tibúrcio Spanocchi, Francisco de Mora, Filipe Terzi e Giovanni Vincenzo Casale), decidindo­­‑se o rei com aval do Arcebispo (ou vice­­‑versa) pela planta do frade servita florentino 103. O assunto merece discussão e a ele voltaremos no capítulo sobre a Cartuxa, já que o modelo de frontaria tripartida, que Casale apresentava no seu projecto, acabou por não ser seguido, o que deixa subentender que o Arcebispo aceitou muitas alterações ao «risco» do frade servita (recorrendo com toda a naturalidade a quem tinha seu serviço e depositava maior confiança: Nicolau de Frias) 104… Mas também é crível que, na mesma ocasião em que passa por Évora e se reúne com o Arcebispo, Filipe Terzi desse parecer sobre outras obras em curso, como a grimpa da torre, acabada de chegar de Lisboa, ou a construção do Paço Episcopal, que então decorria, não sem polémica com o Senado da Câmara e com o Conde de Basto por causa de as suas limitações restringirem o acesso livre a áreas públicas. Infelizmente, o contrato notarial de 1588 onde assinam Terzi e D. Teotónio 105, não nos elucida sobre a matéria que trazia o arquitecto bolonhês a Évora, e que, a tratar­­‑se de projecto, aparentemente se gorou 106. O arquitecto régio estava já de volta a Lisboa em Maio, seguindo para Madrid com plantas e desenhos de obras que realizava, a fim de as discutir com Filipe II. A relação do Arcebispo com Nicolau de Frias (1540­­‑1610), reverencialmente tratado como «famoso architecto» em documentação coeva 107, foi muito mais fecunda, pois se trata (como melhor se verá no capítulo seguinte) de um artista que esteve anos a fio ao serviço de D. Teotónio, tal como esteve ao serviço de seu sobrinho o Duque D. Teodósio II, em várias obras relevantes, como é o caso do desenho para o término do corpo palatino do Palácio Ducal de Vila Viçosa, cuja grande e monumental fachada do Terreiro é da sua autoria e responsabilidade e constitui uma obra­­‑prima da construção civil quinhentista na Península. Filho do escultor e carpinteiro de marcenaria Pedro de Frias 108, sogro do pintor e escudeiro régio Domingos Vieira Serrão e do enge54

nheiro militar Alessandro Massai, e pai do arquitecto Teodósio de Frias, Nicolau era um artista altamente prestigiado na corte, pois era Arquitecto das Obras da Cidade e do Arcebispado de Lisboa e, antes de ser cativo em Alcácer Quibir, passara por Roma, onde se aperfeiçoara num gosto construtivo que era já o estilo de uma arquitectura de Contra­­‑Reforma, despojada e monumental, eivada de referenciais simbólicos e laudatórios, tal como operavam então, na Cidade Papal, grandes arquitectos como Domenico Fontana, Martino Longhi il Giovane, e alguns outros. Certas obras de Nicolau de Frias, como a traça da abside da igreja do Mosteiro de Santa Marta em Lisboa, no que toca à estrutura pseudo­­‑quadrangular ainda existente 109 e com sua cobertura de stucchi maneiristas 110, ou como a imponente fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, reclamam­­‑se dessa lição romanista –­­ temperada, esta última, com contribuições poderosas da arquitectura do chamado ciclo Príncipe Felipe, bem estudado por Chueca Goitia 111 e que encontra nas obras palacianas de Luis de Vega, em Castela, um óptimo exemplo. Esse gosto, dentro de uma severidade que é a da grandiloquência despojada da Contra­­ ‑Reforma, reclama­­‑se herdeira do herrerianismo e da estapa escurialense 112, e é essa morfologia que se tentava seguir, também, nas grandes obras teotoninas, com o seu traço romano a traír, com as devidas distâncias, similitudes com certas empresas palatinas de Domenico Fontana, o arquitecto favorito de Sisto V. O Arcebispo de Évora chamou amiúde o arquitecto Nicolau de Frias, cujos serviços reclamava. Conhecia­­‑lhe bem os méritos, pois seguira sem a menor dúvida as peripécias da grandiosa obra de ampliação do Paço de Vila Viçosa, com a concepção da longa fachada do Terreiro – sobre a qual apresentamos, no capítulo seguinte, nova e valiosa documentação. É certo, assim, que Frias dirigiu a obra de construção do mosteiro da Cartuxa, ainda em vida de Casale, e a seguir à sua morte em 1593, desenhando e readaptando os planos do servita e, mais ainda, destacando o seu discípulo Pero Vaz Pereira para o término da empresa. As alterações ao primeiro projecto de Casale indicam que houve protagonismo autorizado, no sentido de sublinhar os aspectos 55

Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6

decorosos da frontaria cartuxa, que se queria monumental, mas se queria sobretudo tridentina... O certo é que Nicolau de Frias também desenhou aparatosas peças de mobiliário litúrgico para o Arcebispo, como três retábulos para a igreja de Santo Antão (o da capela­­‑mor e os colaterais, entalhados por Diogo Nobre em 1586­­‑1588) 113, a lâmpada de prata feita na Sé de Évora pelo ourives João Luís (1588), e o não menos celebrado e grandioso Sepulcro do Santíssimo da mesma Sé (também em 1588), que foi lavrado por dois bons mestres escultores e carpinteiros de marcenaria, o eborense Ascenso Fernandes e o lisboeta Gaspar Gonçalves, ambos já com longa e reconhecida actividade na cidade. Trata­­‑se de obras teotoninas onde o grau de eficiência artística rima com o da actualização de modelos, o que atesta o peso dirigista do Arcebispo. O Sepulcro da Sé desenhado por Nicolau de Frias configurou­­ ‑se como uma espécie de teatro (segundo os próprios termos do contrato) 114, com cerca de sete metros de altura e sobreposição de ordens, o jónico no andar do baldaquino e o dórico nos arcos do andar inferior. A gramática lavrada incluía almofadas lavradas ao rústico e colunas (no segundo corpo) com ornamento troçido, por certo inspiradas nos desenhos do tratado de Juan de Arphe y Villafañe (1585), de que existiam exemplares em livrarias de Évora. Havia lugar, ainda, para painéis de pintura (acaso da autoria do neerlandês Duarte Frizão, o pintor do Arcebispo) e para fina decoração de dourado e policromia (de que se desconhecem os artistas). Esta sumptuosa peça, com suas evidentes conotações funerárias e referenciais eucarísticos, era anualmente montada e desmontada na Sé e mereceu actualizações constantes, enquanto serviu a comunidade de fiéis por ocasião da Quaresma 115. Para os anos de 1588 e 1589, conhecem­­‑se elementos precisos sobre a decoração efémera que a fábrica do Cabido põs em prática no nóvel Sepulcro: incluía guadamecis, têxteis e brocados de várias cores, painéis pintados com «emblemas» cristológicos e eucarísticos, e até «papéis impressos» (pelo livreiro Cristóvão de Burgos) para decorar as pirâmides. Tratava­­‑se, segundo Paulo Varela Gomes, de uma extraordinária máquina de tipo turriforme, se56

guindo os mesmos precisos modelos que o arquitecto Juan de Herrera realizava então para o Mosteiro do Escurial (1586), ou os que Hernán Ruiz, el Joven, concebia por esses anos em Sevilha, de que é bom exemplo o modelo executado por Alonso de Maeda (1587) para a Catedral andalusa 116. Eram, estas e outras, referências artísticas conhecidas de D. Teotónio. Trata­­‑se, em qualquer circunstância, de modelo muito actualizado, e uma novidade absoluta no vocabulário artístico nacional. A relação que D. Teotónio manteve com Nicolau de Frias, e com o seu seguidor Pero Vaz Pereira, comprova o empenho do Arcebispo de Évora em acompanhar de perto os modelos e novidades internacionais da arquitectura tal como, desde a Roma contra­­‑reformista de Sisto V, ela se reconfigurava em finais de Quinhentos, com um acento de grandiloquência que inspirava as pessoas à devoção e afirmava o triunfo do proselitismo católico. Embora os condicionalismos portugueses não pudessem rivalizar com a ambiência fervilhante da Cidade dos Papas, é certo que os grandes princípios da construção romana constituíam o modelo primeiro que inspirava os estaleiros teotoninos. Por isso, as discussões sobre o despojamento e grandiloquência das fachadas, sobre a renovação dos templos e a salvaguarda do património da Igreja, sobre a recuperação dos velhos lugares de culto, sobre o papel e o sentido das ordens arquitectónicas, etc etc, eram temas que preocupavam o Arcebispo e que ele acompanhava com atenção. É revelador, a este nível, estudarem­­‑se também as bibliotecas eborenses do tempo, onde os livros de devoção eram naturalmente dominantes, organizados como espécie de itinerário moralizante, ou verdadeiros templos de cultura católica, reunindo obras que eram arsenais de argumentação contra o protestantismo, buscando na sabedoria (a da Antiguidade e a da era cristã) bases para uma ciência viva, militante e adequada aos novos tempos. Muito falta estudar ainda neste campo, reconstituindo núcleos, canais de aquisição, avaliações de acervos, estrutura organizativa das livrarias, mas é certo que a tónica dominante era o atestado de um saber de base tridentina. A breve notícia 57

que nos mostra D. Teotónio a mandar comprar livros em Cádis, ou a mandá­­‑los vir de Roma, atesta essa intenção subliminar. Naturalmente também, a Arquitectura imperava nestas bibliotecas como um dos temas preferenciais. Na livraria do terceiro e último Conde de Basto, D. Lourenço Pires de Castro, por exemplo, havia exemplares de Vitrúvio (na tradução de Cesare Cesariano), de Vignola, de Juan de Arfe y Villafañe, livros de estampas e debuxos, e obras de outros autores cuja lição não deixaria de se reflectir, de um ou outro modo, na produção arquitectónica e das artes eborenses do tempo. Também na livraria de Diogo Mendes de Vasconcelos (1523­­‑1599), um notável escritor­­‑humanista activo na Évora do século XVI, tradutor de grego e latim e também arqueólogo e coleccionista, essas presenças se assinalavam. São inúmeras as provas documentais que realçam os cuidados de D. Teotónio com a arquitectura dos templos sob sua jurisdição, como sucedeu em Janeiro de 1588 quando, tendo os membros do Cabido da Sé de Évora a intenção de assentar um novo cadeiral nas ilhargas da capela­­‑mor, mandou averiguar junto dos mais competentes mestres de pedraria activos na cidade, que eram ao tempo Jerónimo de Torres, Mateus Neto e Brás Godinho, se a obra era segura, dado envolver as estruturas seculares do presbitério medieval 117. Estava então em debate acalorado o projecto de D. Teotónio para ampliar a capela­­‑mor, que se veio a gorar. Quando se erguia, entretanto, a nova igreja matriz da vila do Redondo, por empreitada de Manuel Rodrigues, pedreiro de Arraiolos, e depois de se escolher o lugar definitivo de implantação, junto à muralha condal 118, foi o mestre Jerónimo de Torres enviado pelo Cabido eborense, em Agosto de 1583 119 e de novo em Outubro de 1588 120, para superintender às medições do templo e opinar sobre a construção que se ia fazendo, corrigindo, por exemplo, o traçado da abóbada e seguindo­­‑se, em Setembro de 1591, nova diligência arcebispal para se ladrilhar essa igreja, com indicação precisa de que o artista que faria o ladrilho «seja advertido que não goarnesa senão conforme o contrato e a traça antigua» 121. 58

Nas obras de decoração intestina da igreja de Santo Antão (a mais importante paróquia da cidade depois da Sé), dado que o Cabido custeava em um terço tais obras, a que D. Teotónio juntava réditos pessoais, o Arcebispo seguiu atentamente o processo, pedindo traças a Nicolau de Frias para pelo menos três dos retábulos, todos por mãos de Diogo Nobre, seu entalhador de eleição. O retábulo da capela­­‑mor (de 1588­­‑1591) foi obra caríssima e era imponente, tendo o entalhador recebido 100.000 rs em parte de pago, e um pintor não identificado, e que ao que tudo leva a crer era de fora (o lisboeta Diogo Teixeira ?), 300.000 rs pelos painéis realizados 122. Constata­­‑se a grande atenção com que D. Teotónio seguia estes e outros empreendimentos, pois escolhia o modelo construtivo e opinava, em termos «tridentinos», sobre o equipamento complementar da arquitectura. A vasta biblioteca de D. Teotónio, segundo os dados que possuímos, reflectia esses gostos. Os grandes clássicos lá estão, e os livros de teologia em força, assim como outros, desde a literatura de viagens à geografia do mundo. Os livros serão por ele legados, no todo ou em parte substantiva, ao Mosteiro da Scala Coeli, ou da Cartuxa, fundação sua (1587­­‑1598), conforme ao testemunho do seu cronista e a várias referências coetâneas. Entre as doações, contavam­­‑se manuscritos raros, caso do célebre Atlas (1571) de Fernão Vaz Dourado 123, e do Livro Chamado da Cartuxa, da autoria do rei D. Duarte, além de muitas preciosidades bibliográficas, como a edição grega de Aristo‑ telis Opera (Basileia, 1510), a Statuta Ordinis Carthusiensis a Domo Guigone Priore Cartusiae edita (também saída em Basileia, 1510), e o Primo Volume delle navigationi et viaggi de Ramuzio (Veneza, 1550), que mostram decidido interesse pelos temas geográficos, a par certamente dos tratadistas de Trento, de Borromeu a Paleotti e a Baronio. Chegaram aos nossos dias, segundo o projecto da arquivista Francisca Mendes realizado para a Fundação Eugénio de Almeida, seiscentos e vinte e cinco livros que eram pertença da Livraria da Cartuxa de Évora e se encontram em várias bibliotecas e arquivos portugueses; foram alvo de um levantamento 59

Fig. 8

exaustivo que aguarda publicação 124. Lá se encontram livros de Arquitectura, como uma edição do tratado de Vitrúvio de 1587 por Giovanni Antonio Rusconi e, mais rara, a de 1552 125. Na Biblioteca Central da Marinha, diz Jesué Pinharanda Gomes, subsistem alguns desses livros da Livraria cartuxa, como a Ar‑ gumenta Satyrarum de Juvenal (Nuremberga, 1497), os Comentarii Linguae Grecae de Guilherme Budé (Basileia, 1510), as Orationes de Aelio Aristides (Florença, 1517), os Historiographi Libri de Herodoto (Colónia, 1526), De Latinae Linguae Elegantiae de Lorenzo Valla (Paris, 1541), os Annalium de Tácito (Basileia, 1544), a Romanorum Historiarum de Apiano (Lutécia, 1551), Della Histo‑ rie del Mondo de Giovanni Tarchagnota (Veneza, 1562), Los Cin‑ co Libros Postreros de la Cronica Geral de España de Ambrosio de Morales (Cordova, 1586), o Tratado de la Verdadera y Falsa Pro‑ phecia de Covarrubias (Segóvia, 1588), etc 126. Quanto a Belmiro Fernandes Pereira, identificara já quarenta e oito dos livros com que o Arcebispo dotou a livraria cartuxa, como é o caso de alguns exemplares ainda localizáveis na B.P.E., na B.N.P. e em outras bibliotecas, como sejam as Meditationes Vitae Christi do pseudo­­‑Boaventura (1499), o Norte de Cõfessores de Francisco de Monzón (Lisboa, 1540), a Ecclesiasticae Rhetoricae de Fr. Luís de Granada (Lisboa, 1576), as Meditationes devotíssimas del Amor de Dios, de Diego Estella (Lisboa, 1578), o Espiritual de los Males Linguages del Mundo, de João de Avila (1589), a par de obras diversas de Heródoto, Tucídides, Aristóteles, Plutarco e Séneca, e ainda a Historia del Popolo Fiorentino, de Leonardo Bruni (Veneza, 1476), o Ortus Breviarium de Zacharias Lilius (Veneza, s/d), os Commmentariii Linguae Gaecque, de Guillaume Budé (Basileia, 1530), Delle Historie del Mondo, de Giovanni Tarchagnota (Veneza, 1576), Los Cinco Libros Postreros de la Coronica Geral de España, de Ambrosio de Morales (Cordova, 1586), e o Thesarus Geogra‑ phicus, de Abraão Ortelius (Veneza, 1587), entre muitos outros 127 . Alguns destes exemplares têm a preciosa indicação de serem procedentes da Livraria da Cartuxa: «Livro da Cartuxa de Scala Coeli de que o ilustríssimo e reverendíssimo D. Teotónio de Bragança, ar‑ cebispo de Évora, lhe fez doação, sendo fundador da mesma casa» 128. Da 60

biblioteca do Mosteiro do Vale da Misericórdia de Laveiras, que é de presumir tivesse também recebido alguma dotação livresca por parte de D. Teotónio ou, indirectamente, através dos padres de Scala Coeli, restam algumas obras na Biblioteca da Academia Nacional de Belas­­‑Artes, entre elas um tratado de Arquitectura de Andrea Palladio. A respeito do celebérrimo Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado, e do modo como ele entrou na posse de D. Teotónio de Bragança, que o doou à livraria da Cartuxa, tudo são conjecturas. Face às indicações escritas no frontispício, sabe­­‑se que pertenceu aos nobres Costas, pelo que se supõe ter sido oferecido a D. Francisco da Costa (1532?­­‑1591), um protegido de D. Luís de Ataíde que foi nomeado Capitão de Malaca em 1564 mas só entrou na posse do cargo em Janeiro de 1571, tendo ficado três anos nessa praça, e que depois morreu cativo em Marrocos 129. Este D. Francisco da Costa era escritor (autor do Cancioneiro de Dona Maria Henriques) e poderia ter ofertado a obra ao Arcebispo D. Teotónio, ao regressar a Portugal em 1575, antes da sua trágida partida para o Maghreb. Outra hipótese que pode explicar a posse do Atlas, nunca antes aventada, tem a ver com a figura de D. Constantino de Bragança (1528­­‑1575), irmão de D. Teotónio, que foi vice­­‑rei da Índia de 1558 a 1561, e que bem poderia ter tomado posse do códice em Lisboa, por mãos do próprio Vaz Dourado, o que explicaria o modo como chegou ao poder dos Braganças e aparece de seguida, por oferta do Arcebispo de Évora, na Livraria da Cartuxa. O códice conservou­­‑se durante séculos como um dos tesouros da livraria dos monges cartuxos de Évora, sempre ligado ao nome do seu ofertante, sendo já referido em 1652 pelo padre Jorge Cardoso, como estando na livraria dos monges de São Bruno 130 e em 1747 por Diogo Barbosa Machado, na Bi‑ bliotheca Lusitana, dizendo este autor o seguinte: «Fernando Vaz Dourado igualmente perito no exercício das Armas, sendo Fronteiro nas terras de Goa, como versado na Geografia, escrevendo Mapamundo, que trata de todos os Reynos, terras, Ilhas, que há na redondeza da terra com suas derrotas, e alturas por esquadria. Em Goa 61

1571. fol. O original se conserva na Livraria dos Monges Cartuxos do Convento de Scala Coeli de Évora. Consta de regras, e princípios da Hydrographia com mapas de todo o mundo primorosamente illuminados de cores, e ouro» 131. Com a extinção das Ordens Religiosas em 1834, alguns tesouros da Cartuxa de Évora vieram para Lisboa. O Atlas de Vaz Dourado foi incorporado no Arquivo da Torre do Tombo, depois de algum tempo na Biblioteca Nacional, onde é referenciado logo em 1835. Muitas vezes reproduzido e estudado, o Atlas Universal de Vaz Dourado será alvo de análise minuciosa por Armando Cortesão no vol. III dos Portugaliae Monumenta Cartographica, em1960, e por João Carlos Garcia em livro recente e que é referência incontornável para a matéria132. Embora não exista hoje nenhuma descrição com o rol dos livros que integravam a farta livraria do culto Arcebispo e passaram para Scala Coeli –­­ o que é de lamentar pois nos impede de poder cotejá­­‑la com a grandiosa livraria do seu irmão D. Teodósio I no Paço de Vila Viçosa 133, ou com a dos Castros, que existia no paço eborense dos Condes de Basto 134, cujos inventários se conhecem ­­–, a verdade é que ela era importantíssima e diversificada de interesses. Vários indicadores o atestam, e muitas são as existências que chegaram aos nossos dias, dispersas pore diversas bibliotecas. Tudo foi desmantelado em várias fases, sobretudo com o saque das tropas francesas, no início do século XIX, e após a exclaustração135. Alguns elementos arquivísticos permitem reconstuir outras obras da livraria cartuxa. Para a nova livraria dos padres da Cartuxa o Arcebispo comprou e ofereceu, entre 1590 e 1593, uma série estimável de livros litúrgicos, incluindo exemplares da Bíblia de Sisto V e várias obras de Frei Pedro de Alcântara, de Frei Heitor Pinto, de Jerónimo Osório, e duas Sumas de Manuel Rodrigues, além de abundantes livros de coro136. Alguns desses livros foram adquiridos em Bordéus e vieram por barco até Cádis, cidade onde D. Teotónio fez deslocar, em Dezembro de 1595, o seu criado Domingos Ferreira, precisamente para ir «buscar huma caixa de livros de canto da Cartuxa que vieram de Fran‑ 62

ça»137. Não era a primeira vez que o fazia; parece deduzir­­‑se que o serviço prestado por este criado do Arcebispo ao ir buscar obras vindas de livreiros franceses era comum. A dinamização da actividade tipográfica em Évora, já intensa durante os governos episcopais do Cardeal D. Henrique, intensifica­­‑se no final do século XVI. Os tipógrafos da família Burgos exercem a sua arte da impressão, publicando obras para o Arcebispo e para a Universidade, para as confrarias, os mosteiros e os círculos de humanistas. Maria Antónia Conde assegura que, a partir de 1540, se estabelecem na cidade sete impressores e quinze livreiros 138. O livreiro André de Burgos, talvez o mais relevante, exerceu a sua actividade de impressor entre 1553 e 1578, pelo menos, tendo usado o título de «impressor e cavaleiro da casa do Cardeal Infante», mas nem por isso evitou problemas com a Inquisição, a primeira vez por imprimir cartas de jogar, em 1559, e a segunda por editar serm licença o Livro do Rosario de Frei Nicolau Dias, em 1576. Apesar disso, era respeitadíssimo e imprimiu na sua oficina cerca de cinquenta obras. Teve continuidade na obra dos filhos, Martim de Burgos, activo até 1597, e Cristóvão de Burgos, falecido em 1629. Eram vergônteas de forte tradição familiar, cuja importância na vida da cidade ficou grafada na própria toponímia139: Coube à viúva de André de Burgos prosseguir o ofício de seu marido e será ela quem publica, em 1583, o Tratado que escrivió la Madre Teresa de Jesus, de Santa Teresa de Ávila, obra editada a expensas de D. Teotónio de Bragança. Sabemos que as relações entre livreiros, impressores, escritores e artistas eram então muito próximas, quando não existiam mesmo vínculos familiares; por exemplo, Francisco João, um dos melhores pintores da cidade, era genro de Domingos Filipe 140, um importante livreiro com loja situada na Praça do Giraldo. Foi por iniciativa de D. Teotónio, e também à sua custa, que foi impresso em Évora em primeira edição o livro de Santa Teresa de Jesus (ou de Ávila) Camino de Perfeción, e também a expensas suas foi mandada imprimir a obra Cartas que os Padres, e Irmãos da Companhia de Jesus escreverão dos Reinos do Japão, e China, 63

e os da mesma Companhia, de tão grande interesse para o conhecimento dos «mundos novos» a Oriente. Aliás, com esta obra se relaciona o grande esforço de missionação em terras do Extremo Oriente, a que os jesuítas metiam então ombros, e de que o tecto pintado da Sacristia do Colégio do Espírito Santo é um óptimo exemplo, por desenvolver um programa iconológico e simbólico eivado de referenciais asiáticos e em uníssono com as expectativas no seu sucesso. O interesse pelos estudos sobre a China e o Japão, aliás extensível a outros ilustres eborenses do tempo, como os Condes de Basto, encontrou em D. Teotónio de Bragança um forte impulsionador, através das obras que fez publicar na imprensa eborense, então em fase de apogeu, e através do apoio declarado aos esforços missionação jesuítica na Ásia. A opulência destas lojas que na cidade vendiam livros – a loja dos famosos Burgos, por exemplo ­­– é atestável por diversas referências sobre a sua buliçosa actividade e procura por parte de muitos interessados, de dentro e de fora de Évora; tinham equipamento mobiliário faustoso, aliás uma prerrogativa comum, também, às farmácias eborenses do tempo, como era o caso da loja do boticário Diogo Ribeiro, que por um precioso contrato de 29 de Novembro de 1582 se obrigou com o nosso muito referido mestre carpinteiro de marcenaria Diogo Nobre, a este artista (autor de tantas e boas obras de talha para o Arcebispo e para as casas religiosas da cidade) fizesse na sua loja um forro de madeira com estantes e prateleiras, devidamente descrito na obrigação e, ao que parece, seguindo uma traça pré­­‑determinada para a utilização pretendida 141. Era este tipo de equipamentos que tornava a Évora da Contra­­‑Reforma uma urbe apelativa aos homens de artes e letras que a ela afluíam, pela magnificência dos seus serviços, antiguidade do seu património e ainda, apesar de tudo, um ambiente propício ao debate de temas humanísticos, ainda que subordinados, estes, aos novos ditames de Trento. Se D. Teotónio não redigiu nada, que se saiba, a respeito da arquitectura de que gostava, é certo também que escreveu livros de temário sacro, ainda que pouco remanesça a este respeito: conhecem­­‑se referências a uma Epistola ad Gregorium XIII, que 64

saíu impressa no tomo V da História Genealógica da Casa Real Por‑ tuguesa de D. António Caetano de Sousa; um Regimento do Auditó‑ rio Eclesiástico do Arcebispado de Évora, editado em Évora em 1598; e uma Pastoral passada a 30 de maio de 1601 da India, e Europa, des‑ de o ano de 1545 até o de 1580, espécie de cartografia de viagens organizada em dois tomos, saída em Évora em 1598. Todos estes títulos confirmam, mais uma vez, o seu perfil de homem da Igreja, de ressaibos absolutamente tridentinos, e também o seu interesse e empenho nos temas do Oriente e no esforço de cristianização dos «mundos novos», a que a Companhia de Jesus já metera ombros. São abundantes na figura de D. Teotónio os sinais de um gosto estético actualizado e esclarecido, dentro dos preceitos da Contra­­‑Maniera tridentina, adoçados pelas visitas feitas em Roma e Florença e que atestam esse conceito de Res publica christiana que ousou aplicar a Évora, em nome do retorno a uma antichitá christiana que ganha vulto no pensamento teotonino e explica as opções construtivas ­­– aliás, fazendo eco do tipo de arquitectura que pelos mesmos anos se erguia no Paço de Vila Viçosa, governada por seu sobrinho D. João I, 6º duque de Bragança, e de seguida pelo seu sobrinho­­‑neto e 7º duque, D. Teodósio II, com recurso à mesma mão­­‑de­­‑obra aí activa, tal como recentemente se provou. É a esta luz que se percebe a presença em Évora, como se referiu, de figuras gradas de arquitectos de corte como Filipe Terzi, Baltazar Álvares e Nicolau de Frias, todos eles ouvidos em processos de obras para o Arcebispado (e mais que ouvidos, no caso do último…), sem esquecer a presença do frade servita florentino Giovanni Vincenzo Casale que fez as primeiras traças do Mosteiro da Cartuxa e a quem se deveu o essencial dessa construção tal como chegou aos nossos dias, conhecendo­­‑se, como já se disse, os planos e desenhos, assinados pelo próprio Arcebispo 142. É evidente, segundo diz o historiador de arte Miguel Soromenho, a marca de grande unidade orgânica que se pressente quando se vê a frontaria do mosteiro cartuxo de Évora, a qual mantém similitudes com os precedentes edifícios eborenses do65

Fig. 4

tados de frontarias com pórtico externo, assim como influências marcantes da arquitetura romana tridentina, com acento na retoma de uma tipologia de exonártex com óbvias reminiscências paleocristãs. Existe inspiração, também, sacada por Casale de alguns desenhos do concurso para a fachada florentina de San Lorenzo, promovido em 1515 pelo papa Leão X, o que leva à presunção de que o arquitecto italiano tomou nesse concurso algumas soluções formais para o projecto inicial apresentado a D. Teotónio de Bragança. Mas o que predomina mesmo na fábrica cartuxa é a intenção subliminar de construir um edifício com claras referências a uma inequívoca antichità christiana, de novo recorrendo a um modelo de fachada com ressonâncias paleo­­‑cristãs 143. Com D. Teotónio de Bragança, a tipologia construtiva da arquitectura sacra altera­­‑se de modo significativo na Arquidiocese de Évora. As fachadas, se bem que mais rigoristas e austeras, retomam o uso das duas torres laterais (ausentes da arquitectura eborense desde a magna obra da igreja de Santo Antão, dirigida por Miguel de Arruda, Manuel Pires e Afonso Álvares 144) e desenvolvem­­‑se agora novas soluções de utilização, em contexto cristão, da ordem dórica, convergentes com a linguagem pagã e seguindo, nesse aspecto, o livro 4º do Tratado de Sebastiano Serlio (1552) na sua defesa dessa ordem clássica, «tão estimada pelos antigos para cultuar Júpiter, Marte ou Hércules e do mesmo modo recomendada na construção tridentina para sublinhar o valor heróico dos santos mártires da cristandade» 145 . É esse uso da ordem dórica, tanto em estruturas complexas de pedraria lavrada como em soluções simplificadas de obra de massa, que prevalece nas igrejas paroquiais erguidas ou renovadas na era teotonina e que vieram alterar, indiscutivelmente, a paisagem arquitectónica alentejana. Outras características distintivas merecem ser destacadas. Algumas fachadas erguidas nestes anos retomam o uso de robustos pórticos clássicos adjacentes à frontaria (tal como sucedera no modelo jesuítico da igreja do Espírito Santo, por Diogo de Torralva, Afonso Álvares e Manuel Pires, ele mesmo um mo66

delo derivado da tipologia gótico­­‑manuelina da igreja de São Francisco de Évora…): citem­­‑se o belíssimo exonártex da igreja de Nossa Senhora da Graça do Divor (c. 1595­­‑1600) ou, mais simplificado, o da igreja de São Sebastião de Évora (1599­­‑1600), por exemplo. Observam­­‑se também soluções inovadoras ao nível da organização dos estaleiros de obra, como o facto de, em muitos casos, se manterem as capelas­­‑mores góticas (no caso de São Tiago de Évora, ou em São Pedro da Gafanhoeira) e as velhas estruturas altimediévicas (em São Manços), sendo utilizado pela equipa de pedreiros um inovador modus operandi de reconstrução: ou seja, seguiam­­‑se obras com faseamento parcelar, mantendo as velhas estruturas a demolir enquanto se ia erguendo, em sua envolvência, o corpo unívoco das novas igrejas­­‑caixa, e só quando estavam concluídas se procedia à demolição de tais preexistências. Assim se passou no caso da reconstrução da igreja de Santa Maria de Machede na empreitada dirigida pelo arquitecto Pero Vaz Pereira 146. Dominou sempre a tese, com directo acento arquiepiscopal por parte de D. Teotónio, de que os corpos dos templos são auditórios de sermões e, como tal, precisam tanto de uma espacialidade eficaz como de um programa decorativo catequético. Foi essa a norma seguida. O apoio dado pelo Arcebispo aos artistas que o serviram, ou intervieram nas obras por si patrocinadas, transparece da documentação reunida e já foi, de resto, indicado nos casos, por exemplo, de Nicolau de Frias ou Pero Vaz Pereira, seus arquitectos. É de lamentar que nos faltem as listas de mercês aos servidores da casa de D. Teotónio, sabendo­­‑se que, para além de homem da Igreja, era um senhor da casa de Bragança e vivia com os seus pagens e a sua apertada corte episcopal; todavia, o facto de se conhecerem alguns nomes, como o do pintor Duarte Frizão, pintor da casa do Arcebispo, permite­­‑nos reconstituir uma parte dessa ambiência de esplendor. Há pormenores por demais curiosos, como o que sucedeu em 1588, estando já encomendada a obra da lâmpada de prata para a Sé, quando mandou vir de Vila Viçosa o mestre ourives João Luís e man67

Fig. 33

dou Cláudio, seu cocheiro privativo, buscar o artista no seu coche: «Deu o Recebedor a Claudeo, cocheiro do Arcebispo, quatro centos rs pª gastos que fes no caminho de Villa Viçosa com o carro que foi busquar João Luis, ourives de pratta, pª fazer a lâmpada de prata, entre as quais 400 rs se lhe deram a mais (…) do que acharão noutra adição porque disse que gastara mais» 147. O codicilo do testamento de D. Teotónio de Bragança, datado de 16 de Abril de 1602 148, e a outra versão que subsiste no fundo conventual da B.P.E. 149, mostram que o Arcebispo, temente da morte aquando da última viagem (e depois de alterar a intenção de vir a ser enterrado no Colégio dos jesuítas de Valladolid, caso falecesse na viagem, e optando expressamente pelo mosteiro franciscano de Santo António da Piedade em Évora), preveniu o futuro dos seus empreendimentos conventuais e hospitalares, assegurando medidas para o seu normal funcionamento e prossecução de obras. Tal aspecto, porém, revelar­­‑se­­‑ia pleno de engulhos, como nos conta com dose de pormenores o biógrafo padre Nicolau Agostinho, surgindo dificuldades de ordem diversa no cumprimento das últimas vontades de D. Teotónio de Bragança, o que levou ao empenho pessoal de alguns ilustres da cidade, como o cónego Baltazar de Faria Severim e, mais tarde, seu sobrinho o chantre Manuel Severim de Faria…

68

Notas 49 Nicolau Agostinho, op. cit., pp. 79 vº e 80. 50 Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, pp. 78­­‑115. 51 Luís de Matos, A corte literária dos Duques de Bragança no Renascimento (conferência proferida no Paço de Vila Viçosa em 15 de Outubro de 1955), Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1956, p. 25. 52 Idem, ib., pp. 25­­‑26. 53 J. Pinharanda Gomes, Dom Teotónio de Bragança (Escritos Pastorais), Braga, 1984, p. 10. 54 B.N.P., Reservados, MS. 250, nº 42 (fundo de cartas autógrafas respeitantes à educação de D. Teotónio no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra). 55 B.N.P., Reservados, MS. 250, nº 42. 56 J. Pinharanda Gomes, «O Arcebispo de Évora D. Teotónio de Bragança, fundador da Cartuxa, na Vida de Santa Teresa de Jesus», Igreja Eborense, I, 1983, pp. 7­­‑34. 57 J. Pinharanda Gomes, op. cit. 58 Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, pp. 286­­‑298; e J. Pinharanda Gomes, op. cit., pp. 34­­‑35. 59 Cf. a este respeito Francisco Bilou, A refundação do Aqueduto da Água da Prata em Évora, 1530­­‑1537, Lisboa, Colibri, 2010. 60 Fernando Bouza Álvares, Portugal no tempo dos Filipes. Política, Cultura, Representações (1580­­‑1640), Lisboa, Edições Cosmos, 2000, pp. 127­­‑146. 61 J. Pinharanda Gomes, op. cit. (1984), e Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, p. 133 e segs. 62 B.P.E., Fundo Cunha Rivara, Arm. V­­‑VI, nº 12, peça 5; cf. Túlio Espanca, «Miscelânea Histórico­­‑Artística», A Cidade de Évora, 19­­‑20, 1949, p. 174. 63 Laurinda Abreu, op. cit., p. 172. 64 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 85, nº 26, fls. 134­­‑135. 65 Cf. Laurinda Abreu, op. cit., 2004, pp. 155­­‑165; idem, O Poder e os Pobres. As dinâ‑ micas políticas e sociais da pobreza e da assistência em Portugal (séculos XVI­­‑XVIII), Lisboa, Gradiva, 2014; e Federico Palomo Del Barrio, op. cit., 1995, pp. 587­­‑624. 66 Túlio Espanca, op. cit. (1949), pp. 178­­‑179. 67 A.D.E., Arquivo da Câmara Eclesiástica, Visitas Pastorais, 1555­­‑1689, cx. 2, com várias referências à obra do retábulo (pintado por Francisco João), cuja factura se arrastava desde o tempo do Arcebispo D. José de Melo (fl. 37), e para o qual o Conde de Redondo chegou a dar 20.000 rs de ajuda (fl. 46 vº). 68 A.D.E., Arquivo da Câmara Eclesiástica, Visitas Pastorais, cx. 3, fl. 88 (ordena­­‑se em 1587, por exemplo, a pintura de um sacrário na igreja dse Nossa Senhora de Entre Ambas as Águas, Mértola). 69 A.D.E., Arquivo da Câmara Eclesiástica, Visitas Pastorais, nº 4, cx. 2, com referência à visita do Dr. Brás Lopes, visitador de D. Teotónio, à igreja matriz de Vila

69

Ruiva, em Janeiro de 1590, mandando «goarneser as igreja toda por dentro», a fresco, já que «goarnecidos os arcos som.te não fica boa obra» (fl. 17 vº). 70 A.D.E., Arquivo da Câmara Eclesiástica, Visitas Pastorais, nº 4, cx. 2, fl. 25 (visita a uma igreja de Vila Ruiva de D. António Temudo, visitador de D. Teotónio, em Abril de 1598). 71 Cf. Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, pp. 185­­‑231, e vol. II, pp. 26­­‑331, com transcrição integral das visitas a uma centena de oratórios da Arquidiocese. 72 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. CIX/2­­‑7, nº 6. 73 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. CIX/2­­‑7, nº 44. 74 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. CIX/2­­‑7, nº 21: intimação de 20­­‑III­­‑1593 aos padres de Coruche, Couço, Mato, São Torcato, Nossa Senhora do Peso, etc, que denunciem certas famílias de cristãos­­‑novos. 75 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. CIX/2­­‑7, nº 53: «Rol do Estado da Igreja eborense (…), rol de revéis do ano de 1595 (…) na fregª de S. Bartolameu de Villa Visosa», anotando­­ ‑se nessa freguesia), entre várias outras pessoas, o caso de um «Jorge, criado do pintor» (pintor que será André Peres, ao serviço do Duque D. Teodósio II). 76 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. CIX/2­­‑7, nº 42: carta do Arcebispo de 5­­‑III­­‑1588 ordenando orações de apoio à Invencível Armada a serem rezadas nas igrejas (indicadas or esta ordem no mapa da pastoral) de Évora, Evoramonte, Vimieiro, Estremoz, Borba, Vila Viçosa, Sousel, Cano, Coruche, Avis, Benavente, Arraiolos, Alcáçovas, Torrão, Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém, Sines, Odemira, Ourique, Almodôvar, Panóias, Alvalade, Aljustrel, Ferreira, Mértola, Entradas, Beja, Serpa, Moura, Mourão, Portel, Monsaraz, Terena, Redondo e Vidigueira. 77 José Pedro Paiva, «Os Bispos e a Inquisição Portuguesa», Lusitania Sacra, 2ª série, tomo XV, 2003, pp. pp. 53­­‑67. 78 José Pedro Paiva, op. cit., p. 57. 79 Sobre o conceito, cf. Paulo Varela Gomes, «La cuestión del estilo en la historiografía de la arquitectura portuguesa de la primera Edad Moderna», Goya, nº 344, 2013, pp. 246­­‑263. Aí aprofunda a permanência e os paradoxos da utilização de conceitos de estilo arquitectónico enquanto instrumento analítico no contexto historiográfico português. 80 Agustín Bustamante e Fernando Marías, «Francisco de Mora y la Arquitectura Portuguesa», actas do simpósio luso­­‑espanhol As Relações Artísticas entre Portugal e Es‑ panha na Época dos Descobrimentos, Coimbra, Minerva, 1987, pp. 277­­‑318. 81 A.S.E., Lº 2º do Cabido de Sede Vacante, fl. 1 vº­­‑5 vº. 82 Deste mosteiro franciscano, muito alterado na segunda metade do século XVIII, apenas nos chegou (além do que se divisa da estrutura da nave) uma elegante pia de água benta assente em coluna bojuda, que parece ainda quinhentista século (será desenho de Pero Vaz Pereira ?) e uma tábua da Adoração dos Pastores, de um seguidor de Gregório Lopes, hoje em colecção particular. Cf., sobre esta última, Sónia Duarte, O contributo da iconografia musical na pintura quinhentista portuguesa, luso­­‑flamenga e flamenga em Portugal, para o reconhecimento das práticas musicais da época: fontes e modelos utilizados nas ofi‑ cinas de pintura, Mestrado em Ciências Musicais, F.C.S.H., 2012.

70

83 Sobre Mateus Neto, arquitecto do Cardeal D. Henrique, empreiteiro das obras do convento de Santa Helena do Monte Calvário e da Misericórdia de Évora, e no Aqueduto da Água da Prata, cf. Túlio Espanca, «Alguns artistas de Évora nos séculos XVI­­‑XVII», A Cidade de Évora, nºs 15­­‑16, 1948, pp. 243. 84 Sobre Jerónimo de Torres, que foi mestre das obras do Senado, familiar do Santo Ofício, irmão da Misericórdia, fiscalizador das obras do Arcebispado, e interveio nas empreitadas do Mosteiro da Cartuxa, do Colégio do Espírito Santo e do Colégio de Nossa Senhora da Purificação, abundam referências desde 1566 (cf. Túlio Espanca, op. cit., 1948, pp. 255­­‑258, e Celso Mangucci, op. cit., pp. 30­­‑33). Em 1570 realizou a obra de pedraria da capela­­‑mor da igreja de Nossa Senhora do Carmo (B.P.E., CL/XVII/1­­‑23, Convento do Carmo de Évora, quitação de 19­­‑XI­­‑1570). Os Lºs de Registo de Alvarás do Cabido (A.S.E.) mostram­­‑no a vistoriar obras de igrejas, como a do Redondo. Acresce que ainda estava activo em 1596, ao vistoriar a obra da nova igreja de São Tiago juntamente com Pero Vaz Pereira. Recentemente, Francisco Bilou deu a conhecer dados sobre seu filho, o clérigo Bartolomeu de Torres, que estava em Roma em 1615 (A.D.E., Ordens Sacras, Cx. 1, pc. 14, fl. 20), sendo o pai, muito idoso, ainda vivo… 85 Muito activo nas empreitadas eborenses do fim do século XVI (cf. Túlio Espanca, op. cit., 1948, p. 250), aparece envolvido em 1587 nas obras de reconstrução da igreja de São Tiago (A.D.E., Livro da Receita e Despesa da Obra da Parochia de S. Tiago de Evora, 1587 ‑­­ D. Theotonio de Bragança, fl. 26 e segs). 86 Escultor e carpinteiro de marcenaria, Ascenso Fernandes era discípulo do escultor francês Pedro de Loreto (cf. Pedro Flor, «Pierre Loiret (act. 1540­­‑1560): um escultor do Renascimento em Lisboa», Colóquio Internacional Lisboa e os Estrangeiros/ Lisboa dos Es‑ trangeiros até ao terramoto de 1755 Palácio dos Marqueses de Fronteira e Alorna, 2013) e aparece a trabalhar em Évora no tempo dos arcebispados do Cardeal D. Henrique e de D. João de Melo e Castro. Poderá vir a provar­­‑se ser Ascenso Fernandes o autor do célebre cadeiral maneirista da Sé de Évora, datado de 1562, sobre o qual nunca se encontrou autoria credível. 87 Lisboeta, colaborou com Ascenso Fernandes no grandioso Sepulcro da Sé, em 1588, e em outras obras (B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 11). DOC. Nº 11. 88 Por escolha e iniciativa de D. Teotónio, Diogo Nobre realizou em 1586­­‑1588 a talha dos retábulos (mór, do Sacramento e de Nossa Senhora dos Prazeres) da igreja de Santo Antão, seguindo em todos eles as traças desenhadas pelo arquitecto Nicolau de Frias, aprovadas pelo Arcebispo (A.D.E., Lº 153 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 109 vº a 112 vº; e Lº 161 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 29 vº­­‑32). O actual retábulo­­ ‑mor, barroco, obra do entalhador Francisco Machado (contrato de 1­­‑IV­­‑1701, no A.D.E., Lº 1026 de Notas de Domingos Nunes Moreno, fls. 32­­‑33), é já do tempo do Arcebispo D. Luís da Silva Teles. Cf. DOCS. Nºs 7 e 14. 89 Nasceu em 1539, teve oficina à Porta Nova e morreu em 1595. Cf. Túlio Espanca, «A obra do pintor Francisco João», A Cidade de Évora, nºs 37­­‑38, 1955­­‑1956, pp. 183­­‑200, e Helena Pinheiro de Melo, O Pintor Francisco João (act. 1562­­‑1595). Materiais e técnicas de pintura de cavalete em Évora, na segunda metade do século XVI, tese de Doutoramento, Universidade Católica do Porto, 2014. 90 Activo em Évora de 1583 a 1622 e abundantemente documentado, o fa presto José de Escovar pintou a fresco os espaços de muitas igrejas e capelas da Arquidiocese. Era

71

também pintor de óleo. A obra revela o gosto pelas tipologias neo­­‑constantinianas de enquadramento modular dominantes na era teotonina. 91 Além de João Luís, morador em Vila Viçosa, outros ourives trabalham em Évora neste tempo, como Diogo de Oliveira, que lavrou em Junho de 1592 uma custódia para o mosteiro de São Francisco (A.D.E., Lº 269 de Notas de Baltazar de Andrade, fls. 66 vº­­‑69) e Manuel Luís Anjinho, que fez um conjunto de peças de prata para o Inquisidor Dr. Rui Pires da Veiga (A.D.E., Lº 273 de Notas de Baltazar de Andrade, fls. 84 vº­­‑87). Conhecem­­‑se, ainda, os nomes de André Arriaga (1577), António Dias (fal. 1598), Domingos Fernandes (act. 1556­­‑1596), Henrique Fernandes (fal. 1587), Francisco Barreto (act. 1577­­‑1603), Domingos Abelho (fal. 1615) e Pero Vaz (fal. 1597),citados por Espanca, op. cit., 1948, pp. 167­­‑182. 92 Este mestre bordador também se destacou no tempo do seu sucessor, o Arcebispo D. Alexandre de Bragança, como se vê num precioso contrato de 6 de Janeiro de 1609 em que António Garcia se obrigou a fazer o frontal, capa, manto e demais peças de ornamento litúrgico de D. Alexandre (A.D.E., Lº 337 de Notas de Pedro Borges, fls. 126 vº a 128). 93 Este mestre azulejador foi irmão da Santa Casa da Misericórdia de Évora em 1593, e faleceu em 1612 (Túlio Espanca, «Alguns artistas de Évora nos séculos XVI­­ ‑XVII», A Cidade de Évora, nºs 15­­‑16, 1948, pp. 265­­‑266). 94 B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 11. 95 A.D.E., Lº 297 de Notas de Pedro Borges, fls. 127­­‑130: contrato de Gaspar Mendes, jardineiro do Arcebispo D. Teotónio, por certas obras no Paço do Bom Jesus de Valverde. 96 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 85, nº 24, fls. 110 a 113. DOC. Nº 22. 97 A.S.E., Lº do Registo de Alvarás de Despesa passados ao Prioste, 1566­­‑1598, fl. 121. Foi autor, em Abril de 1580, de dois sinos para as igrejas de Évoramonte e do Redondo. 98 Túlio Espanca, «Notas sobre pintores em Évora nos séculos XVI e XVII», A Cidade de Évora, nºs 13­­‑14, 1947, pp. 109­­‑213, refª pp. 140­­‑142. 99 A.S.E., Lº do Registo de Alvarás de Despesa passados ao Prioste, 1598­­‑1626, fl. 41. 100 Existem recibos autógrafos deste pintor integrados no Maço de Contratos de Obras respeitantes à Capela­­‑Mor do Mosteiro do Carmo de Évora (1568­­‑1623), mss. da colecção Pedro d’Azevedo. Este mss. foi recentemente adquirido pelo A.N.T.T.. Ver DOC. Nº 34. 101 Carlos Ruão, O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal (1550­­‑1640), tese de doutoramento, 3 vols, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade, 2006, vol. I, p. 447. 102 Carlos Ruão, op. cit., vol. II, pp. 129­­‑170. 103 Agustín Bustamante e Fernando Marías, «Francisco de Mora y la Arquitectura Portuguesa», As Relações Artísticas entre Portugal e Espanha na Época dos Descobrimentos, Coimbra, Minerva, 1987, pp. 277­­‑318. 104 A Biblioteca Digital de Espanha tem disponível as plantas e desenhos da Cartuxa de Évora feitos pelos arquitectos Giovanni Casale e Francisco de Mora.  A primeira planta de Casale assinada pelo Arcebispo D. Teotónio e por D. Frei João Bellot mostra claramente os acertos feitos in loco. A obra será seguida de perto por D. Luís

72

Telmo, primeiro prior da Cartuxa. Junto a esta, uma planta de Casale para o jardim da quinta de Fernão da Silva a Belém. 105 A.D.E., Lº 261 de Notas do Tabelião Baltazar de Andrade, de Évora, fls. 99­­‑105. Ver DOC.Nº 14. 106 A.D.E., Lº 160 de Notas do Tabelião Álvaro Ramalho, de Évora, fl. 106 vº­­‑110 vº. Trata­­‑se de um arrendamento de casas, de 14 de Janeiro de 1588, em que D. Teotónio apresentou como testemunha o arquitecto Filipe Terzi, estante em Évora. 107 Carlos Ruão, op. cit. vol. II, pp. 171­­‑206. 108 O imaginário Pedro de Frias trabalhou em Évora em 1543, fazendo uma estante para o mosteiro de Santa Clara, avaliada por Garcia Leal e Francisco Rodrigues, carpinteiros (B.P.E., Lº 63 do Mosteiro de Santa Clara, Documentação vária, nº 33). 109 A.N.T.T., Lº 21 de Notas de António Pinheiro, fls. 84­­‑88. Contrato de 2­­‑XI­­‑1588. 110 A capela­­‑mor do antigo mosteiro de Santa Marta, que possuía um retábulo de Amaro do Vale (1590), preserva ainda uma bela cobertura com cartela maneirista em stucco, possivelmente por «debuxo» de Nicolau de Frias (cf. Isabel Mayer Godinho Mendonça, «Um tecto quinhentista na capela­­‑mor da igreja do Convento de Santa Marta», Monumentos, nº 17, 2002, pp. 125­­‑131). 111 Fernando Chueca Goitia, «El estilo herreriano y la arquitectura portuguesa», El Escorial 1563­­‑1963, Madrid, IV Centenario, 1963, pp. 215­­‑253. 112 Alfonso Rodríguez G. de Ceballos, La arquitectura religiosa y sus cambios tras el Con‑ cilio de Trento. in El arte del Renacimiento en el territorio burgalés (coord. de Emilio Jesús Rodríguez Pajares, María Isabel Bringas López, Burgos, 2008. 113 A.D.E., Lºs 153 e 161 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 109 vº a 112 vº, e fls. 29 vº­­‑32. Cf. DOCs. Nº 7 e Nº 13. 114 A.D.E., Lº 261 de Notas do Tabelião Baltazar de Andrade, de Évora, fls. 99­­‑105. Ver DOC. Nº 14. 115 Em 1629, o Arcebispo D. José de Melo mandou refazer a pintura do Sepulcro, chamando para o efeito os pintores Pedro Nunes, António Vogado, Bartolomeu Sánchez e Manuel Fernandes, por alto preço de 600.000 rs (A.D.E., Lº 571 de Notas do Tabelião Gil Solteiro, de Évora, fls.26­­‑29). 116 Paulo Varela Gomes, Arquitectura, Religião e Política em Portugal no Século XVII. A planta centralizada, Porto, Faculdade de Arquitectura, 2001, pp. 165­­‑166. 117 A.S.E., Lº 7 das Lembranças dos Negoçios que se tratarão em Cabido, cota PT/ASE/ CSE/C/001/Lº 7, 1591­­‑1597, fl. 36 vº. DOC. Nº 11. 118 Sabemos que em Junho de 1572, ainda em tempo de D. João de Melo, o mestre foi ao Redondo escolher lugar para a nova igreja (A.S.E., Lº de Registo de Alvarás de Despesas do Cabido, 1566­­‑1598, fl. 78, e que a obra se entregou de empreitada a Manuel Rodrigues, com vistoria constante de Jerónimo de Torres (A.S.E., Lº de Registo de Alvarás, fls. 62 vº, 65, 95, 112 vº e 120). 119 A.S.E., Lº de Registo de Alvarás…, 1566­­‑98, fls. 150 e 159: «da igrª nova do Redomdo, depois de lhe cair a abobada, a medição se fez em o Redondo por Jeronimo de Tores, m.tre pedreiro, em o Verão passado de 1583». 120 A.S.E., Livro 6 das Lembranças dos Negoçios que se tratarão em Cabido, cit., fl. 209.

73

121 A.S.E., Lº 7 das Lembranças…, cota PT/ASE/CSE/C/001/Lº 7, 1591­­‑1597, fl. 36 vº. 122 Não nos chegou o contrato de pintura. O de entalhe consta em: A.D.E., Lºs 153 e 161 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 109 vº­­‑112 vº e fls. 29 vº­­‑32, cf. DOC. Nº 14. É possível que uma excelente tábua maneirista representando a Adoração dos Pas‑ tores, muito afim ao estilo do pintor lisboeta Diogo Teixeira (c. 1540­­‑1612), e que foi reutilizada num dos altares de Santo Antão (banda do Evangelho) pertencesse a esse desmantelado retábulo. 123 Segundo João Carlos Garcia, Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado, 1571, Lisboa, ed. M. Moleiro, 2014, o Atlas Universal de Vaz Dourado foi elaborado em Goa, em 1571, no final do governo de D. Luís de Ataíde, 3º Conde de Atouguia e 10º Vice­­ ‑Rei da Índia (1568­­‑1571), ou no início do governo de D. António de Noronha, 11º Vice­­‑Rei (1571­­‑1573), sobrinho neto de Afonso de Albuquerque, nomeado por D. Sebastião, que chegou à Índia em Setembro de 1571. 124 Francisca Mendes, Contributos para a reconstituição virtual da Livraria do Convento da Cartuxa (1587­­‑1834), projecto, Fundação Eugénio de Almeida, 2014. 125 Exemplar na Biblioteca Nacional de Portugal, RES 3296V. 126 J. Pinharanda Gomes, op. cit., pp. 57­­‑59. 127 Cf. Luís de Matos, «Ebora humanística», A Cidade de Evora, nº 59, 1976, pp. 5­­ ‑21; e Belmiro Fernandes Pereira, op. cit., pp. 845­­‑860. 128 J. Pinharanda Gomes, op. cit., p. 59. 129 João Carlos Garcia, op. cit. 130 Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, vol. I, Lisboa, 1652, p. 508; e J. Pinharanda Gomes, op. cit., p. 53. 131 Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, vol. II, Lisboa, 1747, p. 64. 132 João Carlos Garcia, op. cit. 133 Ana Isabel Buescu prepara, no âmbito do projecto De Todas as Partes do Mun‑ do. O Património do 5º Duque de Bragança D. Teodósio I (dirigido por Jessica Hallett), um estudo exaustivo sobre a Livraria do Duque D. Teodósio I, inventariada em Vila Viçosa em 1564­­‑65. 134 A.H.F.E.A., Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto dom Lourenso pires de Castro que faleseo em Catalunha no lugar de fraga sem descendentes deixando por sua universal herdeira a senhora Condessa de Basto Dona Violante de Lencastre sua molher, fls. 39 vº­­‑76. O Dr. João Ruas prepara, com o autor deste livro, um estudo sistemático sobre os 483 livros da biblioteca dos Castros. 135 Juan Mayo Escudero, op. cit., p. 173, dá­­‑nos o relato de D. Nicolau José Maria Albergati, ao tempo prior da Cartuxa: «a biblioteca, muito notável, soffreo alienação de algumas espécies impressas e manuscritas e os livros foram arremessados e muito espezinhados». 136 Juan Mayo Escudero, op. cit., p. 33.

74

137 B.P.E., Cód. CVII/1­­‑28: Inventario de tudo o que o Arcebpo tem dado aos padres Car‑ tuxos do Mosteiro de eScala caeli desta cidade de Evora, fl. 172. 138 Maria Antónia Conde, «Do claustro ao século: o canto e a escrita no mosteiro de São Bento de Cástris», ed. CIDEHUS, pp. 243­­‑254; apud Túlio Espanca, op. cit., 1948, pp. 191­­‑194. 139 Esta ideia é refutada por Túlio Espanca, op. cit., 1948, p. 191, pois o topónimo seria anterior à existência de André de Burgos. 140 Túlio Espanca, «A obra do pintor Francisco João», cit., 1955­­‑56, pp. 183­­‑185. 141 A.D.E., Lº 209 de Notas de Domingos Pires, fls. 47 vº­­‑48 vº. 142 Miguel Soromenho, «As possíveis fontes tipológicas da fachada da Igreja (da Cartuxa de Évora)», Monumentos, nº 10, 1999, pp. 8­­‑13. 143 Idem, ibidem. 144 Manuel Joaquim Branco, «Renascimento, Maneirismo e ‘Estilo Chão’ em Évora», in catálogo Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Descobrimentos em Évora (1516­­‑1624), Évora, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp. 237­­‑240; e Celso Mangucci, op. cit., pp. 28­­‑29. 145 Celso Mangucci, op. cit., p. 35. 146 Artur Goulart e Vitor Serrão, «O ciclo de Sibilas e Profetas da igreja de Nossa Senhora de Machede (c. 1604­­‑1625) e o seu programa iconológico», Artis – Revista do Instituto de História da Arte, nº 3, 2004, pp. 211­­‑238. 147 B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 6. D0C. Nº 16. 148 B.P.E., Lº 1 do Mosteiro da Cartuxa (Escrituras), fls. 355­­‑358; cf. J. Pinharanda Gomes, op. cit. (1984), pp. 33­­‑135; e Maria Antónia Hespanhol, op. cit., pp. 447­­‑453. 149 B.P.E., Manuscritos dos Conventos, cód. 1.401, fls. 72­­‑109.

75

3. A f o r m aç ão a rt í s t i c a n a c o rt e d e V i l a V i ç o s a

3 . 1 . Vi l a Vi ç o s a , a « c o r t e

na aldeia»

Se a juventude e primeira formação de D. Teotónio de Bragança se passou dentro das paredes do Paço Ducal de Vila Viçosa, a célebre «corte na aldeia» de Rodrigues Lobo, é evidente que a série de obras relevantes que aí se desenvolviam, quer a nível da morosa construção, quer da fervilhante acção literária passada nas tertúrias palatinas, foram importantes no gosto do futuro Arcebispo de Évora. Aliás, foi sempre um espaço familiar, que amiúde frequentou na idade adulta, após o período de escolaridade em Santa Cruz de Coimbra, e depois das longas viagens em périplos pela Europa, voltando ao palácio brigantino em várias outras fases da sua existência, É necessário perceber­­‑se o que foi construído no Paço de Vila Viçosa durante a segunda metade do século XVI, e o espírito que presidiu às decorações intestinas, para se seguir o percurso formativo de D. Teotónio de Bragança. Foi nesse preciso contexto que ele se educou em termos estéticos, aliando um gosto de base renascentista entretanto moldado pela experiência das viagens empreendidas por França, Itália, Espanha e Inglaterra, ao influxo do que em Vila Viçosa se ia fazendo em termos arquitectónicos e artísticos. Desse contexto de extraordinário ful77

gor ­­– as campanhas construtivas empreendidas por seu irmão D. Teodósio I, 5º Duque de Bragança (1532­­‑1563), e sobretudo pelo sobrinho, o 6º Duque D. João I (1563­­‑1583), fase em que o essencial da grande fachada e corpos do terreiro ducal foram erigidos – guardará o futuro Arcebispo de Évora uma forte e duradoira impressão. Ele próprio vai empregar nas obras mais importantes da sua Arquidiocese, anos mais tarde, alguns dos artistas que aí encontrara em plena actividade e cuja personalidade admirara, desde os arquitectos Nicolau de Frias, ao ourives local João Luís, ao pedreiro Manuel Ribeiro, aos pintores Francisco João, Giraldo Fernandes de Prado e Custódio da Costa, e ao paramenteiro António Garcia, que estarão envolvidos depois, em Évora, em diversas empreitadas teotoninas, entre o final do século e a passagem para o século XVII. De um destes artistas, o já muito referido Pero Vaz Pereira, educado na cidade de Roma, o Arcebispo fá­­‑lo­­‑á mesmo seu arquitecto e escultor ao assumir o múnus eborense. O Paço Ducal de Vila Viçosa, emblemática sede da Casa de Bragança, estima­­‑se entre os mais notáveis empreendimentos da arquitectura senhorial do século XVI da Península Ibérica. Apresenta na esplêndida massa da sua fachada palatina, disposta em triplo andar com vinte e três tramos forrados de mármore, um prospecto arquitectónico grandiloquente, de inspiração maneirista «ao italiano», concebida em fidelidade a uma tratadística serliana que remete para conhecimento de bons exemplos castelhanos e transalpinos 150. Apesar de a sua linguagem estilística se conformar à lição de módulos da arquitectura internacional, como aliás esclarecem as informações fornecidas através da contra­­‑prova arquivística, a cronologia da fachada ainda hoje continua a dividir a opinião dos historiadores de arte. Considera Rafael Moreira 151 e, na sua esteira, vários outros autores 152 , que D. Teodósio I, tendo sido indigitado como Condestável do Reino em 1535, e ao negociar o casamento de sua irmã D. Isabel com o Infante D. Duarte, irmão de D. João III, proveu a ampliação do velho Paço a fim de o tornar condigno para as festas que se anunciavam, sendo dessa época a imponente fa78

chada que admiramos. Ou seja, o esforço de promoção da Casa de Bragança que levou D. Teodósio a erguer um corpo palatino junto às «casas velhas» (o paço tardogótico do Reguengo), como que exorcizando a pesada memória de seu pai D. Jaime, tornaria Vila Viçosa o expoente urbanístico italianizado de um Renasci‑ mento de mármore 153, caso ímpar no tempo de D. João III, de que o Paço calipolense seria o mais evoluído testemunho. Essa opinião não é, todavia, consensual e pôde ser fundamentadamente contestada em estudos recentes. É certo que com as obras realizadas na sequência das festas de 1537 a fachada do Terreiro estava parcialmente erguida, «ao romano», com dois pisos sobrepostos: regista uma fonte coetânea que «em fim do anno de 1552 em tempo de El­­‑Rey D. João III tem o terreiro do paço de Villa Viçosa de longo 66 braças e d’ancho 55»154, e o autor anónimo da crónica das festas155 descreve­­‑a como obra esplendorosa, com suas «janellas lavradas ao modo antigo romano de bases e capiteis cor‑ nigeas e outras obras romanas» 156. Essa campanha, segundo Rafael Moreira, seria da responsabilidade de Benedetto da Ravena, um engenheiro militar de Carlos V que passa em 1535 por Portugal e trabalhará entretanto na fortaleza de Mazagão 157. Ora sabemos pelos róis das Aposentadorias de Março de 1565 quais foram precisamente as obras custeadas pelo Duque a seguir a 1537, e após o seu casamento com D. Beatriz de Lencastre, avaliadas pelos mestres pedreiros Domingos Lourenço e Marcos de Pina: pode apurar­­‑se com exactidão o que se fez na fachada e em salas do paço e pode reconstituir­­‑se o pré­­‑existente antes das definitivas remodelações dos anos de 1580 sob batuta de Nicolau de Frias 158. De facto, com a governação de D. Teodósio I fizeram­­‑se obras de expansão do corpo palatino, excluindo­­‑se embora grande parte da ala sul, a torre central com o portal de serventia e o terceiro piso da ala norte (este, ainda por ultimar à data em que Pier Maria Baldi desenha a fachada do paço, aquando da visita do Grão­­‑Duque da Toscana Cosme de Médicis em 1669). O quinto Duque iniciou o corpo do Terreiro com uma ala de dois pisos angulando com o velho paço do Reguengo, prolongando­­‑o 79

Fig. 57

mais ou menos até ao lanço que integra a Sala dos Tudescos159. Ao certo, sabemos que o paço se amplia de 1537 a 1559, adquire um facies ao romano e abandona resquícios da primeva tipologia gótico­­‑mudejar. Existem referências precisas, entre outras, a decorações com tondi relevados dentro do gosto renascentista, que são inequívocas sobre a obra que então se erguia. Um dos lanços de avaliação de 1559 contabiliza 698.000 rs com os «treze vãos de pedrarya que estão no terreyro do alpendre ate o Jardjm», correspondendo a obras feitas entre 1540 e aquele ano, «descontando as janellas que não são deste tempo»160, o que significa que já à data se pensava seriamente em dar ao prospecto uma imagem cenográfica consentânea com modelos de palácios peninsulares coevos. Todavia, o prospecto da ala teodosina de cerca de 1537 foi substancialmente alterado com a intervenção definitiva de 1583 que prolongou a fachada até às dimensões actuais e lhe modernizou o carácter arquitectónico, com torre central integrando o corpo da longa frontaria, remate com serliana, fina molduração das fenestras e adição de um piso superior pensado como contínuo. Em 1571, à data da visita do Cardeal Alexandrino, legado do Papa, o cronista Giovan Battista Venturino 161 descreve­­ ‑nos ainda uma «casa comprida» onde a comitiva papal pernoitou e que não deveria ser a actual Sala dos Tudescos, situada à direita da escadaria nobre, pois a avaliação de Março de 1565 fala repetidamente de uma Casa dos Hóspedes sita no ângulo junto ao paço do Reguengo. Só no final do governo do Duque D. João I (1563­­‑1583) se iniciará a grande campanha de ampliação e remodelação integral, que lhe conferiu o carácter monumental que hoje se admira. As obras das chamadas «casas novas» trazem­­‑nos esclarecedoras referências, a partir de vários contratos notariais com pedreiros que laboram nessa campanha com direcção essencial do Duque D. Teodósio II e de Nicolau de Frias, «arqui‑ tecto de sua casa e obras della» 162. Voltando às obras do segundo quartel do século XVI, só nos restam alguns elementos de equipamento doméstico (como um antigo oratório ducal pintado a fresco) 163 e nada em absoluto remanesce na fachada que remeta para a campanha teodosina, 80

toda ela reformulada em prospecto majestático quando finalmente houve condições políticas para o fazer: e, essas, foram as condições que a crise dinástica impunha e os pergaminhos dos Braganças exigiam. Foi no fim dos anos 70 do século XVI que se concebe a monumental fachada do terreiro. Em termos estilísticos, torna­­‑se uma evidência contestar a proposta de cronologia de cerca de 1537 nos termos em que o faz o historiador de arte Miguel Soromenho ao observar, justamente, que «a sobreposição vitruviana das ordens e o coroamento de vãos, em pisos alternados, com frontões triangulares e semicirculares, não tinham ainda sido tentados (naquela data), e só o vieram a ser muito mais tarde», enquanto que «a concepção planificada do muro parece mais próxima de um tipo de linguagem finissecular, enriquecida pelo sentido experimental introduzido através das opções do desenho da fachada do paço da Ribeira, que continuava a ser o termo de referência mais internacionalizado da arquitectura civil portuguesa»164. 3 . 2 . A fac h a d a pa l at i n a A proposta de cronologia do corpo palaciano do Terreiro, que teria sido erguido no tempo de D. Teodósio I «num prenúncio de bom augúrio para as grandezas futuras»165, tem feito escola, apesar da evidência estilística que a lição arquitectónica proporciona, e da probatória documentação que subsiste. De facto, as descrições esclarecedoras, as contas das aposenta‑ dorias que elencam obras de construção entre 1540 e 1563, e a leitura estilística, permitem reconstituir exactamente como seria a fachada nos anos de governação do quinto Duque. Embora uma análise cuidada de tal documentação permita deduzir que em 1559 já estava prevista a extensão da frontaria senhorial para vinte e três tramos166, revelando a intenção de engrandecimento que os Braganças entendiam vital como sua estratégia de afirmação, tratando­­‑se da mais poderosa nobreza do Reino, o cumprimento desse desiderato só terá modo de concretização, e modelo adequado à ambição do programa, no tempo de D. Teodósio II, segundo traças de Nicolau de Frias, ao configurar a fachada do Terreiro com a fisionomia que chegou aos nossos dias. 81

Assim, a «obra romana» da fachada de D. Teodósio I (cujo responsável pode ser agora revelado fruto de nova documentação) não é a que remanesce: coube a seu filho D. João I a tarefa de gizar o projecto monumental de fachada palatina, dentro de uma severidade tridentina que era a do novo gosto de arquitectura senhorial dominante na Península. Essa fachada maneirista, idealizada em tempo de crise dinástica e nas vésperas de viragem para a Monarquia Dual, deve­­‑se, com a segurança proporcionada por base documental sólida, a custosas «traças» realizadas em 1583 pelo arquitecto Nicolau de Frias, que lhe conferiram o actual prospecto, austero e grandiloquente ao mesmo tempo, ao gosto da arquitectura castelhana do terceiro quartel do século XVI e assumindo notória dimensão internacional 167. Frias começa a trabalhar na renovação e ampliação da fachada com o governo de D. João I, sendo já em 1578 considerado «famo‑ so architecto destes tempos» pela educação italiana e arrojo de certas obras (como a elogiada planta do Dormitório do Convento de São Domingos de Lisboa, com configuração de «huma cruz perfeita de tres braços»). Porém, tendo ficado cativo por um ano no rescaldo da trágica expedição de Marrocos («para sitia‑ dores do campo ião Filipe Estercio, italiano, e Nicolao de Frias, grandes architectos») 168, só em 1583 retoma as obras do Duque D. João I: recebe a 15 de Março 50.000 rs «por respeito de vir a Lxª per man‑ dado do duque que Ds tem a esta villa Viçosa onde esteve ate ora fazendo as traças» 169, são­­‑lhe pagos 20.000 rs em 3 de Abril da parte do novo Duque D. Teodósio II como «arquitecto da sua casa», e mais 20.000 rs a 12 de Maio «por todas as traças que mais fez» 170. Trata­­ ‑se indiscutivelmente do projecto de renovação da fachada paçã: como observa Carlos Ruão, pelos desenhos de remodelação do palácio Nicolau de Frias recebeu a fabulosa soma de 70.000 rs (em parte de pago), o que aponta para «um projecto de grande relevância» 171, coerente com a modernidade pretendida. Trata­­‑se de uma tipologia ligada com proximidade ao modelo maneirista que se impõs em Castela com a reorganização dos paços régios e envolveu arquitectos de corte como Alonso de Covarrubias, Luis de Vega e seus colaboradores Hernán Gonzá82

lez de Lara, Francisco de Villalpando, Gaspar de Vega, etc, onde se configuram novas soluções de cenográfica grandiloquência (palácios de Madrid, Aranjuez, Valladolid, Segóvia, Toledo, Valsaín, etc). Esse gosto, chamado por Chueca Goitia estilo Príncipe Felipe 172, dentro da deliberada severidade contra­­‑reformista 173, é a nosso ver o que domina na opção estética seguida no Paço de Vila Viçosa com D. João II e D. Teodósio II – ou seja, muitos anos após a morte de D. Teodósio I. Recentes pesquisas arquivísticas deram a conhecer o nome do artista que esteve ao serviço de D. Teodósio I e surge taxativamente nomeado como mestre responsável das suas obras: o arquitecto e escultor francês François de Loiret, ou na gíria portuguesa Francisco de Lorete e, ainda, Francisco de Loreto 174. Trata­­‑se de um artista oriundo da região do Loiret (um afluente do rio Loire), antiga província de Orléans, que chega a Portugal por volta de 1530, a quem se deve, conforme provou Pedro Flor, a obra do magnífico portal renascentista da igreja matriz de Arronches 175. Uma carta escrita nessa vila alentejana a 4 de Fevereiro de 1542 pelo crúzio Frei Brás de Barros, dirigida a D. João III, diz­­‑nos o seguinte: «Item. Senhor ho portal da Igreja estaa Ja assentado muito boom conforme a ella. E porque nom tem portas e a Igreja estaa sem ellas devassa sera boom Vossa Alteza as mandar fazer de bordos has quaaes fara ho mesmo Francisco de Loreto que fez ho portal por ser assi em pedra como em madeira grande oficial» 176. A referência é clara: o francês lavrara o portal marmóreo da igreja de Arronches (durante muitos anos atribuído a Nicolau Chanterene) em composição clássica com frontão triangular integrando a cruz da Ordem de Cristo, pilastras coríntias assentes em plintos decorados, e dois soberbos tondi com figuras evocativas das virtudes cristãs, e este seu trabalho merecera devido encómio, a ponto de se lhe dar de seguida o entalhe das portas de madeira 177. O «grande oficial» Francisco de Loreto era conhecido dos crúzios de Coimbra, pois em 1531 acrescentara o cadeiral do mosteiro de Santa Cruz (de mestre Machim Fernandes) e lavrara, no ano seguinte, um facistol e uma caixa de órgão segundo desenhos «ao romano» que apresentara178. Nos anos que passou em 83

Coimbra, o francês teve casas na rua da Sofia e privou com os escultores João de Ruão, Odarte e Nicolau Chanterenne, o pedreiro Juan de la Faya, o marceneiro Charles e o pintor Vasco Fernandes, o que atesta papel de destaque no centro decisório das grandes encomendas ligadas aos crúzios. Por essa via, desloca­­ ‑se em 1533 ao Convento de Cristo de Tomar para realizar lavores de marcenaria em altares da Charola, e volta mais tarde a trabalhar nas obras do Noviciado. Em 1542, como se viu, ultimou o lavor do portal da matriz de Arronches e em seguida, segundo defende Pedro Flor, lavrou o portal e demais obra renascentista da igreja da Madalena em Olivença. Mais se sabe que Francisco de Loreto vem para Portugal acompanhado de um irmão escultor, chamado Pierre Loiret (Pedro de Loreto), que em 1551 declara viver no Reino há vinte e um anos (chegara, pois, em 1530), sendo casado há onze com Antónia de Morais, irmã do pintor Cristóvão de Morais, e tendo trabalhado em 1542 no Convento de Cristo de Tomar 179. As relações artísticas dos dois irmãos Loreto com os círculos do humanismo renascentista, tanto crúzios, como cortesãos, percebem­­‑se pela constância de encomendas em Coimbra, Tomar, e nos Jerónimos. A acção na órbita do Infante D. Luís depreende­­‑se do inventário de bens e dívidas de Pedro de Loreto, cujo cunhado, Cristóvão de Morais, possuía um valioso livro de debuchos por si emprestado 180. Acresce a este perfil biográfico o facto absolutamente relevante de se saber, agora, que Francisco de Loreto foi o mestre das obras do Duque de Bragança. A revelação de que foi este francês o arquitecto­­‑escultor do Duque esclarece a nebulosa de conhecimentos do que eram os círculos artísticos da corte ducal! O documento que em nota se transcreve (e cuja comunicação devemos aos historiadores de arte Francisco Bilou e Manuel Joaquim Branco) contribui para resolver o problema das encomendas palatinas dos anos sequentes ao casamento de 1537. Ficamos a saber que Francisco de Loreto estava a morar em Vila Viçosa em 1539, na qualidade de «mestre das obras do Duque nosso senhor», data em que arrematou em escritura notarial a obra de construção da igreja de Arronches181. 84

A obra de arquitectura de Francisco de Loreto em Arronches foi, no essencial, a modernização da antiga hall church ‘manuelina’, aditando­­‑lhe o belíssimo portal, o porta­­‑óleos renascentista e outros elementos de gosto «ao romano», com destaque maior para os «portados de pedra d’estremoz com sua moldura roma‑ na»182. A sua intervenção nesse templo estendeu­­‑se até Fevereiro de 1542, quando Frei Brás de Barros escrevia ao rei a elogiar a magnificência com que o seu portal fora lavrado pelo «grande oficial» Francisco de Loreto183. Apura­­‑se, assim, que Francisco de Loreto era o mestre das obras do Duque D. Teodósio I nos anos subsequentes ao célebre casamento de D. Isabel com D. Duarte, e que, tal como outros mestres franceses que com ele vieram para Portugal, não esgotava a sua actividade em obras de lavor pétreo e em escultura de madeira, mas também na direcção de empreitadas de arquitectura. É seguro, assim, dado o cargo que ocupava junto a D. Teodósio, que tivesse dirigido a obra de ampliação da fachada do Paço e bem assim, em 1536, a construção «ao romano» da igreja do convento das Chagas de Vila Viçosa (onde o desenho do portal, da clássica fenestra renascentista e do bem lançado arco triunfal têm afinidades flagrantes com a obra de Arronches)184. É de crer que Francisco de Loreto se ocupasse por alguns anos no serviço do Duque e que várias obras descritas nas Aposen‑ tadorias fossem responsabilidade sua. De seguro, sabemos que após o término da igreja de Arronches em 1542, trabalhará para o Bispo de Ceuta: deve­­‑se­­‑lhe, segundo Pedro Flor, a decoração renascentista da igreja da Madalena de Olivença (1546­­‑48); de seguida, desloca­­‑se para o Norte de África, ao serviço do mesmo Bispo, senhor de Olivença, tendo lá falecido em circunstâncias ainda ignotas. O que o seu estilo nos revela, pela concepção e lavor de cinzel do extraordinário pórtico e demais obra renascentista de Arronches, e pela finura de cinzelado do arco­­‑mestre e fenestra moldurada na igreja das Chagas de Vila Viçosa, é verdadeiramente um gosto «romano» de primeira ordem, mas em tudo diferente da limguagem que se pode admirar na fachada do Paço. Podemos presumir, assim, quanto à obra da fachada do 85

quinto Duque, elogiada pelas suas «janellas lavradas ao modo anti‑ go romano de bases e capiteis cornigeas e outras obras romanas»185, que a responsabilidade da empresa se deveu a Francisco de Loreto, o mestre das obras do Duque. Mas a verdade é que, dessa fachada teodosina, nada mais resta do que a memória. A actual fachada do Paço calipolense revela uma linguagem que nada deve à que se intui vendo, por exemplo, as fenestras molduradas e a morfologia clássica do portal da igreja das Chagas e, com maior evidência, o portal de Arronches, de cerca de 1536­­‑1542. O que chegou aos nossos dias é uma magna construção erguida muito mais tarde segundo os cânones do Maneirismo peninsular (dentro do já muito referido gosto áulico e despojado que se denomina estilo Príncipe Felipe). A fachada deve ter começado a ser pensada pelo Duque D. João I nas vésperas de Alcácer Quibir, campanha militar para onde a Casa de Bragança enviou nada menos que um milhar de cavaleiros e onde ficaram cativos o próprio príncipe Teodósio (futuro sétimo duque), o arquitecto de serviço Nicolau de Frias, o engenheiro Filipe Terzi e, provavelmente ainda, o pintor­­‑calígrafo Giraldo de Prado. Assim que se resgataram estas personagens, a fachada prosseguiu célere, num afã de substituir as remanescências «ao romano» do francês, já desusadas, e conferir ao terreiro a dignidade pretendida. Tal como Teodósio I apagara as marcas do gosto medievalizante de seu pai («não eram de seu contentamento», diz o cronista das festas de 1537), também D. João I virou a página já considerada retrógrada dessa arquitectura «ao romano» incentivada pelo progenitor, de que o castelo de Evoramonte, a igreja das Chagas de Vila Viçosa, ou Arronches, são testemunho demonstrativo. Passou­­‑se em Vila Viçosa algo de similar ao que os crúzios fizeram em Tomar, ousando corrigir o plano do claustro grande, de João de Castilho, que deu lugar ao claustro maneirista de Diogo de Torralva... Outro exemplo, mais próximo, passou­­‑se no Paço de São Miguel (ou dos Condes de Basto) em Évora, onde a reconstrução­­‑ampliação maneirista do tempo de D. Diogo de Castro e de D. Fernando de Castro, 1º conde de Basto, cobriu 86

a primeva estrutura gótico­­‑mudéjar da construção do primeiro quartel do século XVI, seguindo e desenvolvendo as disposições que já se indicavam em Serlio para as modernizações de velhas casas de fidalguia 186. Eram tempos novos, e os Braganças aspiravam ao reforço político da sua imagem, que passava também pelo prospecto magnificente da sua sede residencial. O que predomina hoje em Vila Viçosa é uma nobilíssima fachada da segunda metade do século XVI. Nada já do corpo mais restrito que se fez no tempo de D. Teodósio I, por engenho de Francisco de Loreto e outros artistas, e que estava em parte erguido aquando das festas de 1537. O gosto construtivo imperante com a Contra­­‑Reforma segue aqui um modelo específico de palácio peninsular (a lembrar os de Luis de Vega e de Alonso de Covarrubias nas construções palatinas de Castela) 187, abrindo espaço a uma alternativa monumental, que se adequava às ambições políticas da Casa: grande corpo­­‑fachada de dois andares a dominar o Rossio palatino, com novas câmaras e salões abertos à fruição de convidados de luxo e à vivência requintada de uma corte­­‑Parnaso. É também notória a derivação dos modelos de extensas fachadas palatinas concebidas por Sebastiano Serlio, que eram bem conhecidos de Nicolau de Frias (tanto pela viagem a Itália como pela sua formação própria em Arquitectura), caso do alçado de palácio real que ilustra um dos fólios do Sesto Libro, ou do desenho de uma fachada coríntica, com seu piso nobre de balaústres, num dos fólios do Quarto Libro 188. A ideia geral do Paço calipolense encontrou aí a sua génese. Analisando­­‑se o rol de obras realizadas no tempo de D. Teodósio I e D. Brites, cujos documentos nos chegaram, a referência a salas como de David, de Cipião, e outras que existiam no paço renascentista, não se confunde com novas salas tituladas da mesma forma que se rebaptizam nas «casas novas» do Palácio renovado e ampliado a partir do Duque D. João I. É importante, por isso, a contra­­ ‑prova fornecida por preexistências que prevalecem do paço teodosino, caso do Oratório dito de D. Teodósio I (ainda com frescos de Francisco de Campos e de Giraldo de Prado), para se perceberem as grandes alterações sucedidas nos anos 70 e 80 189. 87

A imagem arquitectónica do Paço, visto pelo exterior no terreiro, a partir da igreja dos Agostinhos, tal como já se podia admirar no fim do século XVI, oferecia um novo prospecto que invejava os visitantes. Um ilustre escritor castelhano dessa época, Luís Zapata (1526­­‑1595), indica Vila Viçosa entre as cinco melhores praças de toda a Península Ibérica, a partir do prestígio, escala e ostentação da arquitectura: «la mayor de Valladolid y el Ruxio de Lisboa y la de Medina del campo y la del Duque de vergança en Villaviciossa y la de antepalacio de Lisboa de la casa real»190. Era esse impressionante prospecto que fazia da sede da Casa de Bragança um dos monumentos­­‑chave do Reino. Num tratado seiscentista da autoria do arquitecto régio Luís Nunes Tinoco (e não de seu pai João Nunes Tinoco como se tem afirmado), diz­­‑se que o paço de Vila Viçosa era um dos grandes monumentos do Reino e, como tal, digno de nota: «…também no nosso Portugal há maravilhosos templos, & sumptuosos edifícios fabricados ao antíguo, moderno, & Romano, como são o Templo‑ Real da Batalha, o de Alcobaça, o de Thomar, o de Stª Cruz de Coimbra, o de Belem em lixª, & outros muitos mandados fazer pelos nossos Sere‑ nissimos Reys de Portugal, como tambem o Templo Real de S. Vic.te de Fora, o do Collegio de Stº Antão da Compª de Jhs, o do Carmo de Lixª, o do Loreto que ao prezente se esta fabricando, o da Ermida Nova feita por ordem da Serenissimª Raynha de Portugal nossa Snra, e outros mui‑ tos infinitos, que há em todo o Reyno que por não ser preluxo não relato. Como também o Edificio real da obra do Forte do Palacio em que assistem os sereníssimos Reys de Portugal. Os Paços de Syntra, os de Almeirym, os de Villa Viçosa, os de Salvaterra, & outros muitos. Como tãobem o Edificio sumptuoso do Marquez de Castel Rº que hoje hé do serenissimo Infante de Portugal D. Pedro, irmão delRey D. Afonso 6º nosso Senhor q. Deos goarde» 191. A ampliação­­‑remodelação da fachada por Nicolau de Frias teve no pedreiro da casa ducal Manuel Ribeiro o empreiteiro de serviço192. As referências à obra abundam e intensificam­­‑se na sua fase final, aquando das festas de casamento de D. Teodósio II com D. Ana de Velasco y Girón, da casa de Feria, que apressaram a sua conclusão. Estes contratos notariais, de enor88

me importância para o historial do Paço, comprovam o que afinal se passou desde o fim dos anos 70, com D. João I, ao planear o prolongamento e unificação do corpo da frontaria com traças de Nicolau de Frias num severo mas monumental gosto maneirista «ao escurialense»193. Tudo revela uma obra excelsa, tanto na sua concepção como nos seus acabamentos, nos alçados e nos pormenores arquitectónicos. O recorte dos capitéis é fino e atesta a presença de mão­­‑de­­‑obra habilitada, e o jogo alternado de frontões nas janelas dos três andares reforça a impressão de um rigorismo tratadístico eloquente, que se expressa também no modelo serliano dos três janelões centrais da torre, no terceiro piso. A sobreposição de ordens clássicas – toscana, jónica e coríntia em três pisos –, com tipologias bem estruturadas nos vãos das aberturas e pilastras de fuste liso assentes em pedestais de bom desenho, reforçam a majestade do conjunto. São estas características que atestam o rigor do projecto de Nicolau de Frias na execução desta fábrica grandiosa, ampliando e diluindo os traços de uma anterior campanha renascentista hoje com vestígios indeléveis e restrita a algumas salas e câmaras no extremo norte da longa fachada194. 3 . 3 . N i c o l a u d e F r i a s e P e r o Va z Pereira O arquitecto Nicolau de Frias (c. 1550­­‑1610), já em anterior capítulo presente nestas páginas, formara­­‑se em Itália, depois de aprendizado juvenil de carpintaria junto a seu pai Pedro de Frias, e teve de seguida actividade próxima à de Filippo Terzi (com quem esteve cativo após a derrota militar de Alcácer Quibir), sendo nomeado, após obtido o resgate, arquitecto das obras do Senado e do Arcebispado de Lisboa. Autor de programas grandiosos para D. Teotónio, como o muito referido Sepulcro da capela­­‑mor da Sé de Évora (1588), concebido como teatro ricamente estruturado, tal como o monumento para as exéquias de Filipe I de Portugal no Mosteiro dos Jerónimos (1599), tam89

bém se responsabilizou, junto a seu genro, o pintor Domingos Vieira Serrão, pelo programa decorativo dos «octógonos» da mítica Charola do Convento de Cristo em Tomar com efusiva ornamentação de frescos e estuques, além de ter desenhado peças de retabulística (para a igreja de Santo Antão e acaso também para a da Cartuxa de Évora), e peças litúrgicas de ourivesaria (como o lampadário da Sé de Évora, feita pelo ourives João Luís a mando do Arcebispo D. Teotónio 195. A sua actividade relevante centrou­­‑se ao serviço dos Braganças, ora em Évora junto ao Arcebispo D. Teotónio, tio­­‑avô de D. Teodósio II 196, ligado às obras do Mosteiro da Cartuxa, ora em Vila Viçosa, ao serviço dos duques D. João I e D. Teodósio II. Por mando deste último, por exemplo, ocupou­­‑se de obras na igreja de São Silvestre de Unhos (Sacavém), povoação pertencente à Casa de Bragança, onde gizou nova torre e realizou outras ampliações197. Mas também trabalhou para D. Álvaro de Castro, em 1575, traçando a capela dessa família no Mosteiro de São Domingos de Benfica 198, e para D. Fernando de Castro, o 1º Conde de Basto, governador militar de Évora: em 1592 desenha a traça da matriz de Almodôvar, formosa hall kirch ainda existente 199, onde assumiu um projecto de «retoma» de um modelo com ressonâncias tardo­­‑medievais (no tipo previsto de abobadamento único para as três naves), e por esses mesmos anos deve ter seguido as obras que os pedreiros Diogo Gonçalves e Manuel Filipe realizavam no Paço de São Miguel e outras propriedades dos Castros 200. Em Junho desse ano de 1592, desenhou a traça do palacete de D. Jerónimo Coutinho em Cacilhas 201. Pouco antes, também em Lisboa, traça a planta da nova igreja de Nossa Senhora da Vitória, com uma «forma» que serviu de modelo para outras 202, e trabalhara no Mosteiro de São Domingos de Benfica (traça a primeira capela dos Castros, no claustro), desenhara a belíssima capela de planta centralizada do Hospital de Nossa Senhora da Luz em Carnide, e fizera obras em Santa Catarina do Monte Sinai, em Lisboa, uma igreja ligada à importante confraria dos livreiros, a que também estava associado Filipe Terzi. Entre outros retábulos, desenha o da cape90

la de São Tiago na igreja de São Julião de Lisboa, que o mestre nórdico Jacques de Campos executaria de entalhe, com painéis da autoria de Fernão Gomes, mas que infelizmente desapareceu. É de corrigir, entretanto, o errado parecer de alguns autores que extrapolaram o facto de que Nicolau de Frias, por ser filho de imaginário (Pedro de Frias), teria necessariamente uma formação­­‑base no campo da marcenaria (já que deu traças para muitas obras de entalhe, desde as citadas da Sé e de Santo Antão de Évora, ao retábulo da Misericórdia de Sintra, ao monumento das celebrações fúnebres de Filipe I nos Jerónimos, etc) 203 , sendo a sua obra de arquitecto para D. Teotónio algo de residual. Nada de mais falso: Frias tanto desenhou para o Arcebispo peças de luxuoso equipamento litúrgico, tanto de marcenaria como de prataria, mas foi sobretudo como projectista de obras de arquitectura que se impõs. A sua formação romana, e a imagem adquirida com o risco da fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, bastavam para lhe firmar o nome junto do ilustre prelado eborense. Hoje, sabe­­‑se bem o que Nicolau de Frias concebeu como arquitecto, e entre essas suas obras contam­­‑se algumas das mais inovadoras do seu tempo: basta citar­­‑se uma obra­­‑prima do melhor rigorismo maneirista de ressaibos herrerianos, como é a capela centralizada do Hospital de Nossa Senhora da Luz de Carnide (actual capela do Colégio Militar), onde o «risco» dado a fazer a Nicolau de Frias em 1599 pela testamentaria da Infanta D. Maria vem confirmar as suas altíssimas capacidades de tracista de formação italiana, ao nível do que fizera na fachada do Paço de Vila Viçosa e nas obras para D. Teotónio de Bragança 204. Para a fachada do Paço ducal, sua empresa mais aprimorada, para a qual desenhou planos em 1583, estando a obra em andamento, faltam documentos para acompanhar a empreitada de pedreiros nos anos 1585­­‑1590, mas voltamos a tomar pulso do seu andamento, com direcção do pedreiro da casa ducal Manuel Ribeiro, no fim da centúria. O essencial estava cumprido em 1603, mostrando o risco que Nicolau de Frias tinha não só conhecimento da tratadística clássica, de Vitrúvio a Serlio, 91

mas também dos bons modelos palacianos da Península Ibérica (as encomendas da regência de Filipe II). Sendo provedor das obras ducais Escovar de Lira, contratam­­‑se em 1601 os pedreiros Manuel de Loureiro e Manuel Rodrigues para ultimarem os tramos da fachada sul e o corpo principal da torre, utilizando para o efeito «pedraria velha» do anterior projecto de D. Teodósio I 205. Os mestres obrigavam­­‑se a «fazer pera as dit‑ tas casas novas de Sua Excellençia a obra de pedreria seguinte na fron‑ taria que os paços fazem pera o terreiro: huma crescença de pedraria no cabo da dª frontaria da parte das Chagas conforme a amostra que pera isso teem, a qual crescença he do deradeiro pillar que hora estaa feito de pedraria ate o canto das dittas casas novas que se hora fazem que serão dez ou onze palmos de largo, e quanto a altura será conforme a da fron‑ tarya que estaa feita de pedraria em toda a sua alltura, que sam duas ordens». Os tramos da fachada a erguer seriam «conforme a pedra‑ ria da ditta frontaria que já estaa feita fazendosse hum pillar no cabo das dittas casas dalto a baixo com toda a pedraria conforme aos pillares velhos», sendo o lavor de molduras, pedestais, pilares, carrancas da cornija, silharia e janela «do tamanho que na dita amostra esta no andar da segunda ordem». Em outra cláusula especifica­­‑se que «no telhado do passadisso pera cima que se hade fazer pera o mos‑ teiro das Chagas hadese cobrir o pillar que será tornejado pera a parte da orta das Chagas e tudo aquillo que mostra pella frontaria do terrei‑ ro, he torre, entendese assi no pilar, como no capitel, alquitrave, frizo, e cornija da segunda ordem de cima sendo o ditto pillar ho mais resaltado como se vê pella dita frontaria velha» 206. Na crónica de Francisco de Morais Sardinha, em 1618, elogia­­‑se o efeito final da fachada, essa obra de «grandíssima au‑ toridade e apparato», com três pisos («o treceiro he coríntio tem vinte palmos de altura, não esta delle acabado mais do que a meã parte com treze janellas»), e aduz­­‑se um dado esclarecedor: «teem assi os paços velhos como os novos que todos correm por linha recta, vinte e sinco janellas com suas portas verdes» 207. Também Sebastião Lobo Vogado, na Relação de Festas do casamento de D. Teodósio II, em 1603, descreve o prospecto magnificente da fachada, «posto que ultimamente edefica‑ do e ainda agora imperf.to nos sobrados superiores» 208. 92

Reencontramos assim o nosso arquitecto Pero Vaz Pereira, também de formação italiana tal como Nicolau de Frias, que regressa de Roma em 1594, serve D. Teotónio em Évora até à sua morte, e entra em 1604 ao serviço de D. Teodósio II como seu arquitecto e escultor. É ele quem vai ultimar as obras da fachada, iniciadas havia cerca de vinte e cinco anos, em fidelidade às traças de Frias. Tem­­‑se identificado obra numerosa sua, já em parte referida atrás (capela no termo de Portel, igreja de Santa Maria de Machede, igreja de São Manços, obras na Cartuxa, Sacristia Nova e portal marmóreo da Sé de Elvas, término do Aqueduto das Amoreiras também em Elvas, obras no convento de São Paulo da Serra d›Ossa 209, traça da Fonte Grande de Vila Viçosa, palacete em Castelo de Vide, etc) 210. Para D. Teodósio II, dirige programas intestinos e decorações no Paço calipolense (é de sua lavra e traça a a chaminé da Sala de Medusa, além de que concebeu uma das capelas da Tapada, etc). Escreve e dedica ao Duque seu protector um Tratado de Rádio Latino 211 , e é ele quem segue a obra do último andar da empreitada da fachada desenhada por Nicolau de Frias, assim como as obras intestinas de câmaras e espaços 212. Apurou­­‑se recentemente que Pereira, «architeto do senhor Duque de Bragança», traçou em 1620 o palácio de D. Mendo Álvares de Matos, em Castelo de Vide, e a descrição desta casa senhorial, infelizmente alterada213, lembra irresistivelmente uma tipologia de sobriedade maneirista inspirada no modelo palatino de Vila Viçosa: «toda a cantaria com sinco janellas…, com seus fromtespiçios de altura e medida que as tem já asemta‑ do,… he por todo gramde na forma que esta feito, he por emtre as janellas he dali pera sima de diamantes bem lavrados, com suas gargulas e remates, he simalha, he cunhais, tudo de boa cantaria», com indicação expressa do arquitecto «que era milhor ser toda a fromtaria de camtaria cham he bem llavrada» 214. No mesmo ano de 1620, em Julho, Pero Vaz Pereira estava activo, de novo, em Évora, pois se achava envolto em certa obra, pensamos que a dos Paços episcopais, quando lhe faleceu, vindo de Vila Viçosa, um seu moço criado 215. Em Junho de 1601, já Vaz Pereira devia estar a substituír Frias (muito ocupado com várias obras na capital) na empresa 93

do Paço de Vila Viçosa. Nesse mês se contrata o mestre Francisco Lopes, de Borba, para «fazer dous vãos de pedraria na frontaria das casas dos paços de Sua Excellençia sobre as duas ordens de pedraria que já estão feitas nas dittas casas», a 40.000 rs cada vão, segundo a «traça» fornecida216. Na obrigação lê­­‑se que «cada vão se entende de pillar a pillar em largura e há altura se esten‑ de de sima da cornija da segunda ordem ate ao alquitrave da terceira ordem da torre que são desassete palmos dalto, fazendo em cada vão destes hum pedrestal e simalha vasa e pilar conforme aos que estão jaa feitos na tore, e a arquitrave, frizo e cornija será conforme ao modelo da mostra que fica em poder de Sua Excellençia». Em cada vaso rasgar­­‑se­­‑ia uma janela «que responda ao vão de cada huma dellas conforme os debaxo que já estão feitos na dita frontaria, com ha altura conforme a amostra e assi a feição e molduras que pera isso se darão moldes, a qual janela será de pedraria branca e assi mesmo os pilares, o vão que fica entre elles e as janellas será de pedraria preta, e toda a dita pedraria terá muito bons leitos de modo que ella por si se tenha e será toda muito bem lavrada e bornida a bornideiras sem falhas nem quebraduras e toda muito bem dezempenada com os junctos e leitos muito bem feitos, posta toda ao pee da frontaria dos paços do dito senhor». Em Junho desse ano, faz­­‑se ainda marmoreado de dois vãos das «casas novas», pelo pedreiro de Estremoz André Francisco217, recebendo «riscos» e indicações «da mão de Manuel Ribeiro mestre das obras de Sua Exª e escudeiro de sua casa»218. A obra destes vãos refere­­‑se ao andar «sobre as duas ordens de pedraria que já estão feitas nas ditas casas», mais dizendo que «cada vão se entende de pillar a pillar e largura, e a altura se entende de cima da cornija da segunda or‑ dem ate o alquitrave da terceira ordem da torre, que sam desassete palmos dalto, fazendo em cada vão destes hum pedestal e simalha, vasa e pillar conforme aos que estão já feitos na torre e a alquitrave, frizo e cornija será conforme ao modelo da mostra que fiqua em poder de Sua Excellençia», dentro dos trâmites da obrigação feita com Francisco Lopes, cabendo a ambos a factura de quatro tramos do andar superior. Seguindo o estudo das existências, e a informação documental, a 5 de Novembro de 1601 Escobar de Lira contrata ainda o mestre Manuel de Loureiro para integrar a empreitada das «casas nobres» junto a Manuel Ribeiro e Manuel Rodrigues e acelerar o 94

seu término219. Ao mesmo tempo, decorrem no interior as obras de forro de carpintaria e começam grandes campanhas de pintura fresquista nas salas de Medusa e David, no oratório de D. Catarina e na galerietta destinada a D. Ana de Velasco y Girón, esposa de Teodósio II, tudo ainda existente e já devidamente documentado e estudado220. É no âmbito destas obras da provedoria da Casa Ducal que se adquirem azulejos de majólica em Talavera (da oficina de Fernando de Loyasa) e se contratam em 1602 os pintores Custódio da Costa e Tomás Luís para fazerem decorações a fresco e outras obras nessas novas câmaras destinadas a habitação imediata. Sabemos que o arquitecto Pero Vaz Pereira – nomeado arquitecto da casa ducal em 23 de Março de 1604 com ordenado anual de 60.000 rs 221­­– prosseguiu as obras do Paço de Vila Viçosa traçadas por Frias e esteve ao serviço de D. Teodósio II (fal. 1630) e do oitavo Duque D. João II (que em Julho de 1641, já tornado rei após a Restauração, o designa para cargo honorífico, o de arquitecto do Convento de Cristo de Tomar222). As suas intervenções são, além do equipamento das salas e de obras de escultura de fogões, mas também no acabamento da frontaria (será da sua responsabilidade certamente o remate do corpo central e o último piso, que se prolongaram mais uns bons anos). Lendo­­‑se, por exemplo, o que diz Diogo Ferreira de Figueiroa, que visitou o Paço em 1632, à data do casamento de D. João II com D. Luísa de Guzmán, refere esse autor que na fachada «o frontespiçio avendo de prefeiçoarsse virá a ser composto com quatro columnas três janellas a do meyo hade ser rasgada de sacada con‑ forme ao que mostra» 223. Em termos gerais, Pero Vaz Pereira seguiu esse modelo de «fromtaria de camtaria cham he bem llavrada» que aprendera com Nicolau de Frias e com a memória viva de um estágio onde vira os palazzi de Roma. A sua importância era reconhecida na corte, a ponto de D. João IV o designar para arquitecto do Convento de Cristo de Tomar, em 1641, um cargo que era sobretudo honorífico, dada a idade avançada de Pero Vaz Pereira. Até a morte o surpreender em fins de 1643 (jaz em campa rasa na igreja do 95

Convento das Chagas de Vila Viçosa, à entrada da nave, junto à grade do coro baixo), deve ter prosseguido essa obra de ultimação do andar superior da fachada palatina. A frontaria, de facto, ainda estava por acabar na totalidade à data da visita do Grão­­‑Duque da Toscana, em 1668, segundo afiança o precioso desenho de Pier Maria Baldi, o pintor italiano que integrava a comitiva de Cosme III. As delongas percebem­­‑se: a mudança da corte calipolense para Lisboa, após a Restauração do 1º de Dezembro de 1640, alterou definitiva e inexoravelmente o ritmo construtivo do Paço calipolense. Ainda no tempo de D. João V e de D. Maria I essas obras de término da fachada se arrastavam, cabendo a sua responsabilidade, em 1786, ao mestre arquitecto Bento José Brochado 224. Entretanto, um precioso desenho da segunda metade do século XVII, conservado em arquivo parisiense e que pertencia à colecção do cavaleiro Roger de Gaignières (1642­­‑1715), vem enriquecer a magra iconografia do Paço Ducal de Vila Viçosa. Esse apontamento de discreta qualidade e, ao que parece, inacabado, mostra­­‑nos uma rara visão do palácio, com o terreiro adjacente, a fachada com o corpo central destacado, e marcação dos arruamentos, das Chagas, do castelo e dos adarves da fortificação seiscentista, coevos das guerras da Restauração 225. Embora pouco acrescente de relevante para a análise empreendida neste capítulo, vem­­‑nos revelar, pelo menos, a necessidade de se pesquisarem sistematicamente as fontes gráficas integradas em acervos de viajantes a Portugal, na presunção de que, além do desenho de Baldi, mais testemunhos iconográficos subsistirão sobre Vila Viçosa e o seu celebrado paço dos Duques brigantinos. É uma investigação que, por certo, alargará conhecimentos e trará frutos. Podemos concluír, assim, que: 1) O Paço Ducal de Vila Viçosa é uma das obras­­‑primas da arquitectura civil portuguesa da Idade Moderna, e a sua traça deve­­‑se ao arquitecto régio Nicolau de Frias, que terá iniciado o projecto cerca de 1577 a mando do sexto Duque D. João I, interrompendo a obra com Al96

cácer Quibir e retomando­­‑a com celeridade em 1583, já a mando do Duque D. Teodósio II. Dessa obra gigantesca, com frontaria de 110 m de comprido, sem precedentes na arquitectura civil portuguesa, onde sabiamente se utilizam as ordens toscana, jónica e coríntia sobrepostas ao longo de vinte e três tramos de três andares, e modelo de serliana no corpo central, sobressai a solução contra­­‑reformista de raiz italiana, com incidência de modelos palaciais castelhanos generalizados na época da regência de Filipe II. 2) É absolutamente incontornável que esta solução só vigorou em Portugal em plena segunda metade do século XVI e não pode ser, em caso algum, confundida com o modelo construtivo da campanha de D. Teodósio I. Ao mesmo tempo, a magna obra atesta aquilo que Fernando Marías defende serem, no século XVI tardio, valores absolutos da Arquitectura: a consciência cívica dos mecenas, e o orgulho cívico dos tracistas e empreiteiros de obra na valorização dos lugares de excelência 226. 3) Por outro lado, o conhecimento que temos hoje do estilo do francês Francisco de Loreto, arquitecto das obras de D. Teodósio I, pelo que nos deixou nas igrejas de Arronches e das Chagas de Vila Viçosa, vem­­ ‑nos iluminar sobre o que era o gosto desse Duque e o tipo de obras que custeou no seu paço. 4) Assim temos que a campanha definitiva de Nicolau de Frias – aquela que chegou aos nossos dias ­­– proveu a ampliação, reformulação e substituição de uma anterior fachada renascentista «ao romano», mais pequena, concebida e acaso lavrada pelo arquitecto francês Francisco de Loreto no tempo de D. Teodósio I, da qual nada resta. 5) Tal campanha veio conferir ao Terreiro ducal o carácter que preserva na actualidade, com a força severa de uma arquitectura maneirista de gosto herreriano­­ ‑escurialense a rimar com o desejo de emulação e sen97

tido de modernidade pretendidos pelos Braganças, não escondendo já as suas ambições de sucessão dinástica. 6) Que o Arcebispo de Évora D. Teotónio de Bragança seguisse o andamento destas obras, sugerindo quiçá ao Duque seu sobrinho alterações no seu curso, e recebendo delas uma forte impressão que se consubstanciaria em ideias e influências, parece ser, também, algo por demais evidente.

98

Notas 150 Sobre a fachada, cf. Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Évo‑ ra, Lisboa, 1978, pp. 611­­‑644; José Teixeira, O Paço Ducal de Vila Viçosa, Fundação da Casa de Bragança, Lisboa, 1983, pp. 71­­‑87; Túlio Espanca, op. cit., 1984­­‑85, pp. 103­­‑105; Rafael Moreira, «Uma ‘cidade ideal em mármore’. Vila Viçosa, a primeira corte ducal do Renascimento português», Monumentos, nº 6, 1997; Vitor Serrão, O fresco maneirista no Paço de Vila Viçosa, cit., 2008, pp. 113­­‑120; Carlos Ruão, O Eupali‑ nos Moderno, cit., 2006, II, pp. 184­­‑202; Miguel Soromenho, 2009, pp. 81­­‑83; Patrícia Monteiro, A Pintura Mural no Norte Alentejano (sécs. XVI­­‑XVIII): núcleos temáticos da Serra de S. Mamede, Lisboa, tese doutoral, Faculdade de Letras, 2012, p. 50 e n. 85; e Nuno Senos e Alexandre Pais (coord.), Da Flandres. Os Azulejos encomendados por D. Teodósio I, 5º Duque de Bragança, Lisboa: Museu Nacional do Azulejo e Fundação da Casa de Bragança, 2013. 151 Rafael Moreira, art. cit., 1997, pp. 50­­‑52. 152 Esta foi a opinião maioritariamente difundida pela generalidade dos investigadores envolvidos no âmbito do projecto De Todas as Partes do Mundo: O Património do 5º Duque de Bragança, D. Teodósio I, coordenado por Jessica Hallett (FCT ­­– PTDC/ EAT­­‑HAT/098461/2008). 153 Rafael Moreira, art. cit , 1997, pp. 50­­‑52. 154 B.N.P., Reservados, Memórias Históricas, Cód. 675; cf. José Teixeira, op. cit., pp. 36­­‑37, e Carlos Ruão, op. cit., II, p. 185. 155 Segundo Moreira, art. cit., trata­­‑se do escritor Francisco de Morais, criado da casa e autor do romance Palmeirim de Inglaterra. 156 B.N.P., Reservados, Mss. Cód. 1544 (Festas e apercebimentos que fés em Villa Vicoza o Duque de Bragança Dom Theodosio e os casamentos do Infante Dom Duarte e da srª Infante Dona Izabel sua irmam No mês de Abril do anno de 1537). 157 Rafael Moreira, art. cit., p. 51. 158 Sobre este importantíssimo documento (Arquivo Histórico da Fundação da Casa de Bragança, doravante citado A.H.F.C.B.), Avalliaçam das obras das casas de Vila Viçosa, Res. Ms. 17, Maço 1, t.2), cf. a primeira referência e revelação de existência em João Ruas, 2006, p. 90 e nº 105, e a primeira transcrição em Vitor Serrão, O fresco maneirista…, pp. 235­­‑246. 159 B.N.P., Reservados, Cód. 1544, cit. em José Teixeira, op. cit., p. 114. 160 A.H.F.C.B., Avalliaçam das obras…, fl. 24. Cfr. Serrão, O Fresco Maneirista... (2008), pp. 243­­‑244. 161 Túlio Espanca, art. cit., 1952, pp.146­­‑150. 162 A.C.B., Mercês de D. Teodósio II, mss. nº 135, fl. 2 vº, refª em José Teixeira, op. cit., p. 120, Túlio Espanca, op. cit., pp. 615 e seg., Vitor Serrão, op. cit. (2008), p. 113, e Carlos Ruão, op. cit., vol. II, pp. 184­­‑202. 163 Vitor Serrão, op. cit., pp. 184­­‑187. 164 Miguel Soromenho, op. cit., pp. 81­­‑82.

99

165 Rafael Moreira, op. cit., p. 49. 166 É útil cruzar estes dados arquivísticos, e a informação iconográfica calipolense, com as pesquisas de reconstituição ‘in situ’ de Nuno Senos e Ana Lopes, no âmbito do projecto De Todas as Partes do Mundo. Cf. Alexandre Nobre Pais, Maria Antónia Pinto de Matos e Nuno Senos (coord.), Da Flandres. Os Azulejos encomendados por D. Teodósio I, 5º Duque de Bragança, Lisboa: Museu Nacional do Azulejo e Fundação da Casa de Bragança, 2013, p. 31. 167 Cf. a este respeito, entre outros, Chueca Goitia, op. cit., 1962, pp. 215­­‑253; Fernando Marías, op. cit., 1989; José Manuel Barbeito, El Alcázar de Madrid, Madrid, 1992; Carlos Ruão, op. cit., 2008; e Miguel Soromenho, op. cit., 2009. 168 Fonte citada em José Teixeira, op. cit., p. 72 e n. 28. 169 José Teixeira, op. cit., p. 120. 170 José Teixeira, op. cit., pp. 120­­‑121. 171 Carlos Ruão, op. cit., II, p. 187. 172 Chueca Goitia, op. cit., pp. 215­­‑253. 173 Alfonso R. de Ceballos, op. cit., 2008. 174 Pedro Flor, «O escultor francês Pierre Loiret», Actas do Colóquio Lisboa e os Es‑ trangeiros / Lisboa dos Estrangeiros, coord. de Maria João Ferreira, Pedro Flor e Teresa Leonor Vale (coord.), Lisboa, Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, Grupo Amigos de Lisboa, 2013. 175 Pedro Flor, «O Portal da Igreja Matriz de Arronches e a Escultura do Renascimento em Portugal», in O Largo Tempo do Renascimento. Arte, Propaganda e Poder, Lisboa, Caleidoscópio, 2008, pp. 131­­‑152. 176 A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte I, maço 71, nº 77. Cf. Pedro Flor, op. cit., 2008, p. 137. 177 Ao contrário do que se pensa, não estava interdita a prática da talha em madeira a um escultor de lavor pétreo. Abundam exemplos em contrário, como se infere deste caso explícito de Arronches com um artista que é, simultaneamente, escultor de pedra e madeira e, ainda, mestre de arquitectura. O mesmo sucedeu com Diogo de Çarça. Cf. Pedro Flor, op. cit., 2008, pp. 137­­‑138. 178 Vergílio Correia e A. Nogueira Gonçalves, Inventário Artístico de Portugal. Cida‑ de de Coimbra, Lisboa, 1947; Robert C. Smith, Cadeirais de Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1968.; Pedro Dias, «A presença de artistas franceses no Portugal de Quinhentos», Mundo da Arte, nº 15, 1983, pp. 3­­‑18. 179 Sobre Pedro de Loreto, cf. o que mais nos diz Pedro Flor, art. cit., 2013: o artista vivia em Lisboa (Belém), trabalhou em Coimbra (Santa Cruz) e Tomar (Charola) e, ainda, na Trofa do Vouga, em cuja igreja deve ter intervindo, segundo Pedro Flor, na escultura do célebre panteão dos Lemos. Segundo mais aduz Francisco Bilou, morreu nos cárceres da Inquisição em 1561 (A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, Processo nº 10.946, fl. 29. Inédito). 180 Pedro Flor, op. cit., 2013. 181 Arquivo Distrital de Portalegre (doravante designado A.D.P.), Convento de Nos‑ sa Senhora da Luz ‑­­ Concelho de Arronches, CNSLARR, maço 1, Lº 1, nº 37, fls. 62 e vº

100

e 69 e vº. Comunicação inédita do Dr. Manuel Branco e do Dr. Francisco Bilou, a quem devo a leitura paleográfica: Saibam quamtos este estromemto de fiamça e obrjguaçam vyrem que no anno do nacimento de nosso sennhor Ihesuus xpristo de mjll e quinhemtos e trimta e noue annos vymte e dous dias do mes de nouembro em vila vyçosa nas casas e morada de mim taba‑ liam e peramte mim e testemunhas ao diamte nomeados pareceram Framçisco de Loreto mestre das obras do duque nosso senhor e Joham Louremço Manso e Vasco SeRam pedreyro moradores em a dita villa e dise elle Francisquo de Loreto que era verdade que elle tinha ora tomado d´empreytada huma obra d´aluenaria da Igreja de samta Maria da vylla d´aRomches por certo preço conforme A escritura que diso tem ffeito pera o quall lhe era necesario dar fyamça segumdo pellos oficiaes da confrarja da dita nossa Senhora lhe fora mamdado per A quall fyamça o dito Framçisco de Lore‑ to dise que apresemtaua e apresemtou por seus fiadores Aos ditos Johão Lourenço e Vasco Serram pera a contya de çemto e vinte e cimquo mjll Reaes que polla dita obra esta comçertado e pera As paguas e seguridade della apresemtou por fiadores aos sobreditos Vasco Serram e Johão Louremço pollos quaaes ambos foy dito que lhes aprazia e de feito Aprouue de fiar e fiaram ao dito Framçis‑ co de Loreto na dita obra E paguas della ambos jumtos de mão nuum huum por Ambos e ambos por huum pera f.69//f. 69v o qual Nomearam e Ipotecarão A fazemda segujmte convem saber o dito Vasco Serram obrjgou e ypotecou huumas casas que tem na dita vila viçosa na Rua de samto espirito que partem com casas de Vasco Fernamdez Marcos e asy huuma vijnha ahomde chamão o chafariz que parte com vijnha de Vale da Rama criado do dito senhor duque e bem asy a metade de huum oliuall no dito chafarizo que parte com Manuel Martinz bacharel. E o dito Joam Lou‑ remço dise que hobrjguaua e ypotecaua pera a dita fiamça humas casas em que viue na Rua das Cortes que partem com casas dos filhos de Framçisco Vaasquez e bem assy huuma vynha boa e tal na serra termo da mesma que parte com vijnha de Pero Lopez trapeyro e bem asy outra vijnha nas Cortes Ahomde se chama o pomar da Felipa que parte com vijnha de Fernam Cordeiro tabaliam do Judiciall e maijs todos os outros seus beens moueis e Raijz avidos e por aver a quall fiamça deram pera a dita obra e paguas e seguridade della ate de todo ser acabada A qual fyamça e obrjguaçam eu tabaliam estipuley e aceitey e aceyto em nome das partes a quem pertemçer por nom serem pre‑ semtes a isto e em testemunho de verdade mamdarão e outorgaram ser fl. 69 v// fl. 62 ffeito este estromemto A que foram presemtes Lopo Guomçaluez oleiro e Pedro outrosy oleiro e Per´Eanes mestre d´alcunha moradores em a duque que este estromemto escriui e da nota treladey e em elle meu pubrico synall fiz que tal he [sinal de tabelião] … pagos L reaes». 182 Idem, ibidem. 183 A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte I, maço 71, nº 77. Cf. Pedro Flor, art. cit., 2008, pp. 131­­‑152. 184 Já os tondi do portal desse templo calipolense, que data de 1536, revelam um trabalho de artista mais fruste. 185 B.N.P., Reservados, Mss. Cód. 1544, Festas e apercebimentos que fés em Villa Vicoza o Duque de Bragança Dom Theodosio e os casamentos do Infante Dom Duarte e da srª Infante Dona Izabel sua irmam No mês de Abril do anno de 1537. 186 Manuel Joaquim Branco, op. cit., 1999, pp. 242­­‑243, e Joaquim Oliveira Caetano e José Alberto Seabra Carvalho, «He nobreza as cidades haverem em ellas boas casas. A propósito de dois palácios eborenses», Monumentos, nº 6, 2004, refª pp. 59­­‑57. 187 Estas afinidades foram acertadamente sublinhadas e sugeridas como pólo comparativo com a fachada de Vila Viçosa pela Prof. Maria José Redondo Cantera, a quem agradecemos. Sobre o Palacio de los Cobos em Valladolid, essa historiadora de arte

101

atesta que o autor da traça conhecia – tal como sucede no risco da fachada de Vila Viçosa e outra arquitectura palacial do pleno Quinhentos – um desenho saído na primeira edição ilustrada do tratado de Marco Vitrúvio Polião por Frei Giocondo (M. Vitruvius per Iocundum solito castigatior factus sum figuris et tabula ut iam legi et intelligi possit, libro I, fl. 4º, Venecia, 1511). Esta obra encontrava­­‑se entre os tratados de arquitectura disponíveis na livraria dos Condes de Basto em Évora (A.H.F.E.A., Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto…, fl. 69 vº: «Vetruvio De Architetura de quarto em pergaminho, avaliado em duzentos reis») ! O desenho de Vitrúvio, modelo de um tipo ortogonal de representação frontal em perspectiva, foi seguido pelo arquitecto Luís de Vega no palácio de los Cobos, cuja origem remonta a 1526­­‑1527, prolongando­­‑se as obras até cerca de 1545, com adições no fim da centúria. Maria José Redondo Cantera destaca «la excelencia atribuida a la composición de la fachada» e acrescenta: «Hasta entonces los grandes palacios vallisoletanos destacaban más por la gran superficie que ocupaban y por sus imponentes volúmenes, por la riqueza de su decoración exterior o la incorporación de un lenguaje al romano, si bien éste ya había sido introducido en la ciudad gracias a la portada del Colegio de Santa Cruz (…). Ora Luis de Vega «se jactaba ante su cliente de que la fachada seguía «la mexor manera que nunca se ha visto en delantera de casa». Si tomamos como referencia la apertura de los huecos, que han permanecido en el cuerpo central de la fachada aunque alterados en sus dimensiones y molduras al menos en dos ocasiones, la novedad consistiría en la regularidad de su distribución. Ciertos datos de las reformas realizadas en 1602 en la fachada confirman que en ella se abrían 13 ventanas, distribuidas en dos alturas y siete ejes, de los que el central correspondía a la puerta, que actuaba como eje de simetría, como se mantiene en la actualidad. Por encima corría una galería bajo la cornisa. Tal organización presenta una gran proximidad con la que se aplicó en otras fachadas posteriores: la del Patio de Armas en el antiguo Palacio Arzobispal de Alcalá de Henares; la principal del Alcázar de Toledo (trazada por Alonso de Covarrubias en 1545) y la de los ubetenses palacios del deán Fernando Ortega y de Juan Vázquez de Molina (Andrés de Vandelvira, ca. 1550), sobrino de Cobos y buen conocedor de su casa por haber sido secretario de Isabel de Portugal, quien habitó allí ininterrumpidamente entre 1536 y 1538. Como ya se ha señalado en el caso de este último, el modelo fue el ejemplo de representación, según la Ortographia o imagen frontal, del edificio civil propuesto como ideal de dispositio en la edición del tratado de Vitrubio que hizo Fra Giocondo. Si admitimos que la fachada vallisoletana constituiría el inicio de esa serie, nos encontraríamos con que Luis de Vega sería uno de los más tempranos vitrubianos de la Arquitectura española del Renacimiento». 188 José Teixeira, op. cit., p. 84, e as citações de Serlio in Quarto Libro, fls. 177 vº e 179 vº, e Sesto Libro, ms, fl. LXXII1 r. 189 Vitor Serrão, O fresco maneirista…, 2008, pp. 184­­‑187. 190 Luis de Zapata, Miscelânea. Memorial Histórico Español, XI, Madrid, 1859, p. 447, e Fernando Bouza Alvares, op. cit., p. 166. 191 Teresa Campos Coelho, Os Nunes Tinoco, uma dinastia de arquitectos régios dos sé‑ culos XVII e XVIII, tese de Doutoramento, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2014, p. 305. 192 Mercês de D. Teodósio II, mss. 135, fl. 158, refª José Teixeira, op. cit., p. 120.

102

193 José Teixeira, op. cit., pp. 8­­‑13. 194 Caso do Oratório ducal junto à actual Sala de Hércules. 195 Túlio Espanca, art. cit., 1983­­‑84, pp. 102 e 145. Lavrado em 1588 por excepcional preço de 600.000 rs, era «a mais bela e grandiosa lâmpada de prata que existiu em Portu‑ gal, invenção nova, desenhada pelo arquitecto Nicolau de Frias». 196 Segundo nos informa Manuel Branco, em 1586 o arquitecto Filipe Terzi avaliou a nova grimpa da Sé de Évora mandada fazer em Lisboa por D. Teotónio de Bragança a Nicolau de Frias (B.P.E., Colecção Manizola, Cód. 85, doc. 1). 197 Vitor Serrão, op. cit., 2008, p. 41, n. 72. 198 A.N.T.T., Cartório Notarial nº 7­­‑A, Lº 5, fls. 53 a 55 vº. 199 A.N.T.T., Livro de Notas do Tab. Belchior de Montalvo, contrato de 29­­‑V­­‑1592; A.D.E., Lº 275 do Tab. Baltazar de Andrade, fls. 55 a 56 vº (contrato de 22­­‑V­­‑1593 sobre a empreitada dessa igreja pelo mestre pedreiro Domingos Moreira). 200 A.D.E., Lº 280 de Notas de Baltazar de Andrade, fls. 71 vº­­‑73 vº; Lº 284, fls. 36­­‑37 vº. 201 A.D.E., Cartório Notarial de Lisboa nº 11, Lº 13 de Notas de Heitor Dias de Ma‑ galhães, fls. 18­­‑19 vº. 202 A.N.T.T., Cadernos do Distribuidor, Cx. 1, lº 3, fl. 61: «Concerto os Irmãos de N.ª Sr.ª da Vitória e Nicolau de Frias». 203 Segundo documento que há muitos anos puvlicámos, em 1581, estando a ser discutido como devia ser o retábulo da Misericórdia de Sintra (que Cristóvão Vaz haveria de pintar), foi discutida uma «traça» pedida pelos mesários a Nicolau de Frias. 204 Este interessantíssimo contrato notarial da A.N.T.T. aguarda melhor oportunidade para conclusão de um estudo, em vias de publicação. 205 A.D.E., Lº 6 de Notas de André Luís de Cerveira, tabelião de Vila Viçosa, fls. 60 vº a 63 vº. 206 Outra escritura de 5 de Novembro (Lº 8 de Notas, cit., fls. 12­­‑14) especifica que «se moveo e acreçemtou obra». 207 José Teixeira, op. cit., pp. 121­­‑122. 208 Idem, ibidem, p. 66; e Carlos Ruão, op. cit., vol. II, p. 191. 209 Nas obras do Convento da Serra d’Ossa, Pero Vaz Pereira teve a colaboração do seu genro Jerónimo Rodrigues, mestre pedreiro, cavaleiro da Casa de Bragança, com quem lavrou um fogão de sala, entre outras campanhas para ols frades paulistas. Cf. Luísa d’Orey Capucho Arruda e Teresa Campos Coelho, Convento de S. Paulo de Serra de Ossa, Lisboa, Edições Inapa, 2004. 210 Para a obra da Fonte do Aqueduto das Amoreiras, traçada por Vaz Pereira e executada pelos pedreiros Agostinho Nunes e Fernão Gomes, cf. contrato de 18­­‑VIII­­‑1628 no A.D.E., Lº 80 de Notas de Manuel de Oliveira, de Vila Viçosa, fls. 20­­‑23. 211 Luís de Albuquerque, «Notícia de dois manuscritos portugueses saobre o Rádio Latino de Orsini», As Navegações e a sua projecção na Ciência e na Cultura, Lisboa, Gradiva, 1987, pp. 163­­‑180. Um desses manuscritos foi identificado pelo Doutor Henrique Leitão como sendo o perdido mss. do tratado de Pero Vaz Pereira.

103

212 Sobre Pero Vaz Pereira, cf. José Teixeira, op. cit., 1983, p. 120; Manuel Inácio Pestana, art. cit., 1987, pp. 153­­‑166; Manuel Branco, op. cit., 1999, pp. 219­­‑247; Mário Cabeças, «Obras e remodelações na Sé Catedral de Elvas (1599­­‑1637)», Artis ­­‑ Revista do Instituto de História da Arte, nº 3, 2004, refª pp. 249­­‑261; Artur Goulart e Vitor Serrão, art. cit., 2006, pp. 211­­‑238; Vitor Serrão, op. cit., 2008, pp. 131­­‑136; Carlos Ruão, op. cit., vol., I, pp. 306­­‑310 e vol. II, pp. 192­­‑193; e Patrícia Monteiro, A Pintura Mural no Norte Alentejano (sécs. XVI­­‑XVIII): núcleos temáticos da Serra de São Mamede, Lisboa, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras, 2012, pp. 41­­‑52 e 98­­‑99. 213 Informa­­‑nos a Doutora Rosário Salema de Carvalho que esta casa solarenga de Castelo de Vide sobreviveu, com a sua fachada maneirista de boa traça, posto que muito modificada na sua estrutura interna aquando da adaptação a hospital de campanha durante as guerras de fronteira. No livro de Augusto Moutinho Borges, Reais Hospitais Militares em Portugal (1640­­‑1834), Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, há referências à sua função hospitalar. Trata­­‑se da casa onde é tradição ter nascido Mousinho da Silveira, e que Luís Keil (Inventário Artístico de Portugal. Distrito de Portalegre, 1942, p. 43) destaca pelo seu interesser como arquitectura solarengas seiscentista. Em César Videira, Memória Histórica (…) de Castelo de Vide…, 2ª ed., pp. 87­­‑88, diz­­‑se que em 1714 (segundo os registos de sisas do Concelho) a casa pertencia aos herdeiros da senhora D. Ana Cardoso de Matos mas tinha já funções hospitalares, a cargo dos religiosos de São João de Deus. 214 A.D.P., Cartório Notarial – Castelo de Vide, Lº 8, fls. 231 vº­­‑233 vº. Leitura inédita da Doutora Patrícia Monteiro. 215 Túlio Espanca, op. cit., 1948, pp. 258­­‑259 (A.D.E., Lº dos Defuntos da Misª, 1610­­‑30, fl. 81). 216 A.D.E., Lº 6 de Notas de André Luís de Cerveira, tabelião de Vila Viçosa, fls. 109 a 111 vº. 217 Foi autor, em 1613, do túmulo com jacente de D. Pedro de Carvajal Girón, bispo de Cória, na igreja de San Nicolás de Plasência, com estátua­­‑orante (Florêncio­­‑Javier García Mogollón, «El sepulcro del obispo de Coria D. Pedro de Carvajal Girón. Una obra del escultor portuguès Andrés Francisco», Norba­­‑Arte (V), 1984, pp. 141­­‑162). 218 A.D.E., Lº 6 de Notas de André Luís de Cerveira, tabelião de Vila Viçosa, fls. 111 vº a 114 vº. 219 A.D.E., Lº 8 de Notas de André Luís de Cerveira, fls. 12 a 14. 220 Sobre as pinturas murais e a pinacoteca da casa ducal, cf. Vitor Serrão, O fres‑ co maneirista…, 2008. 221 José Teixeira, op. cit., p. 121. 222 F. M. de Sousa Viterbo, Dicionario Historico e Documental dos Architectos…, 2ª série, Lisboa, 1911, p. 249. 223 Diogo Ferreira de Figueiroa, Epítome das Festas que se fizeram no casamento do Sere‑ níssimo Princepe Dom João (Évora, 1633), fl. 4, apud José Teixeira, op. cit., p. 85. 224 Fernando Castelo­­‑Branco, «Subsídios para a história do palácio de Vila Viçosa», Belas­­‑Artes, nº 31, 2ªsérie, 1977, pp. 71­­‑76. 225 Bibliothèque Nationale de France, Paris, Ville et chateâu de Villa viciosa, P188796, desenho, 45 x 63 cms, revelado pelo senhor Dr. Francisco Bilou, a quem nos confessamos gratos pela informação inédita. 226 Cf. Fernando Marías, El Largo Siglo XVI, cit., 1989, p. 54.

104

4 . A s o b r a s c at e d r a l í c e a s d e D. Teotónio

4 . 1 . U m a r c e b i s p o ‑­­ m e c e n a s d a s a r t e s Muitas foram as obras realizadas pelo Arcebispo nos vinte e três anos do seu múnus na Sé de Évora. Delas nos dá conta a interessantíssima relação inédita, já muito referida, que se intitula Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo e foi escrita no início do século XVII, muito provavelmente da autoria do padre Nicolau Agostinho, antigo capelão e biógrafo de D. Teotónio 1. Se a atribuição do manuscrito (que pertenceu ao escritor Manuel Severim de Faria) tem a seu favor a coincidência absoluta de certas referências aí feitas com o que aparece ulteriormente descrito no livro editado em 1614, pode ser­­‑se mais preciso, também, em torno da cronologia dessa «relação» de feitos dignos de memória: deve ter sido redigida cerca de 1610, pois coincide com a designação de um novo Arcebispo, D. José de Melo, e terá havido da parte do autor a intenção de sublinhar factos relevantes da governação diocesana de D. Teotónio em termos de empreendimentos artísticos, os quais, por menor empenhamento dos seus dois imediatos sucessores, não tinham tido a sequência merecida. Desde que fez entrada em Évora para servir a Arquidiocese, definiu as regras que deviam imperar no serviço dos membros 105

do Cabido, através de um Regimento da Obra da Sé de 30 de Setembro desse ano 228, onde se definem ao pormenor os deveres e responsabilidades dos capitulares, desde o recebedor, ao vedor, ao escrivão, com pormenores que chegam ao ponto de incumbir, por exemplo, «o cuidado de visitando as capellas da See em enfor‑ marse sempre da umidade que resembra (sic) nellas e dar ordens para que se remedeie sendo possível (…), «e tanto que vier tempo quente e emxuto mandará logo branquear as nodoas e sinais que a umidade tiver feito nas ditas capellas». Prescrições como esta, a que poderíamos chamar de conservação preventiva, são constantes na prática de D. Teotónio com indicações de idêntico teor tanto nas cartas pastorais como nas visitações às igrejas do Arcebispado. Foram, de facto, numerosas, e relevantes as obras empreendidas pelo Arcebispo durante o seu múnus, ainda que nem todas pudessem ser concretizadas. Elencam­­‑se neste livro bastantes obras por si ordenadas, muitas de pedraria, outras de talha, paramentaria, prata, imaginária e pintura. Tinha escolhas precisas no campo artístico, como se viu, com nomes escolhidos para superintenderem em obras nas várias modalidades, e a eles recorria, consoante as necessidades. Ainda que por vezes fossem de Lisboa, ou estrangeiros, os mestres cujos serviços eram requisitados, foram anos de prosperidade para a arte e os artistas eborenses. Diz o padre Nicolau Agostinho que D. Teotónio «desejou alar‑ gar, & estender a Capella mór para mais comodo dos Conegos, e Benefi‑ ciados, por ser pequena, mas não foi possiuel fazello, por não achar pos‑ to para isso» 229. A verdade é que começou a planificar um novo presbitério, que implicava adquirir terrenos contíguos à ousia, e pensar em soluções para altear e remontar o retábulo flamengo, tendo escolhido artistas para lavrar a nova pedraria, algo que todavia se gorou. Um dos mestres envolvidos nesses trabalhos foi o arquitecto Mateus Neto, oriundo daquela brilhante geração de hábeis pedreiros do tempo do Cardeal­­‑Infante D. Henrique com presença nos grandes monumentos da cidade 230. Mateus Neto chegou a lavrar pedras para esse desiderato que, de seguida, o Arcebispo D. Teotónio iria tentar ultimar. Mas as dificul106

dades cedo surgiram à volta deste projecto de alterar e ampliar a capela­­‑mor, incluindo resistências do Cabido, que fizeram falir o propósito e, assim, o projecto teotonino não avançou. Inviabilizada foi, também, a sua intenção de «arrasar, & igualar o terreiro», dada a resistência do Conde de Basto e do Município, que defendiam direitos adquiridos da população, bem como a intenção de (diz o seu biógrafo Nicolau Agostinho) soterrar «a Crasta baixa da Sé (…) e entulhála, & levantála ao andar da Igreja, de forma que fiquasse toda rasa, & clara», num afã anti­­‑goticista que se adequa bem à sua personalidade e gostos e encontra exemplos na Roma dos mesmos anos. Lembremos o que se passou com a demolição das naves góticas de São Tiago, no âmbito de uma reforma geral dos templos da cidade, já referida, em que o projecto de redimensionação da velha igreja só poupou a pequena e baixa capela­­‑mor gótico­­‑manuelina, integrada num amplo e espaçoso corpo de arquitectura «chã», adequado à nova ideia tridentina dos templos­­‑auditório. As obras teotoninas da região de Évora reclamam­­‑se, aliás, desse espírito reformista de novo tipo em que o Arcebispo foi mentor e campeão. No caso do projecto de remodelação do andar baixo da crasta da Sé, a morte súbita do prelado, em Valladolid, inviabilizou esse e alguns outros planos, que aliás não encontravam pleno acolhimento no seio do Cabido eborense. As resistências eram de ordem económica, por vezes, ou revestiam­­‑se de carácter político, em termos de equilíbrio de poderes, senão em termos de agenda, quando as prioridades impostas pelas pestes e pelas fomes endémicas recomendavam outras opções e respostas imediatas. Mas no caso do soterramento do andar inferior do primitivo claustro gótico, depois de removidas as sepulturas de antigos epíscopes, percebe­­‑se mal a proposta de D. Teotónio, pois tal não era imperioso para, como ele tanto desejava, se dignificar o andar da crasta correspondente ao nível da igreja. Faltam­­‑nos, todavia, dados mais precisos para perceber a verdadeira intenção do Arcebispo. O projecto de D. Teotónio para dignificação dos Paços Arquiepiscopais foi outra obra assaz importante investimento do 107

Fig. 25

seu governo, dando decisivo desenvolvimento à construção henriquina e conferindo­­‑lhe uma marca de imponência, mas também de austeridade tridentina, com o seu alçado de quatro pisos, as elegantes fiadas de janelas molduradas, e a sua difícil implantação no alcantilado terreno do cómoro da cidade, ao lado da Sé e não longe do Templo Romano. Sabemos de vistorias à obra por Filipe Terzi, vindo à cidade em 1588 e, mais tarde, por Pero Vaz Pereira, e referenciam­­‑se empreitadas de pedraria por Jerónimo de Torres, um dos nomes habituais nos estaleiros teotoninos, mas a verdade é que a obra só seria ultimada após a morte de D. Teotónio, já sob o arcebispado de D. José de Melo (1611­­ ‑1633). Os Paços, muito alterados em fases ulteriores, albergam hoje o Museu de Évora, com projecto de João Luís Carrilho da Graça; o portal ostenta no remate as armas de D. José de Melo, em cujo governo a construção se acabou, marcando em moldes emblemáticos o conjunto da acrópole citadina. Tanto os Paços como a Sé deviam ser envolvidos, segundo desejava D. Teotónio, pela construção de um gradeamento de ferro correndo em volta de ambos os imóveis e limitando­­‑lhes o acesso público, mas a intenção não foi por diante, para desgosto do epíscope. Vinha criar conflitos com o Senado da Câmara, por se tratar de área pública, e com os moradores da alta da cidade. Em 1596, o Conde de Basto D. Fernando de Castro assumiu a corrente contrária a essa obra, que era também a voz de parte da população, e o «cerrado» foi formalmente impedido 231. Devendo recorrer­­‑se a arbitragem especializada, o Conde de Basto solicitou a Madrid o envio de um perito, e deslocou­­‑se então a Évora o arquitecto lisboeta Baltazar Álvares, não só para ver as obras do Arcebispado, mas sobretudo para se pronunciar sobre essa matéria polémica, «e se informe do Arçebº e do Conde e faça hum debuxo della», sobre «se será inconveniente cerrar o adro, e traga tudo mtº berm visto e entendido», optando­­‑se então por contrariar a vontade do Arcebispo por se tratar de serventia pública 232. Se a acção de D. Teotónio de Bragança se resumisse a tais falhados projectos na sua Sé, o seu perfil de mecenas das artes seria, naturalmente, pouco significativo enquanto pastor de um 108

grande Arcebispado. Mas a verdade é que, desde a designação para o cargo, levou a efeito uma série de empreendimentos de monta, em que a Sé ocupa um lugar cimeiro 233, e também vários conventos, hospitais e igrejas, e de que é imperioso falar­­‑se com maior detalhe. 4 . 2 . A d e c o r a ç ã o d a n o v a c a p e l a ­­‑ m o r e d o s a lta r e s l at e r a i s No panorama das muitas obras que na Sé de Évora se pensaram e fizeram no tempo de D. Teotónio, o desejo de alterar a capela­­‑mor gótica, considerada estreita e sem a devida profundidade, já fora discutido em tempo do múnus do Cardeal D. Henrique e voltou a ser tomado como projecto pessoal pelo novo Arcebispo. Aquele prelado já em 1575 procedera a obras de pedraria visando adaptar o presbitério da Sé a novas funções tridentinas, delas encarregando então o seu mestre pedreiro Mateus Neto, que desenhou os apontamentos necessários 234. D. Teotónio servia, na altura, como bispo de Fez, no Arcebispado henriquino, e pôde certamente acompanhar esses trabalhos. Em 16 de Julho de 1575, perante o tesoureiro das obras da Sé, Luís de Castro, celebrou­­‑se uma obrigação com Manuel Mendes, mestre de carpintaria, que lavrava a pedra de Estremoz a utilizar na remodelação da capela­­‑mor, e no âmbito de qual se pensou desmontar e alterar a estrutura do famoso retábulo­­ ‑mor de cerca de 1500, pintado em Bruges e adquirido no tempo do Cardeal­­‑Infante D. Afonso de Portugal. Caberia a Manuel Mendes, mestre de carpintaria, assentar a pedraria já lavrada pela equipa de Mateus Neto no supedâneo do retábulo, por preço de 22.000 rs, fazendo o necessário forro de madeira de bordo para assentar as pedras lavradas, «sendo muito bem feitos todos os envasa‑ memtos do retabolo da ditta capella da ditta See conforme ao debuxo»… Ou seja, pensava­­‑se apear o grande retábulo flamengo, alvo de restauro («reparar a talha antiga e as figuras que no dito retabolo exis‑ tem») e remontar a máquina retabular acima da nova e opulenta 109

base de pedraria lavrada. Mas a obra henriquina frustrou­­‑se, não só devido à crise que dinástica que se iria seguir a breve trecho, mas também por dificuldades financeiras, resistências dos capitulares, ou má gestão das contas catedralíceas. Quando D. Teotónio tomou as rédeas do Arcebispado em 1578, uma das primeiras medidas foi substituir o tesoureiro das obras de D. Henrique por um homem da sua confiança: como diz a memória anónima que muito citámos, escrita pouco depois do falecimento do Arcebispo, «ho snõr dom theotonio entrou na çidade e a 3 dela foi a elvas a beijar a mão da majestade de elrei fellipe donde esteve poucos dias, e se tornou a sua Se e começou a entender nella e a que ornamentar, que estava muj falta de ornamentos e prata, e come‑ çou a entender com a obra e tinha deitado fora de recebedor a hum joam de crasto, criado do cardeal, e fez então a Antonio Simões». Nessa condição, já com António Simões nas rédeas do cargo de Recebedor da Obra da Sé, voltou a pensar na ideia de alargar e ampliar a capela­­‑mor medieval, baixa, estreita e pouco profunda – como, aliás, mandaeria fazer na Sé de Elvas, em 1598, ao seu arquitecto Pero Vaz Pereira, impondo ao Bispo dessa cidade, D. António de Matos de Noronha, a solução de um novo presbitério­­ ‑auditório, em moldes fielmente triderntinos. Resume um dos biógrafos de D. Teotónio de Bragança que ele tomou a si o desejo do antecessor de ampliar o presbitério da Sé: «Quis fazer a capela mor mais larga e comprida, para ho qual ti‑ nha já lavrado pedraria que custou alguns tresentos mil reis, da qual não se pos por obra por o Cabido anterior, e a pedra se vendeo e se gastou com mujto pouco proveito» 235. Se o projecto anterior foi vetado, ao que parece por resistências do próprio Cabido, com D. Teotónio fizeram­­‑se mesmo algumas obras de adaptação da capela­­‑mor, ainda que longe de cumprirem o objectivo global que ele tinha em mente. Sucedeu que na madrugada de 28 de Janeiro de 1586 ocorreu um acontecimento funestro e que, por ironia, relançou o projecto: caíu um raio na torre da Sé sobre o cruzeiro, fazendo muitos estragos não só no exterior mas também no interior da capela­­‑mor 236: «derrobou pella banda de fora munta parte da dita torre: fez huma fenda na Capella Mor por fora: cobrou a vidraça de 110

Nossa Senhora; chamuscou muita parte do retábulo da capela­­‑mor; que‑ brou a sacra» 237. O desastre obrigou D. Teotónio a intervir, tendo gasto mais de 200.000 rs em reparações exteriores da torre e mandando, em 1588, fazer em Lisboa a grimpa da torre, que seria lavrada por risco do seu romanizado arquitecto Nicolau de Frias, pelos vistos o seu artista de referência e maior apreço. Essa grimpa, que se encontra bem identificada, era pintada e dourada esmeradamente, foi executada por um conceituado carpinteiro de Lisboa de nome mestre Francisco, e foi avaliada (diz­­‑se que o arquitecto Filippo Terzi, estando em Évora no início de 1588, teria assumido essa tarefa), custando tudo o preço de 48.230 reis 238. Retomado o projecto henriquino de alargamento da capela­­ ‑mor, apesar das resistências de muitos capitulares, sabe­­‑se que D. Teotónio conseguiu fazer cumprir, em 1588, nova ordenação do retábulo flamengo, cujos painéis e figuras da obra de talha foram cuidadosamente limpos com «rabos de raposa» em respeito pela qualidade das pinturas, e havendo reparações na marcenaria flamejante que os envolvia, a cargo dos mesmos carpinteiros que faziam o monumental Sepulcro, devendo ter sido da sua responsabilidade, nessa altura, a retirada dos seis painéis da predela (com cenas da Paixão de Cristo), que passaram para a Capela do Esporão. A terem­­‑se passado as coisas assim, deslinda­­ ‑se um dos mistérios ainda obscuros do historial desse notável conjunto brugense encomendado pelo Bispo D. Afonso de Portugal, e que foi muito polemicamente discutido à data do recente restauro 239. Subsiste alguma indicação documental importante a este respeito, do ano de 1588. Temos pagas aos mestres carpinteiros Gaspar Gonçalves e António Fernandes, entre outras notícias e despesas dessa empreitada, como a que se segue: «Deu mais a Gaspar Glz e Amtº frz carpintrºs de alimparem a capella moór e o Re‑ tabollo e a Capella do Santissimo Sacramento e do Santo Lenho, capella e retavollo, e os Retavollos de fora, todos em que gastarão cada hum tres dias a rezão de 160 rs por dia que foi 11:12:13 dias de agosto que tudo faz soma de nove cemtos e sessenta rs (…). Despendeo mais cento e ses‑ 111

senta rs em quatro espomgas pª alimparem e lavarem os paineis dos Retavollos e dous rabos de rapoza pª saquodirem o dourado do poo dos Retavollos, e hum algedar, e huma panella que foi necessário» 240. Mas a intervenção teotonina quedou­­‑se pela reinstalação do conjunto retabular: o referido testemunho coevo é taxativo ao dizer­­ ‑nos que «quis fazer a capela mor mais larga e comprida, para ho qual tinha já lavrado pedraria que custou alguns tresentos mil reis, da qual não se pos por obra por o Cabido anterior, e a pedra se vendeo e se gastou com mujto pouco proveito» 241. Mesmo assim, a sua intervenção na capela­­‑mor não ficou por aqui: em 1592, sendo contabilizados os estragos que o raio causara, seis anos antes, na cimalha do célebre retábulo flamengo, e face ao novo dispositivo com que o políptico se distribuía na parede fundeira da ousia, o Arcebispo ordenou que se pintasse e colocasse no remate uma grande tábua com a Assunção da Virgem, padroeira da Sé, por faltar justamente essa iconografia no conjunto retabular. De facto, no políptico brugense a cena da Assunção da Virgem apenas surge pintada no complemento do painel da Morte da Virgem, e D. Teotónio, muito atento às questões de iconografia, entendeu dever acrescentar ao retábulo­­‑mor a «história» alusiva à padroeira. A memória das obras teotoninas que vimos citando descreve precisamente esse complemento ordenado pelo Arcebispo em 1592 como tratando­­‑se de um «painel de Nossa Senhora no altar mor, o que esta no alto do retavolo, que custou duzentos crusados» 242. Trata­­‑se de uma referência preciosa, ainda que, infelizmente, nada nos diga sobre o seu autor, mas é possível colmatar­­‑se essa lacuna, já que o quadro em questão, segundo pensamos, sobreviveu até aos ossos dias. É grande a probabilidade de este painel de 1592 ser a Assun‑ ção da Virgem que se encontra hoje exposta no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora (M.A.S.S.E., nº de invº EV.SE.1092pint) e que, dadas as dimensões, a escala de composição e figuras, o temário preciso, a notícia de procedência e a cronologia aproximada, se adequa por inteiro ao que se infere do citado documento. Antes de mais, deve esclarecer­­‑se que no Museu de Arte Sacra, além dessa excelente tábua maneirista da Assunção, se ex112

põe também uma outra pintura quinhentista portuguesa com o mesmo tema, mas essa é algo mais antiga (c. 1570), além de ser procedente do Colégio de Nossa Senhora da Purificação, nada tendo a ver com os antigos acervos da Sé 243. A tábua que ora nos preocupa, e que será a peça pintada em 1592 a mando de D. Teotónio, estava num precário estado de conservação e foi alvo de restauro, num processo em que perdeu alguns dos seus valores originais, mas mostra, mesmo com algumas das figuras de anjos desfiguradas no decurso da intervenção, características de estilo muito próximas ao que se conhece do mestre lisboeta Diogo Teixeira (c. 1540­­‑1612). Trata­­‑se de um dos melhores pintores portugueses do Maneirismo e, ao tempo, um dos mais conceituados da capital na sua arte, o que valoriza a boa escolha do Arcebispo. A tábua (a ser a que o manuscrito Noticia do seu governo referencia como pintada em 1592) ornou o centro da cimalha do retábulo flamengo, depois das obras teotoninas remodelarem a estrutura do conjunto. Seria retirada da capela­­‑mor da Sé aquando das grandes obras de Ludovice no tempo de D. João V, quando se fez o novo presbitério barroco. A Assunção da Virgem respeita o espírito de decorum exigido pelos ditames tridentinos, numa evidenciada busca pelo sentido do despejo, tão caro aos maneiristas, e tem dimensões avantajadas, compagináveis com as das célebres tábuas flamengas do retábulo­­‑mor da Sé. Assim, parece adequar­­‑se muito bem ao que D. Teotónio pretendia para remate do altar catedralíceo em termos de escala, decorum e pendor catequético. Se foi esta a tábua que se acrescentou no remate do conjunto retabular, trata­­‑se de um bom testemunho da ars sen‑ za tempo tal como a definiam os mercados artísticos de Roma e tal como o conceito poderia ser interpretado por mestre Diogo Teixeira – se é que se trata da peça que foi executada em 1592 na sua oficina de Lisboa, como tudo leva a crer. Sobre a questão da autoria desta magnífica peça, acrescentada ao retábulo de 1500, a atribuição avançada assenta no facto de o repertório formal das poses de figura, a caracterização dos anjinhos, a tipologia solta dos panejamentos e a singularidades 113

Fig. 27

de desenho de cabeças serem coincidentes com muitas outras pinturas saídas da oficina de Diogo Teixeira, seja nas tábuas da igreja da Luz de Carnide, ou nas da Misericórdia do Porto, ou ainda nas do Museu de Arte Sacra de Arouca, todas estas executadas em datas próximas à da tábua do M.A.S.S.E. e com uma «maneira» estilística coincidente 244. Se as coisas se passaram desta forma, e parece que sim, verifica­­‑se que o Arcebispo de Évora preteriu tanto o melhor pintor de óleo da sua cidade, Francisco João (que só faleceu em 1595), como o seu próprio pintor de câmara, Duarte Frizão (só falecido em 1596). Olhando­­‑se esta grande Assunção da Virgem (por sinal exposta hoje na mesma sala do Museu de Arte Sacra onde se mostram as obras de Francisco João), ela destaca­­‑se justamente pela correcta factura, dentro dos cânones de comedimento e sentido didascálico que eram os da oficina de Diogo Teixeira, características que justificaram as boas referências recebidas por parte dos historiadores de arte como Túlio Espanca e Adriano de Gusmão. Será a altura de dizer que Diogo Teixeira (c. 1540­­‑1612) fora pintor do Infante D. António, Prior do Crato, o malogrado pretendente ao trono, deve ter pintado para Évora uma outra obra importante: o retábulo­­‑mor da igreja de Santo Antão. Teixeira formara­­‑se, como outros pintores italianizados, nos círculos de influência da Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I e grada humanista. Essas relações explicam que em 1577 dirigisse ao rei D. Sebastião uma importante ‘carta­­‑manifesto’ a reivindicar a liberalidade da sua arte, tendo obtido despacho favorável por ser considerado «hum dos milhores pintores de imaginarja dolio que havia nestes Reinos». A obra, estudada pela primeira vez por Adriano de Gusmão, mostra um artista italianizado a partir dos modelos dos que foram a Itália, como Campelo, Gaspar Dias e Francisco Venegas, mas com uma linguagem muito pessoalizada, que se revela numa sempre repetida tipologia de figuras femininas, considerada «excelente demonstração das suas faculdades de retratista e de pintor», com desenho «sensível à graça feminina…, e soube transmiti­­‑la numa representação plena de elegância e com extraordinária finura de pincel, colocando­­‑se assim na linhagem 114

dos nossos poucos e bons retratistas do seu século» 245. O artista inspirou, de forma mais ou menos marcante, uma legião de colaboradores (Cristóvão Vaz, António da Costa, Belchior de Matos, e ainda o já referido Tomás Luís, que trabalharia a fresco para os Braganças), os quais iriam perpetuar muitas das ‘receitas’ formais de Diogo Teixeira. Em São Francisco de Évora, existe uma Anunciação oficinal, bem identificada por Adriano de Gusmão e devidamente descrita por Túlio Espanca 246. A atribuição a Diogo Teixeira da Assunção da Virgem da Sé de Évora e ainda da Adoração dos Pastores de Santo Antão, a confirmarem­­ ‑se, atesta não só o respeito que o artista grangeava nos mercados do Sul, como as boas escolhas do Arcebispo, conhecedor atento do que em Lisboa se fazia. Diogo Teixeira não foi o único dos grandes pintores de Lisboa a pintar para Évora no fim do século XVI. Em Maio de 1600, Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão (que também trabalham nestesa anos para o mercado de Elvas, e para o Duque de Bragança) cumpriram uma encomenda da testamentaeria da Infanta D. Maria e pintaram os retábulos laterais da igreja de Santa Helena do Monte Calvário em Évora, com as belíssimas e grandes tábuas do Pentecostes e da Assunção 247. Com essa obra terminava a decoração intestina de uma casa religiosa fundada pela Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, e que em 1594, também a expensas da mesma testamentaria, recebera no altar­­‑mor um bom retábulo do maneirista eborense Francisco João. E, anos mais tarde, os mesmos pintores Simão Rodrigues e Domingos Vieira Serrão viriam a afrescar, com supervisão do arquitecto Pero Vaz Pereira, o tecto da Sacristia Nova da Sé de Elvas, que era obra esplendorosa, pois seguia o modelo que ambos haviam pintado em 1612 no Hospital de Todos­­‑os­­‑Santos em Lisboa: «A samcrestya se pymtara na comformydade da pymtura que está feyta no Hospytall de todos os santos da cidade de llysboa e terá nove payneys repartydos, … ha quoall pymtura fará da cornyja pera symaa» e, mais, «esta pymtura sera hobrygado ho dyto Simão Rodriges fazer per suas pro‑ pryas mãos e trara por adymdo e companheyro pera ella a domingos vyeyra pymtor porque ambos e nenhum houtro farão a dyta hobra prefeysoandoa 115

Fig. 43

a sua proprya custa e despesa de tudo aquylo que for ouro e pymturas…». Tudo obras malogradamente desaparecidas 248, onde mais uma vez se adivinha a supervisão de Pero Vaz Pereira na definição de programa, escolha de modelo e opção pelos especialistas chamados da capital. Voltando às obras da capela­­‑mor da Sé eborense, mais diz o anónimo autor das Noticias do seu governo que D. Teotónio «com‑ prou pª a credencia do altar mor hum jarro dourado de bastians (sic), hum gomil, hum saleiro, tudo de muita grandesa e feitio, e huma bacia de prata e servindo alguns annos neste ministério do culto devino se apartou da Se e se deu para uso profano por ordem do senhor dom Joseph de mello, ho como se pode fazer deixo a juízo de quem ho quiser julgar». O texto do memorialista, cheio de saudosismos pelo tempo de governação de D. Teotónio, está naturalmente eivado de críticas aos capitulares e mesmo aos dois sucessores, por terem interrompido uma fase de incremento da Sé. Mais nos diz que D. Teotónio «fez na See no amte choro a porta que serve pª a crasta e as escadas com hum corrimão de ferro. Fazendo­­‑se tudo isto em 23 annos, que pouco mais foi tempo, se gastaram mais de quarenta mil crusados. E deu ordem pª que a See fosse ornamentada e acresentada com muitas obras»… Mandou também colocar ricos paramentos para decoração dos altares laterais da Sé de Évora, entre panos de altar e guadamecis, a fim de estarem melhor ornados e próprios para o culto. Esses altares, infelizmente desmantelados no século passado (ainda existem fotografias dos arquivos da D.G.E.M.N. com os altares íntegros), haviam sido colocados no tempo do Arcebispo D. João de Melo e Castro (1565­­‑1574) e incluíam, todos eles, painéis de excelente pintura, devidos, cinco deles, a um dos melhores mestres da nossa pintura maneirista, o pintor de origem neerlandesa Francisco de Campos. Esses painéis, hoje no Museu de Arte Sacra, representam a Adoração dos Magos, Sant’Ana, a Vir‑ gem e Santa Isabel, o Baptismo de Cristo, a Última Ceia, e Santo Amaro, São Bento e São Romão 249 e cada um ocupava o vão de cinco dos seis altares distribuídos pelas naves laterais, sendo o sexto altar ocupado por uma tábua com Santo António com São Vicente e suas irmãs Santa Sabina e Santa Cristeta 250. Esta última pintura, com as 116

mesmas dimensões e características, mas muito mais frouxa de execução, tem um altíssimo interesse iconográfico por representar «São Vicente das irmãs», ou seja, os «mártires de Évora» de Resende, e é atribuída a um pintor de Beja de bitola muito secundária, chamado António de Oliveira, considerado discípulo ou seguidor dos modelos de Francisco de Campos e também autor do retábulo do Milagre do Reconhecimento da Vera Cruz (1584) do Santuário de Vera Cruz de Marmelar 251. Existe uma sétima tábua (também exposta no M.A.S.S.E.) com a Lamentação sobre o corpo de Cristo, muito mais qualificada em termos artísticos que a de Oliveira, e que também pertencia a um dos desmantelados altares da Sé: trata­­‑se de uma encomenda dada a fazer a outro artista de fora, o pintor sevilhano Lourenço de Salzedo, que trabalhara em Roma junto a Girolamo Siciolante da Sermoneta e que, desde cerca de 1570, estadeou em Lisboa ao serviço da Raínha viúva D. Catarina de Áustria, tendo morrido prematuramente em 1577 252. Ao contrário da série de painéis de altar de Francisco de Campos, este quadro constitui peça isolada e que não teve sequência. Na verdade, não é crível que o forte ascetismo romanista de Salzedo tivesse agradado muito aos capitulares, face ao que podemos inferir da escolha preferencial de D. João de Melo e Castro por Campos, cujo arrojado gosto maneirista, aberto a ressonâncias nórdica da sua formação, colhia melhor impacto no gosto eborense desses anos (cerca de 1565­­‑1575) – os mesmos anos em que ainda estava muito vivos os ecos do notabilíssimo cadeiral da Sé (datado de 1562), que se fizera com uma linguagem maneirista exuberante, com cenas lavradas e figuras irrequietas e com caprichosos grottesche flamengos. Seja como for, tratou­­‑se de uma encomenda moderna e de responsabilidade, por certo cara e a revelar a máxima actualidade do Cabido em termos de gosto. É de referir, a propósito da Lamentação de Salzedo, o facto de integrar no fundo um obelisco, reminiscência all’antico com toda a forte simbologia da Roma triumphans da Contra­­‑Reforma que vimos já muito presente na iconografia artística eborense do último terço do século XVI. 117

Fig. 44

Era esse o gosto maneirista do tempo de D. Henrique e, sobretudo, de D. João de Melo e Castro, não admirando que a escolha deste último prelado por Francisco de Campos, pintor dos Braganças, fosse sublinhada com a presença das próprias armas do Arcebispo no painel que representa Sant’Ana, a Virgem e San‑ ta Isabel. É esse Maneirismo de raíz flamenga que se devia sentir, também, nos vários espaços do Paço de Vila Viçosa que Campos afrescou a mando do Duque D. Teodósio I, a cujo serviço esteve, como pudemos demonstrar em outro trabalho. Nesses anos centrais do século XVI, a vida cortesã atingia alto desenvolvimento no Paço Ducal, é a época em que se pintam vários salões e em que algumas das salas recebem azulejos de majólica flamenga oriundos de oficinas de renome que trabalham desde Antuérpia para Vila Viçosa 253. Sendo ainda problemática a identidade do monogramista F.IAB 1558 que executa a História de Tobias no rodapé de uma das Salas de Música (durante muito tempo identificado com Jan van Bogaert e, mais tarde, considerado por Claire Dumortier 254 como correspondendo ao atelier Den Salm e a outro ceramista dessa oficina, Franz Franchoys), a verdade é que se trata de um conjunto excepcional de azulejo, cuja encomenda correspondeu a propósitos específicos por parte do Duque D. Teodósio I. Os grotescos da azulejaria do Paço de Vila Viçosa são de uma subtileza e de uma complexidade assinaláveis, tal como o desenho das cenas historiadas, e mostram que «um projecto desta ambição e envergadura implicava a existência de um mentor que permanece ainda desconhecido» 255. Observando­­‑se bem estes azulejos de majólica antuerpiana de Vila Viçosa, que ostentam fantasiosos grottesche tal como os que são utilizados por Francisco de Campos nas suas pinturas retabulares, e as cenas historiadas que se inspiram em gravuras maneiristas, entre outras, da autoria de Dirk Voolkerstz, o Coornhert, segundo modelos de Maerten van Heemskerck, muito seguidas também em pinturas daquele artista, é tentador imaginar­­‑se quem pudesse ser o muito referido Campos mentor do programa artístico e o intermediário de D. Teodósio I na encomenda. Ainda não se sabe, porém, em 118

que ano Francisco de Campos chegou a Portugal, o que impõe cautelas metodológicas nesta presunção. Já o historiador de arte Martin Soria sugerira, em 1957 256, que o «risco» para as composições do cadeiral maneirista da Sé de Évora (datado de 1562) se pudesse dever a este mesmo pintor, e a verdade é que existem semelhanças evidenciadas no tipo dos grotescos aí utilizados com os que surgem nas cinco citadas pinturas de Campos hoje no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora, bem como na Senhora da Rosa do Museu de Beja, e em outras obras suas, como o retábulo da igreja de Boa Nova, em Terena. Campos é precisamente o mesmo artista que, depois de servir D. Teodósio, cerca de 1555­­‑1563, e o Arcebispo D. João de Melo e Castro, em 1565­­‑1574, é responsável pela caprichosa decoração fresquista da Sala Oval (1578) do Palácio dos Condes de Basto em Évora 257. Essa cobertura, com oito galantes ninfas em volta, abrigadas em edículas, com paisagens, inspiradas nas Metamorfoses de Ovídio (editada em Évora, 1574, oficina de André de Burgos), é uma stuffeta, com putti ao centro, em interpretação livre das Imagine de Filostrato 258. Este fresco de Francisco de Campos na Sala Oval dos Castro constitui um dos exemplares mais interessantes – mas não o único – a atestar a utilização da Mitologia clássica nos programas do Maneirismo português 259, e documenta um gosto requintado e para­­‑erótico eivado de referenciais laudatórios à antiquitas do tronco familiar do encomendante, um gosto que a Casa de Bragança incrementava, recorrendo de seguida a fresquistas como Giraldo Fernandes de Prado, André Peres e Tomás Luís. Os dois primeiros seriam, sucessivamente, designados pintores da Casa Ducal a seguir à morte de Campos em 1580: Giraldo em 1581, Peres em 1594. Sabemos hoje que D. Diogo de Castro, progenitor do 1º Conde de Basto, promoveu obras de decoração da igreja da Misericórdia de Évora por volta de 1555­­‑60, recorrendo ao pedreiro Mateus Neto e à direcção do arquitecto Manuel Pires, mestre das obras do Cardeal­­‑Infante D. Henrique, Arcebispo de Évora 260. Tais obras, realizadas sendo Provedor o fidalgo D. Garcia de Meneses, integraram de segui119

da um revestimento parietal a fresco, nos altos da nave, com a representação das Obras de Misericórdia. Estes frescos ainda subsistem sob o equipamento de talha quinto­­‑joanina e, pelo que se pode observar pelos indícios, são estilisticamente adstríveis aos pincéis de Campos 261. O mesmo parece ser atestável nas duas tábuas no andar superior do retábulo da Ermida de São Brás em Évora (diferentes no estilo, as duas do andar inferior desse retábulo são indubitavelmente do mesmo mestre das tábuas da igreja da Tourega, acaso Duarte Frizão), mas o mau estado de conservação dessas pinturas impede uma apreciação mais segura. Voltemos ainda às obras de Francisco de Campos para D. Teodósio I em Vila Viçosa, já que, se o artista morreu em 1580 e nada pôde ter já a ver com os estaleiros de obras de D. Teotónio, é certo e seguro que o Arcebispo conhecia bem as suas obras, tanto nos altares da Sé como na Sala Oval dos Castros; que admirasse essa linguagem artificiosa, bem dentro dos caprichos da Bella Maniera, tão diversa do seu gosto comedido e tridentino, é já outra questão… Há poucos anos, ao ser descoberta e devidamente intervencionada a decoração murária do antigo Oratório junto à actual Sala de Hércules (que será o do próprio D. Teodósio I e terá servido, depois, à Duquesa D. Catarina, junto do seu toucador privativo), surgiu sob espesso repinte um fresco de notável qualidade, de cerca de 1555­­‑1560, com figuras de cavaleiros de turbante, parecendo tratar­­‑se de um passo do Calvário, da indiscutível autoria de Francisco de Campos. Essa composição de excelente desenho, dentro da boa tradição dos modelos de segundos planos criados por Gregório Lopes, recorda irresistivelmente várias pinturas dos mesmos anos que Campos pintou (Sé de Évora, matriz de Góis, Misericórdia de Alcochete, igreja da Boa Nova, etc) 262 e constitui um raro testemunho das campanhas fresquistas realizadas por Campos para o quinto Duque, a que aludem as avaliações de Maio de 1565. Por esse fragmento pode imaginar­­‑se o que era o esplendor de duas dezenas de câmaras e oratórios revestidos de fresco que tornavam o Paço, ampliado em sequência das festas de 1537 por responsabilidade 120

de D. Teodósio I e do francês Francisco de Loreto, um singular monumento aristocrático 263. As definitivas alterações que o Paço de Vila Viçosa recebe com a grande campanha de Nivolau de Frias no final do ducado de D. João I e no início do de D. Teodósio II proveram a substituição de muitos dos espaços, como se sabe, e no novo corpo palatino far­­‑se­­‑iam novas decorações por artistas como Giraldo de Prado, André Peres e Tomás Luís. É por isso que a remanescência do antigo Oratório de D. Teodósio I, sendo a única que resta de pintura nos velhos paços, com parte dos frescos de Francisco de Campos anteriores às remodelações de Nicolau de Frias, constitui um testemunho artístico (ainda que isolado) de grande importância para o conhecimento do que eram o gosto e o espírito da arte do primeiro Teodósio. E mostra-nos também, em última instância, outro aspecto interessante: as diferenças estéticas entre os dois irmãos Braganças. Enquanto o quinto Duque era um homem de formação renascentista que se abria à sedução da Bella Maniera italianizante, o Arcebispo de Évora foi um homem de Trento, avesso aos caprichos do Maneirismo na sua fase de pleno fulgor e muito mais atreito a defender uma arte didascálica de cariz senza tem‑ po, incondicionalmente ao serviço da Igreja contra­­‑reformada. 4 . 3 . Pa r a m e n to s , p r ata s e o u t ro s equipamentos O gosto particular de D. Teotónio de Bragança pela arte da paramentaria sacra levou­­‑o a encomendar, durante o seu múnus, pelo menos cinco conjuntos importantes de têxteis bordados, que se elencam na documentação que temos muito citado, sobretudo nas Noticias do seu governo, manuscrito anónimo escrito a seguir ao seu falecimento como balanço de obra feita 264. A primeira compra realizada é logo de 1581 e incluía um ornamento integral para a Sé e numerosos panos de tela: «mandou fazer hum ornamento de tella branco com tella rozada e sete capas, frontal, 121

casula e duas dalmáticas que custou seiscentos mil – 600V – e logo no fim deste anno se comprarão em panos de tella que foram da infanta dona maria por seiscentos mil rs – 600V». A segunda compra data do ano seguinte e foi especialmente significativa: «No anno de 1582 se fizeram trinta capas de damasco branco capelos e outras de tela amarela. Mais dez vestimentas de damasco branco, quatro para conegos seis pª beneficiados, as dos conegos com chevas‑ tos enteiros de tela amarela. Mais se fizerão huma vestimenta pª ho altar mor e duas dalmáticas tudo em pano enteiro de tela amarela. Mais des frontais para o cruseiro, altar mor e nossa Snõra tudo de damasco branco bases e mangas e sobre frontal de tella amarela mais hum pano de púlpito de damasco branco, com tela amarela pano de estante des das estantes da Se, hum pano da porta pas, manga da crus, tudo em bocaxim e franjado de seda e ouro. Verde. Fizeramse de damasco verde nove frontais e canas‑ tras de veludo verde. Dez vestimentas de damasco verde, 4 de conegos com sebastros de veludo e seis para beneficiados com baras de veludo (sic) tudo frania com seda verde foradas de bocaxim de veludo verde para oaltar mor hum frontal, huma casula, duas dalmáticas, huma capa tudo com xanastras inteiras de tela branca, hum pano de púlpito do mesmo, e mtº pano de estan‑ te, e pª as estantes do altar mor hum pano de porta pas tudo com, franjas de verde prata e seda. Mais duas capas de veludo verde com seus xavastres para a cõpanharem ao sábado ao que sustenta a tarde quando cinza da dominga. Manga de veludo verde e tela branca. No ano de 89 se fizeram duas mantas de veludo roxo pª as domingas do avento, dous estolães (sic), hum de veludo roxo e outro de damasco roxo. De veludo negro, frontal pª o altar mor duas dalmáticas, huma vestimenta e hum estolam, hum pano mui grande pª sobre a tumba sexta frª de emdoenças. De damasco carmesim huma capa palio, manga de crus pª o Santissimo Sacramtº fizeram neste tempo de veludo negro tres vestimentas de sexta feira de Endoenças para o crucifixio com xauastras de tela amarela. Mais se fez huma capa de tela negra com franjão de ouro e seda. Mais hum pano pª o altar mor borlado detrás da crus. Mais huma manga negra pª a crus». De 1592, existe outro registo de aquisições de têxteis pelo Arcebispo, com indicação de que a execução das peças se fez em oficina de Florença, mas seguindo modelos pintados que, de Évora, enviou ao atelier escolhido: «Neste tempo no ano de 1592 122

ordenou fazer outro ornamento grande pª as festas principais pª ho qual deu ordem pera Florença e mandou pintado em papel grosso todos os xa‑ vascos e capelos de capas pera tudo vir daquela pintura, o qual ornamento tem vinte e nove capas todas das cavastras de borcado branco. Os corpos de vinte e huma são de tela rasa e sete de tela frizada com alcachofras de tres altos, huma capa pª ensenso e do altar mor de borcado, huma vestimentas do mesmo, e duas dalmáticas, hum frontal, tudo de borcado e hum pano de púlpito, hum palio do mesmo. Panos de estante. Mais nove frontais pª ho cruzeiro e pª nossa Snõra de tela rasa branca com xanastras frontaleiras e mangas de tela rosada, huma manga de crus de borcado branco, tudo isto com franjas de po de ouro e prata com seda. Mais huma capa de brocado amarelo com hum capelo tecido de ouro com huma nossa Snra que custou esta capa sento e vinte mil rs e que he do altar mor todo forrado de tafeta dobrado e tudo o mais forrado de bocaxim». É interessante ver­­‑se que nesta riquíssima encomenda o prelado português dá provas de grande autonomia em relação ao que eram as peças de vestuário padronizado, impondo­­‑se a escolha dos motivos decorativos, enviados em desenhos coloridos, e a própria escolha de cores, como a púrpura, o carmim, o amarelo e o verde, para enriquecer os brocados e sedas 265. Infelizmente nada se sabe de concreto a respeito dessa encomenda nem consta que nos arquivos de Florença exista referência a tal aquisição. Todavia, a presença em Évora de Frei Giovanni Vincenzo Casale, que veio desenhar o projecto da Cartuxa, poderia ter tido, segundo sugere a historiadora de arte Magda Tassinari, um papel de ponte nos contactos entre D. Teotónio e os ateliers florentinos, que o frade servita devia conhecer bem. Casale, como arquitecto, escultor e decorador, estivera ao serviço de Ferdinando de’Medici (que fora cardeal em Roma antes de ser grão­­‑duque da Toscana) e tinha relações próximas com as manufacturas florentinas dessa corte, além de que trabalhara para a Basílica della SS. Annunziata, centro artístico da maior importância onde a paramentaria teve na altura um relevante papel. Tudo isso permite supor que o Arcebispo de Évora teve no primeiro arquitecto da Cartuxa um contacto privilegiado com a pátria toscana para encomendas desse tipo. 123

Sabe­­‑se também que esta arte se interligava fortemente com a da pintura, por implicar desenho fino e, em alguns casos, trabalho de têmpera a pincel. Em Florença, por exemplo, o famoso pintor Jacoppo Ligozzi (1547­­‑1627), aliás filho de um competente artista de têxteis milanês («ricamatore»), fez desenhos para ornamentos para as festas galantes da corte dos Médicis, designadamente as bodas do próprio Grão­­‑Duque com Cristina de Lorena, o que sugere, mais uma vez, as íntimas aproximações dos artistas de pincel com os bordadores, ambos concebendo «modelos» para os têxteis que realizavam, entre outras artes decorativas 266. Aventou­­‑se a possibilidade, no caso eborense, de o pintor da casa de D. Teotónio, o holandês Duarte Frizão, ter desenhado e colorido esses «modelos» enviados para Florença. Seja como for, caso a notável casula da Sé, e algumas das peças do Museu acima descritas, correspondem à encomenda de 1592, elas serão trabalho florentino e, ainda que, como assevera Magda Tassinari, não revelem uma qualidade acima da mediania do tempo, mostram cuidado trabalho de pincel nos medalhões bordados no fecho e nas costas do sebasto. Em 1602, realizou­­‑se um «ornamtº de veludo negro para os defun‑ tos» na Sé, e também foram feitas encomendas para enriquecer o Mosteiro da Cartuxa. Na altura, estavam a decorrer diligências para uma nova e custosa encomenda de têxteis em Florença, possivelmente na mesma oficina que, com bons resultados, cumprira a precedente. Era uma encomenda de grande vulto, mas a morte de D. Teotónio e o desejo do Cabido em que esse dinheiro fosse gasto de outro modo inviabilizaram de todo a sua realização: «Fezse outro ornamento de veludo carmesim de tela capas frontal casula dalmáticas pª o qual quando morreo tinha comprado com côvados de veludo, posse em excusas em se vacante na sua morte. Tinha en‑ tão posto hum valle de dois mil e quinhentos crusados da obra para come‑ çar outro ornamento rico em Florença o qual se não fez nem começou com sua morte. E ho cabido em Se vagãte arrecadou ho drº e se gastou no que se ordenou emtam que foi o fazerem as maças e outras coisas». Sobre esta encomenda tardia, sabemos por outra documentação inédita que foi mandado a Itália um cónego da Sé, o pa124

dre Domingos Martins, munido de desenhos coloridos com os modelos de padrão desejados. De facto, em início de 1602 (e a poucos meses da morte), D. Teotónio fez a encomenda seguinte ao referido cónego, que ia a caminho de Roma: «Em casa do Sõr Conde Fernão Taverna esta huma casula, e huma dalmática de buquexim para se fazerem outras por ellas, e aqui vão outros desenhos para o broca‑ do, e para os sebastros, e os perfis que nelles estão azuis, hão de ser cor que parecer, e o branco hade ser vermelho, e porque queria tãobem fazer hum ornamento branco para a Cartuxa da feição do da See de tela, e não há que ter mais que frontal que he de quinze palmos de cumprido, como vereis pela medida que vai ao pé do retabllo, e huma vestimenta, e panno pera o faldistório que he a estante, a casula hade ser toda de brocado como a minha capa que se fes em Florençia, e o frontal, e faldistório, taobem os sebastos e folhas que levam ao redor hão de ser fabricadas de ouro conforme ao papel que levais» 267. Parece que, com o falecimento do Arcebispo, esta encomenda de paramentos italianos se gorou. Uma das peças de maior notabilidade da paramentaria de D. Teotónio é a já referida e famosa Casula exposta no Museu de Arte Sacra (M.E.S.S.E.). É obrada em tecido lavrado, com sebasto bordado e pintado em forma de cruz na frente e costas, com tira bordada e pintada a debruar toda a peça e rematada com galão franjado. Mede de frente 107 cm de alto por 97 cm de largo e, de costas, 141 cm por 110 cm. A respeito do tecido, a matéria­­‑prima utilizada é o fio de seda, branco e carmim, e o fio laminado dourado e prateado, com alma de seda amarela e branca, respectivamente. A técnica de taqueté usada no tecido recorre, como era usual, ao veludo cortado e a tramas de fio laminado, dourado e prateado, formando efeitos anelados. A gramática ornamental inclui enrolamentos florais e acânticos, com elementos de pinha no cimo das volutas, e um traçado secundário muito fino, que acompanha e diverge do traçado principal. Quanto ao bordado, o material é o fio de seda polícroma e o fio de laminado dourado, com base de sebasto, taqueté de seda branca e fio prateado e base do medalhão em linho e seda, enquanto que a técnica foi a aplicação de fio dourado a definir os motivos, com interior pintado e, no medalhão, ponto de ouro 125

Fig. 23 Fig. 24

estendido, pouco denso, sujeito a fio de seda, com efeitos de cordãozinho dourado e lâmina metálica, canutilho, pontas de seda matizada e eventuais vestígios localizados de reutilização. O ornamento do sebasto segue um tronco fino que se desenvolve em vertical, com ramagens, flores e frutos, e duas cartelas de ornato maneirista, uma pequena e outra maior, no topo das costas. A tira do debrum tem folhas em S e minúsculas cartelas, e a cartela maior mostra a representação do símbolo cartuxo da Scala Coeli, de belo desenho, com a mitra, bordada em fio metálico, a escada de São Bruno e, ao cimo, a Virgem Maria, com vestígios de pintura a têmpera. Também o forro, de seda vermelha, é de execução cuidada, tal como o galão, de tecido franjado e tecido de seda também vermelha e fio laminado de ouro. Trata­­‑se de uma peça de luxo, mesmo que não atingindo qualidade de excelência quanto à manufactura, e que mostra a especial devoção que D. Teotónio de Bragança nutria pelos seus cartuxos. Segundo Teresa Alarcão e José Alberto Seabra, que descreveram a peça com toda a minúcia, trata­­‑se de trabalho de oficina italiana da segunda metade do século XVI 268; podemos ser agora mais precisos, confirmando esse parecer e estabelecendo o lugar de fabrico em Florença e a data de factura em 1592 ou pouco antes desse ano. Segundo estes autores, «a solução ornamental, utilizando várias técnicas, é de extrema leveza, muito distante dos pesados tecidos carregados de ouro. Aqui, o brilho é dado essencialmente pelo fio prateado, integrado no taqueté do fundo». Também merece ser destacado o facto de no medalhão dos sebastos se ter utilizado o bordado a sedas e ouro, enquanto nos campos e nas tiras se usou para a valorização dos motivos, sombreados a pincel, aplicação de fio dourado. Os mesmos autores observam, com toda a pertinência, que a decoração é similar à de muitas peças de ourivesaria e de ferragem do mesmo tempo, e acrescentaríamos que se trata de uma gramática igualmente presente nas barras e cimalhas das composições fresquistas pintadas nestes mesmos anos no Alentejo – o que confirma que D. Teotónio mandou mesmo para Florença «pintado em papel grosso todos os xavascos e capelos de capas pera tudo vir 126

daquela pintura». Quem sabe se tal tarefa coube ao seu pintor Duarte Frizão, que em 1592 ainda estava em actividade ? Parece ser hipótese muito plausível. De novo em Janeiro de 1602, a poucos meses da morte, D. Teotónio mandou fazer em Roma uma casula e uma dalmática, …«e aqui vão outros desenhos para o brocado, e para os sebastros, e os perfis que nelles estão azuis, hão de ser cor que parecer, e o branco hade ser vermelho», ordenando também ao cónego que enviou à Cidade Papal um ornamento branco para a Cartuxa igual ao da Sé, «como vereis pela medida que vai», dizendo mais que a casula devia ser de brocado «como a minha capa que se fes em Florençia»269. Na recente exposição temporária Paramentos de D. Teotónio de Bragança, no Museu de Évora, organizada por Maria do Céu Grilo, expuseram­­‑se, além da casula da Sé, com as armas da Cartuxa, mais seis peças do ornamento de D. Teotónio, todas pertencentes aos acervos do Museu e para o efeito devidamente beneficiadas 270. Destacou­­‑se um precioso pálio processional (invº ME 172/6), em bom estado, ainda com suas passamanarias, bordado com minúcia, usando uma fina teia de fio dourado e prateado a denotar a excelência da execução, com decoração de grottesche que parecem inspirados nas gravuras de Nicoletto da Modena ou em outras estampas sequazes dos motivos de candelabra e enrolamentos clássicos da Antiguidade (embora no dossel, como é compreensível, não apareçam troféus ou outra simbologia pagã e, sim, putti, animais e aves, mascarões e cartelas). É obra italiana, por certo executada no quadro da mesma remessa florentina, e também neste caso o artista toscano cumpriu o desejo do encomendante de seguir modelos enviados desde Évora. Contam­­‑se neste paramento teotonino uma dalmática com estola e manípulo, dos acervos catedralíceos do Arcebispo (com o nº ME 1272/2, e que segue o mesmo padrão da casula da Sé), e um frontal ou pano de altar (nº ME 172/7), especialmente danificado por ter estado durante anos exposto na igreja de São Vicente, tendo a luz destruído motivos da decoração. Num dos pluviais nota­­‑se ainda o efeito do fio de prata acoplado ao ouro, conferindo à peça efeitos lumínicos de belo efeito. A gramática que ostentam é a mesma, com enrolamentos de folhagem e 127

motivos de alcachofra estilizados, com a sua marca simbólica, e devem ser, também estes, de fabrico florentino. Acresce que na igreja matriz do Alvito foi ultimamente localizado, segundo informa Maria do Céu Grilo, um paramento completo da era teotonina, que carece de estudo e intervenção de salvaguarda. Outras obras importantes ocuparam nestes anos o múnus de D. Teotónio de Bragança no que respeita à decoração da sua Sé. Sabemos, por exemplo, que enriqueceu o acervo de pratas do tesouro da Catedral com aquisições e encomendas (uma delas a muito referida e elogiada lâmpada de prata, obra do mestre calipolense João Luís, segundo um deseho do arquitecto Nicolau de Frias). Diz o muito citado mss. Notícias do seu Governo que «comprou e fez de prata as pessas seguimtes. Huma alampada que tem seis arrobas de prata a maior pessa e de milhor feitio que tem Espanha, fez dous tocheiros de muita grandura como se ve, fez hum são Sebastião de vulto de prata que custou quinhentos crusados, fez huma alanterna de prata, fez hum peramede donde esta a relíquia de Sam Manços, tudo isto mujto presso» 271. As pratas foram, como se atesta, outra das paixões de D. Teotónio, sabendo­­‑se que dotou muitas igrejas e oratórios da Arquidiocese com peças de prata, algumas delas por si custeadas. Em 1592, «comprou pª a credencia do altar mor hum jarro dourado de bastians, hum gomil, hum saleiro, tudo de muita grandesa e feitio, e huma bacia de prata», peças essas que, conta­­‑nos o memorialista das Noticias do seu Governo, foram desprezadas após a morte de D. Teotónio e utilizadas indevidamente («ho como se pode fazer deixo a juízo de quem ho quiser julgar»). Além da muito referida (mas destruída) lâmpada de prata da Sé, por João Luís, segundo desenho de Nicolau de Frias, já ordenara em 1582 que «pera a relíquia do bem aventurado são sebastião se faça huns vultos de prata em onrra deste bemaventurado mar‑ tyr por ser nosso advogado neste trabalho que padecemos o anno passado», isto é, lembrando o papel deste santo como protector contra as pestes 272. Terá sido João Luís o autor desses «vultos» e, também, do grande e custosissimo São Sebastião atado a uma palmeira, peça em prata destinada a saír nas procissões, para o qual o Arcebispo dispendeu em 1592 a alta soma de 500 cruzados, mas que do mesmo modo desapareceu nas rapinas das tropas napoleónicas. 128

É de lamentar a quase ausência de peças de ourivesaria da época de D. Teotónio, se excluirmos a peça de prata e cristal com a relíquia de São Manços, esta aliás, como se disse em capítulo anterior, de factura castelhana, pois se tratará de uma oferta de seu primo Filipe II, acompanhando a doação da relíquia, antes de o Aercebispo seguir viagem para Évora com o almejado troféu religioso. Também sabemos que, tendo recebido do Prior­­‑mor da Ordem Cartuxa uma relíquia de São Bruno, fez um busto­­‑relicário de prata de São Bruno que depois ofereceu a Scala Coeli, mas que do mesmo modo desapareceu (DOC. Nº 56). Sabendo­­‑se que realizou outras encomendas em Florença para além das de paramentaria que se citaram, bem pode ser dessa origem um elegante cálice em ouro esmaltado, certamente de fabrico italiano, que se guarda no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora, entre outras peças de luxo que se devem a D. Teotónio de Bragança (as referidas alfaias litúrgicas). Entretanto, existem outras peças de prata, patentes na exposição Mestria dos Ouri‑ ves (Museu de Évora), que podem reclamar­­‑se do seu mecenato, caso de uma custódia vinda de Santa Catarina de Sena (invº ME/29/1) ou um cálice (nº ME/1482/1) oriundo do mosteiro do Bom Jesus de Valverde. Dúvidas não existem, entretanto, para um belíssimo porta­­‑paz de prata conservado no M.N.A.A. com discutível factura italiana, por estar firmado com a seguinte inscrição: Teotonivs. de. Bragança. Arco. Piscopvs Elborens 273. A documentação recenseada mostra o empenho do Arcebispo em desenvolver os também os trabalhos de cereeiro, de ferreiro, de vidreiro, de relojoeiro, de carpinteiro, de guadamecileiro, e outras artes que eram importantes para o quotidiano da vivência capitular, sem esquecer a impressão e a encadernação de livros. Desenvolveu também a música catedralícea, convidando um escol de cantores e ilustres músicos estrangeiros, de que se conhecem os nomes, citados no manuscrito Noticias do seu governo. Mandou a Valência um seu escravo índio, de nome Sousa, aperfeiçoar­­‑se na arte de cerieiro, que depois assumirá ao serviço da Sé.

129

Notas 227 B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. No‑ ticias do seu governo. Início do século XVII. In­­‑4º, 12 fls. Cf. DOC. Nº 46. 228 B.P.E., Cód. CIX/2­­‑7, nº 51. 229 Nicolau Agostinho, op. cit.,, cap. V, p. 20. 230 A.D.E., Lº 50 de Notas de Fernão de Arcos, fls. 42 vº­­‑47. 231 Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, p. 250­­‑252. 232 A.D.E., Lº das Ementas da Câmara, 1596­­‑98, fl. 10, apud Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, pp. 251 e 303. 233 Ver DOCS. Nºs 15, 16, 17, entre outros. 234 A.D.E., Lº 50 de Notas de Fernão de Arcos, fls. 42 vº­­‑47. 235 B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo. DOC. Nº 46. 236 A.S.E., Lº 9 de Acórdãos do Cabido, fl. 90 e segs. 237 B.P.E., Fundo Manizola, Códice 98­­‑2. 238 B.P.E., Fundo Manizola, Códice 85. Segundo nos informa Manuel Branco, em 1588 foi avaliada a nova grimpa, mandada fazer em Lisboa por D. Teotónio com traça de Nicolau de Frias. Ver DOC. Nº 12. 239 Cf. nº 6/7 da revista Conservação e Restauro, do Instituto dos Museus e da Conservação, 2010; e Maria das Mercês de Carvalho Daun e Lorena Taquinho, Pintura Flamenga em Portugal. Os retábulos de Metsys, Morrisson e Ancêde. Estudo técnico e material, tese de Doutoramento, Universidade de Évora, 2013. 240 B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 6. DOC. Nº 16. 241 B.N.P., Reservados, Mss. 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo (DOC. Nº 46), fl. 7 vº. DOC. Nº 46. 242 B.P.E., Reservados, MSS 29, nº 50 (DOC. Nº 46), fl. 5 vº. 243 Esta pintura de c. 1560­­‑1570 e de autor desconhecido mostra desenho exímio na figura da Virgem Maria, longilínea de pose, e na elegância geral de composição, com belos anjos com amplas vestimentas, dentro da tradição renascentista e com reminiscências nórdicas, tal como na linda paisagem marinha esboçada na zona inferior. Túlio Espanca, Inventário…, 1966, p. 90. Espanca dá­­‑a como «do maior interesse artístico», opinião corroborada por Adriano de Gusmão, in «A Pintura Maneirista em Évora», cit. 244 Sobre este artista, cf. Adriano de Gusmão, Diogo Teixeira e seus colaboradores, Lisboa, Realizações Artis, 1955; e Vitor Serrão, «O retábulo de D. Lopo de Almeida e a actividade do pintor maneirista Diogo Teixeira na Misericórdia do Porto (1590­­ ‑1592): inovação da obra e expansão regional dos seus modelos», Actas do II Congresso de História da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Culto, Cultura, Caridade, Santa Casa da Misericórdia do Porto, 2012, pp. 108­­‑147. 245 Adriano de Gusmão, op. cit., p. 14.

130

246 Cf. Adriano de Gusmão, «A Pintura Maneirista em Évora», cit., e Túlio Espanca, Inventário…, 1966, pp. 159 e 245. 247 A.N.T.T., Lº 16 do Distribuidor, Notas de João Rodrigues Jácome, Maio de 1600, cx. 3, s/nº fls. 248 A.D.P., Lº 35 de Notas Tabeliónicas de Elvas, fl. 34 vº e segs., Patrícia Monteiro, A Pintura Mural no Norte Alentejano…, cit. 249 Sobre estes excelentes quadros, cf. Martín S. Soria, «Francisco de Campos (?) and Mannerist Ornamental Design in Évora, 1555 to 1580», cit., pp. 22­­‑27; e Maria Teresa Desterro, Francisco de Campos (c. 1515­­‑1580) e a ‘Bella Maniera’ entre a Flandres, Espanha e Portugal, cit., 2008. 250 Vitor Serrão, «Uma sociedade de pintores em Beja no fim do século XVI: os maneiristas António de Oliveira e Júlio Dinis de Carvo», revista Museu, IV série, nº 11, 2003, pp. 35­­‑75. 251 Vitor Serrão, «Uma sociedade de pintores em Beja», cit. 252 Vitor Serrão, «Lourenço de Salzedo en Roma. Influencias del Manierismo romano en la obra de la Reina Catarina de Portugal», Archivo Español de Arte, LXXVI, 2003, nº 303, pp. 249­­‑265. 253 Sobre estes azulejos antuerpianos, cfr. J. M. dos Santos Simões, op. cit., 1945; José Teixeira, op. cit., pp. 60­­‑63; José Meco, Azulejaria Portuguesa, Lisboa, 1985, p. 19; idem, 1988, pp. 51­­‑52; idem, O Azulejo, Publicações Alfa, 1989; Joaquim Torrinha, «Os azulejos renascentistas», Monumentos, nº 6, 1997, pp. 26­­‑31; Claire Dumourtier, «Contribution à l’étude des carreaux anversois de Vila Viçosa», Azulejo, nº 1, 1991, pp. 22­­‑32; idem, «Frans Andries, ceramista de Amberes establecido en Sevilla», La‑ boratório de Arte, nº 8, 1995, pp. 51­­‑60; idem, Céramique de la Renaissance à Anvers, Bruxelas, 2002; Alexandre Pais ed alii, cat. cit., 2013, pp. 42­­‑57. 254 Cf. Dumortier, art. cit., 1995, pp. 51­­‑60; idem, 2002; José Meco, op. cit., 1995; Alexandre Pais ed alii, cat. cit., 2013. 255 Alexandre Pais ed alii, cat. cit., 2013, p. 52. 256 Martín S. Soria, art. it., 1957, pp. 26­­‑27. 257 Cf. Martín Soria, art. cit., 1957, pp. 22­­‑27; Joaquim Oliveira Caetano e José Alberto Seabra, op. cit., 1983; idem, art. cit., 2007, pp. 59­­‑65; Vitor Serrão, art. cit., 2003, pp. 226­­‑231; idem, O Fresco Maneirista…, 2008, caps. 2.3 e 4.1; Teresa Desterro, Fran‑ cisco de Campos (c. 1515­­‑1580) e a ‘Bella Maniera’ entre a Flandres, Espanha e Portugal, cit., 2008, pp. 147­­‑150; idem, O Tapete…, cit., 2008, pp. 96­­‑112 e 141­­‑143. Sobre as pinturas da Sala Oval no Paço dos Condes de Basto (1578), existe uma tese de Doutoramento em curso, da autoria da técnica de conservação e restauro Rita Vaz Freire, com defesa prevista para 2015 na Universidade de Évora. 258 Joaquim Caetano e José Alberto Seabra, art. cit., 2007, p. 66. 259 O recém­­‑descoberto inventário da livraria dos Condes de Basto atesta a presença de livros dos clássicos greco­­‑latinos, incluindo as Mitologias de Ovídio. 260 Vitor Serrão, «A igreja­­‑salão de Monsaraz…», cit., pp. 217­­‑236. 261 Sobre essas obras, cf. A.H.F.E.A., o Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto, cit. Os frescos, que foram uma decoração inte-

131

gral acima dos silhares (cobertos em 1737 por grandes telas de Francisco Xavier de Castro, emolduradas de gorda talha barroca), são passíveis de superficial análise pelas fotografias, coevas de um restauro do templo há alguns anos, mostradas ao autor por Joaquim Inácio Caetano e José Artur Pestana, a quem nos confessamos gratos. O estilo mostra, de facto, similitudes com a obra de Campos. 262 Cf. o ‘corpus’ actualizado da obra do artista em Maria Teresa Desterro, Fran‑ cisco de Campos…, tese cit., 2008. 263 Sobre as campanhas fresquistas paçãs na 2ª metade do século XVI, cf. Vitor Serrão, O Fresco Maneirista do Paço de Vila Viçosa, cit. 264 B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo, fls. 4 vº a 6 vº. DOC. Nº 46. 265 Cf. um aspecto muito interessante que sobressai da leitura da tese de Maria João Pacheco Ferreira, Os Têxteis Chineses em Portugal nas Opções Decorativas Sacras de Aparato (séculos XVI­­‑XVIII), tese de Doutoramento, Faculdade de Letras do Porto, 2011, vol. I, pp. 25­­‑28 e 122­­‑129, quando fala da concordância cromática estabelecida, com o triunfo da Contra­­‑Reforma, em termos de definição de cores a usar na paramentaria sacra. Ora o que se verifica na encomenda de D. Teotónio para Florença é que, para as vestes e outras alfaias referidas, nem todas as cores assinaladas coincidem com as que eram defendidas por Roma, à luz das directrizes conciliares. 266 Agradecemos à senhora Doutora Magda Tassinari as suas valiosas informações a este respeito e bem assim o artigo de Paolo Peri, «Inediti disegni di ricamo eseguiti in occasione delle nozze di Ferdinando I di’Medici e com Cristina di Lorena», Il Ri‑ camo in Italia dal XVI al XVIII Secolo, Atti delle Giornate di Studio, org. de Flavia Fiori e Margherita Zanetta Accornero, Novara, 2001, pp. 33­­‑51, com desenhos de modelos de paramentaria especialmente concebidos para as bodas de Ferdinando de’Medici com Cristina de Lorena, prova de que este tipo de decorações era seguido com a maior atenção pelos mecenas. 267 B.P.E., Lº 1º da Cartuxa, fl. 120. DOC. Nº 33. 268 Teresa Alarcão e José Alberto Seabra, Imagens em Paramentos Bordados. Séculos XIV a XVI, Lisboa, Instituto Português dos Museus, 1993, pp. 222­­‑225. 269 B.P.E., Lº 1º da Cartuxa, fls. 120 e vº. 270 Maria do Céu Grilo (org.), Paramentos de D. Teodósio de Bragança, Museu de Évora, 2014 (sem catálogo). Agradecemos à senhora Dra Maria do Céu Grilo as preciosas indicações a respeito deste acervo, maioritariamente desconhecido. O trabalho de beneficiação do pluvial envolveu técnicos do Laboratório Hércules e do Laboratório de Conservação e Restauro José de Figueiredo. 271 B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Noticias do seu governo…, fl. 6 vº. DOC. Nº 46. 272 A.S.E., Visitações do Sr Arcebpº Dom Theotº (desde 1579) athe 1583 e 1584, caderno solto (PT/ASE/CSE/A/009/Mç. 1, 1444­­‑1595). Existe cópia na B.P.E., Cód. CIX/2­­‑7, nº 52. 273 Museu Nacional de Arte Antiga, nº de invº 96 (Ourivesaria). Nuno Vassallo e Silva, a quem agradecemos o parecer, destacou o italianismo desta peça, não estranhando que se trate de encomenda de D. Teotónio em Itália.

132

5. O Mosteiro da Scala Coeli da Ca r t u x a d e É v o r a

5.1. O chamamento cartuxo A obra de arquitectura mais mediática que se deve à responsabilidade de D. Teotónio de Bragança durante o seu governo arquiepiscopal foi a construção do Mosteiro da Scala Coeli, fora das muralhas da cidade e junto ao Aqueduto da Água da Prata, destinado a albergar os primeiros monges cartuxos em terras portuguesas. Apesar de alterado na sua fachada devido aos bombardeamentos sofridos aquando da investida castelhana em Maio e Junho de 1663, altura em que a igreja serviu de hospital de guerra às tropas de Diego Caballero, general do exército invasor de D. Juan de Áustria, e chegou mesmo a ser incendiada 274, o monumento preserva a grandeza e o esplendor peculiares das construções cartuxas: é a mais importante de todas as obras de arquitectura teotoninas ! No portal rusticado que abre para o pátio de acesso à belíssima fachada, corre na cimalha a inscrição votiva EREMOS DEI PARE VIRGINIS MARIAE SCALA COELI ORDINIS CARTUSIANORUM 1604, que cronografa o término da construção na sua primeira fase, iniciada em 1587 com o célebre concurso para escolha da planta. Como se sabe, o arranque da constru133

Fig. 4

ção do mosteiro remonta ao ano de 1587, com primeira pedra colocada a 7 de Novembro desse ano, e tem sido considerado «um processo peculiar, indiferente ao panorama arquitectónico da época» 275, já que foi muito célere e, como disse George Kubler, em termos de morfologia estilística e descontando as características vinculadas à organização das construções cartuxas, «a inspiração italianizante do conjunto é assinalável» 276. Conforme notaram os historiadores de arte Agustín Bustamante, Fernando Marías e Miguel Soromenho, a frontaria revela «sintagmas arquitectónicos de extracção erudita» que vão buscar a fonte inspiradora ao tratado de Serlio, mas também a modelos florentinos da era mediceia, sem esquecer o modelo da casa­­‑mãe de Santa Cruz de Jerusalém em Roma, e tomando também evidentes referenciais historicistas (leia­­‑se paleo­­‑cristãos) na ideia geral da frontaria com o recurso ao motivo triunfal, isto é, a união do pilar­­‑arco e da coluna­­‑entablamento, presente na elegante composição do nártex. Tudo é por demais requintado, com o pórtico clássico com os seus cinco arcos de volta perfeira e as suas colunas estriadas de ordem dórica, a constituír como que uma espécie de base sobre a qual se estrutura e organiza, em forma piramidal, toda a fachada. De novo encontramos a inspiração romana no modelo triunfal da pirâmide, esse «requintado e antiquário motivo triunfal», tão querido ao gosto do Arcebispo, como testemunho de glorificação da Igreja contra­­‑reformada e simbologia adequada para a imaginização Scala Coeli. A magna obra, de fachada tão aprimorada e erudita, de alguma maneira em contraste com o pauperismo desejado pelos monges de São Bruno vindos de Tarragona, foi pensada justamente com o sentido do grande esplendor que a regra justificava, e mereceu um debate sério por parte do promotor, que analisou com atenção pelo menos quatro plantas solicitadas aos melhores arquitectos e engenheiros da corte, não se ignorando também o parecer do rei no sentido de avalisar a mais adequada. Quase certo é D. Teotónio ter tido a avisada opinião de Nicolau de Frias para a escolha do melhor projecto, sendo ele, à data, o arquitecto de serviço do Arcebispado de Évora e o artista 134

a quem se encomendavam todos os riscos – e por essa mesma razão será ele quem prosseguirá com a obra, a seguir à morte de Casale… Mas já lá iremos. Se é certo que D. Teotónio de Bragança gastou somas avultadas da sua fortuna pessoal para realizar obras importantes em outras instituições religiosas e caritativas por si criadas, o maior destaque destas empresas cabe seguramente ao Mosteiro da Cartuxa, obra­­‑prima de todas as construções erigidas no tempo da sua governação, «fazendoo, ornandoo, e provendo à sua Sanchristia de tantos, & tão ricos Ornamentos, de Ouro, Prata, e Seda, e Figuras de Sanctos de Prata maciça, Retabollos finíssimos, e ricas Alcatifas, e das peças de serviço…» 277. Embora o Arcebispo tenha custeado também um empreendimento de peso como foi o mosteiro franciscano de Santo António da Piedade, iniciado já pelo Cardeal D. Henrique (e onde D. Teotónio seria enterrado em Agosto de 1602, após o corpo regressar de Valladolid, onde faleceu de morte súbita), foi na obra da Cartuxa que empregou o melhor do seu talento e dos seus réditos 278. Desde que regressou de suas viagens que o Arcebispo conservava uma profunda admiração pela regra de São Bruno e pelo espírito de pauperismo dos seus monges, «vivos imitadores dos anjos na terra», e por isso sondou o Papa Gregório XIII, em Janeiro de 1583, a respeito da possibilidade de a ordem se poder instalar em Portugal 279. Deve ter tido ecos favoráveis à sua pretensão, pois em 1587 já existia carta branca de Roma para se chamarem os frades oriundos do mosteiro do Castelo de Morea, na Catalunha, e se discutiam o sítio de implantação e o projecto a seguir 280. Pediu­­‑se primeiro uma traça ao engenheiro Tiburcio Spanochi, que foi liminarmente recusada por não agradar dada a falta de monumentalidade pretendida, e analisaram­­‑se de seguida outras traças, da autoria de Frei Giovan Battista Casale, de Filippo Terzi e de Francisco de Mora, tendo o Arcebispo de Évora optado pela primeira, por ser justamente a que melhor considerava a grandiosidade pretendida 281. Não é despiciendo notar que era, também, a traça mais «tridentina», aquela que melhor acentuava esse aspecto, cenográfico e simbólico ao mesmo 135

tempo, da fachada­­‑pirâmide em andares sobrepostos, articulada com um nártex­­‑base com clara inspiração nos templos paleo­­ ‑cristãos. Tudo isso agradava sobremaneira ao Arcebispo e aos seus postulados no campo da Arquitectura. Mas é interessante lembrar que, à data em que o concurso decorreu, ainda não havia uma decisão definitivamente tomada quanto ao terreno onde se ia implantar a casa cartuxa, ainda que o Arcebispo se inclinasse já para o vale que bordeja o percurso do Aqueduto da Água de Prata. Assim sendo, os projectos foram concebidos sem conhecimento certo do sítio a escolher para a construção, o que explica discrepâncias por parte dos seus autores. Sabemos que, de certeza, além do vencedor do concurso, também Terzi se deslocou a Évora. A vocação pró­­‑cartuxa de D. Teotónio é bem explicada por uma bem documentada crónica manuscrita com o historial de Santa Maria Scala Coeli, escrita em 1725 por um anónimo carmelita do convento de Nossa Senhora dos Remédios de Évora, onde se diz que D. Teotónio «andou peregrinando por partes de Italia, Alemanha, França, e Castella, e recebeo grandes caridades nos conventos da Cartuxa a que se chegava; sendo elle virtuoso, mais attendis à virtude que via, do que às caridades que recebia. Fez hum grande concepto daquela sagrada religiam: pelo que via de fora, teve curiosidade de saber o que via por dentro; examinou e informouse de tudo o que pode, e achou que tudo era Deos, e mais Deos, sem cuidado algum, ou divertimento das cousas do mundo; que viviam aquelles homens, não como homens vestidos de carne mortal, mas como anjos revestidos della, que elle não tanto via, quanto ve‑ nerava dentro das paredes daqueles conventos». A experiência sentida por D. Teotónio inspirou­­‑o, levando­­‑o a cimentar a ideia de que era possível fundar na sua Arquidiocese um mosteiro desta regra, que seria o primeiro em terras portuguesas e, mais, a grande obra do seu múnus: «Soube que daquellas portas para dentro, tudo era jejum de todo o ano, cilicio perpetuo, clausu‑ ra indispensável, silencio inviolável, penitencia continua, oraçam de todo o dia e toda a noite, dandose todos à contemplação das cousas divinas, ou ao santo exercício do clero, exceptas somente as poucas horas a que obriga o descanço a fragilidade humana, enquanto vive ca em baixo, em que ella 136

não pode dispensar por sem elle não se pode viver, sendo os homens obri‑ gados a conservar a vida, enquanto o sor Deos a empresta. Entendeo que estava esta religiam, e se conservava, em o primitivo rigor da observantia, e sem agravar as outras religiões sagradas, tem esta o primeiro lugar entre as monachais» 282. Pode concluir­­‑se, em suma, que o empenho do Arcebispo em favor da Ordem de São Bruno foi crescendo à medida que ia conhecendo melhor a vivência dos monges cartuxos, em Espanha e em França: «sabendo, conhecendo, entendendo e admirando D. Theotonio tudo isso», depois de passar por Tarragona, no seu regresso de Paris, em cuja Universidade se doutorara em Teologia, logo empreendeu todos os esforços para fundar em terras portuguesas uma casa para os monges brancos. Diz o mesmo cronista que «nove anos gastou com animar dentro do seu alto pensamento o grande facto que concebera, e queria produzir: chegoulhe finalmente o tem‑ po de lançar à luz esse seu facto, ou já posto no anno de 1587, resolveuse a trazer Cartuxos a Portugal, e que havia de ser Evora, ou ao menos o seu Arcebispado o primeiro berço» 283. As diligências junto de D. Jeronimo Marchant, o Geral Prior da Ordem Cartuxa, estante na casa­­‑mãe francesa de Champmol, e o aval do Papa, permitiram que D. Teotónio convidasse a virem, do mosteiro da Scala Coeli de Tarragona, alguns monges para darem corpo à primeira cartuxa portuguesa. Deste modo chegaram a Évora, semanas volvidas ao pedido, Frei Luis Telmo, ao tempo prior do mosteiro de Tarragona, os padres D. Jeronimo Ardion e D. Francisco Monrroi, e o converso Fr. Joam Vellis. Todos foram instalados no velho paço real, junto a São Francisco, onde viveram vários anos, enquanto as obras do futuro mosteiro não se iniciavam. A primeira diligência do Arcebispo para fundar o mosteiro cartuxo, assim que teve a autorização papal, e ainda antes da chegada dos frades, levara­­‑o a escolher sítio junto à vila de Portel («ocorrialhe querer ajuntar a doçura do mel com a aspereza da serra ou hermo» 284), mas teve de abandonar esse projecto, estando já algumas estruturas erguidas, por razões ignotas, fossem as condições ásperas do lugar, fosse a distância de Évora, ou a opinião de D. Jerónimo Marchant. Assim sendo, experimentou 137

outra solução junto à cidade de Évora («queria ter os seus cartuxos mais perto de si, pois os tinha no coração»), primeiro numa herdade chamada do Azinhal e, finalmente, no local onde se veio a instalar o cenóbio, junto ao convento capucho de Santo António da Piedade, perto do Aqueduto da Água de Prata, em espaço sadio, espaçoso e muito aprazível, sobranceiro às campinas de Évora e com vista desafogada sobre a cidade. Para o malogrado projecto de Portel, nunca devidamente investigado, D. Teotónio optara por um sítio ermo chamado Corte de Pinto, a caminho do Alqueva, mas a ideia não vingou. Seja como for, ainda em data recente subsistiam nesse lugar marcos em pedra a assinalar os limites territoriais da Ordem de São Bruno (a pedra lavrada com o símbolo da Scala Coeli), bem como estruturas de um edifício que parece ter sido abandonado pouco tempo depois de se lhe dar início 285. Mas que os cartuxos de Évora guardavam memória do primitivo projecto do Arcebispo, explica­­‑o o facto de D. Beltrão Morellio, em 1595 (estando já a Scala Coeli habitada havia quatro anos), mandar construir uma capela nessa Herdade da Corte de Pinto, em Portel, que foi dada a fazer ao mestre pedreiro portelense Vicente Ferreira, para que aí erguesse um templo, provavelmente vde invocação de São Bruno, e certamente segundo as traças apresentadas pelo arquitecto e escultor Pero Vaz Pereira, um artista ao serviço de D. Teotónio e já muito referido neste livro 286. Aí se ergueu, então, um templinho de estrutura simples, com sua abóbada e capela­­‑mor com decorações de stucco, com natural dedicação a São Bruno, facto que atesta o empenho dos monges cartuxos em ficarem indissoluvelmente ligados àquelas terras onde estivera projectada a sua primeira casa conventual. Ou seja, os monges brancos continuaram a manter viva a tradição de um sítio que fora primeira escolha de D. Teotónio para a suas casa e que, embora se tivesse malogrado, preservava para a ordem a sua carga hierofânica e simbólica. Desse templinho situado no termo de Portel ainda subsistem algumas estruturas em ruínas.

138

5.2. A construção do mosteiro As obras do Mosteiro de Scala Coeli iniciaram­­‑se com celeridade no início do ano de 1588, com empreitada do mestre Jerónimo de Torres, e estavam prontas em 1604. Aliás, já em 1598 a casa estava em estado de poder ser habitada, como foi. Diz o cronista carmelita que vimos citando que «cresciam muito a olhos vistos», ainda que «traçada conforme a grandeza de animo do seu autor, mais do que ao dosejo dos Padres, para quem se traçava» 287, prolongando­­ ‑se os trabalhos de construção por onze anos, já que tudo estava pronto no essencial em 1598, e a 15 de Dezembro desse ano já se puderam mudar, finalmente, os monges. Após a morte de D. Teotónio, e já em tempo do seu sucessor D. Alexandre, as obras conheceram o seu término a breve trecho, como se infere da data de 1604 gravada na entrada do recinto monacal e o diz o autor de uma crónica manuscrita chamada Prado Cartusiano, que data do início do século XVIII 288. O empenho de D. Teotónio no projecto do seu mosteiro de Scala levou­­‑o a dar grande prioridade às obras, enquanto os primeiros monges oriundos da Catalunha se albergaram nos antigos paços reais, a São Francisco, onde estiveram durante onze anos, ainda que em Agosto de 1591 já houvesse vida comunitária no novo cenóbio, como adiante se prova. Sabia­­‑se que em fim de 1598 eles estavam já a viver em Scala Coeli, mas a saída definitiva dos cartuxos dos paços de São Francisco para se instalarem na nóvel e sumptuosa casa que fora para eles criada decorreu, talvez em fases paulatinas, desde 1591. Em 1598, sim, as obras estavam prontas e a casa era considerada o melhor dos conventos da cidade. A empreitada correu por direcção desse pedreiro já bastante referido pela sua envolvência nos grandes estaleiros de D. Henrique e D. Teotónio, o mestre Jerónimo de Torres, responsável pela construção da igreja e Colégio do Espírito Santo (segundo traças de Diogo de Torralva, Afonso Álvares e Manuel Pires), que em 1592 dirigia a equipa de pedreiros, obreiros e servidores activos a bom ritmo na obra do mosteiro cartuxo 289, e que, 139

Fig. 6

Fig. 5

a nosso ver, correram sempre sob a batuta do arquitecto Nicolau de Frias, até pela ausência e doença de Casale, ocupado com as obras de fortificação da barra do Tejo, que eram prioritárias. Diz Nicolau Agostinho, biógrafo de D. Teotónio, que ele gastou de sua fazenda a verdadeira fortuna de 150 mil cruzados no custo das obras 290, mas o anónimo cronista carmelita que se vem citando afiança que foram 250 mil cruzados, entrando «nes‑ sa soma os ornamentos da sacristia, ricos de sedas, prata, e ouro, imagens e figuras de Santos, algumas de prata batida, reliquias insignes e insigne‑ mente engastadas, entre elas avulta mais a cabeça de Sto Erasmo, Bispo de Antioquia e mártir…, e o mesmo dos excelentes retabolos, pinturas admra‑ veis, e athe riquíssimas alfatifas e tudo o mais necessario e ainda supérfluo, sendo que o não pode ser o que se da a Deos, e a seus servos por amor de Deos» 291. Sabe­­‑se concretamente, por referência de algumas fontes, incluindo o Prado Cartusiano, que fez lavrar em prata um busto­­‑relicário para uma relíquia de São Bruno que recebeu do Prior­­‑mor das Cartuxas, mas tudo se perdeu com a vandalização a que foi submetido o mosteiro com a invasão napoleónica. É ainda matéria de discussão o projecto aprovado, da autoria do arquitecto e frade servita de Florença Giovanni Vincenzo Casale (1539­­‑1593), que se insere num famoso livro de desenhos depositado na Biblioteca Nacional de Madrid, e o único dos que foi analisado no concurso e mereceu o aval de aprovação nos seguintes termos: «Theotº Arcebº dEvora e fr. Joan Bellot Prior indigno da Cartuxa de Evora» 292. Pergunta­­‑se, antes de mais, por que razão se preteriram os outros debuxos, sobretudo o de Filipe Terzi ­­– que, lembre­­‑se, passara por Évora no início de 1588, reunindo com o Arcebispo e sendo talvez, dos artistas chamados a concurso, aquele que melhor conhecia o local de implantação, até porque fizera, nessa ocasião, um desenho com o panorama da cidade. Infelizmente, o álbum da Biblioteca Nacional de Madrid não conserva a totalidade dos projectos para a Cartuxa, o que impede de saber o que distinguia e destacava a proposta de Casale face às outras. A resposta parece estar reflectida no próprio desenho. Era o mais «tridentino» dos projectos apresentados, pelo menos segundo o entendimento de D. Teotónio de Bragança! 140

Quem era Giovanni Vincenzo Casale? Este frade, discípulo do escultor Miguel­­‑angelesco Giovanni Agnolo Montorsoli, era sobretudo um engenheiro de fortificações altamente especializado, a ponto de Filipe II o ter chamado em 1588 a Lisboa, juntamente com o também engenheiro militar Alessandro Massai, seu sobrinho, para actualizar e reforçar o sistema defensivo da barra do Tejo, constantemente flagelada por piratas ingleses293. Foi nesse âmbito que concebeu, em 1590, os fortes da Cabeça Seca (espécie de embrião do Forte de São Lourenço do Bugio) e de Santo António do Estoril. Residiu em Lisboa até à sua prematura morte, cumprindo o que Filipe I de Portugal lhe exigia desde Madrid, já que a fortificação da barra tinha prioridade absoluta sobre quaisquer outras obras, incluindo­­‑se nessas a construção da Cartuxa de Évora, por isso mesmo negligenciadas. Era um arquitecto competentíssimo, defendendo e mantendo, face às interrogações do rei e de seus conselheiros, a justeza dos seus projectos, nomeadamente a escolha da forma curvilínea, mais resistente face às correntes do mar, ao invés da tradicional forma angular 294. Para um artista tâo estimado pelo rei da Monarquia Dual ­­– facto que talvez tenha contado em termos de recomendação no concurso para a Cartuxa ­­–, G. V. Casale conheceria o espaço onde o mosteiro ia ser implantado e fez vários desenhos com acento erudito e espírito de grandiloquência, que mereceram cabal aprovação do Arcebispo. Este, aliás, tinha relações com Casale e com seu sobrinho Massay, que foi, aliás, testemunha no processo de creditação das relíquias de São Torpes na altura em que o Papa Sisto V encarregou D. Teotónio de Bragança de ir a Sines investigar o assunto, promover escavações e descobrir o lugar do alegado enterramento dos ossos do santo pisano. Seja como for, também é evidente que o projecto de Casale não foi integralmente seguido na realização definitiva, o que deixa subentender que teve de haver alterações na traça inicial, com a conivência do Arcebispo, talvez já ainda em vida de Casale, que morre em 1593. Tais alterações datam em parte, é certo, da campanha do tempo do Prior D. Basílio de Faria, entre 1619 141

e 1625, e da que se lhe seguiu em fim do século XVII, quando com o apoio de D. Pedro II se corrigiram alguns estragos causados pela invasão e cerco castelhano à cidade de Évora em 1663, altura em que a Cartuxa teria sido alvo da artilharia de D. Juan de Áustria e, ademais, sofreu um incêndio. Ainda se discute qual o real efeito deste bombardeamento na casa religiosa mas é certo que foram extrapolados, pois nem o frontispício da fachada ruíu, nem o mosteiro sofreu mais que alguma ruína na cerca e em dependências complemetares. Como atestou Miguel Soromenho295, as obras realizadas no final do século XVII, solicitadas pelos monges ao Conselho de Guerra, provam que os estragos causados pela ocupação das tropas castelhanas não foram tão significativas como se infere, e o mesmo se deduz do contrato de obras realizadas em 1695­­‑1597 (sendo delas encarregado o mestre pedreiro Manuel João Penalvo 296), que foram sobretudo de consolidação do andar superior da fachada. Houve sim uma ‘barroquização’, que se atesta pela busca de uma «pompa e bizar‑ ria» na decoração adequada ao gosto dos tempos de D. Pedro II (termos utilizados numa descrição de crónica cartusiana que mais adiante se fará)…. Vendo­­‑se com atenção o remate da fachada com frontão triangular a sobrepujar a zona do ático, é certo que, mantendo­­ ‑se no remate o projecto teotonino, aí se introduziram então novos elementos de decoração, ainda que, repetimos, sem alterar o essencial da traça quinhentista. Aliás, parece prová­­‑lo também, e di­­‑lo o mesmo Miguel Soromenho, «o recurso a uma ordem de colunas mais pesadas e com marcação cintada do terço inferior do fuste – artifício que repugnaria sem dúvida ao lavrante mais purista das ordens inferiores –, o perfil animado das aletas e, com certeza, a assinatura inequívoca dada pelas armas reais pedrinas no tímpano do frontão triangular que coroa o conjunto» 297. Mesmo assim, o frontão não se afasta muito (em termos gerais de desenho, que não de decoração) da traça original de Casale, de modo a inscrever a composição, como de facto inscreve, num quadrilátero perfeito que acentua a pretendida noção 142

triunfal da pirâmide ascendente para que o conjunto da fachada aponta. O projecto aprovado pelo Arcebispo previa essa intenção subliminar, que as obras de necessário «restauro» realizadas em 1695 grosso modo respeitaram, já que foram essencialmente obras de consolidação. A presença das armas régias de D. Pedro II atesta tão­­‑só o investimento da Coroa na ultimação de uma obra de tão grande simbolismo como era a Cartuxa de Évora, fazendo­­‑se reparar os estragos, aliás pouco significativos, que a invasão de D. Juan de Austria causara havia pouco mais de trinta anos. O contrato com o mestre Penalvo parece confirmar essa interpretação, e se se procedeu então a uma exagerada «barroquização» do discurso da frontaria, tal se deveu a inevitáveis contaminações por parte do gosto que dominava... Voltemos ao concurso de 1587 e à primeira fase das obras. É de lembrar que em fim desse ano de 1593 uma mercê dada a Pedro Fernandes de Viseu, que servia Filipe Terzi como seu medidor de traças, refere explicitamente a dispensa de Casale, por se encontrar enfermo, na obra do mosteiro de São Francisco de Coimbra, a que Terzi meteria ombros 298. O que significa que houve uma espécie de revisão das empresas que o servita concebera, por parte de outro artista, a quem o Arcebispo quis sublinhar determinadas intenções 299. Assim, a estrutura eloquente do nártex do piso térreo, com a sua forma porticada de arcos de volta perfeita, cinco ao todo (seguindo os princípios vitruvianos explanados no Livro IV, caps. 3, 6 e 7), «mostra uma erudição de desenho da ordem dórica, que se estende à elegância das colunas caneladas assentes em altos pedestais, com um correcto entablamento e, ladeando o vão central, dispostas aos pares com nichos nos intercolúnios» 300. Trata­­‑se, como observou Soromenho, de uma singular adaptação da travata albertiana, união de pilar­­‑arco e coluna­­‑entablamento que afirmam a ideia da fachada como motivo triunfal, ou seja, uma arquitectura all’antico, que por certo agradaria ao Arcebispo. Convém lembrar, de novo, que se trata de um projecto diferente: andar de cinco arcos e não de apenas de três, como surgia no desenho aprovado de Casale. 143

Fig. 57

É de crer, assim, que não se respeitou totalmente a traça do servita, e se quis justamente acentuar esse efeito cénico, belíssimo, dando ênfase e exagerando a extensão do suposto pódium sobre o qual se ergue, em escala piramidal, a restante fachada. Ora essa solução para a estrutura porticada inferior (onde não por acaso se descobre a data de 1604, que regista a fase de acabamento) mostra que o projecto sofreu alterações substantivas – e de novo a batuta do Arcebispo e do seu arquitecto Nicolau de Frias surgem como figuras tutelares do programa de obras. Claro que tudo foi naturalmente adequado às circunstâncias, aos meios disponíveis e, sobretudo, à necessidade de acolher os frades no mais curto espaço de tempo: em 1591 já eles lá estavam albergados, como se provou. Mas existiu uma ideia motriz e, essa, foi não só muito maturada pelo Arcebispo mas integralmente levada à prática, e encontra a sua plenitude na monumental frontaria. No caso da Cartuxa, ter­­‑se­­‑á passado o mesmo fenómeno que decorreu com a morte de Casale no caso de outras obras por si desenhadas: e é neste ponto que urge lembrar, mais uma vez, a crescente importância do arquitecto Nicolau de Frias nas agendas construtivas do Arcebispo. Nos anos de 1586, de 1587 e de 1588, como vimos, ele aparece­­‑nos a desenhar todos os projectos de D. Teotónio e a superintender nas obras mais importantes do Arcebispado, ao mesmo tempo que estava no clímax a construção, por si dirigida, do Paço Ducal de Vila Viçosa. Tudo isto nos leva a crer que coube a Nicolau de Frias a direcção e acompanhamento das obras da Cartuxa, com alteração de vários aspectos do desenho do alçado por Casale, segundo os desejos precisos do Arcebispo. O rigorismo que a fachada apresenta quando comparada com a do Paço de Vila Viçosa, no que concerne ao seu desenho arquitectónico, em termos de efeito cenográfico, de escala monumental e de detalhismo na definição dos pormenores, parece corroborar a hipótese de trabalho que aqui se defende. Em favor desta tese concorre o facto de serem imensas as referências a Frias na documentação contabilística, tanto do Ar144

cebispado como também da Cartuxa, nos anos finais do século XVI. Trata­­‑se, é certo, no caso da Scala Coeli, de referências a contas miúdas (ainda que envolvendo altos quantitativos) com aquisições de objectos diversos para apoio às obras de construção que decorriam ou para serviço da comunidade cartuxa. Mas esses gastos confirmam, ao mesmo tempo, o grande envolvimento do arquitecto no magno projecto do Arcebispo. Entre outras referências, temos notícia da compra, entre Novembro de 1587 e início de 1591, de várias peças para serviço dos monges, que envolvem o arquitecto: «de ferragem do porto com mil pregos livrados que Nicolau de Frias mandou de lixboa quinze mil cento e setenta reis», «de huma Romaã grande com seus pregos que ho dito Nicolau de Frias mandou de lxª que custou dous mil e setecen‑ tos reis», «doze thesouras e doze canivetes que o dito Nicolau de Frias mandou q. custarão dous mil cento e sesentas rs», «doze fechos de segredo com suas chaves dobradas que o dito Nicolau de Frias mandou de Lisboa que custarão noue mil rs», «huma Campainha com sua porqª e ferragem que Nicolau de Frias mandou de Lixª para a Cartuxa que custou mil e quinhentos rs», «hum almofariz grande com sua mão que mandou o dito Nicolau de Frias de Lixª que custou tres mil e oitocentos rs», «Seis mesas grandes que mandou Nicolau de Frias de lixª e da ferragem e correias, custaram 15V600, (e) a tavoada das Missas que mandou o dito Nicolau de Frias de Lixª que custou cinco mil e quinhentos rs» e ainda, já em 1589, registam­­‑se «dous mil rs que Nicolau de frias deu a hum homem que solicitou as cousas que elle comprou pª a Cartuxa 2V000», e ainda «novesentos e sessenta digo cinqtª rs que custarão alguns envoltórios e cor‑ das para se liarem as cousas que o dito Nicolao de frias comprou para a Cartuxa V950» 301. Fez­­‑nos notar Francisco Bilou, em reflexão conjunta em torno destas despesas só aparentemente «menores», que estamos perante aquisições próprias de um término de obra, como na realidade se tratava: de facto, a casa estava habitável desde o Verão de 1591 e com vivência comunitária a funcionar e era preciso dotá­­‑la de bens essenciais, como os que nestes róis foram contabilizados. É certo que não existe referência expressa, nem desenhos de Nicolau de Frias, que o afirmem autor da obra da Cartuxa, 145

mas dada a convicção consensualmente aceite de que o projecto de Casale foi inevitavelmente readaptado às circunstâncias 302, cremos que coube a Nicolau de Frias algo mais que o acompanhamento da grande empresa de D. Teotónio. E tinha de ser assim mesmo: Frias não era apenas um hábil tracista de obras de marcenaria como já se quis fazer crer, pelo facto de ser filho de imaginário, e com ele formado, mas um notável arquitecto de formação romana, e com concepção de obra que o creditava, como a ampliação do Paço Ducal de Vila Viçosa à cabeça. As relações mantidas com o Arcebispo, para quem realizara já tantas obras de monta, levam à convicção de que era ele o mestre a quem D. Teotónio recorria neeses anos 80 e 90 do século XVI para os seus empreendimentos. A ele se reportam certamente documentos como a provisão de 12 de Julho de 1598 em que o Arcebispo gasta determinado quantitativo com férias de pedreiros, cavouqueiros, tijoleiros e servidores actuantes no estaleiro de obras da Cartuxa 303. Uma certeza pode ser desde já estabelecida: em 1591 as obras estavam muito avançadas, a ponto de já nesse ano haver vida monástica instalada em Scala Coeli, com observância sob tutela prioral de D. Luís Telmo ! Tal se depreende de um processo do Santo Ofício de Évora que envolveu, em 1591, o frade parisiense Olivarius Brisom, de trinta e sete anos de idade 304. Este homem era filho de Luís Brison, cristão­­‑velho, advogado do Rei de França no Parlamento de Paris, e de Isabel Faber, também cristã­­‑velha, e foi preso em 14 de Agosto de 1591, com sentença a excomunhão maior e confisco de bens no auto­­‑de­­‑fé de 13 de Fevereiro de 1594.  Olivarius Brisom tinha estudado nas Universidades de Paris e de Poitiers, foi professor de latim no Reino da Catalunha, ermitão no Convento de Nossa Senhora do Monte da Virgem na Serra de Ossa, termo da vila do Redondo, e era à data da prisão noviço no recém­­‑fundado Mosteiro da Cartuxa. O processo inquisitorial é assaz interessante pois envolve uma sinistra questão de alegado desrespeito pelas imagens sagradas. O réu possuía três imagens de Santa Maria do Loreto impressas em relevo sobre papel branco, que foram apostas ao processo 146

como prova­­‑crime, já que era acusado de as ter amarrotado e maltratado num acto de iconoclastia: representavam a deslocação da Santa Casa onde viveu a Sagrada Família, transportada por anjos da Terra Santa para Loreto, Itália, e com a inscrição S. MARIA DE LORETO ORA PRO NOBIS. Que se passou afinal ? O noviço cartuxo fora preso por denúncia dos monges, desde o próprio prior D. Luís Telmo ao sacristão D. Jorge, ao vigário D. Vicente Brum, ao monge D. Neutel, a D. Luís e a outros religiosos da comunidade, por defender posições contrárias à religião católica, designadamente posições luteranas e calvinistas, o que causara grande escândalo nos denunciantes 305. Por especial denúncia do Licenciado Diogo Nunes Figueira, foi dado conhecimento de que já antes de ingressar na Cartuxa, e enquanto ermitão do convento de Nossa Senhora do Monte Virgem, termo da vila do Redondo, o francês deitara ao chão e pisara três estampas de Nossa Senhoras do Loreto, o que causara muito mal­­‑estar nos assistentes: «o dito Oliuario bri‑ son tomou a dita imagem a esteue pizando com os dedos E depois de a ter maltratado a despegou apartando as tres dobras de papel huma de outra e desfeita a lançou no chão de que muito se escandalizarão algumas pessoas que o uirão». Agravou o caso o facto de que, estando já preso, o noviço francês teve atitude de desrespeito para com uma imagem de Nossa Senhora que estava na parede da cela, com escândalo dos outros detidos. Era seguramente um personagem destemido e com comportamentos ousados, de todo inadequados numa época de tão grande intolerância religiosa, o que explica que o processo inquisitorial acabasse três anos depois com a sua condenação, sendo Brisom relaxado ao braço secular. Deste processo do Santo Ofício de Évora é possível extraír algumas conclusões importantes sobre a construção da Cartuxa: fica provado que o mosteiro já funcionava no essencial em Agosto de 1591, mesmo que com obras em curso, pois os monges viviam na casa, privavam no claustro, dormiam nas celas, e eram em número suficiente quando se impôs excluir da sua convivência um noviço francês com posições heterodoxas e comportamentos contrários à iconofilia tridentina... 147

Fig. 56

Fig. 7 Fig. 10

Um escândalo como este foi seguramente do conhecimento do Arcebispo e não podia deixar de chocar espíritos tão fielmente alinhados com os ditames de Trento. Entre 1587 e 1591, D. Teotónio, que aliás chegou a viver e a despachar a partir do Mosteiro da Scala Coeli, fez várias encomendas para a sua opulenta fundação cartuxa: há referências a esculturas que mandou vir de Madrid, como é o caso do vigoroso Cristo Crucificado, que integra o altar maneirista da sacristia (este, certamente «riscado» por Nicolau de Frias), bem como um Ecce Homo, e outras peças de imaginária destinadas à igreja e às dependências da Scala Coeli. O grande Cristo do altar da sacristia é especialmente notável pela elegante modelação do torso e pela inflamada aura que exala. Algumas das pequenas esculturas de madeira do mesmo altar da sacristia seriam, entretanto, alvo de estofo e douramento pelo pintor­­‑dourador Custódio da Costa e de enquadramento de talha pelo mestre de marcenaria e entalhador Diogo Nobre 306. A obra do Mosteiro da Cartuxa foi, portanto, muito célere: estava pronta, no essencial, em 1591 e já com obras de decoração intestina a decorrer em pleno. As referências na documentação da Cartuxa à presença de Pero Vaz Pereira, com ligações à construção, ainda que imprecisas, permitem admitir a sua participação no término desta fase das obras, tanto no nártex da frontaria como no claustro pequeno, lembrando­­‑se que num dos arcos do andar inferior da fachada se insere a data de 1604, que fixará uma das campanhas já dirigidas por Vaz Pereira. Em 1598, estando erguido o essencial, com a igreja, a sacristia, as celas e o vastíssimo claustrum dos monges brancos (o maior dos claustros portugueses), a vida no mosteiro corria dentro da normalidade e segundo a regra de São Bruno. No claustro, um gigantesco espaço quadrangular imaginado como metáfora do deserto anacorético, com seu laranjal, projectou­­‑se um belo fontenário central, de planta octógona. Este fontenário teria sido pensado para ser concebido segundo um desenho que o próprio Arcebispo D. Teotónio teria solicitado directamente de França, a partir do modelo do famoso «puits de Moise» existente na chartreuse de Champmol, ainda que depois não tenha sido 148

exactamente seguido em toda a sua complexidade e se optasse por um modelo clássico de bom recorte 307. Todavia, a morte de D. Teotónio interrompeu o bom andamento das obras da Scala Coeli durante dois decénios, por falta de investimento dos arcebispados de D. Alexandre de Bragança (homem doente, recolhido muitas vezes no Paço de Vila Viçosa) e D. Diogo de Sousa (de brevíssimo tempo de governação), sabendo­­‑se hoje melhor dos esforços que em tempo de D. José de Melo (1611­­‑1633) se fizeram para melhorar a gestão financeira das avultadas propriedades com que, por testamento de D. Teotónio, a casa fora dotada 308. De facto, após a campanha de obras mais directamente ‘teotonina’, que se ultima em 1604, as obras cartuxas só retomariam o seu curso quando ia avançado o múnus de D. José de Melo. É desses anos a belíssima fonte clássica do Claustro Grande, atrás referida, constituída por três taças de mármore branco assentes cada uma delas em colunas bojudas, com uma moderna imagem de Nossa Senhora de Fátima (de 1994) por remate, e com um grande lago no centro 309. Sabemos que essa fonte foi executada por volta de 1620, ao tempo do priorado de D. Basílio de Faria, nome escolhido, ao tomar ordens, pelo famoso historiador e escritor Chantre da Sé de Évora Baltazar de Faria Severim (1559­­‑1625), o qual professou como cartuxo em 1609, sendo depois prior das casas cartuxas de Laveiras, primeiro, e de Scala Coeli, no fim da vida. Muito a esse respeito nos é explicado pela bem documentada crónica manuscrita com o historial de Santa Maria Scala Coeli que foi escrita em 1725 por um anónimo carmelita do convento de Nossa Senhora dos Remédios de Évora, onde se elogia muito o priorado de D. Basílio e se diz o seguinte: «nesse tempo (1619), vagando o priorado de Evora, largou a Laveiras por Evora (…), porem no material achou o Convento como o deixara o seu fundador, com as obras não pendentes mas de todo paradas, porque no mesmo estado: ao menos não acho que algum outro lhe puzesse mão ou pedra sobre pedra. Vinha com mão folgada, do que obrara em Laveiras: quis também cá pro‑ var a mão, quis, e pôde continuar a fazer obras dignas da sua mão: poz 149

mão à obra e pôde accabar a claustra grande, a que faltava grande parte: não sei se fez também algumas cellas, mas cuido que de entam para cá só se fizeram as duas ultimas por ordem delrei D. Pedro que Deos guarde. Alem de acabar assim esse claustro, lhe poz no meio do seu grande vaam a famosa fonte, que anima a cerca, pomares e jardim, de flores, pomo de ouro e outras varias castas de fructos» 310. Apura­­‑se assim, sem margem para dúvidas, que o elegante fontenário que centra o Claustro Grande, envolto por sete altos ciprestes plantados em 1960 (e que evocam os sete monges que então restauraram a ordem, ao reocuparem a casa eborense a mando do benemérito Vasco Maria Eugénio de Almeida), foi obrado entre 1619 e 1625. Pensar­­‑se que se trata de obra traçada por Pero Vaz Pereira parece hipótese que é por demais credível, sendo ele o arquitecto que, desde o tempo do fundador, acompanhara os projectos de Casale e de Frias, e lhes dera ultimação em várias partes. Peças como esta fonte dos Cartuxos, a pia de água benta de Santo António da Piedade, o púlpito de Santa Maria de Machede, a chaminé de sala do Paço de Vila Viçosa e, ainda, a fonte­­‑tempietto de Elvas, assumem­­‑se como concepção de um mesmo artista. Também na mesma crónica setecentista se afirma taxativamente que foi durante o mandado de D. Basílio que se ultimou a obra de arquitectura da fachada. A crer no testemunho (que neste caso é manifestamente exagerado no elogio ao governo de D. Basílio), ele interveio no acabamento (ou alterações) da fachada com «pompa e bizarria», o que pode ser entendido já como sinal da ‘barroquização’ introduzida na decoração da cimalha. É evidente que ela não foi feita de raíz, poisjá estava ultimada havia vinte anos: este Prior apenas deve ter realizado trabalhos de acabamento e decoração da cimalha pois, como se viu, a frontaria estava pronta, no essencial, em início de Seiscentos: «Acabadas estas pomposas e magestozas obras, empreendeo outra, ainda de maior majestade: o famozo e admirável pórtico da Igreja nova, de pedraria de Estremos, már‑ mores finíssimos, e lavrados com todo o primor da arte, que a acabarse como elle o começou, será dos melhores na pompa e bizarria; dará mate forçado aos mais magestosos pórticos que celebra a fama; mas impediolhe o acabálo, 150

e continuar com a Igreja como desejava, quem tudo embarga, embargando a vida e cortandolhe os fios: a morte» 311. É de lembrar, para justificar os equívocos provocados por esta passagem, que o cronista citado escreve cerca de 1725, muito tempo após as obras que a fachada sofreu no final do século XVII, mas ainda sendo delas conhecedor, o que explicará a contaminação de dados em relação à campanha de D. Basílio. Seja como for, sabemos que no tempo de D. Basílio houve obras na cimalha da frontaria, quase de certeza sob direcção do arquitecto Pero Vaz Pereira – mas o essencial da obra da frontaria cartuxa de Scala Coeli, com o seu «magestoso pórtico», estava, desde as primícias do século XVII, ultimado... Nestes anos, a comunidade cartuxa tinha no seu seio pelo menos um monge­­‑artista de renome: trata­­‑se de D. Tomé, o prior da Cartuxa que sucedeu a D. Basílio, e que fazia «riscos» para retábulos e outro equipamento litúrgico. Sabemos que em 1625 foi o responsável pela traça do custoso retábulo da Árvore de Jessé destinado à Capela de Nossa Senhora do Rosário na igreja do mosteiro de São Domingos de Évora 312. Esse conjunto, executado pelo carpinteiro de marcenaria João Nobre (parente do mestre Diogo Nobre tão referido nestas páginas), integrava numerosas imagens de Profetas, bem como do Patriarca Jessé e da Senhora do Rosário, lavradas pelo escultor Adrião Pires de Faria e pintadas e estofadas por três pintores eborenses, António Vogado, Bartolomeu Sánchez e o nosso conhecido Custódio da Costa. Apesar de desaparecida, esta obra mostra o prestígio grangeado pela comunidade cartuxa, a ponto de ser chamada a projectar e desenhar obras de certo vulto. 5 . 3 . O re tá bu lo d a s ac r i s t i a e o u t ro equipamento artístico A documentação sobre as fases de decorações da igreja e dependências cartuxas abunda e precisa de ser analisada em suficiência: esclarece­­‑nos sobre os têxteis, pratas, móveis, imagens, painéis ou livros litúrgicos adquiridos para prover o mosteiro da 151

Fig. 7

Cartuxa com um dos melhores de toda a Península. Infelizmente, as malfeitorias cometidas pela invasão das tropas francesas, no início do século XIX, a que se seguiu a dispersão do restante espólio aquando da exclaustração das ordens, depauperaram o mosteiro de grande parte do seu equipamento artístico. Hoje, nada existe, salvo no altar da sacristia, nenhum vestígio do que era o rico espólio de talha, pintura, pratas e têxteis do primitivo mosteiro da Scsla Coeli. Resistiu, no espaço tão austero da sacristia cartuxa, o grandioso retábulo maneirista que ocupa o altar fundeiro, de planta recta, um só tramo delimitado por um par de pilastras de ordem jónica, onde se rasgam nichos com pequenas imagens policromadas, o friso dórico do entablamento, o frontão interrompido e, ao centro, uma grande escultura de vulto de Cristo Crucificado, popularmente conhecida como o Senhor Jesus da Cartuxa. Trata­­‑se, assim, de uma composição horizontal dividida em sotobanco, banco, corpo único e ático, dentro da tipologia contra­­‑maneirista313. É peça de excelência, que levou Robert C. Smith a sugerir tratar­­ ‑se de obra castelhana, tanto o entalhe como a escultura314. Esta, apura­­‑se agora, face aos documentos já referenciados, que veio de certeza de Madrid, em Outubro de 1589, pela qual o padre Jerónimo Ardion pagou 7.000 rs 315. É uma magnífica peça de escultura, de uma elegância maneirista contida e com vigorosa modelação anatómica, sendo de lastimar que, por enquanto, não se tenha achado identidade para o ignoto escultor. Acresce a qualidade da encarnação, que valoriza o seu pathos expressivo. Já as duas dezenas de pequenas esculturas em madeira pintada que ocupam os nichos das pilastras que cingem o vão, com figuras de santos desde São Bruno a São Teotónio, a São Pedro e São Paulo, São João Evangelista, São Marcos, São Bartolomeu, Santo André, Santo Estêvão e Santa Maria Madalena, e as alegorias à Fé e à Es‑ perança, entre outras, foram com toda a certeza feitas em Évora no final do século XVI, tal como todo o conjunto de carpintaria e lavor do retábulo, segundo risco provavelmente da autoria de Nicolau de Frias, o arquitecto do Arcebisopo, er «mãos» de Diogo Nobre. Segundo nos assevera D. Antão López, a selec152

ção das pequenas imagens anichadas nas ilhargas do retábulo só na aparência parece enigmática, pela sua aparente diversidade em termos cultuais e iconográficos, mas corresponde a uma selecção (além de São Bruno e de São Teotónio) dos santos que à época tinham maior devoção em Évora. Por sua parte, a pintura de estofo de grutesco que reveste, num trabalho com grande finura de pincel, as bases dos nichos e outros elementos da estrutura retavbular, mostra um grau de especialização que leva a pensar no nome de Custódio da Costa, ao tempo activo na casa, e a tributar­­‑lhe tais intervenções. Adivinham­­‑se, a partir da documentação existente, os nomes dos artistas envolvidos: a obra de entalhe será com toda a certeza de Diogo Nobre, o entalhador preferido de D. Teotónio e que se sabe activo na Cartuxa, seguindo neste caso uma traça de Nicolau de Frias; algumas das imagens podem bem ser de Pero Vaz Pereira, que nos primeiros anos de actividade, além de arquitecto, serviu como escultor do Arcebispo, sendo de estimar em especial as esculturas de São Teotónio e de São Bruno, mais cuidadas; o dourado e pintura das mesmas poderá ser devido a Manuel de Araújo, pintor de têmpera e fresco que também surge referido nas contas cartuxas precisamente a policromar imagens 316; enquanto a fina decoração pictórica de pincel com temas de grotesco (incluindo enrolamentos acânticos, cartelas, aves, candelabra, pâmpanos, flores e mascarões) que se admira nas bases dos nichos, nos frisos, e no intradorso do entablamento será, como dissemos acima e com toda a probabilidade, da autoria de Custódio da Costa. Este pintor era especialista nessa linguagem ornamental, tendo feito por esses anos, por exemplo, a decoração de grotescos do leito ducal de D. Teodósio II em Vila Viçosa (desaparecido), e estava a pintar então na Cartuxa, associado ao escultor Pero Vaz Pereira, quando este retábulo se fazia 317. Apenas a tábua com a cidade de Jerusalém que constitui o fundo da escultura do Cristo Crucificado destoa, pela sua muito inferior qualidade, tratando­­‑se de decoração refeita em data ulterior. Pensamos que, pela mesma altura, o Arcebispo discutiu com o conceituado pintor régio de Filipe II, Fernão Gomes (1548­­ 153

Fig. 9

‑1612), morador na corte de Lisboa, a factura de um grande retábulo para a capela­­‑mor da Cartuxa, mas a empresa parece que se gorou, por razões ainda não totalmente esclarecidas. Fernão Gomes era um artista nascido em Albuquerque e formado em Delft, mas cedo instalado em Lisboa, onde se torna pintor da corte do rei e grangeia sucesso, tendo recebido informação artística italiana (se é que não esteve em Itália, como defendeu Nicole Dacos 318) através do já referido Lourenço de Salzedo, que trabalhou para a Sé de Évora, como vimos, e foi em Abril de 1577 o seu padrinho de casamento 319. Sabemos que em 1591 já se fazia um retábulo para a igreja de Scala Coeli, prova cabal da rapidez que a construção tomou. Mas desse retábulo resta tão­­‑só a memória de um projecto que se tem considerado falido: um excelente desenho ou estudo preparatório da autoria de Fernão Gomes, guardado na Biblioteca Pública de Évora, ainda com a quadrícula apontada (prova de que estava pensado já em termos de transposição de escala) e com a indicação de que «não se fes». O desenho, onde se mostram várias figuras agitadas que buscam ascender à Scala Coeli que conduz à presença de Jesus Cristo e da Virgem Maria, no alto, é de um arrojo e capricho maneiristas que surpreende, e que o situa bem dentro dos valores da Bella Maniera, e possivelmente foi por isso que a proposta retabular não teria agradado ao proselitista D. Teotónio, que pretenderia por certo um painel mais decoroso 320... Seja como for, há que reconhecer que essas figuras serpenti‑ natas e longilíneas de Gomes tinham público no mercado português, como se vê no magnífico retábulo­­‑mor da Sé de Portalegre, que o mesmo Gomes pinta por esses anos (c. 1592­­‑1595) a mando de D. Amador Arrais, onde surgem figuras absolutamente afins em tábuas como a Ascensão e o Pentecostes, sem esquecer também a Ascensão do Museu de Arte Sacra do Funchal, que Fernão Gomes pinta para uma confraria rica da Sé madeirense. Ou seja, não haverá que extrapolar em demasia uma alegada posição de D. Teotónio em desfavor do desenho, quando o que pode ter sucedido mesmo foi tão­­‑só uma impossibilidade de agenda do próprio pintor régio que levou a que o projecto 154

retabular da Cartuxa não tivesse passado de um mero debuxo com indicação de «não se fes». Mas pode ser que estejamos a analisar mal o problema e que, no fim de contas, Fernão Gomes tenha mesmo feito o painel do avantajado retábulo­­‑mor da Cartuxa, com o tema da Scala Coeli: que por estes anos se fez um retábulo para o altar­­‑mor da igreja acabada de construir é coisa certa, e o facto de no desenho se ler a inscrição «não se fes» pode ter outra interpretação, que nos é dada por uma interessante nota inclusa na contabilidade do Mosteiro. A 25 de Janeiro de 1602 lançou­­‑se em rol uma série de instruções dadas pelo Arcebispo ao Cónego Domingos Martins, que ia então a Roma 321; a maioria das diligências tinha a ver com dízimos, rendas e certidões de bens do Arcebispado, assuntos do Colégio das Donzelas, um pleito a tratar com o Geral da Companhia de Jesus e, bem assim, uma carta secreta para o Papa, mas também se incluíram duas diligências ligadas a obras de arte para as quais D. Teotónio requeria especial atenção. Uma delas já foi referido no capítulo precedente e diz respeito a peças de paramentaria como uma «huma casula, e huma dalmática de buquexim (que estão) em casa do Sõr Conde Fernão Taverna (…) para se fazerem outras por ellas», mandando­­‑se desenhos para serem seguidos no brocado, nos sebastos e nos perfis, com indicação das cores. A outra é de especial importância para o assunto do retábulo­­‑mor da Cartuxa: «Levais o retablo do Altar mor da Cartuxa pera mandar fazer hum em tella pera o modo que vai um papel dentro do milhor official, e seja escolhido pera o Cardeal Tornes» 322. Ou seja, daqui se infere que D. Teotónio mandou fazer um desenho do painel do retábulo já existente (desenho este da autoria de Fernão Gomes, tal como era também, quase de certeza, o painel retabular da capela­­‑mor) para que em Roma, a partir desse modelo, se passasse para tela por mão de um dos melhores artistas da Cidade Eterna. E não é de somenos a referência aos contactos romanos do Padre Domingos Martins: um deles era o Cardeal Eduardo Farnèsio, filho de D. Maria de Portugal (que pelo casamento com Alessandro Farnèsio em 1565 se tornara duquesa de Parma e 155

Plasência), a qual era filha de D. Isabel de Bragança e do Infante D. Duarte; assim sendo, o Carderal era ainda sobrinho de D. Teotónio, o quer explica o próximo relacionamento. Voltando à lacónica nota de cujo cumprimento se incumbiu o Cónego Domingos Martins, pode inferir­­‑se que o «não se fes» acrescentado ao desenho da Biblioteca Pública de Évora dizia justamente respeito ao tal modelo do retábulo­­‑mor que se quis mandar para Roma, já com quadrícula para apoio à sua ampliação na cópia que se desejava fazer em tela, mas que acabou por não ser executado. E pode imaginar­­‑se porquê: o falecimento do Arcebispo, alguns meses volvidos sobre a partida do Cónego, gorou muitas das intenções expressas no rol, que passaram pelas novas circunstâncias a não ser prioritárias para o Cabido sede vacante… A ser assim (e se interpretamos bem este item do documento), Fernão Gomes teria mesmo pintado o grande painel do retábulo­­‑mor da igreja da Cartuxa, representando a Scala Coeli, e o desenho que chegou aos nossos dias é o único e por isso precioso testemunho cripto­­‑artístico dessa obra malogradamente perdida ! Em qualquer circunstância, é muito interessante que os cartuxos de Évora tenham desejado, num determinado momento, fazer uma cópia em tela a partir do modelo da composição do retábulo­­‑mor, pintada em madeira, com o tema da Scala Co‑ eli, com destino, porventura, a outro espaço do cenóbio, e que tivessem em mira mandar fazê­­‑lo ao melhor pintor de Roma (a indicar por um seu contacto na Cidade Papal, o Cardeal Tornes). A referência «ao milhor oficial» tanto pode referir­­‑se ao autor do desenho enviado como ao mestre romano que passara o modelo a tela – ou a ambos. Tudo se gorou: «não se fes»… e basta imaginar que fosse a morte súbita de D. Teotónio, em meados de 1602, a malograr a empresa de que incumbira em Janeiro desse mesmo ano o seu cónego Domingos Martins. Um precioso rol de obras de pintura e tapeçaria que foi realizado, tudo leva a crer, logo a seguir à morte de D. Teotónio de Bragança em 1602, salienta entre as peças por ele doadas à Scala Coeli uma série de obras de grande valia: incluem­­‑se na lista dois trípticos de fechar, certamente flamengos, várias ta156

peçarias de fabrico de Bruxelas, uma com a História de Salomão, outra com a História de Trajano, outra com a saga de Rómulo e Remo, várias tapeçarias com temas do Antigo Testamento, numerosos retratos de corte incluindo os de Filipe II e da Raínha, os do imperador Carlos V e da imperatriz D. Isabel, o do príncipe D. Carlos, «treze Retratos de prinçepes»,e um raríssimo e singular «retrato de huma dama que por engenho lhe bolem as meninas dos olhos», «huma cruz comtiafeita (sic) que são Tome fez», bem como um porta­­‑paz de marfim, um «retrato da cruz de sam Tome que veyo da yndia», e diversas pinturas de temário religioso, muitas das quais certamente destruídas nas ondas vandálicas e nas vendas ao desbarato que o acervo do mosteiro de Scala Coeli sofreu no século XIX a seguir à exclaustração 323. A referência a um retrato com engenho remete para peças congéneres nas grandes colecções europeias do Renascimento, onde era requinte usual, entre outros preciosismos e curiosidades das Gesamkunstwerk, a presença de retratos com mecanismo, para gáudio dos convidados. Tratava­­‑se, assim, de uma pinacoteca muito importante, ainda que parecendo um tanto deslocada, face aos temas, para decorar uma dependência do mosteiro da Cartuxa. Os acervos de Scala Coeli acolhiam também ofertas gradas, entre elas peças exóticas relacionados com a diáspora asiática, tão admiradas por D. Teotónio, sempre atento aos conhecimentos sobre a China, o Japão e a generalidade do Extremo­­‑Oriente. De seu sobrinho, o sétimo Duque de Bragança D. Teodósio II, recebeu com destino ao mosteiro da Cartuxa de Évora uma caixa­­‑escritório recamada de madrepérola, referência que atesta, ademais, a circulação, em data temporã e em círculos da alta aristocracia, deste tipo de objectos exóticos de iniciativa privada, oriundos da península do Hindustão, que se destinavam tanto a casas nobres e à corte (a de Filipe II, I de Portugal, em Lisboa), como também a conventos e irmandades 324. O mosteiro da Cartuxa recebeu em várias fases pessoas ilustres que nele buscavam recolhimento e paz espiritual, caso do chantre da Sé de Évora Baltazar de Faria Severim, tio de Manuel Severim de Faria, que chegará a professar, como atrás se disse, e 157

será, sucessivamente, prior do mosteiro de Laveiras e, mais tarde, do da Scala Coeli, tendo feito obras de vulto em ambas as casas. No caso da Cartuxa de Laveiras, D. Basílio acompanhou a traça do mosteiro primitivo, com obras iniciadas pelo arquitecto Teodósio de Frias; no caso de Évora, entre 1619 e 1625 acabou o Claustro Grande, com a sua fonte, bem como as celas que faltavam, e o que carecia ultimar na frontaria. Também em anos recentes foi professo na Cartuxa de Évora o historiador António Francisco Barata. Mas houve outras figuras gradas da História a buscar nas casas cartuxas o repouso e protecção religiosa de que necessitavam, espécie de fuga à conturbada vida política: foi o caso do 2º Conde de Basto D. Diogo de Castro, homem de grande fidelidade ao partido filipino e que foi governador do Reino e detentor de outros altos cargos 325. Pelo treslado do testamento deste político, escrito «de memória» a 19 de Setembro de 1631, estando então enfermo e residindo no «Convento da Cartuxa de Nossa Senhora do Vale da Mi‑ sericordia junto a Lisboa». O Conde de Basto enumera aí os cargos que teve de vice­­‑rei de Portugal, membro do Conselho de Estado, Regedor da Casa da Suplicação e Presidente do Desembargo do Paço, numa espécie de auto­­‑biografia que a atmosfera cartuxa teria ajudado a redigir, já que, além das habituais obrigações de missas, de legados, de partilhas e de dívidas e da enumeração de bens móveis e imóveis, rendas e propriedades, rendimentos da comenda de Almodôvar e das terras de Basto, etc, nos narra também vários episódios da sua vida: diz que, logo a seguir ao seu casamento, partiu para África com D. Sebastião, tendo ficado cativo em Alcácer Quibir e que, sendo resgatado, achou «o Reino todo revolto» com os sucessos dinásticos e, tomando por sua a causa filipina, embarcou na armada do Marquês de Santa Cruz e colabora activamente com o partido de Filipe II na luta contra os partidários do Prior do Crato. Serviu depois o novo monarca em diversos cargos relevantes, e nesse âmbito realizou muitas deslocações a Castela com gasto de sua fazenda. O 2º Conde de Basto ordena, assim, que seu corpo seja sepultado com as insígnias da Ordem de Santiago cobrindo o há158

bito de São Francisco, de que era especial devoto, numa nova capela tumular que previa erigir para si e os seus antepassados, sem especificar onde seria e a ordem religiosa envolvida: «(…) ainda que a capella mor da Santa Mizericordia da cidade de Evora per‑ tensa a esta caza pella aver comprado e dotado a senhora Dona Lianor de Ataide, minha avoo, que nella esta sepultada, er que seja desta caza huma capella que esta na claustra da See da dita cidade, em que estão sepultados os senhores dom Diogo e dom Fernando primeiros deste nome nesta caza, filho e netto do senhor dom Alvaro pires de castro o mosso, meus tresavoo e bisavô, e assim mais outra capella que esta na claustra de Sam Francisco da mesma cidade em que estam sepultados os senhores dom Joam de souza e sua mulher, e posto que Dom Diogo, segundo deste nome meu senhor e Avoo tivesse tomado o Capitollo de nossa senhora do Espinheiro para seu enterro, contudo o Conde meu senhor e pai, que santa gloria aja, e eu, dese‑ jamos sempre consertar outro Jasigo para esta caza em que se assemtassem os antepassados della, e com este intento teve o dito senhor contratado com os Religiosos de nossa senhora do Espinheiro a capella mor do dito mosteiro na forma de huns capitollos que estão na minha mão, na qual capella moor esta em hum caixão a ossada da Condessa dona Felipa de mendonsa minha mãi e senhora, e per inconvenientes que depois se offerecerão se suspendeo o effeito do dito contrato, sendo Nosso Senhor servido darme vida, determino resolver esta nateria e ordenar jazigo para esta caza conforme a este inten‑ to tendo ordenado nelle será meu corpo sepultado no lugar que declararei quando ordenar o dito Jaszigo, mas não havendo o tal Jazigo a tempo de meu falesimento, ou não estando acabada a obra delle neste cazo quero e mando que meu corpo se ponha em deposito no capitollo de Nossa Senhora do Espinheiro e para isso se meterá em hum caixão que meus testamentei‑ ros ordenaram thé se mudar para o dito Jazigo, que eu deixar feito ou que o Conde meu filho fizer (…) e o caixão hira em huns varais de andas sem se chamar ninguém nem aver acompanhamento mais que de doze Religiosos de nossa senhora do Espinheiro, sendo a sepultura no seu mosteiro, que sen‑ do em outro, lavaram os mesmos doze Religiosos e a Ordem em cuja caza estiver o Jazigo os mais doze Religiosos» só virá a morrer em Maio de 1638, sendo enterrado no mosteiro do Espinheiro 326… A «approvação» deste testamento, a 20 de Setembro de 1631, decorreu no mesmo Mosteiro da Cartuxa de Laveiras, no ter159

mo de Lisboa, sendo testemunhas D. Miguel de Castro, filho do Conde, António Leal, Sebastião de Faria, António Pereira, Pero da Graça, Pero Fialho e João Martins da Gândara, seus criados. As invasões francesas e as vicissitudes sucedâneas à extinção das ordens religiosas em 1833 agravam o declínio do convento cartuxo, bem como da Quinta de Valbom (comprada pelos monges após a expulsão dos jesuítas, mas alugada em 1857 a um grupo de lavradores abastados para de criar uma escola abgríocola), e tudo caminha para um inexorável declínio, que as fontes da época testemunham com dose de pormenores. Em 1852, o Estado intervém e cria nos espaços da antiga casa monacal de Scala Coeli a Escola Agrícola da Cartuxa de Évora, que tem existência efémera. Finalmente, a propriedade é adquirida em 1871, em arrematação do Ministério da Fazenda, por José Maria Eugénio de Almeida, que adapta as instalações fradescas a várias finalidades (sobretudo agrícolas mas, também, a oficina de fabrico de rolhas de cortiça), estancando­­‑se paulatinamente a ruína 327. Em suma, e em relação à monumental fachada do Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli da Cartuxa de Évora, podemos concluír o seguinte: 1) O Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli nasceu em 1587 seguindo num primeiro momento uma traça de Giovanni Vincenzo Casale, aprovada entre outras solicitadas pelo Arcebispo; 2) O estaleiro de obras iniciou­­‑se em 1588, sob direcção do mestre pedreiro Jerónimo de Torres e sob orientação do arquitecto Nicolau de Frias, estando a casa já habitada pelos monges no Verão de 1591, e as obras prontas em 1604; 3) Nicolau de Frias foi certamente o responsável pelos novos desenhos do alçado, adaptando a traça original do servita mas adequando a fachada aos princípios e referenciais neoantigos preferidos por D. Teotónio; 4) Por investimento do Arcebispo, a igreja, sacristia e demais dependências são então decoradas com custosas 160

obras de arte envolvendo os grandes artistas portugueses do fim de Quinhentos, assim como com peças oriundas de Castela, de Florença e de Roma; 5) A cimalha da fachada da igreja só se ultimou em 1619­­ ‑1625 durante o priorado de D. Basílio de Faria e sob direcção do arquitecto Pero Vaz Pereira, em fidelidade à traça de Casale­­‑Frias; 6) As destruições sofridas durante a invasão de Évora pelas tropas castelhanas, com ocupação do mosteiro, em 1663, se não foram tão significativas como se tem suposto, obrigaram mesmo assim a vultosas reparações; 7) Só no final do século XVII o mestre pedreiro Manuel João Penalvo interveio na fachada, danificada em 1663, revestindo de mármores e enfatizando eventualmente a redecoração da cimalha segundo os gostos da era pedrina; 8) Tudo concorre, assim, para que o Mosteiro da Cartuxa seja não só a mais importante das iniciativas construtivas de D. Teotónio de Bragança como um dos mais aprimorados monumentos da arquitectura portuguesa da Idade Moderna.

161

Notas 274 Túlio Espanca, Inventário…, 1966, pp. 308­­‑313; Padre Francisco da Fonseca, Evora Gloriosa, Évora, 1728, pp. 377­­‑378; e António F. Barata, Breve mermória históricas sobre a fundação e existência até ao presente da Cartuxa de Evora, Évora, 1888. 275 Miguel Soromenho, «Classicismo, italianismo e ‘estilo chão’. O ciclo filipino», in História da Arte Portuguesa, direcção de Paulo Pereira, Círculo de Leitores, vol. II, 1995, pp. 377­­‑403, refª p. 390. 276 George Kubler, Portuguese Plain Architecture between spices and diamonds, 1521 to 1706, Harmondsworth, 1976, pp. 91­­‑93; e Agustín Bustamante e Fernando Marías, op. cit., pp. 285­­‑286. 277 Nicolau Agostinho, op. cit., p. 68. 278 Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. I, pp. 321­­‑406. 279 J. Pinharanda Gomes, op. cit., pp. 52­­‑55. 280 B.P.E., Fundo Manizola, Cod. 71, nº 15, 3­­‑9, Pinharanda Gomes, op. cit., pp. 52­­ ‑55, e Maria Antónia Hespanhol, op. cit., I, pp. 451­­‑455. 281 Agustín Bustamante e Fernando Marías, op. cit., pp. 285­­‑286; e Orietta Lanzarini, «Il codice cinquecentesco di Giovanni Vincenzo Casale e i suoi autori», Annali di Architettura, Vicenza, CISA, 1998­­‑99, nºs 10­­‑11, pp. 188­­‑202. 282 Juan Mayo Escudero, As Cartuxas de Portugal através dos séculos. Crónicas das Cartuxas portuguesas, vol. 268 de Analecta Cartusiana, editores James Hogg, Alain Girard e Daniel Le Blévee, Salzburg,. 2011, pp. 81­­‑98 (transcrição do mss. de 1725, citação pp. 81­­‑82). 283 Juan Mayo Escudero, op. cit., p. 83. 284 Juan Mayo Escudero, op. cit., p. 84. 285 Segundo nos informa o Dr. Paulo Lima, autor do levantamento arqueológico da zona do vale da Corte Pinto (Freguesia de Amieira, Concelho de Portel), em 1989­­‑1990, aí foram localizados «muitos locais de interesse patrimonial, e a tradição de que esse lugar tinha sido habitado pelos frades da Cartuxa». O Dr. Paulo Lima e a Dra Ana Pagará registam tradições locais de «relatos de encontro de corpos enterrados com roupas de padre, e uma memória muito presente, inclusive, dum sítio chamado do Tanque ou lagoa dos frades, que fica no sopé do monte. A umas centenas de metros do monte, para poente, achou­­‑se uma estrutura aparentando ser restos de uma igreja, e o topónimo Monte da Capela». Cf. Carta Arque‑ ológica do Concelho de Portel, C. M. de Portel, 1991, parcela XXXV | oitavo 490.8 | CORTE PINTO. 286 Arquivo Distrital de Évora, Lº 311 de Notas de Pero Borges, fls. 10 vº­­‑13. Ver DOC. Nº 27. 287 Juan Mayo Escudero, op. cit., p. 85. 288 A.N.T.T., Prado Cartusiano, em que se mostrão varias Flores, e Plantas que tem florescido na Sagrada Religião da Cartuxa, & donde se podem colher grandes frutos para aproveirtamento dos amadores da Virtude, Manuscritos da Livraria, nº 878, cap. 36. 289 Vitor Serrão, «Um desenho de Fernão Gomes para o Mosteiro da Scala Coeli de Évora», Monumentos, cit., p. 33.

162

290 O mesmo valor se repete no mss. Prado Cartusiano, A.N.T.T., Manuscritos da Li‑ vraria, nº 878, cap. 36, que gaba a arquitectura como «singular» no contexto do Reino. 291 Juan Mayo Escudero, op. cit., pp. 85­­‑86. 292 Alicia Cámara Muñoz, «El papel de la arquitectura militar y de los ingenieros», Felipe II y el arte de su tiempo, Madrid, Visor, 1998, pp. 390­­‑391. 293 Agustín Bustamante e Fernando Marías, op. cit., pp. 277­­‑318. 294 Cf. a este respeito Carlos Pereira Callixto, Fortificações Marítimas do Concelho de Oeiras, Câmara Municipal de Oeiras, 2002; António Lopes Pires Nunes, Dicionário de Arquitetura Militar, Casal de Cambra, ed. Caleidoscópio, 2005; Carlos Margaça Veiga, A Herança Filipina em Portugal, Lisboa, CTT, 2005; e Joaquim Boiça e Maria de Fátima Barros, O Forte e Farol do Bugio, Oeiras, Fundação Marquês de Pombal, 2006, p. 43 e segs. 295 Cf. Miguel Soromenho, «A Cartuxa de Évora: novos dados e o mito da sua destruição em 1663», Monumentos, nº 26, 2007, pp. 100­­‑105. 296 B.P.E., Cód. CLXVII/ 2­­‑10, fl. 259 e segs. Informa­­‑nos Francisco Bilou de que também no Cód. CLXVII/ 2­­‑5 constam despesas com essa campanha pedrina, nomeadamente a vinda de Vila Viçosa do ouvidor e  mestres para avaliar as obras, e despesas a «hum Pintor por dous payneis e outras couzas trez mil reys» (fl. 111), prova de que na altura se fizeram melhoramentos intestinos. 297 Miguel Soromenho, «As possíveis fontes tipológicas da fachada da igreja», Mo‑ numentos, nº 10, 1999, p. 10. 298 Fernando Bouza Álvares, op. cit., pp. 30 e 297. 299 Agustín Bustamante e Fernando Marías, «Album de Fra Giovanni Vincenzo Casale», Dibujos de Arquitectura y Ornamentacion de la Biblioteca Nacional. Siglos XVI y XVII, Madrid, Ministerio de Cultura, 1991. 300 Miguel Soromenho, art. cit. in Monumentos, 1999, p. 10. 301 B.P.E, Cód. CVII/1­­‑28: Inventario de tudo o que o Arcebpo tem dado aos padres Cartuxos do Mosteiro de eScala caeli desta cidade de Evora, asi dinheiro, pam, como movel, e outras cousas ao diante declaradas, MDLXXXVIII Annos, fls. 139 e vº, 155, 186 e 270 vº. Cf. DOC. Nº 10. 302 Cf. Agustín Bustamante e Fernando Marías, op. cit., pp. 277­­‑318; e Carlos Ruão, op. cit., vol. I, pp. 449­­‑458. 303 B.P.E., Fundo Rivara, Arm. III­­‑IV, nº 36, apud Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. II, pp. 90­­‑96. 304 A.N.T.T., Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, procº nº 5295. Processo de Olivarius Brissom. Informação inédita do Dr. Francisco Bilou, a quem agradecemos a generosidade da informação partilhada. 305 Transcrevem­­‑se alguns trechos deste processo (reproduzindo, com a devida vénia, a leitura de Francisco Bilou): «Anno do naçimento de nosso Senhor Jesu Cristo de mil E quinhentos nouenta e hum anos aos doze dias do mês de Agosto do dito anno nesta çidade de Eu‑ ora nas pousadas do Senhor Licenciado Hector Gomes Madureira, Vigario geral (…) Em como hum homem estrangeiro françes de nação por nome Oliuario Brison que Esteue por irmitão Em nossa Senhora de Monte Virgem termo da villa do Redondo E hora Esta no conuento dos padres cartuxos de nossa Senhora de Scalla Celi sito em Esta cidade de Euora (…) (fl. 53); E logo no

163

dito dia doze deste presente mês de Agosto de nouenta e hum o dito Senhor Vigario geral comigo es‑ crivão foi ao moesteiro de nossa Senhora de Escalla Celi da ordem da cartuxa sito nesta dita cidade de Euora. E perguntou as testemunhas seguintes. Pero Pereira o Escrevi (f. 54v). O padre dom frei Luis Telmo prior no moesteiro da cartuxa de Escalla Celli (…) o dito Oliuario Brissom conteúdo no auto dizia que o papa não era cabeça da igreja E para que erão contas e tantas imagens (…) e muito afeiçoado as cousas do Mandoma (…) dizia que não eramos obrigados a dar credito aos liu‑ ros dos Machabeos (…) (fl. 54). O padre Dom Jorge samcristão do moesteiro da cartuxa desta çi‑ dade de Euora sacerdote (…) E outro dia trocando Elle testemunha com ho dito Oliuario Brisom lhe ouuio dizer que hum judeu por ser judeu não mereçia que o queimassem (…) E o dito Brisom lhe respondeo (fl. 56) o grão turquo se hum turquo deixa a lei de Mafoma queima o asi tambem se hum cristão deixa a sua lei he muito bem que ho queimem. O padre Dom Noutel da ordem da cartuxa no moesteiro de Escalla celi desta cidade de Euora (…) que falando elle com Oliuario Bri‑ som francês (…) lhe disse que era nossa liberdade na ter o liuro da sapiençia (…) lhe disse que porque não rezaua por horas de nossa Senhora E elle respondeo que o que Estava nos salmos E o que Estava nas horas (…) E lhe gabou o latim de Caluino E que ca senão defendiam as suas obras nem as de Lutero (…) (fl. 56 vº). Dom frei Viçente Brum Vigario do moesteiro de escala celi da ordem da cartuxa desta cidade de Euora (disse que achou o réu) muito inclinado as partes do mandoma dizendo que tinha muito poder E que tinha de sua parte toda a caualaria de frança E que muitos dos catholicos o segião porque o vião com tanto poder (…) E que o dito Mando, a prome‑ tera ao Papa que Elle lhe daria a Cecilia E o Reino de Napoles (fl. 57). O padre Dom Luis da ordem da cartuxa (…) E hum dia estando elle testemunha (fl. 57 vº) na horta com o dito Oliuario Brison lendo por hum liurinho da schisma (sic) de Inglaterra e nas cousas daquele Reino (…). Nas pousadas do Senhor Licenciado Aleixo Nunes Leal que ora serue de vigário geral neste arcebispa‑ do por elle dito Senhor foi dito que o Senhor Licenciado Diogo Nunes Figueira gouernador teue in‑ formação Em como Oliuario Brison françes de nação que esteue por irmitão Em nossa Senhora de Monte Virgem termo da villa do Redondo e hora prezo no aljube desta corte dando lhe huma ima‑ gem de nossa Senhora do Loreto empreça em branco sobre tres dobras de papel grudadas humas nas outras o dito Oliuario brison tomou a dita imagem a esteue pizando com os dedos E depois de a ter maltratado a despegou apartando as tres dobras de papel huma de outra e desfeita a lançou no chão de que muito se escandalizarão algumas pessoas que o uirão (…) (fl. 61). Matheus Pires alcaide do Aljube desta corte Ecclesiastica (…) disse que sua molher e sua filha disseram a elle testemunha que ontem vinte e noue deste presente mês de Agosto viera ao dito aljube hum homem E dera aos presos que lhe davão alguma Esmola humas imagens de nossa Senhora do Loreto brancas em papel e dera huma das ditas imagens a Oliuario Brison francês prezo (…) (f. 61 vº). E oje trinta deste dito mês não estando o pai della testemunha em casa antes de jantar, chegou testemunha a vella E oulhou o que fazião os presos E vio estar o dito Oliuario Brison assentado Em huma cadeira de ilharga pera os outros prezos E o vio levantar se E chegar aonde Estauão humas imagens que os prezos tem na parede E tomar dali (fl. 62 vº) huma cousa branca (que lhe) pareçeo ser a dita imagem de nossa Senhora. Acordão (…) chegando a certo lugar no Arcebispado de Euora depio o trajo de soldado com que ali chegara e se vestio em habito de peregrino e se Recolheo no Alpendre de çerta hermida so‑ frendo nelle muitos frios em tres meses de Inuerno que aly esteue E depois por certa ocasião pera dar majores mostras de sua falsa penitencia se foi a serra d’ossa E no mais alto fez huma cova por suas próprias mãos E ali esteue sinco meses e fazia vida solitária e daua mostras de abstinência e se man‑ tinha de esmolas que pedia a portas dos Musteiros que estauam ali vezinhos (…) (fl. 183) e tanto na coua onde estaua o que escrevia erão muitos erros em seus escriptos que depois se acharão (…) E por ordem que lhe foi dada se recolheo em certo Mosteiro na Cidade de Euora (…) e se fechou em hum aposento onde se recolheo e se despio (fl. 183 vº) escondidadmente do trajo em que andava e sevestio de habito de Peregrino e se pos em ordem de fugir (…)».

164

306 B.P.E., Cód. CVII/1­­‑28: Inventario de tudo o que o Arçebispo tem dado aos padres car‑ tuxos... Cf. DOC. Nº 10. 307 Margarida Fonseca e Carlos Boal, «Intervenções de conservação nas fontes do Claustro norte e do claustro grande», Monumentos, nº 10, 1999, pp. 60­­‑65. 308 Cf. a este respeito Laurinda Abreu e Rute Pardal, A Memória História do Con‑ vento da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeliatravés da sua documentação, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2011. 309 Aurora Carapinha, «Desertum, Claustrum e Hortus: os horizontes do jardim cartusiano», Monumentos, nº 10, 1999, ppp. 20­­‑23. 310 Juan Mayo Escudero, As Cartuxas de Portugal através dos séculos. Crónicas das Cartuxas portuguesas, vol. 268 de Analecta Cartusiana, editores James Hogg, Alain Girard e Daniel Le Blévee, Salzburg, 2011, pp. 81­­‑98 (transcrição do mss. de 1725, citação a p. 97. 311 Juan Mayo Escudero, op. cit., pp. 97­­‑98. 312 A.D.E., Lºs 555 e 556 de Notas de Francisco Gonçalves Pegas, respectivamente a fls. 65­­‑67 vº e 104­­‑107. Segundo informa o Santuario Mariano de Frei Agostinho de Santa Maria (t. III, 1718, pp. 345­­‑346), este retábulo da Árvore de Jessé foi apeado em 1683 para dar lugar a um outro, mais imponente, tendo as esculturas dos Profetas passado para a capela da Quinta do Regalo, em Santiago do Escoural. 313 Francisco Lameira, «A talha (da Cartuxa)», in Monumentos, nº 10, 1999, pp. 25­­‑29. 314 Robert C. Smith, A Talha em Portugal, Lisboa, 1962, p. 36. 315 B.P.E., Cód. CVII/1­­‑28, fl. 254. CDOC. Nº 10. 316 B.P.E., Cód. CVII/1­­‑28, fl. 8 vº: «Tres mil e seiscentos rs que se pagarão a Manoel de araujo pintor de aparelhar e dourar sertas Imagens que estão na Cartuxa per provisão feita a 10 de Março de 1590 em antº Gomez Rºr do pam do celrº». Manuel de Araújo, documentado em Évora de 1584 a 1600, foi um colaborador regular de José de Escovar, com quem emparelhou em muitas decorações fresquistas, e era também um hábil dourador­­‑estofador de imagens. 317 B.P.E., Cód. CVII/1­­‑28, fl. 256, atesta­­‑se a sua actividade para a Cartuxa, ainda que não no retábulo da sacristia: «Em 19 de octº (1591) se pagou a Custodio da Costa seis mil e dozentos rs de pintar huma imagem de nossa Snõra e outras cousas pera a Cartuxa». 318 Nicole Dacos, Viaggio a Roma. I pittori europei nel’500, Roma, 2012, pp. 177 e 244. 319 O casamento de Fernão Gomes, celebrado a 15 de Abril de 1577, teve como testemunha o pintor Lourenço de Salzedo (A.N.T.T., Lº 1­­‑Misto de Casamentos da Fre‑ guesia de Santa Catarina de Monte Sinai, fl. 17 vº. Refª inédita de Francisco Bilou). 320 Vitor Serrão, «Um desenho de Fernão Gomes para o Mosteiro da Scala Coeli de Évora», Monumentos, nº 10, 1999, pp. 30­­‑37. 321 B.P.E., Lº 1º da Cartuxa, fl. 120. Comunicação inédita de Francisco Bilou. O referido Cónego jaz numa das capelas adjacentes ao claustro pequeno do Mosteiro da Cartuxa (ainda decorada com azulejos enxaquetados e cobertura maneirista com apainelados de massa), em lápide datada de 1610. Era, certamente, a capela privativa desse Cónego, por si instituída na Scala Coeli. 322 B.P.E., Lº 1º da Cartuxa, fl. 120. DOC. Nº 33.

165

323 A.N.T.T., Códices e documentos de proveniência desconhecida, nº 64. Sem data, apresenta uma etiqueta na pasta superior da encadernação com a informação Cartuxa de Évora. Já referido por F. M. de Sousa Viterbo, Noticia de alguns pintores portuguezes e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram a sua arte em Portugal, 1ª série, Lisboa, 1903, pp. XII­­‑XIII. DOC. Nº 47. 324 Cf. M. Gachard, Lettres de Philippe II à ses Filles les Infantes Isabelle et Catherine éc rites pendant son Voyage en Portugal (1581­­‑1583), Paris, 1884. 325 A.H.F.E.A., Inventário… fls. 93­­‑113. 326 D. Diogo de Castro sobreviveu sete anos ao testamento e só virá a morrer em Maio de 1638, sendo enterrado no mosteiro do Espinheiro Na realidade, os Condes de Basto terão jazigo na capela­­‑mor do Mosteiro do Espinheiro, cumprindo­­ ‑se assim o voto do 2º Conde: em 1683, D. Margarida de Castro de Albuquerque, condessa de Vimioso e sobrinha de D. Violante de Lencastre, a viúva do 3º e último Conde, deu cumprimento ao testamento de sua tia na parte correspondente a esse vínculo. Chamou­­‑se então o arquitecto Mateus do Couto (Sobrinho) para fazer a traça dessa capela e os respectivos túmulos, tendo sido trasladados os ossos de todos os Castros para essa espécie de panteão familiar, decorado com azulejos de Gabriel del Barco. 327 Elsa Caeiro, Convento da Cartuxa de Santa Maria da Scala Coeli: Construção, Recons‑ trução e Manutenção de um Espaço Monástico, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2009­­‑2010, pp. 17­­‑25.

166

6 . A r e v i t a l i z a ç ã o d o c u lt o d e S ã o Ma n ç o s

6.1. A relíquia do primeiro Bispo de Évora Desde o início do seu múnus, uma das prioridades do Arcebispo D Teotónio de Bragança foi centrar o seu labor pastoral na dinamização dos lugares de alegado martírio dos santos do hagiológio eborense, dentro da tradição aberta com os escritos de André de Resende. A figura lendária de São Mânçio, ou São Manços, considerado o primeiro Bispo de Évora, martirizado no tempo do Imperador Trajano e com tradição de culto em terras alentejanas328, constituíu por isso um objectivo maior na sua agenda. Num ambiente cultural de forte tradição humanística como era a Évora Colonia Romana do século XVI, urbe inovadora onde arte e memória, piedade e devoção, andaram sempre de mãos dadas 329, a produção artística deste tempo foi uma espécie de laboratório qualificado, fiel aos cânones contra­­‑reformistas de Trento, em uníssono no combate ao protestantismo e na fidelidade às arcanas memórias da cidade. Não admira, pois, que os textos de André de Resende e outros humanistas merecessem do Arcebispo uma leitura especial e um estímulo para reforçar o culto das relíquias e a devoção pelos lugares santos, num afã historicista de relegitimar os pólos hierofânicos da 167

Fig. 19

província que, de um ou outro modo, se relacionassem com cultos paleo­­‑cristãos. Assim, tendo­­‑se deslocado a Madrid, entre Março de 1590 e Abril de 1592, para tratar de questões do Arcebispado junto da corte, D. Teotónio conseguiu nesse período a necessária licença régia de seu primo Filipe II para poder receber as relíquias de São Manços, existentes num mosteiro de Segóvia. Já em acórdão do Cabido de 7 de Junho de 1588 se assinalavam diligências feitas pelo Arcebispo de Évora junto do monarca no sentido de obter a almejada relíquia 330. A questão revestia­­‑se de especial significado para o Arcebispado português, já que de São Mâncio (ou Manços), o alegado bispo de Évora que, segundo a versão que aí circulava, teria sido martirizado no século I da nossa era, existiam relíquias na Abadia de Villa Nueva de San Mancio, de Sahagún, e era importantíssimo reavê­­‑las e trazê­­‑las para a Sé alentejana 331. As lendas a seu respeito diziam que Mâncio, companheiro de Jesus Cristo, presente na Última Ceia como serviçal, convertendo­­ ‑se então ao cristianismo, fora alvo de martírio pelos romanos no tempo de Trajano, avançando­­‑se mesmo o ano de 100 d.C. como o da morte 332. Umas versões defendiam que fora martirizado no tempo do Imperador Trajano e com tradição de culto em Évora, outras que vivera em tempos visigóticos e fora vítima dos maus tratos da família judia de quem era escravo 333. Estudos recentes têm identificado a Elbora do martírio de São Manços citada na Passio hispânica como sendo Talavera, na estrada romana e tardo­­‑antiga que ligava Toledo a Mérida, e não a cidade alentejana de Évora 334. Seja como for, no século XVI acreditava­­‑se em Évora que São Manços era um mártir local e companheiro de Jesus Cristo e era essa crença que se manteve. Acrescia o facto de existir tradição de certos locais estarem relacionados com a sua vivência e o seu suplício e, no caso da aldeia de São Manços, com o culto dos seus despojos. Por isso, muitas diligências se fizeram por parte de D. Teotónio de Bragança para reaver a relíquia, e que estão, aliás, bem documentadas na correspondência do epíscope. 168

Eram os anos em que Roma manifestava orgulho por um calendário de santos da cristandade em que 62% dos patronos dos dias do ano ou eram romanos ou eram martirizados na Cidade Papal. Os cultos martiriais tornaram­­‑se prioridade maior da Igreja reformada com a descoberta das catacumbas de São Calixto, em 1578, e a saída da primeira edição do Martyrologio de Cesare Baronio. Essa admiratio da Igreja romana pelos Milites Christi atesta­­‑se em 1591, por exemplo, quando as relíquias dos santos Papia e Mauro, mártires do século IV, passam de Santo Adriano in Forum para Santa Maria in Vallicella, ou quando as relíquias de Santa Flávia Domitila, São Nereu e São Achileo integram o mesmo tempo, para o efeito sujeito a um «restauro sto‑ rico» dentro dos moldes de Baronio, ou ainda quando as igrejas de Santa Susana e o próprio Gesú são decoradas com programas picturais alusivos. O interesse manifesto pelas rovine dos primitivos cristão leva ao surgimento de verdadeiros «arqueólogos», dentro da acepção de interesses que o espírito de Trento estimulava, caso do famoso Antonio Bosio (1575­­‑1629), um maltês que conheceu Pompeo Ugonio, Alonso Ciacconio e o próprio Baronio, a quem se deve a descoberta da catacumba de Domitila, registando os vestígios (sarcófagos, epigrafia, frescos, estruturas construtivas) e reunindo materiais para a obra que sairá póstuma sob o título Roma sotterranea (Roma, 1632), espécie de inventário das remanescências paleo­­‑cristãs. Mas também fora de Roma o processo de revalorização de uma arcana memória paleocristã foi incentivado: como se sabe, em Milão, São Carlos Borromeu promove o culto de Santo Ambrósio, que fora bispo dessa cidade no século IV, dentro do mesmo espírito historicista e renovador. Também fora de Itália, e no caso da Península Ibérica, se atesta um idêntico rumo de reivindicação da sua própria memória a partir dos estudos do cristianismo primevo. É por isso que o caso até hoje muito ignorado de D. Teotónio de Bragança assume tão grande importância e significado. Se é facto que o Arcebispo de Évora incorporou uma atitude comum a outros epíscopes peninsulares ­­– casos de Burgos em torno de Santa Casilda, ou de Aragão 169

em torno de Santa Engrácia e Santa Orosia, por exemplo ­­–, que buscavam legitimar os velhos cultos paleocristãos nas suas dioceses, parece certo que procurava cumprir um desígnio coincidente, de maior amplitude. Segundo se conclui num recente ensaio de Cécile­­‑Vincent Cassy, essa revalorização dos cultos matriciais levada a cabo pelos bispos espanhóis era movida por um não escondido esforço de reivindicar frente a Roma o peso de uma «cristandade de cunho hispânico» 335, e o mesmo propósito deve sem dúvida tributar­­‑se também, no caso português, a D. Teotónio de Bragança ­­– facto que não pode deixar de ter significativa importância histórica. De Novembro de 1590 existe uma carta do Arcebispo português firmada em Madrid e dirigida a Monsenhor Muzio Passamonte, Núncio Apostólico, entre outras dirigidas a Philippe Séga, e Bispo de Piacenza, designado cardeal em 1591, redigidas em castelhano, onde trata de assuntos de política internacional, como a situação que levara a que a França «se librara de manos de los hereges», mas também os temas relacionados com as igrejas da sua Arquidiocese em fidelidade com os ditames de Sisto V. Numa outra carta de D. Teotónio ao mesmo padre Philippe Séga, confidencia que «hame dicho que ay unos monjes de S. Bernar‑ do muy capuchinos y de grande Religion y penitencia, deseo plantarlos in mi Iglesia...». Refere enfim, sem especificar, alguns assuntos que tratara com o próprio rei Filipe – um dos quais era, decerto, o da almejada posse da relíquia de São Manços, que tanto desejava levar para Évora 336. A relíquia em causa era constituída por um osso do braço (outras fontes falam, com menor rigor, em cana da perna) 337 e foi efectivamente recuperada por D. Teotónio nas diligências feitas junto do monarca seu primo, aquando dessa sua viagem a Madrid, o que constituiu um considerável sucesso pessoal. Aliás, na temporada em Madrid, cidade em que se delongou por causa de uma carregada agenda, foi tratado com todas as deferências, mostrando mais uma vez que ele era visto, mais do que como um Arcebispo da Monarquia Dual, como um príncipe da casa de Bragança 338. De regresso a Portugal em fins de Março de 1592, 170

o epíscope entrará primeiro com a relíquia em Elvas, terá de seguida, no dia 3 de Abril, uma solene recepção em Vila Viçosa, da qual existe relato minucioso (e que revela, ou pelo menos não esconde, alguns desaguisados seus na corte dos Bragança, pois não esteve presente em algumas das cerimónias realizadas no Paço) 339. Só chegará a Évora alguns dias volvidos, com entrada triunfal, cortejo até à Catedral e festejos que se multiplicaram um pouco por toda a Arquidiocese 340. Diz o seu biógrafo Nicolau Agostinho que foram grandes as solenidades à chegada da relíquia em 7 de Abril de 1592, tendo­­ ‑se organizado uma grandiosa procissão até à Sé, acompanhada pelo Cabido, o clero regular e secular, as irmandades, os fidalgos e o povo, incluindo os habitantes de São Manços, com música e orações. A relíquia ficou exposta na Sé, «onde está mui decentemente em um sacrário no altar­­‑mor, seu devido lugar», como refere uma fonte do tempo. Quanto ao relicário, que o Arcebispo trouxe de Madrid, peça em prata e cristal em forma de pirâmide, já atrás destacámos o seu simbolismo tridentino, ligado a um certo tratado romano do arquitecto Domenico Fontana e com a exaltação da Roma triumphans. O relicário, de excelente qualidade artística, constituído por uma pirâmide de cristal de faces envidraçadas e guarnecida de ouro e rematada com globo de prata com cruz latina, conserva­­‑se no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora 341, e deve ser obra de ourives escurialense, pelo menos foi oferta do rei e tipologicamente afim a outros que então se produziam, também em forma piramidal, nesse Real Mosteiro. Já se referiu a influência dessa forma simbólica e triunfal, tipicamente tridentina, bem como o papel do arquitecto de Sisto V, Domenico Fontana, na sua difusão. À chegada a Évora, e face ao clima de júbilo que se viveu na cidade com a posse da relíquia, D. Teotónio ordenou que se incrementasse o culto a São Manços, o que passou por várias etapas: mandou fazer outro relicário similar, para quando a relíquia saísse, a um ourives habilitado da sua arquidiocese (acaso o calipolense João Luís); avançou com diligências para que se ampliasse a igreja da freguesia de São Manços, aldeia tradicio171

Fig. 13

Fig. 11 Fig. 14

nalmente ligada ao primitivo culto do santo bispo e que muito crescera, sob estímulo dessa tradição; mandou que, antes de se realizar essa obra, em 1594, se fizessem escavações nas estruturas antigas existentes no sítio, na expectativa de recuperar vestígios relevantes; incentivou a fundação de uma confraria de homens bons sob a égide e patronato de São Manços, que efectivamente se criou; buscou criar uma iconografia credível do santo342; e empreendeu esforços, junto da Câmara, para que se valorizasse a coluna alegadamente da flagelação do santo, embutida num dos troços da muralha junto às Portas de Moura, e que aí se fizesse uma ermida com a mesma invocação do bispo São Manços. 6.2. Os templos dedicados a São Manços A partir de Abril de 1592, urgia desenvolver, como diz o mesmo biógrafo Nicolau Agostinho, o culto de São Mâncio, ou Manços, «na freguesia de invocação do Sancto, que está a quatro Legoas da Cidade, onde seu corpo esteve antiguamente, depois de ser achado nos monturos fora da dita Cidade por hum Lavrador, a quem elle appareceo em sonhos, para que lhe desse sepultura, que o levou à sua Herdade, onde lhe fez huma Egreja, em que esteve venerado ate às Guerras, e perdição de Hespanha: no qual tempo foy levado a Castella, onde lá ficou…» 343. Assim, D. Teotónio envidou esforços para que a igreja da freguesia de São Manços fosse ampliada e enobrecida segundo as traças para o efeito concebidas. Essas traças deviam manter a imponente estrutura arqueológica existente, alegadamente paleo­­‑cristã, e a 11 de Março de 1594 iniciou­­‑se a obra de empreitada do templo, pelo pedreiro eborense Diogo Martins 344. Trata­­‑se de uma igreja de escala imponente a que se adossa, na ousia, um corpo de pedraria robusta, que datará, dando forma à tradição, do século IV d.C. e que confere ao conjunto um carácter cenográfico inusual. Esta campanha teotonina constitui um bom exemplo daquilo que consideramos ser a arquitectura contra­­‑reformista teotonina marcada pelo sentido de renovação que 172

tem base nas doutrinas baroniana em que tal estratégia se inscreveu. Bom leitor dos teóricos de Trento, D. Teotónio desejou ligar no seu múnus a este esforço historicista de reclamar identidade eborense na vasta História da Igreja triunfante, em vésperas do Jubileu Católico de 1600. Assim, existiu da parte da Arquidiocese de Évora, nestes anos de transição para o século XVII, um esforço notório de «lançar pontes entre dois universos facilmente irredutíveis, caucionando as referências à Antiguidade clássica com as lições dos textos bíblicos» 345. Ainda a respeito da relíquia de São Manços, escreve Agostinho Nicolau em 1614 que o Arcebispo desejou «fazerlhe uma igreja na parte onde na Cidade foy martirizado: como por tradição se diz: à Por‑ ta de Moura, onde està huma coluna de pedra mármore, metida na parede do muro, com hum Crucifixo em cima: à qual dizem foi atado, quando em seu martirio o açoutaram» 346. Em Fevereiro de 1599 o Senado da Câmara pediu ao Arcebispo que tomasse por sua conta a nova ermida «de avocação do dito santo», fundada no «lugar em que consta que ho bem aventurado S. Mançio foi marterezado segundo consta por tra‑ dição antiquíssima e esta huma coluna donde assi mesmo se afirma que foi atormentado», ao que o Arcebispo aquiesceu, dignificando o minúsculo templinho 347. Essa capela embutiu­­‑se na Casa Soure no corpo da torre da primitiva cintura romana, junto às Portas de Moura, com seu nicho parietal para conservar a piedosa coluna­­ ‑calvário de pedra mármore. Por ser lugar de concorridas peregrinações dos eborenses e dos que visitavam a cidade, impõs­­ ‑se a sua decoração, o que foi cumprido de seguida, a esmero, à custa de um devoto da cidade chamado Baltazar Vieira, que mandou azulejar as paredes, pintar de brutesco o tecto e fazer um retábulo com a iconografia do santo 348. Nesta capela existia (até ser, em boa hora, retirado para cabal preservação no Arquivo da Sé) um precioso pergaminho iluminado, com data de 1596, onde se lê o texto latino de doação da relíquia ao Arcebispado de Évora e se admiram, na parte inferior, três belos medalhões com cartelas maneiristas envolvendo as meias­­‑figuras dos santos mártires São Manços, São Primitivo e São Facundo, com as respectivas legendas que dizem S. MAN173

Fig. 16 Fig. 17

Fig. 15 Figs. 18-21

CIVS, S. PRIMITIVVS e S. FACVNDO. A iluminura atribui­­ ‑se ao pintor do Arcebispo, o holandês Duarte Frizão 349. Aqui, o santo Bispo de Évora aparece­­‑nos como mancebo, jovem de túnica violácea, com palma de coroa de mártir e segurando um frasco de água que simboliza o lava­­‑pés na Última Ceia. A presença, a ladear São Manços, dos mártires­­‑irmãos São Facundo e São Primitivo, também nada tem de estranho: explica­­‑se porque eram, ambos, os patronos da cidade de Sahagún. Assim, a nomeação conjunta dos três santos faz todo o sentido, e justifica a sua presença na iluminura do pergaminho de 1596 350. A capelinha de São Manços da Coluna, tal como era designada na gíria popular, está forrada de azulejos polícromos de padrão de maçaroca e possui um retábulo tardo­­‑maneirista com quatro telas tenebristas do segundo quartel do século XVII, assim como com um tecto pintado de brutesco, do fim dessa centúria. O retábulo, de morfologia epimaneirista, inclui a imagem em madeira policromada do orago, no nicho central, como bispo com o báculo, o jarro de água e a salva do lava­­‑pés, seus atributos. As quatro telas, distribuídas pelas edículas em volta, representam a prisão de São Manços, o seu martírio do santo, a sua flagelação, e os trabalhos a que foi submetido, segundo as crónicas, quando foi obrigado pelo pretor a servir de cabouqueiro e fazer outras tarefas de pedreiro contra sua vontade. Trata­­‑se de um conjunto pictórico iconograficamente muito interessante, posto que de nível secundário em termos plásticos, onde se desenvolve, com acerto, o conceito baroniano de uma pedagogia de martírio, ou seja, um tema puramente tridentino 351. Não sendo já do tempo de D. Teotónio, e sim, provavelmente, do de D. José de Melo, reflectem um programa iconográfico que foi estabelecido na altura da chegada da relíquia e de que com toda a certeza existiram mais testem unhos. Estas telas serão obra do pintor Bartolomeu Sánchez, um dos artistas com maior actividade vem Évora na primeira metade do século XVII. Trata­­‑se de um pintor ‘tenebrista’ originário de Las Penas de San Pedro em Múrcia, que se instala na cidade no início de Seiscentos e que tem actividade documentada de pintor de óleo e dourado em várias igrejas e 174

conventos eborenses, bem como na Sé de Elvas (onde pintou e dourou a antiga capela do Sacramento) e, ainda, na Misericórdia de PorteI (onde existe uma tela da Visitação da sua autoria, de 1632), sempre de nível secundário 352. À falta de base para narrar os «milagres» e «histórias» que eram pretendidos, o artista recorreu a gravuras correntes da Paixão de Cristo saídas, por exemplo, no conhecidíssimo livro póstumo de Jerónimo Nadal, Evangelicae Historiae Imagines (Antuérpia, 1593), e em outras fontes, adaptando­­‑as à nova representação hagiológica de São Manços. Vem à margem lembrar, a respeito dessa fonte iconográfica, que o padre Jerónimo Nadal (1507­­‑1580) passou por Évora em 1553, com o Provincial dos jesuítas Padre Diogo Miram, vendo as obras do Colégio do Espírito Santo, que se iniciavam 353, facto que tem interesse na presunção de que o famoso historiador, a quem se deve uma das mais marcantes fixações iconográficas dos Evangelhos, pode ter deixado marca das suas propostas iconográficas nos contactos então estabelecidos. Voltando às telas do Oratório de São Manços, o forte tenebrismo das pinturas acentua a pretendida carga dramática num espaço exíguo onde o verdadeiro objecto de veneração era a secular coluna da flagelação, embutida na parede mas visível do lado exterior por uma abertura na muralha. Estas telas do oratório de São Manços têm o interesse de legitimar uma nova iconografia necessária para a solidificação de um «culto novo», tal como sucedeu com outros programas de hagiológio desenvolvidos pelo Arcebispo. 6.3. As

bases do

‘restauro

storico’

Os critérios de intervenção de D. Teotónio de Bragança no campo das rovine alentejanas que lhe interessaram recuperar pautaram­­‑se pelo que era norma na Roma contra­­‑reformista e fora definido pelos textos do oratoriano Cardeal Cesare Baronio (1538­­‑1607) 354. A necessidade de a Igreja Católica responder aos ataques dos protestantes explicitados nas famosas Centúrias 175

Fig. 22

de Magdeburgo (Basileia, 1559­­‑1574), repondo a defesa do ideal evangélico e reforçando o conhecimento da sua própria História, levou então a um esforço desmesurado no sentido da investigação das fontes e de uma nova consciência de salvaguarda do património construído, designadamente o medieval e, mesmo, o paleo­­‑cristão. Como sintetiza Gaetano Mirelli Mariani, «rinascità paleocristiana e ricerche antiquaria sono quindi le una necessária all’altra» 355 e é no sentido desse conceito de narrativo rerum gestarum com que Cesare Baronio via a História que se percebe a força das decisões que conduziram a uma política restaurativa como nunca se vira. As obras de Baronio, e de outros autores, em torno do conceito reformado de restauro storico, assentavam na recolha de fontes arcanas passíveis de legitimar as opções tomadas face ao património pretérito, e tal se passou em Roma como nos imensos territórios da cristandade 356. Entre a prática de um restauro devoto, onde impera o sentido de uma orgânica de culto acima do respeito pelas preexistências do edifício, e a paulatina consciência de um restauro storico já atento à arquitectura a intervenciar, sujeita a investigação histórico­­‑documental, a campanhas de arqueologia de sítio e a «restauro» de estruturas sobreviventes, emerge a revalorização desta segunda via. O arquitecto de Sisto V, Domenico Fontana, foi um dos grandes intérpretes desse pensamento, ora concebendo novos espaços (como a Cappella del Presepe em Santa Maria Maggiore, uma espécie de «nova Be‑ lém» desse papado), ora intervindo, em Roma, na recuperação e readaptação de velhos lugares de culto paleo­­‑cristão espalhados pela cidade 357. O papel de Baronio, «peritissimus antichitatis», autor atentamente lido em Évora nos círculos de D. Teotónio, foi essencial, dado o prestígio que grangeara como historiador, como «restaurador» de lugares hierofânicos e como mentor dos critérios de restauro storico e recuperação, manutenção e reinterpretação das pré­­‑existências paleo­­‑cristãs e medievais 358. Desde que chega a Roma em 1556, e contacta com o ambiente dos oratorianos e com o próprio São Filipe Neri 359, a sua formação religiosa e 176

historiográfica reforça­­‑se, metendo mãos a longos e difíceis trabalhos de revisão de fontes como o Martyrologium romanum (que ultima em 1583 e será editado em 1586, com várias reimpressões) e a compilação dos Annales ecclesiastici (doze tomos, editados em 1588­­‑1607). Nomeado Cardeal com o título dos Santi Nereo e Achilleo em 1596, já então se impusera como erudito estudioso das tipologias arquitectónicas paleo­­‑cristãs e especialista no restauro dos seus monumentos, bem como no campo da função da imagem sacra e do culto das relíquias 360. Era, por todas estas razões, figura incontornável na bibliografia disponivbilizada nos círculos teotoninos onde os seus arquitectos Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira, e pedreiros como Jerónimo de Torres, seguramente discutiriam alguns desses postulados. O interesse de D. Teotónio pelos programas comemorativos jubilares mostra também franca atenção às teses de Baronio sob o prisma da valorização das funções simbólica e didascálica da arte, como o atesta o esforço desenvolvido com os velhos cultos (São Manços, em particular). É evidente (e de lamentar) que nada de escrito remanesça nos fundos eborenses equiparável ao processo de restauro da igreja carolíngia dos Santos Nereo e Achilleo em Roma (1596­­‑1602), ou do oratório junto a San Gregorio Magno al Celio (1602­­‑1607), ou ainda da igreja de S. Cesareo in via Appia (intervenções de 1597­­‑1603), sem esquecer o «restauro» específico aquando da trasladação das relíquias dos santos Nereu, Aquileo e da mártir Domitila ­­– obras para as quais existem planos debuxados, notícias de escavações preliminares, indicações criteriosas sobre os cuidados a ter face às pré­­‑existências arqueológicas e artísticas, e ressonâncias das discussões teórico­­‑práticas com os arquitectos e artistas envolvidos. O conceito baroniano de «restauro storico» edificou­­‑se precisamente com tais intervenções, de claríssimo pendor historicista e patrimonial no sentido que visava legitimar a auctoritas católica e reforçar a sua identidade secular, sem diminuir a intenção de cumprir uma espécie de «restituzione» das estruturas originais. Quando vemos, no Oratório de São Manços em Évora, o modo como a coluna da alegada flagelação do santo foi restituída à de177

Fig. 15

voção pública e a um sentido memorial inteligível, transferindo­­‑o para um lugar de exposição e culto, estamos face ao que Baronio fizera, nos citados monumentos da velha Roma paleo­­‑cristã, movido pelo sentido da «conservatione dell’antichità». A opção tomada por Cesare Baronio face ao mosaico absidal da igreja dos Santos Nereo e Acchileo, ainda coevo do pontificado de Leão III (795­­‑816) e em estado de ruína, ordenando a recuperação daquilo que de original se mantinha bem como o necessário preenchimento das lacunas usando o stucco pintado a têmpera com tons integradores, foi em absoluto uma atitude que poderá chamar­­‑se moderna. Um desenho da Biblioteca Vallicelliana mostra o estado em que se encontrava o mosaico de Leão III nessa igreja carolíngea à data em que se procedeu ao restauro baroniano, o que atesta os máximos cuidados do Cardeal em preservar escrupulosamente as existências, como revelam estas indicações: «al pintor si ordina che essendo il mosaico di gran valore storico esso debbia esser restaurato affinchè tutte le parti man‑ canti siano instasurate in modo a non ledere la opera musiva. Si relievi tutto il mosaico e suoi colori et nelle parti mancanti si proceda ad un into‑ naco colorato et si faccia la consolidatione delle parti che tuttora pervennero fin dai tempi antichi» 361. Para os espaços despidos de decoração da mesma igreja, do século VIII d.C., Baronio ordenou a factura de frescos inspirados naquela linguagem, numa espécie de revivalismo filológico­­‑artístico das fontes, mostra uma via renovada de intervenção no campo do património que é de absoluta modernidade. No Oratorio de San Andrea de Roma, por exemplo, ainda persistem, graças a Baronio, parte dos frescos medievais, que puderam ser conservados na sua intervenção. Também se preocupou em deixar testemunhos das existências, antes de quaisquer intervenções mais profunda no sentido da reconstrução e revalorização da obra em causa, ou de assegurar memória da pré­­‑existência através de intervenções que poderíanmos chamar ‘revivalistas’, passe o termo, caso das pinturas a fresco de tipo neo­­‑paleo­­‑cristão que surgem em algumas das referidas igrejas da velha Roma paleo­­‑cristã e medieval, atestando a ancianida178

de das mesmas 362. Ora é precisamente a mesma atitude tomada por D. Teotónio de Bragança quando funda o Oratório de São Manços, na muralha romana onde era tradição ter sido o santo flagelado, e ao mandar pintar na cimalha da coluna dita do martírio do santo um Cristo na cruz deliberadamentre arcaizante ! O sentido baroniano de «restituzione dell’antichità dei luoghi» congregou o interesse de teólogos, intelectuais e artistas e teve eco significativo nos anos precedentes ao grande Jubileu de 1600 363, abrindo perspectivas de estudo da simbologia cristã que terão fortuna na História da Arte dos séculos XVII e XVIII e marcarão, mesmo que já sem consciência da sua origem, alguns dos critérios de intervenção patrimonial dos nossos dias. Na Évora desse longo tempo do Renascimento que foram os anos do humanismo cristão e das pesquisas de Resende, ideias como as de Baronio e de outros teóricos da Contra­­‑Reforma ligados às questões do património pretérito não podiam deixar de ser acolhidas com interesse, o que explica a opção de D. Teotónio em relação aos lugares de culto que urgia recuperar. Existiu, assim, uma postura de arqueólogo avant la lettre 364 na prática do Arcebispo ao mandar escavar sítios onde existiam ruínas de suposta presença paleo­­‑cristã, reconstruindo ou construindo de raíz corpos de igrejas acopladas a tais ruínas (como sucedeu na aldeia de São Manços em 1594), ou onde era tradição existirem relíquias de mártires, como sucedeu no pretenso túmulo de São Torpes, em Sines, escavado em 1590 a mando do próprio Papa Sisto V. Os valores baronianos foram também digeridos por D. Frei Bartolomeu dos Mártires, o cultíssimo dominicano que esteve como delegado no Concílio de Trento e foi Arcebispo de Braga, faltando ainda um estudo a respeito da sua conduta no campo da reconstrução e decoração das igrejas do seu Arcebispado e dos seus resultados, mas é sobremaneira interessante o manuscrito baroniano da Biblioteca Vallicelliana com apontamentos sobre a importância do Reino português na consolidação do cristianismo na Península e o papel relevante que na Reconquista cristã tivera o Arcebispado de Braga 365. Foi com este sentido de valorização patrimonial que o restauro storico de Baronio se impõs, 179

como recomendação e como prática: modo de assegurar uma memória identitária, de valorizar a dimensão hierofânica dos lugares de culto, e numa adaptação das existências consistente com os vestígios conservados. Não é de esquecer, entretanto, uma figura como António Fernández de Córdoba (nascido em Bellpuig d’Urgell em 1550 e falecido em Valladolid em 1606), homem com presença em Roma junto da cúria papal, até pelo facto de ser um exacto contemporâneo de D. Teotónio de Bragança e de poder imaginar­­‑se que ambos estabeleceram contactos, durante as estadas do Arcebispo em Castela (coisa que não está documentada). Mas importa relevar que existem coincidências de comportamento no campo que vimos referindo, pois Fernández de Córdoba, que foi membro do Conselho de Estado e embaixador em Roma, teve papel influente (e parece que polémico) junto a Sisto V a respeito das disputas jurisdicionais de Espanha com os arcebispos de Nápoles e de Milão, imiscuindo­­ ‑se também em questões artísticas, pelo que as ideias baronianas e as orientações referidas não lhe seriam estranhas.

180

Notas 328 Paulo Farmhouse Alberto, Santo Adrião, Santa Natália e São Manços, Lisboa, coleção «Santos e Milagres da Idade Média em Portugal», vol. 8, Edição Traduvárius, 2014. 329 A documentação notarial eborense abunda de referências a escritores e homens de letras de nomeada, caso do próprio André de Resende, que surge a assinar como testemunha num contrato de 20 de Junho de 1548 (A.D.E., Lº 27 de Notas de Fernão de Arcos, fl. 41 vº) e de novo em 20 de Abril de 1570 (A.D.E., Lº 45 de Notas de Fernão de Arcos, fl. 20), o cosmógrafo­­‑mor do Reino Dr. Pedro Nunes a testemunhar numas procuração de 19 de Fevereiro de 1573 (A.D.E., Lº 172 de Notas de Pedro Rodrigues, fl. 52 vº), a poetisa Públia Hortensia de Castro, que nos surge a assinar um contrato de 1577 (A.D.E., Lº 130 de Notas de Álvaro Ramalho, fl. 67 vº), e o poeta, militar, escritor e também pintor Jerónimo Corte­­‑Real, que era do Conselho de Sua Magestade (A.N.T.T., Lº 51 de Notas de Belchior de Montalvo, fls. 97 vº­­‑98 vº), citado em Évora em 1573 num arrendamento (A.D.E., Lº 113 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 106 vº­­‑109), que em 1586 era provedor da Misericórdia de Évora (A.D.E., Lº 292 de Notas de Pedro Borges, fls. 86 vº­­‑97) e foi, também, juíz da Irmandade das Almas em Santo Antão, em cujo altar se encontra a tábua São Miguel e as Almas, que lhe está atribuída. Também se atesta, abundantemente, a documentação notarial a respeito dos Severim de Faria. 330 Cf. a este respeito Luis A. García Moreno, «Judíos y Mártires Hispano­­‑Cristianos», Boletín de la Real Academia de la Historia, t. CCX, caderno III, 2013, pp. 377­­‑403. 331 Cf. María Fernández Catón, San Mancio: culto, leyenda e reliquias. Ensayo de crítica hagiográfica («Fuentes y Estudios de Historia Leonesa», 30), León, 1983; Pedro Castillo Maldonado, Los Mártires Hispanorromanos y sus Cultos en la Hispania de la Antigüedad Tardía, Universidad de Granada, 1999, e Paulo Farmhouse Alberto, op. cit. 332 Francisco Galvão, erudito eborense, numa carta a Manuel Severim de Faria (1641), defendia essa data: «San Mançio discípulo de Xº bpo de Evora, segundo Jeronimo Oso‑ rio, martirizado cerca do ano 100 em tempo de Trajano como dizem auctores de mta conta» (B.P.E., ‘Portuguezes insignes ou q. forão pessoas notáveis ‘, MSS 29, nº 47­­‑123, fl. 63). 333 Paulo Farmhouse Alberto, op. cit. 334 Luis A. García Moreno, op. cit., e Paulo Farmhouse Alberto, op. cit. Segundo aquele autor, a Elbora da Passio s. Mantii seria Talavera, e Miliana, a propriedade agrícola onde decorre a acção com Millanes, a aldeia de Navalmoral de la Mata. O complexo martirial descrito no texto teria inspiração num edifício octogonal em Las Vegas de Pueblanueva que serviu de basílica paleocristã (sendo na origem um mausoléu tardo­­ ‑romano). Os argumentos de García Moreno são muito interessantes, ainda que esbarrem com o facto de também em Évora (a citada Elbora ?) existirem, na aldeia de São Manços, vestígios imponentes do alegado conjunto martirial descrito pelo hagiógrafo e que foi base dos textos de Resende. 335 Cf. o recente ensaio de Cécile­­‑Vincent Cassy, Les Saintes Vierges et Martyres dans l’Espagne du XVIIème siècle. Culte et Image, Madrid, Casa de Velázquez, 2011, p. 183 e segs («une sainteté espagnole»). 336 Bibliothèque Nationale de France (B.N.F.), Département des manuscripts, Français 3979 «Collection Mémoires de la Ligue. Recueil de lettres et de pièces originales (1501­­‑1600), fls. 156­­‑157. Agradece­­‑se ao Dr. Francisco Bilou a comunicação inédita.

181

337 B.N.P., Mss. 29, nº 47/3, Arcebispo D. Teotónio de Bragança, fl. 217: «Reliquia de S. Mãços que trouxe em 1592. Vindo o Arcebispo Dom Theotonio de Madrid, onde tinha ido por ocasião da grande diferença que neste tempo tem durado com os freires das ordens militares de Santiago e S. Bento de Avis, trouxe consigo huma relíquia da cana da perna de S. Manços, que está no altar mor da Sé, veio pousar com ella ao Mostrº de Santo Antº a … de abril de 592 e dahi se fez huma procissão solene Domingo 7 dabril do dito anno com toda a clerezia e cabido e freguesias e confrades de S. João, S. Tiago, S. Francisco, e pôs se a relíquia na Se (…), o cónego Martim Afonso de Melo fez a 1ª missa solene». 338 Conhecem­­‑se, por exemplo, pagamentos do coche em que se fez transportar o Arcebispo, despesas com o cocheiro que o serviu, contas com um relojoeiro madrileno a quem encomendou um relógio com despertador, e a outras aquisições realizadas (B.P.E., Fundo Manizola, Nº, nº 19). 339 B.N.P., Cód. 146, Relação da Entrada da Reliquia de S. Manços (em Vila Viçosa), adiante transcrito (DOC. Nº 25), fls. 17­­‑23. 340 A.S.E., Lº 11 de Acórdãos, 18 e 20 de Outubro de 1591. 341 Artur Goulart (coord.), Tesouros de Arte e Devoção, Exposição de Arte Sacra, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2006, nº 119. 342 Cf. Túlio Espanca, Inventário…, 1966, pp. 40, 42, 93 e 374. Optou­­‑se pela figura de um santo bispo, com báculo, segurando a jarro e a bacia, símbolos do lava­­‑pés. São todavia raros os testemunhos da iconografia de São Manços que subsistem, além da imagem de madeira policromada (que tem esses atributos) e das telas do Oratório de São Manços da Coluna, existe uma tábua de c. 1550 no Museu de Arte Sacra da Sé (atribuída a Sebastião Lopes, um pintor activo para o Cardeal D. Henrique) onde o santo mártir figura em corpo inteiro, com o jarro numa mão e a salva do lava­­‑pés na outra, trajando como apóstolo, junto a outros santos em meio corpo. De assinalar também o pergaminho muito citado de 1596, onde se representa em meio corpo, como mancebo e mártir e não como bispo, segurando a palma e um frasco, além da tela seiscentista da Galeria de Retratos de Arcebispos e Bispos. 343 Nicolau Agostinho, op. cit., cap. V, pp. 21­­‑22. 344 A.D.E., Lº 309 de Notas de Pero Borges, fls. 36­­‑38 (DOC.Nº 27). Sabemos que este pedreiro neerlandês, irmão da Santa Casa da Misericórdia, faleceu em Évora a 15 de Agosto de 1597. 345 Celso Mangucci, art. cit., 2014, p. 35. 346 Nicolau Agostinho, op. cit., cap. V, pp. 21­­‑22. 347 B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 10, apud Maria Antónia Hespanhol, op. cit., vol. II, p. 115. 348 Túlio Espanca, Inventário…, 1966, pp. 92­­‑93. 349 Artur Goulart, in Tesouros de Arte e Devoção, Fundação Eugénio de Almeida, 2006, nº 118. 350 Segundo Paulo Farmhouse Alberto e José Cardim Ribeiro, a quem agradecemos a informação, eram mártires leoneses de obscura origem e cujo culto não parece ter sido anterior à época moçárabe. Cf., também, Carmen García Rodríguez, El culto de los santos en la Roma romana y visigoda, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1966, pp. 245­­‑246.

182

351 Alessandro Zuccari, «Baronio e l’iconografia del martirio», Cesare Baronio tra santità e scrittura storica, Roma, Viella, 2012, pp. 445­­‑501. 352 Arquivo Distrital de Évora, Habilitações De Genere, Maço 18, Procº 648. Bartolomeu Sánchez já estava instalado na cidade em 1612, e morreu em 1641. Tem actividade conhecida em igrejas de Évora, na Sé de Elvas e na Misericórdia de Portel. Foi pai do também pintor Pedro López Vállejo. Sobre o artista, cf. Vitor Serrão, «Francisco Nunes Varela e a pintura em Évora no século XVII…», cit. 353 B.P.E., Cód. CXXX/1­­‑10: Padre Manuel Fialho, Evora Illustrada, manuscrito do início do século XVIII, tomo III, 1ª parte, cap. 12, fl. 29 vº. 354 Gabriela Casella Teixeira, O Senso e o Signo. A relação com as préexistências români‑ cas (1564­­‑1700). Contributos para uma História do Restauro Arquitectónico em Portugal, tese doutoral, Universidade de Lisboa, 2004, vol. I, pp. 47­­‑60. 355 Gaetano Mirelli Mariani, «I ‘cristianesimo primitivo’ post­­‑tridentino e alcune incidenzesui momento del passato», L’Architettura a Roma e in Italia (1580­­‑1621), Atti del XXIII Congresso di Storia dell’Architettura, Roma, 1988, vol. I, pp. 135­­‑166. 356 A.D.E., Habilitações De Genere, Maço 18, Procº 648. Bartolomeu Sánchez já se achava instalado na cidade em 1612, e morreu em 1641. Foi pai do também pintor Pedro López Vállejo. Sobre o artista, cf. Vitor Serrão, «Francisco Nunes Varela e a pintura em Évora no século XVII…», cit. 357 Archivio di Stato di Roma, Camerale I, 1527.49: Libro del signor cavalier Domenico Fontana architetto, ove sono notate tutte le spese fatte nelle fabbriche innalzate dalla gloriosa memo‑ ria di Papa Sisdto V dall’anno 1585 al 1589. 358 Lucrecia Spera, «Cesare Baronio, ‘peritissimus antiquitatis’, e le origini della arqueologia christiana», in Cesare Baronio tra santita e scrittura storica, Roma, ed. Viella, 2012, pp. 393­­‑423. 359 Alessandro Zuccari, «La politica culturale dell’Oratorio Romano nelle imprese artistiche di Cesare Baronio», StArte, nº 42, 1981, pp. 171­­‑193. 360 Existe um conjunto fundamental de estudos a este propósito nas actas do Congresso Baronio e l’arte –­­ Atti del Convegno internazionale di studi, Sora, 1984. 361 Gabriela Casella Teixeira, op. cit., vol. II, pp. 2­­‑3. 362 Alessandro Zuccari, Arte e committenza nella Roma di Caravaggio, Torino, 1984, pp. 52­­‑53. O rigor metodológico e escrúpulo intelectual de Baronio levaram­­‑no a ordenar, antes de qualquer intervenção, umja cópia do mosaico, conmserfvada como testemunho na Biblioteca Apostolica Vaticana (cf. A. Guerrieri, La chiesa dei Ss. Nereo ed Achilleo (nº 16 da Collezione ‘Amici delle Catacombe’), Roma, Città del Vaticano, 1951, pp. 115­­‑118). 363 G. Incisa della Rocchetta, «Cesare Baronio restauratore di luoghi sacri», in Atti Cesare Baronio. Scritti vari, cit., Sora, 1963, pp. 323­­‑332, refª p. 330. 364 Cf. Carlos Fabião, «Para a História da Arqueologia em Portugal», Penélope – Fa‑ zer e Desfazer a História, nº 2, 1989, pp. 10­­‑26. 365 Cf. Eduardo Duarte, «Uma viagem a Itália no século XVI: D. Frei Bartolomeu dos Mártires, a arquitectura, a escultura e as porcelanas», Arte Teoria, nº 12­­‑13, 2010, pp. 221­­‑229. Sobre o manuscrido da Biblioteca Vallicelliana de Roma, cf. Gabriela Casella Teixeira, op. cit., vol. I, pp. 167­­‑171, e vol. II, doc.º nº 3.

183

7 . O u t r o s c u lt o s r e n a s c i d o s e n o va s i c o n o g r a f i a s

7 . 1 . O s s a n t o s m á r t i r e s d a To u r e g a Nos campos da freguesia rural de Nossa Senhora da Assunção da Tourega, não longe do paço e conventinho do Bom Jesus de Valverde, onde já o Arcebispo Cardeal D. Henrique estadeava e D. Teotónio amiúde lhe seguiu os passos, foram por esta época desenvolvidas pesquisas arqueológicas de valorização do sítio ligado ao martírio das Santas Comba e Inonimata, irmãs de São Jordão, um bispo­­‑mártir de Évora aqui activo durante a ocupação romana. O historial, já de si lendário, carece de fontes literárias objectivas, sendo ainda a mais completa a fornecida por um escritor eborense do tempo de D. João IV chamado Francisco Galvão, que envolve o seu relato de intuitos nacionalistas, próprios da parenética anti­­‑castelhana 366. São difusas as memórias do local, citado embora por André de Resende e por outros humanistas, como Diogo Mendes de Vasconcelos e Manuel Severim de Faria, mas subsistem as provas materiais, já que nas terras do Monte do Barrocal, no sítio da Tourega, não longe da igreja de Nossa Senhora da Assunção, ainda se admiram ruínas de uma ermida que era de invocação de Santa Comba e, junto desta, a chamada Fonte Santa (a que Resende apelida de Cova dos Mártires), alegando­­‑se ser o lugar de 185

Fig. 37

Fig. 38 Fig. 39

suplício desses cristãos que foram vítimas, no início do século IV, das perseguições movidas pelo pretor Daciano 367. O facto de a matriz da Tourega preservar uma importante campanha de obras teotoninas não assegura, só por si, que tivesse havido nessa altura campanhas arqueológicas tendentes à sacralização do sítio; mas a verdade é que nessa altura se ergueu a referida capela dedicada a Santa Comba, junto ao lugar do alegado martírio, que é templinho da segunda metade do século XVI, hoje totalmente em ruínas, e que se implantou no mesmo terreno onde existiriam velhas estrururas que, em tempos imemoriais, lhe asseguravam culto e aos demais companheiros cristãos. Se todas estas ruínas foram valorizadas durante o múnus de D. Teotónio, é algo de que, como se disse, não existe certeza absoluta, mas a força da tradição, que fala também de ruínas no lugar da Fonte Santa – onde teriam tombado as cabeças degoladas destes mártires ­­–, não infirma que se trate de um dos lugares hierofânicos revalorizados pelas campanhas arquiepiscopais do final de Quinhentos. A igreja matriz da Tourega, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, aparenta um simples projecto do século XVI pleno, mas na realidade é de origem pelo menos quatrocentista (já estava erguida no ano de 1469 estando sufragânea ao Cabido da Sé de Évora) 368. Com a campanha de remodelação que sofreu (como tantas outras igrejas arquidiocesanas) no fim do século XVI, a matriz da Tourega assumiu um gosto maneirista «reformado», que torna a possibilidade de intervenções profundas no tempo de D. Teotónio nos «lugares santos» muito credível, por coincidir com a política de incremento de revalorização de cultos hierofânicos que justamente o Arcebispo assumira. Aliás, junto ao templo existem também as ruínas de um paço senhorial que a tradição diz ser dos Cogominhos, e que terá servido de acolhimento nas passagens dos agentes do Arcebispado no tempo do Cardeal D. Henrique, ele próprio visitante do sítio 369. Os sinais de ancianidade eram então evidentes e múltiplos, com a ermida de Santa Comba, a Fonte Santa e, recolhida na capela­­‑mor da igreja vinda de uma próxima e muito importante villa romana, a 186

pedra tumular epigrafada de Quinto Júlio Máximo, que serviu de base de altar, tendo mais tarde passado para o adro, antes de ser recolhida no Museu de Évora. A presença deste monumento romano «recristianizado» no contexto do culto, dentro da igreja, valoriza essa impressão de ancianidade paleo­­‑cristã que se quis perpetuar, e que estava muito viva no tempo em que o Dr. Francisco Galvão escreve o seu relato sobre a Tourega 370. Aí se diz, também, que no início do século XVII um dos priores, padre António Mendes, possuía um pergaminho que valia como espécie de atestado à santidade do sítio, lugar de suplício dos referidos santos, o qual ainda foi visto e creditado por Manuel Severim de Faria 371. Os factos artísticos são o melhor testemunho: a capela­­‑mor da igreja da Tourega, de planta semi­­‑esférica, sofreu mesmo obra significativa no final do século XVI, adquirindo uma cobertura belíssima em obra de massa com decoração em forma de vieira, com uma decoração de stucchi que se estende ao intradorso do arco triunfal e que envolve o retábulo. Este, de boa estrutura lavrada, conserva no nicho central a imagem da padroeira (já do século XVIII, tendo a primitiva desaparecido), também com uma vieira no remate semi­­‑circular que o encima. Em volta, distribuem­­ ‑se nove tábuas de excelente pintura, quatro delas ladeando o nicho e cinco outras, mais pequenas, na predela. As tábuas representam, à esquerda, São Cristóvão e o Bispo São Jordão (e não São Brás como se tem dito), e à direita São João Baptista e Santo António pregando aos peixes. Na predela, ao centro, admira­­‑se São Pedro entre Santo Antão e São João Evangelista, numa única tábua e aos lados, da esquerda para a direita, os meios­­‑corpos de São Lourenço, Santo André, São Paulo e Santo Estêvão. Algumas figuras apresentam cabeças de vincada execução, mas os efeitos causados pelos inábeis retoques, feitos com objectivo de destacar cores mais sumidas, são evidentes. É muito interessante que na encomenda feita pelo Cabido tenha sido escolhida a representação do Bispo São Jordão, um dos mártires eborenses da propaganda oficial de então, e cuja presença fazia todo o sentido nesta igreja, em lembrança das suas 187

Fig. 40 Fig. 41

irmãs e companheiros martirizados nas perseguições de Daciano. Trata­­‑se de pinturas muito interessantes, de desenho cuidadoso e, apesar dos maus tratos do tempo, com uma matéria pictural transparente e delicada. Podemos identificar o artista: são obra do mesmo artista que executou, cerca de 1560, as tábuas retabulares da Ermida de São Brás, em Évora, que representam a Pregação de São Brás aos animais e os Martírios de São Brás 372 . Também é da mesma mão uma excelente Lamentação sobre o corpo de Cristo, procedente dessa Ermida e hoje exposta no Museu de Évora sob designação «Mestre de São Brás» e como sendo do 3º quartel do século XVI (nº de invº ME Pint.3220). Nas duas tábuas com passos da iconografia de São Brás, na Ermida do mesmo titular, os detalhes de paisagem situam­­‑se dentro da melhor tradição flamenga, é assinalável o rigor de desenho dos animais, tecidos, armas e adereços, assim como a elegância das poses e das soluções compositivas, aspectos que mereceram o elogio rasgado do historiador de arte Adriano de Gusmão 373. São do melhor que a pintura eborense produziu, depois de Gregório Lopes e do retábulo do Santo Lenho (1537), e só encontram correspondente nas obras de Diogo de Contreiras para São Bento de Cástris (1550­­‑1560) e nas de Francisco de Campos para a Sé (c. 1565­­‑1574)! Ora as tábuas da igreja da Tourega têm afinidades inegáveis de estilo com estas da Ermida de São Brás: mesmo desenho, mesmos pessoalismos, mesmo repertório de rostos e tecidos, mesma tipologia de segundos planos… São, por conseguinte, da mesma mão. O conjunto pictural da Tourega é um dos retábulos de excelência que subsiste, do século XVI avançado, no aro eborense, facto que se reconhece e exige das tutelas um eforço no sentido do seu restauro científico. Tem­­‑se chamado a esse artista, à falta de identidade, Mestre da Tourega. Pensamos que a designação se deve manter, alargada às outras peças da mesma mão que se citaram. Porém, e quanto à identidade deste pintor ao serviço do Arcebispo, que tem personalidade erudita, com pormenores de uma delicadeza de miniaturista, podemos avançar um pouco mais: presumimos que venha a ser identificado com Duarte Fri188

zão, o pintor neerlandês que esteve ao serviço de D. Teotónio, o que não é nada improvável. Se Duarte Frizão foi também o autor das iluminuras do pergaminho de 1596 com autenticação da relíquia de São Manços, a probabilidade autoral reforça­­‑se. Sobre as ruínas do sítio da Tourega, quer a ermida quer a Fonte Santa, ambas em completo abandono, exigem intervenção arqueológica e, de seguida, um trabalho de consolidação das suas estruturas. Do altar da pequena ermida desapareceram as imagens de São Jordão, Santa Comba e Santa Inonimata, ainda referenciadas no fim do século XVIII. Todavia, ainda restam vestígios de decoração mural, muito diluídos. Estamos face a um dos lugares hierofânicos que o Cabido contra­­‑reformista eborense revalorizou, não se sabendo ainda ao certo de que modos, mas que com toda a certeza era alvo de concorrida devoção, ainda documentada no início do século XVIII, a crer num minucioso relato da freguesia de Nossa Senhora da Assunção da Tourega que atesta não só a passagem de viajantes como um incremento do surto peregrinatório junto à Fonte Santa e à Ermida de Santa Comba 374. Em fins de Setecentos, a fonte ostentava uma inscrição onde se lia TEM ESTA FONTE TAL VERTUDE / QVE MATANDO DA SAVDE. 1780. O abandono acelerado destas velhas estruturas, hoje em propriedade agrícola, foi causa da sua gradual ruína. 7 . 2 . S ã o To r p e s e m S i n e s Neste período que precede o Jubileu de 1600, outros velhos santuários e lugares alentejanos com tradição hierofânica e ligação a presumíveis cultos fundadores foram alvo da atenção do Arcebispo, atestando o seu interesse pelas origens do Cristianismo no território sob sua administração pastoral. Temos a certeza que interveio nos campos próximos de Sines, no litoral alentejano, em busca de relíquias de São Torpes, porque o seu biógrafo Nicolau Agostinho é nisso taxativo. Mais sabemos que foi o Papa Sisto V (1585­­‑1590) a ordenar a D. Te189

otónio que investigasse o assunto. O empenho de D. Teotónio de Bragança em dinamizar e vivenciar os velhos lugares hierofânicos do seu Arcebispado levou­­‑o também, em 1592, a investigar certas informações recolhidas e a desenvolver escavações junto à vila de Sines depois de, um ano antes, se ter localizado o sítio arqueológico do «corpo de San Torpes que na mesma perdição de Hespanha foy enterrado, & cuberto de areas nos alisserses da igreja donde antes fora venerado» 375. O corpo de São Torpes, mártir cristão do tempo de Nero, martirizado por volta de 67 d.C. e cujos ossos vieram parar milagrosamente ao litoral de Sines, segundo o maravilhoso lendário, passou a usufruir de concorridas romagens à igreja entretanto erguida no local onde se guardavam as suas alegadas relíquias376. Os preceitos construtivos seguidos nesta empresa foram, como tudo leva a crer, os recomendados pelo restauro storico do Cardeal Cesare Baronio, autor também citado a propósito por um anónimo memorialista, bem informado quanto ao historial em causa 377. A escavação de Sines permitiu, por um lado, detactar e recolher o «casco da cabeça», a «pomazinha quebrada de barro» e até «a estampa de pedra preta debuxada» 378, relíquias essas que passaram a ser venerados na matriz da vila, e construír um templo junto às estruturas postas a descoberto e consideradas à data como sendo de um antigo lugar de culto paleo­­‑cristão. Infelizmente, pouco se sabe dessa ermida. Trata­­‑se, mais de uma vez, de uma intervenção teotonina onde imperou o espírito historicista e a ideologia «reformada», movida pelo zelo de recuperar memórias perdidas sobre as origens do cristianismo no território arquiepiscopal, com soluções pensadas à luz da teoria e prática baronianas. Casos como a ampliação e «restauro» da igreja da freguesia rural de São Manços em 1594, e a obra do templo dedicado a São Torpes, mostram respeito pelas préexistências e o prévio papel da verificação histórico­­‑arqueológica no terreno, seguindo os preceitos de Cesare Baronio e outros escritos congéneres, sob signo de Trento. No caso de São Torpes (um mártir pisano de nome Salvio Torpes), estamos perante um soldado conver190

tido ao cristianismo, que fora valido de Nero e que, sendo martirizado, foi lançado ao rio Arno numa jangada com um galo e um cão. Segundo a tradição, as suas relíquias, clandestinamente conservadas depois do seu martírio, teriam sido trazidas para o litoral alentejano. Ainda segundo o maravilhoso lendário, uma cristã chamada Celarina, a quem um sonho teria avisado das circunstâncias em que iria achar os ossos do santo na praia junto a Sines, teria protegido os ossos do santo, gerando assim um grande foco devocional que se perpetuaeria pelos séculos. Também alvo de martírio, no tempo do Imperador Domiciano Santa Celarina seria alvo de surto devocional, a par de São Torpes. Esta era a lenda. Conhecedor dela, o Papa recorreu a D. Teodósio de Bragança para averiguar os factos. O pedido de Sisto V para que o Arcebispo fizesse diligências para descobrir o lugar de enterramento das relíquias desse mártir, algures no lugar da Junqueira, atesta antes de mais o respeito que D. Teotónio grangeava nos círculos papais. A partir do inquérito e da campanha de campo a que se procedeu, narrados por um escritor do tempo de D. João V, Estêvão de Lis Velho (1691­­‑1748), médico e erudito local com fortes ligações aos oratorianos, numa bem informada monografia sobre as antiguidades de Sines 379, foi descoberto em 1591 um túmulo de mármore com um esqueleto sem cabeça e com uma lápide alusiva a São Torpes e uma segunda alusiva a uma outra figura lendária, a referida Santa Celarina. Esta senhora cristã teria, segundo a lenda, recolhido as relíquias e criado um pequeno santuário em honra de São Torpes, razão que levaria a que, durante as perseguições de Domiciano, fosse martirizada no mesmo lugar380. Um testemunho do pároco de Sines, já ao tempo da Restauração, informa­­‑nos que o reconhecimento das relíquias se fez, em 1592, consultando pessoas qualificadas, entre eles o engenheiro militar Alexandre Massai, que à data morava em Sines, e identificou o esqueleto decapitado como sendo o de São Torpes, recordando­­‑se no seu singular testemunho, aliás, de ter visto o crânio do mártir em Itália, antes de vir para Portugal 381... Os vestígios achados na escavação e identificados com sendo destes dois santos, Torpes e Celarina, foram mandados 191

recolher na igreja matriz, onde vieram a perder­­‑se, muito mais tarde, em circunstâncias nunca esclarecidas. Com D. Teotónio de Bragança, veio a erguer­­‑se na ocasião uma igreja junto às ruínas, dedicada a São Torpes, e também, ao que diz a tradição, uma ermida dedicada a Santa Celarina, esta junto ao mar na ponta leste de Sines – mas falecem as notícias concretas a respeito de quando e como foram erguidas, que culto geraram, e o que lhes sucedeu. Apesar do sailêncio que prevalece, há aspectos que estão esclarecidos: deve­­‑se a Ricardo Estevam Pereira 382 a mais completa investigação a respeito de São Torpes e do seu culto, a partir do que sobre o assunto escreveu Lis Velho e, mais tarde, o erudito arcebispo D. Manuel do Cenáculo Vilasboas Neto, que também se interessou pela lenda e buscou estudar o assunto. É interessante verificar a ligação que se percebe entre D. Teotónio de Bragança, o arquitecto florentino Giovan Vincenzo Casale, e o sobrinho deste, o engenheiro militar Alexandre Massai, radicado em Sines e não por acaso chamado a vistoriar os achados arqueológicos de São Torpes. Descobrem­­‑se, assim, elos relacionais entre todas estas personagens, o Arcebispo, o primeiro arquitecto da Cartuxa e o engenheiro militar, em torno de uma questão tão relevante como era o descobrimento destes achados de mártires paleo­­‑cristãos. A circunstância de se tratar de uma região acabada de saír de um forte surto epidémico, no Campo de Ourique de Sines, mais valorizava este descobrimento, que criava um pólo de devoção popular e não podia deixar de ser visto como uma mais­­‑valia memorial por parte das populações. 7 . 3 . S ã o R o m ã o , « S ã o Vi c e n t e d a s irmãs», São Brissos… Base para alguns dos cultos que renascem foi a segunda edição do livro de André de Resende. Saíu em 1576 pela oficina de André de Burgos a segunda edição da Historia da antiguidade da cidade de Euora / fecta per meestre Andree de Reesende. E agora nes‑ 192

ta segunda impressam emendada pelo mesmo autor, onde defendeu a origem eborense dos santos Manços (Mâncio), Vicente, Sabina, Cristeta, Cucufate, Torcato, Jordão, Comba, Inonimata, e outros, e desenvolveu o estudo histórico e arqueológico dos bens paleo­­‑cristãos da Arquidiocese. Foi uma das grandes fontes do interesse por estes temas nas eras henriquina e teotonina. O culto a São Romão, um mártir paleo­­‑cristão que é considerado o advogado contra a raiva, também interessou as autoridades arquiepiscopais e mereceu cuidados no sentido de impulsionar o seu culto. Este santo (que não deve ser confundido com o homónimo diácono de Antioquia martirizado em 303 d.C., durante as perseguições de Galério) foi um soldado romano do século III que, pertencendo à guarda de Valeriano (253­­‑260), se converteu ao cristianismo. A conversão, diz a Legenda Áurea de Tiago de Voragine, sucedeu após ter assistido ao suplício de São Lourenço, sendo por isso decapitado às ordens do Imperador, em 9 de Agosto de 258, que passou a ser o dia da festa do santo. O culto a São Romão em terras portuguesas é residual, ainda que as Memórias Paroquiais de 1758 apontem alguns casos, todos eles enfatizando o papel do santo como protector contra a raiva dos cães danados. No Alentejo, existiu culto: na própria Sé, houve um altar dedicado a São Romão, para o qual Francisco de Campos, cerca de 1570, pintou um quadro representando San‑ to Amaro, São Bento e São Romão; na Ermida de São Matias, no termo de Évora, existe um altar com a imagem do santo, setecentista; e ainda sabemos da titulação a São Romão no altar colateral direito da Ermida de São Brás, no qual existe a imagem setecentista 383. Em todas se representa o santo mártir como jovem soldado. Nos frescos do Santuário de São Brissos (Santiago do Escoural), porém, ele apresenta­­‑se­­‑nos como um gentilhomem da era filipina, com chapéu de plumas, gibão, meias golpeadas, espada à cinta, numa reinterpretação livre da figura de soldado romano… É importante dar a conhecer que em Panóias, no actual Distrito de Beja, existiu um foco cultual importante dedicado a São Romão, que envolveu o redescobrimento de alegadas relíquias 193

Fig. 43 Fig. 31

suas. Nessa vila baixo­­‑alentejana ainda eram veneradas, no princípio do século XVII, as relíquias do mártir São Romão, como se deduz de um instrumento de procuração feito em 1622 pelos oficiais da Câmara local a António Soares Homem, morador em Lisboa, «sobre huma feira franca na villa de Panoias à conta da san‑ ta relíquia do bem aventurado são Romão cujo corpo está na mesma casa, e a ossada no termo desta vila na (capela ?) anexa à matris desta villa» 384 . O comendador da vila de Panóias, D. António de Miranda, e o prior da vila, tomavam então diligências para que as festividades em honra do santo se fizessem, com a concordância do Arquiepiscopado de Évora. O culto a São Vicente, alegado mártir de Évora, e a suas irmãs Sabina e Cristeta, também teve especial incremento com o governo arquiepiscopal do Cardeal D. Henrique, a quem se deve a formosa igreja ab quadratum, de um racionalismo contra­­ ‑reformista que justificou estudo detalhado a Paulo Varela Gomes, sensibilizado pela sabedoria italianizada que o projecto encerra 385. Todavia, a origem eborense destes santos é tudo menos provável, tratando­­‑se de mártires referidos na Passio Le‑ ocadiae e aí relacionados com Ávila, lugar de martírio, e com o lendário de Santa Leocádia, e a referência a Elbora como sua origem dirá mais respeito a um lugar junto a Talavera, segundo as fontes; tinham festa a 28 de Outubro, já citada nos calendários moçárabes, e a trasladação das suas relíquias para Arlanza, em 1062, favoreceu o culto 386. Só tardiamente a reivindicação da origem alentejana dos três santos irmãos surge nos textos portugueses, por especial esforço de Resende. A igreja de São Vicente data do início dos anos de 1560, sob batuta henriquina, ainda que a construção se prolongasse pelo múnus de D. João de Melo (1565­­‑1575). Desconhece­­‑se ainda quem foi o seu arquitecto, mas pode mesmo tratar­­‑se de uma ideia (um desenho) do próprio André de Resende, como já se aventou, dada a solidez all’antico que revela a traça, destacada por Paulo Varela Gomes, e a lembrar, como fez Susana Abreu, a sua formação em Alberti. Resende seguia o princípio da concinnitas (harmonia) promulgada pelo famoso arquitecto de Nicolau V, assim equilibrando 194

uma mens all’antico com o sentido proverbial de tolerância dos humanistas 387, e era leitor atento do seu tratado, tal o de Marco Vitrúvio Polião, autor tão estimado pelo escritor eborense 388 . Voltamos a lembrar que eram obras disponíveis nas bibliotecas eborenses do tempo. Sabe­­‑se, entretanto, que nos primeiros decénios a ousia da igreja esteve preenchida com um «retábulo fingido» a fresco, de grandes dimensões, representando os três titulares em nichos simulados, com São Vicente ao meio e as irmãs dos lados, pintura essa atribuída a Francisco de Campos (c. 1570). O fresco encontra­­‑se coberto pelo actual retábulo, o que significa que só se apresentou à comunidade durante cerca de vinte anos, perdendo as suas funções no momento em que a confraria de São Vicente das Irmãs obteve fundos para executar o retábulo de madeira e pintura 389. O caso, como vimos, foi frequente nas capelas­­‑mores das igrejas alentejanas: muitas deles tiveram ‘retábulos fingidos’ a fresco provisórios, com intenção de serem cobertos, quando houvesse melhores condições monetárias (o caso da Capela de São Pedro em Montemor­­‑o­­‑Novo é um bom exemplo). Alguns desses frescos ‘retabulares’ foram­­‑se mantendo como permanentes. Do tempo de D. Teotónio de Bragança é precisamente a obra do retábulo­­‑mor da igreja de São Vicente, que data do último decénio do século XVI (sabemos que estava pronto em 1597), e merece encómio por incluír o mais completo programa iconográfico alusivo aos alegados santos mártires de Évora, ainda dentro da tradição local recolhida por André de Resende, que aliás contribuíra para a construção deste templo com verba inscrita no seu legado testamentário. O retábulo maneirista da igreja de São Vicente data dos anos 90 e mostra, no andar principal, em nichos, as três figuras dos santos Vicente, Sabina e Cristeta em escultura de madeira policromada, com o interesse de fixarem uma iconografia. Desconhece­­‑se o nome do imaginário, mas o entalhe pode ser da autoria de Diogo Nobre, um nome muito repetido nestas páginas por ter sido o mais requestado dos artistas eborenses na sua modalidade. 195

Fig. 49

Quanto às pinturas, elas devem­­‑se ao bejense António de Oliveira, eventualmente com colaboração de seu «sócio» Júlio Dinis de Carvo (já que ambos trabalharam algumas vezes associados), mas eram artistas de nível secundário, o que se atesta nas pinturas retabulares 390. Não se estranhe tal facto (aliás, os retoques ulteriores, que são visíveis sobretudo na predela, agravaram o efeito de menoridade destas pinturas), já que se tratava de encomenda de uma irmandade com menores recursos, ainda que com dotação de esmolas por parte do Senado e do Cabido. António de Oliveira já trabalhara na Sé, com o apoio de um cónego seu protector, e pintara em 1584 o grande painel do retábulo do santuário de Vera Cruz de Marmelar, pintura medíocre, ainda que de alto interesse iconográfico, como de resto se manifesta nas tábuas da igreja de São Vicente, onde essa vertente é imensa, dada a magreza de representações da história dos chamados Mártires de Évora. A origem destes santos, cujas relíquias muito se veneraram, desde a Reconquista cristã em Ávila, é como se sabe obscura: é certo, porém, que eles não se relacionam com Évora e sim com a cidade de Ávila. Coube a André de Resende reivindicar o culto como eborense ao defender, aliás sem base, o nascimento dos três irmãos na cidade alentejana. Com as perseguições do Imperador Diocleciano (284­­‑305) no início do século IV, por ordem do pretor Daciano, os irmãos Vicente, Sabina e Cristeta sofreram martírio em Ávila por se negarem fazer sacrifício aos deuses pagãos tal como era imposto pelo IV Édito do Imperador. Diz a lenda que, com ajuda de Sabina e Cristeta, Vicente conseguiu escapar às perseguições romanas, mas foram presos em Alba, torturados e lapidados. As tábuas mostram­­‑no, com as duas irmãs, em fases de martírio (a flagelação e a roda). Os corpos foram depositados numa rocha, e as relíquias transladadas para o Mosteiro de São Pedro de Arlanza por ordem do Rei Fernando I de Leão e Castela em 1062. O actual lugar de veneração é a basílica de São Vicente de Ávila. No retábulo, uma das pinturas de maior formato mostra Vicente quando recebeu a visita das duas irmãs estando na pri196

são. Aí deixou impressão dos pés numa pedra, a fim de mostrar aos guardas quem era Jesus Cristo, o que foi suficiente para os converter: os guardas viram os pés de Jesus gravados na rocha e sentiram o odor de Nosso Senhor. A outra tábua maior mostra o martírio de Vicente às mãos dos algozes de Daciano. Ao centro, um grande Calvário, que tem o interesse de se inspirar no que o Padre Giuseppe Valeriano pintara em Évora em 1579. Na predela vemos Vicente negando­­‑se a sacrificar aos deuses perante o Pretor Daciano, e os corpos de Vicente, Sabina e Cristeta abandonados após o martírio, numa tábua do mesmo retábulo eborense. A respeito do Calvário, painel do centro da fiada principal, acima dos três nichos com as imagens dos titulares, é interessante também a «colagem» que o modesto artista faz ao modelo miguelangelesco de Giuseppe Valeriano, o quadro pintado para os jesuítas de Évora quando por aqui passou em 1579. O padre Valeriano, como se sabe, chamado a opinar, como arquitecto, sobre certas obras inacianas que decorriam, pintolu então um «painel de Cristo vivo na cruz» para os padres 391. O painel em causa, hoje em colecção particular, destinava­­‑se ao oratório da herdade de Nossa Senhora da Conceição em Montes Claros, lugar de veraneio dos padres da Companhia, e inspira­­‑se directamente no célebre modelo de Miguel Ângelo pintado para Vittoria Colonna, ainda que numa variação «tridentina», isto é, minorando no efeito de terribilità do vigoroso desnudo na perdida pintura de Miguel Ângelo, e retirando­­‑lhe a reflexão sobre a vida e a morte ao suprimir os anjos merencorosos que ladeiam o cimo da cruz no desenho hoje em colecção inglesa 392. Tratou­­‑se, assim, de uma interpretação «reformada» do miguelangelismo, que Valeriano já experimentara no quadro de San Vito de Recanati, na Macerata – modelo esse que, em Portugal, vai ter muitas versões, como na igreja do Salvador de Évora (Pedro Nunes), num fresco da sacristia da igreja dos Lóios de Évora (oficina Escovar ?), numa tela seiscentista da igreja de Santo António da Piedade e, fora de Évora, numa tábua de Simão Rodrigues do retábulo de São Domingos de Elvas (cerca de 1595), numa tela do coro 197

Fig. 48

alto do mosteiro das Chagas de Vila Viçosa (por André Peres, cerca de 1615), num dos fólios do Missal Pontifical de Estêvão Gonçalves Neto (1604­­‑1622) da Academia das Ciências de Lisboa, e em outros exemplos directa ou indirectamente sequazes da releitura de Miguel Ângelo proposta pelo Padre Valeriano. No caso do retábulo da igreja de São Vicente de Évora (que estava recém­­‑ultimado em 1597), o modesto pintor procurou, assim, mostrar­­‑se atento e informado às novidades artísticas que a Contra­­‑Maniera italiana introduzia, por via directa de um dos seus bons representantes em Roma, visando acompanhar o debate sobre o papel das artes que com Trento se agitava, e acentuando, assim, o impacto narrativo das «histórias» dos santos mártires de Évora pintadas no mesmo altar, santos esses cujas relíquias, a exemplo das de São Manços, a cidade também reclamava. Quanto a São Brissos, santo mártir originário de Myrtillis, a vila de Mértola, e alvo de martírio em 312 d.C., foi segundo a tradição o segundo Bispo de Évora, a seguir a São Manços. Por essa razão, tem culto na Arquidiocese de Évora, designadamente na aldeia que conserva o seu nome, situada na freguesia do Escoural, Concelho de Montemor­­‑o­­‑Novo, onde se ergue um santuário que, como muitos outros neste livro citados, recebeu obras no final do século XVI, dentro do mesmo espírito que regeu as obras teotoninas. Tratava­­‑se, para os promotores capitulares, de valorizar os cultos hierofânicos, como sempre, ainda que neste caso nada se saiba sobre a existência de presumíveis relíquias, e nesse sentido o Cabido empreendeu obras na sede desta extinta freguesia, que foi alvo de reconstrução e revalorização. Também no Distrito de Beja, em freguesia rural da cidade, existe uma paróquia de São Brissos, também relacionada com a existência de vestígios arqueológicos e, por conseguinte, de lendas fundacionais, que em 1534 era filial da igreja do Salvador de Beja, e na qual Túlio Espanca registou uma imagem do orago 393. Destacou Túlio Espanca, a respeito da primeira das citadas igrejas de São Brissos, sita na freguesia de São Tiago do Escoural, no concelho de Montemor­­‑o­­‑Novo, a «estranheza construtiva do alpendre, sua planta, ornamentos e sobretudo a orientação, 198

(que) sugerem uma provável adaptação da primitiva abside gótica, aquando da integral reforma do templo actual, em fins do século XVI» 394. Deve ter sido assim que tudo se passou, sendo poupada a preexistência tardo­­‑medieval quando se construíu o corpo adjacente dentro do ideário do Arcebispo. Como sucede em todas as velhas igrejas intervencionadas na época de D. Teotónio, a traça segundo a qual se ampliou a preexistência buscou manter algo de arcano, dentro do objectivo­­‑âncora, já bem explicitado, de criar espaços­­‑auditório. Esta igreja não foge à regra, e tem o interesse acrescido de manter – caso único ­­– um programa integral de pinturas a fresco onde se representam todos os santos mártires com alegada vinculação eborense ! O facto mais relevante dessa campanha na igreja de São Brissos é sobretudo este: o programa da decoração fresquista com representações hagiológicas e fingimentos geométricos, que cobre a capela­­‑mor e se estende ao apainelado do tecto da nave. No presbitério, admira­­‑se um conjunto de «retábulos fingidos» de forte poder cenográfico, com figuras de santos em corpo inteiro (Santo Amaro e São Luís, Rei de França, no arco­­‑mestre, Santa Bárbara, São Geraldo, Santa Apolónia e São Neutel, da banda esquerda, e Santa Luzia, São Brissos, Santa Águeda e São Romão, à direita), tudo relacionado com o retábulo de talha com pinturas sobre madeira, e envolto por molduras simuladas e tabelas geométricas de tipo neo­­‑constantiniano, afrescadas com gosto. Nas trompas da cúpula, admiram­­‑se os Evangelistas, de boa execução plástica, e no tecto do corpo foram pintados os Apóstolos, em quadri riportati envolvendo, no eixo, as figuras dos mártires eborenses São Brissos, São Manços e São Jordão. Trata­­‑se de um espaço artístico do maior interesse, posto que muito pouco conhecido. Alguns dos ornatos afrescados imitam azulejaria enxaquetada com lambris de forma losângica, de bom efeito decorativo, e tudo reverte para um sentido espacial unitário, que se desejou coerente e eficaz. É, por isso, um dos bons testemunhos da concepção de «arte total» teotonina, e só é pena faltar­­‑nos a documentação que permitiria conhecer o nome dos artistas envolvidos 395. 199

Fig. 31

O empenho que existiu nestes anos em se seguir os modelos de uma arquitectura paleo­­‑cristã ou altimediévica, histórica e teologicamente justificada, multiplica­­‑se não só nas deliberadas «citações» de que fez corpo muita da construção sob égide do Arcebispado, com seu tónus «civilista», mas também nos modos de decorar os espaços­­‑auditório seguindo uma linguagem que remetia para o neo­­‑constantinianismo, gosto especialmente difundido com o papado de Sisto V e sobretudo com os restauros empreendidos no tempo de Clemente VIII, como atestam os exemplos referidos. Um caso assaz interessante de «revivalismo» contra­­ ‑reformado fora já, nos anos de D. João III, a retoma que nesse tempo se fez de um modelo com origens no século VII, o da igreja de São Frutuoso de Montélios, em Braga, para ser aplicado na estrutura da belíssima igreja centralizada do Bom Jesus de Valverde como uma das fontes de inspiração do arquitecto Miguel de Arruda ! O facto de aquele templo minhoto ter sido em determinado momento incorporado pela ordem franciscana explicará, de algum modo, essa «citação» antiga, mas o facto de tal retoma ter ocorrido em Évora é em si um fenómeno muito interessante, por razões subliminares de um gosto neo­­‑antigo cheio de simbolismo e carregado de referências arqueológico­­ ‑historicistas de sabor medievalizante. Infelizmente, pouco de concreto se sabe sobre essa inusual construção que buscou modelo inspirador na primitiva igreja de São Frutuoso 396… Com a penetração dos valores da Contra­­‑Reforma, quase meio século passado, o que fora uma espécie de acto isolado no Bom Jesus de Valverde passa a ter legitimação teológica e força estratégica para ser utilizado em maior escala por todo o Arcebispado. Esse foi já o tempo e o mundo em que se moveu D. Teotónio de Bragança, um mundo que se explica pela sua sólida formação tridentina e que se justifica pelo conhecimento aprofundado que tinha sobre as origens arcanas, reais ou fictícias, do vasto território arquiepiscopal sujeito à sua jurisdição.

200

Notas 366 Francisco Galvão, em carta a Manuel Severim de Faria (1641), diz que «São vte, sta sabina e sta Cristeta irmãos naturaes desta cidade que foram martirizados em 303 q.do da perseguição aos cristãos de Daciano, presidente na Espanha», e ainda que «Sãta Comba com hum Bispo e outra irmã tãobm virgem foram martirizados neste mesmo tpo com outros mts martyres junto a Tourega como se vé da tradição» (B.P.E., ‘Portuguezes insignes ou q. forão pessoas notáveis ‘, MSS 29, nº 47­­‑123). 367 Túlio Espanca, Inventário Artístico…, 1966, pp. 344­­‑347. 368 Afirma­­‑o Túlio Espanca, Inventário Artístico…, 1966, p. 345, e vem atestá­­‑lo a existência de, pelo menos, uma peça quatrocentista: o painel gótico que representa Nossa Senhora e São João Evangelista (fundo de Calvário), carecido de restauro e de estudo analítico, que se resguarda no Santuário do Bom Jesus de Valverde. Num exame pericial realizado com o técnico de documentação de fotografias de obras de arte José Pessoa, em 1998, veriuficou­­‑se que a peça preserva, além de desenho subjacente significativo, figuras debuxadas no reverso do suporte. A existência deste quadro demonstrará a maior ancianidade do templo. 369 Em 1695, sendo Arcebispo D. Luís da Silva Teles, foram feitas vistorias de obras nas casas junto à igreja, de que era senhorio a Mesa Pontifical, depois de uma petição nesse sentido de Francisco Cordovil de Brito (A.D.E., Arquivo da Câmara Eclesiástica, Mitra, cx. 4, 09­­‑14). 370 B.P.E., ‘Portuguezes insignes ou q. forão pessoas notáveis ‘, MSS 29, nº 47­­‑123. 371 B.P.E., MSS 29, cit., nº 47­­‑123. Todavia, esta ancianidade é refutada como falsa por um jesuíta, Padre Martim Cardoso de Azevedo, Historia das Antiguidades da Cidade de Evora, 1736 (ed. Évora, 1793). 372 As tábuas do andar cimeiro desse retábulo, Adoração dos Pastores e Ressurreição de Cristo, foram pelo autor deste livro atribuídas a Francisco de Campos. Esse retábulo da Ermida de São Brás deve ser encomenda do Cardeal D. Henrique no segundo mandato como Arcebispo (1575­­‑1578). 373 Adriano de Gusmão, «A Pintura Maneirista em Évora», sep. de A Cidade de Évo‑ ra, 1956, p. 7. Também Luís Reis­­‑Santos (Garcia Fernandes, Realizações Artis, 1957, p. 16) refere de passagem estas tábuas, com uma deslocada atribuição ao lisboeta Garcia Fernandes. 374 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 71, Noticias da Freguezia da Assumpção de Tourega (relato anónimo de 1736). Este longo mss. merecia ser integralmente publicado, dados os pormenores que revela sobre o sítio e o testemunho sobre a secular tradição que acima referenciamos. 375 Nicolau Agostinho, op. cit., cap. V, p. 22. 376 Idem, ibidem, pp. 21­­‑22. 377 B.N.P., Reservados, Mss 29, nº 47, Noticias relativas a S. Manços e S. Torpes. Sobre São Torpes, o anónimo memorialista cita a autoridade de Cesare Baronio para afirmar que ele foi martirizado em 69 d.C. algures no Alentejo. Ricardo Estêvam Pereira prepara um estudo a respeito do culto de São Torpes em Sines e das circunstâncias que o envolveram.

201

378 José Leite de Vasconcelos, Religiões de Lusitania, vol. I, Lisboa, 1897, pp. 21­­‑23. 379 Estêvão de Lis Velho, Exemplar de constância dos martyres em a vida do glorioso S. Torpes, mordomo e valido de Nero desde o seu nascimento ate o seu glorioso triunfo, e se relata a vinda prodigiosa do seu corpo a este Reino à vila de Sines, Lisboa, 1746, n. 56. 380 Frei Manuel Baptista de Castro, Mappa de Portugal Antigo e Moderno, tomo II, Lisboa, 1763, p. 175. 381 Ricardo Estêvam Pereira, «A descoberta do túmulo de São Torpes em 1591», Actas on­­‑line do 1º Congresso de Arqueologia da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 2013. 382 Ricardo Estêvam Pereira, «A descoberta do túmulo de São Torpes em 1591», Actas on­­‑line do 1º Congresso de Arqueologia da Associação dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 2013. 383 Ricardo Estêvam Pereira, Pereira, «A descoberta do túmulo de São Torpes em 1591», Actas on­­‑line do I Congresso de Arqueologia da Associalção dos Arqueólogos Portu‑ gueses, Lisboa, 2013. 384 Túlio Espanca, Inventário…, 1966, pp. 321, 364 e 381. 385 Paulo Varela Gomes, Arquitectura, Religião e Política em Portugal no Século XVII. A planta centralizada, Porto, Faculdade de Arquitectura, 2001, pp. 55­­‑60. 386 Carmen García Rodríguez, El culto de los santos en la Roma romana y visigoda, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1966, pp. 245­­‑246. 387 Apesar desse apregoado espírito de tolerância, Hugo Crespo (em «André de Resende na Inquisição de Évora e a apologética anti­­‑judaica: ciência teológica, doutrina e castigo (1541). Um autógrafo inédito. Novos documentos para as biografias sde André de Resende e Jorge Coelho», revista Humanismo, Diáspora e Ciência. Séculos XVI e XVII, Lisboa, 2013, pp. 151­­‑212) mostra­­‑nos outra faceta do humanista­­‑escritor eborense. Afinal, ele só epidermicamente manteve fidelidade aos princípios erasmianos, assumindo antes o papel de um ortodoxo militante proselitista em luta contra o protestantismo e todas as heresias. O caso do mercador Pêro Álvares, cristão­­‑novo reprimido pelo Santo Ofício, dá­­‑nos uma nova visão de Resende e esclarece melhor a sua ulterior obra, dentro dos ressaibos tridentinos. 388 Susana Matos Abreu, «André de Resende, um novo Alberti ? Um ideólogo entre o “princeps” e o “architectus”, na recuperação da “Vrbs” romana de Évora (1531­­ ‑1537)», Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010, pp. 223­­‑230. 389 Túlio Espanca, Inventário…, pp. 179­­‑180. Existem boas fotografias desse fresco, descoberto em 1965 aquando do restauro do templo, tendo­­‑se decidido voltar a cobri­­‑lo com o retábulo. 390 Vitor Serrão, «Uma sociedade de pintores em Beja no fim do século XVI: os maneiristas António de Oliveira e Júlio Dinis de Carvo», revista Museu, IV série, nº 11, 2003, pp. 35­­‑75. 391 Sobre a passagem do Padre Valeriano por Portugal, cf. Maria Cali, Da Miche‑ langelo all’Escorial. Momenti del dibatto religioso nell’arte del Cinquecento, Turim, Einaudi, 1980, pp. 195 e n. 198.

202

392 Vitor Serrão, «Calvário / Padre Giuseppe Valeriano», in A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, cat. de exp., C.C.B, Lisboa, 1985, pp. 282­­‑285. 393 Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal. XII. Distrito de Beja, 1992, pp. 237­­‑238. 394 Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal. VIII. Distrito de Évora, 1975, p. 403. 395 A atribuição tradicional aponta para que seja obra de José de Escovar e da sua oficina e dos anos de transição do século XVI para o XVII. De facto, anotam­­‑se estilemas próximos da ‘oficina Escovar’, mas também é certo que a pintura da cúpula é de qualidade superior, e que no tecto da nave, aparentemente mais tardio, devermos concordar com Túlio Espanca (Inventário Artístico de Portugal. VIII. Distrito de Évora, p. 404) quando observa afinidades com os frescos da sacristia da Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe. 396 Segundo José Eduardo Horta Correia, Arquitectura Portuguesa. Renascimento, Ma‑ neirismo e Estilo Chão, Lisboa, Editorial Presença, 1991, p. 39, trata­­‑se de uma solução, devida à traça de Miguel de Arruda, que «procura aliar a mais erudita cultura matemática do Renascimento a sugestões de antigas tradições nacionais».

203

8. D. Teotónio de Bragança e a C o m pa n h i a d e J e s u s

8.1. A Universidade de Évora e os padres inacianos A relação de D. Teotónio de Bragança com os padres da Companhia de Jesus que se instalaram no Colégio do Espírito Santo, transformado em 1559 em Universidade por esforço do seu antecessor, Cardeal D. Henrique, foi naturalmente intensa, dada a importância crescente da milícia de Santo Inácio de Loyola e a sua fortíssima expressão cultural. O Colégio do Espírito Santo, com a Universidade de Évora foi um dos grandes empreendimentos nacionais do século XVI. Erguida por D. Henrique (que desde 1553 aspirava criar em Évora um pólo universitário concorrente a Coimbra), em íntima associação aos padres da Companhia de Jesus, e tomando como modelo inspirador a rede­­‑pluricolegial em torno do Colégio de San Ildefonso de Alcalá de Henares, projecto do célebre Cardeal Cisneros 397, como defendeu Rui Lobo, e também o do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, foi desde cedo uma referência prestigiante da cidade e razão de elogio dos visitantes 398. A igreja definitiva, com a sua tipologia fundadora do «estilo chão» na sua vertente jesuítica, e com referências pragmáticas tomadas da arquitectura gótico­­‑manuelina do Mosteiro de São Francisco, foi traçada em 1566 por Diogo de Torralva (que faleceu nesse 205

ano) e por Afonso Álvares (que adaptou as traças de Torralva) 399 , sendo a empreitada conduzida pelos laboriosos mestres Manuel Pires (até 1569), Baltazar Fernandes (falecido em 1570), e Jerónimo de Torres, este a partir de 1570 e dirigindo o estaleiro de obras, que se prolongaram até fins do século XVI 400. Mas já desde meados da sexta década do século se erguiam os novos corpos universitários. É o «modo nostro» dos jesuítas 401 que inspira essas construções que, desde 1556, começaram a ser erguidas com determinação, definindo e envolvendo o Pátio dos Gerais, com a Sala dos Actos (lugar da primitiva e modesta igreja) no eixo e os edifícios escolares em volta 402. O Noviciado ergue­­‑se a partir de 1566, dando o Cardeal «grande calor à obra», segundo diz o Padre António Franco 403, tornando­­‑se no seu grosso, como escrevera o cronista padre Baltazar Telles, «em matéria de edifício para colegiais, o mais grandioso que há em todo o Portugal» 404. O conjunto visava completar­­‑se (tal como em Alcalá de Henares) com outros edifícios colegiais: foi construído, assim, o Colégio de Nossa Senhora da Purificação, traçado por um celebrado arquitecto da Companhia para o efeito chamado, o padre Silvestre Jorge 405. Dessa campanha (de que existem plantas assinadas por esse padre­­‑arquitecto, na Biblioteca Nacional de França, aliás como para o Colégio do Espírito Santo), sabemos que correram em empreitada célere com o mestre pedreiro Jerónimo de Torres. Como se viu, ao traçarmos em capítulo anterior a biografia do Arcebispo D. Teotónio, e tal como nos recorda o seu biógrafo Nicolau Agostinho, a relação que manteve com a Companhia de Jesus nem sempre foi tranquila, pois passou por conflitos em torno da jurisdição de poderes e das prerrogativas da autoridade arquiepiscopal. A preferência que ele manifestou por cartuxos e franciscanas também gerou ocultas tensões. Prevaleceu, contudo, a dimensão cultural que os estudos jesuíticos asseguravam, ao oferecerem, através de um ensino de novo tipo e de uma produção literária fecunda, alternativas sólidas às polémicas teológicas e recuperando a boa imagem da Igreja nos palcos europeus, depois das investidas dos protestantes. 206

O testemunho do Padre Baltazar Teles, na sua famosa Cró‑ nica da Companhia de Jesus, assegura que, enquanto Arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança manteve muito boas relações com os padres da Companhia de Jesus, passado que estava, havia muitos anos, o desaguizado que levara Santo Inácio de Loyola, em Roma, a preteri­­‑lo como membro da milícia. Terá sido assim, tanto mais que a ele coube a tarefa de multiplicar na cidade a rede de colégios – o de São Paulo, de eremitas da Serra d’Ossa, e o da Madre de Deus, ambos desaparecidos 406 ­­–, a fim de dar corolário ao projecto henriquino de tornar Évora uma espécie de alternativa a Coimbra no campo do ensino. Também o anónimo autor das Notícias do seu Governo chega ao detalhe de enumerar os padres jesuítas que, durante a grande peste de 1579­­ ‑1581 407, abnegada e corajosamente serviram as populações da cidade e dos campos, seguindo as directrizes do Arcebispo na assistência aos desvalidos e, alguns deles, contraindo a doença. Esse esforço foi imenso, tendo chegado os jesuítas a montar um hospital provisório no Louredo para assistir aos pestíferos, sendo todo esse empenho merecendo do geral aplauso do Arcebispo, assim que se ergueram «bandeiras de saúde». Na Capela de Música da Sé muitos eram os jesuítas que a integraram, entre eles nomes sonantes de cantores e compositores: é o caso, entre muitos outros exemplos, do padre Domingos de Pina, que foi depois reitor no Colégio da Companhia de Jesus em Salsete, no Estado da Índia 408. Um autor já referido, o Dr. Francisco Galvão, que escreve a respeito do múnus de D. Teotónio em termos encomiásticos, ainda que sem dose de pormenores dignos de destaque, confirma também esse bom relacionamento com os padres da Companhia de Jesus 409, pesem os conflitos que ocorreram, mais ou menos públicos, por causa da hierarquia que era devida ao Arcebispo. Ora, não sendo essa hierarquia respeitada muitas vezes, e sendo D. Teotónio homem para constantemente reclamar esse direito, com o respeito devido à sua dignidade, não via com bons olhos certos protagonismos dos inacianos, quando era justamente o seu cargo o mais relevante como primeiro pastor da Igreja eborense. 207

Fig. 48

O campo artístico uniu, entretanto, vontades e estratégias. O arquitecto padre Silvestre Jorge, figura muito estimada das artes no seio da Companhia de Jesus, já atrás referido, e que Fausto Sanches Martins muito bem estudou, vem a Évora em 1575 inteirar­­‑se dos trabalhos do Colégio do Espírito Santo e, sobretudo, os do Colégio de Nossa Senhora da Purificação que então se iniciavam, e para os quais forneceu as traças 410. Eram obras importantes pelo seu papel assistencial à Universidade e que, por isso, correram com rapidez, recebendo­­‑se já colegiais em 1593. Face às necessidades dos padres, a empreitada iniciada em 1575 pelo mestre Jerónimo de Torres (um artista muito estimado pelo Arcebispo por assegurar muitas das suas obras411), e que teve na direcção do Colégio da Purificação obra competente e célere 412. A aprovação dos Estatutos deste Colégio universitário, entretanto, ditava as bases do seu funcionamento, com cinquenta estudantes em regime de internato e com rendimentos perpétuos para o seu pleno funcionamento. Se D. Teotónio seguiu a construção desse Colégio, e teria contactado Silvestre Jorge, como era seu timbre face aos artistas de fora, não sabemos já se chegou a contactar também com o arquitecto­­‑pintor Giuseppe Valeriano, que estadeou em Évora, como vimos 413. De facto, fora chamado por D. Henrique, em 1579, sendo este já rei, dadas as circunstâncias que afastaram o Arcebispo da cidade durante o primeiro ano do seu múnus, que coincidem precisamente com a passagem do artista italiano, vindo aqui para avaliar o curso das obras. A estada de Valeriano em Évora é ainda problemática, pois se em Lisboa ele foi chamado a opinar sobre o avanço das obras colegiais que se desenrolavam em Santo Antão, já em Évora, onde passou nove meses, a sua atividade não poderia restringir­­‑se apenas à pintura de um quadro do Calvário para um oratório jesuítico. Defendemos já, noutro lugar, que a sua estada pode ser relacionada com o debuxo do belíssimo túmulo que se fazia, em tempo de vida, para o próprio Cardeal D. Henrique, e que veio a lavrar­­‑se de seguida e colocado no transepto da igreja do Espírito Santo, da banda do Evangelho. 208

Voltemos ao percurso do Arcebispo D. Teotónio. Interessou na sua acção pastoral colher algumas das dinâmicas jesuíticas no campo da evangelização dos territórios por si governados, com grande atenção às especificidades das populações, bem como aprofundar os interesses pelo descobrimento dos «mundos novos» e pelo esforço missionário que então se abria, apontado muito em especial para terras da Ásia. A instalação da Universidade em Évora, sonho de D. Henrique e aposta do seu amigo Frei Luís de Granada, pusera em prática esses objectivos414. Se os primeiros tempos que os padres da Companhia passaram na cidade (instalados provisoriamente no convento das religiosas de São João de Malta, em 1553, e mudando­­‑se daí para as desafectadas instalações dos antigos paços reais, junto ao mosteiro de São Francisco) foram de algum modo conturbados e marcados por alguns conflitos e dificuldades de inserção415, bem cedo a qualidade do ensino universitário se impôs. Após uma fase experimental assegurada por mestres como Pedro da Fonseca, o «Aristóteles português», como o próprio D. Frei Bartolomeu dos Mártires, ou o Dr. Pedro Margalho, a seguir a 1556, sob a batuta do mestre Inácio Martins, então com seiscentas vagas para estudantes, número que subiria para mil e seiscentas em 1592, o magistério atinge altíssimo prestígio. A Universidade surgia dotada de poderes para ministrar todas as disciplinas do saber, se excluímos apenas Medicina, Direito Civil e a parte contenciosa de Direito Canónico, que eram prerrogativas dos cursos da Universidade de Coimbra416. No campo das artes, a Arquitectura e temas afins constituíam área reforçada de estudo, com documentada presença dos tratados de Durer, Léon Battista Alberti, Girolamo Maggi, Sebastiano Serlio, Jacopo Barosio, Pietro Cattaneo ou Jacopo Vignola, autores com títulos que Fausto Sanches Martins referencia como estantes na Biblioteca universitária de Évora e cuja presença mostra o grande interesse dos jesuítas pelos estudos da perspectiva, da simetria, das ordens arquitectónicas, da emblemática, da liberalidade das artes, da geometria, da matemática e da arte de fortificar, entre outros temas estudados 417. 209

«A nova academia jesuítica convertia­­‑se no ex­­‑libris cultural de Évora, a grande embaixatriz que iria levar ao perto e ao longe o seu nome», diz em suma Joaquim Chorão Lavajo 418. Como «bastião da Contra­­‑Reforma no sul do país, a Universidade de Évora formou teólogos, filósofos e professores que preservaram o nosso país dos desvios doutrinais em voga pela Europa». Por certo, esta dimensão do ensino ministrado pela Companhia de Jesus não passou à margem das pastorais de D. Teotónio, ele mesmo formado nos mesmos sólidos valores teológicos e pedagógicos. 8.2. Percursos coincidentes As bases da cultura jesuítica em Évora foram estabelecidas, é um facto, pelo empenho e prestígio do Cardeal D. Henrique. Mas foi sob essa base que vários repertórios do «modo nostro» passaram, em vertentes mais vernáculas, para muitas obras de arquitectura fora da Companhia. Um dos aspectos coincidentes no estilo D. Teotónio, digamos assim, em referência aos critérios de reconstrução, ampliação e revalorização das velhas igrejas do Arcebispado, radica justamente no uso de exonártex, tal como na igreja do Espírtito Santo, a dignificar várias fachadas paroquiais e a conferir a esses templos uma deliberada imagem neo­­‑antiga. Essa solução tem a sua génese no modelo da igreja jesuítica do Espírito Santo, tal como a conceberam em 1566 os arquitectos Diogo de Torralva, Afonso Álvares e Manuel Pires às ordens do Cardeal D. Henrique, no sentido de unir a imagem identitária dos templos paleo­­‑cristãos com a necessidade de criar espaços­­ ‑auditório abertos às comunidades e reforçando o novo papel interventivo da Igreja, à luz dos preceitos conciliares. Já o cronista Padre Baltazar Telles atesta esse referencial «historicista» da nova igreja, que «determinou de fazer tal que parecesse obra digna de quem a mãdava fazer, & do Senhor pera quem se fazia, & assi nos consta, que seus primeyros intentos foram edificar hum templo, que igoa‑ lasse na grandeza a igreja do mosteyro dos Padres de San Francisco da cidade de Evora, que he obra muy sumptuosa, & por isso muy parecida 210

com seu magnifico fundador, que foy o felicissimo Rey Dom Manoel, pay do serenissimo Infante» 419. Assim, a presença do nártex saliente, espécie de portada com arcaria a dominar as fachadas, remetendo para fontes primevas do Cristiasnismo, seria utuilizada no Espírito Santo e retomada, de seguida, em muitas igrejas do Arquiepiscopado: em Nossa Senhora da Graça do Divor, por exemplo, tal como já o fora em São Mamede de Évora (aqui por traças atribuídas a Diogo de Torralva) 420 ou, ainda, na igreja de São Sebastião de Évora (cuja campanha de pedraria data de 1599­­‑1600), em Santa Maria de Évora­­‑Monte (cuja campanha de pedraria também está documentada), e em algumas outras igrejas e capelas alentejanas recenseadas no incontornável Inventário Artístico de Túlio Espanca e onde se assinalam, com maior ou menor desenvoltura, tipologias de exonártex. O historiador de arte Jorge Henrique Pais da Silva, ao mesmo tempo que observava com toda a pertinência o modo como a ideia de nártex se inspirou no caso monacal gótico­­‑manuelino de São Francisco de Évora, definiu as características essenciais desta arquitectura jesuítica inaugurada com a igreja do Espírito Santo: «… planta rectangular de uma só nave, capela­­‑mor pouco profunda, capelas laterais comunicando entre si e por vezes dominadas por tribunas, púlpito situado a meio da nave (com vista a melhorar a audição das predicações em todo o salão), vestígio de transepto, que não é saliente e tem altura inferior à nave» 421. Como se constata, a proposta jesuítica por uma construção unindo novidade formal, clareza espacial e memória histórica não andava longe do que era o tipo de arquitectura sacra definida nos templos que Nicolau de Frias, Pero Vaz Pereira e outros construtores teotoninos levaram a cabo. Ou seja, o modo nostro da arquitectura jesuítica soube aderir às especificidades (e necessidades) portuguesas (e do «mundo português»)… Preocupação de D. Teotónio de Bragança foi, também, impulsionar novos cultos e alargar iconografias credíveis para enriquecer as bases didascálicas da pastoral da Igreja. Se recuperou e revitalizou cultos como o de São Manços, de São Torpes 211

ou de São Brissos (vimo­­‑lo em capítulo precedente), tal imperativo levou­­‑o certamente a desenvolver o culto imaculista e a seguir, também, o esforço da Companhia de Jesus na preparação dos processos de beatificação dos seus santos Inácio de Loyola e Francisco Xavier 422. Sabemos que a pintura portuguesa teve papel fundamental na definição de uma primeira iconografia credível para servir o culto de São Francisco Xavier, o Apóstolo das Índias, e o de Santo Inácio de Loyola. Tal se deveu a programas estrategicamente estabelecidos e que foram pensados mantes da beatificação (1619) e ulterior canonização (1622) dos dois famosos jesuítas. Congregando diversas fontes e informações fidedignas, e muito antes de serem canonizados, já existiam programas iconográficos promocionais, que mantinham a chama do culto nos espaços dos Colégios inacianos. Assim sucedeu em Évora com a primeira representação narrativa da vida e feitos de Inácio de Loyola, ainda em 1599, e o mesmo se passará com a iconografia xavieriana, em 1619, com o extraordinário ciclo de vinte telas pintadas por André Reinoso e um colaborador para os espaldares dos arcazes da sacristia do Colégio de São Roque em Lisboa 423. Para a Companhia de Jesus – e para D. Teotónio de Bragança, que acolhia e seguia com atenção estas iniciativas promocionais –, ­­ a creditação dos novos cultos avant la lettre impunha que, a par da difusão de textos de cariz hagiográfico, se criasse uma iconografia oficial que viesse legitimar perante os seus membros, e com paulatina abertura aos fiéis de todo o mundo, sobretudo em áreas de missionação, a verdadeira lenda que os testemunhos e escritos iam entretecendo sobre Inácio de Loyola e Francisco Xavier e que desse corpo às figurações através de protótipos passíveis de ser seguidos em obras de pintura, de escultura, de gravura, de baixo­­‑relevo, de iluminura, de ourivesaria, de azulejo e em outros suportes e «géneros» plásticos aptos para servir um culto ainda não oficializado, através de narrativas imagéticas facilmente captáveis pelos crentes. Facto que consideramos de grande importância nesse sentido, o Arcebispo estimulou a presença de medalhas promocionais de Inácio de Loyola e Francisco Xavier na Sé (e quase de certe212

za noutros lugares de culto), a ponto de tal provocar reservos, senão protestos, da parte de pessoas mais zelosas: tal se percebe por um assento do Cabido, já após a morte de D. Teotónio, onde se criticava a Companhia de Jesus por «pôr entre as relíquias do Santuario as reliquias e imagens dos seus padres Inacio e Francisco Xa‑ vier», o que era razão de escândalo para algumas pessoas, por se tratar de figuras que não estavam canonizadas 424. O próprio Padre António de Vasconcelos, Reitor do Colégio da Companhia de Jesus de Évora, se viu obrigado então a escrever ao Cabido em sede vacante, em carta com data de 15 de Novembro de 1608, prometendo não continuar a pôr tais imagens no santuário da Sé já que eram razão de desconfiança e mal­­‑estar 425. Ora o que se constata é que tal presença de imagens, medalhas e estampas promocionais da santificação de Inácio de Loyola e Francisco Xavier era, de há muito, uma prática corrente a campanha de promoção e abriram reforçado caminho à candidatura do célebre missionário jesuítica. Daí a grande importância de que se reveste, tanto pela qualidade artística como pela profunda carga de simbolismo e, ainda, pela hábil instrumentalização da propaganda, a pintura do tecto da Sacristia do Colégio do Espírito Santo, onde o anúncio da candidatura à santificação de Inácio de Loyola pela primeira vez se definiu com base imagética pensada ao pormenor. O facto de se tratar de um espaço não propriamente público, mas de acesso restrito aos jesuítas e seus convidados, reforçava o recurso tomado a tal extraordinária encenação propagandística de que aí deram mostras. 8.3. O tecto da sacristia do Colégio do Espírito Santo No panorama de pintura mural portuguesa na viragem do século XVI para o XVII, período extremamente rico pela quantidade e qualidade de espécimes remanescentes, tema lugar de destaque a obra fresquista que decora a Sacristia Nova do Colégio do Espírito Santo, dos padres jesuítas de Évora, datada de 1599. 213

O facto mais extraordinário que se atesta neste conjunto formado por decoração de brutescos e emblemas e por «painéis» historiados com a iconografia de Inácio de Loyola, é que se trata de um programa pictural que antecede em vinte e três anos a canonização do fundador da Companhia de Jesus. Não se trata, todavia, de situação única: também a respeito de São Francisco Xavier existe o ciclo de vinte magníficas telas do pintor André Reinoso nos arcazes da sacristia da igreja de São Roque, em Lisboa, que data de 1619 e antecede portanto, em três anos, a canonização do Apóstolo das Índias 426. O que se passou foi que os jesuítas desde cedo conceberam uma formidável campanha no sentido de promover as suas figuras de referência, através de bem urdidas campanhas visando a sua canonização junto do Papado a curto ou médio prazo. Nesse quadro era imperioso criar­­‑se uma sólida narração de «factos maravilhosos», de «lendas» e de «milagres», pelo que a iconografia artística assumiu, nessa estratégia, um papel de máxima importância. No caso da Sacristia Nova, tratar­­‑se­­‑á do primeiro testemunho pictórico que assumiu tal campanha de promoção. Vimos já que próprio Arcebispo estimulava essa campanha, permitindo que pequenas estampas e medalhas de Inácio de Loyola e Francisco Xavier tivessem presença entre as relíquias mostradas na Sé – algo que também suscitava reservas e até protestos em alguns círculos da cidade… Os fundos arquivísticos dos jesuítas, geralmente ricos, nada nos dizem de concreto sobre esta grande empresa decorativa da Sacristia do Colégio de Évora. Apenas se regista, em Outubro de 1599, uma lacónica despesa dos padres eborenses que diz o seguinte: «Fez­­‑se a nova sachristia e estucou­­‑se a Portaria» 427. Também se sabe, pela documentação reunida por Fausto Sanches Martins 428, que foi uma dama da alta sociedade eborense, D. Maria Alarcão, a benfeitora dessas obras, com altas quantias entregues para tal fim ao Reitor, padre Pedro Novais 429. Não custa admitir, por outro lado, que tenha sido Peero Vaz Pereira, o arquitecto do Arcebispo, a traçar a nova Sacristia jesuítica, tal como fazia, quase de seguida, com a da Sé de Elvas, ainda que possa tratar­­ 214

‑se do cumprimento de um programa de há muito contemplado no «risco» de Diogo de Torralva e que só agora se ultimava 430. Os programadores da decoração afrescada conheciam a fundo os textos de Inácio de Loyola, caso do Relato de um Peregrino, de 1553, e a Vita Beati Patris Ignatii Loyolae Societatis Jesu Fundatoris, de 1572, ainda que sem disporem de uma base iconográfica que pudesse ser seguida (apenas e só na Vita de Thomas de Leu, de 1590, surgem pequenas estampas sugerindo actos milagrosos e esboçando uma primeira base iconográfica inaciana). É de referir, antes de prosseguirmos, que em recente tese com o estudo iconológico e simbólico da decoração, Celina Simas de Oliveira defende que só a decoração de brutesco corresponde à data de 1599, ano do acabamento das obras da Sacristia Nova, sendo as «cenas historiadas» posteriores à canonização ou, pelo menos, posteriores a 1609, data da edição das primeiras séries de gravuras com ‘milagres inacianos’ (por Theodore Galle, Cornelis Galle, Adriaen Collaert e Karel Van Mallery) 431. Cremos porém que essa tese não colhe em absoluto, não só por estarem a decorrer as estratégias promocionais atrás lembradas, mas também por razões técnicas e de análise das ‘giorna‑ tas’ da pintura, face à sua visível unidade de execução. O que se passou aqui, sim, foi um fenómeno igual ao que sucedeu com a eclosão da primeira iconografia de Francisco Xavier em São Roque, ou seja, foram as imagens criadas na fase de promoção tendente à santificação de ambos (ocorrida em 1622) que geraram modelos iconográficos que foram, de seguida, multiplicados através de estampas maneiristas flamengas como as citadas e que solidificaram as iconografias que passarão a dominar a respeito de São Francisco Xavier e de Santo Inácio de Loyola 432. Importará ver as referidas séries de gravuras, sim, como derivações formais do programa iconográfico pioneiramente representado em Évora. A data de 1599 no centro do tecto, aliás, reforça essa lógica interpretação, não sendo crível que se cronografasse no centro da abóbada pintada sendo a decoração pictural ulterior… O programa iconográfico desenvolvido nos frescos da Sacristia Nova do Colégio eborense insere­­‑se, pois, nesse siste215

Figs. 61-62

ma propagandístico que a Companhia de Jesus moveu à escala mundial, e em que o Colégio do Espírito Santo de Évora assumiu um papel transcendente nesse campo, dada a sua grande importância como casa do saber. Aliás, há que pensar no facto de que a Sacristia Nova era um espaço que não se abria a pessoas de fora sem licença do Superior, e só para ‘pessoas de calidade’ como se diz num regulamento inaciano 433, um facto que mostra o grau de secretismo com que este e outros programas congéneres eram imaginados, concebidos e executados, ou seja, como propaganda para dentro da Companhia. Tudo demonstra, aliás, uma ciência emblemática na utilização dos grotescos, dos emblemas, hieroglifos e das decorações brutescas que merece ser assinalada, seguindo aquilo que, como escrevia Andrea Alciato, era definido como «imagens falantes». Segundo Celina Oliveira, sente­­‑se nas decorações de grotesco da Sacristia Nova que envolvem os quadri riportati a influência das images spirituelles que os padres jesuítas tanto defendiam (como sucede nos textos seiscentistas de Daniello Bartoli e Théophile Raynaud), como bem destaca neste passo: «Estas imagens espiritu‑ ais devem ser observadas relativamente à ideia demonstrada por Loiola “ratio componendi loci”, a forma de meditação pela qual as imagens mentais são vistas e interiorizadas. Considerando uma imagem como uma mão, cada um dos dedos é o passo necessário para o “examen conscientitae”: o primeiro dedo corresponde à oração; o segundo, a oração dedicada a Deus Todo­­‑Poderoso; o terceiro, ao exame; o quarto o acto de contrição; e finalmente o quinto passo é a resolução. Estas imagens espirituais apelam para o chamado “oculi mentis” (olho da mente) isto é, segundo os teóricos uma imagem é usada de uma forma melhor, quando compreendida como um eikon. É necessário para que o crente interiorize a mensagem que lhe é transmitida, existir representações que apelem à imaginação» 434. As pinturas da Sacristia Nova são de um substracto criativo muito superior ao que era oferecido, no fim do século XVI, por muitas das oficinas eborenses, como a de José de Escovar e seus colaboradores (act. 1580­­‑1622), que como vimos eram sempre 216

«fáceis» nas receitas e sempre repetitivas nas soluções empregues (vejam­­‑se casos como a Ermida de Nossa Senhora do Guadalupe, o Santuário de São Brissos, ou a capela de São Lourenço da Sé, esta de 1597). Mas ainda não passara o tempo da concepção erudita das abóbadas afrescadas, tanto religiosas como civis, fossem as sancas do convento de Santa Clara, ou os tectos dos salões do Paço dos Condes de Basto (c. 1578­­‑1585), pintados por Francisco de Campos, Tomás Luís e Giraldo Fernandes de Prado. A forte impressão causada por esses conjuntos de frescos persistia na tipologia e na organização espacial das decorações que se realizavam, com maior ou menor grau de eficiência. O Mestre da Sacristia do Colégio do Espírito Santo atesta uma linguagem erudita, uma ciência cenográfica, um rico repositório de elementos ornamentais de grotesco e emblemas, com boa informação colhida do fresquismo erudito da geração precedente, e com pessoalismos de desenho nas cenas historiadas (os quadri riportati com passos da vida de Inácio de Loyola, estudados ao detalhe por um anónimo programador), o que atesta um último estádio de «crescimento» e evolução das fórmulas maneiristas na pintura a fresco alentejana. O conhecimento dos passos da vida inaciana não são de espantar numa casa de jesuítas em 1599, ainda por cima com a franca bibliografia já disponível; o que continua a gerar discussão é a existência de um primeiro programa em imagens, dez anos antes das gravuras que irão divulgar essas mesmas cenas milagrosas, que foi elaborado nos círculos eborenses da Companhia de Jesus e teve de contar com uma ampla base de conhecimento histórico­­‑simbólico e com uma não menos hábil base de controlo das teias pelas quais poderia incidir a campanha promocional que se pretendia inaugurar. Até à data, foram aventadas duas hipóteses de autoria para este excelente programa afrescado da Sacristia Nova, ambas carecidas de base documental definitiva e, também, de pista de comparação estilística segura. Infelizmente, no panorama da pintura maneirista eborense (e também na generalidade da pintura portuguesa do final do século XVI), não existem outras obras de fresco, ou de óleo, que possam ser cotejáveis com estas em 217

termos de estilo. Pelo menos, tal sucede no que reporta às cenas historiadas, já que no que toca aos ornatos de brutesco e stucco existem, sim, outros pólos de similitude, ainda que sem o requinte de execução destes. A primeira proposta defende que se trata de obra gerada no seio da própria Companhia de Jesus por algum padre­­‑pintor em regime de itinerância, como muitas vezes sucedia nas encomendas jesuíticas. Autores como Fausto Sanches Martins e José Alberto Machado 435 assumiram essa tese, acrescentando que foram dois os artistas a trabalhar, um deles muito qualificado, a quem coube a complexa decoração grotesca, e um segundo a quem couberam as cenas historiadas, algo mais displicentes em termos formais. Celina Oliveira sugere mesmo que esses dois irmãos­­‑pintores sejam as figuras ‘retratadas’ num dos tímpanos. Parece uma hipótese muito frágil, sabendo­­‑se como as crónicas da Companhia (caso da do Padre António Franco) são muito rigorosas na referência aos seus artistas, caso do irmão­­‑pintor Manuel Henriques (1598­­‑1644), também activo no Colégio do Espírito Santo de Évora, mas após 1635, como provámos noutro lugar 436. Um irmão­­‑pintor com esta categoria deveria ser, certamente, citado pelo Padre Franco, ou pelo Padre Manuel Fialho, nas suas cuidadas crónicas eborenses, no que reporta às descrições colegiais. A segunda proposta autoral, por nós defendida, aponta para o nome do pintor eborense Custódio da Costa, um artista documentado entre 1591 e 1632, que serviu clientes importantes: D. Teodósio II e a Casa de Bragança, D. Teotónio de Bragança e o Arcebispado de Évora, os frades da Cartuxa, o Cabido da Sé, os dominicanos, e as mais ricas irmandades eborenses. Era pintor prolixo, pois exercia as modalidades de fresco, têmpera, óleo, dourado e estofado, sendo estimado como especialista de fresco (pintou a Porta da Lagoa, em 1619, aquando da visita a Évora de Filipe II de Portugal e sua comitiva), mas infelizmente toda a sua obra documentada desapareceu, pelo que são só conjunturais as propostas de identificação que, sob prudente reserva, se avançam. 218

As alegorias que Custódio da Costa afrescou em 1619 no Arco da Porta da Alagoa incluíam figuras históricas como Sertório e Giraldo Sem Pavor e mártires como os santos Manços, Vicente, Sabina e Cristeta, as alegorias dos rios Tejo e Guadiana437, sendo de lastimar o seu desaparecimento. Sendo o tecto da Sacristia do Colégio (1599) uma obra que se destaca no panorama da pintura mural alentejana de viragem do século XVI para o XVII, pelo substracto criativo (bem superior aos que ofereciam oficinas como a de José de Escovar), a hipótese é credível, face à linguagem erudita, ciência cenográfica, repositório de elementos ornamentais de grotesco e pessoalismos de desenho que se observam na pintura inaciana. Obra requintada, com programação ao detalhe, dificilmente pode ser comparada com as decorações de grotesco no retábulo da sacristia da Cartuxa, que são da responsabilidade de Custódio da Costa, ou com decorações fresquistas naturalmente menos complexas, como as da igreja de Nossa Senhora da Graça do Divor ou o tecto da nave da Capela do Paço na Quinta da Azaruja em São Miguel de Machede 438, que apesar de tudo podem, de algum modo, ser reunidos no acervo de decorações tardo­­‑maneiristas inscritas na linguagem da Sacristia do Colégio jesuítico e onde se sente, ainda, a influência das decorações do Paço dos Condes de Basto. Sobre o artista, sabe­­‑se já alguma coisa. Nasceu por volta de 1565 439, já estava activo como pintor em Novembro de 1589 no Mosteiro da Cartuxa (estofando imagens e pintando grutescos), em Novembro de 1591 assina uma fiança sobre a posse de casas em Évora a favor dos monges cartuxos 440, em Setembro de 1593 ele e sua mulher Domingas Pereira adquirem ao ourives Bartolomeu Fernandes as casas no Terreiro da Mouraria onde instala a oficina 441, em 1586 associa­­‑se a Pero Vaz Pereira em obras da Cartuxa, volta a estar documentado em Junho de 1602 ao pintar em Vila Viçosa, para D. Teodósio II, o leito da sua câmara ducal 442, em 1604 testemunha numa anulação de casamento 443 e numa venda de casa na Travessa da Mesquita 444, em Fevereiro de 1608 testemunha numa procuração sobre bens da Misericórdia de Évora 445, em Maio de 1608 assiste ao baptizado em 219

São Mamede da sua filha Escolástica 446, em 1609 toma como aprendiz André Mendes Banha 447, em 1613 faz decorações na Sé por ocasião da visita da Raínha à cidade 448, em 1 de Agosto de 1617 testemunha num casamento 449, em 1619 afresca a Porta da Alagoa por ocasião da cerimónia de entrada de Filipe II 450, em Março de 1621 depõe no processo de habilitação para familiar do Santo Ofício do pintor André Mendes Banha (que não foi aceite por ter «parte de cristão novo») 451, em Setembro de 1626 pinta e doura a mando da Confraria de Nossa Senhora do Rosário do Mosteiro de São Domingos de Évora, junto a Bartolomeu Sanchez e António Vogado, as esculturas do grupo da Árvore de Jessé (lavradas pelo escultor Adrião Pires de Faria), em Julho de 1631 é testemunha no assento de testamento de António Gonçalves 452, e em 20 de Agosto de 1632, última referência conhecida, morre­­‑lhe o filho Agostinho Dinis 453. Se se vier a provar que os frescos e stucchi da igreja da Graça do Divor (uma empresa de D. Teotónio de Bragança) são de Custódio da Costa, notam­­‑se de facto similitudes de estilo, a nível de figura, e no desenho das cabeças de anjos, e na decoração geométrica, com os repertórios formais do Mestre da Sacristia Nova. Mas, neste e noutros casos de cotejo, tem de admitir­­‑se sempre que se trata mais de ‘influências de época’ que de obras de uma mesma «mão», já que as decorações da Sacristia do Colégio reflectem, como não podia deixar de ser, o gosto tardo­­ ‑maneirista que era o da tradição sedimentada na cidade: a decoração all’antico de Tomás Luís nas salas do Paço dos Condes de Basto, o gosto das decorações coevas do Paço de Vila Viçosa (aliás, o pintor do Duque, André Peres, documenta­­‑se de passagem por Évora em… 1600) e, certamente, também o gosto das perdidas decorações de Custódio da Costa e outros artistas locais, e tudo isso imperou nas fontes de inspiração repertorial e estilística aqui seguidas pelo artista escolhido pelos inacianos. Em suma: nada de sólido existe para assegurar veracidade a esta segunda hipótese que tem, todavia, argumentos que a podem reforçar, caso se confirme a presença de duas ‘mãos’, uma na parte de brutescos fantasistas, outra nos ‘quadri riportati’. A este 220

respeito, a possibilidade de aqui ter intervindo junto a Custódio da Costa um artista de fora, mas não da esfera da Companhia de Jesus, pode ter base de sustentação. Recentes pesquisas permitiram saber que em 1598­­‑1601 estava em Évora, em misteriosa itinerância e com origem ignota, o pintor franco­­‑flamengo (?) Isbrant de Renoy, citado nas fontes como Isbrando de Renoir, a quem os frades do mosteiro do Carmo de Évora encomendaram então um custoso retábulo (infelizmente desaparecido)454. Devia ser figura de consideração, a crer no modo como a comunidade fradesca albergou o ilustre pintor estrangeiro, mas a falta de obras remanescentes impede de se saber os seus verdadeiros méritos. O que fez então em Évora, porém, é algo ainda não apurado. A importância dos frescos da Sacristia Nova do colégio do Espírito santo não se restringe à parte artística propriamente dita. O programa inaciano que agora é alvo de tratamento e estudo multidisciplinar assume­­‑se de grande valia, também, pelo modo como a promoção de um futuro santo é aqui realizada, no quadro de uma campanha vaticinada a ter sucesso a curto prazo, como teve… É por isso que estas pinturas são um livro aberto sobre a glo‑ balização católica à luz do compendiário jesuítico. Aí se representam animais como o pavão, o pelicano, o peru, o cisne, o cão, a raposa e a lebre, insectos como a aranha, homens de culturas asiáticas, figuras de híbridos como centauros e sátiros, motivos fitomórficos, ‘ferroneries’ flamengas, cartelas de Antuérpia, bustos tricéfalos, pirâmides, imitações de pedra, anjos, um eclipse solar, e cuidados arranjos de folhagem entre outros motivos vegetalistas. Tudo é simbólico e atesta uma narrativa coerente, como sucede com as referências precisas aos povos a evangelizar pelos missionários da Companhia de Jesus, uma questão a que o Arcebispo, mais uma vez, se mostrava parte profundamente interessada: o mandarim, que referencia a China e o Japão, o hindu, que referencia a Índia, e o índio americano, que referencia a América meridional. Há um aspecto que parece evidente e merece ser destacado: a forte influência de modelos composicionais flamengos, no tipo de molduras dos «quadri riportati» com 221

passos da vida de Inácio, no tipo de ferroneries, e mesmo no desenho de certas figuras nas «cenas» inacianas, o que parece vir ao encontro da última hipótese autoral formulada. Independentemente dos mistérios que prevalecem, a vasta pintura da Sacristia Nova, executada em 1599, assume­­‑se como uma verdadeira pinacoteca imaginizada e como instrumento intermediário de oração exclusiva para os eleitos da Companhia, com os seus emblemas morais cuidadosa e estrategicamente seriados através do esforço de um erudito programador (acaso o próprio Superior do Colégio ?), e visando exaltar as virtudes e milagres do seu fundador.

222

Notas 397 Ramón González Navarro, Universidad y Economia: el Colegio Mayor de San Ildefonso de Alcalá de Henares, 1495­­‑1565, Universidad de Alcalá, 1998. 398 Rui Lobo, O Colégio­­‑Universidade do Espírito Santo de Évora, Évora, ed. CHAIA­­ ‑Centro de História da Arte e Investigação Artística, 2009. 399 Fausto Sanches Martins, A arquitectura dos primeiros Colégios jesuitas em Portugal, 1542­­‑1759, Doutoramento, Universidade do Porto, 1994, pp. 223­­‑224. 400 Túlio Espanca, «Notícia dos edifícios do Colégio e Universidade do Espírito Santo de Évora», A Cidade de Évora, nºs 41­­‑42, 1959, pp. 155­­‑185. 401 Sobre o «modo nostro» na sua aplicação perninsular e ultramarina, cf. os textos do Simposio Internacional sobre La Arquitectura Jesuitica, coord. de Jesús Criado Mainar, Maria Isabel Álvaro Zamora e Javier Ibáñez Fernández, Zaragoza, 2012, designadamente o texto de Paulo Varela Gomes e Rui Lobo, «Arquitectura de los jesuítas en Portugal y en las zonas de influencia portuguesa», pp. 473­­‑495. 402 Rui Lobo, op. cit., pp. 33­­‑36. 403 Padre António Franco, Imagem da Virtude em o Noviciado da Companhia de Jesus do Real Collegio do Espirito Santo de Evora, Lisboa, 1714, pp. 5­­‑6. 404 Padre Baltazar Telles, Chronica da Companhia de Jesu na Provincia de Portugal, Lisboa, ed. Paulo Craesbeeck, 2 vols., 1645­­‑1647, vol. I, 1645, p. 364. 405 Fausto Sanches Martins, op. cit., pp. 238­­‑239 e 855­­‑856. 406 Túlio Espanca, Inventário Artístico…, 1966, pp. 92­­‑93 e 236­­‑237. Do colégio de São Paulo ainda nos chegaram, numa das salas que serve hoje a Direcção Geral de Finanças, as pinturas de brutesco, datadas de 1689, que a decoram. 407 B.N.P., Reservados, D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo, cit., fl. B (DOC. Nº 46). 408 B.N.P., Reservados, D. Theotonio de Bragança Noticias do seu governo, cit., fls. 10 e vº (DOC. Nº 46). 409 B.N.P., D. Teotonio de Bragança – efemérides da sua vida, MS 29/47, 3, da autoria do Dr. Francisco Galvão. 410 Conhecem­­‑se os contratos de Maio de 1575 com os pedreiros Diogo Ferreira e António Fernandes, a que assistiu como testemunha o arquitecto padre Silvestre Jorge (A.D.E., Lº 120 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 102 vº­­‑104). A atribuição das traças do Colégio da Purificação a Silvestre Jorge decorre da investigação de Fausto Sanches Martins, op. cit., p. 238, e parece ganhar contra­­‑prova incontornável com estes contratos. 411 A.D.E., Lº 193 de Notas de Domingos Pires, fls. 110­­‑113 vº (contrato de 22 de Outubro desse ano com o mestre Jerónimo de Torres). 412 A.D.E., Lº 204 de Notas de Domingos Pires, fls. 95­­‑96. 413 Fausto Sanches Martins, op. cit., p. 344. 414 Joaquim Chorão Lavajo, «As Humanidades em Évora», in Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Descobrimentos em Évora (1516­­‑1624)

223

(comiss. por Fernando António Baptista Pereira), Évora, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp. 43­­‑75. 415 Cf. Federico Palomo Del Barrio, Poder e Disciplinamento en la Diocésis de Evora: el episcopado de D. Teotonio de Bragança, Madrid, Universidad Complutense, 1994. 416 Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, vol. III, Lisboa, Editorial Verbo, 1978, pp. 363­­‑365. 417 Fausto Sanches Martins, op. cit., vol. III, pp.65­­‑67. Sobre os saberes e a livraria, cf. também Maria de Fátima Nunes e Augusto da Silva,S.J. (org.), Da Europa para Évo‑ ra e de Évora para o Mundo. A Universidade jesuítica de Évora (1559­­‑1759), Évora, 2009. 418 Joaquim Chorão Lavajo, op. cit., p. 61. 419 Pe Baltazar Telles, Chronica da Companhia de Jesu na Provincia de Portugal, cit., vol. II, 1647, p. 366. 420 Manuel Joaquim Branco, op. cit., pp. 240­­‑241. 421 Jorge Henrique Pais da Silva, Estudos sobre o Maneirismo (colectânea póstuma, org. Fernando António Baptista Pereira), ed. Presença, 1983, p. 163. 422 Luís de Moura Sobral «Espiritualidade e propaganda nos programas iconográficos dos jesuítas portugueses», Actas do Cong. Internacional A Companhia de Jesus na Península Ibérica nos séculos XVI­­‑XVIII. Espiritualidade e Cultura, vol. II, 2004. 423 Vítor Serrão, A Pintura Proto­­‑Barroca em Portugal, 1612­­‑1657. O triunfo do Naturalismo e do Tenebrismo (2 volumes, polic.), Universidade de Coimbra, 1992, vol. II, pp. 75­­‑81. 424 Chantre Alcântara Guerreiro, «Notícias da Igreja Eborense inseridas no tríptico cronológico dos Papas, Reis e Prelados (1166­­‑1910)», A Cidade de Évora, nº 55, 1972, pp. 13­­‑99, refª pp. 67­­‑68. 425 Idem, ibidem. 426 Vitor Serrão, A Lenda de São Francisco Xavier pelo pintor André Reinoso, Lisboa, Quetzal e Santa Casa da Misericórdia, 1993. 427 Citado por Celina Simas de Oliveira, op. cit. 428 Fausto Sanches Martins, op. cit., pp. 223­­‑224. 429 Idem, ibidem. 430 Fausto Sanches Martins, op. cit., pp. 238­­‑239 e 855­­‑856. 431 Celina de Oliveira, op. cit.. 432 Vitor Serrão, «A série seiscentista da ‘Vida de São Francisco Xavier’ do antigo Colégio do Espírito Santo de Évora: a iconografia xavieriana à luz de uma singular narração policénica», Oriente, nº 13, Dezembro de 2005, pp. 110­­‑130. 433 B.N.P., Reservados, Cód. 4458, dado a conhecer por Celina Oliveira, op. cit. 434 Celina Simas de Oliveira, op. cit. 435 José Alberto Gomes Machado, “As pinturas a fresco da Sacristia Nova da igreja do Espírito Santo de Évora (1599)”, Homenagem ao Prof. Augusto da Silva, Dep. de Sociologia da Universidade de Évora, 2000, pp. 347­­‑359.

224

436 Vitor Serrão, art. cit. in Oriente, 2005. 437 A.D.É., Lº 4º do Registo da Câmara, fls. 220 e segs. 438 Aníbal da Gama Caeiro, O Paço da Quinta e a sua Capela. Um estudo, após as obras de recuperação do templo, Évora, 1996. 439 Segundo se depreende da declaração que fez ao Tribunal do Santo Ofício de Évora, em 1621, em que atesta ter «cinquenta anos pouco mais ou menos». 440 A.D.E., Lº 274 de Notas de Baltazar de Andrade, tabelião de Évora, fls. 104 e vº. Inédito. 441 A.D.E, Lº 308 de Notas de Pedro Borges, fls. 36 vº a 38. Inédito. 442 A.D.E., Lº 9 de Notas de André Luís de Cerveira, tabelião de Vila Viçosa, fls. 176 a 178. 443 A.D.E., Lº 372 de Notas de Manuel Galvão, fls. 169 e vº. 444 A.D.E., Lº 377 de Notas de Manuel Galvão, fls. 67 a 69 vº. 445 A.D.E., Lº 354 de Notas de Luís Gonçalves Pegas, fls. 86 vº a 88 vº. Inédito. 446 A.D.E., Lº 4 de Baptismos de S. Mamede, 1607­­‑1648, fl. 15. 447 A.N.T.T., Habilitações do Santo Ofício, ‘André’, Maço 1, Diligência 24. Inédito. 448 B.P.E., M­­‑597­­‑34 (fragmento de Livro de Obras da Sé), fl. 9 vº. Recebeu 15.980 rs uma primeira vez, 2.100 rs uma segunda e 3.200 rs da derradeira, conforme ao rol que discrimina as obras realizadas. 449 A.D.E., Lº 65 de Casamentos da Sé, Cx. 30, fl. 149. Informação inédita de Francisco Bilou. 450 A.D.E., Livro de emprestimo do dinheiro que se gastou na entrada de Sua Magestade nesta cidade anno de 1619 (Câmara, Lº 7655, cx. 1), fl. 24. 451 A.N.T.T., Habilitações do Santo Ofício, ‘André’, Maço 1, Diligência 24. 452 A.D.E., Lº 564 de Notas de Francisco Gonçalves Pegas, fls. 13 vº a 14. 453 A.D.E., Lº de Defuntos da Misericordia, 1630­­‑1639, refª em Túlio Espanca, «Notas sobre oficinas de pintores em Évora nos séculos XVI e XVII», A Cidade de Évora, 1947, p. 184 e Doc. XXIV. 454 Colecção Pedro d’Azevedo, Maço de Contratos de Obras respeitantes à Capela­­‑Mor do Mosteiro do Carmo de Évora (1568­­‑1623). DOC. Nº 34.

225

9. D. Teotónio e o conceito t r i d e n t i n o d e r e s tau r o storico

9 . 1 . U m a pa s to r a l at e n ta ao pa s s a d o histórico Foi fundamental para a formação intelectual e teológica de D. Teotónio de Bragança o papel doutrinário renovador do Concílio de Trento, muito em especial a faceta de valorização do património histórico e arqueológico paleo­­‑cristão, o que conduziu os responsáveis da Igreja Católica a desenvolver, dentro da sua reorganização global pós­­‑conciliar, uma prática de conservação e valorização dos lugares de culto do cristianismo primevo 455. Já antes analisámos, a propósito da revalorização dos lugares de martyrium do Alentejo, estas opções seguidas pelo Arcebispo, olhos postos nos textos da Roma tridentina. Essas bases doutrinárias estão consubstanciadas, como vimos atrás, nas obras de autores como os Cardeais Cesare Baronio, Carlo Borromeo, Roberto Belarmino e Gabriele Paleotti, sem esquecer também o papel do português D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Arcebispo de Braga com passagem em Trento, obras essas com presença certa nas bibliotecas eborenses, como era a do próprio Arcebispo, ou a dos nobres Castro, Condes de Basto e governadores militares da cidade ou, ainda, a da Universidade jesuítica, que era riquíssima. Encontram­­‑se, assim, referências à obra de Baronio, e à sua opinião autorizada, quando 227

se tratou, por exemplo, de repropor memória, dando veracidade a determinados historiais lendários envolvendo os alegados mártires alentejanos. A arquitectura sacra foi repensada no âmbito do Concílio de Trento seguindo o princípio da Restauratio est Rinnovata Creatio, que D. Teotónio acolheria, ao defender a subordinação do espaço sacro a uma liturgia empenhada em seduzir e esclarecer (ani‑ mos impellere), tomando como acento o valor histórico­­‑arqueológico e devocional, motor da intervenção sobre as preexistências, transformadas por necessidades de adaptação ao crescimento das comunidades (instaurare). Estes princípios eram discutidos em Roma em academias como a della Notti Vaticanae, instituída pelos Cardeais Carlos Borromeo e Marcello Sirleto, e em cuja agenda, tanto quanto se sabe pelos relatos entre 1561 e 1565, se inseria justamente o debate sobre as questões da arqueologia e do restauro, entendendidas como essência da reforma católica que com Trento se empreendera ­­– ainda que no Concílio muito se discutisse o cristianismo primitivo e o reconhecimento dos seus valores, mas pouco se tivesse falado sobre o modus operandi face à arquitectura e ao património 456. Queremos crer que também em Évora existiam, no final do século XVI, tertúlias culturais do mesmo tipo, não se esquecendo que já antes dele André de Resende e o Infante D. Luís haviam levado a cabo pesquisas arqueológicas 457, e sabendo­­‑se o que diz o biógrafo de D. Teotónio sobre o hábito que tinha de trocar ideias com os seus colaboradores próximos no decurso de devassas e visitações. O conceito de restauro storico definido pelo oratoriano cardeal Cesare Baronio, um «peritissimus antiquitatis» segundo a consideração geral 458, assentou nessa justa revalorização do papel do historiador como investigator veritatis capaz de adaptar os espaços sagrados às novas funcionalidades do tempo, sem lhe retirar autenticidade, e capaz de fixar uma hagiologia consistente dos mártires da Igreja 459. Por isso, o papel das artes de decoração como fonte afectiva, documental e pedagógica, adquire com Baronio uma dimensão apologética, que integra no mesmo tecido de preocupações a História, a Arqueologia e a Filologia justamen228

te para definir e destacar, o Ad Perpetuam Rei Memoriam vs. Ad Majorem Gloria Dei, o verdadeiro programa de valorização patrimonial da Igreja que se deveria e era possível empreender 460. A arte, como confirmação da presença divina no mundo, está ao serviço da História, afirma Baronio nos Annales, pelo que tem forçosamente um duplo significado: como documento histórico e como emblema da Igreja militante 461. É com o papado de Clemente VIII (1592­­‑1605) que o restauro storico se assume prática aceite, sendo esse o tempo das grandes comemorações jubilares da Igreja Católica e uma fase de apogeu da Roma Felix. Ora Portugal não esteve dissociado dessas problemáticas, e tal ideário encontrou nas políticas (re) construtivas do Arcebispo de Évora nas igrejas da sua arquidiocese, tal como se atestou ao longo dos capítulos precedentes, um eficaz intérprete. A recuperação do locus sacrum através de um tipo de «restauro devoto», apto a devolver função litúrgica do espaço que os tempos desmemorizaram e arruinaram, enriquecido entretanto por actualizações estéticas mas com atenção às questões conservativas, é assunto que está em debate na Évora deste momento, dentro da tradição humanística, de André de Resende a Severim de Faria. Nada do apregoado obscurantismo que se seguiria a um período de brilho, o do humanismo de meados do século XVI, como tantos autores têm desatentamente apregoado… Surge assim, com ressonância das teses de Cesare Baronio, uma defesa consequente do facto histórico através da compilação da História da Igreja, com análise rigorosa das fontes documentais, filologicamente organizadas, e com o estudo arqueológico, sempre que possível, das preexistências arquitectónicas (paleocristãs, românicas ou mesmo góticas no caso do cardeal romano) ­­– o que permitiu seguir um método de revalorização do património católico com eco na Arquidiocese de D. Teotónio. Como já se afirmou, nestes anos de consolidação da Reforma Católica em Portugal, «as fontes históricas passam a ser objecto de dupla investigação, filológica e patrimonial, abrindo campo dos arquitectos, escultores, pintores, douradores, imaginários, entalhadores, estucadores, azulejadores, ourives e outros 229

artistas para o cumprimento de uma espécie de arte senza tempo pontuando o triunfo de Roma e a autoridade absoluta da Igreja Católica» 462. 9.2. O conceito baroniano de «restaur o storico» Com as obras de Cesare Baronio, definiram­­‑se dentro e fora de Itália os princípios que deviam regular o restauro storico dos velhos lugares de culto paleo­­‑cristão e, bem assim, as normas para se fundamentar no terreno uma nova arquitectura tridentina senza tempo. O acento na construção antiga e nas suas formas e modelos civilistas esteve, assim, na base da inspiração dos arquitectos italianos do fim do século XVI, caso de Domenico Fontana e de muitos outros. O restauro da igreja de São Nereo e Acchileo, em Roma, obra que o Cardeal orientou muito de perto como se viu em capítulo precedente, foi uma intervenção modelar no que toca ao respeito pela preexistência, tal como prescreviam os princípios tridentinos, depois de o templo ser devidamente estudado e analisado, e constituíu uma das muitas referências basilares para a construção desses anos, pensada como uma espécie de fim de História em harmonia com o triunfo do Catolicismo. Atento às contribuições do Oratório de São Filipe Neri para este debate, Baronio explorou também aspectos de conservação e restauro, já referidos atrás, e que não podemos deixar de considerar ‘modernos’ 463. O prestígio do Cardeal era imenso; um humanista português que o conheceu no Oratório de Roma, Aquiles Estaço (1524­­‑1581) elogia­­‑lhe a erudição nos estudos dos «insignes monumentos da antiguidade» num texto em que se mostra impressionado pelo saber erudito de Baronio 464. O cardeal acumulou cargos, no seio do Oratório e como Prefeito da Biblioteca Vaticana, que lhe asseguraram não só o domínio dos saberes sobre o património artístico paleo­­‑cristão, como a possibilidade prática de nele bintervir, e a metodologia adequada 230

para o fazer. Reuniu um consenso tal que, nos últimos anos de vida, o seu prestígio era imenso, de tal forma que será mesmo, em 1605, um dos candidatos a papa na sucessão de Clemente VIII, não tendo tido, porém, o apoio da poderosa Espanha nessa pretensão que levaria ao trono papal (embora por poucas semanas apenas) mais um Médici, Leão XI. Para os conceitos baronianos, segundo defendeu Gabriela Casella 465, as igrejas paleocristãs e medievais deviam ser vistas a essa luz e como opus antiquitatis, ou monumentos, pelo que era imperioso restaurar as suas estruturas, e as suas decorações de tipo neo­­‑constantiniano, em respeito à estratificação do tempo. No caso do Oratório de São Manços da Coluna em Évora, por exemplo, o projecto teotonino revestiu­­‑se dessa perspectiva histórica a fim de legitimar um culto recorrendo à secular coluna, devidamente refuncionalizada, e ao papel da pintura neo­­‑antiga (nesse caso um Calvário pintado na cruz que en cima a coluna), à boa maneira dos mosaicos carolíngeos que em SS. Nereo e Achileo, e outras igrejas paleocristãs restauradas por Baronio, foram alvo de estudo, consolidação e reinterpretação. Existe, assim, uma dimensão de encomenda heróica, como acto providencial de agentes tutelares, com intervenção apta a preservar a memória dos sítios hierofânicos e que assenta em avaliações qualitativas das existências e das intervenções recomendadas. É por isso que a cumplicidade territorial e a memória histórica da Igreja se fundem, como o Cardeal afirmava explicitamente nos Annales, numa força identitária cristã que é comum à vastidão dos territórios abrangidos e que vem consolidar a sua própria auctoritas. O Papa Gregório XIII, que Cesare Baronio tanto elogiou pela sua politica de restauro e pela moderação face às preexistências, através de uma avisada política de salvaguarda, enviou em 1572 o Breve Cum sicut ao Arcebispo e Vigários de Braga, onde ordenava que os eclesiásticos custeassem a restauratio das antigas igrejas e dos seus acervos antigos para maior proveito da aucto‑ ritas romana. Com o proselitista Sisto V, e sobretudo com Clemente VIII, essa influência não deixou de se reforçar, com ressonâncias fora de Itália, e seria colhida na esfera de inspirações 231

Fig. 15

de D. Teotónio de Bragança, ora através da leitura dos tratados do arquitecto papal Domenico Fontana, ora usando o simbolismo da forma piramidal para inovar a função utilitária de certos objectos de culto (caso dos relicários de prata), ora ainda multiplicando as pesquisas arqueológicas em sítios de alegado culto paleo­­‑cristão (como sucedeu em Sines com as relíquias de São Torpes, que o próprio papa Sisto V encarregou o Arcebispo de Évora de procurar e revalorizar)... Os valores baronianos surgem aplicados à realidade portuguesa, também, no manuscrito De Antiga et Veneranda Species Aedifi‑ catione Religiosa in Regni Portucalensis Pro Maxima Causa Christiana descoberto por Gabriela Casella na Biblioteca Vallicelliana de Roma, onde a identidade lusitana se reforça de carácter providen‑ cial através das crónicas que aludem a milagres, relíquias e santos locais – ou seja, uma hagiologia autóctone que assenta numa encomenda heróica que integra discursos documentais e memoriais. Esse manuscrito, firmado com o monograma M.L., prova a força de um método baroniano­­‑tridentino aplicado às várias regiões, onde a intenção apologética reforça o peso da antiguidade cristã e a identidade de uma comitência nacional. Embora não referindo especificamente o caso do Arcebispado de Évora, o que se lamenta, o pequeno mas elucidativo manuscrito baroniano reporta­­‑se, sim, aos territórios da Arquidiocese de Braga, destacando o papel histórico assumido por Portugal na intenção subliminar que Baronio lhe desejava atribuír: o seu contributo para a Reconquista da Península e para a cristianização do território, traduzida na aedificatione ecclesiae et fondatione monasterii per mano genus portucalensis 466. 9 . 3 . D e n o v o o a r q u i t e c t o P e r o Va z Pereira Figura chave nas políticas de renovação construtiva de D. Teotónio de Bragança foi o seu arquitecto e escultor Pero Vaz Pereira (c. 1570­­‑1644) 467. Nascido em Portalegre, por volta de 232

1570, era quase de certeza filho do entalhador e marceneiro local Diogo Vaz Pereira, um artista envolvido nas obras da Sé e presumivelmente associado às empreitadas do grande escultor Gaspar Coelho, o que leva a presumir que o jovem Pedro se tivesse formado inicialmente nessas artes no atelier paterno e nos círculos em que se produziam os retábulos das várias capelas catedralíceas. Em 1591, de facto, encontramo­­‑lo com a designação de «Pero Vaz Pereira, marceneiro» a testemunhar o casamento de Francisco Fernandes com Isabel Fernandes (sua irmã ?), acto celebrado na igreja de São Lourenço de Portalegre 468. Já em 1593 se encontrava ao serviço do Arcebispo D. Teotónio de Bragança, morando em Évora e trabalhando nas obras do Mosteiro da Cartuxa, na órbita do arquitecto Nicolau de Frias. Como se disse, estadeara pouco antes em Roma, enviado pelo Arcebispo, vivendo na Cidade Papal em tempo de Clemente VIII, e aí aprendeu as artes da escultura e da arquitectura e, certamente também, os conceitos de restauro sto‑ rico do Cardeal Baronio, utilizados na recuperação dos velhos templos paleocristãos 469. De volta ao Reino, aparece referido como escultor do Arcebispo, como vimos atrás, numa obrigação de Fevereiro de 1595 relativa à construção de uma capela nos terrenos sitos no termo da vila de Portel onde estivera previsto erguer o Mosteiro da Scala Coeli, de que se encarregou o pedreiro Vicente Ferreira a mando do dom prior da Cartuxa D. Beltrão Morellio 470. Noutro contrato celebrado a 29 de Dezembro de 1595 nas casas de D. Teotónio, com o advogado Dr. Nicolau Gramaxo e o prior da Cartuxa, relativo às doações para obras em curso nesse Mosteiro, foram testemunhas Pero Vaz Pereira, escultor do Arcebispo, e o pintor­­ ‑dourador Custódio da Costa, envolvidos nessas obras 471. Em 20 de Dezembro desse ano, os mesmos Pero Vaz Pereira, escultor, e Custódio da Costa, pintor, testemunham da parte do Arcebispo num contrato em latim sobre bens da casa e obras que decorriam no mosteiro da Cartuxa, em fase terminal de construção: assinam aí, e são indicados entre as testemunhas como «Pietro Valasco Pereira et Custode da costa» 472. 233

Fig. 10

Verifica­­‑se que estava muito envolvido nesses anos na construção da Scala Coeli, podendo admitir­­‑se que Vaz Pereira se tivesse responsabilizado por obras de imaginária sacra (no altar da Sacristia), e pela traça do claustrim (1602), de sólido desenho maneirista, que então se ergueu, bem como pela belíssima fonte do claustro maior, que é já dos anos 20 do século XVII. Em 1599, de novo o vemos ocupado com as traças da capela­­ ‑mor e da Sacristia Nova da Sé de Elvas, dentro de um gosto francamente despojado e «reformado», tendo aí a colaboração do mestre de pedraria Manuel Ribeiro, outro artista da Casa de Bragança 473. Em Elvas, desenhará também o portal da Sé, substituindo a primitiva portada manuelina, e atribui­­‑se­­‑lhe o ‘risco’ para a Fonte da Vila, em forma de tempietto clássico. Com a morte do prelado eborense seu protector, passa ao serviço da Casa de Bragança e em 1604 é contratado por D. Teodósio II como seu arquitecto e escultor, sendo com esse estatuto que, nesse ano, faz riscos para obras vultosas que decorriam no mosteiro dos agostinhos de Nossa Senhora da Graça, em Évora 474. Também é referido como arquitecto do Duque em 1611, no registo de baptismo de um filho do mestre pedreiro Manuel Rodrigues, o ano preciso em que executa o lavabo de mármore para a Sala de Medusa do Paço de Vila Viçosa 475. O lavabo da Sala de Medusa, peça que subsiste, é de excelente prova das suas capacidades plásticas, ajudando a definir melhor as suas opções estéticas, dentro de um gosto contra­­‑maneirista despojado e civilista que era a base da sua formação romana. Não sabemos se entretanto fez nova viagem a Roma, mas a verdade é que em 1616 se regista o facto de Pero Vaz Pereira ter trazido da cidade papal certas relíquias com destino ao altar de São Crispim e São Crispiniano da Sé de Portalegre 476, o que referencia um papel responsável nestas políticas tridentinas de reforço da memória paleo­­‑cristã. É o cónego Diogo Pereira Sotto Maior, cronista dessa catedral e, também, amador de antigualhas e investigador de pretensos lugares hierofânicos na sua diocese, quem refere nesse ano de 1616 o o seguinte: ao descrever a igreja da Sé, cita a «capela dos Santos martires Crispim 234

e Crispiniano onde estão suas reliquias muito veneradas, em hum sacrá‑ rio dourado, as quais trouxe da cidade de Roma Pero Vaz Pereira, natu‑ ral desta cidade, escultor e grande oficial nesta arte». A referência é valiosa, pois alude a uma viagem recente a Roma (que não devia ser a de c. 1592­­‑1594), além de mostrar o apreço que Vaz Pereira via reconhecido na sua cidade natal e, mais ainda, o facto de, para o cronista, ser a actividade de escultor que prevalecia como nota encomiástica. O que leva a supor que possa ser da sua lavra o «risco» do referido retábulo da Capela de São Crispim e São Crispiniano e também do da Capela de São Mauro, altares que se afastam tipologicamente da morfologia retabular dos outros retábulos da Sé do tempo de D. Frei Amador Arrais (o da capela­­‑mor, o de Nossa Senhora da Luz, o de Nossa Senhora do Carmo e o de Nossa Senhora do Rosário, todos eles obras do famoso escultor­­‑ensamblador Gaspar Coelho e da sua oficina 477). As grandes imagens dos santos mártires sapateiros poderão ser, também, do lavor de Pero Vaz Pereira, se levarmos em linha de conta o elogio do Cónego Diogo Pereira Sottomaior aos dotes do conterrâneo nessa modalidade artística. Este é um aspecto ainda mal esclarecido da obra deste artista: a sua actividade como escultor. Mas será possível imaginar­­‑se que tanto as imagens de São Crispim e São Crispiniano da Sé de Portalegre, como o São Bruno numa dependência da Cartuxa, ou as três imagens do retábulo de São Vicente de Évora, possam ser da sua lavra ou, pelo menos, do seu risco. A presença de Pero Vaz Pereira na sua cidade natal prolonga­­ ‑se alguns meses, pois em Fevereiro de 1616 apadrinha na igreja de São Tiago o baptismo de Isabel, filha de Manuel Fernandes e Maria Pereira 478, podendo essa estada relacionar­­‑se com a factura do retábulo de São Crispim e São Crispiniano, que à data se ultimava pela confraria dos sapateiros de Portalegre 479. Mas cedo retornou a Vila Viçosa, onde morava, e ao serviço de D. Teodósio II: em 1618, data em que desenha a Fonte Grande da vila ducal, peça de fino desenho e ainda existente, apadrinhou, juntamente com Catarina Frazoa, um filho do mestre pedreiro Francisco Lopes 480. Em 1620 encontra­­‑se de novo em Évora, 235

quando lhe morre um moço criado. Nesse ano, passa por Castelo de Vide e traça um palacete de «fromtaria de camtaria cham he bem llavrada», ainda existente e que atesta, dentro de uma maior severidade, certos postulados que se inspiram na fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa. E em 1632, instalado em em Vila Viçosa, e já na qualidade de arquitecto do novo Duque D. João II, apadrinha, juntamente com Ana Nunes Machada, um filho de André Machado e Grácia Correia 481. Estes documentos, e outros que se atestam nos anos de Arcebispado de D. Teotónio, e nos de seu sucessor D. Alexandre, mostram o papel decisivo de Pero Vaz Pereira como intérprete das ideias teotoninas. É por isso que muitos dos projectos de reconstrução/ampliação e decoração de igrejas ligadas a velhos cultos eborenses que ao longo deste estudo se foram referindo lhe devem ser assacados. Atesta­­‑se a sua intervenção, por força estilística e documental, em São Tiago, na cidade, nas freguesias rurais de Santa Maria de Machede, Nossa Senhora da Graça do Divor e São Manços, em certas obras no mosteiro da Cartuxa e na igreja do mosteiro da Graça, etc, mas é natural que lhe devam ser tributados outros desenhos de projecto a mando e com supervisão do seu Arcebispo, como em São Pedro da Gafanhoeira e em São Gregório (Arraiolos) ou em São Vicente do Pigeiro (Évora), por exemplo. Há pesquisas que prosseguem e estudos de terreno a cumprir. O facto de Pero Vaz Pereira ter sido incumbido de trazer de Roma, como se disse, determinadas relíquias para uma capela catedralícea atesta a importância e a responsabilidade assumida por Pero Vaz Pereira nas políticas de valorização dos cultos matriciais e dos sítios hierofânicos da Arquidiocese de Évora. Tal nos autoriza a adivinhá­­‑lo quase de certeza presente nas campanhas arqueológicas levadas a cabo por D. Teotónio em Portel, quiçá na Tourega e, com toda a certeza, na aldeia de São Manços e em Sines. Para a Casa de Bragança, trabalhará depois, de modo sistemático, no término do Paço Ducal (dando fim à campanha iniciada em 1584 por Nicolau de Frias, que alterava e ampliava a primitiva fachada da autoria do francês 236

Francisco de Loreto), e em muitas obras públicas, civis e religiosas (Serra d’Ossa, Alter, Vila Viçosa, Castelo de Vide) que se encontram bem documentadas. Mais sabemos que, entre outra produção teórico­­‑prática, dedicou a D. Teodósio II um Tratado de Rádio Latino, inspirado (senão decalcado) no de Latino Orsini (Roma, 1583). Esse tratado pode ser o manuscrito localizado por Luís de Albuquerque na Biblioteca da Universidade de Coimbra e estudado por Henrique Leitão. O interesse de Vaz Pereira no campo da cosmografia e nos estudos de Orsini remete de novo para a sua passagem por Roma, onde deve ter tido contacto com a obra. Como se sabe, o rádio lati‑ no tem cinco braços articulados com escalas organizadas com diferentes aplicações, sobretudo no campo da artilharia, temas que não podiam deixar de interessar o Duque de Bragança e devem ter dado prestígio ao seu autor, no regresso da Cidade Papal, munido de saberes que na corte de Vila Viçosa não eram certamente conhecidos 482. Existem legítimas dúvidas sobre qual era o estado civil de Pero Vaz Pereira, de quem se não registam casamentos, ou filhos, ou herdeiros. Pode dar­­‑se o caso de ter seguido a via religiosa, tomando ordens menores, caso não invulgar no seu tempo, o que explicaria as condições que lhe patrocinaram uma ou mais viagens a Roma, de onde estava mesmo habilitado a trazer relíquias de santos... Tratando­­‑se de um filho de marceneiro de Portalegre, como se explicaria a sua fulgurante carreira, que lhe abre acesso à poderosa casa de Bragança, primeiro ao serviço de D. Teotónio e, depois, do Duque D. Teodósio II ? O estatuto de religioso de ordens menores poderia justificá­­‑lo 483: mesmo que Pero Vaz Pereira tivesse grangeado sucesso nas obras da Sé de Portalegre (e o elogio de Diogo Pereira Sottomaior indicia­­ ‑o, ao chamar­­‑lhe escultor insigne), o ascenso social e a acrescida notabilização do artista, só seriam explicáveis se tivesse tido protecção de um Bispo (como Frei Amador Arrais), abrindo­­ ‑lhe portas ao ensino religioso, acaso como estudante em Évora, onde as portas que o levam ao serviço do Arcebispo assim se abririam... Mas trata­­‑se de uma questão por esclarecer. 237

Fig. 32 Figs. 34-36

Voltando ao campo das artes plásticas, é de notar que a designação de «escultor» com que aparece citado em alguma documentação arquiepiscopal eborense revela que Pero Vaz Pereira tinha, além da prática da Arquitectura e dos conhecimentos de Matemática e Geometria que se lhe reconhecem, uma actividade regular de decorador, e é a essa luz que têm de ser vistas algumas das obras identificadas. O termo não atesta apenas a prática de imaginário e escultor, sabendo­­‑se que ele assumiu uma e outra: fez imagens para a Cartuxa e acaso para a Sé de Portalegre, e lavrou mármore em fogões de sala (Vila Viçosa, Serra d’Ossa) e em fontenários. Do que se trata quando Pero Vaz Pereira aparece mencionado como «escultor do Arcebispo» é, também, da sua faceta de supervisor de obras de decoração integral de espaços sacros entendidas como verdadeiras naves­­‑auditório e decoradas com stucchi e frescos maneiristas, segundo as mesmas prescrições da Roma Felix do último terço do século XVI, que ele conheceu de perto! Na realidade, ele agiu, na órbita do Arcebispado de Évora, como supervisor de decorações de arte total. Por exemplo, na campanha que dirigiu para a reconstrução e revalorização da igreja de Santa Maria de Machede, uma das mais antigas freguesias da Arquidiocese 484, sabemos que o artista não só traçou a obra da nova igreja, construída dentro das tipologias funcionais e civilistas atrás descritas, como concebeu toda a decoração de frescos, estuques e azulejos que revestem o espaço interior, e que incluem um erudito programa pictórico com Sibilas e Profetas, onde se equipara mais uma vez a sabedoria antiga aos valores cristãos à luz das directrizes tridentinas. O mesmo se passara com as gordas cartelas de stucchi (quase de certeza desenhados por ele) que envolvem os quadri riportati da Capela de São Lourenço na Sé, em 1597. E no caso da decoração de fresco, de estuque, de talha, de escultura e de azulejo da igreja de Nossa Senhora da Graça do Divor, mais do que nos outros citados, esse gosto pela harmonia da totalidade assume­­‑se exponencial. Não admira que, por alguns decénios mais, essa espécie de ars senza tempo 485 adoçada pela união das várias modalidades artísticas 238

fizesse escola, dos mercados mais ricos aos de menores recursos. Trata­­‑se de um gosto que se abre aos fingimentos, seja a imitação de azulejo enxaquetado (em São Brissos), seja a obra de massa simulando matéria nobre (Santa Maria de Machede), seja o stucco dourado no lugar de entalhe (Graça do Divor). Os azulejos da igreja da Graça do Divor são de padronagem polícroma, salvo os do arco­­‑mestre, que são de brutesco, e incluem pequenas figuras de sereias, junto a emblemas marianos, que constituem exemplares únicos do género 486. Embora o grande especialista Santos Simões os tenha datado de cerca de 1630, o facto de serem aproximáveis, em termos de estilo, dos de São Francisco de Estremoz (que datam de 1623), permitem admitir que este revestimento azulejar seja algo mais antigo, dentro da mesma campanha dos stucchi, esgrafitos e frescos. Tratou­­‑se, assim, de uma opção ornamental de tipo novo que ocupou este arquitecto como funcionário ao serviço de um diligente prelado. Essa espécie de reinterpretação alentejana dos princí‑ pios sistinos destaca­­‑se como alto cume na história da comunhão dos géneros artísticos, o que torna as artes decorativas do tempo de D. Teotónio de Bragança um capítulo tão original, que se impõe estudar em absoluto.

239

Notas 455 Gisella Cantino, Claudio Strinati, Luigi Spezzabero e Giorgio Fulco, Roma Nell’anno 1600, in Richerche di Storia Dell’Arte, nº 10, 1980. 456 Gabriella Casella, op. cit., vol. I, pp. 70­­‑78. 457 Ainda não se levou a cabo um levantamento das referências históricas a campanhas de tipo arqueológico realizadas edm Portugal durante a Idade Moderna. Por exemplo, é pouco conhecida a campanha que o Infante D. Luís (através do arquitecto Francisco de Holanda) realiza em Janas, junto à Ermida de São Mamede, para localizar um suposto templo anterior. Também é pouco referida (embora seja de sentido diferente por não visar comprovar a santidade de determinado lugar e, sim, pelo contrário, atestar a falsidade de certa lenda) a campanha que o mesmo D. Luís mandou fazer no lugar de Areias (Tomar) junto à torre de D. Guião, o chamado Ladrão Gayão, com o objectivo de provar às populações que não existia nem nunca existira nenhum gigante desse nome, motivo de assombração e temor das pessoas e viajantes. Os vestígios achados na escavação de um túmulo junto à atalaia medieval vieram desfazer esse mito. 458 Gabriela Casella, op. cit., 2004, vol. I, pp. 92­­‑106. 459 Cesare Baronio, Martyrologium Romanum, cum notationibus Caesaris Baronii, Roma, 1589. A obra, que mereceu aprovação papal de Gregório XIII em 1586, foi de seguida alvo de muitas reedições. 460 Gabriela Casella, op. cit., vol. I, pp. 47­­‑52; Guazelli, Michetti e Barcellona, op. cit., 2012, pp. 67­­‑110. 461 Não deixa de ser interessante que Baronio elogie a política de Gregório XIII e deixe críticas a Sisto V (um papa que aliás apreciava), no sentido em que, para alargar ruas e modernizar o urbanismo da cidade, ele mandou destruir, dentro do seu espírito intransigente, alguns monumentos da Roma antiga como a igreja de S. Lucia ai Sette Soli... 462 Vitor Serrão, «Impactos do Concílio de Trento na arte portuguesa entre o Maneirismo e o Barroco (1563­­‑1750)», cit., p. 112. 463 Alessandro Zuccari, «La politica culturale dell’Oratorio Romano nelle imprese artistiche di Cesare Baronio», StArte, nº 42, 1981, pp. 171­­‑193. 464 Américo da Costa Ramalho, «Notas sobre a formação de Aquiles Estaço», Bi‑ blos, nº 54, 1977, pp. 237­­‑252. 465 Gabriela Casella, op. cit., vol. I, pp. 111­­‑151. 466 Gabriela Casella, op. cit., vol. I, pp. 167­­‑171. 467 Vitor Serrão, O fresco maneirista no Paço de Vila Viçosa, cit., pp. 130­­‑136. 468 A.D.P., Lº de Casamentos da Freguesia de São Lourenço de Portalegre, cx. 41, fl. 45 (27­­ ‑XI­­‑1591). Comunicação inédita de Francisco Bilou. 469 A documentação romana nada revelou que sobre esta estada do artista portalegrense. Todavia, numa dependência da igreja de Santo António dos Portugueses, encontrámos (em Setembro de 1988) uma tela com a representação de Santo António de Lisboa, com características seiscentistas e de discreta qualidade, que tem o interes-

240

se de ter uma inscrição na parte inferior que diz o seguinte: P. FRANCISCO. VAX. PEREIRA. DE. BREGANÇA. LVSITANO. FF. Pode ser indicação de ofertante e não de autor; de todas as formas, será que esse padre Francisco Vaz Pereira, ao que parece ligado à Casa de Bragança e de passagem por Roma, era um parente do arquitecto­­‑escultor aqui tratado ? 470 A.D.E., Lº 311 de Notas de Pedro Borges, fls. 8 vº­­‑11 vº. 471 B.P.E., Mosteiro da Cartuxa, Lº 1 (Escrituras, desde 1587), fl. 58. DOC. Nº 28. 472 Idem, fl. 70 e segs. 473 A.M.E., nº 6682 F.G., Lº de Receita e Despesa da Fabrica da Sé, 1598­­‑1638. 474 B.P.E., cód. CLXVII/1­­‑5, Lº de Receita e Despesa do Mostº da Graça de Evora, 1604­­‑1628. 475 ADE, Paroquiais São Bartolomeu de Vila Viçosa, Lº 1, fl. 16 (5­­‑V­­‑1611). Informação inédita de Francisco Bilou. 476 Tratado da Cidade de Portalegre (de) Diogo Pereira Sottomaior, ed. de Leonel Cardoso Martins, Lisboa, IN­­‑CM, 1982, p. 63, e Manuel Inácio Pestana, art. cit., 1993, pp. 153­­‑166. 477 Cf., sobre a obra de Gaspar Coelho, «mestre que foy desta arte principal nestes Rey‑ nos», o estudo basilar de Carla Alexandra Gonçalves, Gaspar Coelho, um escultor do Ma‑ neirismo, Lisboa, Livros Horizonte, 2001. 478 A.D.P., Paroquiais de São Tiago de Portalegre, Baptismos, Cx. 049, fl. 2. Informação inédita de Francisco Bilou. 479 As tábuas desse retábulo tardo­­‑maneirista atribuem­­‑se ao lisboeta Cristóvão Vaz, ainda que sem confirmação; nova documentação permite admitir que nele trabalhassem, em 1616, o marceneiro Manuel Dias e o pintor­­‑dourador Alexandre de Carvalho. 480 A.D.E., Paroquiais de São Bartolomeu de Vila Viçosa, Livro 1, fl. 33. Informação inédita de Francisco Bilou. 481 A.D.E., Paroquiais de São Bartolomeu de Vila Viçosa, Livro 1, fl. 35. Informação inédita de Francisco Bilou. 482 O Rádio Latino deve o nome ao do seu inventor; compõe­­‑se de oito hastes articuladas, com bússola e, nas hastes, escalas de medição, um quadrante geométrico, uma escala de grau, outra para a divisão dos círculos, linhas, polígonos, pesos, e uma medida linear, o braccio. Vários instrumentos se fabricaram então adaptando o Radio Latino para efeitos da Arte da Guerra. No ANTT, no fundo Casa de Fronteira e Alor‑ na, encontram­­‑se três mss. dedicados ao Rádio Latino e supomos (ainda que sem termos realizado estudo comparativo com o ex. da B.G.U.C.) que um deles possa ser devido a Pero Vaz Pereira... 483 Francisco Bilou, em debates com o autor, defende a hipótese de Pero Vaz Pereira ter tido estudos no Colégio do Espírito Santo de Évora. Recorda­­‑nos, também, a circunstância de o cura de São Tiago e de São Lourenço de Portalegre ter apelido Pereira, o que pode indiciar ligação familiar ao arquitecto­­‑escultor dos Braganças e reforça a presumida vocação religiosa. 484 Artur Goulart e Vitor Serrão, «O ciclo de Sibilas e Profetas…», cit., 2004, pp. 211­­‑238.

241

485 Federico Zeri, Pittura e Controrriforma…, cit. 486 João Miguel dos Santos Simões, Azulejaria em Portugal no Século XVII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, tomo II, 1971, p. 204. Na capela baptismal encontra­­ ‑se um painel de azulejos polícromos com a Virgem e o Menino, que data da mesma campanha.

242

10.

S a c r a e i m a g i n e s e c u lt o s r e a c t i va d o s n a pa i s a g e m construída eborense

1 0 . 1 . N o v a s i c o n o g r a f i a s t r i d e n t i n a s O tempo de D. Teotónio de Bragança foi também um tempo de intensa renovação das representações iconográficas, seguindo as prescrições romanas. As imagens readquirem um poder de intermediarização de fé como desde a Idade Média não tinham voltado a assumir, convidando os fiéis a «ver com o coração», com os «olhos da alma» 487. Em nenhum outro momento da História da Arte europeia as artes figurativas foram tão veementemente pedagógicas e dotadas de um sentido didascálico cuja eficácia media a sua maior ou menor qualidade estética. Não foram só os temas da vida da Virgem e da Paixão de Cristo, dos santos do hagiológio ou das alegorias morais, a sofrer natural adequação didascálica às doutrinas de Trento, embora esses fossem as representações habituais, pois mostravam às populações as imagens dos santos vivos, ou seja, transformadas em razão de culto e testemunho de intermediarização junto das instâncias divinas 488. A política normativa seguida pelo Arcebispo de Évora no sentido da edificação de novos e velhos lugares de culto, com programas funcionais de «restauro» e de reestruturação e com definição prévia do modus aedificandi a partir dos modelos arca243

Figs. 41-44

nos, e o equacionamento desta acção ancorada em parâmetros de memória histórica e no conhecimento histórico­­‑arqueológico dos sítios, impôs que novos temas e modelos de representação surgissem. O espírito baroniano do restauro storico impulsionou, como de resto já vimos, a revalorização de cultos esquecidos, que com D. Teotónio renascem do limbo, desde São Manços a São Brissos, São Vicente e suas irmãs Sabina e Cristeta, São Jordão e suas irmãs Comba e Inonimata, São Torpes e Santa Cesalina, São Romão, cujos santuários e lugares hierofânicos ligados aos cultos fundadores ganham novo sentido devocional. É certo que já nas primícias do Arcebispado (criado em 1540) essa intenção era intuível, tanto nos círculos de André de Resende e dos outros humanistas muito preocupados com as «an‑ tigualhas», como em algumas representações artísticas do tempo do Cardeal D. Henrique. Sob a influência de Resende ganha forma e nasce, no pulmão histórico da cidade, a igreja de São Vicente, seguindo um presumível projecto do próprio escritor 489 , e exalta­­‑se o culto dos alegados santos mártires de Évora Vicente, Sabina e Cristeta. Na linha dos escritos e do exemplo dos humanistas e antiquários, e aliás dentro também das suas próprias contradições ideológicas 490, foi decisivo o interesse da sociedade eborense em seguir as directizes da Igreja e tomar os santos paleocristãos considerados «locais» como novos heróis e tópicos de veneração. O interesse por esse saber arqueológico já se sente com a Relíquia do Santo Lenho, fragmento da cruz onde Jesus foi crucificado, encontrado pela Rainha Santa Helena, mãe de Constantino, que vem para a Sé de Évora no tempo de D. Afonso IV, depois de passar por várias peripécias bem conhecidas 491, e a seguir à batalha do Salado. Depois de dividida ao meio para que no santuário da Vera Cruz de Marmelar ficasse parte da relíquia, pois a burra que a transportava, reza a lenda, se recusou a prosseguir caminho, o fragmento do Santo Lenho chegaria enfim a Évora, guardando­­‑se em capela própria no transepto esquerdo da catedral e dando origem, mais tarde, a um celebrado relicário de ouro, prata, esmalte e pedras preciosas 492. Para esse altar da 244

capela do Santo Lenho pintou Gregório Lopes, cerca de 1537­­ ‑1540, um extraordinário painel retabular Santa Helena e o milagre do reconhecimento da Vera Cruz que representa uma das mais notáveis peças da pintura renascentista portuguesa, que se expõe no Museu de Arte Sacra. Bem dentro dos seus estilemas e gosto repertorial, sempre muito pessoalizado, o pintor régio de D. João III desenvolveu nessa composição de minuciosa e delicadíssima factura, com muitas figuras no primeiro plano assistindo ao milagre e com cuidadosos trajes, adereços e arquitecturas clássicas, um pormenor fundeiro digno da maior admiração: encontram­­ ‑se aí, quase como registo congelado de um momento «vivo», um grupo de trabalhadores que escavam a terra em busca das cruzes da Gólgota, seguindo as orientações da Raínha Santa Helena. Trata­­‑se de um trecho vigoroso de «pintura directa», típico da escrita pictural de Gregório Lopes, e que atesta o novo interesse da geração do Humanismo cristão pela arqueologia como modo de desvendar o passado e intuír, a partir dele, razões legitimadoras 493. A propósito deste quadro, acrescente­­‑se que nunca mais a pintura eborense superaria a qualidade plástica atingida pelas realizações de Gregório Lopes para o Cardeal D. Henrique, desde as pinturas da Capela do Santo Lenho às do Santuário do Bom Jesus de Valverde, de 1544 494. O interesse pela arqueologia como método perscrutador do passado e base de re­­‑conhecimento das origens foi, assim, uma das vertentes desenvolvidas na Évora do século XVI. A iconografia da Vera Cruz mostra o empenho por este campo, como é exemplo a gravura romana de Giovan Battista Cavalieri segundo Livio Agresti, de 1569, que circulou em Portugal (foi inspiradora, por exemplo, de uma das tábuas de Simão Rodrigues, c. 1605, para o antigo retábulo do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, com representação dos cavadores que buscam relíquias). É um interesse que atinge a sua plenitude no final da centúria, quando os ditames tridentinos conferiram novos sentidos teológicos a essa investigação no solo com objectivos de revelar os testemunhos do cristianismo primevo. Com D. Teotónio de Bragança foi preciso, assim, renovar iconografias, senão mesmo criá­­‑las 245

Fig. 3 Figs. 45-46

Fig. 16 Fig. 22 Fig. 42 Fig. 41 Fig. 43

de novo. A valorização das origens do culto cristão no território alentejano, mesmo que baseada em factos incredíveis ou mitificados, levou a entourage de D. Teotónio a reinventar modos de figuração iconográfica até então nunca pensados, ou que só marginalmente tinham sido solucionados. Com a chegada da relíquia de São Manços, alegado primeiro bispo de Évora, trazida de Castela em 1592, e com a reconstrução em 1594 da igreja da povoação que leva o seu nome e a revitalização do sítio das ruínas paleo­­‑cristãs, a teoria e prática baronianas funcionou no sentido de dar corpo a uma devoção que crescia de modo significativo. São Manços será, assim, representado como um bispo que segura, além do báculo, o jarro de água e a salva de prata, atributos de quem, segundo a tradição, fora companheiro de Jesus Cristo, auxiliando no lava­­‑pés aos Apóstolos a seguir à Última Ceia. Assim surge, por exemplo, na imagem em madeira policromada que orna o altar do Oratório de São Manços da Coluna, em Évora. Também São Jordão, segundo bispo de Évora, será representado na iconografia teotonina com os atributos de bispo, como se podia ver na antiga paroquial da extinta freguesia que tinha o seu nome (Torre de Coelheiros) num dos destruídos frescos da nave 495, e se vê ainda numa belíssima tábua no retábulo da igreja matriz da Tourega ou ainda num fresco dessa verdadeira galeria hagiográfica alentejana que é o Santuário de São Brissos. Quanto a São Romão (também presente na decoração da igreja de São Brissos), será representado como um soldado romano com o livro que significa a conversão, como se vê numa tábua maneirista de Francisco de Campos no Museu de Arte Sacra da Sé (onde o santo emparceira com as figuras de Santo Amaro e São Bento), e em algumas imagens e decorações fresquistas em igrejas da Arquidiocese, como é o caso da de Panóias, já no Distrito de Beja. Falámos também de «São Vicente das Irmãs», ou São Vicente, mártir de Ávila, distinto do santo diácono de Sagres e patrono de Lisboa, que apesar de nada o relacionar com Évora terá, por iniciativa de André de Resende, não só uma igreja implantada 246

no coração da cidade, como focos de devoção espalhados um pouco por toda a Arquidiocese. Para este São Vicente e suas irmãs Sabina e Cristeta, alegados mártires de Évora, criou­­‑se uma hagiografia em imagens que dá corpo, cerca de 1590, aos painéis do retábulo da sua igreja. São Gens, lendário bispo­­‑mártir da primitiva Olisipo na época imperial romana, considerado protector dos partos, é um santo de Lisboa, mas teve focos cultuais no Alentejo no tempo de D. Teotónio, talvez devido à presença de alguma relíquia. Conhece­­ ‑se um santuário de antiga fundação, perto de Montemor­­‑o­­ ‑Novo, que lhe está dedicado e que, como sucedeu a tantos outros da Arquidiocese, foi renovado por inteiro no fim do século XVI. A estrutura é singela e mostra a presença de uma comunidade rural, de poucas posses, que em 1598 mandou pintar na ousia um «retábulo fingido» a fresco com o Julgamento e martírio de São Gens, e a seguinte legenda no friso inferior: BAVTIZAM / A SÃO GENS / DEGOLAM A SÃO GENS / A CVSTA DOS / FREGESES 1598». É uma composição «ingénua e piedosa», de um artista muito secundário, que esteve coberta durante cerca de dois séculos por um altar de talha barroca 496. Mostra como, ao nível mais popular, a renovação dos cultos se processou, com reacendimentos iconográficos muito interessantes. Só para São Torpes, mártir pisano cujos ossos teriam aportado a Sines, o que levou o papa Sisto V a pedir a D. Teotónio o especial favor de investigar as existências arqueológicas e recriar o culto, desconhece­­‑se qual a tipologia iconográfica seguida, por ausência de testemunhos na actualidade. Na linha dos escritos de Resende, e seguindo as directizes arcebispais, a arte sacra eborense tomou os santos paleo­­‑cristãos como novos heróis e pólos de veneração (São Manços, São Gens, Santos Vicente, Sabina e Cristeta, São Romão, São Cucufate, Santos Jordão, Comba e Inonimata, São Brissos, São Torpes, etc). Não é caso único em Portugal no início da Contra­­‑Reforma, pois outros se atestam e multiplicam, tanto em Braga com D. Frei Bartolomeu dos Mártires, como na região de Torres Novas, onde o enterramento dos chamados mártires da Concórdia, no 247

Fig. 49 Fig. 54

Figs. 47-50

lugar de Bezelga, foi alvo de campanha arqueológica e de renovação cultual, ainda que, neste caso, já depois da Restauração de 1640 497. Incluem­­‑se todos os referidos santos entre os novos temas tridentinos que reclamavam novas iconografias. Exemplos singulares de novas representações artísticas com estes e outros novos­­‑velhos santos multiplicaram­­‑se nas igrejas eborenses. A falta de iconografia precisa para o martírio de São Manços impõe que se tivesse de tomar emprestado dos passos da Paixão de Cristo estampas adequadas para se readaptarem os temas pretendidos (São Manços atado à coluna, por exemplo, em tela no Oratório de São Manços em Évora). Para as degolações de certos santos, caso de São Cucufate, a falta de iconografia directa levou a que, para uma pintura a fresco com esse passo, pintado em 1621 na capela de São Brás, em Vila de Frades (Vidigueira), onde se mostra o martírio de São Cucufate, se seguisse um modelo muito conhecido em Évora – a Degolação de São Brás do retábulo da Ermida de São Brás – e que foi extravasado, assim, para outro temário. Este exemplo é interessante como testemunho de uma iconografia nova: o tema identifica­­ ‑se localmente como sendo o martírio de São Cucufate, cujas relíquias se ligam ao santuário instalado na próxima villa romana, mas houve também aí necessidade de se recriar uma iconografia credível, o que levou os encomendantes a retomar um protótipo de martírio­­‑degolação já antes ensaiado na iconografia de outros santos. Era o caso de São Brás e da famosa tábua da Ermida de São Brás de Évora, já aqui muito referenciada, a respeito do retábulo da Tourega, por ser obra atribuída a Duarte Frizão. Mas também algumas pinturas na igreja de Caridade (aldeia do concelho de Reguengos de Monsaraz) 498 e na de de São Brás do Regedouro (Évora) 499 e, ainda, na igreja de São Bartolomeu em Borba, seguiram esse mesmo protótipo compositivo – aliás, já antes desenvolvido numa Degolação de Santa Catarina pintada por Garcia Fernandes, hoje na sacristia da Sé de Goa (antiga Índia portuguesa). O controlo da representação das imagens sagradas, como se sabe, assumiu com a XXXVª sessão do Concílio de Trento, em 248

1563, um especial acento ideológico e programático que terá largos efeitos no final do século XVI e ao longo do século XVII. «A Igreja apoderou­­‑se nesse período do comando da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis e de promover uma iconografia de combate, de testemunho e de catequese», citando de novo o que afirmou em síntese o saudoso iconólogo Flávio Gonçalves 500, explicando, assim, o que foi a vasta reacção católica contra os ataques da Reforma protestante, usando as imagens como arma eficaz de ensino, devoção, militância e propaganda. As directivas tridentinas nesta matéria tiveram imediato acolhimento no seio do mercado das artes, fossem os mecenas, encomendantes e artistas envolvidos na produção destinada ao culto, uns e outros dependentes de uma vasta estrutura de vigilância a que as Constituições Sinodais dos bispados deram corpo de lei e os visitadores episcopais forneceram práticas de censura, quando não em moldes repressivos 501. Apesar de essa nova situação ser cerceadora das liberdades criativas, é certo que também foi estimuladora de um novo espírito de solenidade e eficiência dos resultados artísticos, acentuando­­‑se uma significativa melhoria nas condições estatutárias dos pintores e demais artistas que trabalharam para o mercado religioso 502. Tal como estabeleceu o Concílio de Trento na sua derradeira sessão, as imagens sacras servem para «anatemizar os principaes erros dos hereges do nosso tempo», e por isso buscou adequar a sua representação a uma finalidade de combate contra a heresia iconoclasta do calvinismo e de reafirmação do sentido tradicional do culto em afirmação catequética. Retomando directrizes do Concílio de Nicéia II, proibiu­­‑se «que se exponha imagem alguma de falso dogma». Defendeu­­‑se o papel das imagens sacras como intermediárias de fé e a multiplicação nos locais de culto de representações de Cristo, da Virgem e dos santos, numa acção clarificada face a qualquer espécie de idolatria, ou seja, não para se lhes prestar um culto só devido a Deus, mas reforçando o seu papel salvífico como intermediárias de oração. Definiu, também, a necessária qualidade, imprescindível para a eficiência das reproduções artísticas dos mistérios da fé, tornando­­‑as cre249

Fig. 47

díveis, no sentido de as adequar a objectivos pedagógicos junto das populações. Temas como a Conversão de São Paulo na estrada de Damasco, por exemplo, readquirem interesse neste contexto didascálico por enfatizarem o arrependimento como sinónimo de ‘conquista de almas’: veja­­‑se o grande painel da igreja de São Paulo de Pavia competentemente pintado por Francisco João, cerca de 1580 503, e lembre­­‑se que um painel com o mesmo assunto, de pincel flamengo segundo o inventariante, existia em 1603 na colecção de D. Alexandre de Bragança 504. Abriu­­‑se também, por isso e ao mesmo tempo, uma espécie de frente de combate contra as imagens de falso dogma e de formosura dissoluta, em muitos casos alvo de alterações impostas ou de destruição – contam­­‑se em Évora, no fim do século XVI e início do XVII, inúmeros testemunhos dessa prática censória. Afirmou­­‑se a intenção de ensinar que a divindade não é percebível pelos sentidos nem através de cores ou formas, mas que estas são demasiado importantes pois concorrem para abrir os olhos da alma 505. No caso específico de Évora, arcebispado tão flagelado pelas epidemias pestíferas e pelas más colheitas geradoras de fome endémica, o culto de São Sebastião, santo mártir protector contra a peste, multiplica­­‑se em representações de pintura, escultura e ourivesaria, sendo de realçar a grande imagem de prata que o próprio D. Teotónio custeou para integrar as procissões (provavelmente da lavra do ourives João Luís, um dos seus artistas predilectos), ou o fresco que Giraldo Fernandes de Prado pintou na antiga enfermaria do Mosteiro de São Bento de Cástris, sem esquecer também a própria igreja dedicada ao santo que em Évora vai nascer (aliás, que se vai remover completamente) em 1599­­‑1600, utilizando o modelo teotonino de exonártex de arcanos «referenciais civilistas», muito citado ao longo desta obra como marca característica das construções do seu governo. É por estes aspectos que as normas tridentinas no campo da arte sacra foram tão marcantes em Portugal (mesmo antes de as directrizes conciliares terem sido aceites como lei do Reino na regência do cardeal D. Henrique, por decreto de 12 de Setembro de 1564). De facto, tiveram ressonância em todo o «mundo 250

português», ainda que no nosso caso a penetração da doutrina protestante não fosse significativa. No caso nacional, foram alvo de vigilância maior os cristãos­­‑novos, alegadamente envolvidos em actos de iconoclastia anti­­‑católica, e determinados círculos de resistência do humanismo de inspiração erasmiana, mais atreitos a uma tradição de liberdade que os novos ventos inquisitoriais desaconselhavam. Caso incomum, atrás descrito, é o do frade francês do Mosteiro da Cartuxa, Olivarius Brisom, preso pela Inquisição em 1591, e condenado em auto­­‑de­­‑fé em 1594, não só por defender teses luteranas e calvinistas mas, também, por maltratar estampas com a imagem de Nossa Senhora. Nunca como neste tempo as imagens assumiram tanto poder, razão acrescida para serem sujeitas a apertada vigilância. Era preciso, já o dizia Giulio Carlo Argan 506, saber olhar e saber ver, e foi nessa dimensão valorativa do papel das obras de arte, sob o signo da fé, que decorreu a sessão do Concílio de Trento que versou esta matéria – ainda que com um tónus incidente no aspecto doutrinário das imagens sagradas. O sentido discursal da arte, apta a gerar maior convencimento, foi reforçado como um dos objectivos dessa nova ars senza tempo que os teólogos preconizavam. Mas deve esclarecer­­‑se: para o Concílio, convencimento e qualidade tinham de ser coincidentes para se cumprir o objectivo da eficácia. Na verdade, sentia­­‑o Argan, História e Crítica da arte foram sempre faces da mesma moeda, ao discorrerem sobre obras que devem ser consideradas sempre contemporâneas (isto é: sem tempo), aptas para a fruição integral do e no nosso tempo, e para suscitarem afecto ontem, hoje e amanhã – sem se perder de vista o contexto mental preciso em que elas foram geradas. Todos somos fruidores comprometidos: dedicamos às obras de arte um olhar que anseia por integralidade, tal como o fez Federico Zeri a respeito de pintores como Scipione Pulzone ou Giuseppe Valeriano, típicos produtores tridentinos da arte senza tempo 507, variação madura da Bíblia Pauperum da Idade Média 508. Assim, a arte da Contra­­‑Maniera teve essa capacidade de assumir, através das imagens que produziu, uma renovada dimensão trans­­‑contemporânea, apta a surpreender pelas infi251

Fig. 56

nitas possibilidades de suscitar olhares críticos. Mesmo que a cadência de gostos, valências, critérios de aferição, imponha bitolas valorativas distintas, que os valores de cada época alteram ou promovem, o que se verifica é que, nesse sentido também, as propostas de Trento acentuaram as dimensões catequética, emotiva e espiritual das obras enquanto eficaz instância de intermediação 509. Voltando à Évora do tempo de D. Teotónio, é interessante seguir este processo de renovação da iconografia sacra através das novas edições hagiográficas e o seu impacto nas populações através dos rudimenta fidei dos padres encarregasdos, como diz Federico Palomo, das «missionações no interior». O caso dos milagres do Rosário é edificante e de novo Évora tem papel de relevo na sua difusão popular. Em 1576, um dominicano, padre Nicolau Dias deu à estampa o Livro do Rosario de Nossa Senhora (produzido na oficina de André de Burgos), onde se alude a vários milagres do Rosário e que fomentou, assim, a respectiva devoção. Em 1599, saíu nos prelos eborenses de Manuel de Lira a edição ilustrada da Historia dos milagres do Rosario da Virgem Nossa Senhora, da autoria do padre jesuíta João Rebelo (1541­­‑1602), que contou com várias edições, a primeira delas dedicada ao Provincial da Companhia de Jesus, Padre Cristóvão de Gouveia, e a segunda (1602) dedicada à Marquesa de Castelo Rodrigo, D. Margarida Corte Real, mulher de Cristóvão de Moura 510, saindo depois em edições portuguesas e castelhanas e grangeando muito sucesso 511. O livro do padre João Rebelo foi especialmente importante na fixação das «histórias» do Rosário e tornou­­‑se obra popularizada em Portugal no tempo dos Filipes. O próprio autor auferia de bastante prestígio, pois em 1588 mandara imprimir à sua custa muitas estampas sacras para distribuír às populações rurais durante as suas missões, como diz umas das cartas ânuas da Companhia. Era um tempo em que a imagem e oralidade andavam intimamente ligadas, e os jesuítas de Évora, só à sua conta, difundiram nesse ano de 1588 mais de trinta mil gravuras de devoção pelas terras do interior do Alentejo 512. Como 252

diz Federico Palomo, «este tipo de imágenes era un vehículo relativamente eficaz, y poco costoso a la hora de incentivar entre las poblaciones que visitaban los misioneros, prácticas y formas de religiosidade más personales, más acordes com los modelos de devoción postridentinos y, por tanto, menos vinculadas a las expresiones religiosas de corte tradicional y comunitarioque, en parte, fueron características de las comunidades rurales del Antiguo Regimen» 513. No livro do padre Rebelo descrevem­­‑se «milagres da Senhora» absolutamente invulgares como, por exemplo, a história de dois frades dominicanos que, guiados pela Virgem, assistem à morte de uma devota do Rosário, num leito modesto com travesseiro de palha, tendo uma visão da Rainha dos Anjos com santas e anjos. Outra história conta­­‑nos que um viajante, orando diante de um cruzeiro à Virgem do Rosário, escondeu um pecado, tendo vindo do céu até ele um papel escrito a referir o pecado que havia ocultado. Noutro trecho do livro, conta­­‑se que o Arcanjo São Miguel, com o Rosário numa das balanças (a das boas obras), concedeu a graça a um onzeneiro italiano, o usurário Jacobo, que «entre todos os seus males, tinha um só bem», que era o de orar muito pela Senhora do Rosário e sempre trazer um rosário com ele, no que fora convencido pelo próprio Padre São Domingos. Na hora da sua morte, esse usurário Jacobo teve uma visão de São Miguel, «o qual punha em uma balança todos os males & pecados, os quais pesavam muito mais do que todos os bens. Estando ele muito triste por isto, viu como a Virgem gloriosa (...) advogada dos pecadores, e de seus devotos punha um Rosário sobre suas boas obras, com o qual seus bens pesaram muito mais, que todos seus males, e pecados». Livros como este do padre João Rebelo tinham forçosamente eco em círculos devocionais, eruditos e populares, e inspiravam obras de arte. Recentemente, descobriu­­‑se na Capela de Nossa Senhora do Rosário em Outeiro Seco, Chaves, um conjunto de frescos que formam um «retábulo fingido» que preenche a ousia e que representam precisamente quatro dos «milagres do Rosário» descritos na obra do padre jesuíta editada em Évora 514 ! Ou seja, a confraria transmontana que encomendou esses 253

Fig. 59

frescos no início do século XVII conhecia o livro do padre Rebelo, dispunha das estampas que ilustravam a obra e recomendou as suas «histórias milagrosas» como programa iconográfico ao anónimo pintor que procedeu à representação 515. Lá se vê o milagre do onzeneiro Jacobo, a oração dos frades e a visão da moribunda, o pecado escondido do viajante e o voto fundacional de uma capela dedicada à Senhora do Rosário. Literatura espiritual e pintura didascálica andavam claramente em uníssono nos discursos beatos deste ‘tempo’ em que a imprensa eborense assumia um papel de tanta relevância informativa… Obras como as citadas, em que a literatura devocional e a representação pictórica se cruzam como narrações morais adequadas a esconjurar os maus costumes e valorizar a devoção mariana, valorizam estes novos temas no quadro das novas iconografias renovadas e enriquecidas por instâncias da Contra­­‑Reforma católica. Para o Rosário, aliás, as fontes seguidas eram múltiplas: em 1597 saíra também o livro do dominicano sevilhano Juan de Sagástizábal, Exortación a la Santa Deuoción del Rosario de la Madre de Dios 516, onde já é narrado, entre outros, o milagre da balança de São Miguel que pesa o rosário, tal como referido dois anos volovidos na edição eborense do padre João Rebelo. Este isolado exemplo da imprensa eborense do tempo de D. Teotónio mostra como se tratava de uma produção literária por demais importante e que circulava com rapidez. É absolutamente necessário estudar o que se lia, dentro da abundante literatura sacra que saía na imprensa em Portugal no fim do século XVI, e que gravuras acompanhavam as edições e, enfim, que fortuna crírtica tais obras receberam. Tratava­­‑se de histórias do sagrado e do maravilhoso, de lendas e milagres, hierofanias e crenças populares cujas raízes se perdiam na bruma dos tempos e ajudam a perceberem melhor os mecanismos destas imagéticas devocionais que a Reforma Católica incentivou, nos seus amplos sentidos, gerando representações artísticas de tónus encantatório, em que as populações se reviam e buscavam protecção. Se os temas novotestamentários ocupam parte substantiva dos repertórios artísticos teotoninos, não deixou a decoração 254

do tempo de D. Teotónio de abraçar temáticas providas de especial interesse simbólico para a história da Igreja, cotejando a sabedoria antiga de Profetas e Sibilas com o legado cristão, tal como se podia (e pode) ver, em Roma, na célebre Cappella del Presepe em Santa Maria Maggiore, um dos projectos essenciais de Sisto V. A igreja de Santa Maria de Machede, depois de recuperada e ampliada por traças de Pero Vaz Pereira, em 1604, foi revestida de um programa integral de stucchi, frescos e azulejos, com doze representações murais de Sibilas e Profetas, seis por banda, emolduradas por tabelas de massa com duplo sentido moralizante em afirmação clássica e vetero­­‑testamentária. Obra de pintor desconhecido, explora as concordâncias e possibilidades infinitas de criação abertas pela História Sagrada em paralelo com temáticas profana e mitológica, lembrando que as Sibilas do Mundo Antigo – Pérsica, Líbia, Eritreia, Cumana, Gimméria, Samos, Tiburtina, Agrippa, Hellespontica, Europeia, Cimeriana e Dél‑ fica – profetizam a vinda do Messias 517. Foram, por isso, assunto predilecto do Humanismo cristão: as Sibilas, na Antiguidade clássica, com seus dons de profecia (o que, segundo São Jerónimo, se devia à virtude da Virgindade), assumem novos contornos com a literatura moralizante, as parangonas e também as artes plásticas, já que as Sibilas anunciam a vinda de Jesus aos pagãos, tal como os Profetas o fazem junto dos judeus. Na Capela de Luís de Lucena em Guadalajara, os frescos maneiristas de Pietro Morone e Pietro Paolo de Montalbergo, de cerca de 1550, integram as figuras de Sibilas e Profetas junto a cenas do Antigo Testamento e a Alegorias virtuosas 518. Na decoração de escultura, estuque e pintura da capela dos Benavente, em Santa María de Mediavilla de Medina de Rioseco 519 admiram­­‑se quatro Sibilas junto aos Evangelistas e a oito Profetas. E na colecção da casa de D. Duarte, marquês de Flechillas e Malagón, irmão de D. Teodósio II, que viveu entre Évora e Madrid e foi um atento patrocinador de edições (como o livro de Frei João Álvares Etiopia Oriental, de 1609), existiam doze quadros de Sibilas 520. A complexidade simbólica dos referidos casos mostra que, em termos de encomenda erudita, a iconografia não se interrompeu 255

Fig. 32

com o início da Contra­­‑Reforma, e o seu uso no programa decorativo de Nossa Senhora de Machede (onde, ao que parece, se utilizaram as estampas de Crispín de Passe o Velho, editadas em Colónia em 1601, e também as de Karel van Mallery segundo desenhos de Maerten de Vos) correspondia ao objectivo de afirmar a ancianidade do lugar, uma das mais antigas paróquias do Arcebispado, através da inclusão das Sibilas, apresentadas como fonte de legitimação cristológica e histórica. A tutela arcebispal e o talento de Pero Vaz Pereira enquanto supervisor das obras sacras da Arquidiocese tornaram Santa Maria de Machede um caso iconográfico bem interessante, testemunho da renovação iconográfica que se empreendia. 1 0 . 2 . U m c o n c e i t o d e ‘ a r s s e n z a aplicado ao Alentejo

tempo’

Ao longo do livro, destacámos o sentido dessa arte total de novo tipo que emerge nas obras do Arcebispado eborense do fim do século XVI e que encontrou na figura de D. Teotónio de Bragança o mentor ideal para a sua definição. Uma das obras em que esse aspecto discursal de decoração teotonina mais sabiamente se desenvolve será a decoração interna da igreja matriz de Nossa Senhora da Graça do Divor, uma reconstrução do fim do século XVI que se realizou segundo os cânones já observados noutras empreitadas do tempo (nártex porticado, nave «chã» com largueza cerimonial, capela­­‑mor preservada do templo anterior), mas onde o revestimento de estuques que decoram os tectos e paredes, com azulejos de ‘padrão’ e de figura avulsa, e recurso à pintura mural,segue um erudito desenho moldurado que remete irresistivelmente para as grandes decorações de stucchi e frescos da Roma do tempo de Sisto V e Clemente VIII! Neste caso, a decoração, supervisionada por Pero Vaz Pereira, arquitecto­­‑escultor do Arcebispado, pode ser tributada, no que toca ao entalhe e imaginária, ao mestre Diogo Nobre e, quanto às 256

pinturas murais, à «mão» de Custódio da Costa, pintor que aparece frequentemente ligado a empresas com Vaz Pereira, como vimos, e que chegará inclusivamente a trabalhar, também, para a Casa Ducal de D. Teodósio II em Vila Viçosa. O arco triunfal e o tecto da capela­­‑mor da Graça do Divor são especialmente interessantes pelo rigorismo do programa decorativo unívoco, que atesta uma direcção arquitectónica precisa. A molduração geométrica das coberturas, com stucco e cartelas pintadas, segue modelos da velha tradição constantiniana com tipologias que fazem escola nas obras de decoração destes anos, numa busca incessantes de efeitos historicistas, isto é, reclamando­­‑se de uma herança paleo­­‑cristã. Na supervisão global da obra decorativa, o arquitecto inseriu também a opção pelos azulejos de ‘padrão’ e de ‘figura avulsa’, polícromos, com anjos e símbolos marianos, reforçando o sentido conciliador do programa imagético pretendido. Já em Santa Maria de Machede, como observou Celso Mangucci e acabámos de citar, o uso dos azulejos ‘enxaquetados’ será também da directa responsabilidade do programa de decoração total concebido por Vaz Pereira, que se integra no mesmo discurso de bel compostoo de que fazem parte relevante os frescos com Sibilas e Profetas. Na Sala da Irmandade de Nossa Senhora da Esperança criada em adjacência da igreja de São Tiago, embebida nos contrafortes do alçado da banda da Epístola, a cobertura também se define dentro desse gosto de tradição neo­­‑constantiniana, ainda que sem recurso à pintura mural (que, aliás, também aí devia estar prevista, ou deve mesmo ter existido): «na arquitectura como na pintura, é nesse esforço constante de lançar pontes entre estes dois universos facilmente irredutíveis, caucionando as referências à Antiguidade Clássica com a lição dos textos bíblicos, que se constrói boa parte da cultura artística da época» 521. Muitas outras velhas igrejas paroquiais intervencionadas nos anos teotoninos, como é o caso da igreja matriz (sede de freguesia entretanto extinta) de São Jordão, perto de Torre de Coelheiros e hoje em completo e irrecuperável estado de ruína 522, ainda mostra no arco triunfal vestígios de decorações similares 257

Figs. 34-36

de estuque e de fresco, associadas a retábulos de pintura (nesse caso já desaparecidos) 523, dentro de um gosto de bel composto e senza tempo cuja paternidade ideológica se reconhece e cujas fontes de inspiração são as romanas do tempo de Gregório XIII ou de Sisto V 524. Apesar das modificações ulteriores sofridas em muitos templos diocesanos, é possível detectar­­‑se muitas vezes o testemunho do gosto de D. Teotónio de Bragança em templos intervencionados no seu tempo, seguindo as directrizes das visitações e os programas globais de decoração senza tempo que privilegiava. Melhor sorte que a igreja de São Jordão teve a igreja de São Vicente do Pigeiro, templo de freguesia rural na estrada para Reguengos de Monsaraz. Também esta sede paroquial recebeu obras na fase teotonina, sendo ampliada e remodelada sem deixar praticamente nenhum vestígio de maior ancianidade. Era uma comenda do Hábito de São Pedro, e tinha origem gótica, mas do antigo templo não restam vestígios. Foi reerguida no período de D. Teotónio de Bragança, com traça simples e austera, mas tirando partido da sua situação altaneira e cenograficamente atractiva, a igreja ainda conserva paecelas dessa intervenção. No seu interior, restam cinco das tábuas do antigo retábulo maneirista que então se pintou, e que representam a Adoração dos Pastores, a Circuncisão, São Pedro e São Paulo, São Miguel Arcanjo e Santo André, e o Calvário, todas infelizmente muito prejudicadas por maus tratos e grosseiras repintaduras e que, por isso, reclamam restauro 525. No reverso de São Miguel e Santo André há vestígios de uma outra pintura (talvez se trate de um reaproveitamento). Trata­­‑se de um conjunto heterogéneo e de várias «mãos» ainda não identificadas, e que nada tem a ver, ao contrário do que já se pensou, com o estilo do Mestre de São Brás (Duarte Frizão?) que pinta as tábuas da Tourega. Há sequência de modelos de estampas flamengas, como na Circuncisão (que segue gravura de Hendrick Goltzius), aliás uma das melhores tábuas do conjunto. A tábua de São Miguel e Santo André mostra características de estilo diferenciadas das restantes. Tal vem atestar, mais uma vez, que muitas destas em258

preitadas eram entregues a oficinas que, em regime colectivo, cumpriam a encomenda com um grau de resposta só aparentemente homogéneo. Se não sabemos o nome dos pintores (seguramente de Évora) que executaram estas tábuas, apura­­‑se pelo menos a sua data aproximada de factura. Em 1591, pelo testamento de Isabel Gonçalves, aberto em Évora a 4 de Agosto, sabemos que essa abastada viúva, com terras em São Manços, Portel, Monsaraz, Aldeia do Mato e Herdade de Santa Margarida, deixou «esmolas para a pintura do retabulo de S. Vicente do Pigeiro» 526. Neste caso, não sabemos, porém, o modo como se associavam as pinturas com as obras de talha, azulejo e stucco envolventes, pois a campanha barroca desvirtuou a do tempo de D. Teotónio. Em início do século XVIII, mais precisamente em 1715, o retábulo­­‑mor do fim do século XVI foi apeado e substituído pelo actual, a mando do Cabido da Sé, entidade que superintendeu sempre às obras desta igreja. Desse retábulo de «Estilo Nacional» se encarregou então o mestre entalhador eborense Francisco da Silva, figura de grande prestígio na sua arte 527, cabendo o dourado e a pintura de brutesco da cúpula ao pintor Francisco Lopes Mendes 528. No caso da igreja de São Bento do Mato, perto de São Miguel de Machede, também existiram obras na época teotonina, que incluíram um retábulo pintado de devoção privada 529. Poder­­‑se­­ ‑iam multiplicar exemplos de igrejas da Arquidiocese que foram intervencionadas no último quartel de Quinhentos, seguindo o mesmo gosto decorativo e a mesma marca teotonina: a lista seria infinda. No caso da extinta paróquia de São Marcos da Abóbada, o templinho chegou aos nossos dias e é de origem gótico­­ ‑manuelina, mas tem o nártex tardo­­‑quinhentista, testemunho de uma campanha de renovação da fase teotonina, possuindo duas tábuas de um antigo retábulo da autoria do pintor Francisco João, o mais produtivo dos artistas de pincel em Évora no fim do século XVI 530. O engrandecimento da Arquidiocese sob batuta de D. Teotónio de Bragança, desde o pulmão da velha cidade com os novos empreendimentos sacros e civis, às pequenas povoações 259

envolventes, foi algo que alterou significativamente a paisagem alentejana no último terço de Quinhentos. Como parece notório, tudo seguiu um padrão ideológico e estético que, à luz do deco‑ rum tridentino, foi devidamente pensado e resolvido. De novo a cidade de Évora, a antiquíssima Colonia Romana, que com o Humanismo e o Renascimento se soubera italianizar, voltava a parecer­­‑se com a Capital dos Papas na imagem oferecida pela sua mancha construtiva e pelos programas de decoração das suas igrejas. É preciso ­­– em casos artísticos muito precisos, como o que este livro analisa ­­– saber sedimentar o conceito sempre ambíguo de programa artístico, já que tantas vezes foi utilizado pelos historiadores de arte sem a devida contextualização e sem o sentido preciso que o seu uso impõe. Noção cómoda (mas fluida e, consequentemente, perigosa), o uso de programa é recorrente nos estudos de arte da Idade Moderna 531, épocas em que abunda a documentação de arquivo e consequentemente as informações sobre aquisições e encomendas, mas é mais questionado nos estudos de arte medieval 532, justamente porque a falta de testemunhos documentais impõe que as análises a empreender sejam de âmbito estreitamente iconográfico e/ou epigráfico. De facto, torna­­‑se sempre difícil determinar quais são os caminhos (metodológicos, conceptuais, documentais) que a História da Arte tem de seguir com acerto quando visa identificar, no seio de uma obra ou de um conjunto de obras, uma organização coerente e significante por detrás da qual pode reconhecer que existiu a realização de um programa concebido desde o início por um indivíduo, por um grupo social ou por uma instituição possidente, destinada a dar expressão a um gosto determinável e a dar cumprimento a uma ideia preconcebida. Parece­­‑nos que no caso eborense do tempo de D. Teotónio de Bragança existiu mesmo uma ideia, uma organização de ideias, com a sua base programática e com os seus códigos significantes, que foram coerentemente articulados pelos executantes do programa do Arcebispo: uma ars senza tempo de dialecto alen260

tejano, usada como arte total de novo tipo para responder a uma situação de especial favorecimento da arquitectura e das artes de decoração. 1 0 . 3 . U m A r c e b i s p o f i l h o d e T r e n t o Os vinte e três anos de governo episcopal de D. Teotónio de Bragança foram intensos e dotados de traços inovadores. Resultado deste múnus absolutamente tridentino, sobressai em todos os domínios, da reforma de princípios teológicos à assistência, à rede hospitalar e às grandes obras construtivas, um traço de autoritas diligente, empenhada e, sobretudo, moderna. Fruto da melhor cultura universitária europeia moldada pelos novos ditames da Reforma Católica, D. Teotónio desenvolveu e levou à prática nas construções da sua arquidiocese dois conceitos absolutamente inovadores na paisagem artística portuguesa: o primeiro foi a defesa de um modelo arquitectónico austero e «reformado» em que o restauro storico funcionou como atestado de antiguidade legitimadora e em que a espacialidade dos novos corpos foi entendida como sinónimo de igrejas­­‑auditório de novo tipo; o segundo foi um originalíssimo conceito de decoração integral dos interiores ­­– espécie de ars senza tempo pensada para o caso alentejano e introduzida na sua prática ornamental ­­– onde as várias modalidades, desde a pintura mural a fresco e a seco ao stucco relevado, ao azulejo de enxaquetado, de padronagem e de figura, à talha dourada, à imaginária, ao esgrafito, à obra de massa, a cru ou pintada, às ferragens lavradas, e a outras artes, se souberam irmanar em programas ornamentais unívocos533. Este tempo de D. Teotónio de Bragança tem traços de retoma do brilho all’antico que a cidade havia vivido nos anos trinta do século XVI com a estada da corte de D. João III, os escritos de João Rodrigues de Sá e Menezes534, de André de Resende e os focos de humanismo esclarecido, a escultura renascentista de Nicolau de Chanterene535 para as igrejas da Graça e do Paraíso536, a obra do arquitecto Miguel de Arruda para os agostinhos 261

e para o Bom Jesus de Valverde537, ou as pinturas de Gregório Lopes e de Garcia Fernandes para vários espaços religiosos da cidade538. O pensamento, o gosto e a prática de D. Teotónio de Bragança inserem­­‑se, assim, naquilo que se entende ser a «terceira fase» do Renascimento português, tal como as definiu Luís Filipe Barreto no quadro de uma larga conjuntura cultural em que os valores do Concílio de Trento, integrados na nossa sociedade no sétimo decénio de Quinhentos, não deixaram de dar continuidade às valências do Humanismo539. Em jeito de síntese, diz­­‑nos Jesué Pinharanda Gomes que D. Teotónio «foi, antes de mais, um Bragança, com alto sentido da Pátria e com radical compromisso com a Igreja, mas é também personalidade de inevitável recurso e de necessária menção na história da Igreja hispânica do seu tempo» 540. As reformas pastorais a que meteu ombros, como dilecto discípulo dos ditames tridentinos, não restringiram o seu múnus, como se viu: também o acolhimento aos monges da Regra de São Bruno em Évora, e as reformas jesuítica, através de Santo Inácio de Loyola, e carmelita, através de Santa Teresa de Ávila, foram desenvolvidas em terras portuguesas por seu especial impulso. Este foi o gosto artístico, proselitista e fielmente tridentino, de D. Teotónio de Bragança, e a marca diferencial do Tardo­­ ‑Maneirismo eborense, tanto no modo peculiar com que encarou e estimulou a construção sacra, como no espírito de bel composto (ou melhor, de ars senza tempo) com que entendeu as decorações intestinas dos espaços religiosos que se renovavam ou faziam de novo. É o gosto dominante numa Évora que recebe o próprio Filipe II e os grandes da Monarquia Dual, que vê os seus palácios enriquecidos (como o dos Condes de Basto, com os seus salões magnificamente afrescados), com os Estudos Gerais mantidos pelos jesuítas no Colégio do Espírito Santo, e que conserva um mecenato interventivo e uma imprensa com alta produção editorial. Esse gosto contra­­‑reformista continuará a manifestar­­‑se por mais alguns decénios (incluindo o múnus de D. José de Melo), tanto nos grandes edifícios religiosos da cidade como em casos 262

de freguesias rurais com poucos meios e com recursos artísticos mais modestos (de que são exemplo muitos dos santuários alentejanos afrescados por José de Escovar nestes mesmos anos e que, apesar dos limites inventivos, não deixam de revelar ressonâncias das mesmas fontes italianizantes ‘reformadas’). Com D. José de Melo, um pintor local chamado Pedro Nunes (1586­­ ‑1637), chegado de Roma onde fora académico de São Lucas, encontra na sua cidade ambiente e mecenas para poder pintar no retábulo da Capela do Esporão da Sé um gigantesco painel da Descida da Cruz, dentro dos referenciais neorafaelescos em que se formara e com exímias qualidades de pincel, quer constituirá o último testemunho verdadeiramente relevante da pintura maneirista em Portugal541. A força sacrossanta das imagens sagradas, enquanto intermediárias de oração e combate pela fé católica, foi atestada, assim, através de uma prática de abertura unívoca, assente numa programação centralizada e em artistas capazes de a levar a bom termo. O esforço de recuperação de uma História oculta, muitas vezes ficcionada ao sabor de desígnios de propaganda, permitiu ao Arcebispo, através dos supervisores das suas obras, como o arquitecto­­‑escultor Pero Vaz Pereira, reabilitar velhos locais de martirológio, lançar novas iconografias e dar ênfase a discursos artísticos com força catequética. Houve uma intenção apologética de provar a ancianidade do culto cristão em terras alentejanas (com São Manços e São Jordão à cabeça), recuperando vestígios, repondo devoções e destacando a relevância e a identidade de uma comitência portuguesa verdadeiramente esclarecida. Pretendia­­‑se reivindicar, portanto, e a exemplo do que sucedia em Espanha, a existência de um culto martirial português com significativo destaque histórico­­‑arqueológico 542. Nesse quadro de afirmação face a Roma, o Arcebispo D. Teotónio deu­­‑lhe a devida corporalização, revestiu­­‑o de legitimidade, ilustrou­­‑o com imagens novas e sinalizou os seus espaços de devoção. Em suma: o intuito de consolo espiritual através da emoção provocada pelas imagens sacras como intermediárias de fé, aliado à cenografia dos novos espaços arquitectónicos entendidos como 263

auditórios trans­­‑memoriais das comunidades cristãs, constituíu uma das linhas tridentinas mais importantes de renovação do arcebispado de D. Teotónio de Bragança na Évora do final do século XVI e inícios do século XVII. Era preciso, por isso, dar a conhecer a importância desse legado artístico, no seu conjunto, abrindo caminho para novos estudos.

264

Notas 487 Ottavio Nicoli, Vedere com gli occhi del cuore. Alle origine del potere delle immagini, Roma, Laterza, 2011. 488 Flávio Gonçalves, Breve Ensaio sobre a Iconografia da Pintura Religiosa em Portugal, cit. 489 Paulo Varela Gomes, op.cit., e Susana Matos Abreu, op. cit. 490 Recente estudo de Hugo Crespo, «André de Resende na Inquisição de Évora e a apologética anti­­‑judaica: ciência teológica, doutrina e castigo (1541). Um autógrafo inédito. Novos documentos para as biografias sde André de Resende e Jorge Coelho», revista Humanismo, Diáspora e Ciência. Séculos XVI e XVII, Lisboa, 2013, pp. 151­­‑212, demonstra que a ideia de tolerância em homens como André de Resende tem de ser tomada com as devidas cautelas. Era sobretudo um homem da Contra­­‑Reforma. Mostra­­ ‑se aí como o famoso escritor e humanista só epidermicamente manteve fidelidade aos princípios erasmianos da tolerância, que sempre lhe têm sido tributados como imagem de marca. Afinal, assumiu­­‑se antes como um ortodoxo militante na sua luta contra as heresias, como se atesta no processo contra o mercador Pero Álvares, cristão­­‑novo reprimido pelo Santo Ofício, caso exemplar para uma nova visão de Resende, que vem esclarecer melhor o carácter da sua obra ulterior de ressaibos tridentinos. 491 Cf. Ana Pagará (coord.), Vera Cruz de Marmelar, Portel, ed. Paróquia de Vera Cruz de Marmelar, 2006, e Joaquim Chorão Lavajo, «Vera Cruz de Marmelar e Santo Lenho de Évora. Contextualização histórico­­‑religiosa», Eborensia, nº 47, 2013. 492 Rui Galopim de Carvalho, «Esplendor e pedrarias», in cat. O Santo Lenho da Sé de Évora. Arte, Esplendor e Devoção, coord. de Artur Goulart, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2006. 493 Cf. Artur Goulart (coord.), Memória e Esplendor. Arte Sacra na Arquidiocese de Évo‑ ra, Fundação Eugénio de Almeida, 2014, pp. 14­­‑15. Este painel (e a sua predela, que representa O Imperador Heráclio e o Exalçamento da Vera Cruz) decorava o retábulo da Capela do Santo Lenho, no transepto da Sé, até às remodelações do presbitério no tempo de D. João V. A capela, antes de 1537, era dedicada a São Pedro e São Paulo, razão porque Gregório Lopes, na ocasião, também pintou dois quadros com esses santos e os respectivos martírios. Já no tempo de D. José de Melo, cerca de 1620, foram acrescentados três novos painéis com passos da História da Vera Cruz, também expostos no Museu de Arte Sacra. Quanto ao grande painel aqui referenciado, foi levado mais tarde, com as obras de Ludwig na capela­­‑mor barroca, para o altar de Santa Helena, construída no século XVIII no lado ocidental do claustro. 494 É a fase em que Gregório Lopes pinta o retábulo do mosteiro de Santos­­‑o­­ ‑Novo (M.N.A.A.), as esquecidas tábuas de Cem Soldos (Tomar) e as do Bom Jesus de Valverde (1544), estas últimas identificadas por Manuel Joaquim Branco com prova documental. Em todas estas magníficas pinturas do final do Renascimento português se encontram fundos compostos directamente a pincel, num virtuosismo de figurinhas em movimento, entre paisagens e arquitecturas clássicas. São do melhor de sempre da pintura portuguesa ! Mas cedo viria o novo gosto do despejo dos maneiristas, fiéis a uma outra escala de figuras e com outros pressupostos estéticos, erradicando dos repertórios picturais essa poesia dos segundos planos que teve em Gregório Lopes o seu maior e melhor cultor.

265

495 Luís Urbano Afonso, A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico Internacional e o fim do Renascimento: formas, significados, funções, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/ Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2 vols., 2009, vol. II, pp. 653­­‑659. Os frescos mais antigos desta igreja, datados de 1526, representam São Martinho, São Francis‑ co, Santo Bispo (São Jordão ?), São Miguel (?) e a Imaculada Conceição. 496 Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal…, VII, 1975, pp. 384­­‑385. 497 Os mártires da Concórdia, São Secundino e São Rómulo, companheiros de São Donato, pereceram, segundo a tradição, nas repressões do tempo de Galiano, em 264 d.C., e as suas relíquias apareceram no lugar de Beselga, Torres Novas: cf. Padre Jorge Cardoso, Agiologio Luzitano dos sanctos, & varoens ilustres em virtude do reino de Por‑ tugal, e suas conquistas, Lisboa, vol. II, 1652, p. 453, e vol. III, p. 263. Algumas pedras insculpidas procedentes da alegada sepultura encontram­­‑se na igreja do Salvador (cf. Vitor Serrão, As Igrejas do Salvador, São Tiago e São Pedro de Torres Novas. Arquitetura e equipamentos artísticos, Torres Novas, 2012, pp. 68­­‑70). 498 Artur Goulart (coord.), Arte Sacra no Concelho de Reguengos de Monsaraz, F.E.A., 2012, pp. 38­­‑39 (ficha de Jorge Moleirinho). 499 O topónimo medieval desta aldeia de remotas origens era São Brás do Jorradouro, segundo informação de Francisco Bilou. 500 Flávio Gonçalves, Breve Ensaio sobre a Iconografia da Pintura Religiosa em Portugal, cit., p. 13. 501 Flávio Gonçalves, História da Arte. Iconografia e Crítica, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1990 (colectânea póstuma de estudos deste especialista), pp. 111­­‑127. 502 Vítor Serrão, O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1983. 503 Helena Pinheiro de Melo, op. cit., pp. 150­­‑154. 504 «Hum painel de flandres a óleo da Conversão de S. Paulo mil e quinhentos rs»: A.S.E., Inventários dos bens móveis de D. Alexandre de Bragança (PT/ASE/ME/B/002/Doc.003). DOC. Nº 35. 505 Ottavia Nicoli, Vedere com gli occhi del cuore…, cit. 506 Giulio Carlo Argan, «A tarefa da crítica», Arte e crítica da Arte, ed. portuguesa, Lisboa, Editorial Estampa, 1988. 507 Federico Zeri, Pittura e Controrriforma…, cit. 508 Cf. Giordano Viroli, «I luoghi della continuità e del mutamento dalla Controriforma al naturalismo del Seicento. Intenzioni e inclinazioni nella pittura in Romagna», Bíblia Pauperum. Dipinti dalle diocesi di Romagna, 1570­­‑1670, Nuova Alfa Editrice, Ferrara, 1992, pp. XXIX­­‑LXIX. 509 Como afirmou o poeta José Tolentino de Mendonça, «a Igreja precisa dos artistas para que as representações de Deus não fiquem sequestradas pela racionalidade, mas possam tocar aqueles reservatórios de mistério e de sensibilidade que é o coração do homem», em depoimento ao jornal Público de 24­­‑XII­­‑2013. 510 Maria de Lurdes Correia Fernandes, «Recordar os ‘Santos vivos’: leituras e práticas devotas em Portugal nas primeiras décadas do século XVII», Via Spiritus. Revista de História da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, vol. 1, 1994, pp. 133­­‑157. 511 João Rebelo, S.J., Historia dos milagres do Rosario da Virgem Nossa Senhora, 1ª ed., Évora 1599.

266

512 Federico Palomo del Barrio, «Limosnas impresas. Escritos y imágenes en las prácticas misioneras de interior en la Peninsula Ibérica (siglos XVI­­‑XVIII», Manus‑ crits, nº 27, 2007, pp. 239­­‑265. 513 Federico Palomo del Barrio, «Limosnas impresas…», cit., p. 258. 514 Nesta capela de Outeiro Seco, sob o nicho central, corre uma inscrição votiva pintada a fresco com testemunho gratulatório de intercessão que, segundo o Prof. Arnaldo Espírito Santo, a quem recorremos, é assim reconstituível (com falhas e zonas ainda cobertas de reboco): [VIRGO PR]IVS AC POSTERIVS INTERCEDE PRO ME, [AD / APVD] I[ES]VM XR[IS]TVM ET CONSERVA DO[MVM] [QVAM IN LAV]DEM NOMINIS TVI [INSTRUXIMVS] / [ou CONSTRVXIMVS]/ [ou EREXIMVS]», ou seja: Virgem antes e depois [do parto] intercede por mim, junto de Jesus Cristo, e conserva a casa que em louvor do Teu Nome construímos. Ignora­­‑se quem eram os membros dessa Confraria do Rosário que encomendaram o fresco. 515 A Capela de Nossa Senhora do Rosário de Outeiro Seco está a ser alvo, na altura em que este livro se ultima, de oportuno restauro por parte da equipa da empresa Mural da História (técnicos de conservação e restauro José Artur Pestana, Alice Cotovio e colaboradores). 516 Juan de Sagástizábal, Exortación a la Santa Deuoción del Rosario de la Madrte de Dios, Sevilla, 1597, pp. 765­­‑766. 517 Émile Mâle, L’art réligieux de la fin du Moyen Âge en France, Paris, 1949, pp. 267­­‑272. 518 Cf. Antonio Herrara Casado, «La Capilla de Luis de Lucena en Guadalajara», cit., pp. 5­­‑25; e Lucía Varela Merino, «La venida a España de Pietro Morone y Pietro Paolo de Montalbergo», cit., pp. 175­­‑184. 519 Maria José Redondo Cantera, «Aportaciones al estudio iconográfico de la capilla Benavente», Boletín del Seminario de Estudios de Arte y Arqueología (BSAA), nº 47, 1981, pp. 245­­‑264. 520 Archivo Historico Nacional de Madrid, Sección Nobleza, Toledo – Casa de Frias, Cajas 1375­­‑1377. Ver DOC. Nº 55. 521 Celso Mangucci, «Anatomia da arquitectura da igreja da Colegiada de Santiago», cit., pp. 33­­‑35 e 39. 522 Túlio Espanca, Inventário Artístico…, 1966, pp. 386­­‑387. A igreja caíu ao abandono nos anos 70, quando a aldeia se despovoou. Túlio Espanca ainda refere a existência de várias imagens, pinturas e retábulos de talha, cuja salvaguarda não foi devidamente acautelada e foram, assim, desaparecendo. Havia, por exemplo, duas tábuas maneiristas (Anunciação e Visitação), a primeira das quais poderá ser o painel (da autoria de Francisco João, c. 1590) que foi recentemente licitado num leilão do Correio­­‑Velho. 523 Luís Urbano Afonso, op. cit., vol. II, pp. 659­­‑660, descreve os frescos, de várias fases do século XVI, que ainda se detectam na ruína desta antiga sede paroquial, outrora próspera. 524 Federico Zeri, op. cit. 525 Túlio Espanca, Inventário…, pp. 388­­‑389. Cf. também, do mesmo autor, Patri‑ mónio Artístico do Concelho de Évora, C.M.E., 1957, pp. 159­­‑161.

267

526 A.D.P., PT­­‑ADPTG­­‑PCELV/4/12/40, tb. 21, fls. 93 vº a 99. Informação inédita do Dr. Fernando Pina. 527 Celso Mangucci, «Francisco da Silva, António de Oliveira Bernardes e Francisco Lopes Mendes na igreja da Misericórdia de Évora», Cenáculo, nº 3, Setembro de 2008, pp. 3­­‑18 (refªs pp. 5, 6 e 10, nota 29). O contrato consta de A.D.E., Lº 1056 de Notas de Francisco Lopes, 1715­­‑1716, fls. 119­­‑122. 528 Este dado consta do testamento inédito desse pintor setecentista (no A.D.E.) dado a conhecer por Custódia Araújo, investigadora do projecto Prim’Art. 529 Túlio Espanca, Inventário Artístico…, 1966, p. 355. Trata­­‑se de um retábulo mandado fazer em 158(?) por D. Maria de Castro, viúva de Heirtor de Melo, segundo a inscrição. O pintor não é identificável, mas o entalhe remete, mais uma vez, para o estilo de Diogo Nobre. 530 Túlio Espanca, Inventário Artístico…, 1966, p. 387. Resta ainda a estrutura de talha maneirista do retábulo (por Diogo Nobre ?). As duas tábuas maneiristas representam São Gregório Magno e São Brás (?) e são certamente do pintor Francisco João, c. 1580. A desafectada igrejinha pertence a propriedade particular. 531 Cf. a discussão sobre o conceito, p. ex., em M. Hochmann, J. Kliemann, J. Koering e Philippe Morel (coord.), Programme et Invention dans l’Art de la Renaissance, Actes du Colloque de la Villa Médicis, Paris, 2008. 532 Cf. Jean­­‑Marie Guillouët e Claudia Rabel, «En quête du programme» »,more Le Programme. Une notion pertinente en histoire de l’art médiéval ?, Cl. Rabel et J­­‑M. Guillouët (dir.), Paris, Éditions du Léopard d’Or, CNRS ­­‑ Institut de recherche et d’histoire des textes, 2011, pp. 5­­‑16.. 533 Sobre a arte dos esgrafitos em obras do tempo de D. Teotónio, caso da fachada da igreja de São Tiago, cf. Joaquim Inácio Caetano, «Revestimentos de imitação da pedra em Évora ou o gosto pela arquitectura erudita», Monumentos, nº 26, 2007, pp. 175­­‑179. 534 Cf. Ana Maria Tarrio, Paisagem e erudição no Humanismo português. João Rodrigues de Sá e Meneses, ‘De Platano’ (1527­­‑1537), Lisboa, F.C.G., 2009. 535 No A.D.S., Lº de Escrituras do Cabido, 1534­­‑1589 (PT/ASE/CSE/F/A/005/ Lv.20), fls. 92 vº a 94, consta um aforamento de casas na Rua da Oliveira, com data de 15 de Maio de 1538, em nome de um Mestre Nicolau que pode ser o escultor. 536 Fernando Grilo, Nicolau de Chanterenne e a Escultura do Renascimento em Portugal, tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 2001; e cat. Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Descobrimentos em Évora (1516­­‑1624), Évora, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. 537 Cf. textos do cat. Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Descobrimentos em Évora (1516­­‑1624), comiss. por Fernando António Baptista Pereira, Évora, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. 538 Luís Reis­­‑Santos, «Painéis de Mestres de Ferreirim para igrejas e conventos de Évora», A Cidade Évora, nº 21­­‑22, 1950, pp. 35­­‑52. 539 Luís Filipe Barreto, Descobrimentos e Renascimento : formas de ser e pensar nos séculos XV e XVI,  Lisboa, Imprensa Nacional­­‑Casa da Moeda, 1983.

268

540 J. Pinharanda Gomes, Dom Teotónio de Bragança (Escritos Pastorais), Braga, 1984, p. 9. 541 Vitor Serrão, «Pedro Nunes (1586­­‑1637): um notável pintor maneirista eborense», boletim A Cidade de Évora, nºs 71­­‑76, anos XLV­­‑L, 1988­­‑1993 [Évora, 1994], pp. 105­­‑138. 542 Cécile­­‑Vincent Cassy, Les Saintes Vierges et Martyres dans l’Espagne du XVIIème siècle, cit.

269

ELENCO DOCUMENT A L

O elenco que se segue, que inclui cinquenta e seis manuscritos transcritos, decorre de uma seriação apertada das largas centenas de documentos, na sua maioria inéditos, reunidos no decurso da presente investigação. Foram escolhidos pela sua relevância para o tema em apreço (caso do mss. D. Teotonio de Bragança. Noticia do seu governo, por exemplo) ou, ainda, como clarificação específica de determinados tipos de contrato de obra (no campo da pedraria, da pintura ou do entalhe). A leitura e fixação de texto devem­­‑se ao autor, salvo alguns casos em que a lição paleográfica é da responsabilidade da Doutora Patrícia Monteiro, e que devidamente se assinalam. Tal como sucede ao longo do livro, e com excepção de alguns documentos que já foram publicados ou referenciados, casos esses em que se indica naturalmente a fonte bibliográfica devida (Fernando Bouza Álvares, Francisco Bilou, José Monterroso Teixeira, Manuel Joaquim Branco, Mário Cabeças, Patrícia Monteiro, Pedro Flor), todos os outros são o resultado da pesquisa inédita do autor.

271

DOCUMENTO Nº 1. 1581, 4 de Julho. Obras realizadas e peças adquiridas na visitação à Sé de Évora pelo Arcebispo D. Teotónio de Bragança. Visitação do Arcebpº do anno de 81. Dom Theotº de Bragança por merçe de Ds e da Sancta Igreja de Roma Arçebpº de Evora, aos que esta nossa carta de Visitação virem, saúde em Jhus xpo nosso salva‑ dor, fazemos saber que visitando nos pesoalm.te esta See, dignidades, conegos e bene‑ ficiados della o anno de settenta e nove, não podendo proceder na visitação por causa ded sermos chamados del Rey que Ds tem has cortes que se celebraram em Almeirim, que porque durarão tanto tempo e socedeo logo o mal da peste de que Nosso Snõr nos livre, com a ocasião della se absentaram os mais dos capitulares e se adjuntaram muito tarde e ouvemos de ir beijar a mão a el Rey meu sõr a Elvas e fomos logo cha‑ mados no mês de Janeyro a Cortes por Sua Mag.de não podemos athe agora acabar a dita Visitaçam, ouvemos por bem dfe a concluir e ordenamos as cousas seguintes. Porque a autoridade desta See e o culto divino que nela se celebra respondão os ornamentos pera maior gloria de Nosso Snõr e edificação de todos, mandamos que se faça hum pontifical inteyro de chamalote de prata rico pera servir nos Pontifi‑ caes do Oraguo desta See por acharmos aver falta disso, & assi mandamos que se faça huma lâmpada de prata pera a cappella mor de q. há muyta necessidade. Ordenamos mais q. se compre huma tapeçaria de flandes fina de raz de figuras da scriptura pera se armar nas Endoenças por acharmos que não he decente a quje agora serve. Mandamos que as reliquias que se guardão na sancristia se ponhão com as mais que estão na capella da vera cruz por estarem com mais deçencia e que pera a relíquia do bem aventurado são sebastião se faça huns vultos de prata em onrra deste bemaventurado martyr por ser nosso advogado neste trabalho que padece‑ mos o anno passado. & conciderando as inquietações grandes que sucederão e as mudanças que ouu‑ ve de que foi forçado absentarse, & dos que falecerão, e de novo forão providos, e o muito tempo que he passado neste meio e a poucacomodidade que ouve pera as cousas do culto divino e serviço de nosso senhor, se assentarem com aquella autori‑ dade e veneração que sempre se fez, e se devia fazer nesta Se, nos pareceo somen‑ te por ora emquanto outra coisa não ordenarmos, mandar encomendar muyto ao nosso Dayão, e o Cabido e mais pessoas da nossa See que com muyta vigilância e cuidado continuem ao serviço della e guardem em tudo os statutos que ElRey que ds tem Dom Henrique de boa memoria sendo nesta Igreja Arcebpo ordenou em as suas visitações e asy mesmo o regimento do choro, que ora serve como deles se spera e eu confio que farão (...).

272

Dada em Evora sob nosso sinal e sello a quatro dias de julho de mil quinhemtos e oitenta e hum, Balthezar mendes a fez por mandado especial do Snõr Arçebpº. Dada em Evora sob nosso sinal e sello a quatro dias de Julho de mil e quinhen‑ tos oitenta e hum. Balthesar mendez a fez por mandado special do snõr Arcebpo. Arquivo da Sé de Évora (ASE), Visitações do Sr Arcebpº Dom Theotº (desde 1579) athe 1583 e 1584, caderno solto (PT/ASE/CSE/A/009/Mç. 1, 1444­­‑1595). Existe cópia na B.P.E., Cód. CIX/2­­‑7, nº 52).

DOCUMENTO Nº 2. 1581. Regimento de D. Teodósio de Bra‑ gança para ser cumprido nas visitações dos oratórios da Arquidio‑ cese de Évora. Regimento e Interrogatorios pª a visitaçam dos Oratorios. (…) Item que verarsehá se ho lugar em que esta ho Oratorio edificado se he de‑ cente, esse esta cercado de casas onde se durma, ou aja alguma imundiçie, ou se esta apartado sobre si fora da serventia das casas. Sabersehá quamto tempo he fundado, por cuja autoridade, e se tem dolte pª ser delle fa‑ bricado, e se há nisso papeis ou escreturas, e em que ppiedade tem dotte, e qto rende. (…) Se as imagens de vulto, e as de pintura estão honestas assim na pintura como nos vestidos, e se hos vestidos das Imagens e ornamentos que servem no oratório se ser‑ vem, ou os tomam ou dam pª outros uzos, e se os oratórios estam sufficientemente ornados, e que ornamtºs tem, e avemdo falta se proverá no que for necessário, e sem todas estas cousas sam do dito oratório. (…) Se os ornamentos estam encomendados a pesoa que tenha calidade pª tratar as cousas do altar e quem lava os corporais, e se ho oratório esta sempre fechado. Se ho sacerdote que diz missa em algum oratório he conhecido e sendo de fora do aercebpdº se tem demissória e se tem provincial particular do Arcpº pª dizer mis‑ sa em oratórios conforme ao Synodo provincial, e se confessa ou dá ho Sacramtº a alguém nos ditos oratórios.(…) B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 61, Oratorios desta Cidade de Evora, fls. 5 e vº.

DOCUMENTO Nº 4. 1582. Bens que possuía D. Fernando de Cas‑ tro, 1º Conde de Basto, no seu palácio de Évora. (fl. 307 e segs.). Fazenda que tem em seu poder o Senhor D. Fernando de Castro que levou depois do falesimento de seu pai (1580):

273

Consta per hum inventario que veio da Cidade de Lisboa que ao diante vai da fasenda que o senhor dom Fernando levou deste cazal depois do falecimento de seu pai em que somam as pessas de prata que tem em si conforme o dito inventario duzentos e oitenta e seis mil seiscentos e cincoenta reis........................286V250 Consta mais pello dito inventario de Lisboa ter o dito senhor Dom Fernando em si de movens de caza que foi avaliado em duzentos e sesenta e nove mil e seis sen‑ tos reis.............................................................................................269V600 Consta mais ter o dito senhor Dom Fernando em si desta fazenda quatro escravos os quais levou depois do falesimento do dito seu pai que somão de todo os pressos delles cento e quinze mil reis, digo, quatro escravos............................115V000 (fl. 307 vº) Consta mais ter o dito Senhor Dom Fernando desta fazenda hum cavallo e huma mulla e dous machos prettos que tudo foi avaliado em sincoenta e oito mil reis........................................................................................58V000 Escravos que há em Caza. Fernando Nunes negro velho avaliado em doze mil reis...................................................................................................12V000; Dameão negro velho avaliado em dezoito mil reis...............................18V000; Bastião escravo pretto avaliado em dezaseis mil reis por ser doente......16V000; Luisa preta mossa avaliada em trinta mil reis...................................30V000; Bento escravo que fica forro no testamento avalliado em trinta mil reis.30V000; Olaia pretta esta muito doente há muitos annos, avaliada em des mil reis..................................................................................10V000; Huma mulla (sic) que tem o senhor Dom Miguel Bispo, preta boa, avaliada em trinta mil reis....................................................................................30V000; (fl. 308) Hum macho pequeno avaliado em oito mil reis...................................8V000. Aos vinte e hum dias do mes de Fevereiro de mil e quinhentos e oitenta e dous annos nesta cidade de Evora nas pousadas da Senhora Dona Lianor de Ataide, molher que foi de Dom Diogo de Castro, o juiz e partidos todos juntos prosegui‑ ram por este inventario adiante. Gaspar da Costa o sobscrevi. Avaliassão da tapessaria que fizerão Thomas Rodrigues e Luis Lopes mercadores. Oito panos de Ras e duas guardaportas todas de fora e estopa uzados que todos tem duzentos e sasenta e sete annas avaliada a anna a sete tostõins soma ao todo cento e sesenta e seis mil e novesentos reis.......................................66V900 543 Huma cama de Ras nova com suas dianteiras de tafeteira (sic) de seda e descorada (?) de retros verde avaliada em sincoenta mil reis toda juntamente, digo, forrada de retros verde....................................................................................50V000 Duas almofadas de rãs avaliadas em dous mil e quinhentos reis............2V500 (fl. 308 vº) Panos de rueda que pede causa (sic) de estofa baixa que sam sasenta annas avaliada a anna a trezentos reis soma dezoito mil reis, digo, panos de folha‑ gens de Ras desta fabrica........................................................................18V000

274

Huma alcatifa da India com huma rosa no meio vermelha, e branca, com cadi‑ lhos de retros azul nas cabeseiras avaliada em nove mil reis...................9V000 Outra alcatifa de estrado grande dazull e amarello com cercadura de vermelho e huma Roza grande vermelha no meio avaliada em dezaseis mil reis.....16V000 Outra alcatifa da India uzada com seus cadilhos de retros verdes avaliasda em tres mil reis 3V000Outra alcatifa de estrado uzada com cadilhos brancos e de retros avaliada em seis mil...................................................................6V000 Huma alcatifa de Castella amarella avalliada em seis mil reis, digo tres mil reis......................................................................................................3V000 Outra alcatifa mais pequena damarello com cadilhos brancos avaliada em dous mil reis................................................................................................2V000 (fl. 309) Outra alcatifa pequena preta com sua Roza no meio com cadilhos de seda avaliada em mil e quinhentos reis..................................................1V500 Outra alcatifa de Castella de branco e vermelho com cadilhos brancos avaliasda em mil e quinhentos reis.......................................................................1V500 Outra alcatifa de Castella com cadilhos brancos de vermelho e branco avaliada em dous mil reis ..................................................................................2V000 Tres alcatifas pequenas, duas novas e huma velha, avaliadas todas em sinco mil reis......................................................................................................5V000 Outra alcatifa de estrado com des rodas com cadilhos brancos ao redor avaliada em oito mil reis....................................................................................8V000 Outra alcatifa velha destrado de rodas avaliada em dous mil e quinhentos reis................................................................................................. 2V500 Outra alcatifa da India grande com cercadura preta e cadilhos pretos avaliada em dezaseis mil reis.................................................................................16V000 Huma cubriçãm digo pano de verdura meuda de flandes de dezoito annas a cru‑ zado a Ana somão sete mil e duzentos reis...........................................7V200 (fl. 309 vº) Quatro lambeis mouriscos amarelos e verdes e vermelhos nas cabesei‑ ras avaliados em sinco mil reis..............................................................5V000 Hum pano grande da Historia de Sansão velho que tem sesenta e seis annas ava‑ liado em vinte mil reis........................................................................20V000 Hum pano velho cortado por huma ilharga que tem quarenta e duas annas, ava‑ liado por ser muito velho em sete mil reis...............................................7V000 Outro pano velho de figuras velho que tem corenta e duas anas avaliado em doze mil reis ...............................................................................................2V000 Outro pano velho de figuras velho que tem corenta e duas anas avaliado em des mil reis .............................................................................................10V000 Outro pano muito velho de figuras que tem sasenta e tres annas avaliado em des mil reis..............................................................................................10V000

275

Outro pano velho de figuras que tem humas figuras grandes sem sercadura per humas ilhargas avaliado em sinco mil reis.............................................5V000 Outro pano velho, e pequeno, avaliado em dous mil reis........................2V000 Outro pano velho de figuras avaliado em tres mil reis............................3V000 (fl. 310) outro pano grande muito velho de figuras que tem sasenta e trez annas avaliado em des mil reis.....................................................................10V000 Outro pano grande de figuras já uzado que tem trinta e duas annas avaliado em doze mil reis......................................................................................12V000 Outro pano grande de figuras já uzado, digo outro pano velho de figuras que tem vinte e quatro annas avaliado em seis mil reis........................................................6V000 Outro pano grande velho de figuras que tem quarenta e duas annas avaliado em quatorze mil reis................................................................................14V000 Hum guardaporta de folha que he velho avaliado em dous mil e quinhentos reis. 2V500 Outro pano que tem dous homens a cavallo avaliado em trez mil reis....3V000 Hum guardaportas de figuras muito velho avaliado em mil reis.............1V000 Outro pano de figuras pequenas e de verdura muito velho que tem trinta annas avaliado em sinco mil reis.....................................................................5V000 (fl. 310 vº) Outro pano de montaria e folhas que he velho que tem vinte annas avaliado em dous mil e quinhentos reis.................................................2V500 Outro pano de montaria em folhagem que he velho que tem vinte e quatro anãs avaliado em tres mil e quinhentos reis...................................................3V500 Outro pano velho e remendado de montaria e folhagem que tem trinta annas ava‑ liado em dez crusados...........................................................................4V000 Outra guardaporta do mesmo teor avaliado em mil e quinhentos reis.....1V500 Hum lambel grande mourisco de vermelho e azul com seus cadilhos avaliado em quatro mil reis.....................................................................................4V000 Huma alcatifa de Castella velha avaliada em tres cruzados que tem suas rodas de verde pello meio...............................................................................1V 200 Duas almofadas de velludo pretto cairelladas de retros avaliadas em sinco mil reis e sam novas..........................................................................................5V000 Outras duas almofadas de velludo pretto já uzadas avaliadas em tres mil reis...3V000 (fl. 311) duas almofadas de veludo velho, digo verde, avaliadas em sinco mil reis....5V000 Quatro coxins de raz uzados avaliados em quatro mil reis........................... 4V000 Huma cama de leito com seu sobreceo, e comedises de lambel mourisco franjado com seus alperanozes (sic), e as franjas sam de retros, avaliado em vinte mil reis............ 20V000 Huma mão digo de label com seuis cadilhos avaliado em tres cruzados..... 1V200 Hum pano grande de figuras já velho que tem sesenta e duas annas avaliado em doze mil reis......................................................................................12V000

276

Outro pano velho de vinte e quatro aannas de figuras avaliado em quatro mil reis......................................................................................................4V000 Outro pano grande velho de figuras que tem oitenta e quatro annas avaliado em dezaseis mil reis.................................................................................16V000 Hum leito de tofrieira (?) com suas corredisas avaliado em sinco mil reis.5V000 (fl. 311 vº) outro leito de Londres (?) azul franiado de retros com suas corredisas e sem alparavazes avaliado em des mil reis................................................ 10V000 Outro leito de panno verde de borcado de veludo já velho avaliado em sinco mil reis......................................................................................................5V000 Dous bancos hum azul e outro verde avaliados em tres mil reis...............................3V000 Aos vinte e dous dias do mez de Fevereiro de mill e quinhentos e outenta e dous annos nas cazas da senhora dona Lianor de Ataide, molher do senhor Dom Diogo de Castro que Deus tem, o Iesenseado Lansarote Leitão, Juiz de Fora dos órfãos nesta cidade de Evora, pos termos com os partidores e avaliadores prosseguirem com este inventario por diante e pela maneira seguinte, Gaspar da Costa o escrevi. Huma colcha branca de Castella de lavor com hum cairel ao redor avaliada em quatro mil reis.....................................................................................4V000 outra colcha branca lavrada avaliada em tres mil reis...........................3V000 (fl. 312) outra colcha velha do mesmo teor avaliada em tres mil reis......3V000 Outra colcha dolanda lavrada com seu cairel ao redor avaliada em seis mil reis. 6V000 Outra colcha de Olanda branca com seus caireis ao redor e lavrada, avaliada em oito mil reis .......................................................................................08V000 Outra colcha branca já rota avaliada em mil e quinhentos reis...........................1V500 Outra colcha de seda da India forrada de Bertangil acairelada ao Redor avaliada em oito mil reis....................................................................................8V000 Outra colcha da India de alcachofrado de marqua grande avaliada em seis mil reis......................................................................................................6V000 Huma colcha da India lavrada em mandacha (?) avaliada em doze mil reis.......12V000 Huma colcha de Holanda grande lavrada com seus caireisa ao redor avaliada em dezaseis mil reis.................................................................................16V000 (fl. 312 vº) outra colcha branca já rota avaliada em mil e quinhentos reis..... 1V500 Outra colcha grande dolanda toda branca com seu cairel ao redor avaliada em dezaseis mil reis.................................................................................16V000 Outra colcha do mesmo teor da outra asima avaliada em dezaseis mil reis..... 16V000 (fl. 324) onze painéis os panos sem guarnissam a cruzado cada hum soma qua‑ tro mil e quatro sentos reis...................................................................4V400 (fl. 328) Aos vinte e sete dias do mes de Fevereiro de mil e quinhentos e outenta e dous annos nas pouzadas da senhora dona Lianor dataide, o juiz e partidores

277

foram proseguindo com este inventario per diante na maneira seguinte, Gaspar da Costa que ho escrevi.Porselana. Vinte e hum que se avaliaram cento e vinte, e nove alguidarinhos de persolanas...10V300 Seis persolanas grandes avaliada cada huma a seis tostõis soma mil e oitosentos reis......................................................................................................1V800 Sasenta e oito persolanas de tafila avaliadas humas e outras com suas pombinhas em sete mil reis e o cofre em que estam estas persolanas a sinco tostõis....7V500 Sinco duzias e meia de persolanas da India, convem a saber, tres dúzias grandes, e asi mais pequenas avaliados humas por outras a sete vinteins, fazem soma nove mil duzentos e quarenta e seis........................................................................ 9V246 (fl. 328 vº) vinte e seis pratos pequenos da India a quatro vinténs cada hum so‑ mam dous mil e setenta reis..................................................................2V070 Doze pratos grandes de persolana a modo de prata de cosinha, avaliados a seis tostõis cada hum soma juntamente trez mil e seiscentos reis...................3V600 Sinco bratos meãos de persolana avaliados a tostão somam quinhentos reis..... V500 Seis gomis de persolana com doze galhetas do mesmo theor, ehum saleiro de per‑ solana e huma cabassa de pao da India avaliado tudo juntamente em tres mil e seis sentos reis... 3V600 Mais huma caixa de persolana e hum saleiro dentro avaliado tudo em tresentos reis........................................................................................................ V300 Hum cofre em que estava restos de persolanas avaliado em sinco tostõis... V500 Seis dúzias e meia de pratos de persolana avaliados cada hum a quatro vinténs somão sete mil e duzentos reis...............................................................7V200 (fl. 329) onze dúzias de persolanas de comer avaliadas a tostão cada hum soma juntamente treze mil reis....................................................................13V000 Hum saleiro de marfim com des colheres de marfim avaliado tudo juntamente em dous mil e oitosentos reis.......................................................................2V800 Arquivo Histórico da Fundação Eugénio de Almeida (A.H.F.E.A.) – Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto dom Lourenso pires de Castro que faleseo em Catalunha no lugar de fraga sem descendentes deixando por sua universal herdeira a senhora Condessa de Basto Dona Violante de Lencastre sua molher (também com originais de 1582 e 1617, além dos de 1642­­‑44, cozidos no mesmo maço) 544.

DOCUMENTO Nº 5. 1584. Rol de ornamentos dados pelo Cabido da Sé de Évora para a igreja de Santo Antão desta cidade. Nos o Dayão e Cabido da Sta Seé D’Evora ett. Mandamos a vos Antonio Gomez nosso prioste que deis ao Rector que ora he da ygreja de Santo Antão çincoenta mil

278

rs pª ornamentos que se mandarão fazer na dita ygreja por visitações passadas, com o Sºr Arcebpº nosso prelado há de dar as duas partes destes custos, e por este assinado por dous capitulares e asselado de nosso sinete segundo nosso costume vos serão levados em conta. Jrmº dalmeida cónego e secretrº do Cabido o fez a 6 de novembro de 1584. (aa) O Deão – O Thesoureyro Manoel do Valle mandounos que do dinhrº do deposito da igreja de Sto Antão desta cidade mandeis fazer pera serviço da dita igreja as cousas declaradas que por agora são It. Tres grades pera as tres capellas do cruzeyro de ferro de balaustres redondos de altura de oito palmos e da grossura que sãon as das tres capellas pequenas da seé. It. Hum Retavolo pera o Altar do santo sacramtº cõ seu sacrário metido nelle. It. Hum púlpito de madrª quadrado e bem feito. It. Quatro cõfessionarios de madeira pequenos. It. Huma estante de madeira pera o choro alta. It. Hum caliz de prata pera o serviço comum da igreja. It. Huma cruz de prata pequena pera ass unções. (n: Esta se fez e se levou a conta o pcº della) It. Hum missal e dous Bptisterios. It. Huum livro gradual dos impressos em papel pera cantarem por elle as missas. It. Huãs vidraças pera as frestas que agora estão tapadas. It. Levantar a parede das andaynas da parte das casas que forão de dom Jorge de mello de modo que se não devassem. It. Huum ornamento de damasco Branco com çanefas de veludo cremesy, a saber, capa de asperges, manto, e dalmáticas, frontal pera o Altar moor, panno de pulpeto, e pano destante e fronha pera o missal, as tres alvas com seus Regaços do mesmo. It. Dous frontaes do mesmo damasco e veludo pera os dous altasres das ilhargas. It. Seis frontaes de chemalote cramessy cõ os sobrefrontaes de cetim branco pera que digão com os da frontaria pera as capellas das naves. It. Quatro Alvas novas pera servirem com as vestimentas quotidianas que ago‑ ra servem. It. Duas sobrepelizes pera serviço da sãocrestia e per este escrito do escrivão de vosso carguo no livro de vossa despª e conhecimentos das partes a que comprardes e mandardes fazer vos sera levado em conta todo o dinheiro que nas ditas cousas despenderdes ficando as peças que forem de Receptas carregadas sobre a pessoa a que pertencer. Manoel nogueyra o fez em Evora a bj de Mayo de bc lxxbiij e este não passara pela Chancelaria. (Nota: Pera Manoel do Valle que do dinhrº do depossito da igreja de Sto Antão mande fazer as peças declaradas e mais cousas que são necessárias pera serviço da dita igreja).

Arquivo da Sé de Évora (A.S.E.), Róis de Despesa com alvarás de pagamento, 1578­­‑1809 (PT/ASE/CSE/G/B/007, Mç. 1)

279

DOCUMENTO Nº 6. 1584, 11 de Agosto. Obrigação que o pintor Manuel de Araújo, morador em Évora, fez em favor do pintor José de Escovar, por causa de certo delito. Saibão os que este estromento de obriguação e declaração virem que no anno do nasci‑ mento de nosso Senhor Jesu Christo de mill quinhemtos oitemta e quatro d’ onze dias do mes de aguosto da cidade d’ evora aas grades da cadea e prisão della estamdo hi presente preso della das grades adentro manuell d’ araujo pimtor na dita cidade mo‑ rador por elle foi dito que elle s’ obriguava e lloguo de fecto per este pubrico estromento se obriguou de aguora nem em tempo allgum per si nem per outrem em seu nome nem per outra interposta pesoa da sua geração asi de sanguinidade como de afinidade de quallquer graao que seja ou ser posa queira nem posa demandar nem obriguar per via algua dereito razão acção nem em outra quallquer maneira ou via que comtra Jose de escovar outro si pimtor nesta cidade morador a esta absente como se presemte fose e asi ter aver ou se achar acerqua do neguoçio da ianella que se deixou a mestre lluis varella prior [?] da Igreja de são pedro da dita cidade por quamto elle manoell d’ araujo o declara asi por descarguo da sua comciemcia e por que sabe de certa certeza sciemcia e verdadeira verdade o dito Jose de escovar não ter no dito delicto cullpa allgua mas amtes injusta e individamente ser pello tall caso cullpa delle acusado e demandado / E prometia e se obriguava o asi pela sobre dita maneira e todo e por todo como asima se contem [?] toma ter [?] e cumprir e o não contradizer agora nem de tempo allgum como dito tem per si nem por outrem em juizo nem fora delle sob obriguação de todos seus bens avidos por aver moveis e de rais que por ello obriguou e deu testemunho de verdade e se outorguou e mandou ser feito este estromento e os que desta nota cumpri‑ ram que eu taballião como pesoa pubrica estepullante e aceptante em nome do dito Josee d’ escovar a este absente o estepullei e aceptei testemunhas que forão presemtes martim llopes nunes (…) e francisco fernandes aqui morador [?] presos em dita pri‑ são (…) irmão dele manuel d’ araujo (…) e eu fernão d’ arcos tabeliam que isto fiz. (aa) Manuel d’ Araujo / Martim lopez / Pero Fernandes / Francisco Fernandes A.D.E., Cartórios Notariais de Évora, Lº 60 de Notas de Fernão Arcos, fls. 137 vº­­‑138.

DOCUMENTO Nº 7. 1586, 22 de Abril. Contrato de D. Teotónio de Bragança com Diogo Nobre, mestre carpinteiro de marcenaria, para fazer os retábulos colaterais da igreja de Santo Antão segundo traças do arquitecto Nicolau de Frias. Saibam os que este estromento de obrigação virem que no ano do nacimento de nosso senhor Jesus Christo de mill e quinhemtos e oitemta e seis em vimte e dous 280

dous [sic] dias do mes d’ abrill em esta cidade d’evora nas casas de mim tabaliam estando ahy presemte ho Reveremdo domingos martins bacharell da dita mesma e aqui morador o qual dise ter provisam do Muito Imllustrisimo senhor dom tio‑ tonio de bargamça arcebispo do arçebispado desta mesma pera mandar fazer os Retavollos da capella do samto sacramento e do de nosa senhora dos prazeres da Igreja de samto amtão desta dita cidade d’ evora pello preso que lhe bem parece‑ rem; e sobretodo se comcertar com os carapimteiros e mais hofeçiais que comprir e do dito comcerto outroguar e mandar fazerse escrituras publicas [?] com as cllau‑ sullas e comdiçoims penas e obrigaçoims necesarias; a qual provisam e poder dise que amostrara cada vez que fose nesesario; e bem asi estamdo ahy presemte Diogo nobre carapimteiro de sembragem morador nesta cidade e lloguo per o dito bacha‑ rell domingos martins foi dito que era verdade que elle estava comcertado com ho dito dioguo \nobre/ crapimteiro [sic] que presemte estava per haver de fazer na dita Igreja de samto amtam desta cidade dous Retavollos de madeira de bordo se‑ cos bons e de receber he [?] hum pera o alltar e capella do santisimo sacramento da dita Igreja e outro pera a capella de nosa senhora dos prazeres da dita Igreja nos quais dous Retavollos e cada da [sic] hum delles sera obriguado ha fazer comfor‑ me asima a mostra e trasa que lhe \foi/ mostrada e dada que parece ser feita por nicullao de frias e asinada por o senhor arcebispo que ficou em poder delle diogo nobre que elle amostrara a todo tempo que comprir e lhe for pedida pera se ver se a obra dos ditos Retavollos e comforme a cada huma das ditas trasas tirado fora risco da mostra do Retavollo do samto sacramento que nam fara por estar ja feito mas sera obrigado a o samtar e encarpar no dito retavollo pera que digo com per a dita amostra e os quais dous retavollos e cada hum delles sera elle mestre dioguo nobre acabar de todo conforme a dita amostra bem e perfeitamente e sem fallta allgua pomdo em elles toda a madeira de bordos e mãos e tudo o mais que for ne‑ cessario pera se acabarem a sua costa. E quamto ao samtar dos ditos Ratavollos [sic] elle diogo nobre sera obriguado a os asemtar a sua costa damdolhe porem elle bacharell toda a madeira pera grades e pegaduras […] e simbres [?] e tudo o mais que for necesario pera os ditos asemtos de maneira que elle diogo nobre não pora mais que nas mãos. Os quais doos retavollos elle diogo nobre sera obrigado a os dar acabados e asemtados assim a perfeiçam de todo hate dia de pascoa da resureiçam primeira que vem do ano de quinhemtos e oitemta e sete sob pena que nam nos dando acabados ate o dito tempo de lhe paguar todas as perdas e danos que sobre iso fizerem ou reçeberem e sera preso na cadea e estaram nella ate que se acabem e asemtem os ditos Ratavollos de todo a sua custa. Os quais doos re‑ tavollos os fara por preço e comtia de cimcoenta [?] mill reis em dinheiro que elle bacharell lhe pagara por esta maneira seguimte llogo agora trimta mill reis e o mais dinheiro lhe dara pello tempo em diamte como elle mestre lho pedir senam lho da‑

281

mdo nam tera elle mestre com ha dita obra por diamte; e allem disto lhe pagara todas as perdas e danos que elle mestre sobre todo fizer ou reseber e do dinheiro que lhe asi der elle mestre lhe dara seu escrito o qual vallera aimda que seja de mor comtia com escritura publica; e por esta maneira estava comcertado com o dito diogo nobre o que se obrigava asi o comprir sob hobrigação de seus bens e remdas e pello dito diogo nobre carapimteiro que presemte estava foi dito que era verdade que elle estava comsertado com o dito reverendo bacharell domingos martins sobre o fazer dos ditos dous Retavollos os quais se obrigava a fazer e acabar a sua pre‑ feiçam e asemtar comforme as ditas amostras que elle comfesava ficasem em sua mão e que se obrigava a comprir este estromento com todas as cllausullas e comdi‑ soims penas e obrigaçoims penas e obrigaçoims [sic] acima ditas e decllaradas as quais e cada hua elle assim obrigava a ter e manter e comprir e que confesava ter ja recebido do dito bacharell domingos martins os ditos trimta mill reis que se lhe pagou d’amtemão; e que se obrigava a comprir este comtrato e comserto, e a nam vir com embargos allguns de nenhua callidade que sejam comtra este comtrato e obrigasão delle em juizo nem ffora delle e vimdo com elles que há por bem que nom seja ouvido sem primeiro depositar toda a comtia de dinheiro que tinha reçebido a comta dos ditos retavollos em mão do dito domingos martins o qual d’agora pera amtão o a por abonado pera o tall deposito mandar fuamça pera o comprimen‑ to de tudo hobrigava todos os seus bens moveis e de raiz avidos e por aver que o elle o obrigou e em testemunho de verdade o outrogaram; testemunhas que estavão presemtes gaspar gonçallves […] e Joam allvares todos moradores em esta cidade e dise mais o dito diogo nobre que sendo caso que acabados os ditos retavollos ou qualquer delles e elle allgum que ergo modo em tall caso elle a por bem que nam queremdo elle bacharell os tais Retavollos de lhe tornar todo dinheiro que elle tiver reçebido e quamdo quer [?] que elle bacharell quiser os ditos retavollos lhe pagara todo o mais que se achar que elles vallem; E llogo por reverendo antonio machado Reitor da dita igreja de samto amtão e a que presemte estava ffoy dito que elle se obrigava a dar e pagar ao dito bacharell domingos martins pera o retavollo da ca‑ pella mor a senhora dos prazeres trimta mill reis em dinheiro; de maneira que elle bacharell nam dara mais pera o dito retavollo que vimte mill reis somemte pera o qual obrigou a seus bens e remdas […] sobreditas; Eu allvaro ramalho tabeliam que fiz; entrelinhas que dizem nobre / foy / risquey depois. [aa.] Mestre Antonio machado / domingos martins / joão alvares / Dioguo nobre / gaspar gonçalves A.D.E., Lº 153 de Notas de Álvaro Ramalho (nº 88 da série), 22 de Abril de 1586, fls. 109 vº­­‑112 vº. Leitura da Doutora Patrícia Monteiro.

282

DOCUMENTO Nº 8. 1586, 30 de Outubro. Carta de D. Teotó‑ nio em que faz entrega de dinheiro para a fábrica da igreja matriz de Vila Nova da Baronia (Alvito). Dom Theotonio de Bragança, Arçebº de Evora, mando ao contador de minha fazenda leve em conta ao pe Manoel de morais, recebedor que foi da fabrica o anno de 84, cincoenta mil rs que por meu mandado entreguou a Bras Dias figueredo a conta dos trezentos e vinte mil rs que o ditto bras Dias figueredo tinha emprestado à minha renda do drº que em seo poder tinha depositado para se fazer a igreja de Villa nova dallvito, e por esta com conhecimento ao dito Bras Diaas Figueiredo como reçebeo os ditos cincoenta mil rs do dito Manoel de morais e certidão como fic a tomado em lembrança no quaderno da conta que há antre minha fazenda e a da fabrica, como lhe devem esrtes cincoenta mil rs pera lhe serem pagos e se meterem na arca do depozito do drº da fabrica que estaa no Collegio dos moços do Choro, e levareis em conta hos ditos cincoenta mil rs ao dº Manuel de morais. Diogo nunes a fez em Evora a 30 doutubro de 586. B.P.E., Fundo Manizola, Originais, Cód. 79, nº 5.

DOCUMENTO Nº 9. 1586, 20 de Novembro. Rol de objectos de prata, têxteis e mobiliário do Paço de Vila Viçosa que a Duquesa D. Catarina de Bragança mandou entregara Diogo Vaz de Almeida para governo do senhor D. Alexandre. Quaderno das Cousas que a snõra Dona Catarina nossa snõra mandou entregar e carregar em rec.ta a Diogo Vaz d’Almeida para serviço do snõr Alexandre a xx dias de Novembro de MDlxxxbj. Capella. Huma Cruz de prata dourada com hum Christo e o pe do Monte Calvario com quatro Anjos que pesou tres marcos e tres onças, dos quaes tiradas duas outa‑ vas que tem douro, fiquão líquidos tres marcos duas onças e seis oitavas de prata, que valem oito mil e vimte e cinco rs a rezão de tres mil e seiscentos rs o marco e val o ouro mil rs. Item dse feitio seis mil rs e soma tudo quinze mil e vinte e cinco rs.......15V025 Hum Cales com sua patena que pesou em branco tres marcos e cinco oitavas e mea que valem oito mil tresentos rs e levou de ouro tres outavas que valem mil 283

outocentos e sessenta rs. Custou do feitio e de o dourarem tres mil e quinhentos rs, que tudo soma tres mil trezentos e oitenta rs.........................................3V380 E custou a caixa trezentos noventa e dous rs e meio .......................V392 Emº Dous castiçaes redondos e altos que pesaram dous marcos, cinco omças, seis outavas, que valem a rezão de dous mil he seiscentos rs o marco sete mil e oitenta e cinco rs, e tem dous mil rs de feitio, soma tudo nove mil e oitenta e cinco rs .......................................................................................9V085 (…) Hum dossel de damasco carmesim de quatro panos e cinco côvados de com‑ prido menos huma oitava, e alparevazes (sic) de cima de mea largura que tem de damasco tres covados e 4ª goarnecido de huma franja de ouro a roda e hum fran‑ jão também douro no alparavaz, o qual docel custou trinta e tres mil e seiscentos e trimta rs .........................................................................................33V630 Huum frontal de damasco carmesim comprido, digo, de altura com sanefas de ve‑ ludo carmesim e huma bamda do mesmo veludo por baixo da largura das mesmas sanefas com humas franjinhas (…) e carmezim por guarda dellas, e o sobre fton‑ tal de veludo carmesim com franjas d’ouro e carmesim forrado, tudo de bocaxim da mesma cor, e custou o dito frontal dezasseis mil e sem rs.................16V100 Huma vestimenta de damasco carmesim com sevastros de veludo da mesma cor e com franjas d’ouro por guarda com estolas, manipolo, irmãos da dita vestimenta, que custou tudo dezasseis mil quinhentos e tres rs................................16V503 (…) Hum leito de damasco carmesim franjado de douro e s. Ceo, cinco quarti‑ nhas, cobertor, mangas, e maçanetas de veludo carmesim, o qual levou oitenta e sete côvados de damasco, o cobertor he forrado de tafeta carmesim, e o ceo forrado de bocaxim, e custou o dito leito cento e trinta e quatro mil duzentos e noventa e sete rs...............................................................................................134V297 Hum leito de damasco branco indrado (sic) de ouro, franjado de ouro e branco já usado, sobre Ceo e duas quartinhas do mesmo damasco, e asi o cobertor, tres quartinas de roda da India, mangas e maçanetas de veludo branco raxado, e da banda de todo o dito leito de huma banda larga do veludo avelutado e forrado de bocasim branco, e tem de damasco cincoenta e oito côvados e huma 4ª, que se com‑ prou no monte do Duque Dom Theodosio a hieronymo franco.............63V313 (à margem: As mangas e maçanetas deste veludo branco deste leito, se fizeram de novo e custarão com a guarnição e feitios dellas doze mil dozentos e cincoenta e tres rs, e juntos aos cincoenta e hum mil e sessenta rs que o dito leito custou soma ao todo sessenta e tres mil trezentos e treze rs) (…). A.S.E., Inventários dos bens móveis de D. Alexandre de Bragança (PT/ASE/ME/B/002/ Doc.002), 20­­‑XI­­‑1586, 17 fls.

284

DOCUMENTO Nº 10. 1587­­‑1589. Rol de despesas várias do Arce‑ bispo D. Teotónio de Bragança com obras e aquisições para o Mos‑ teiro da Scala Coeli da Cartuxa de Évora 545. (fl. 8 vº) Titolo do dinhrº (…). Tres mil e seiscentos rs que se pagarão a Mano‑ el de araujo pintor de aparelhar e dourar sertas Imagens que estão na Cartuxa per provisão feita a 10 de Março de 1590 em antº Gomez Rºr do pam do celrº. (fl. 10). Sette mil e duzentos e cinqtª e hum rs que se entregarão a Jeronimo de Torres mestre das obras para pagar certos officiaes contheudos no rol que traba‑ lharão no mostrº da Cartuxa e assi algumas achegas e servidores por provisão em Amtº gomez Ror do celeiro fta a 16 de Mayo de 92. (fl. 37­­‑40) (fls. 170­­‑173) Titulo de doação de peças de prata. Quatro colheres pequeninas, tres douradas pª os cálices e huma branca que se de‑ ram aos dºs Padres em 1300 rs a 29 de julho de 87. Hum calice de prata que pezou tres marcos, sete onças e cinco oitavas a 2.600 rs o marco, e feitio dele a 700 rs por marco, que tudo soma 13.060 rs. Outro calice de prata que pesou quatro marcos e seis oitavas e feitio dele ao dito preço, que faz soma de 13.507 rs. Outro calice de prata que pesou quatro marcos e duas oitavas e feitio dele ao dito preço, que faz soma de 13.305 rs. Outro calice de prata que pesou quatro marcos e duas oitavas e o feitio dele a 700 rs o marco 13.305 rs. Uma galheta de prata que pesou hum marco quatro onças e huma outava e mea e feitio della tudo ao sobredito preço, fas 5.030. Uma Custodia de prata que pesou tres marcos, tres onças e cinco outavas mais seis outavas de ouro com que se dourou a 650 rs a oitava, que tudo faz soma de 12.883 rs não entrando nesta conta o feitio da Custodia que abaixo vai, Antº Dias pagou a 11 de novrº 1587. 3.950 rs que se pagaram de feitio e de dourar a dita Custodia a 1.120 rs o marco. Uma Cruz de prata com doze canudos do mesmo esculpe que pezou dezoito marcos e huma onça e o feitio della, faz tudo soma 56.120 rs e o feitio 9.000. Hum turibulo de prata que pezou sete marcos com o feitio 21.000 rs. Huma lanterna de pao preto goarnesida de prata avdº em 4.000 rs. Hum prato de agua de mãos de prata que pezou quatro marcos e sete onças que com o feitio se avaliou em 13.880 rs. Hum jarro de prata coberto que pezou sete marcos e sete onças avdº em 12.080 rs. Hum porta paz de prata dourada que pezou sete marcos e duas onças avdº em 36.200 rs com o feitio. Hum pau de abano guarnecido de prata em 200 rs. Dois castiçais de prata pequenos com peso e feitio 2.600 rs.

285

Huma salva de prata que pezou dois marcos e quatro onças e meia com feitio 13.200 rs. Uma caixa de pau guarnecida de prata que serve pª Reliquias avdª com feitio em 6.000 rs. Hum espelho de pau preto goarnesido de prata avdº em 3.000 rs. Hum calice grande dourado com sua patena que pezou quatro marcos e tres onças avdº com o ouro e feitio em 17.000 rs. Huma lâmpada de prata que pezou sete marcos e meio que vale com o feitio 25.500 rs. Hum castiçal de prata que pezou vinte e tres marcos e meo a 2.600 rs o marco soma 61.100 rs sem feitio. Outro castiçal de prata que pezou vinte e sinco marcos e valeu 65.000 rs sem feitio. Huma casula de prata que pezou doze marcos qe vale 31.200 rs. Huma Cruz de prata que valeu 14.600 rs. Huma naveta de prata que valeu 10.000 rs. Huma copa de prata para dar lavatório que custou 10.200 rs. Ate aqui hei feito com o P. Hieronimo Ardion. Soma 131.000 rs. Somam as vinte e oito adiçõens escritas erm este lº de folhas 39, 486.777 rs que em peças de prata recebemos, o Prior e mais Padres desta Cartuxa de Evora do Sõr Arçebpº de manrª que se conthem nas ditas adições. (a) Fr. Hieronymo Ardion. Receberam os Padres Cartuxos de Luis Fragoso, que tem cargo de Capelão do Aercebpº, quatro castiçaes de prata grandes do altar com sua Cruz, que pezarão sesenta marcos e huma onça e quatro oitravas, das quais se passou provisão que esta em poder de Luis Fragozo feita a 29 dabril de 92 e de como receberam os ditos pelo modo e condição da dª provisão, asinou aqui o P. Frei Mathias Ferrer procºr, em Evora a 26 dabril de 1592. (a) Fr. Mathias Ferrer procºr. Receberam os Padres Cartuxos do P. Manoel Dias, escrivão da fazenda do Arçebpº, seis galhetas de prata que pezaram seis marcos e uma onça e sete oitavas que valem 16.205 rs e 7200 de feitio, monta tudo 23.405 rs. E assinou aqui o P. Dom Miralles procºr. (a) Frei Jº Miralles procºr. Receberam os Padres Cartuxos do P. Manoel Dias, escrivão da fazenda do Arçebpº, dois cálices de prata que pezaram sete marcos e seis onças e tres oitavas e mª que valem 22.725 rs mais 6.400 de feitio que tudo faz soma de 29.125 rs e assinou aqui o P. Dom Miralles a 1 de março de 93. (a) Frei Jº Miralles procºr. Receberam os Padres da Cartuxa huma lâmpada de prata que fes Andrès, pra‑ teiro, que pezou dezanove marcos e sete onças que a 80 rs o marco com feitio montam 63.600 rs. Se pagaram ao dito Andrès, prateiro, 4.030 rs que fes de gasto na dita lâmpada como parese de hum rol que deu onde o Arcebpº passou provisão nas costas delle que se pagassem, feita a 20 settº de 593 e se pagaram da arca.

286

Rol que entregou Felix, guarda da prata da Capela do Sõr Arçebpº aos Car‑ tuxos. Humas galhetas douradas que vieram de Valverde, dois castiçaes, trian‑ gullos de prata com huns canos altos, hum calice dourado, quatro castiçaes mais de prata, huma cruz de prata. Dãose mais aos Padres o seguinte: huma Cruz de prata dourada com engastes de cristal em que entram doze relicários de latão dourado, 38.850 rs. Dãose mais aos Padres Cartuxos hum calice que pezou quatro marcos e tres on‑ ças e tres oitavas e mea de prata e de feitio 3.800 rs que ao todo monta 135.315. Em 10 de novrº de 97 paguei 9.600 rs que custaram o feitio de hum Cofre de veludo carmesi por dentro e fora, seus passamanes de ouro 400 rs, treze caixas de cálice, huma mto maior que as outras, 5.200 rs, que pagou a Djº Perª da arca e assinou aqui o Padre Prior. (a) Fr. Morel prior. Em 21 dagosto de 1597 se passou provisão para Djº Pereira pagar 25.000 rs ao Licº Alvaro Tinoco por outros tantos que entregou a Andrès Taude, prateiro, para fazer dois calices para a dita Cartuxa. E asinou o Padre Prior Fr. Morel. Receberam mais os Padres Cartuxos as peças de prata seguintes: Hum porta paz grande, hum calice grande, hum São Bruno de prata, doze relicários de latão, dourados soldados com prata, duas coroas de cobre douradas soldadas com prata com seus engastes de pedras azuis e brancas, que serrviram pª huma Imagem de Nossa Snrª com o Menino Jezus, huma custodia de prata, duas ga‑ lhetas. Monta a prata que receberão a rezão de 2.620 rs, 88.885 rs. Monta o feitio de todas as peças acima ditas 109.000 rs. Monta ao todo cento e noven‑ ta e sete mil oitosentos e oitenta e cinco rs, 197.885 rs. Évora, 9 de junho de 1598. (a) fr. E. Morel prior. Titolo das peças de prata (…). Somam as vinte e oito addiçoins scritas em este livro de folhas 37 ate folhas 39 quatrocentos oitenta seys mil setecientos setenta e sete rs que en peças de prata recebemos ho prior e mays padres desta Cartuxa de Evora do sõr Arcebº da manera que se contem nas ditas addiçois. (a)Fr. Hieronimo Ardion. Receberão os padres da cartuxa huma allampada de prata que faz Andres pla‑ tero que pezou dezanove marcos e sete onsas que a oitentya reales o marco com feitio, montam sessenta e tres mil e seiscentos rs 63.600. Pagarão ao dito Andres platero quattro mil e trinta rs que fes de gasto na dita lâmpada como parese per hum rol que deu onde o Arcebpo passou provisão as contas delle que se pagassem, feita a 20 de settbº de 93 e a pagarão darca 4V030 Em 21 dagosto de 97 se passou provisão para diogo pereira pagar 25.000 rs ao lic. Alvaro Tinoco por outros tantos que entregou a Andres Taude platero para fazer os cálices para a dita Cartuxae assinou aqui o dito padre 25V000

287

(a)F. Morel prior Receberão mais os snres Cartuxos as peças de prata seguintes: Hua porta paz grande que pesou tres marcos seis onças e sete oitavas. 8V Hum calice grande que pesou quatro marcos digo nove marcos huma onça e seis oitavas. 10v Hum são Bruno de prata que pesou quatorze marcos e tres oitavas. 40 V Doze reliquarios de latão dourados soldados com prata que entrou de prata huma onça e seis oitavas.10V Duas coroas de cobre douradas soldadas com pratta com seus engastes de pedras azul e branquas que sirvão pª huma imagem de nossa Snõra e menino Jhus. 20V Huma custodia de prata que pesou quatro marcos huma onça e quatro oitavas. 5V Duas galhetas que pezarão dous marcos e duas onças de prata. 4V Monta a prata a resão de 2V620 rs oitenta e oito mil e oitocentos e oitenta e cinco rs 88V885 Monta o feitio de todas as peças acima cento e nove mil rs 109V000 Montas ao todo cento e noventa e sete mil oitocentos e oitenta e sinco 197V885 (a)F. Morel prior (apenso a fl. 96) Recebemos asi en la cartuxa de Scala coeli de Diego Pineyro ves‑ timenteiro las siguientes pesas por orden y mandado del Sõr Arcobispo. (…) Una vestimenta de damasco branco com savastros de tela y oro y forrada de tafetan verde. Un frontal del mesmo damasco com suas sanefas de brocado. Un dossel grande del mesmo damasco com barras de brocado y franjoins de oro. Una almofada del mesmo damasco com barras de brocado. Duas vestimentas de fustan branco de cruzes. Dos frontays do mesmo fustam com suas sanefas. Un sobre ceo do mesmo fustam para la capela do padre prior. Mas oyto alvas de ruam y seus amitos. Mas oyto amittos. Seys franyas de missal de ruam. Quatro camisas de linyo para os mantéus das ditas camisas. Una cogulla de estamenha branca para dezir missa. (aa) F. Morellus 26 mensis novembris 1594 – F. Morelius prior Scalae Coeli. (fl. 96) Hes verdade que jo Frei Hieronimo Adrião p.curador de la Cartuxa de Scala Coeli dê a Lorenço figeiredo un Christo de bulto per mandado del Arzobº e per verdad lo asiné hoi a 14 de octobr. de 1589. (a) Fr. Hieronº Ardion (fl. 139) Titolo de peças de ferro (…).

288

De ferragem do porto com mil pregos livrados que Nicolau de Frias mandou de lixboa quinze mil cento e setenta reis. 15V170 De huma Romaã grande com seus pregos que ho dito Nicolau de Frias mandou de lxª que custou dous mil e setecentos reis. 2V700 Doze thesouras e doze canivetes que o dito Nicolau de Frias mandou q. custarão dous mil cento e sesentas rs 2V160 (fl. 139 vº) Doze fechos de segredo com suas chaves dobradas que o dito Nicolau de Frias mandou de Lisboa que custarão noue mil rs (11 de novrº de 87) 9V000 (fl. 155 vº) Tº de peças de arame e latão (…). Huma Campainha com sua porqª e ferragem que Nicolau de Frias mandou de Lixª para a Cartuxa que custou mil e quinhentos rs 1V500. Hum almofariz grande com sua mão que mandou o dito Nicolau de Frias de Lixª que custou tres mil e oitocentos rs 3V800. (fl. 170­­‑173) Titulo de papel, pergaminho e livros. Encadernação de livros dos Padres Cartuxos. Dez livros da Trindade e de Frei Luis de Granada, em 21 de março de 90. 24 Breviarios, 10 Divinais, 4 hinarios, entregues a D. Mathias Ferrer procºr a 13 de julho de 92. Dez Breviarios, tres Graduais, duas Biblias de Sixto, um Titelmano sobre os Salmos para D. Theodoro, um Calepino de cinco lingoas para D. Medeiros, duas Sumas de Manoel Roiz e um lº de Inventarios em 26 de abril de 96. Em 15 de julho de 93 pagou­­‑se a encadernação dos evamgelhos e estatutos da Casa mais o Testamento Velho que tem o Pe Vigario. Livros oferecidos pelo Sõr Arcebpº aos Padres Cartuxos. Dois Missais, uma Biblia, uma Summa Exemplarum, dez livros de Frei Pedro dalcantara, que custarão mil e seisçentos rs 1V600 em 21 de março 90. Seis livros de devoção entregues ao Pe D. Hieronimo, hum Martirtologyo, uma Homilia Doctorum e Opera Abatis Lecinensis, huma Biblia de Benedicto, um Titelmano sobre os Salmos, a 11 de abril de 93. 21 de março de 90. encadernação de dez livros da trindade e de fr. Luis de Gra‑ nada oitocentos e quarenta rs V840 Huma Biblia de xisto quinto em tres volumes. Humas epistolas de São Paulo enquadernadas com hum martirológio que esta no capitulo. Opusculos de Dioni‑ sio cartuxano que tem o Padre Prior, em 15 de junho de 93. Nesse mesmo dia pagou­­‑se a entrega das Obras de S. Jeronimo, de São Pedro Crisologo, Osorio sobre Isaias, Osorio De gloria, Osorio De sapientia, Plato De bono statuto religiosi, Dionisio cartusiano, De quatuor novisimis, huma Suma de Medina para o Prior, as Obra de são Bernardo pª D. Thome, duas Primeiras e duas Segundas de Heitor Pinto, hum Flos Sanctorum portuguez.

289

Livros de Coro. Em 4 de dezº de 95 passou­­‑se provisão pª dar a Dºs Ferreira, lacaio do Arcebpº, 11.400 rs para ir a Cadiz buscar huma caixa de livros de canto da Cartuxa que vieram de França. Provizão pª Diogo Pereira pagar a Lope de Sam Jorge 4.900 rs por sete cadernos de pergaminho de livros de canto que fes pª a dita Cartuxa em 10 de novrº 96. Em 17 de Março de 98 se passou portaria pª Diogo Perª pagar a Manoel de Lira 5.000 rs de hum caderno pª os Missais intitulado Supplemento Orationum que imprimiu pª a dita Cartuxa. Em 2 de settº de 99 se passou provisão pª o dito Djº Perª dar ao padre procºr da Cartuxa 18.367 rs pª pagar ao Padre Lope de Sam Jorge que se lhe devem de vinte e seis cadernos e huma folha que serviu de solfa e assinou aqui o padre procºr. (a) Frei Mathias ferrer procºr Pergaminhos. 120 rs de pergaminhos pª tapar asados de conservas a 21 cde março de 90. 11.200 rs por dezaseis cadernos de folha em pergaminho, 13 de junho de 92. Em 3 de fevrº de 96 receberam os Padres Cartuxos das mãos de Alberto Henri‑ ques 185 pergaminhos entre grandes e pequenos que custaram 17.500 rs. (…) Titolo da doação de escravos. Hum escravo moço de idade de 18 athe 20 annos preto ladino por nome Dias, avd. em 40.000 rs. Outro escravo preto por nome Antonio da mesma idade, em 40.000 rs. Outro escravo por nome Coresma em 40.000 rs. Outro escravo de nação fullo por nome Bento que ser‑ ve de vaqueiro avdº em 50.000 rs, entregue a 26 de julho de 93. Mais outros dois escravos, Luis índio e Pero Dias, alfaiate este, avdºs em 80.000 rs am‑ bos. Mais hum negro ferreiro que se comprou do Juiz de fora de Sua Mag.e por 61.470 rs e assinou aqui o Pe Procurador em 24 doutº de 96. (a) Fr. Manoel Bruno procºr. (fl. 182 vº) 1587 ­­‑ De huma Imagem de Nossa Snõra e feitio della. Os assentos de bordo que forão da See que forão avaliados em trinta e cinco mil reis. 35V000 Dous mil pães de ouro com que se dourou o Retabolo dos ditos Padres 6V440. (fls. 185­­‑186) Seis mesas grandes que mandou Nicolau de Frias de lixª e da fer‑ ragem e correias, custaram 15V600. A tavoada das Missas que mandou o dito Nicolau de Frias de Lixª que custou cinco mil e qyuinhentos rs 5V500. Senta taboas de pinho que mandou o padre Nicolau Agostinho de lixª que custarão seis mil rs 6.000 rs. Mais doze tinteiros e doze poeiros e vinte e quatro aneis e duzentas continhas de cavalo marinho, 34V000. (fls. 202). Titolo dos ornamentos (...). Seis mil e seiscentos de feitioo de cinqo frontais e cinco panos de estante ao Pinheiropor provisão de dyº pereira de fevrº de 88. 6V600 Oitocentos setenta e dois rs que se pagarão a Salvador Dias sirgrº de huns cor‑ dões que fes pera a cartuxa. Pagou dyº pereira por provisão de 10 de junho de 88.

290

Quarenta e oito mil setecentose trinta rs que Lço Silveira pagou a frcº lopes sirgeiro de franjas que fes para a cartuxa por provisão feita a 22de junho de 88 48V730 Trinta e sette mil e seteçentos rs que Lço Silveira pagou de ornamento pª a Car‑ tuxa a diogo pinheiro alfaiate per provisão de 22 de junho de 88. (…) em 19 do dito mês de novembro outra provisão pª se pagar a francº lopes sirgeiro onze mil e seiscentos e oitenta rs que gastou em duas toalhas de altar do Prior da Cartuxa e em festão pª duas vestimentas e frontais e hum dossel e outras coisas pª o Priorcomo parece per o rol nas costas da provisão. 11V680 Em 19 de dezembro se passou outra provisão pª pagar a Diogo Pinheiro alfaiate des mil oitosentos e dez reis de feitio de huma vestimenta de damasco franco com sauastros de tela de ouro forrada de tafetá verde, e hum frontal do mesmo e hum docel do mesmo, e huma almofada do mesmo, e duas vestimentas e dous frontaes, e hum sobrecéu de festão, e oito alvas e oito amitos e seis fronhas de missal e ou‑ tras coisas assinadas em hum rol 10V810 (fl. 210): Titolo das alcatifas e sobremesas e lambeis e peles e guadamecis: Duas alcatifas da india finas avaliadas em vinte mil rs 20V000 Outras duas alcatifas piquenas avaliadas em tres mil rs 3V000 Huma sobremesa de telilha forrada de tafetá verde avaliada em oito mil rs 8V000 Outra sobremesa pequena do mesmo, avaliada em mil rs 1V000 (a) Fr. Hieronimº Ardion em 32V000 Cento e trinta peles de guadamecis, que custarão dez mil trezentos e sessenta rs para cobrir os altares 10V360 (fls. 253­­‑255 –­­ Évora, 22 de Março de 1590). Titolo dos Retabolos. Ho Retavolo do altar mor dos padres que foi avaliado por pintores em quinze mil e seis sentos rs sem ho ouro que já vai lançado atras no titº da madrª a fl. 183 na volta. 15V600 Outro retabolo que esta sobre a porta do terreiro que foi avaliado em tres mil rs 3V000 Outro retavollo que esta num altar dos da igreja da invocação de nossa Snõra da Graça que foi avaliado em seis mil rs 6V000 Outro retavolo de Sancto Theotonio que foi avaliado em quatro mil rs 4V000 Outro retavolo de nossa Sª do populo que foi avaliado em tres mil rs 3V000 Dous retavolos pequenos hum do ecce homo e outro do Crucifixo que forão ava‑ liados em oito mil rs 8V000 Outro retavolo piquen o de Santa Caterina que foi avaliado em seis mil rs 6V000 Outro retavolo do Eçe homo que ho Arcebpo deu ao Prior, não avaliado. Oito retavolos piquenos que Nicolao Agostinho comprou pª os padres dous mil e quatrocentos rs 2V400 Outro retavolo de Nosa senhora que esta no Refectorio não avaliado.

291

Outros dois retavolos que o Arcº deu ao padre D. Pº Bruno e ao pe D. Vicente Br. Outro retavolo que deu mais ho Arcebº ao padre vigrº de S. Hieronº guarnecido. Hum Cruxifixo que ho Arcebpo deu ao p.e Eleuterio não avaliado. Cinqº mil rs se pagarão ao pintor de pinturas que fez na Cartuxa per provisão em djº pereira a 7 de novº de 1587 5V000 Dous mil rs que mais se pagarão ao dourador de dourar algumas Imagens dos pes por provisão de Dyº perª a 9 de fevrº de 88 diguo a 7 de novrº de 87 2V000 Hum retavolo de Sam Francisco (não) avaliado. Huma Imagem de christo crucificado em vulto a 14 d’Octubro 89. Fr. Jeronimo Ardion en sete mil rs............................................................................7V000 Mil e quatrosentos rs que deram duns papeis de registo pª os Padres. Ate aqui hei feito conta com os Padres. Somam as onze adições escritas neste livro a folhas 253 ate estas cincoenta e seis mil e quatrosentos e conquenta rs que o P. Prioor e mais Padres receberam conforme as adições escritas e as mais sete adições que não estão avaliadas também recebemos tudo do sõr Arçebpº ............56.450 (fl. 255) (…) Seis mil rs que o Ldo Domingos Martins pagou a Diogo Nobre car‑ pinteiro da guarnisão da madrª que fez no Ecce Homo que veio de Madrid pª a Car‑ tuxa per provisão feita a 16 de fevrº de 91 registada a fl. 33 no Lº 5º.......... 6V000 Deuse mais aos padres cartuxos as cousas seguintes, a saber, dous retratos de Nosa Snõra grandes, Diesezete retratos piquenos, Hum retrato grande de Cristo. Em 19 de octº se pagou a Custodio da Costa seis mil e dozentos rs de pintar huma imagem de nossa Snõra e outras cousas pera a Cartuxa 6V200 (fl. 256) Titolo de peças de pedra (…). Sete pedras pª moldes que mandou Ni‑ colao de frias de lixª que custarão mil e quinhentos rs 1V500. Provisão dirigida a Dos Martins fta a 26 doutubro de 89. (fl. 270 vº). dous mil rs que Nicolau de frias deu a hum homem que solicitou as cousas que elle comprou pª a Cartuxa 2V000. Novesentos e sessenta digo cinqtª rs que custarão alguns envoltórios (sic) e cordas para se liarem as cousas que o dito Nicolao de frias comprou para a Cartuxa V950 Biblioteca Pública de Évora, Cód. CVII/1­­‑28: Inventario de tudo o que o Arcebpo tem dado aos padres Cartuxos do Mosteiro de eScala caeli desta cidade de Evora, asi dinheiro, pam, como movel, e outras cousas ao diante declaradas, MDLXXXVIII Annos.

DOCUMENTO Nº 11. 1587, Janeiro. Pedido de pareceres sobre a obra do cadeiral da capela­­‑mor da Sé de Évora, ordenada por D. Teotónio de Bragança. (…) Na obra das cadeiras da Capella mor q. quer o sr. Arçebispo se mande fazer assentou o Cabido que se tomem os pareceres de Jeronimo de Torres, Ma‑ 292

theus Neto e Bras Godinho e outros mestres de obras conforme as traças (com) que corre a obra pera que se faça da forma das advertências do senhor Arcebispo. A.S.E., Livro das Lembranças dos Negocios que se tratam e assentam em Cabido, 1587­­‑1591 (PT/ASE/CSE/001/Lº 6), fl. 36 vº.

DOCUMENTO Nº 12. 1587, 29 de Agosto. Despesas de D. Te‑ otónio de Bragança com a obra do grimpo da torre da Sé de Évora. Rol dos gastos do grimpo da torre da See que se fez em Lisboa e do que se fes nella em evora segunda vez que se pos. Despendeo o padre pº Alvares desembargador da obra dezoito mil rs que deu ao oficial que fes a grimpa em preto em Lixboa os quais xbiiijrs se lhe derão per hum escrito de Felipe Tercio que disse não valer menos, os quais lhe deu nicolau agostinho plo ditto despº. Despendeo mais no dourar da ditta grimpa e pimtar e emcarnar quatorze mil rs os quaes foram dados pela ordem asima ditta. Despendeo mais mil e quinhentos rs que custou o barão que veio de Lixboa por dizer o padre Nicollau Agostinho que tanto derão por elle. Despendeo mais seis centos e sessenta rs que custou huma quanastra mto grande em que veio a grimpa de lixboa e fio e papel e palha em que vinham emborilha‑ das (sic) as pessas e custo que fes ate se meter na barca. Despendeo seis mil rs que deu ao almocreve que trouxe esta ditta grimpa per virem dous homens sempre pegados na ditta canastra e ser mto grande. Gastos que fes a grimpa da segunda vez que se amanhou em Evora. Despendeo o p. Pº Alllvares Dzºr da obra dous mil rs que deu a mestre Francisco de comserto da grimpa pela desconcertar toda. Deu o dto Dezºr ao ditto mestre Francisco dous mil e sette centos e sasenta rs de huma arroba e quatorze arrates de ferro que pesou o barão em que agora esta a grimpa a sasenta rs por arrátel que faz a dita soma lansada. Deuse a hum caldeireiro de fazer hum canno de cobre pª a sphera e soldar tudo o que for necessário quinhentos e quorenta rs. Mais se deu a hum pintor de pintar e dourar o amjo e a sphera aquillo que foi desmanchado seis sentos rs. Deu o Dezºr a hum oficial latoeiro em fazer hum dado sobre que anda o Amjo cento e sasenta rs. Despendeo mais em azulejos que mandou vir para consertar a torre, setecentos e oitenta rs, postos em Aldea Gallega conforme ao escrito do pe Nicollau Agostinho, os quaes estão metidos em huma canastra na casa da obra per mandado de S.S. 293

Mais despendeo trezentos rs de os trazerem de Aldea Gallega a esta cidade. Despendeo o dto R.dor trezentos rs de se comsertar huma cadea para a garrida. Mais despendeo dous mil e seiscentos e noventa rs em quatro arrobas e omze arrá‑ teis e mº de chumbo que comprou pª chumbar as pedras do remate da Torre para a grimpa, digo, o barão e tres fiadas de pedra no remate per se enlear tudo colm o dito chumbo pª firmeza da torre. Custou o arrátel do chumbo vinte rs. Despendeo mais dous mil rs em pregaria que comprou por mtªs vezes pera se pergar~e os Andaimos da torre e asi mto arame que se ouve mister pª a dita tor‑ re, digo, pª medidas das selchas e moldes e outras cousas necessárias. Mais despendeo o Dº Recebedor mil e sessenta rs em sincoenta e tres cordas de vi‑ mtem que comprou pª os andaimos. Despendeo quinhentos e sincoenta rs em outras cordas mais piquenas pª os mes‑ mos andaimes. Despendeo o dito Pº Alvares Rdºr da obra trezentos e oitenta rs em hum pao com‑ prido sde quatro em carro que foi necessário pª os andaimos da torre. O qual rol eu Antº Arnao espvão da obra da See fis bem e fielmente em que vam dezoito adiçõis todas da minha letra e me achei prezente nas cousas que se fize‑ ram nesta cidade em evora oie xxij dias do mês de agosto de lclxxxta bij anos. (aa) Antonio Arnao Dom Theotonio de bragança Arcebpo devora ett. Mãdo ao contador de minha fazenda que por esta e pelo Rol atras escripto em desoito adiçõis leve em conta ao padre Pedralvares Rdor que foi das Rendas da fabrica de nossa Santa See o ano de 87 os quarenta e oito mil e duzentos e trinta rs que fez de Custo a grimpa que se pos na torre da See, como parece do dito Rol, xpouão de fig.do a fez por nosso mãdado em evora a 22 de frº de 588 anos. (Sob sinal do Ldo Diogo nunes figª. Evora a nove de Mayo de 1590) (a)Diogo nunes figrª B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 85, nº 2.

DOCUMENTO Nº 13. 1588, 13 de Fevereiro. Contrato de D. Teo‑ tónio de Bragança com Diogo Nobre e João Fernandes, mestres car‑ pinteiros de marcenaria, para fazerem o retábulo­­‑mor da igreja de Santo Antão, segundo traças do arquitecto Nicolau de Frias. Saibam os que este estromento de comcerto de obrigaçam de feitio de Retavollo vi‑ rem que no ano do nacimento de noso senhor Jesus Christo de mill e quinhemtos e oitemta e oito em treze dias do mes de fevereiro em esta cidade de evora demtro na Igreja de samto amtam estamdo ahy presemte ho Reverendo padre domingos 294

martins bacharell morador desta dita cidade de hua parte; e da outra estamdo ahy presemtes Joam fernandes e dioguo nobre carapinteiros de masanaria mora‑ dores em esta dita cidade elloguo por elle dito bacharell domingos martins foi dito que com poder e commisam que tem do Imllustrisimo e reveremdisimo senhor ho senhor [sic] dom teotonio de bargamça arcebispo desta cidade e seu arcebispado e por elle era mandado em visitaçam e por ello […] pennas como resebedor que e das remdas do dito senhor arcebispo, estava comcertado e se comcertara com os ditos Joam fernandes e dioguo nobre carapimteiros pera averem de fazer ho ra‑ tavollo da capella mor desta dita Igreja de samto amtam pella maneira seguimte Ha que elles ditos joam fernandes e dioguo nobre seram obrigados a fazerem o dito Retavollo da dita capella moor de madeira de bordo e não de nogueira ffeito e acabado de todo comforme ao desenho e hamostra ffeita por niculao de frias que elles carapimteiros tem visto que esta asinado por ho arcebispo que amda jumto as amostras dos dous Retavollos do samto sacramento e de nossa senhora desta dita igreja que elles fizeram; o qual Retavollo elles mestres seram obrigados a darem e acabarem todo e toda sua perfeiçam pera sua custa delles ditos carapimteiros hate dia de natall primeiro que vira em que se acabara este presemte ano e se comesara o ano de quinhemtos e oitemta e nove; o quall retavollo faram e seguiram em tudo comforme ha dita trasa e amostra que acima esta decllarada e elles mestres tem visto sem della allterarem nem demenuirem cousa allgua. E nam no dando aca‑ bado ate ho dito tempo conforme há dita amostra e em toda sua perfeiçam, Em tall caso elle domingos martins ou quem seu carguo tever podera mandar acabar o dito Retavollo de tudo a comta e costa delles mestres sem por isso se poderem cha‑ mar […] sem perda allgua; o qual Retavollo faram e daram hacabado de todo a sua costa de tudo o que for necesario de madeira e feitio e amdaimos e cordas e de todo o mais que fynallmemte for necessário tudo a sua costa; e eles carapimteiros por preso e comtia de cemto e sessenta e cimco mil reis […] sallvo de todo […] ao dito senhor arcebispo paguos em três paguas he cimcoemta mil reis lloguo amtes de comesar per o dito Retavollo; e outros cimcoemta mil reis lhe daram em nome da dita sua obra; e a demasia dos ditos semto sesemta e cimco mil reis daram tamto que ho dito Retavollo for acabado e asemtado de todo. E por esta guisa e com es‑ tas comdiçoims dise o dito bacharell domingos martins que avia por dado o feitio do dito retavollo aos ditos joam fernandes e dioguo nobre por o dito preso que se obrygavão lho dar e paguar pella maneira que atras esta decllarado sob hobryga‑ çam de seus bens e remdas moveis e de raiz avidos e por aver que pera ello hobri‑ gou. E pellos ditos Joam fernandes e dioguo nobre carapimteiros que presemtes estavam foy dito que elles tomavam e aceitavam em sy este estromento com todas as cllausullas e comdisoins penas e obrigaçoims asima ditas e decllaradas as quais e cada hua dellas se obrigavam a ter e mamter e comprir, e de darem acabado dito

295

retavollo da dita capella mor desta ditaa Igreja ate o dito dia de natall primeiro vimdouro comforme a trasa E amostra de que atras se faz memçam que esta asi‑ nada por ho dito senhor arçebispo que elles mestres diseram terem visto. O qual daram acabado em toda sua perfeiçam e assim todo a sua costa de tudo o que for necessário por o dito preso de cemto e sesemta e cimco mil reis; E que se obriga‑ vam a nam virem com embarguos alguns a este comtrato e obrigaçoims delle e vi‑ mdo com elle que crem e am por bem que nam sejam ouvidos em juízo nem fora deles sem primeiro depositarem todo dinheiro que tiverem Recebido em mão delle dito domingos martins que d’agora pera […] por habonado pera o tal deposito sem dar fiamsa o que prometiam e se obrigavam asi o comprirem e de numca o comtradizerem […] sob hobrigados bens moveis e de raiz avidos e por aver que pera ello obrygaram e cada hum obrigou em testemunho de verdade outorgaram e mamdaram dello ser feito este estromento e os quais cumpriram testemunhas que estavam presemtes ho padre bras nunes e alvaro [?] lluis samcristam da dita Igreja moradores em esta cidade e as ditas partes assinaram a nota. E eu allvaro ramalho tabeliam que fis [aa.] Domingos martins / (…) fernandes / Diogo nobre / Bras Nunes / Al‑ varo Luis A.D.E., Lº 161 de Notas de Álvaro Ramalho, fls. 29 vº­­‑32. Leitura da Doutora Patrícia Monteiro.

DOCUMENTO Nº 14. 1588, 4 de Março. Contrato de D. Teotó‑ nio de Bragança com Ascenso Fernandes e Gaspar Gonçalves, mes‑ tres carpinteiros de marcenaria, para fazerem a obra do Sepulcro do Santíssimo Sacramento da Sé de Évora, segundo traças do arquitec‑ to Nicolau de Frias. Saibão quantos este estromentol de contrato e obra de empreitada e obrigação virem que no ano do nascimento de Nosso Snõr Jhus xpo de mil e quinhentos e oitenta e oito anos aos quatro dias do mês de março nesta cidade de Evora na casa da fazenda do ilus‑ trissimo e reverendissimo sõr Don Theotonio de Bragança, arcebispo de Evora, estan‑ do ahi presente o padre Pedralllvares, beneficiado na Santa See desta cidade, recebedor das rendas da obra e vedor da dita obra, por virtude de huma provisão que ahi mostrou do dito senhor arcebpº feita a vinte e quatro de feverº deste ano presente de oitenta e oito e assinada por elle e registada e com thermo de juramento nas costas della que tornou a jurar em poder do dito padre pedro alvares, logo por elle foi dito em presença de mim, tabeliam, e testªs ao diante escritas, como veador da dita obra da See, que asi hera ver‑ 296

dade que o dito sõr arcebpº ordenara ora mandar fazer hum sepulchro na Santa See desta cidade pª se nelle por o sanctisimo sacramento nos dias dendoença a custa da dita obra das rendas della, e que elle como vedor a mandasse fazer a tall obra, plo qual ele dito Pedralvares estava ora contratado pª se fazer o dito sepullcro com Ascenso Frz, carpinteiro, mºr nesta cidade, que presente estava, e a Gaspar Glz, outrosi carpintrº, mºr na cidade de Lixboa, estante ora nesta cidade, mestre das obras do dito sõr Arce‑ bispo e da dita obra, que também estava presente, o qual sepulcro e obra delle os ditos Ascenso fernandes e Gaspar Gomçallvez thomarão com as condições e pela maneira seguinte, que eles se obrigão a fazer toda a obra do dito sepulcro conforme as traças que por mandado do dito snõr Arcebpº fez Nicullao de frias, mestre das obras da cidade de llixboa e das obras das Igrejas do dito Arcebispado de llixboa, que estão assinadas pelo dito snõr e pelos ditos Ascenso frz e Gºr Glz e por mim, tabeliam, as quais traças ficão em poder do dito padre Pedralvares que as mostrará a eles mestres cada vez que necessário for e conforme a ellas se obrigão fazer a dita obra do dito sepulcro, a saber, formarão de madrª de castanho e pinho hum reato de quinze palmos dalto e dezanove, digo, vinte palmos de comprido e quinze de largo, e a este reato que farão de grades le‑ vadiças pª se poder armar e desarmar façilmte, farão emcostadas huma escada deça da parte que corresponda à Porta do sol, e outra à capella de João mendez, e cada huma destas escadas serão de duas peças pª se poderem armar mais facilmente e cada huma destas escadas terão de largo dez palmos de modo que cada huma das partes tenha cin‑ qo de largo e serão muito bem feitas e muito fortes com suas chavetas de ferro e suas espigas aonde for necessário da propiá madrª, e para cada huma das ilhargas destas escadas farão huns mainéis de balaustres que vão rematar nos pedestrais das colunas de sima e na fronte e espalda do dito reato farão huns pitoins da mesma manrª de ba‑ laustres como os ditos mainéis e se farão fortes nos ditos pedestrais, ao pee das duas es‑ cadas em cada huma dellas farão dous pedestais de tres palmos em coadrado e seis dall‑ to os quais serão de vaãos muito fortes e bem feitos com seis painéis emcaixados no vão deles e hum dos ditos painéis sera e servirá de porta, pª se fortificar no estrado em que hos ditos pedestrais hãode ficar fortes e levadiços, e sobre cada hum destes pedestrais que hãode ser quatro farão huma pirâmide de tres pallmos em coadrado no pee, as quais sobirão quinze palmos e acabarão em sima em ponta em hum palmo coadro e todas estas quatro pirâmydas serão vaãs e trãsparentes com varias formas de cuadrados e ovados, e pª cada hum destes vaãos farão huma grade sotil em que se preguem pedaços de tafetá de diversas cores, e estas quatro pirâmides serão feitas de tal modo que se ar‑ mem e desarmem facilmente com perafusos, e ao pe de cada huma das ditas piramides farão quatro bolas sobre que fiquem de modo que fique vão antre o pedestral e as ditas pirâmides com suas espigas de ferro e pao muito fortificadas, e debaixo do dito reato ate os pedestrais de sima e ao pee deles farão dous arqos de obra tosca e diliqada, hum arqo respondera à porta principal e outro à capella mor, e cada hum destes arqos que

297

terão de vão dez palmos e de allto treze serão de tres peças, duas nos pees dr.tos ou em‑ postas e outra no arqo, e as ilhargas ou lados de cada hum destes arqos farão huns pi‑ lares de tres pallmos he meo de llargo e omze dalto e que farão de saqada pª fora pela parte do arqo mº palmo e da parte dos mainéis pallmo e mº, e estes pilares terão seus capiteis e vazas de ordem dórica e do capitel ate vaza sera repartido em almofadas la‑ vradas ao rustico, e da mesma man.rª serão as que forem nos arqos, os quaes pilares se fortificarão em seus llugares com suas chavetas e parafusos, e aos lados destes pilares que vão pª as pirâmides farão humas guarnições de madrª de hum palmo e mº de lar‑ go em forma de triangolo com suas molduras e emcaixados de manrª que possão ficar dentro nellas huns painéis na mesma forma pª se nelles pintar o que parecer bem ao snõr arcebispo conforme ao lugar, e isto farão asi da parte da porta primcipal como da capella mor, antre os dous arqos aos lados, que fica a modo de corredor, forrarão e co‑ brirão com peças de madrª levadiça deixando a cada huma das ditas partes huma por‑ ta pª serviço e de vaãos de baixo das escadas, e o feixo deste traverso (?) farão também de peças levadiças feitas de tal arte que pareça forro de artesõis, e que em nenhum caso se veja o madeiramento do reato nem as escoros e paaos com que hade ficar fortificado, sobre este dito reato farão qoatro pedestrais de cinqo palmos dallto e tres por cada lado, os quaes pedestraes serão feitos tres parentes com muito boas molduras e cimalhas e vazas, e nos vaãos em cada hum deles suas grades sotis pª se poder por tafeta como nas piramides dos quaes pedestrais se fortificarão sobre o dito reato nos angollos deles, e di‑ retamente sobre os pilares toscos e por dentro levarão huuns paaos coadrados que pa‑ vimentem (sic) os ditos pedestrais e os pilares ate o chão, e subão asima quoatro ou cinqo palmos que entrarão pelas colunas, e farão mais sobre estes pedistaes quoatro colunas de dezasseis palmos dallto e palmo e tres coartos de diametro as quoaes serão de ordem jónica com suas vaças torneadas e capiteis muito bem lavrados e as ditas culu‑ nas serão lavradas com ho ornamento trocido, humas em contrº das outras, e antre o dito ornamento as meas canas e estas colunas serão vaãs por dentero pª poder entrar o pao que fica nos pedestraes sobreditos em que hão de ficar fortificados, e no vão que fica asima nas ditas colunas se meterão outros paaos como os debaixo e que subão ariba cinqo palmos em que avião de fazer fortes os frisos, os quaes formarão de muito boas grades com seus perafusos e espigas, os quoaes frisos serão de duas faces e asi responde‑ rão de dentro das colunas como de fora com alquitraves, frisos, cimalhas e ressaltos por fora, tudo levadiço, asima destes frisos formaerão a primrª parte do zimboerio ate a ci‑ malha do quoatro peças qjue sobirá quatro palmos de alto, o qual será de quatro peças lavradas em volta por dentro e por fora, e as ditas quoatro peças farão hum coadrado deminuido sobre ho qual e sobre a dita cimalha lhe porão hum painel que faça teto ao dito zimbório, e sobre elle farão huma meia laranja de quatro peças que se venhãon a juntar nos angullos lavradas como pareçer na traça e sobre cada huma das colunas fa‑ rão hum pedestral com suas bolas por remates e da manrª sobre a mea laranja com sua

298

cruz, xdentro das quatro colunas sobre o reato farão dous degraos e sobre os degraos farão hum altar de oito palmos de comprido e quatro de llargo de madrª alevadiço e sobre ho altar farão hum estrado pequeno de seis palmos de allto e oito balaustres de sete palmos de allto lavrados com mto boa obra, os quais se emcaixarão nos cantos do dito estrado e em sima dos capiteis dos quatro balaustres farão huma cimalha em gra‑ de com suas qoatro bolas por remates, farão mais hum pedestrall pequeno de palmo e meio em coadrado e hum palmo dallto que seja forte no meo e se passe por em sima a costodia com ho santissimo sacram.to, farão mais sete pedestraes com seus pes de boa invenção pª oito brandois de cera de hum palmo de groso e os banqos que forem neces‑ sários pª cera pª tochas. E toda esta sobredita obra como se conthem neste estromento se obrigão os ditos ascenso frz e gaspar gllz, mestres, a fazerem muito bem feita e mui‑ to forte e segura e assentada em seu próprio lugar junto as grades da capella mor e tam forte in si mesma que de nenhuma maneira toque as ditas grades da capella mor, e as grades de paão que asewntarem sobre o lageamento da Igreja terão seus pernos (sic) de forro que encaixarão em buraqos que se farão no dito lageamento de maneira que ti‑ rada a obra do sepulcro não fique nenhuma fialdade nem rotura nas pedras mais que hos buracos de hum dedo de groso, o que tudo farão a dita obra asima declarada por preço de quoatro centos e vinte e cinco cruzados de suas mãos e lhe darão a custa das rendas da dita obra da Se toda a madrª necessária pª a dita obra do dito sepullcro asi de bordo como de pinho, como de castanho, e toda a pregadura e pirafusos que forem necessários pª fortificasão da dita obra e toda a mais ferragem que necessária for à dita obra, o qual sepulcro e obra dele se o brigão a dar acabada com toda a perfeição e tra‑ ça e moldes do dito Nicullao de frias que verão se está conforme a esta obrigação e has ditas traças, e faltando allguma cousa o farão ate de todo o terem cumprido e a vista dos ditos oficiaes ou do dito nicullao de frias… A.D.É., Lº 261 de Notas do Tabelião Baltazar de Andrade, de Évora, fls. 99­­‑105.

DOCUMENTO Nº 15. 1588, 15 de Junho. Rol de obras realizadas na Sé de Évora a mando de D. Teotónio de Bragança. Setimo Rol de cousas ordinárias que se fazem na See por mãodado do sºr pro‑ visor este ano de 88 de que he Recebedor o padre Pedralvares da obra da See e veador della. Despendeo o Rdor treze mil e dozentos rs em cento e vinte peles de guodemisi dou‑ rados pª as escadas do sepulchro, custou cada pelle cento e des rs cuzidas e prega‑ das, que faz a ditta soma os quais resebeo Domingos Martins, morador na Rua da Sellaria, goadamisileiro.

299

Mais despendeo oitto centos rs de alugel de quorenta quastisais de estanho estive‑ ram desde quinta fª ate o dominguo de pascoa no sepulchro a vinte cada hum a Lopo de Gouveia, pichilrº. Despendeo cemto e oittenta rs que deu a dous homens que alimparão a crasta. Deu mil e dozentos e sinquoenta rs a Xpuão de Burgos, livreiro, de oito milhei‑ ros e cento e simcoenta belmases a cento e sincoenta rs por milheiro pª se pregarem os taffetas nas pirâmides. Despendeo seis centos rs em doze esquapolas grandes pª meterem as grades de pao na See a sincoenta rs cada huma, fêllas Fernão Rois, ferrº. Mais despemdeo seis centos rs em duas duzeas descapollas mais pequenas pª me‑ terem perante as outras vespora de pascoa a 25 rs cada huma, e se fizeram por mandasdo de SS. E se pagarão ao dto Fernão Roiz, ferrº. Mais despendeo seis centos rs em duas dúzias de escapollas mais pequenas pª me‑ terem per antre as outras vespora de pascoa a 25 rs cada huma e se fizeram per mãodado de SS. E se pagarão a Fernão Roiz, ferrº. Mais seiscentos rs de outras duas dúzias descapollas (…) nasgrades pela cruz de maio… a 25 rs cada huma. Despendeo o Rdor trezentos e vinte rs em agos que levarão homens dagoa da pra‑ ta asima a torre pª curarem a sera branqua. Despendeo em nove cargas de espadana pª a festa da Crus de maio a novecentos rs. De a hum homem que trouxe sinquio cargas de Rama a cem rs a carga quinhentos rs. Deu mais de espadanarem e emramarem dous homens e armarem os panos do‑ zentos rs. Na ditta festa. Deu mais de tirarem a espadana da See sessenta rs. De na festya dasumpção de seis cargas despadana e sinquo de Rama mil e cem rs a cem rs a cargua. De emramarem e espadanarem nesta festa cem rs, digo, cento e sincoenta rs, e ar‑ marem os pabnos e os desarmarem, e alimparem e dobrarem. De tirarem esta espadana da See sessenta rs. Despendeo mais oito cento e oitenta rs de sette varas de pano de linho a preso de (…) que se fizerão duas toalhas dagoa as mais pª a samcristia da See e mais huma toalha, que faz a ditta soma, as quaes estãol carregadas no Lº das cousas da See no tº das toalhas. De quatro vªs de fitta pª as ditas toalhas a x reis a vª quarenta rs. De feitio destas toalhas quorenta rs. Comprou seis vªs de fitta emquarnada a vinte e sinco rs a vª (…) custarão cen‑ to e sincoenta rs. Despendeo o Rdor na festa do espirito sancto em doze cargas despadim pª a See e crasta a cem rs a carga, mil e duzentos rs.

300

Mais despendeo em sette cargas de Rama a seis vinteins a carga por não querer menos, oitto centos e quorenta rs. De emramarem e espadanarem e armarem os panos asi a See como a crasta, do‑ zentos reis. De tirarem toda esta espadana cento e vinte rs. Comprou huma dúzia de pastilhas que custarão duzentos rs. Comprou mais huma dúzia de pivettes seis vinteins a des rs cada hum. De trazerem o sacrário e levarem de sancta Moniqua a See pª estar o santissimo Sacramtº plo Jubileo quorenta rs. Deu aos homens que levarão o altar ao sepulchro da crasta e tornou aonde esta‑ va, cem rs. Deu a quem armou o Sepulchro pelas oitavas do espirito sancto quãdo se emsa‑ rou o Sr e comsertarão as escadas com as peles, dozentos rs, os quais se deram a Gaspar Glz. Deu a dous homens que trouxeram a sera ao sepulchro e tiveram cuidado della e forão busquar huns poucos de castisais e fizeram outras cousas que forão necessá‑ rias o dia do emsarramtº do Sºr e o dia dantes, quatro centos rs. Deu de aluguer de trinta castisais que estiveram no sepulchro a vinte rs cada hum seis centos rs, eram de Lopo de gouvea, pichilleiro. O qual Rol eu, Amtº Arnao, xpvão da obra da See, fis bem e fielmente em que vão trinta adisõis, as quais eu corri com todas elas (…), em evora oje xb dias de junho xde jbc lxxx viij annos. (a) Amtonio Arnao B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 11.

DOCUMENTO Nº 16. 1588, Setembro. Rol de obras realizadas na Sé de Évora a mando do Arcebispo D. Teotónio de Bragança. Dom Theotonio de Bragçª Arcebpº dEvora ettc, mando a vos, Contador de minha fazª, que por esta e pelo Rol aqui junto escrito em trinta e seis adições, leveis em conta ao sr Pedralvarez na que der de Rºs das Rendas da obra das See do anno de 88, vinte e hum mil tresentos e oitenta e tres rs que montão as ditas addiçõens, Evora sob sinal do licº Diogo Nunes figrª nosso secretº e governador por nos do nosso Arceb.pado aos xbi de Maio, francº vogado a fez de MDLxxxx. Hum désimo Rol de coussas ordinárias que se gastarão na See este anno de 88 he Rdor da obra da see op. pº Allvrz os quais faz por mãodado do Arcebispo e do sr. provisor, e eu xpuão abaixo nomeado corro com todas ellas.

301

Despendeo o p. pº Alvares Rdºr da obra cemto e vte rs de levarem os banquos a sam Vicente pelo bom suseço da armada pª o Cabido se assentar e a Relasam de SS. Despendeo mais cem rs que deu a bras dias por ir consertar a garrida à torre. Deus mais simquoenta rs de alimpar hum homem a crasta. Deu mais a Gaspar Glz e Amtº frz carpintrºs de alimparem a capella moór e o Retabollo e a Capella do Santissimo Sacramento e do Santo Lenho, capella e retavollo, e os Retavollos de fora, todos em que gastarão cada hum tres dias a rezão de 160 rs por dia que foi 11:12:13 dias de agosto que tudo faz soma de nove cemtos e sessenta rs. Deu mais a quatro homens que andarão com a escada na Capella mor e a mu‑ darem hum dia cento e simcoenta rs. Despendeo mais cento e sessenta rs em quatro espomgas pª alimparem e lavarem os painéis dos Retavollos e dous rapos de rapoza pª saquodirem o dourado do poo dos Retavollos , e hum algedar, e huma panella que foi necessário. Gastos da festa de nossa Senhora da Assumpção. Despendeo oittocentos rs em oito cargas de rama de louro pª a ditta festa. Despendeo mais mil e dozentos rs em doze cargas despadana pª a dita festa. Despendeo mais oito centos rs que deu a quatro homens que armarão a Capella mor e a See com guadamecis e a crasta, e de enramarem e espadanarem em que gastou a vespora de nossa Snõra e a noite. Comprou o R.dºr pª a dita festa quatro centos e settenta canas verdes pª a see e crasta se emramar a real e mº cada huma, monta sette centos e simquo rs. Despendeo no carreto destas canas cemto e simcoenta rs por estarem, digo, as tra‑ zerem de hum aorta fora da cidade as costas. Comprou hum sesto pª se fazer hum dependurado no cruseiro que custou cento e vinte rs com o estanharem e de frutto que tinha demtro quorenta rs que faz soma cento e sessenta rs. Deu o Rdºr aho Piquado, funileiro, de consertar huns cannos de folha de frandes pª humas fontes que se fizeram na crasta dozentos e simquoenta rs. Comprou tres dúzias de pastilhas pª a ditta festa que custarão seis cemtos rs a 200 rs a dúzia. Comprou duas dúzias e meia de pivettes que custaram trezentos rs a seis vinteins a dúzia. Comprou duas Rodas daRame e huma agulha gramde e gum novello de fio grão‑ de que foi necessário pª a ditta festa mais huma Mão de papel que tudo custou cento e treze rs. Comprou duas arrobas de breu pª os fogos que se fizeram na See a noite de nos‑ sa Snõra que custou mil rs. Comprouse o R.dor dezoito alguidares pequenos pª os ditos fogos que custarão trezentos e sessenta rs.

302

Comprou mais quatro quartas pª as fontes da crasta que custarão quatro vinteins. Alugou o R.dor des goadamesis dourados a Jorge vas, mercador de panos de linho, a 80 rs cada hum, pera asi se alugarem a todos monta oito centos rs. Alugou mais sette goadamesis por quatro centos, digo seis centos rs por quinhentos e sessenta rs plo preço asima declarado a Simão marques, fanqueiro. Deu de desarmarem a Capella mor e a crasta a dous homens cem rs. Deu a hum homem que tirou a espadana da See da crasta cem rs. Gastou o R.dor em huma cea que deu aos homens que trabalharam a noite de bespora de nossa snõra quatrocentos rs. Despendeo quinhentos e sessenta rs de lhe dourarem quatro argolas pª os ballaus‑ tres da charola que fendiam. Deu ao Pinhº pª azeite do rellogio e mais sinos por ser necessário. Deu o Rdor a hum caminheiro dozentos e sincoenta rs por ir ao Redondo levar huma carta a Mel Roiz, mestre pedreiro, que faz a igreja da ditta villa. Deu o Rdor a Claudeo, cocheiro do Arcebispo, quatro centos rs pª gastos que fes no caminho de Villa Viçosa com o carro que foi busquar João Luis, ourives de pratta,pª fazer a lâmpada de prata, entre as quais 400 rs se lhe deram a mais (…) do que acharão noutra adição porque disse que gastara mais. Deu mais mil e seis centos ra a geronimo de torres, pedreiro, por ir ao Redondo a medir a obra da igreja em agosto por mãodado de SS. e o Cabido deu o seu terço. Comprou doze cargas despadano pª a festa da Crus de settembro a cem rs a car‑ ga, monta mil e dozemtos rs. Comprou cemto e sinquoenta quanas a real e mº cada huma monta dozentos e vinte e sinquo rs e de carreto dellas sesemta, soma tudo dozentos e oitenta e simquo rs. Comprou duas dúzias e mª de pastilhas pª a ditta festa e huma dúzia de pivettes, as pastilhas custarão quinhentos rs a 200 rs a dúzia e os pivettes cemtop e vimte que tudo faz soma seis centos e vimte rs. Deu de Armarem a capella mor e capella do Santo lenho e de espadanarem e en‑ ramarem toda a see ao redor por omde avia de ir a procissão trezentos rs. Deu a hum homem que desarmou as capellas e dobrou os pannos e de tirarem a espadana da See, dozentos e vinte rs. Mandou o Rdor fazer doze castisais grandes de lattam pª os altares do cruzeiro e de nossa snõra e de outros castisais que não serviam já de que levarão defeito a ses‑ senta rs por aratel sinquo mil e vinte rs entrão aqui nesta conta cem rs de carreto. O qual Rol eu Antº Arnao espvão da obra da See fis bem e fielmente (…), em evora oje xxj dias do mês de setembro de 88. (a) Amtº Arnao B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 6.

303

DOCUMENTO Nº 17. 1589, 8 de Janeiro. Rol de obras realizadas na Sé a mando do Arcebispo D. Teotónio. Desimo terçio Rol de cousas ordinárias que se gastam na See por mãodado do Sºr provisor este anno de 88 de que he Reç.dºr o p. pedralvres da obra da See e veador dellas. Despendeo o padre pedralvares, Rdor da obra, trezentos e quorenta rs que deu a hum quaminheiro por ir a Vila Visosa a requerer joam Luis, ourives, pª ir acabar a lâmpada em que gastou tres diass, hum de ida e outro destada e outro de vimda, soma o asima. Deu a frcº Lopes, sirgueiro, de fazer tres botoins douro e consertar os cordoins das almatticas de borcado da See e os bottoins erão pª ellas, e conserttar serttos allmares no ornamento de veludo cramezim, quinhentos rs. (…) Despendeo o Rdor treze mil e dozemtos rs em cento e vinte peles de goudemi‑ si douradas pª as escadas do sepulchro, custou cada pelle cento e des rs cuzidas e pregadas, que faz a ditta soma os quais resebeo Domingos martins Roiz mºr na Rua da Sellaria, goadamisileiro. (…) Deu mil e dozentos rs e cinquoents rs a Xpuão de Burgos, livrº, de oito mi‑ lheiros e cento e simquoenta rs por milhº pª se pregarem, os tafettas nas pirâmides. (…) Mandou o Rdor conserttar em 23 dias de junho de 88 hum quastiçal gra‑ mde de prata da See que tinha quebrados dous perafuzos, que levou a djº dolivrª, ourives de o comsertar, dozemtos e simquoenta rs. Deu o Rdor simquoenta rs de consertarem huns missais da See e os remendarem ao Burgos, livreiro (…). (a) Amtº Arnao B.P.E., Fundo Manizola, cód. 76, nº 12.

DOCUMENTO Nº 18. 1589, 23 de Dezembro. Fiança que fez o pintor José de Escovar, morador em Évora, então preso no Limoei‑ ro por crime de morte de sua mulher Júlia da Rocha, feita em nome do pintor Manuel de Araújo, seu fiador, Saibão os que este estromento de fiamça e obrigação virem que no ano do nacimento de noso senhor Jesu Christo de mill quinhentos e oitenta e nove anos aos vinte dias do mes de dezembro nesta cidade d’ evora nas casas da morada de mim tabaliam estando hi presente manoell d’ araujo pintor morador nesta cidadelogo por elle foi dito que asi he verdade que Josep [sic] d’ escovar pintor se livrava na corte perante antónio siqueira da sillva corregedor da dita corte e se livravava [sic] seguro da morte de Jullia de Rocha sua 304

molher pela qual cullpa se deu sentença em tres anos de degredo pera hum dos llugares d’ africa na Rolação [sic] d’ ell Rei noso senhor e o dar da sentença se prendeo e esta prezo no llimiro [sic] da cidade de lixboa e por quanto o dito Josep [sic] d’ escovar quer impretar e aver provisão de sua magestade pera se ir apresentar sollto a hum dos llugares d’ africa e mandar certidão de como laa fica servindo o dito degredo e pera elo lhe hera necesario dar fiança em contra de cem cruzados / portanto dise elle sobredito manuell d’ araujo pimtor que de sua propria e llivre vontade ficava como logo de feito ficou por fia‑ dor e principal pagador na dita contia de cem cruzados pelo dito Josep [sic] d’ escovar e se obriga que sendo caso que ell Rei noso senhor per sua provisão aja por bem que sollto va cumprir o dito degredo que elle se obriga que o dito Josep [sic] d’ escovar vaa comprir os ditos tres anos de degredo a hum dos ditos lugares d’ africa e que mandara certidão dentro no termo da ordenação de como laa fica servindo o dito degredo sob pena que não o comprindo asi elle fiador perdera dita fiança de cem cruzados ou aquillo que sua magestade delles ouver por bem pera o espritall de todos os santos da cidade de llixboa ou para quem ho dito senhor ouver por ser serviço para o qual asi comprir e pagar dise elle fiador que obriguava como logo de feito obriguou todos seus bens avidos e por aver, moveis e de raiz e em especiall obrigou e ipotecou huas suas casas que elle tem e pesue nesta dita cidade na rua d’ olliveira que partem de hua parte com casas de bras couto e da outra com adega do galvão que são tres casas por baixo e hua camara por sima e hum quintal com suas arvores e poço foreiras ao Real cabido da santa see desta cidade em corenta e quatro reis em fatiota e morada hum ano que bem valem com emcarego de seu oro de sesenta mil reis livres e desobrigadas de toda a outra obrigação somente a esta a que as ora tem obrigadas / E outorgou por todo o contheudo neste estromento ou por qualquer cousa delle ser chamado citado e responder se comprir perante o Juiz das fiamças da arte ou perante as justiças da cidade de lixboa perante quem os oficiaes do dito espritall ho demandar quiserem per suas cartas e sem ellas e fazer asi todo o com‑ primento de dita Justiça e inteiro pagamento renunçiando de si pera esto aver efeito Juiz de seu foro e da terra omde ao tall tempo viver ou esteverem todos outros privilegios e lliberdades que por si alegar posa que de nada quer usar nem gozar sallvo todo comprir manter e pagar como se conthem neste estromento e em testemunho de verdade outorgou e mandou elle ser feito este estromento e os que desta nota comprirem prometendo a mim tabeliam como a pessoa publica estepulante e aceytante em nome do dito esprital e de seus hofiçiaes a esto ausentes e aos mais aubsentes a que esto convem comvir tocar e pertemcer pode asi o compri o estepulei e aceitei testemunhas que presentes forão Jorge da nobrega criado de lluis allvares de tavora / e antonio fernandes cardador chão das covas grande [?] manuell nesta de balltasar d’ andrade tabaliam o ffes [aa.] Manuel d’ araujo / Jorge da nobrega / antonio fernandes [uma cruz] A.D.E., Lº 264 de Notas de Baltazar de Andrade, fls. 94­­‑95.

305

DOCUMENTO Nº 19. 1590, Novembro. Recibo de um relojoei‑ ro de Madrid que fez um relógio com despertador para o Arcebispo D. Teotónio. Digo eu Alonso dias de rrojas, Relojoeiro, que Recebj de Sebastiam de faria cem Reales em sinal de coob sinal de começo de paga de hum Relogio e despertador que hei de fazer pera o Arcb.po de Evora como consta da escretura e contrato atras e por ser verdade lhe dej este por mim assinado em Madrid oie 23 de novembro de 1590. (a) Alonso dias Dom Theotonio de bragança Arcpº devora ett, mando ao contador de minha fa‑ zenda que por esta obrigação atras leve em cõta a sebastião de faria, que serve de nosso tizrº nesta jornada de Madrid, cem reales que tinha dado a Alonso diaa, relogoeiro, a conta de hum relogio e despertador que faz per nosso mãodado (por 200 reales), ficãdo tomados por lembrãça pª lhe descontarem como acabar a obra, Madrid a noue de dezbrº de noventa. (a) Arcº dEvora B.P.E., Fundo Manizola, Nº, nº 19.

DOCUMENTO Nº 20. 1591. Rol de despesas com as festas de Nos‑ sa Senhora da Assunção na Sé de Évora. Quinto Rol de cousas ordinárias que se gastão na Se este anno de 90 por mão‑ dado do senhor provisor, as quaes cousas deu Xpouão Correia com todas ellas no despender dellas. Despendeo o padre pedralvrs, dezembadgºr da obra da see, trezentos rs em duas dúzias e mª de pastilhas para a festa de nossa Snrª. Mais despendeo duzentos e quorenta rs em duas dúzias de pivettes pª a dita festa. Mais deu seiscentos rs a hum homem que fes seis duzis de fugettes (sic) pª a ditta festa. Mais deu a hum homem que trouxe os ditos fogetes daRaiolos a esta Cidade e os lamçou e quatro Rodas de fogo que se fezeram juntam.te com os fugettes trezen‑ tos e cinquoenta rs. Despendeo mais dozemtos e des rs que deu a dous homens que serviram na festa de nossa senhora em tudo o que era necessário. Deu de quatro novellas de barmãote pª os fogettes dozentos rs e duas mãos de pa‑ pel sinquoenta rs. Mais despendeo dozentos simquoenta rs com pregos e esquapollas que se compra‑ rão pª se armarem os goadamesis.

306

Comprou mais tres Rodas darame pª a ditta festa que custarão cento e vinte rs. Despendeo mais oitenta rs de gitta que se gastou na dita festa Despendeo mais cento e sesemta rs que deu a dous pedreiros que consertarão os ferros na cova de gomez pires. Deu mais dozentos e oitenta rs a Bras denis, serralheiro, de chumbo a vinte e sinco rs cada aratel, pª chumbarem as ditas grades, soma trezentos rs. Comprou huma tigela grãode de fogo pª derreter o chumbo que custou des rs. Deu cem rs ao sineiro pª ir concertar a garida. Festa da Cruz de Setembro. Deu cento e oitenta rs, digo, dozentos e trinta rs, de armarem, a Capella mor e a Capella do sto lenho e o dossel na dita capella e tornar a desarmar. Deu de duas duzias de pastilhas e huma de pivettes trezentos e sessenta rs. Deu de treze cargas despadana mil e trezentos rs a cem rs a carga. Deu de cem canas cemto e simquoenta rs. Deu o Rºr de emramarem e espadanarem e trazerem as canas de huma orta dosentos rs. Comprou duas roldanas por quorenta rs para armarem o dossel. Deu cemtto e quorenta rs a quatro homens que varreram a See toda a redor por mãodado de S. Revª pª ir ver a procissão com o Sto Lenho. Deu mais de tirarem mta immundisia que estava a porta da See cem rs, por onde avia de passar a procissão. Deu de tirarem a espadana da See cem rs. Despendeo mais tres mil trezentos sessenta rs, em vinte e oito vªs de pano de linho a cento e vinte rs a vara, pª tres sobrepelise dos mºs da Samcristia. Deu de feittio das tres sobrepelizes trezentos rs. Despendeo mais mil e quinhentos e sessenta rs em treze vªs de panno da Imdia para huma sobrepeliz do sobretizrº da See a cemto e vinte rs a vª e se comprarão todas per mãodado do sºr provisor. Deu quinhentos rs de feittio da sobrepeliz. Despemdeo mais oitto centos e quorenta rs em sette vªs de panno de linho que se comprou pª duas toalhas de irmãos da samcrestia. Deu de feitio de toalhas atras quorenta rs. Comprou dezassete vªs de fitta branqua pª as toalhas e huas amittas a sette rs a vª momta cemto e trinta e seis rs. Comprou sinco vªs e mª dollamda quatro centos e quorenta rs a vª soma dous mil e duzentos rs de que se fizeram vinte mesas de corporais e vinte pallas. Deu de feitio de duas mesas de corporais e duas pallas de transinhas que mãodou fazer pª o altar mor mil rs. Deu de feittio de duas mesas de corporais e quatro pallas de remdas pª o mesmo altar mor quinhentos rs.

307

Deu mais de feittio de quatorze pallas chãs cento e quorenta rs. Deu mais de vinte bottoins pª as vinte pallas cem rs. Comprou hum veo rasado douro que tem quatro centos a dozentos e simquoen‑ ta rs o cdº pª a Costodia em que davão a comunhão aos emfermos, soma mil rs e de remda douro e prata que tem a roda quatro vªs e mª dozentos e sinquoen‑ ta rs e vª e mª despigilla douro que tem pelo meo settenta e sinquo rs e de feittio quorenta rs soma. A qual Rol eu Amtº Arnao xpvão da obra fis bem e fielmente em que vão trimta e oito adissõis e corri com todas ellas, e o sºr provisor assinou aqui comigo xpvão da obra da See erm evora oie xxb de setbrº de 89. (a) Antonio Arnao B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 85, nº 22, fls. 106­­‑108.

DOCUMENTO Nº 21. 1591, Março. Rol de obras miúdas reali‑ zadas na Sé de Évora. Dom Theotonio de Brag.ça Arcebpço de Evora ett mando a vos contador da mi‑ nha fazenda que por esta e pelo rol atras escrito leveis em conta ao padre Pedral‑ vares na que der de Rdor das rendas da obra de nossa santa See do anno de 89 dezoito mil e setecentos c inq.ta e sete rs que despendeo na dita See como consta do dito rol Evora sob sinal do ldº Diogo Nunez figrª nosso secretario e governador por nos do nosso Arcebispado, aos dous de Março francº vogado o fez de 1591. (a) Diogo Nunes Figrª Quinto Rol de cousas ordinárias que se gastão na See este anno de 90 por mão‑ dado do sºr provizor. Mais dispendeo dozentos e sincoenta e tres rs em preguos e esquapollas que se com‑ praram pª se armarem os guadamesis. Deu cento e quarenta rs a quatro homens que varrerão a See toda a redor per mãodado de SS pª ir procissão com o Sto Lenho. Deu mais de tirarem mtª immundiçie que estava a porta da See cem rs por onde avia de passar a procissão. Despendeo mais tres mil trezentos e sessenta rs em vinte e oito varas de panno de linho a cento e vinte rs a vª pª tres sobrepelizes dos mºs da samcristia. Deu de feitio das tres sobrepelises trezentos rs. Despendeo mil e quinhentos e sessenta rs em treze varas de panno da India pª huma sobrepeliz do sobtizrº da Sere a cento e vinte rs a vª e se comprarão todas per mandado do sr provisor.

308

Deu quinhentos rs de feitio da sobrepeliz. (…) Deu de feitio de duas mesas de corporais e duas telas de transinhas que man‑ dou fazer pª o altar mor mil rs. Deu de feitio de duas mesas de corporais e quatro pallas de remdas pª o mesmo altar mor quinhentos rs. Comprou hum veo raxado de ouro que tem quatro cdºs a dozemtos e sincoenta rs o cdº pª a Custodia em que levão a comunhão aos enfermos soma mil rs. E de remda douro e prata tem a rodo vªs e mª dozentos e sincoenta rs e vª e mª de espigilla (sic) douro que tem pelo meo setenta e sinco rs e de feitio quorenta rs soma 5V801. O qual rol eu Antº Arnao spvão da obra fis bem e fielm.te em que vão trinta e oito adissões e corri com todas elas e o sr. Provisor assinou aqui comigo em evora oie xxb de setbrº de 89. B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 85, nº 23.

DOCUMENTO Nº 22. 1591, 23 de Agosto. Despesas de D. Teo‑ tónio de Bragança com Luís Prego, alfaiate. Rol das obras de sua S. que fes Luis Prego nesta era de noventa e tres anos. Pª sua Sª Huma Ropeta darbim que lhe conçertei quando veo de Lxª e lhe pus humas algebeiras de fustão pardo de feitio (N: he verdade que fes isto – gaspar de brito)..................................................................................................... V090 Mais pª sua S. tres pares de mangas dolanda pª tres gibões he outava e mea de retros bramquo de feitio das mangas duzentos he quorenta rs e da outava e mea de retros quorenta e sinco rs ................................................................. V225. Duas dusias de botoins nestas mangas de seda branca a tres pospontos duzentos e desaseis rs............................................................................................ V216 Hum vestido de Ropeta dedo e farregoulo de feitio outo vinténs ............... V150 Item de botoins duas dúzias engorladas de linhas quarenta e oito rs ............... V048 Mais quatro pares de meas calsas pardas pª quatro escravos duzentos rs .V200 Mais hum vestido pª hum moço que serve os pagens ropeta e calsas e farregoulo e gibão de feitio tresentos rs ...................................................................... V300 Item de botonis na ropeta vinte votoins de seda a dos pespontos hum tostão..... V100 Item de botoins no gibão desasete de linhas de frandes sincoenta e dous rs .V052 Hum vestido pª o sobrinho do Arcebpço de Mesquara ropeta e farregoulo e calsas tudo apassamanado he forrado de tafeta mil e quinhentos rs..................1V500 Mais pª este vestido sincoenta varas de passamane pardo a trinta he sinco rs a vara monta sete sentos e sincoenta rs ...................................................... V750

309

Mais pª hum vestido huma onsa de retros pardo duzentos rs................... V200 Mais pª ropeta e calsoins nove dusias e mea de alamares a duzentos rs a dúzia montase mil e novecentos rs...................................................................1V900 (…) Mais sinco guardaportas de pano verde e mais hum pano para a mensa seis tostois de feitio........................................................................................ V400 Hum vestido pª hum preto da casa Ropeta calsas capote carapusa he polainas trezentos e vinte rs.................................................................................. V320 (…) Huma roupeta pª hum preto que se chama Gonçalo Gomes he calsas he farregoulo he gibão he humas meas tudo de saragosa de feitio de vestido tudo qua‑ trosentos e vinte rs.................................................................................. V420 Montão as sessenta e huma adissõis do rol atras catorze mil e cento e oitenta e quatro rs Evora oje 23 dagº de 93.....................................................14V184 B.P.E., Fundo Manizola, Cód. 85, nº 24, fls. 110 a 113.

DOCUMENTO Nº 23. 1591, 23 de Outubro. Pastoral do Arcebis‑ po D. Teotónio de Bragança sobre as diligências que faz em Madrid para trazer a relíquia de São Manços para a Sé de Évora. Dom Theotonio de Bragança per merce de Deos, & da sancta igreja de Roma Arce‑ bispo de Evora, etc. A todos as pessoas Ecclesiasticas & Seculares deste nosso Arce‑ bispado, Saude em Jesu Xpo nosso Salvador. Fazemos saber que huma das principaes causas da ausência de nossa igreja foy procurar por todas as vias de alcançar parte do corpo de sam Mançio seu primeiro Bispo: o ql sendo Romano de naçam, achando­­‑se na cidade de Jerusalem no tempo de Xpo nosso Señor, vendo seus milagres, & ouvin‑ do sua doutrina se converteo, & foy hum dos principaes ministros que assistiram ao solemnissimo officio em que o Redemptor do mundo lauou os pès a seus Discipulos, & vindo a estas partes de Espanha, em este Reyno, principalmente nesta cidade de Euora pregou a ley Euangelica, & deu seu sangue em testemunho da verdade alcan‑ çando gloriosa coroa de martyrio. E seu corpo foy posto na capella que hora se chama de são Manços tres legoas desta cidade: & estando alli depositado por muitos tempos, como consta de instrumentos públicos de muita autoridade & credito, no tempo que os Mouros entraram Espanha, foram levadas estas sanctas Reliquias a Esturias (sic), & depois de tomada Euora aos Mouros, trazendo­­‑se para se restituírem à sua igreja dõde foram tiradas, as assaltou Dom Tello de Meneses Genro de Dom Sãcho Rey de Portugal, senhor em terra de Campos, oito legoas de Valledolid: & ficando­­‑se com ellas fundou hum moesteiro da ordem de sam Bento, a que pòs o nome sam Mançio, & lhe dotou huma Villa sua, a que chamou Villa noua de sam Mançio, & outras muitas propriedades, como consta das doações & instrumentos públicos que o dito Dom Tello 310

de Meneses lhe fez: & considerando nós as muitas rezões que avia para não faltar nes‑ ta cidade & Arcebispado hum tão grande penhor do amor que este sancto Bispo teue a suas ovelhas, & pera cõ a pretença de suas sacras Reliquias se exercitarem a glorifi‑ car a diuina bondade, & se espertasse a memoria dos muitos benefícios que recebemos por este meyo para os sabe r estimar & agradecer quanto em nos for, & o obrigarmos mais a ser nosso intercessor & protector recorrendo a elle em nossas necessidades como a padroeiro nosso diante da diuina Magestade, procuramos por meyo delRey Dom Philippe meu Señor alcançar este grande Thesouro: o qual por fazer merce a estes seus Reynos, & em especial a esta cidade & Arcebispado, o mandou pedir com muita ins‑ tancia, & tem em seu poder com muita devaçam & veneração, para de sua Real mão nolo entregar, que espero leuar com ajuda de nosso Senhor. E porque a merce he tão calificada, & està já alcançada de Deos nosso Senhor, como principal autor de todos os bens, temos obrigação de lhe dar grweças por ella. Pello que ordenamos que logo na nossa Sè se fizesse como se fez huma solenne procissam, onde junto o nosso Reuerendo Cabido com a mais Cleresia & Religiosos, & com os Gouernadores da cidade, se lhe deram publicas graças: & pois a merce he tão geral & feita especialmente a nossas ou‑ elhas, encomendamos muito a todos os Superiores, & Superioras dos moesteiros deste Arcebispado, & mandamos aos de nossa obediência, & ao Vigairo geral da cidade de Beja, & a todos os Vigairos, Priores & Rectores da dita cidade, & mais Villas, Lugares do dito nosso Arcebispado, que tanto que esta nossa prouisam lhes for mos‑ trada, em hum dia de guarda a publiquem ao pouo, & ordenem huma procissam de te Deum Laudamus, com toda a devaçam, & solemnidade possiuel, dando graças a nosso Senhor por esta merçe, & rogando por o acrecentamento da vida, & estados delRei meu Senhor,por cujo meyo se alcançou. Dada em Euora sob sinal somente do Lecenciado Diogo Nunez Figueira nosso Secretario, & Gouernador por nòs de nosso Arcebispado, aos vinte e tres de Outubro, Francisco Vogado Marreira a fez por nosso mandado de M.D.LXXXXI.~(a) (a) Diogo nunes figrª A.S.E., Cartas dos Bispos (PT/ASE/CSE/B/A/oo4/Mç. 002, 1546­­‑1633).

DOCUMENTO Nº 24. 1591, Dezembro. Despesa do Cabido da Sé de Évora com um terço do pagamento da obra de pintura do retábulo­­‑mor da igreja de Santo Antão. Em 19 de Dezembro (de 1591) se passou alvará pª o prioste dar ao Reitor da igrª de Santo Antão desta cidade cem mil rs que se montaram na terceira parte que se fez de custo da pintura do Retabolo da dita igreja ..................100V000 311

(à margem: pintura do Retavolo de Samto Antão) A.S.E., Lº de Registo de Alvarás de Despesa passadas ao Prioste (PT/ASE/CSE/G/B/013/ Lv005/1566­­‑1598), fl. 228 vº.

DOCUMENTO Nº 25. 1592, 3 de Abril. Relato da entrada em Vila Viçosa da relíquia de São Manços. Reliquia de São Mançio mártir da cidade de Evora. Aos tres dias do mês de Abril de 1592 entrou o Arçebispo dEvora D. Theoto‑ nio de bragança nesta vila (Vila Viçosa) com a relíquia do bemaventurado São Mançio a qual trouxe vindo de Madrid. Pª o recebimtº desta santa reliquia man‑ dou Sua EXxª o Duque (D. Teodósio II) armar a igreja do mosteiro de Santo Agostinho toda dos panos da historia do conde Nunalvrez, e por cima e por bai‑ xo no Altar moor hum ornamtº de tela douro broslado e seis castiçais (riscado: dourados), os bancos grandes, e nos Altares de jesus e de nossa Snõra frontais de veludo cramezi guarneçidos de tela douro. E mandou Sua Exª tãobem armar a igreja do mosteiro de Santa Crus toda por çima e por baixo de panos de ras, e no altar moor frontal de ornam.to de veludo cramezi e na sua capella o ornam.to riquo com todos seus aparelhos, a saber, huma crus grande e castiçais dourados e dossel de tella douro e nos altares de fora frontais de tela douro cramezi e amarela e nos degraos do altar seis castiçais grandes de prata com tochas. Avia recado que vinha o prelado as oito horas pola manhã que vinha a pe ante a igreja de Santa crus e nela estavão todos os capelães de Sua Exª e clérigos da vila e frades de san‑ to Agostinho e freguesia de todos os ofiçios e insigniasd do conselho, e Sua Exª foi a cavalo com toda a gente de suja casa a esperar receber ao caminho a relíquia santaq e ho prelado que o mesmo dia avia partido delvas, chegou o prelado à dita igreja de santa Crus e Sua Excª com ele as duas oras depois de meo dia, e pos a caixa em que vinha a santa relíquia em o altar moor e por ser tarde se recolherão Sua Exª e o prelado a comer, e o mesmo fizerão os mais religiosos, clerigos e fra‑ des e mais gente do povo. Às quatro horas da tarde despois de comer no mesmo dia veo Sua Exª a dita igreja de Santa Crus onde já estavão juntos todos com suas bandeiras e ofiçios e não veo o prelado por vir mal desposto e se não achar em disposição pªa isso. E ordenouse a procissão na maneira seguinte.Vinhão com o prelado dous coneguos da Sé devora Jorge de Moura e Dioguo Nunes Figueira, e estes ambos trazião a cargo huma chave que Sua Magestade mandou entregar ao Cabido e outra chave trazia o prelado porque a caixa da santa relíquia tinha duas fechaduras e duas chaves, mandou o prelado a sua chave a Dioguo nunes fi‑ gueira e ambos os coneguos abrirão a caixa de ferro onde vinha a santa relíquia 312

(…) e a poserão no meio do altar. A qual reliquia he hum oso grande emteiro, huns dezião e reafirmavão que era de braço e os mais que de forma hera de perna, se era de perna era huma das canas do artelho ate ao joelho, e se do braço tãobem pareçia huma das canas da mão ate o cotovelo, vinha metido em huma custodia quadrada de quatro cristais engastados nas quatro juntas larguas em baixo e aguda em cima a modo de pirâmide e no meo em baixo e em cima emcaixos onde em ambas partes encaixavam as pontas ambas do osso santo de modo que estava direito e que se via muito bem por as vidraças, e a caixa em que esta santa relí‑ quia vinha era como hum cofre forrado for fora de teca douro cramesi e por dentro de tafetá cramesi, e oitavada com sua ferragem dourada, e esta caixa vinha meti‑ da em outra forrada por fora de coiro preto e por dentro de coiro vermelho. Posta a santa relíquia com sua custodia de vidraças no altar se deram capas a todos os capelães de Sua Exª e alguns quartanários e bacharéis da Sé devora que vinhão com o prelado, e os mais cleriguos desta vila e de Borba, e o palio de brocado de Sua Exª se deu asos benefiçiados da Sé e aos capelães de S. Exª, e dadas tochas a todos os religiosos que hião sem capas e a mtos seculares que foram oitenta to‑ chas, e a todos os mais clériguos e frades vellas acesas, por o prelado estar mal des‑ posto mandou que levase a santa relíquia Peçanha de Brito, e asi tomada huma capa de damasco branco pedrado douro tomei em minhas mãos a santa relíquia e posto pª o povo no ultimo degrao do altar chegou Sua Exª a ofereçerse e beijar a santa relíquia, e logo o sõr dom Duarte e o sõr dom felipe e todos os mais eclesi‑ ásticos e seculares que poderão chegar, e sahimos da igreja de santa crus com mu‑ siqua de cantores de que havia dous choros, hum do duque meu sõr, e outro choro de musiquos da Sé de Evora, cantores e moços de choro, charamelas de Sua Exª, e outras da Sé, que todos tangiam os choros, trombetas e atabales (sic) de S. Exª e fomos com esta ordem ao mosteiro de santo Agostinho. E por todo o caminho ouve sempre grande concurso de gente que chegava a beijar a relíquia (…), etc. B.N.P., Cód. 146, Relação da Entrada da Reliquia de S. Manços (em Vila Viçosa), fls. 17­­‑23.

DOCUMENTO Nº 26. 1594, 6 de Fevereiro. Contrato de D. Bel‑ trão Morellio, prior da Cartuxa de Scala Coeli, com o pedreiro Vi‑ cente Ferreira, sobre a factura de uma capela na Herdade da Torre em Portel, com supervisão de Pero Vaz Pereira, escultor do Arcebispo. Em nome de Ds ámen, saybam os que este estromento de obra de empreytada, concerto e obriguação virem que no anno do nacimento de Nosso Snõr Jhus xpo de mil quinhemtos e noventa e cinco em seis dias do mês de Fevereiro do dito anno na cidade de Evora no moesteyro de Nossa Snõra de Escala Celle da cartuxa n 313

a çella do mº Revdº padre dom Beltrão Morellio, prior do dito mosteyro, estan‑ do elle padre prior ahi presente e bem assy o reverendo padre dom Luis segundo procurador que disse ser do dito mosteyro, ao qual o dito padre prior tomou por adjunto e assistente pera o caso seguinte por não entender a linguoa portuguesa e como interprete, de huma parte e da outra Viçente ferreira, pedreyro, mºr na villa de Portell, e logo por ele dito Viçente ferrª floi dito que era verdade que elle estava concertado cõ elle dito padre prior e cõ o dito padre dom luis segundo pro‑ curador do dito moesteiro e padres delle pera lhe aver de fazer huma capella na sua herdade da Corte, que tem no termo da villa de Portell, a qual capella selle dito Viçente ferreyra se obriga a fazer na dita herdade pella maneyra seguinte, convem a saber, terá a dita capella trinta e tres palmos de vão no comprjmento e dezaseis palmos e meyo no vão da largura e de altura dezoito palmos da banda de dentro de pe direito, e da parte de fora vinte e dous palmos de pe direito, e as duas paredes cumpridas terão quoatro palmos na grusura ate sima e a parede da porta principal terá dous palmos e meyo de grusura ate sima, e a parede adonde hade estar o altar terá sinquo palmos de groso ate sima e dentro nessa grossura farás huma capella a qual terá doze palmos de larguo e de pe direito dezoito palmos e terá hum arquo de volta redonda e sera fundada esta capella dentro na parede tres palmos e meio e assentará o portal desta capela, sendo de pedraria lavrado ao pe da obra faça a dalvenaria, dando­­‑lhe as couzeiras de pedrarya lavradas e ao pe da obra, e fara huma janella pera a parte do meyo dia de tres palmos e meyo de larguo e sinquo dalto rasguada pella parte de dentro, e faça­­‑a de alvenaria e se a quiserem de pedrariaa assentará dando­­‑lha lavrada ao pe da obra, e medi‑ rá esta janella onze palmos do olivel pera sima e goaerneçerá esta capella de den‑ tro em branquo salvo as simalhas e os capiteis que serão raspados e pella parte de fora serão todas as paredes desta capella em roda embocadas ate o chão, e asy fara o altar da dita capella dalvenaria e acabará elle dito Vicente Ferreyra esta capella comforme a traça que lhe for dada e assinada pelo dito padre frei luis, di‑ guo, dom Luis, e pelo dito padre prior, e não será obrigado, digo, a qual capella fará de abobeda de berço de meia volta redonda, e não sera elle dito Viçente ferrª obrigado a fazer mais na dita capella que o atras conteúdo e declarado, posto que a dita traça mais mostre,e dará toda esta obra acabada, segura, perfeita e de re‑ ceber à vista de oficiais que o bem entendam, a qual obra toda atras declarada fará e acabará por preço e contia de trinta e tres mil rs em drº dos quais elle dito Vicente fereyra confessou ter já em sy recebidos dous mil e cem rs em drº e trigo à conta da dita obra e comeso de pagua della, e loguo ahi perante mim tabeliam e testªs recebeo mais sinquo mil e novesentos rs em drº de contado que he por tudo oito mil rs e deles se deu por bem paguo, entregue e satisfeito e a eles padres e ao dito seu moesteyro por quites e livres deles e o mais lhe irão paguando as ferias

314

pella maneyra seguinte, em tres pagas os vinte e sinco mil rs restantes, convem a saber, tendo as paredes erguidas lhe darão oito mil rs, e outros oito mil rs lhe da‑ rão despois de ter a abobada fechada, e nove que fiquão lhe darão depois de toda a dita obra que he obrigado a fazer, a ver feita e acabada e ser vista colnfolrme ao que atras fiqua dito e declarado, e assim sera obrigado ele Viçente Ferrª a conti‑ nuar na dita obra e não alevantar mão della ate de todo a ter feita e acabada, e outrosi sera obrigado, emquanto ele a dita obra não acabar, trazer mais nela dous oficiais afora a pessoa delle, dito vicente ferrª, de maneira que trabalharão nella sempre tres oficiais ate se acabar, e elle prior e padres do dito mosteiro serão obri‑ gados a lhe darem tudo o necessário pera se fazer a dita obra tirando ferramenta, offiçiais e servidores, que isso lhe dará e paguará elle dito Viçente ferrª, e todas mais acheguas para a dita obra lhe porão os padres a sua custa deles padres ao pe della, e faltandolhe eles ditos padres com algumas achegas algum dia que tra‑ balharem por espaço de meyo dia ou dia lhe paguarão o dito dia ou meo dia que deixarem de trabalhar por falta das ditas achegas, avisamdo porem elle dito Vi‑ çente Ferreira a eles padres doze dias antes das cousas que forem necessárias pera a dita obra e acheguas della, e quanto a cal e tijolo em caso que se não possa aver loguo todo por causa do tempo os ditos padres o avizarão pera entretanto que não ouverem a dita cal e tijolo o tornem a avizar e dentro de oito dias despois de avi‑ zado será obriguado a tornar à dita obra e não tornando a continuar nella como atras fiqua obriguado, ou não a dando segura e acabada conforme asyma dito e custume das tais obras e estillo dos offiçiais que eles padres poderão mandar fazer e acabar a dita obra a custa delle vicente ferreira por seus bens e fazenda, o que tudo o dito Viçente ferreyra se obriguou a fazer e cumprir e como atras fiqua de‑ clarado sem duvida nem embarguos que a elle ponha, com obrigação de sua pessoa e bem asy de todos os seus bens moveis e de raiz avidos e por aver, que pera elles obriga, e o dito padre priore o dito padre dom luis que presentes estavão dixerão que era verdade que eles tinham feito o dito contrato como atras fiqua declarado com o dito Viçemte ferrª e aceptavão a dita obrigação asy e da maneyra que atras se contém (…), estando presentes por testemunhas Pero Vaz Pereyra, escultor do Arcebispo, morador nesta cidade, e Gonçallo Vaz, pedreyro morador no termo da villa de Viana de Foz do llima na Meadella, freguesia da igreja velha, ora estante nesta cidade, que ambos dixerão conhecerem o dito Viçemte Ferrª ser o próprio conteúdo neste estromento, e eu Pero Borges, tabelião, o escrevy, e declaro eu tªm que outros esteve presente a este contrato o mtº Reverendo padre don João Monteyro, procurador geral do dito mosteyro de Scala Celle desta dita cidade de Evora, o aqual outrosi outorgou e aceptou esta escriptura como nella se contem, e assinou com os ditos padres, pedreiro e testemunhas as sobreditas, e eu Pero Bor‑ ges tabeliam que o esprevi.

315

(aa) fr. Beltram Morellius prior scala coeli ordinjis cartus. – fr. Joam Montero pro‑ curator – fr. Luis vallente sedº p.º ­­– Vycemte frrª – pº vaz pireira – de gº + vaz tª. A.D.E., Lº 311 de Notas de Pedro Borges, fls. 8 vº­­‑11 vº.

DOCUMENTO Nº 27. 1594, 11 de Março. Obrigação de contra‑ to com o pedreiro Diogo Martins para fazer a obra nova da igreja de São Manços. Em nome de Ds amen, saibam os que este estromento de contrato de obriguação de empreytada virem que no anno do nacimento de nosso senhor Jhus xpo de mil quinhentos e noventa e quatro em onze dias do mês de março do dito anno na ci‑ dade de Evora nas pousadas de mim, tabelian, pareceram Pero Duarte e Manoel Fernandes Talleço, lavradores e moradores no termo desta cidade na freguesia de Sam Manços, mordomos da obra da dita ygreja de Sam Manços, e bem asy Dio‑ guo Martins, pedreyro morador nesta cidade, e per eles foy dito que eles estavão com, digo, pelos ditos Pero Duarte e Manoell Fernandes Talleço foi dito que era verdade que eles estavão concertados com ele dito Diogo Martins para lhes acabar de empreitada a obra da dita igreja de Sam Manços cõforme aos apontamentos adiante declarados e cõforme a trasa que fiqua em poder deles ditos mordomos as‑ sinada por ele dito Dioguo Martins, e por eles ditos mordomos, a qual traça esta em duas folhas de papel, e logo de feito lhe derão a dita obra de empreitada para lha fazer e acabar pella maneyra seguinte, a saber, as simalhas pella bamda, di‑ guo, pª a bamda de fora, serão de moldura doriqua, cõ seu frizo e alquitrave e terá tudo de alto tres palmos e sera raspada e as telhas que vem sobre a simalha serão asamtadas em cal e emboquadas de maneyra que não entre nada por ellas, item as paredes pella banda de dentro da dita ygreja serão guarnecidas e apince‑ ladas e terão do chão pera sima raspado sete palmos dalto asy de huma banda como da outra, e a capella da pia de bautysar o mesmo, item hos cunhais serão de emxilharia raspada, item o madeiramento da dita ygreja sera em cortisado e bem pregada de cortisa como se custuma, e sera telhado cõ canudo por sima e muy bem emboquado que não entre cousa alguma por elle com seu espiguão, item a capella da pia de bautizar se alevantará sinco palmos mais alto do que está e será de huma corente pera fora ao modo de traça e sera fechada dabobada da dita capella de mea laranja e o telhado sera emboquado e por fora hum chamfro que fasa sa‑ quada e sera guarnecida pella bamda de dentro asy abobadada como paredes de branquo e a pia de bautizar sera alevantada no andar da ygreja e o ladrilho o mesmo e o arquo da dita capella sera alavantado sinquo palmos e será goarnesi‑ do o dito arquo e os pilares raspados e ressaltados e refendidos e terá por capitel 316

huma faixa de hum e outo de alto e correrá toda pelo pe da abobada e no luguar de simalha, item o altar mor sera alavantado hum palmo e sera mais largo o que for necessário conforme ao Retavolo, e ladrilhar­­‑se­­‑á a capella ao olivell da ygreja e os degraos serão feitos como estão os velhos e o que serviu de tavoleiro não terá mais cumprimento que o altar porque não ande a gente ygual do padre, e farseá huma parede francessa por detrás do retavolo da altura que for necessária e ta‑ pada pelas ilhargas o vão porque não possão entrar detrás, e háde ser guarnecida esta parede, item o arquo e os pilares da capella mor serão guarnecidos de raspa‑ do com seu relevo, e o arquo terá hum foçinho anellado, e os capiteis guarnecidos com muldura toscana, e correra, diguo, a capella sera guarnecida de branquo e bem caiada, item as paredes da bamda de dentro serão goarnecidas de branquo e caiadas e pelo fecho se deitara huma faixa de hum palmo de alto com seu relevo e refendida correra toda a casa ao redor ao livel, e o espelho sera guarnecido por fora e por dentro com suas faixas refendido, item o teto do telhado por dentro sera desteyra de canas bem preguadas, sera reboquado e guarnecido conforme a traça, e os painéis da dita abobeda serão quadrados e serão os que couberem com as mol‑ duras conforme a trasa, e a moldura ao redor das faixas grandes sera hum talão com huma faixa e raspado como se custuma araspar, e os campos serão branquos e bem caiados, item no telhado o algeros que core da banda da torre terá hum vaso ao longuo das paredes que metão as telhas do algeros por baixo e as juntas da pedraria da tore serão rachadas e guarnecidas da altura da pedraria de maneyra que fique o algerós seguro, e guarnesera o campanairo e os remates conforme ao que pede a obra, item que toda esta obra asi e da maneyra que atras vai declara‑ da fara elle dito Dioguo Martins sem faltar nada e pera toda esta obra, diguo, e que elle Diogo Martins será obriguado a por tudo o que for necessário pera a dita obra ser de todo acabada a sua custa sem eles ditos mordomos serem obriguados a lhe darem coisa alguma necessária e pertemsente pera a dita obra, a qual obra elle dito Dioguo Martins sera obrigado a dar acabada de todo por cento e quinze mil reis que os ditos Pero Duarte e Manoel Fernandes Talesso mordomos da dita obra se obriguão a lhe dar e paguar (…), a tudo forão presentes Andre Lopes da Fonseca, alcayde desta cidade, e Amrique Chamoso, tabeliam do judicial desta mesma, e Domingos Simões, homem do mesmo alcayde nesta cidade, moradores, e posto se diga que se assinou aos onze dias do mês de março asinouse e outorgou­­‑se aos vinte e hum dias do dito mês do dito ano de noventa e quatro, testªs as sobre‑ ditas e eu Pedro Borges tabeliam o escrevi. A.D.E., Lº 309 de Notas do Tabelião Pedro Borges, fls. 114 vº a 117.

317

DOCUMENTO Nº 28. 1595, 22 de Dezembro. Instrumento de procuração dos frades da Cartuxa de Évora, em que são testemunhas Pero Vaz Pereira, arquitecto, e Custódio da Costa, pintor, presentes no Capítulo do Mosteiro. Em nome de Ds ámen, sajbão os que este estromento de declaração e moderação de contrato como milhor dizer se possa virem que no anno do nacimento de nosso Snõr Jhus xpo de mil e quinhentos e noventa e seis (sic) em vinte nove dias do mês de de‑ zembro do dito ano na cidade de Evora, no aposento do ilustrissimo e reverendissi‑ mo Snõr dom Theotonio de Bargamça, Arcebispo deste Arcebispado devora, funda‑ dor e dotador da Cartuxa de Escala Coeli desta cidade, estando elle dito senhor ahi presente de huma parte, e bem assi presente dom Manoell Bruno, monge professo do dito mostrº de nossa snõra de scala caeli desta cidade e o Licº Niculao gramaxo, ad‑ vohgado nesta dita cidade, como procuradores bastantes e deputados plo dom Prior e monges da dita cartuxa, pera este caso como constou per hum publico instrumento que ahi apresentarão escrito e assinado com publico por balltasar dandrade, tabelião‑ das notas desta cidade, cujo theor de verbo adverbum he o seguinte: Saibão os que este estromento de procuração virem que no anno do nacimento de nosso sõr Jhus xpo de mil e quinhentos noventa e cinco annos aos vinte e dous dias do mês de dezembro nesta cidade de Evora dentro no mostrº de nossa srª de escala caeli da ordem da cartuxa na casa do capitolo estando ahi presente juntos e chamados per som de campaã tangida segundo sey Religioso costume pera satisfazerem ao caso seguinte os muito Reverendos e devotos padres, convem a saber, o Reverendo padre dom Belltrão morel, prior do dito convento, dom Matias ferreira, vigrº da casa, dom francisco durão, dom Duarte, dom luis valente, dom Noutell de matos, dom Manoell bruno, procurador do mostrº, dom Mabnoell Medeiros, dom Theotonio, dom thome, e outros todos padres professos naturais conventuais e capitullares chamados no dito mostrº, logo pelos ditos prior e padres foi dito em seus nomes e do dito seu moestrº e convento, em presença de mim, tabelião, e das testemunhas ao diante escritas, que com livre e gerall administração fi‑ zião, como logo de feito fizerão e ordenarão, por seus certos e bastantes procuradolres com poder de sobestalecer procurador e prolcuradores e os revogar se comprir, retendo o uso desta procuração em si, ao dito padre dom Manoell Bruno, procurador do dito convento, e a Nicolau gramaxo, advogado nesta cidade, e nella morador, os mostra‑ dores da presente, aos quaes ambos e cada hum per si in solidum disseram que davão e outorgavão todo por seu livre e comprido poder e mandado especial e gerall pera por eles e em seu nome e do dito seu convento e mostrº da Cartuxa desta cidade poderem aceitar do illustrissimo e reverendissimo snõr dom Theotonio de Bargança, Arcebis‑ po deste Arcebispado devora e fundador e dotador do dito mostrº da cartuxa todas e quaisquer doações de quaisquer fazendas de raiz, foros, censos, pensões e quaisquer

318

outras rendas de qualquer maneira, qualidade, quantidade, numero e condição que sejam (…), estando presentes por testemunhas Martim de faria, cavaleiro do habito de nosso snõr Jhus xpo, e Antonio Ribrº, clérigo de missa, e Antº peres e pero vas pereira e custodio da costa, pintor, nesta cidade moradores. B.P.E., Mosteiro da Cartuxa, Lº 1 (Escrituras, desde 1587), fls. 45­­‑60, refª fl. 58; treslado no mesmo maço, refª fl. 70.

DOCUMENTO Nº 29. 1598­­‑1602. Despesa com Pero Vaz Perei‑ ra, arquitecto do Arcebispo D. Teotónio, por traçar as obras da Sé de Elvas. (S. João de 98). A Pero Vaz Pereira arquitecto do sõr Arçebpº seis mil rs pelo trabalho de ver e traçar a obra da See ..................................................6V000 A Manoel Ribeiro mestre pedreiro de Sua Exª (o Duque de Bragança), trinta mil rs por dar traças às obras da Se as vezes que parecerão neçesarias.30V000 Arquivo da Sé de Portalegre (A.S.P.), Livro de Receita e Despesa da Fabrica da Se de Elvas, anos de 1598 a 1638, fls. 17 e 23 vº. Referências em Mário Cabeças, 2004, pp. 244­­‑246.

DOCUMENTO Nº 30. 1600, 18 de Janeiro. Oferta de uma opa de escarlatim feita por D. Teotónio de Bragança, em despacho no Mosteiro da Cartuxa, a Gaspar Pinheiro, meirinho do Santo Sacra‑ mento da Sé. Dom Theotonio de bragança, Arcbº devora, mando a vós, Licº Alvaro Tinoco que servis de Recebedor das rendas da obra da See, de que somos perpetuo admi‑ nistrador, que pageis (sic) a Gaspar Pinhrº, que serue de meirinho do Santo Sa‑ cramento da See, quatro mil e oitocentos rs que se lhe deve do seu ordenado dos dous quarteis derradrºs do anno passado e o que acabou o ano de noventa e nove, a rezão de noue mil e seiscentos rs por ano, e asi mais huma opa de escarlatin (sic) pª com ella servir na confraria do Santo Sacramento de que elle he meirinho, e por esta e seu reconhecimento feito pelo escrivão da dita obra de como os recebeo mãodovos sejão levados em conta, fiquando a rezão no lº da arca e por nosso con‑ tador, Cartuxa a 18 de janrº de 600. (a) Arcº dEvora A.S.­­‑E., PT/ASE/ME/F/Mç.1, 1574­­‑1600, Mitra. Processos de Despesas, mss. avulsos.

319

DOCUMENTO Nº 31. 1600, 7 de Março. Obrigação de José de Escovar, pintor de fresco, ao bispo de Elvas D. António Matos de Noronha, para a pintura a fresco dos painéis da abóbada da capela­­ ‑mor da Sé de Elvas. Hobryguasão de Joze de escovar da capella \ da se / Saibão quamtos este estromento de hobryguacão vyrem que haos sete dias do mes de março do anno do nacymento de nosso senhor Jesu Christo de mill e seis semtos annos nesta cidade d’ellvas nas casas episcopais e em prezemça de mym taballiam e das testemunhas ao deante nomeadas estando hai prezemtes o muito illustre se‑ nhor dom antonio matos de noronha bispo deste bispado e jmquizidor gerall destes Reinos e senhorios de portuguall e bem asi Joze d’escovar pimtor de fresquo mora‑ dor na cydade d’evora estante ora nesta dita cidade lloguo pello dito Joze d’escovar foi dito que e verdade que elle esta comsertado com o dito senhor bispo pera pimtar ao fresquo a capella [?] diguo todos os paineis do allto da capella mor desta samta se desta dita cydade e frizos de emtre os ditos paineis e de deredor delles que são pintados os ditos paineis tamto por fora frizos \ couadros / de pimtura de fres‑ quo pella maneira seguimte pimtara em cada hum dos ditos paineis a istoria que pello senhor bispo lhe for mandado e todos e cada hua das que pimtar pimtara com toda a perfeicão de cores finas e muito escolhidas todas as quais serão todas vistas primeiro que as guaste e todas serão a comtemtamento do dito senhor bispo e hos frizos todos serão de pimtura de brutesquo bem pintados ao fresquo de collores bem coalhadas [?] no debuxo de modo que fique pouquo campo em bramquo de modo que toda a pimtura da dita capella fique a comtemtamento asi as cores como na mão e debuxo a qual hobra elle dito joze d’escovar dise que elle seria nesta cidade pera a começar na segunda outava de pascoa de frores primeira que embora vem deste prezemte anno e a começara loguo o primeiro de serviso por toda a pascoa da qual obra não allevantara mão nem se auzemtara desta cidade ate a não deixar acabada e posta em toda sua perfeição e semdo caso que elle se auzemte sem aca‑ bar a dita obra ou por contrario perto o deixe de acabada hou allgua couza della Jimperfeita e comtemte e ha por bem que a sua custa busquem pintor que o faça a comtemtamento desta escretura e lhe darão a vista dele dito joze d’escovar tudo aquello em que o dito semhor bispo se consertar come lle e he comtemte que por sua custa mandem buscar o tall pimtor quanto elle por maliçia hou negreygemçia sua deixe­­‑a de acabar a dita obra porque quando por doença hou morte deixar de a acabar se não uzara delle do dito Rigor e sendo caso que por houtra obra ou respeito allgum se auzemtar e comtemte que a sua custa se mande camynheiro hou caminheiros que nesesarios forem pera lhe fazerem as noteficaçois nesecarias pera comprir esta obryguação ao qual darão emquanto amdar fazendo as ditas delligen‑

320

cias coatros reaees cada dias e pera comprimento desta escretura e mor segurança desta obryguasão se hobrigou elle dito joze d’escovar a trazer hua fiança da dita çidade d’evora cham segura e habonada de duzemtos mill reais dezaforada pera o juizo desta coreição pera o qual elle dito joze d’escovar se desafora e se obrygua a respomder diante do corregedor desta cidade e comarqua \ ou juiz de fora desta çidade quall elle dito senhor pode ser / a todas as duvidas que lhe forem postas a todo o comprimento desta escretura e hobryguação e se hobrygya a tudo comprir e manter sem a iso allgua duvida allguar e semdo caso que a tenha não quer ser ouvido em juizo e fora te não depozitar na mão do dito senhor bispo tudo aquillo que a comta da dita obra tiver resebido e semdo caso que se auzemte e pera isso hou houtra qualquer cousa seja nesecario sitar sequer que pera o comprimento e tudo se cite hum dos porteiros desta cidade e lloguo pello dito senhor bispo foi dito que por toda a dita obra lhe dara e mandara dar a comta da fabriqua da dita se e das remdas della sem mill reais em dinheiro de comtado da comta dos quais lloguo o dito joze d’escovar resebeu perante mym tabaliam e testemunhas vymte mill reais da mão de joão allvarez depozitario da dita fabriqua o qual os deu por mandado do dito senhor bispo e ho mais dinheiro se lhe ira dando asi como for fazemdo a obra de maneira que acabada a dita obra e posta em sua perfeição lhe sera paguo tudo muito prinsipallmente sem dillação allgua e dos ditos vymte mill reais fiquou por seu fiador e primcipall paguador e fiell depozitario lluis de pina que prezemte asi estava o qual dise que se hobryguava como fiell depozitario a que não vymdo o dito joze d’escovar a comesar a dita obra pellas outavas delle dar e hemtreguar os ditos vymte mill reais e sendo caso que vymdo elle dito joze d’escovar a começar a dita obra e não lhe dando pera ella mantimentos d’estuque e mais que for neseçario fora das timtas e do que elle tem obriguação depos lhe pa‑ guarão por cada dia que follguar trezemtos reais a custa de quem for justiça per firmeza do qual o dito joze d’escovar se hobrigou por sua pesoa e bens moveis e de rais avidos e por aver e ho dito senhor bispo as remdas da [dita fabriqua asi ho terem e comprirem jmteiramente e pormetem de nunqua em tempo allgum irem nem vyrem comtra este estromento em parte nem em todo e em testemunho de ver‑ dade asi ho houtrogarão e mandarão ser feito este estromento de obryguação que todos aseitarão estando prezemtes por testemunhas joão allvarez e pedro dias villa nova e manoell zaguallo moradores nesta dita cidade e eu antonio peguado pereira tabaliam ho escrevy não fação duvida as emtrelinhas que dizem / e houvados / ou juiz de fora desta cidade qual elle dito senhor pode ser. [aa.] O bispo d’elvas / Luis de pina / Jose d’escovar / Joam allvares / Manoel Zagalo / Pedro diaz villa nova A.D.P., Cartórios Notariais de Elvas, CNELV04/001, Cx. 14, Liv. 10, 7 de Março de 1600, fls. 68­­‑70 vº. Publicado pela Doutora Patrícia Monteiro.

321

DOCUMENTO Nº 32. 1600, 15 de Julho. Contrato para a pin‑ tura da capela­­‑mor da Sé de Elvas entre o Bispo D. António Matos de Noronha, o pintor José de Escovar e o dourador João de Moura. Hobryguação de Joze d’escovar e João de moura ao bispo. Saibão quamtos este estromento de obryguação vyrem que aos quimze dias do mês de Julho do anno do nacymento de nosso senhor Jesu Christo de mill e seis semtos annos nesta cidade de elvas nas casas episcopais e em prezemça de mym tabaliam e das testemunhas ao diante nomeadas estando ahi prezemtes o muito illustre se‑ nhor dom amtonio matos de noronha bispo deste bispado e Imquizidor guerall destes Reynos e senhorios de portuguall cetera e bem asi Joze de escovar pimtor de fresquo e João de moura dourador moradores na cidade d’evora estantes ora nesta dita cidade llogo pellos ditos Joze d’escovar e joão de moura foi dito que e verdade que elles estão consertados com o dito senhor pera lhe dourar a capella mor da sa‑ mta se desta dita cidade comvem a saber as mollduras de trimta paneis que tem a dita capella de pimtura que serão douradas por demtro e por fora todo aquillo que pareser a vista e hasi as cornijas e boseis dos dois frizos grandes das ylhar‑ guas e ho seo arquo da capella por demtro e por fora tudo o que for pedraria do dito arquo e hasi mais dourarão as frestas da dita capella e ho debrum de fora do arquo em que fecha a abobada com as duas Reprezas das elharguas do arquo o qual debrum e Reprezas lhe paguarão de fora deste comserto o qual dourado da dita capella e ar[quo como] dito e sera de ouro mate de ollio dando­­‑lhe primeiro Imprimadura a tudo e ho ouro de made ade ser feito de bornir do mais llustrozo que posa ser de houro fino o qual yra muito bem asemtado e resavado que fique muito bem coberto e ho arquo e esteos sera do mesmo houro mate e pimtados a ollio sobre ho ouro conforme a mostra que diso esta feita a qual fiqua em poder do dito senhor pera se despois confirmar com ella a obra e halem deste dourado pimtara mais na dita capella o dito joze d’escovar des paineis a fresquo dos des mamdamentos da llei de deus de cores comforme a mais pimtura da capella os quais paineis se ão de pimtar por baixo dos frizos grandes e hasi mais hum lin‑ tel que obrou deredor do arquo pella parte de demtro da capella os quais paneis fara cada hum pello preço de cada hum dos houtros e ho lintel que a de demtro do arquo se lhe pagara de dora deste comserto e hos mais pimtara no frontespiçio do cruzeiro hua estoria quall lhe for asjnada e mandada e se medira o espaço da parede e quantos paneis tera do tamanho de cada hum dos houtros se lhe paguara o mesmo preço de cada hum dos houtros pello quall dourado e pimtura do arquo asi como dentro e hatras fiqua declarado lhe ade dar o dito senhor duzemtos mill Reais em dinheiro de comtado paguos pella maneira seguinte pa djguo sem mill Reais llogo pera o ouro e mordemte e hos houtros paguamentos se lhe vão fazen‑

322

do como tiverem neseçidade e forem trabalhando pello que diserão os ditos Joze d’escovar e João de moura que elles se hobryguavão a dourar a dita capella e ha pimtar pella sobredita maneira e pello dito preço dos duzemtos mill Reais da qual hobra não llevantarão mão ate se acabar de todo e há darão feita e dereita por todo o mes de houtubro prymeiro seguimte deste prezemte anno e posta em toda sua prefeição pera firmeza da qual se hobryguarão por suas pesoas e bens moveis e de Rais avidos e por aver ambos jumtamente de mão comum E hum pello houtro e em quem milhor pera iso estiver e de quem o dito senhor quizer peguar toman‑ do hum e deixando houtro sem por isso nenhum deles fiquar desobryguado a esta obryguação asi terem e comprirem jmteiramente e pormetem de nunqua em tempo allgum yrem nem vyrem comtra este estromento em parte nem em todo e pera mais segurança aprezentarão tres escreturas de fiança e hobrjguação que pera esta obra e preço que por ella lhe dão derão feitas na cidade d’evora segundo dellas paresia hua dellas por João Ramalho djguo diogo Ramalho tabaliam das notas na dita cidade d’evora aos treze dias do mes de abrill deste prezente anno e houtras duas hua de fiança e houtra de abonação della feitas por francisco charua tabaliam do pubriquo Judiçiall e notas na villa de terena feita hua dellas em vymte e houto dias do mes de Junho e houtra em doze de Julho deste prezemte anno que todas fiquão em poder de mym tabaliam pellas quais se faz obryguação e ipotequa de fazemda bastante ao comprimento das ditas obras alem da qual fazemda pera mor abastança aprezemtarão por abonado de toda ella a Pedro allvares mercador e morador nesta dita cydade que houtrosi prezemte estava pello qual foi dito que elle sobia e dava sobida a fazemda toda comteuda nas ditas escreturas de fiança e habonação e habonava as ditas fianças e fazenda dellas e se obryguava como de feito obrygou a que semdo caso que a dita fazemda nas ditas escreturas nomea‑ das ou cada hua das pesoas della não sejam nomeadas nas ditas escreturas não posuão tall fazemda como nellas se nomeão não semdo elle abastante pera delle o comprir todo o dinheiro que a comta desta obra for dado \ e se der / ao dito João de moura dourador e hao dito Joze d’ escovar pimtor e pera imteira satisfação e comprimento da obriguação que cada hum delles tem a pimtar e dourar a dita capella e ha por em toda sua perfeição na forma desta escretura e doutra que ja esta feita por mym taballiam e elle dito Pedro allvares se hobrygua por sua pesoa e bens moveis e de rais avidos e por aver a pagar todo o dinheiro que falltar ven‑ dida toda a fazendoa comteuda nas ditas escreturas de fiança e habonação asi o que tiverem dado aos ditos pimtor e dourador como o mais que for neseçario pera custa del[e]s ditos pimtor e dourador e habonador se o cobrar de pimtar e dourar toda a dita capela falltando algua couza de sua obriguação e llogo os ditos João de moura e Joze d’escovar se obryguarão a tirar apos e a sallvo ao dito Pedro all‑ vares abonador das ditas fianças dizendo mais os ditos Joze de escovar e João de

323

moura que erão comtemtes a que semdo caso que eles ou allgum deles se auzemtase hou por qualquer houtra maneira deixasem de comprir com a dita obryguação asy no pimtar como no dourar querem e hão por bem que a sua custa se busque dourador e pimtor que acabe aquello que lhe a elles fallta aos quaes dourador e pimtor darão aquillo em que elle dito senhor bispo de comtentar o que se lhe dara por comta das fazemdas fianças e habonação delles ditos Joze d’escovar e joão de moura e querendo­­ ‑os obryguar auzemtando­­‑se ou que elles proprios venhão comprir com suas obry‑ guações podera o senhor bispo mandar a sua custa delles hum ou mais caminheiros que nesesarios forem aos quaes podera dar a duzemtos Reais por dia ate elle com efeito mandar comprir com suas obryguações e ho dito pedro allvares dise que ele se obryguara a todo comprir e manter pella sobredita maneira pera a que todo se desa‑ forão de juiz de seu foro e jurisdição e se obriguão e sometem a responder perante o corregedor desta comarqua ao qual der sentença pera então elleg[e]rem pessoa com‑ petente juiz e em testemunho de verdade asi o outrogarão e mandarão ser feito este estromento de hobriguação que todos aseitarão estando prezemtes por testemunhas o primaz e viguario gerall deste bispado João nogueira borba e pedro dias villa nova e hafomço borya criado do dito senhor e eu Antonio peguado pereira tabaliam ho es‑ crevy e declarão que lhe dão os ditos duzemtos mill Reais somente pello dourado todo e pimtura do arquo e ha outra pimtura dos paineis se paguara comforme a escretura que ja diso esta feita e se hobryguão a qua asi o dourado como a pimtura sera com toda a prefeição posivell testemunhas os sobredito[s] e eu taballião ho escrevy não fação duvida os entrelinhados que dizem / em / de mão comuny a­­‑de ser diguo / e se der e emmendado / fazem mandado e riscado / em quem melhor pera do / que todo se faz [fl. 144] por verdade e eu tabaliam ho escrevy [aa.] [João n]ogueira / João de moura / Jose d’escovar / Pedro allvares / Pedro dias villa nova / Afomso boroa A.D.P., Cartórios Notariais de Elvas, CNELV04/001, Cx. 11, Lº 10, fls. 140­­‑144. Publicado por Patrícia Monteiro.

DOCUMENTO Nº 33. 1602, 25 de Janeiro. O Arcebispo D. Teo‑ tónio de Bragança encarrega o Cónego Domingos Martins de enco‑ mendar em Roma paramentos e pintura. (…) Levais o retablo do Altar mor da Cartuxa pera mandar fazer hum em tella pera o modo que vai um papel dentro do milhor official, e seja escolhido pera o Cardeal Tornes. Em casa do Sõr Conde Fernão Taverna esta huma casula, e huma dalmática de buquexim para se fazerem outras por ellas, e aqui vão outros desenhos para o brocado, e para os sebastros, e os perfis que nelles estão azuis, hão de ser cor que 324

parecer, e o branco hade ser vermelho, e porque queria tãobem fazer hum orna‑ mento branco para a Cartuxa da feição do da See de tela, e não há que ter mais que frontal que he de quinze palmos de cumprido, como vereis pela medida que vai ao pé do retabllo, e huma vestimenta, e panno pera o faldistório que he a estante, a casula hade ser toda de brocado como a minha capa que se fes em Florençia, e o frontal, e faldistório, taobem os sebastos e folhas que levam ao redor hão de ser fabricadas de ouro conforme ao papel que levais. B.P.E., Lº 1º da Cartuxa, fls. 119 a 120 vº.

DOCUMENTO Nº 34. 1601­­‑1602. Recibos de pagamentos pela pintura e dourado do retábulo­­‑mor da igreja do Mosteiro do Carmo de Évora, pelo pintor estrangeiro Isbrant de Renoy. (fl. 81). Pintor do retabolo do Carmo 12V800. Diguo eu Isbrante de Renoi que he verdade que eu resebi do snõr frcº de faria a conta do retabolo que lhe pinto no Carmo devora doze mil e outo sentos res em dinheiro e huma procuração pera a alfandega de Lisboa de dosasete mil res o quoal he deste quartel primeiro de Março de 601 e por isto ser verdade pedi a João Lopes que este por mim fizese, oie vinte oito de Maio do presente ano de 601. (a) Isbrant de Renoy Recebeo os 17V000 da procuração dalfandega por Baltazar do valle. (apenso) Diguo eu Isbrante de Renoi, pimtor, que me obrigo a acabar ho re‑ tabollo de Nossa Snõra do Carmo da capella mor que já tenho começado …, recebendo de Francisco de Faria, alcaide moór da vila de Palmela, quinze mil reis em parte de pago… a desaseis de Abril de 602. (a) Isbrant de Renoy (apenso) Diguo eu Isbrante de Renoi, pintor, que dou quitação de nove mil reis que me eram devidos pello senhor Francisco de Faria, alcaide moor da vila de Palmela, pela pintura do retabollo do Carmo devora… a trese de agosto de 602. (a) Isbrant de (fl. 56) Por este por mim digo eu Luís Brante de Renoi pintor que he verdade que eu pintei ao snõr frcº de faria alcaide moór de Palmela, o retavolo da Capela mor de Nossa Snõra do Carmo da Cidade devora e porq. lhe tinha acabado a dita obra hora em remate de todas nosas contas dia pª todo sempre do dito feitio e por verdade Rogei ao padre fr. Simão da ordem de Nossa Senhora do Carmo que este por mim fizesse e eu assinei por minha mão, oie 11 de Novembro de 602. (a) Isbrant de Renoy (nota) Do pintor. Este omem sustentámos todo o tempo que foi quase dous annos e o curamos de uma doensa mui larga e pirigoza. 325

(fls. 60­­‑65). Contrato de 29 de Janeiro de 1605, passado em Évora, em nome de Lourenço Vaz de Araújo, procurador do senhor Francisco de Faria, alcaide­­‑mor da vila de Palmela, com Manuel Francisco, pintor e dourador, morador em Lisboa na Rua dos Escudeiros, para dourar o retábulo­­‑mor da igreja do Convento do Carmo de Évora, por 150.000 rs, que deviam ser­­‑lhe dados em três pagas 546. (fl. 78). Aprovação da obra do retabolo. Certificamos nos José de Escovar he manoel Fernandes pintores e douradores mo‑ radores nesta cidade de Évora que he verdade que nos fruymos a ver ho Retabollo da capela mor do convento de nosa Senhora do Carmo da dita cidade o qual dou‑ rou Manoel Francisco morador na cidade de Lixboa, he o dito Retabolo hestá mto bem dourado de ouro bronhido he de mtº bom aparelho he de mta dura e mtº firme he bem Acabado he Resanado he ysto dizemos pelo juramento dos Santos Evangelhos que temos he que pª yso nos foy dado, o qual Retabolo fomos ver A ystançia e per mandado do senhor chantre baltesar de Faria, e por ser verdade fi‑ zemos esta por nos asinada em Évora oje 24 de Junho de 1605. (aa) Manoel frz –­­José descovar (fl. 82) Recibo de Manuel Fernandes, pintor e dourador, de 6 de Dezembro de 1605, em parte da pintura do Sacrário da mesma igreja547. Lisboa, Colecção Pedro d’Azevedo – Maço de Contratos de Obras respeitantes à Capela­­ ‑Mor do Mosteiro do Carmo de Évora (1568­­‑1623).

DOCUMENTO Nº 35. 1603. Inventário dos painéis, mobiliário, pratas e tapeçarias da colecção de D. Alexandre de Bragança, Arce‑ bispo de Évora. Inventrº dos Bens Moveis que o sºr Alexandre tem nesta Cidade de Lisboa e hora he Arcebispo eleito de Evora ao tomar posse do dito Arcebispado. (…) Treze panos da Historia de Hercules que tem quostro centas e cinco Annas avaliada cada Anna a mil e seis ctºs rs monta seis ctºs quarenta e oito mil rs.... 648V000 Cinco pabnos de Alta cajda de Raz da mesma, digo, da Historia de David que tem duzentas e vinte e duas Annas que custão, digo, valem dozentos e oitenta e oito mil rs........................................................................................288V000 Tres panos de Raz Antigos de Barba Rapada que são da Historia de David e Irmãos da Armação de sette panos que foram pª Vila Viçosa que a respeito dos mais tem setenta e duas Annas a mil e cem rs cada, que montão settenta e nove mil e duzentos rs..............................................................................079V200 326

Huma alcatifa de Coracene (sic) com sua rosa no meo e fundo anil, posta em qua‑ torze mil rs ...................................................................................... 14V000 Outra alcatifa do Dias de Bichos com cadilhos de retros verde posta em quinze mil rs.................................................................................................15V000 Outra alcatifa do Dias com cadilhos de retros vermelho posta em quatorze mil rs.......................................................................................................14V000 Huma alcatifa de Coracone (sic) velha que se ve nos pes da cama posta em des mil rs.. 10V000 Duas alcatifas de Veneza piquenas novas a tres mil e quoatro centos rs cada que valem e montão seis mil e outocentos rs..................................................6V800 Seis Guadamecis dourados todos novos cada hum de trinta e duas peles e mª os cinco e hum maior que tem corenta pessas que valem vinte e oito mil e trezentos rs ......................................................................................................28V300 Dezassete guadamexins vermelhos com sanefas douro e verde reformados de trinta postos cada hum a tres mil quinhentos rs montão cincoenta e nove mil e quinhen‑ tos rs..................................................................................................59V500 Des panos de Guadamexim que não são reformados vermelhos com sanefas dou‑ radas posto cada hum a tres mil rs Monta trinta mil rs......................30V000 (…) Retavollos doratorio. Hum Retavolo de nossa Srª em pano com seu caixilho e com bhum menino com S. João Bptª com suas corrediças de tafeta carmezim posto em oito mil rs.8V000 Huma lamina de metal com seu Ecce Homo em hum caxilho de pao preto doze mil rs.................................................................................................12V000 Huma Cruz de pao preto lavrada de ouro com huãs vidraças para o meo com fe‑ guras da paixão feitas de Marfim com seu pe em vinte mil rs .............20V000 Duas Arquinhas pª Reliquias, huma grande e outra pequena, com Vidraças por todas as partes Iavradas a ponta de diamante e forradas de setim douro e carme‑ zim vinte e dous mil rs sem Reliquiass somente o feitio das Arquinhas.22V000 A outra caixa de Reliquias piquena com vidraças como as de cima em oito mil rs.........................................................................................................8V000 Quoatro Retabolos com molduras de pao pintado douro e preto em cada hum duas colunas de Alabastro a nove mil rs cada hum, montão trinta e seis mil e são de Veneza..............................................................................................36V000 Tres retavolos mais piquenos da mesma feição a Rezão de tres mil e quoatro cen‑ tos rs cada hum montão tres mil e duzentos rs .................................... 3V200 Quoatro Retavolos com molduras de pao preto a mil e dozentos rs cada hum mon‑ tam oito mil e oito centols rs ..............................................................08V800 Outro Retavolo da mesma feição mais piqueno em quoatro centos rs......0V400 Outro Retavolo de prespetiva em seis centos rs.......................................0V600

327

Huma imagem de S. Sebastião feito de sera e metido em huma caixa de pao tin‑ gido de preto com sua vidraça em quoatro mil rs...................................4V000 Outra caixa da mesma feição com sua vidraça onde esta a Anunciação do Anjo a nossa Srª em seis mil rs.....................................................................6V000 Hum Retavolo de Christo ao vivo piqueno com suas molduras de ouro e azul em mil e seiscentos rs (à margem: na Arca da g.da Roupa junto a janella).1V600 Sette Paineis de pássaros e verdura da China a dous mil rs cada hum montão quatorze mil rs .................................................................................14V000 Cinco painéis, digo, quatro painéis a mil e dozentos e Lta rs, parecem de China, montão cinco mil rs..............................................................................5V000 Dous paineis da China grandes de pássaros e verdura a mil e sette ctos rs cada hum montão tres mil e quoatro çtos rs...................................................3V400 Doze paineis da China de pássaros e verdura a rezão de quoatro centos rs cada hum, montão quoatro mil e oitocentos rs.............................................. 4V800 Tres paineis da China de pássaros e verdura dos maiores a mil e sette centos rs cada hum montão cinco mil rs..............................................................5V000 Hum painel de flandres a óleo da Conversão de S. Paulo mil e quinhentos rs.....V500 Dezoito, digo, des cadrªs de nogrª do pal (?) das novas a seis mil rs cada huma que são acolchoadas, sesenta mil rs ....................................................60V000 Tres cadeiras razas novas a dois mil rs cada huma montão seis mil rs .. 6V000 (…) hum caixão da India posto em tres mil e quinhentos rs.................3V500 Hum painel de Rojios (sic) posto em oitoçentos rs.................................... V800 Dous escritórios de nogrª com suas gavettas novos que serve de papeis na secretaria a quoatro mil e quinhentos rs cada hum, montão nove mil rs.................9V000 Hum caixão de pinho grande de Veneza posto em dous mil rs..............2V000 (…) Hum Doçel de tella amarela raza de tres pannos e guarneçido de veludo carmezim tem de comprimento sette ctºs vale cento e cinco mil rs.........105V000 Outro docel de tella emcarnada ouro e prata raza guarnecido de tella frizada de tres altos de braço e ouro de tres panos com elcaxafres (sic) douro e prata que val çento trinta e sette mil rs ..................................................................137V000 Outro docel que se esta fazendo cde tella de tres alttos emcarnada guarnecido ao rredor com suas goterias de tella branca borlado com veludo carmezim todo per‑ fillado douro e pratta, posto em trezentos e trinta e cinco mil rs, que tem quoatro panos afora a guarnição borlada ......................................................335V000 (…) Louvados:G.co dolivrª Procºr do Povo desta Cidade de Lxª, Alfayatte. Antº Prª tapeceiro del Rei. Dºs Vieira ourives de pratta. Duarte Ribrº correiro. Luis João gadamixinrº. Mel gomez dourador. Belchior Ribrº borlador. A.S.E., Inventários dos bens móveis de D. Alexandre de Bragança (PT/ASE/ME/B/002/ Doc.003).

328

DOCUMENTO Nº 36. 1604, 17 de Maio. Contrato do prior de Santa Maria de Machede com Pedro Francisco, pedreiro, para fazer a obra dessa igreja segundo as traças do Arquitecto Pero Vaz Pereira. (…) estando determinados de com a ajuda de Deos Nosso Snõr haverem de fazer huma Igreja nova da mesma invocassão edeficada toda de novo (...) no mesmo lugar onde está a Igreja velha», contrataram o pedreiro eborense Pero Francisco, que «fará pella trasa e Rascunho e modello feito por Pero Vaz Pireyra arquitecto do Duque de Braguamça ora morador em Villa Visoça, o qual Rascunho o dito Pero Francisco mestre da dita obra tem em seu poder e por elle fará a dita cassa sem acrecentar nem demenuir no feityo da dita cassa e Igreja cousa allguma senão assim e da maneira e conforme ao dito Rascunho»... (...) estando presentes o Licenciado Baltazar Coelho Monteiro, capelão de Nossa Senho‑ ra de Machede, e mais estando presentes Miguel Álvares, João Gonçalves e Francisco Ramalho, mordomos da fábrica da igreja de Nossa Senhora de Machede, estando de‑ terminados de com a ajuda de Deos Nosso Snõr haverem de fazer huma Igreja nova da mesma invocassão edeficada toda de novo (...) no mesmo lugar onde está a Igreja velha, e mais estando presente Pero Francisco, mestre pedreiro, morador na cidade de Évora, (...) a dita Igreja fará pella trasa e Rascunho e modello feito por Pero Vaz Pireyra, arquitecto do Duque de Braguamça, ora morador em Villa Visoça, o qual Ras‑ cunho o dito Pero Francisco mestre da dita obra tem em seu poder e por elle fará a dita cassa sem acrecentar nem demenuir no feityo da dita cassa e Igreja cousa allguma senão assim e da maneira e conforme ao dito Rascunho (...), a dita Igreja será de comprimento de setemta palmos da porta da dita Igreja ate o arquo do cruzeyro e de llarguo trimta pallmos, e outros trimta palmos dalltura do chão até o movimento da abobada, e quinze pallmos de dallto e cimtre que ao todo fazem quarenta e cinco dallto do ponto ate o chão, e as paredes serão de qua‑ tro pallmos de llarguo com seus botareus pella parte de nascente conforme a dita traça e Rescunhos, e asi da mesma maneira edeficada e acabada a capella da dita Igreja e allpendre e sacristia e Capella de fora de bautizar (...). A.D.É., Lº 349 do Cartório Notarial de Évora, Notas do Tabelião Luís Gonçalves Pégas, fls. 8 a 10. Refª em Artur Goulart e Vitor Serrão, 2004, pp. 211­­‑238.

DOCUMENTO Nº 37. 1604, 23 de Março. Mercê de D. Teodósio II, 7º Duque de Bragança, nomeando Pero Vaz Pereira para o cargo de arquitecto e escultor de sua casa. Pº Vaz prª Architecto, e Escultor do Duq. Nosso Sºr. Ouve S. Excª por bem de fazer merce ao dito pº Vaz prª de o aceitar por seu Ar‑ chitecto, e Escultor, com ordenado de lx mil rs per anno emquanto o ouver por bem 329

e não mandar o contrario conforme as Condições da Carta geral, & de Medico, e botica estando doente, por Alvara feito Em 23 de Março de 604, e hum moio de trigo anafil em cada hum anno enqtº o ouver por bem conforme as Clausulas da ditta Carta geral per Alvara feito no dia acima. Arquivo Histórico de Vila Viçosa, Mercês de Dom Theodozio, Ms.137, fl. 303. Publicado por José TEIXEIRA, 1983, p.121.

DOCUMENTO Nº 38. 1604, Outubro. Intervenção de Pero Vaz Pereira, arquitecto do Duque de Bragança, na reconstrução da igreja do Mosteiro da Graça de Évora. (fl. 5) Obra. Deu a Pº Vaz mestre das obras do Duque que mandamos chamar oito mil rs 8V000 B.P.É., cód. CLXVII/1­­‑5, Lº de Receita e Despesa do Mostº da Graça de Evora, 1604­­‑1628.

DOCUMENTO Nº 39. 1605, 28 de Janeiro. Procuração envolvendo José de Escovar e outros pintores de Évora por causa de um processo judicial intentado por seu filho Luís de Escovar, pintor. Saibam quamtos este estromento de procuraçam virem que no ano do nacimento de noso senhor Jesus Christo de mill e seis çentos e cimquo anos aos [fl. 109] vimte e oito dias do mes de Janeiro da dita hera em a cidade d’ evora nas casas da morada de mim tabeliam e em minha presemça e das testemunhas ao diamte nomeadas es‑ tando hi presemte Juze [sic] d’escovar pimtor morador nesta cidade lloguo por elle foi dito que fazia e de feito lloguo fez e ordenou por seus ditos e abastantes procuradores em todo vemdosos com poder de sobrestaballecerem ou ter poder [?] e procuradores se comprir a manuell carvalho morador nesta cidade e a fernão lluis e a manuell cordeiro pimtor seu Irmão moradores na villa d’estremos os mostradores da prese‑ mte aos quais todos juntamente e a cada hum por si In sollidum dise que dava e outurguava todo seu llivre e comprido poder mandado especiall e gerall para que por elle e em seu nome posam e cada hum per si posa procurar e requerer todo seu dito e justiça em todos seus feitos causas demandas movidas e por mover que elle conste‑ tointe hora aja e ao diante ouver comtra quaisquer pessoas que sejão ou as pessoas contra elle ajão e aver entendão sobre quaesquer causas e casos que sejão em espeçial em hua causa e demanda que lhe hora quer mover luis d’escovar seu filho morador na villa d’estremos sobre as partilhas que se fizerão por falliçimento de Julliana da 330

Rocha sua mai e esto peramte quaisquer juizes e justiças a que ho conhecimento do caso ao dito pertemçer comtamto porem que elles seus procuradores nam posam ser çitados em suas pessoas per nenhum caso em que requeira nova cita com que por elle custetointe nam ser primeiro mas pera todo mais poderão citar demandar estarem em juizo e fora delle llibellos petiçois penas […] apresemtar semtenças desenbargos ou virem em […] por elle constetuinte dados consentirem e os fazerem relatar com efeito e das autorias apellarem e agravarem e as apellaçoins e agravos seguirem ate mor allçada e as fazerem ter por e emtreposam fazer dizer requerer alleguar defen‑ der mostrar por elle constetuinte todo seu direito e justiça estar compridamente ainda aonde e se […] de juizo fazer parte estes requerimentos por escrito ou por pallavra tomarem delle o estromento d’agravo e os seguirem amte e peramte quem disto for jurar em sua allma juramento de callunia e outro quallquer lliçito juramento que lhe com esto mandado for e as partes adversas ho fazer dar em lhos deixar se comprir e finalmente foram […] sobre todo que dito he dello […] defender pera bem de sua justiça todo que mais comprir em e necessario for asi e tam inteiramemte como elle costetuimte haia de […] semdo presemte em sua pessoa por que pera todo lhe da e a […] todos os poderes e dito comçedidos […] administraçam pondo ofeciais juizes e Justiças ofeçiais e pessoas que hos […] lhe forem e em outros de novo se llevarem permetendo e se obriguamdo d’aver primeiro bem para sempre todo por elles e cada hum dito e feito açerca do comteudo neste estrumento sobhobriguaçam de seus bens e por ello hobrigou moves e de Raiz avidos e por aver e em testemunho de verdade asi ho outorgou e mandou dello ser feito este estrumento que asinou estando presemtes por testemunhas o Licenciado amtonio da costa medico e francisco carvalho e ma‑ nuel dias moradores nesta cidade d’evora e eu domingos pires tabeliam ho escrevi. [aa.] Francisco Carvalho / O Licenciado Antonio da Costa / Jose d’ escovar / Manuel Dias (uma cruz) A.D.E., Lº 249 de Notas do Tabelião Domingos Pires, fls. 108 vº.­­‑110. Leitura de Patrícia Monteiro.

DOCUMENTO Nº 40. 1605, 8 de Outubro. Contrato de Dona Mécia de Melo, Abadessa de São Bento de Cástris e demais freiras, sendo presente o pintor José de Escovar, ora estante e trabalhando no Mosteiro. [Em cima, à esquerda] Feito ao comprador Saibão quamtos esta carta de nota pera sempre virem que no ano do nacimento de noso senhor Jesu Christo de mill e seiscentos e sinqo anos aos oito dias do mes 331

de outubro do dito ano no termo da cidade d’ evora dentro no musteiro de são bento de castres que he das freiras da hordem do gllorioso São bernardo na casa do llucatorio delle estando hi das grades adentro presentes e iuntas chamadas per som de campa tangida segundo seu antigo e Relligioso uso as devotas e Relligiosas madres convem a saber dona mecia de mello abadesa lluzia sillveira prioresa, si‑ moa da esperansa deputada, ana pais bollseira, dona maria ffallcoa escrivã e ou‑ tras todas ffreiras proffesas naturais comvemtuais discretas cha [sic] todas ffreiras proffesas naturais conventuais discretas chamadas em ho dito mosteiro e bem asi estando presente ffrei pedro da crus ffeitor do dito musteiro Relligioso da hordem do gllorioso São bernardo e lloguo por ellas madres abadesa e mais Relligiosas e pello dito padre ffrei pedro ffoi dito peramte mim taballião e testemunhas ao diante nomeadas que elles vendião e outorguão de venda deste dia pera todo sem‑ pre a manoell iorge avoo [?] de Rui casco de mello que presente estava hua vinha que esta no termo desta cidade d’evora no posto de gouvea que ora esta ffeita pa‑ nasqueira e muito denefficada que parte de hua parte com o padre Simão Ramos e da outra parte com manoell Ramalho carpinteiro a quall vinha se fforra llivre isenta de toda a divida ipoteca e obriguasão desobriguada, e pertence a ellas ditas madres abadesa e Relligiosas e seu musteiro por ser pera dote de maria da encar‑ nasão Relligiosa proffesa do dito musteiro que pera ese eff[eito] [...] 548 e pera o dito musteiro a vender e Receber o dinheiro della pera ho dote da dita Relligiosa e comprimento delle, a quall vinha ora asi lhe vendião ellas ditas madres abadesa e Relligiosas ao dito manoell iorge que presente estava e a maria Rodrigues sua molher e pera todos seus herdeiros e sobcessores que pos elles vierem por fforra lli‑ vre e desobriguada de toda a divida ipoteca e obriguasão e por preso e contia de quarenta mill reis em pas e em sallvo da sisa e mais custos pera ellas ditas abade‑ sa e Relligiosas e seu musteiro os quais quarenta mil reis lloguo hi peramte mim taballião e testemunhas ao diante nomeadas ellas madres abadesa e Relligiosas e o dito padre ffrei pedro da crus contarão e reseberão da mão do dito manoell ior‑ ge comprador per hua soma de moedas de prata em estes Reinos correntes em que depois de bem contados disserão aver a dita contia iusta inteiramente sem ffalta nem deminuisão allgua e se ouverão dos ditos quarenta mill reis preso desta venda ellas madres abadesa e mais Relligiosas por bem paguas entregues e satisffeitas e derão delles por quite e llivre d’ oie pera todo sempre ao dito comprador e a seus bens e herdeiros e quiserão porem mandarão e outorguarão que elle comprador e todos seus herdeiros e sobcessores que pos elle vierem e sobcederem daqui em diante pera sempre aião llogrem llivre e isentamente a dita vinha com todas suas emtradas saidas direitos pertensas e serventias e llogradouros uso e ffruito ffasendo della e em ella livremente o que lhes aprouver como de cousa sua propria isente he com seu dinheiro comprada renunciando llogo de si ellas madre abadesa e Relligiosas e de

332

seu musteiro em elle comprador em seus sobcessores toda a pose [...] 549 direito au‑ são e propriedade que ateqi [sic] em a dita vinha tiverão e o dito seu musteiro teve e ao diamte por direito poderião ter e aver por quallquer [...] 550 seia ou quallquer maneira ser pudese por mor abastansa do quall se constetuirão ellas vendedoras em nome do dito comprador a posuir por vertude desta venda que lhe ora asi della ffasião e por esta carta o ouverão lloguo por em pose reall corporall autuall civell e naturall que a posa tomar e tome por si ou por quem quiser tomar mão de sem mais outra hordem de iuiso nem autoridade de iustisa com a quall pose e proprie‑ dade lhes prometerão ellas ditas madre abadesa e mais Relligiosas em seu nome e de seu musteiro o terem manterem e em todo tempo lha livrarem e deffenderem e ffaserem segura llivre e depos de toda a divida briga embargo e comtradisão que lhe sobre ello seia ou ffor posto em parte ou em todo sob pena de lhe tornarem a compoor o dito preso em dobro com quanto em a dita vinha ffor ffeito e melho‑ rado e a perda e dano que se lhe a elle comprador ou a seus herdeiros por ello se‑ guirem com as custas e despesas que ffiserem sob hobriguasão de todos os bens e rendas do dito seu musteiro que pera ello obriguarão e que toda a sobredita pena llevada ou não llevada que todavia esta venda e carta della seia ffirme e valliosa se cumpra e guarde aia e tenha seu imteiro e reall effeito como nella se comtem e em testemunho de verdade outorguarão e mãodarão ser ffeito esta e muitas cartas que elle comprador em si em seu nome e de seus herdeiros e sobcesores aceitou e eu taballião como pesoa pubriqua estipullante e aceitante ho estipullei e aceitei em nome dos ausentes a que esto comvem convir tocar pertencer pode e lloguo hi pello dito comprador ffoi mostrado a mim taballião hua certidão de ffernão gonsallves cogominho ffidallgo da casa dell Rei noso Senhor [...] 551 e iuis pela hordenasão nesta cidade por elle asinada e por cristovão iacome depositario dos bens de rais e por diogo de brito escrivão que a ffes de como tinha pago os direitos desta compra a ell Rei noso senhor da quall o tresllado de verbo ad verbum he o seguinte. Item. Fernão gonsallves cogominho ffidallgo da casa dell Rei noso Senhor vereador mais velho e iuis pella hordenasão nesta cidade d’ evora e seu termo etc. ffaso saber aos que esta certidão virem que no llivro das sisas adonde se escrevem os bens de rais esta hum asento as ffolhas setenta e nove de que o tresllado he o seguimte: Aos seis dias do mes de outubro de mil e seis centos e sinqo anos nesta cidade d’ evora nas casas das sisas tavolla della pareceo manoell jorge avoo [?] de Rui casco de mello morador nesta dita cidade na Rua do cano e disse que comprava hua vinha isenta que esta no termo desta mesma no citio de gouvea pello caminho de pavia a priores‑ sa e mais ffreiras do musteiro de São bento desta dita cidade extramuros della por preso e comtia de quaremta mill Reis de que pagou de mea sisa elle dito comprador por as vendedoras não deverem sisa do que venderem, dous mill reis os quais llogo Recebeo Cristovão iacome recebedor depositario dos bens de rais e sobre elle estão

333

carreguados no dito llivro por termo por mim e por elle asinado pello que mando ao taballiam que esta carta ffizer treslade e encorpore toda esta certidão de verbo ad verbum sob as penas comteudas no Regimento a quall certidão vai por mim asinada e pello dito depositario e pello escrivão que esta ffes eu diogo de brito escrivão das si‑ sas da tavolla por o [...]552 a ffis e asinei dia mes e era atras escrito pagou desta com o asento do llivro sesenta reis e d’ asinar nada / Cogominho / Cristovão iacome / diogo de brito / E mostrada e treslladada asi a dita certidão como dito he lloguo pellas ditas vendedoras e comprador ffoi dito que por virtude della aprovavão e ra‑ tefficavão esta venda compra e carta della em todo e por todo como se nella comtem semdo presentes por testemunhas dominguos pires sapateiro d’ obra prima e iose d’ escovar pintor moradores nesta cidade e eu ffellicio de bessa taballião que ho escrevi. [aa.] Luzia Silveira prioresa / Dona Miçia de mello abbadesa / Simoa da es‑ perança deputada / Ana paez bolseira / Dona Maria falcoa escrivã / Manoel iorge [...] 553 / Frei Pedro da Cruz / Jose d’ escovar / Domingos Pires A.D.E., Cartório Notarial de Évora, Lº. 333 de Notas de Domingos Pires, fls. 191­­‑193. Leitura da Doutora Patrícia Monteiro.

DOCUMENTO Nº 41. 1605, Outubro, a 1606, Fevereiro. Des‑ pesas com o pintor José de Escovar para afrescar o tecto da Casa do Despacho da Santa Casa da Misericórdia de Montemor­­‑o­­‑Novo. Despendeo [semana que decorre de 31 de Outubro a 5 de Novembro] mil e seis sentos e oitenta rs que deu a Joze descovar pintor por conta das pinturas que vai pintar na Sta Casa................................................................1 V 680 Despendeu [semana de 31.Outubro a 5 de Novembro] em Novembro de 1605) mais dous mil rs que deu a Baltesar rosado para os frascos de ouro para dourar as chaves e represas da abbobada ............................................2V 000 Despendeo [semana de 31 de Outubro a 5 de Novembro] mais mil rs que deu a Joseph descovar por conta das pinturas que vai pintando na Misª .1 V 000 Despendeo [semana de 7 de Novembro a 12 de Novembro] mil rs que deu a José descovar pintor por conta das pinturas que vai fazendo na igreja da Misª..................................................................................................1 V 000 Despendeo [semana de 7 a 12 de Novembro] quatro mil e novesentos rs que deu a José descovar pintor por conta das pinturas que vai fazendo na igreja da mysericordia.......................................................................................4 V 900 Despendeo [semana de 7 a 12 de Novembro] mais seiscentos rs a Manoel das Neves de dourar a abbobada da igrª ...............................................V 600 334

Despendeo [semana de 14 a 19 de Novembro] em setenta e quatro velas de sevo pera os pedreiros e pintores trabalharem de serão e antes que amanhese (...) quatrosentos e quarenta e oito rs............................................................V 448 Despendeo [semana de 14 a 19 de Novembro] dous mil rs que deu a Joze descovar pintor per conta das pinturas que vai fazendo na Misª.......................................2V000 Despendeo mais mil e duzentos rs de sinquo pedras grandes de quantaria pera se fazerem as reprezas da caza do despacho da Misª a duzentos e quarenta rs cada pedra os quais também se derão ao pintor por conta da pintura da Caza do des‑ pacho e do feitio do retavolo do ospital que o senhor dom fernão martinz mandou fazer por sua conta e as cinco pedras erão do dito senhor ......................1V200 Despendeo [semana de 2 a 7 de Janeiro de 1606] oito sentos rs que deu ao pin‑ tor Joze descovar por conta das pinturas que faz na mizª.............................V800 Despendeo [semana de 9 a 14 de Janeiro de 1606] trezentos e cincoenta rs da cavalgadura em que o Pintor José descovar foi a évora......................... V350 Despendeo [semana de 16 a 21 de Janeiro] quatro mil seiscentos e cincoenta rs de treze livros de ouro pera o retavolo da Misª..................................4V650 Despendeo [semana de 16 a 21 de Janeiro 1606] quinhentos rs que deu a José descovar por conta da pintura que faz no retavolo e mais pinturas.... V500 Despendeo [semana de 16 a 21 de Janeiro] mais dous mil rs que deu ao mesmo Joze descovar por conta das pinturas que faz na Mizª...........................2V000 Despendeo (Fevereiro de 1606) dous mil e seiscentos rs que deu a Joze descovar por conta do que se lhe deve das pinturas da egreja ...............................3V690 Despendeo mil e quinhentos rs que deu a Joze descovar pintor por conta das pin‑ turas que f[e]s na Misª .......................................................................1V500 Arquivo Histórico da Misericórdia de Montemor­­‑o­­‑Novo (A.H.M.M.O.N.), Lº de Despesa dos Mordomos de 1605­­‑1606.

DOCUMENTO Nº 42. 1608, 22 de Agosto. Rol das peças de pa‑ ramentaria adquiridas pelo Arcebispo D. Alexandre de Bragança. Rol das obras que fis per mandado de S.S. o sr. Allexandre huã vestimenta de borcado emcarnado com seus sabastos de tella de prata com dous foros hum de bochaim e outro de tafeta do feitio mil e quinhentos rs It. huãs almaticas do mesmo de fral (sic) dois foradas tãobem com os ditos dous foros de tafeta e bocachim quatro mil réis e seus reguacoIt. huã capa do mesmo com dous foros forada mil e quinhentos rs it. hum frontal de sinco panos para o altar mor mil rs It. huã mangua de crus castelhana mil rs 335

It. hum pano de per tapas(?) cem rs It. hum pano diguo bolsa de corporais cem rs # hum pano de tumba guarnesido de tela e franjado todo a todo a roda seiscentos rs # huã cortina de tafeta preto duzentos rs # huã estolla e hum manipolo de veludo preto cem rs # hum estolão de veludo preto cem rs # seis alvas arochetadas e pespontadas e lauradas as manguas ate o cotovelo e com sua renda e o cabesão do mesmo modo a mil e quinhentos rs cada huma de vinte quatro pannos cada huã co seus amitos # huã toalha para o altar mor sinqoenta rs # mais mil rs que custarão as rendas das alvas certteffico eu Antonio Arnao recºr da obra da see que as pessas todas comtheu‑ das asima nesse Rol fes ilena Carvalho vistimiteiro da see por mandado de S.S. estam na Sancrestia entregues ao padre francisco Damaral vestimiteiro da see as quaes pessas todas estão carregadas pero martinz ho spvi. E por tendo ser verdade passei a prezente que assinei em Evora oje dous de da‑ gosto de seiscentos e oito anos (aa) Antonio Arnao (?) parece me que se lhe pode dar pelas vestimentas dalmaticas e pontais cada pessa a novecetos réis e as aluas mil e duzentos réis por cada huã, e ho mais custo que esta em seu preço accomodado oie(?) 13 de agosto de 608 (aa) Alvaro tinoco na vestimenta almaticas frontal se lhe da mais cem réis vista a Informacão que tomei, e ou tres cousas o que sera quer(?) se tenha respeito (aa) Diogo pereira \quinze mil e novecentos e cinquenta réis dezanove mil e novecentos e cinquenta réis/ Dom Alexandre Arcebispo de Evora perpetuo administrador da fabrica da nosa Santa Se (?) mando a vos padre manoel dias Recebedor das rendas da dita fabrica que pagais a Ilena Carvalho quinze mil e novecentos réis (?) ca se lhe devem das couzas que fez (?) serão da dita Se como parece das quatorze adicões do rol atras e preços feitos pelo Licenciado Alvaro tinoco e pelo meu escrivão de voso(?) com que(?) mande ao meu contador volos leue en conta per provizam a fez En Evora aos 22 de Agosto de 1608 . B.P.E,. Fundo Manizola, Cód. 75, nº 4 (Rol das obras que fis per mandado do Dom Alle‑ xandre).

336

DOCUMENTO Nº 43. 1609, Junho­­‑1611, Maio. Despesas com Pero Vaz Pereira, arquitecto do Duque de Bragança, por traçar a Sa‑ cristia Nova da Sé de Elvas. A Pº Vaz Pirª, architecto de Sua Exª o Duque de Bragança, oito mil rs de duas vezes que veo a esta cidade sobre a obra da Sachristia e de fazer huma planta e perfilo pª a dita obra e cento e sessenta rs a Carvalho porteiro de a apregoar como se vio por tres livransas assinadas pelo Senhor Bpº, a primeira das quoaes tem a data de 11 de junho de 609 e a ultima a 18 de janrº de 610................8V000 A Pero Vas Pereira architecto de Sua Exª o Duque de Bragança tres mil rs por vir a rever a obra que se esta fasendo .................................................. 3V000 A.S.P., Livro de Receita e Despesa da Fabrica da Se de Elvas, anos de 1598 a 1638, fls. 58 vº, 63 vº e 68 vº. Referências em Mário Cabeças, 2004, p. 249.

DOCUMENTO Nº 44. 1610, 9 de Março. Mercê de D. Teodósio II a Pero Vaz Pereira, seu arquitecto e escultor. Pº Vaz prª Architecto, e Escultor do Duq. Nosso Sºr. Ouve em Belchior Garçia tesoureiro des mil rs de que Sua0 Excª lhe fez merce per huma vez por mandado feito em 9 de Março de 610. A.H.F.C.B., Vila Viçosa, Mercês de Dom Theodozio, Ms.137, fl. 303. Publicado por José Teixeira, 1983, p.121.

DOCUMENTO Nº 45. 1610, 10 de Julho. Contrato do Balio de Leça, Rui de Brito, com o pintor José de Escovar, para afrescar a capela­­ ‑mor da igreja de Santa Clara e um salão do seu palácio em Elvas. Saybam quoamtos este estromento de comtrato e obryguasão vyrem que aos des dyas do mes de yulho do ano do nasymento de Nosso Senhor Yesus Christo de jm bic e des anos em esta cydade de Elvas nas casas de morada e pousadas do Senhor Comendador Ballyo Ruy de Bryto em presemsa de mym taballyão e das testemu‑ nhas ao dyamte nomeadas estamdo asy presentes o dyto senhor frey Ruy de Bryto e bem asym Yosé d’Escovar pymtor e morador na Cidade d’Evora e ora estamte nesta cydade de Elvas e llogo pello dyto senhor frey Ruy de Bryto foy dyto que ele está comsertado com o dyto Yosé de Escovar para lhe aver de dourar e pymtar a Capella, arquo e cruzeyro da Capella mor dos mosteyro de Santa Clara desta

337

dyta cydade de Elvas (…) de cores de fresquo o arquo gramde da Capella mor será dourado de lavores sobre mordente de oleyo e tymtas do mesmo e lhe porá todo ho ouro que quyzer o dito senhor comendador, mordente a oleyo e tymtas e dourar e somente ho senhor comendador dará o ouro pera tudo e ho cruzeyro de syma do arquo e ylharga até syma dos doys altares de São Framsysquo he Samto Amtonyo será pymtado da mesma pymtura de fresquo com as mesmas tymtas fynas com que for pymtada há Capella e a salla das dytas suas casas será muyto bem yesada e pymtada de tymtas de tempera muyto boas de brutesquo e de llavores dyferentes hums de outros por serem muytas as ffayxas e fryzos que tem e ao paos das asnas que desem das quatro agoas hyrão de cores emtresalhados hums duma maneyra e outras de outra e no fryzo em Redomdo de toda a caza hyrá hum llavor Romano com paisageys e monteryas e llavor romano das mesmas cores de tempera e toda esta obra muyto bem feyta cada huma dellas feyta com suas cores a capella de fres‑ quo e a salla de tempara lhe fará tudo por trynta e sete myll Reys em dynheiro de comtado dos quoaes llogo resebeo o dyto Yoão, digo Yosé d’Escovar llogo peramte mym taballião e testemunhas oyto myll Reys em dynheyro e o mays lhe yrá damdo fazemdo a obra e será obrigado o dyto Yoze de Escovar a comesar a fazer a dyta obra de quymze dyas do mes de Agos [to] em dyamte e não erguera mão della ate não acabar e que o Senhor Comendador dará a madeyra e allvanes e as lhogias nesesaryas pera ha dita obra e ele dyto Yoze de Escovar dará a ordem como se amde fazer os dytos amdaymos pera ho dyto Yoze de Escovar obrygua seus beys he fazemdas mays de Rays avydas e por aver a tudo compryr e mamter e promete de numqua em tempo allgum yr nem vyr comtra este estromento de comtrato, etc. A.D.P., Cartórios Notariais de Elvas, Lº 27, fls. 124 vº­­‑126 vº. Leitura da Doutora Patrícia Monteiro.

DOCUMENTO Nº 46. Cerca de 1610. Notícias de algumas obras realizadas no governo do Arcebispo D. Teotónio de Bragança. Rela‑ ção anónima de início do século XVII 554. Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo. (fl. a) Ho Snõr dom Theotonio de bragãça, filho do duque dom gemez e da du‑ quesa dona Joanna de mendossa entrou por coadjutor e futuro sucessor do cardeal dom Henrrique, Infante filho delreidom Manoel de boa memoria, no Arçebispa‑ do de Evora que foi o anno que se perdeo el rei dom Sebastiam que foi no mês de agosto de 1578 ho dito snõr dom Theotonio entrou na cidade de Evora no mês de dezembro do dito ano de 78, dia de nossa Snõra da comcepsão e logo no anno seguinte de 1579 no mês de maio tomou ho palio de Arcebispo por se ter nelle o 338

cardeal dom Henrique que o avião alevãtado por rei de Portugal por morte de elrei dom Sebastiãm, tomou o palio erm Lixª o dito Snõr na igreja do carmo ho qual lhe deu ho Arçebispo de lxª e asistio ho bpo de arnas (?) dom Antonio Mendez, e outro estranjeiro (sic) e tornoua Evora tomado despacho no mês de maio do dito anno de 1579 donde esteve residente ate ho mês de maio de 1580 no qual tempo avia falecido ho rei dom Henrique neste mês ouve peste em Evora que durou do dito mês de maio ate janrº de 81, no qual tempo entrou elrei fellipe 1º em Elvas primrº lugar deste reino que confina com a Cidade de Badajos ultima de Castela e visinha de Elvas, nesta peste que ouve em Evora e em outros lugares do Arcebpº como foi em Estremos, Vila viçosa, redondo, no Campo de ourique, castro verde e outros, nesta cidade se fez casa de saúde em Sãto Andre e em todo o que he cam‑ po ate adonde agora he o mostrº dos caramelitas descalsos, foi o snõr dom Theo‑ dosio então no fim pª Portel adonde esteve pouco tempo, e dali se passou ao lugar da Vera crus termo da dita vila de Portel e Pª dali dar expedição e prover toda a cidade de Evora neste tam grande mal. (fl. B) E não somente deu ordem pª que a See fosse ornamentada e acresentada com muitas obras, mas na cidade fez muytas e muj aventuradas, primeiramen‑ te acabou o moestrº de santo Antonio, mosteiro de frades descalços, donde gastou muito perto de vinte mil crusados. Trouxe os pp. cartuxos a esta çidade e os teve aposentados nos passos delrei, junto a porta do Rosio. E logo dali a tres ou qua‑ tro annos começou a edificar hum sumptuoso mostrº ao qual deu de renda quatro mil crusados, e começou a fundar com 3 pp. catelanis (sic) despois procedendo esses entrarão mães clérigos portugueses e outros estudantes. Ho mostrº se vai fazendo com a mor traça e artefiçio admirable e ho que esta feito he causa de mtª magni‑ ficentia e acabado será o melhor edifício de Espanha. Fez ho hospital dos pobres da Piedade e lhe comprou humas casas que forão do barão por mil crusados, no qual hospital se recolhem e entrão molheres e homens e pessoas ao qual hospital dava de pão cada mês tres moios e doze mil rs em drº, e isto ficou por sua morte como ordinaria no Arcbpº, a qual esmola se vai sem‑ pre continuando ate que he Arcº ho sõr dom Joseph de Mello, que dá toda esta esmola e muitas mais aventuradaente, e assim se irá sempre perpetuando porque as obras começadas pelo sõr dom Theotonio que por sua virtude e ilustre pessoa sempre irão de bem em milhor como vão. Trouxe também os frades carmelitas descalsos a este reino, e os aposentou em huma irmida de nossa Snõra dos remedios donde antiguamente se curavão enfermos de sertos males, hoje estes religiosos tem hum mostrº fora dos muros à Porta dalcon‑ chel, que quasi tem acabado com esmolas que a cidade lhe fes e faz. Fundou o mostrº de freiras do Salvador, freiras de s. frcº ao modo das capuchas, e pª o fundar trouxe quatro freiras de Sta marta de lixª do mesmo habito, e as aposentou em hum mustrº muito pequeno donde antiguamente (…) (falta parte do documento). 339

(fl. 1) deixando na cidade pª as cousas da justiça ao ldº rui piz da veiga, viguairo geral que então era, ho qual adoeçeo, e entrou em Santo Antonio, mustrº de S. frcº descalso. Na cidade pª as cousas dos enfermos deixou a pº Roiz seu veador, e a Alvaro tinoco tesoureiro da capela e mestre das ceremonias do dito Arcebpº, e a Nicolao Agustinho, seu capelão, e ao licº domingos martins, que despois foi cónego da See devora, dahi a poucos dias mandou ir para sim ao veador e a ni‑ colau agostinho, ficou Alvaro tinoco nas casas episcopais somente com hum com‑ praxdor, e domingos martins pª dar ordem a todo o pão que fosse necessº pª os feridos e pobres da çidade e se lhe entregarão duzentos moios de trigo quatorze ou quinze amassadeiras que fazião o pão e todo se deitava nas tulhas do seleiro dos dízimos, e dahi se repartia assim pª a casa da saude, como pª a ssidade. (fl. 1 vº) Alvaro tinoco dava todo ho drº necessário e provia de carne de carneiro e g.ªs assim a Casa da Saude como a cidade, e se entregava pª a cidade a dous padres da Companhia que andavam neste ministério pola cidade com aquatro machos carregados assim de pão como de carne e gªs. E armavam toda a cidade dado a cada casa ho que era neçessº de huma e outra cousa, e isto se fazia todos os dias. Pª a casa de Saude todos os dias levavão quatro e sinco e seis cargas de pão e os mais dos dias trinta e sinco carneiros afora galinhas e se entregava ao padre frei martinho, frade de Sam paulo, que nunqua foi doente em todo o tempo da peste e fazia este ministério e confessava, na casa avia outro frade leigo de S. frcº que era homem basso, natural do algarve, estava fora do mustrº professo na terra mar‑ gem (sic), que sempre curou os apestados. E dantes da peste esteve muitos anos nesta cidade na capela de nossa Snõra dos remedios donde todos os anos curava duas veses todos os doentes, assim de frieldade como de doença francês. (fl. 2) Este padre leigo morreo na casa da Saude curando os apestados, hum padre da Com‑ panhia chamado Francisco Roiz, hum do Carmo, mancebno na cidade, morreo hum padre da companhia que se chamava o padre freitas, morreo outro padre da companhia que se chamava gªr roiz, que se meteo na companhia, era clérigo de missa natural de campo de ourique, morreo hum padre da piedade frei jeronimo, natural de Vila Viçosa, moço que avia sido das chaves do duque de bragamça, morreu ho p.e paulo de sena, clérigo que confessava em sã sebastião, e por ordem do Arcebpo andavam pelo campo e pelas quintas tres padres do habito de S. pº a confessar por ordem do Arc.pº a que se dava a cada hum 350 rs cada dia, e comer pª eles, e gtambem se lhe dava tudo o que pedião de pão e carne pª a gente pobre a que hiam confessar, e avia seis homens vestidos de bocaxim que enterra‑ vão na cidade e que levavam os apestados a casa da Saude, a todos estes pagava ho Arcebpº e de comer (fl. 2 vº), na cidade também morreo hum padre de S. do‑ mingos que chamavam fr. Joam da mota, natural de Estremos, a todos estes pa‑ dres, assim da companhia como das outras ordens, mandavaselhes todo o neçessrio

340

abundantemente, e pousavão no colegio donde estão os moços de choro, outros nas casas de dona maria branca (?) e outros na casa de de Joanna da cunha. Clérigos de sam pº andavam na cidade a confessar, ho p.e banha, ho p.e Manoel da costa, ho p.e Manoel roiz, o p.e belchior frz que despois foi bacharel, que ho Arçebpº lhe deu, e aos outros. Acabada a peste mandou dar ho snõr dom Theotonio vinte crusados cada anno, somente elle morreo. A cidade e todo governo della se dava de casa todo o neçessº assim a meirinhos como a juiz que a que ficarão como foi Fernão (?) roiz de gois que ficou por juiz e hum seu filho por alcaide, e joam godinho por meirinho. Dous sangradores a que davão doze mil rs cada mês e de comer e hum cavalo em que andasse e comer pª elle ficou aqui mestre belchior medico, a que se dava tudo quanto podia (fl. 3) depois ho despachou elrei felipe quando veio a esta cidade com sesenta mil rs de tença, e ho habito de sam tiago por este ministério. Em aquele tempo mais de quarenta meninos mtº pequenos de hum anno ou dous e mtºs pobres, o senhor dom Theotonio mandou a rodrigo alvares, capelão que era do hospital, que trouxesse cargo deles e lhes buscasse amas, as quais davam cada mês seis tostões e comer que lhes fosse neçessº. Ho senhor dom Theotonio estando na Vera Crus mandava todos os duas duas azemollas carregadas assim de mel, e asuquar que mandava buscar (…) por lixª estar também então com alguma peste (…), e todas as semanas vinhão carneiros vivos em mta cantidade que mandava buscar do campo de ourique, e sempre esta cidade pª todo governo de gente doente e pobre esteve abundantíssima de tudo que na butica tudo o que fosse nerçessº man‑ dado ao buticario, assim mel, azeite e ovos e outras coisas (fl. 3 vº) que lhes erão necessárias pª fazer mesinhas e purgas (…). E juntamente nesta peste acudio a todos os lugares donde avia com gasto e esmolas, comol foi Estremos, vila Viçosa, Araiolos, Campo dourique. Acabada a peste, teve por seu esmoler a jorge pinto, que então era quartenario e depois foi coneguo meo aprebendado, ao qual dava de ordenado trinta mil rs e cada mês se lhe entregava cinquwnta mil rs pª as esmo‑ las ordinárias afora as que o snõr Arcebispo dom Theotº mandava dar, que eram muitas que se faziam, assim que por via dos padres da companhia dava cada anno todas as misericordias do seu bispado setta esmola de drº conforme aos povos. (fl. 4) (…) Acabada esta peste se aleuantou bandeira de saúde e ho snõr dom the‑ otonio entrou na çidade e a 3 dela foi a elvas a beijar a mão da majestade de elrei fellipe donde esteve poucos dias, e se tornou a sua Se e começou a entender nella e a que ornamentar, que estava muj falta de ornamentos e prata, e começou a en‑ tender com a obra e tinha deitado fora de recebedor a hum joam de crasto criado do cardeal e fez então a Antonio Simões. Tendo a obra de renda chegado escassamente a tres contos e destes paga a compa‑ nhia duzentos e catorze mil e tantos rs ­­– 214V000 – neste anno de peste no fim

341

dela que entra o anno de 681 (sic) mandou fazer hum ornamento de tella branco com tella rozada e sete capas, frontal, casula e duas dalmáticas que custou seiscen‑ tos mil – 600V – e logo no fim deste anno se comprarão em panos de tella que foram da infanta dona maria por seiscentos mil rs – 600V. (fl. 4 vº) No anno de 1582 se fizeram trinta capas de damasco branco capelos e outras de tela amarela. Mais dez vestimentas de damasco branco, quatro para conegos seis pª beneficiados, as dos conegos com chevastos (sic) enteiros de tela amarela. Mais se fizerão huma vestimenta pª ho altar mor e duas dalmáticas tudo em pano enteiro de tela ama‑ rela. Mais des frontais para o cruseiro, altar mor e nossa Snõra tudo de damasco branco bases e mangas e sobre frontal de tella amarela mais hum pano de púlpito de damasco branco, com tela amarela pano de estante des das estantes da Se, hum pano da porta pas, manga da crus, tudo em bocaxim e franjado de seda e ouro. Verde. Fizeramse de damasco verde nove frontais e canastras de veludo verde. Dez vestimentas de damasco verde, 4 de conegos com sebastros de veludo e seis para be‑ neficiados com baras de veludo (sic) tudo frania com seda verde foradas de bocaxim /(fl. 5)/ de veludo verde para oaltar mor hum frontal, huma casula, duas dalmá‑ ticas, huma capa tudo com xanastras inteiras de tela branca, hum pano de púlpito do mesmo, e mtº pano de estante, e pª as estantes do altar mor hum pano de porta pas tudo com, franjas de verde prata e seda. Mais duas capas de veludo verde com seus xavastres para a cõpanharem ao sábado ao que sustenta a tarde quando cin‑ za da dominga. Manga de veludo verde e tela branca. No ano de 89 se fizeram duas mantas de veludo roxo pª as domingas do avento, dous estolães (sic), hum de veludo roxo e outro de damasco roxo. De veludo negro, frontal pª o altar mor duas dalmáticas, huma vestimenta e hum estolam, hum pano mui grande pª sobre a tum‑ ba sexta frª de emdoenças. De damasco carmesim huma capa palio, manga de crus pª o Santissimo Sacramtº (fl. 5 vº) fizeram neste tempo de veludo negro tres vesti‑ mentas de sexta feira de Endoenças para o crucifixio com xauastras de tela ama‑ rela. Mais se fez huma capa de tela negra com franjão de ouro e seda. Mais hum pano pª o altar mor borlado detrás da crus. Mais huma manga negra pª a crus. Fez neste tempo ho Sepulchro que passou de seiscentos mil rs, que sempre se usou (…), neste tempo deu ordem que ouuesse sera branca fina que ate entam não se costumava nem usava por falta de diligencia, e mandou hum escracvo seu que cha‑ mavam Sousa que fosse a Valença aprender a serieiro, e fez esse a sera branca fina e a fez nesta Se ate que morreo, ho escravo era índio e se chamava Sousa. Neste tempo no ano de 1592 ordenou fazer outro ornamento grande pª as fes‑ tas principais pª ho qual deu ordem pera Florença e mandou pintado em papel grosso todos os xavascos e capelos de capas pera tudo vir daquela pintura, o qual ornamento tem vinte e nove capas todas das cavastras de borcado branco. (fl. 6) Os corpos de vinte e huma são de tela rasa e sete de tela frizada com alcachofras

342

de tres altos, huma capa pª ensenso e do altar mor de borcado, huma vestimentas do mesmo, e duas dalmáticas, hum frontal, tudo de borcado e hum pano de púl‑ pito, hum palio do mesmo. Panos de estante. Mais nove frontais pª ho cruzeiro e pª nossa Snõra de tela rasa branca com xanastras frontaleiras e mangas de tela rosada, huma manga de crus de borcado branco, tudo isto com franjas de po de ouro e prata com seda. Mais huma capa de brocado amarelo com hum capelo te‑ cido de ouro com huma nossa Snra que custou esta capa sento e vinte mil rs e que he do altar mor todo forrado de tafeta dobrado e tudo o mais forrado de bocaxim. Fez na Se o painel de Nossa Senhora no altar mor o que esta no alto do retavolo que custou duzentos crusados. Fez a torre que caio de hum raio que custou maes de duzentos mil rs. Pª os altares e capela mor onze alcatifas de Castella quatro centos crusados. (fl. 6 vº) Fezse outro ornamento de veludo carmesim de tela capas frontal casula dalmáticas pª o qual quando morreo tinha comprado com côvados de veludo posse em excusas em se vacante na sua morte. Tinha então posto hum valle de dois mil e quinhentos crusados da obra para começar outro ornamento rico em Florença o qual se não fez nem começou com sua morte. E ho cabido em Se vagãte arrecadou ho drº e se gastou no que se ordenou emtam que foi o fazerem as ma‑ ças e outras coisas. (n: Também se fez ornamtº de veludo negro para os defuntos). Prata. Comprou e fez de prata as pessas seguimtes. Huma alampada que tem seis arrobas de prata a maior pessa e de milhor feitio que tem Espanha, fez dous tocheiros de muita grandura como se ve, fez hum são Sebastião de vulto de prata que custou quinhentos crusados, fez huma alanterna de prata, fez hum peramede (sic) donde esta a relíquia de Sam Manços, tudo isto mujto presso. (fl. 7) Quis fazer a capela mor mais larga e comprida, para ho qual tinha já lavra‑ do pedraria que custou alguns tresentos mil reis, da qual não se pos por obra por o Cabido anterior, e a pedra se vendeo e se gastou com mujto pouco proveito. Comprou pª a credencia do altar mor hum jarro dourado de bastians (sic), hum gomil, hum saleiro, tudo de muita grandesa e feitio, e huma bacia de prata e servindo alguns an‑ nos neste ministério do culto devino se apartou da Se e se deu para uso profano por ordem do senhor dom Joseph de mello, ho como se pode fazer deixo a juízo de quem ho quiser julgar. Fez na See no amte choro a porta que serve pª a crasta e as escadas com hum corrimão de ferro. Fazendo­­‑se tudo isto em 23 annos, que pouco mais foi tempo, se gastaram mais de quarenta mil crusados. (fl. 7 vº) Ainda houve em todo este tempo ho Collegio dos moços do Choro no qual sempre ouue quatorse moços de choro que oyto Collegiais que aprendiam latim que eram dos mesmos moços de choro, e depois que sabiam musica emendavam os tiples (sic) o qual se sustentava a conta da fabrica, pª o qual tinhão hum reitor clérigo omrrado e de boa vida e comumente era beneficiado da See (…). Houve neste tem‑ po nove caponis (sic) e meninos taples que ho snõr dom Theotonio mandou buscar a

343

castelã de dez ate doze ou treze anos. Recebeu mais (como mestre de capela) francisco lopez, natural da (…) de monte alvas, que depois de servir ate des ou doze anos foi cantor na capela delrei em lixboa, e ahi morreo, o 2º foi Jeronimo Sacedo, natural de Barsente, junto a toledo, muito bom compositor (…), o 3º Gregorio guerreiro, na‑ tural de Madrid, ora em lxª, cantor del rei, o 4º luis concha na mesma capela (…). (fl. 10) (…) Da Companhia, Domingos Pina, mui abil na muzica, oje na India de Portugal, donde lê theologiae foi rector de Salsete. Em Sam fr.cº, de abelida‑ de, hum filho de bras de figeiredo, frei Manoel, que falleceo em beja, e fr. Frcº do crato, e fr. Frcº de evora, e fr. Estevão Leão, de boas abelidades na musica, oje vivem. De sam Domingos dous, hum (…) que se chamava morais, outro vive e se chama fr. Francisco de evora. Do Carmo, dous, hum natural de Palmela, e outro do crato. Todos estes foram no tempo do senhor dom Theotonio, dos quais resta ho licenciado Alvaro Francisco (?) que foi bacharel na See e hoje conego. Em Santo Augostinho, o pe fr. Martinho, natural desta cidade de Evora, de muita abelidade na musica, ho pe frei Joam da Silva, natural de monte mor, musico o milhor tenor que tem Espanha, ho padre fr. Nicolao freire, natural de Estremos, mui grande contralto, fr. Joam da Rosa, desta cidade de Evora, mui grande contralto, o pe fr. M.el pousão, natural de alandroal, mui abil na musica.. (fl. 10 vº) Ho padre fr. Antonio madeira mui abil na musica, e pregador e mºr na India oriental, e fr. Manoel Roiz, pregador e mºr na India, natural de Alvito. B.N.P., Reservados, MSS 29, nº 50, Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança. Noticias do seu governo. Início do século XVII. In­­‑4º, 12 fls. Documento em mau estado, que pertenceu a Manuel Severim de Faria.

DOCUMENTO Nº 47. Início do século XVII. Lista de pinturas e tapeçarias doadas por D. Teotónio de Bragança ao Mosteiro da Cartuxa de Évora. Liuro da Carthuxa de Scala coeli de que o illustrissimo e Reverendissimo Se‑ nhor D. Theotonio de Bargança Arcebispo de Euora lhe fes doação sendo fun‑ dador da mesma casa. Retavolos (fl. 7 vº) It. hum Retauolo em arco de duas peças na huma tem nossa Senhora e São João da outra são Joam e nosso Senhor. It. quatro peças de Retauolos que se fechão como Livro. It. quatro Retauolos de nossa Senhora de Graça. It. hum Retauolo do Retrato da figura de nosso Senhor. It. hum Retauolo como porta paz com a figura de sam João Bautista. 344

It. hum Retauolo de penas com hum crucifixo e a figura do emperador Retauolos (fl. 8) It. hum menino Jesus d’alabastro. It. hum retrato da cruz de sam Tome que veyo da yndia. It. huma figura de nossa Senhora dalamtiga (sic). It. huma porta paz de marfim de vulto de nossa Senhora da Graça. Tapeçaria (fl. 18) It. vimte e seis panos – e três guarda portas das Istorias del Rey Salomão e de el Rey Acab – E da Rainha Ister de laam (…). Tapeçaria (fls. 18 vº a 20) It. omze panos da Istoria de Romulo (…) It. quatro panos do testamento velho (…) It. três panos da Istoria de Trajano (…) It. cimco panos de deferemtes Istorias (…) Retratos (fl. 49) It. hum Retrato delRey. It. outro da Rainha nossa Senhora. It. outro delRey dom Fernamdo. It. treze Retratos de prinçepes. It. hum del Rei dom Filipe. It. outro do emperador Carlos. It. outro do Infante dom Carlos. It. três da Rainha dona Isabel. It. hum da Rainha dona Joana. It. outro da Rainha dona Maria Regente de frandes. It. outro da Rainha de Dinamarca. It. outro da enperatriz dona Isabel. Retratos (fl. 49 vº) It. hum Retrato de huma dama que por egenho lhe bolem as meninas dos olhos. It. outro da primçesa de Dinamarca. It. outro do principe dom Felipe de castella. It. huma cruz comtrafeita que são Tome fez. It. huma figura grande em pano de linho. It. hum purgaminho comprido de peças de gelosia de Reis e primçepes. It. duas fundas de vaca pera dous Retratos. A.N.T.T., Códices e documentos de proveniência desconhecida, nº 64. Sem data, apresenta uma etiqueta na pasta superior da encadernação com a informação Cartuxa de Évo‑ ra. Referência em F. M. de Sousa Viterbo, 1903, p. XIII. Comunicação do senhor Dr. Francisco Bilou.

345

DOCUMENTO Nº 48. 1611, 29 de Outubro. Paga de D. Teodó‑ sio II a Pero Vaz Pereira, seu arquitecto e escultor, pela obra de uma chaminé para o Paço de Vila Viçosa. Pº Vaz prª Architecto, e Escultor do Duq. Nosso Sºr. Ouve no dito thesoureiro tres mil rs de que Sua Exçelencia lhe fes merçe para fazer hua chaminé nas suas Casas per portaria do Secretario feito em 29 de outubro de 611. A.H.F.C.B., Vila Viçosa, Mercês de Dom Theodozio, Ms.137, fl. 303. Publicado por José Teixeira, 1983, p.121.

DOCUMENTO Nº 49. 1614, 23 de Junho. Ajuda dada por D. Te‑ odósio II a Pero Vaz Pereira, seu arquitecto e escultor, para as obras de sua casa em Vila Viçosa. Pº Vaz prª Architecto, e Escultor do Duq. Nosso Sºr Ouve no dito, digo, em Balthesar Roiz de Abreu, thezoureiro, vinte mill rs de que Sua Exçelencia lhe fes merçe para ajuda de fazer sua Casa por provisão de 23 de Maio de 614. Ouve Sua Exçª por bem de fazer merce ao dito Pº Vaz Perª. A.H.F.C.B., Vila Viçosa, Mercês de Dom Theodozio, Ms.137, fl. 303 vº. Publicado por José Teixeira, 1983, p.121.

DOCUMENTO Nº 50. 1614, 23 de Junho. Mercê dada por D. Te‑ odósio II a Pero Vaz Pereira, seu arquitecto e escultor, de ordenado. Pº Vaz prª Architecto, e Escultor do Duq. Nosso Sºr. Ouve Sua Exçª por bem de fazer merce ao dito Pº Vaz Perª. De vinte mil rs de merçe ordinaria e hum moio de trigo de ordenado em cada hum anno emquanto o ouver por bem e não mandar o contrário e ele o servir autualmente conforme as condições da Carta geral per duas provisões feitas em 23 de Junho de 614. A.H.F.C.B., Vila Viçosa, Mercês de Dom Theodozio, Ms.137, fl. 303 vº. Publicado por José Teixeira, 1983, p.121.

DOCUMENTO Nº 51. 1617. Inventário de bens e despesas feitas na casa de D. Fernando de Castro, 1º Conde de Basto. (fl. 227) Despeza que Francisco Cordovil fés em fiferentes pessas de madeira nos mezes de Junho e Julho Anno de 1617. 346

Onze mil e quinhentos reis por hum contador da India lavrado de marfim que se comprou por via de Antonio Pereira marcieiro....................................11V500 Quinhentos e oitenta reis ao dito Antonio Pereira de conserto do contador.V500 Taboa pª escrever cuberta por veludo negro cairellada de ouro Oitenta reis da obra............................................................................... V080 Setesentos e vinte e sinco reis de meio côvado de veludo negro para a cubrir.V725 Cento e vinte reis ao bainheiro de lhe asentar o velludo............................ V120 Trezentos e oitenta e dous reis de seis outavas de ouro que levou os caireis a 26 reis a oitava........................................................................................... V382 Duzentos reis feitio dos caireis................................................................ V200 Escrivaninha de pão pretto com seu tinteiro e pueira thezoura canivete e lanse‑ ta dourado. (fl. 221 vº) Tres mil e quinhentos reis a Antonio pereira da escrivaninha de pao pretto e das gavetas com sua fechadura e chave......................................3V500 Quatrosentos e vinte reis de hum tinteiro com seu chumbo e pueira de pao pretto...... V420 Quinhentos reis da thezoura canivete e lanseta........................................ V500 Quatrosentos reis do dourado da chave de cortado................................... V400 Cem reis do dourado da chave do cortado................................................ V100 Cento e vinte reis ao bainheiro de forrar de veludo o lugar das thezouras.V120 Bofetinho de pao santo com faxas de pao pretto e perfis de marfim com duas ga‑ vetas e ferragem dourada. Quatro mil reis a Antonio perª marceeiro deste bofetinho......................4V000 Seis sentos reis de dourar de cortado seis perafuzos com suas chapas e chave deste bofete .................................................................................................... V600 Bofetes de nugueira. Quatro mil e quatro sentos reis a Antonio Dias marceeiro de dois bofetes de nu‑ gueira de sinco palmos e meio de comprido e três de largo.......................4V400 Mil e oitenta reis de quatro aldrabas com seus perafuzos e oito machefemeas tudo estanhado.............................................................................................2V080 (fl. 222) Tres mil reis de hum bofete de nugeira de seis palmos e meio de comprido e quatro de largo com sua taboa per baixo........................................... 3V000 Trezentos e vinte reis de quatro machefemeas estanhados pª este bofete a oitenta reis cada huma ..................................................................................... V320 Doze cadeiras com os coiros de Moscovia pespentados de retros amarello e pregos de latão oitavados dourados. Oito mil e quatro sentos reis a Antonio dias de doze cadeiras de nugueira a 700 reis cada huma.................................................................................... 8V400 Tres mil e seiscentos reis de seis couros de moscovia que se tomarão a alfandega a seis sentos reis cada hum......................................................................3V600

347

Oitosentos e oitenta reis de onse carneiros atamarados para forro dos emcostos a oitenta reis............................................................................................. V880 Seissentos reis de doze asentos de cabello a sincoenta reis cada hum......... V600 Novesentos e des reis de doze varas de calhamasso a 70 reis.................... V910 Mil e quinhentos e setenta e sinco reis de dosentos e seis oitavas de retros pª o pes‑ ponto...................................................................................................1V575 Mil e seis sentos e oitenta reis de vinte e quatro arratens de arobas de boi a sa‑ tenta reis..............................................................................................1V680 (fl. 224) Leito de pao santo guarnesido de pessas de Bronze dourados tem de Al‑ tura des palmos, des de comprimento e sete e meio de largo. Vinte e tres mil reis a Thome Coelho torneiro per o dito leito de pao santo com todas as pessas de bronze e parafuzos oitavados com sua chave tudo por durar.....24V000 Seis mil e quinhentos reis a Domingos Rodrigues dourador de dourar de moído to‑ das as pessas de Bronze e de cortado os oito perafuzos com suas chapas.... 6V500 (fl. 226) Despeza que Francisco Cordovil fez em algumas pessas e outras couzas nos meses de Junho e Julho Anno de 1617. Armação de guadamexim de couros de marzamaior cubertos de ouro e prata verde. Noventa e oito mil e des reis a Jeronimo Fernandes guadamecineiro de quinhentos quarenta e quatro couros e meio de morcamases enbrando tres sanefas per cada couro em que se armarão duas cazas em Santo Antonio do Tojal a 18 reis cada coiro..................................................................................................98V000 Paramento de leito de damasco amendoado de Granada com guteiras e rodapees de tella verde e cubertor do mesmo damasco com suas franjas e alamares de oiro. Satenta e quatro mil e sem reis de satenta e oito côvados de damasco, a saber, sin‑ coenta e sinco para as quartinas e seos e vinte e sinco para o cubertor a novesentos e sincoenta rs cada..............................................................................74V100 A.H.F.E.A., Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto dom Lourenso pires de Castro que faleseo em Catalunha no lugar de fraga sem descen‑ dentes deixando por sua universal herdeira a senhora Condessa de Basto Dona Violante de Len‑ castre sua molher.

DOCUMENTO Nº 52. 1619. Descrição das pinturas a fresco rea‑ lizadas no Arco da Porta de Alagoa, pelo pintor Custódio da Costa, a mando do Senado da Câmara de Évora, para a Entrada Real de Fi‑ lipe III que decorreu a 14 de Maio. (…) o primeiro (arco) se pintou a fresco na porta da Alagoa por onde havia de ser a entrada, servindo de arco a mesma porta; sobre ella se levantou uma fa‑ 348

brica sobre quatro columnas doricas que fazião tres vãos, cada hum dos quais se repartia em dous paineis hum superior e outro inferior, rematandose toda a Obra em hum frontispicio de cornijas que acabava em porta no meio da qual estavam as armas do Reino; no painel superior que se fazia entre as duas co‑ lumnas do meio que ficavam sobre o arco de entrada estavam pintadas as San‑ tas Martyres e irmãs Sabina e Christeta naturaes desta cidade; e no painel que lhe respondia da parte direita entre as outras columnas ficava o seu irmão São Vicente martir, e no outro da porta esquerda o bemaventurado São Mançio, discipulo de Christo, primeiro bispo de Evora, que nella foy martyrisado; debai‑ xo das santas se pintou a cidade de Evora coroada de espigas tendo em huma mão huma salva com chaves de suas portas, e na outra huns ramos de olivei‑ rea, parra, e fructos; da banda direita tinha o Tejo, e da outra o Rio Guadia‑ na, e por baixo estes versos: ‘A mão, que conhecer desejam Seytas, Que os bens abrindo regue o novo mundo, Lybia enfrea, Asia assombra, Europa ampara, Tome as chaves das portas e dos peitos. Prostrada aos pés, que pizam monar‑ chias, A maior entre vós, Guadiana e Tejo, Dóes mostro, que em mi prodigas derramam Minerva, Pallas, Ceres, Amalthéa’. No painel que respondia a este da parte direita estava a figura de Sertorio, e no outro da esquerda o Capitão Giraldo, que recuperou a cidade do poder dos mouros, a pé, armado, com as duas cabeças nas mãos» 555. A.D.E., Lº 4º de Registo da Câmara, fl. 220 e segs.; publicado por Túlio ESPANCA, 1952, pp. 161­­‑162.

DOCUMENTO Nº 53. 1622, 27 de Abril. Ajuda dada por D. Te‑ odósio II a Pero Vaz Pereira, seu arquitecto e escultor, para um ves‑ tido para a Joyeuse Entrée de Filipe III em Lisboa. Pº Vaz prª Architecto, e Escultor do Duq. Nosso Sºr Ouve Sua Exçelencia por bem de fazer merce ao ditto Pº Vaz Pereira de sette mil rs de que S. Exçª lhe fez merçe pera o vestido que fez em Lisboa na vinda de Sua Magestade a este Reino e se lhe passou mandado para Manoel Foreiro lhos pagar, feito em 27 de Abril de 622. A.H.F.C.B., Vila Viçosa, Mercês de Dom Theodozio, Ms.137, fl. 303 vº. Publicado por José Teixeira, 1983, p.121.

349

DOCUMENTO Nº 54. 1643. Inventário dos bens de D. Violante de Castro, viúva do 3º Conde de Basto D. Lourenço Pires de Castro. Anno do nascimento de nosso senhor Jesus Christo de mil seiscentos quarenta e trez annos. Aos dezaseis dias do mez de Abril do dito anno nesta Cidade de Evora nos passos do Conde de Basto que Deos tem, estando ahi prezentes o Le‑ senseado Francisco Moreira de Freitas juiz de fora dos órfãos e de alçada per el Rei nosso senhor nesta cidade e seu termo, e sendo prezente a senhora Dona Vio‑ lante de Lancastre, condessa de Basto, o dito juiz lhe deu juramento dos santos Evangelhos pera que a dita senhora pôs sua mão sob cargo do qual / [fl. 4 vº] lhe encarregou na verdade declararem­­‑se os herdeiros que ficarão per morte do dito seu marido assim prezentes como auzentes, e seus nomes e idades e dê­­‑se a in‑ ventario todos os bens de que ficara e estava de posse, assim de raiz como moveis, dinheiro amoedado per peças de ouro e de prata, auções, dividas que se devam à casa, e o que a casa deve, e tudo o mais que por qualquer via pertensa à casa, e a dita senhora Condessa aseitou o dito juramento e assim o prometeo de fazer, e sob cargo delle declarou que do Conde seu marido não ficarão filhos, descenden‑ tes nem ascendentes, e que ella ficara por sua universal herdeira como constava do testamento que aprezentava, e que queria ser herdeira a beneficio de inventario, e que não tinha duvida que elle juiz fizesse inventario, e que lhe mandaria dar e nomear a inventario todos os bens do casal e dividas que o casal deve, e assim mandou aos avaliadores os avaliassem e de tudo o juiz mandou fazer este auto que asinou com a ditta senhora Condessa e avaliadores, Manoel Dias Rebocho, escrivão dos órfãos, o escrevi. (aa) Condesa – frcº Mendes parocho – Frcº Moreira de Freitas – Jacome Alvrs [fl. 5] Aos des dias do mes de marso de mil e seissentos quarenta e quatro an‑ nos nesta cidade de Evora nas pouzadas da senhora Condessa Dona Violante de Lencastre, Condessa de Basto, estando ahi presente o lesenceado Francisquo Moreira de Freitas, juiz de fora dos órfãos com alçada por el Rei nosso senhor nesta cidade e seu termo, perante elle pareseo Sebastiam Ribeiro de Faria, cava‑ leiro do habito de Christo, procurador da dita Condessae requereu a elle juiz que perquanto se tinha feito inventario da fazenda que ficou do senhor Conde Dom Diogo de Castro requeria a ele juiz mandasse conrtinuar com este pello auto de juramento atrás feito, porque já se tinha noticia dos bens que se avião de asentar que por se não ter foi causa de dilação e per outros respeitos, o que visto pello dito Juiz mandou que se continuasse de que mandou fazer este termo que asinou, Ma‑ noel Dias Rebocho escrivão dos órfãos que o escrevi. (aa) Frcº Moreira de Freitas – Rocha – Alveres.

350

[fl. 5 vº] Titollo das Joias. Trezentos botoins de ouro calados e matizados de negro com cada hum seu dia‑ mante, os ditos trezentos botoins forão entregues em casa de Duarte Fernandes, e ao prezente estam em casa de Diogo Rodrigues de Lisboa, duzentos e noventa e nove e tantos se pezarão e pezão seis marcos, seis onças e seis oitavos, que valem duzentos sasenta e dous mil e oitosentos reis, e os diamantes avaliados em mil reis, e de feitio cento quarenta e nove mil e quinhentos reis, o que tudo junto faz soma de setesentos e onze mil e trezentos reis................................................711V30 Hum apertador de ouro de diamantes que tem vinte pessas, a saber, des de sete dia‑ mantes cada hum, e os outros des de seis diamantes cada hum, e huma Rosa gran‑ de no meio do apertador que tem quarenta e novediamantes, peza de ouro trinta e e oito oitavos, avaliado o ouro, diamantes e feitio em duzentos mil reis.....200V000 Huma sinta de ouro e diamantes com sincoentae nove pessas que tem sinco diaman‑ tes cada huma, e duas bi / [fl. 6] biqueiras que tem cada huma nove diamantes, o broche do meio com sua coroa que tem sasenta e sinco diamantes, e o diamante do meio he grande lasca e peza de ouro hum marco, sete onsas e três oitavas, e foi avaliado ouro, diamantes e feitio em oito sentos mil reis.....................800V000 Doze flores de ouro e diamantes com treze diamantes cada huma que pezam de ouro vinte e oito oitavas avaliado o ouro, diamantes e feitio em sento e oitenta mil Reis.................................................................................................180V000 Huma Cadeia de ouro e diamantes de oitenta e quatro pessas com dous diamantes cada huma, pezou de ouro hum marco e duas oitavas, avaliado o ouro, diamantes e feitio em duzentos e sincoenta mil Reis ..........................................250V000 Estas Joias forão avaliadas em Lisboa como paresse da certidão dos contrastes Simão Rodrigues, Domingos Correia e Pero da Costa junta ao appenso. Titollo do ouro. Trezentos botoins de ouro esmaltados de negro amelonados (sic) que pezam / [fl. 6 vº] oito marcos, sinco onças e seis oitavas a rezão de seiscentos e sasentareis a oitava, importão trezentos e noventa e seis mil reis,e de feitio a trezentos reis cada hum noventa mil reis, que tudo junto faz soma de quatrosentos oitenta e seis mil reis..................................................................................................486V000 Huma cadeia de meia cana de ouro que peza sdinco onças e trinta outavas e meia, que tem seis voltas que a respeito do presso assima importa o ouro trinta mil e trinta reis e de feitio seis mil reis, que ao todo faz soma de trinta e seis mil e trin‑ ta reis ...............................................................................................36V030 Huma cadeia de ouro emfeitada com aquatro vultos voltos (sic) que peza seis on‑ sas e sete oitavas que a respeito do presso asima importa o ouro trinta e seis mil e trezentos reis e de feitio des mil reis que ao todo faz soma de quarenta e seis mil e trezentos reis...................................................................................46V300

351

Huma sinta de ouro de quarenta e sete pessas pequenas, e oito maiores com sua brocha, asentados todos em huma fita de ouro de martelho, que tudo peza hum marco, duas onsas e quatro oitavas que a respeito do presso asima importa o ouro quarenta e seis mil e duzentos reis e de feitio vinte mil rs que ao todo faz soma de sasenta e seis mil e duzentos reis.........................................................66V200 [fl. 7] sincoenta botoins de ouro esmaltado de negro que valem vinte mil e vinte reis....................................................................................................20V020 Todas estas pessas forão avaliadas em Lisboa pellos mesmos contrastes atrás no‑ meados como paresse de sua certidão junta ao appenso. Titollo da prata dourada. Hum prato e jarro de agoa (…) asi tudo dourado que pezou nove marcos seis onsas e duas oitavas a rezão de três mil quatro sentos e quarenta reis o marco que faz soma de trinta e tres mil e seis sentos e quarenta reis.............................................33V640 Hum saleiro, asucareiro e pimenteiro com seus rollos e tapadouros, tudo de prata dourada que pezarão sinco marcos que a rezão de tres mil quatro sentos e qua‑ renta reis o marco faz soma de dezassete mil e dusentos reis................17V200 Hum talher de prata dourada que pezou quatro marcos duas onsas e seis oitavos que a rezão de três mil e quatrosentos e quarenta reis o marco faz soma de qua‑ torze mil novesentos e vinte reis...........................................................14V920 [fl. 7 vº] treze colheres e treze garfos dourados que pezarão quatro marcos trez onsas e seis oitavas que a rezão de três mil e quatrosentos e quarenta reis o marco faz soma de quinze mil trezentos e setenta reis ...................................15V370 Huma campainha de prata dourada que peza hum marco e huma onsa e sinco oitavas e meia que a rezam de três mil quatrosentos e quarenta reis o marco soma quatro mil sento e sincoenta reis ..........................................................4V150 Titollo da prata branca. Quatro pratos de prata de cosinha que pezam vinte e sinco marcos e quatro onsas que a rezão de três mil e quatrosentos e quarenta reis o marco soma oitenta e sete mil setecentos e vinte reis.....................................................................47V720 Seis prattos de prata de meia cosinha que pezarão vinte e oito marcos e duas on‑ sas e quatro oitavas que a rezão do mesmo presso soma noventa mil e quinhentos reis....................................................................................................90V500 Quatro farmenguilhos que pezarão doze marcos que a rezão do dito presso o mar‑ co fas soma de quarenta e hum mil duzentos e oitenta reis...................41V280 [fl. 8] Doze pratos trincheos que pezarão vinte e dous marcos e duas onsas que a rezão do dito presso soma satenta e seis mil quinhentos e quarenta reis.76V540 Humas galhetas com suas tapadeiras e prato ovado que peza tudo quatro marcos três onsas e quatro oitavas que a rezão do dito presso soma quinze mil duzentos e sincoenta reis...................................................................................15V250

352

Duas colheres e dous garfos de prata branca que pezarão e valem dois mil e seis sentos reis ...........................................................................................2V600 huma salseira tres pires e dous oveiros com suas duas colherinhas, huma metida de onsa, hum bocal de garrafa, que pezou tudo três marcos e sete onsas que a re‑ zão do mesmo presso soma treze mil trezentos e trinta reis................. 13V330 Dous pucaros, hum ovo de esquentar as mãos, humas castanha de lenso huma colher pequena quatro remates de braseiro que tudo pezou três marcos sinco on‑ sas e três oitavas que a rezão do dito presso faz soma de des mil e quatro sentos e sasenta reis......................................................................................10V460 Hum espetinho de prata que pesou e vale três mil e seissentos e quarenta reis.....3V640 [fl. 8 vº] Duas falangonas de prata que pezarão seis marcos seis marcos e trinta onsas que a rezão do dito presso faz soma de vinte e dous mil setecentos e noventa reis....................................................................................................22V790 Huma salva grande de canais de prata que pezou treze marcos e huma onsa que a re‑ zão do dito presso faz soma de quarena e sinco mil sento e sincoenta reis.....45V150 Dous engastes de hum avano avaliados em dous mil reis...................... 2V000 Duas pomas de prata com suas tapadoiras e chaves para a agua que pezarão sete marcos e duas onsas que a rezão do dito presso fas soma de vinte e quatro mil novesentos e quarenta reis...................................................................24V940 Huma panelinha de prata com sua tapadoira do mesmo que pezou hum marco quatrocentas e seis oitavas que a rezão do dito presso faz soma de sinco mil qua‑ tro sentos e sasenta reis........................................................................ 5V460 Hum candeeiro de prata de três lumes de varilha com as pessas que lhe pertencem que pezou treze marcos e seis onsas que a rezão do dito presso faz soma de qua‑ renta e sete mil e trezentos reis............................................................47V300 [fl. 9] Dous castiçais grandes de prata que pezarão doze marcos huma onsa e quatro oitavas que a rezão do dito presso faz soma de quarenta e hum mil nove sentos e vinte reis................................................................................41V920 Dous castiçais pequenos quebrados de prata que pezarão dous marcos quatrocen‑ tas e duas oitavas que a rezam do dito presso faz soma de oito mil e setesentos reis......................................................................................................8V700 Dous castisais pequenos redondos que pezarão seis marcos digo dous marcos e seis sentos e sinco oitavas que a rezão do dito presso soma a nov e mil e seis sentos e des reis.................................................................................................9V610 Hum braseiro de prata pequeno de culunas com quatro remates menos com sua caldeira também de prata que pezou dezasete marcos e humaq onsa que a rezão do dito presso faz soma de sincoenta e oito mil novesentos e des reis......58V910 Huma casoila de prata que pezou hum marco e seis onsas que a rezão do dito presso soma seis mil e vinte reis............................................................6V020

353

Mais prata dourada empenhada em Lisboa. Sinco talheres com seus saleiros dourados tudo de prata que pezarão vinte e hum marcos / [fl. 9 vº] marcos, huma onsa e huma oitava que a rezão de três mil e seiscentos reis o marco por que se vendeo para pagamento de Francisco Ferreira Barreto em cuja mão estavão empenhados faz soma de satenta e seis mil sento e seis reis..............................................................................................76V106 Dous saleiros de prata dourada de pees altos com suas cubertoiras que pezaram sinco marcos sincoenta e huma oitava que pello dito presso de três mil e seiscentos reis por que se venderão faz soma de vinte mil trezentos e seis reis.......20V306 Hum saleiro com sua cobertoira de prata dourada de quatro pees baixos que pezou três marcos trezentos e huma oitava que pello ditto presso por que se vendeo faz soma de onze mil setesentos e sincoenta e seis reis............................................. 11V756 Duas salvas de prata douradas com medalhas que pezaram seis marcos sinco on‑ sas e oitava e meia que a rezão do dito presso soma vinte e três mil novesentos e trinta e quatro reis.............................................................................23V934 Prata Branca. Duas salvas de prata branca que pezarão seis marcos, sinco onsas e três oitavas que a razão de três mil quatro sentos e quarenta reis o marco faz soma de vinte e dous mil novesentos e sincoenta e dous reis........................................22V952 [fl. 10] Dous pratos grandes decosinha de prata que pezarão vinte e dous marcos sinco onsas e três oitavas que a rezão do dito presso soma satenta e sete mil nove sentos noventa e dous reis...................................................................77V992 Quatro pratos de cosinha de prata que pezarão vinte e quatro marcos e tres on‑ sas que a rezão do dito presso faz soma de oitenta e tres mil oitosentos e sincoenta reis....................................................................................................83V850 Seis pratos meãos de prata que pezarão vinte e seis masrcos huma onsa e sete oi‑ tavas que a rezão do dito presso faz soma de noventa mil duzentos e quarenta e oito reis..............................................................................................90V248 Dous castisais grandes de prata que pezarão de marcos huma onsa e huma oita‑ va que ao dito presso faz soma de trinta e quatro mil oitosentos e oitenta e quatro reis....................................................................................................34V884 Hum guomil com sua cubertoira de prata que pezou seis marcos e sete onsas que ao dito presso faz soma de vinte e três mil seis sentos e sincoenta reis....23V650 Huma basia ovada com seu escalfador tudo de prata que pezou nove marcos e seis onsas que ao dito presso faz soma de trinta e tres mil e quinhentos e quarenta reis......................................................................................................3V540 [fl. 11 vº] Hum assafate de prata de lavar de sesto que pezou vinte e tres marcos e huma onsa que ao dito presso faz soma de satenta e nove mil quinhentos e sin‑ coenta reis..........................................................................................79V550

354

Hum brazeirinho de folha de estampa de prata com suas columnas de latam dou‑ rado e caldeira de cobre avaliado tudo em dous mil e quinhentos reis......2V500 Persolanas. Des boiõens de persolana da India meiõis sinco delles com tapadoiros avaliados todos em três mil reis............................................................................3V000 Tres boions grandes hum grande cõ tapadoira avaliados em doze mil reis....12V000 Duas garrafas da India huma dellas quebrada avaliados em seiscentos reis.... V600 Hum boião pequeno cõ tapadeira e outro muito pequenino avaliados em mil e du‑ zentos reis............................................................................................1V200 Duas escudellas muito grandes avaliadas em tres mil reis......................3V000 [fl. 11] Dous Jarros da India avaliados em trezentos e vinte reis............ V320 Duas confeiteiras da India avaliadas em duzentos reis............................ V200 Huma garrafinha da India pequena avaliada em sem reis...................... V100 Huma persolana de prato que tem huma borda quebrada avaliada em quinhen‑ tos reis................................................................................................... V500 Trinta e oito escudelas da India de differentes tamanhos avaliados em sete mil e seis sentos reis......................................................................................7V600 Dous tavoleiros da China avaliados em dous mil reis............................2V000 Três bandeiras da China e mais outra pintada avaliados em mil reis....1V000 Armas. Huma escopeta pequena avaliada em dous miI reis...............................2V000 Huma espingarda grande comprida avaliada em sinco mil reis..............5V000 [fl. 11 vº] Quatorze arcabuses avaliados em sete mil reis.......................7V000 Seis mosquetes avaliados em seis mil reis............................................ 6V000 Vinte frascos com alguns polvarinhos todos muito velhos avaliados em mil reis......1V000 Hum cano velho de arcabus e huma cronha quebrada pequeno avaliado em seis sentos reis ............................................................................................. V600 Tres alabardas avaliadas em mil reis...................................................1V000 Duas Bestas com suas gafas avaliadas ambas em seiscentos digo em mil e seis sen‑ tos reis.................................................................................................1V600 Huma courassa muito velha de laminas avaliada em trezentos reis.......... V300 Des rodelas da China avaliadas todas em oito mil reis..........................8V000 Vestidos do senhor Conde. Vestidos do senhor Conde que ficarão no guarda roupa e outras meudezas ava‑ liados em quarenta mil reis................................................................40V000 [fl. 12] Pinturas. Vinte e quatro quadros differentes pequenos avaliados todos em sinco mil reis.......5V000 Hum Retrato de todo o corpo da infanta Dona Izabel filha de Felipe segundo de castella avaliado em dous mil reis ........................................................2V000

355

Armasõis Oito panos de Ras de seis annas de queda dos Triumphos de Petrarcha que tem quinhentos e sincoenta e sinco annas avaliada a mil e seiscentos reis a anna faz soma de oitosentos oitenta e oito mil rs os quais seis delles tem letra : E: e dous: letra f...............................................................................................888V000 Quatro panos de Ras de seis annas de queda da Historia de David, três delles tem sincoenta e quatro annas cada hum ehum sasenta e seis, que fazem todos soma de duzentos e vinte e oito annas avalliadas a oitosentos reis cada huma soma sento e oitenta e dous mil e quatro sentos reis, os quais tem letra: G ..........182V400 Seis panos de Ras de sinco annas de queda da Historia de Diana que tem du‑ zentos e satenta e oito annas avaliada cada huma a oitosentos reis, que faz soma de sento e quarenta e dous mil e oitosentos reis, os quais tem letra. H .142V800 [fl. 12 vº] Seis panos de Raz de paisaigens de sinquo annas de queda que fazem sento e quarenta e nove annas avaliados a quatro sentos reis cada anna, faz soma de sincoenta e nove mil e seiscentos reis os quais tem letra: D...............59V600 Sinco panos de rãs de folhagens de seis annas de queda groseiros e velhos que tem dusentos e quarenta e huma annas avalliada cada huma a dusentos reis que faz soma de quarenta e oito mil e dusentos reis, tem letra : L ...................48V200 Quatro panos de Ras de três annas e meia de queda que mostram os Mezes que fazem noventa annas avaliada cada huma a quatrosentos reis faz soma de trinta e seis mil reis, tem letra: M................................................................36V000 Sete panos de Ras de folhagens de quatro annas de queda que fazem cento e trinta e quatro annas a duzentos e sincoenta reis cada huma, faz soma de trinta e três mil e quinhentos reis, tem letra J.........................................................33V500 Huma guarda porta de Ras de seis annas de queda que tem vinte e dous annas / [fl. 13] a trezentos reis cada huma faz soma de seis mil e seis sentos rs tem letra B ........................................................................................................6V600 Outro guarda porta de Ras de seis annas de queda que tem dezoito annas a tre‑ zentos reis cada huma soma sinco mil e quatro sentos reis ....................5V400 Outro guarda porta de Ras de seis annas de queda que tem dezoito annas a tre‑ zentos reis cada huma faz soma de sinco mil e quatro sentos reis ..........5V400 Outro guarda porta de Ras de quatro annas de queda tem doze annas a quatro‑ sentos reis cada huma faz soma de quatro mil e oitosentos reis .............4V800 Outro guarda porta de Ras de quatro annas de queda tem doze annas a quatrosentos reis cada huma faz soma de quatro mil e oitosentos reis................................ 4V800 Huma sobre janella de Ras de duas annas e meia de queda que tem sete annas e meia a quatrosentos reis a anna soma três mil reis ...............................3V000 [fl. 13 vº] Outra sobrejanella de Ras de duas annas e meia de queda que tem oito an‑ nas e meia a quatrosentos reis cada huma soma tres mil e dusentos reis........ 3V200

356

Outra sobrejanella de rãs mais velha tem des annas e meia de queda que tem seis an‑ nas a trezentos reis cada huma soma mil oitosentos reis................................. 1V800 Outra sobrejanella de Ras do mesmo tamanho e presso.........................1V800 Duas respaldeiras de anna de queda que tem oito annas e meia a quatrosentos reis a anna faz soma de três mil e quatrosentos reis............................. 3V400 Tres meias almofadas de Ras que tem seis annas a quatrosentos reis cada huma soma dous mil e quatro sentos reis........................................................2V400 Tres paninhos de Ras que paresse forão quartinas e ceo de cama de quatro annas de queda que fazem quarenta annas a mil e duzentos reis cada huma soma ao todo quarenta e oito mil reis...............................................................48V000 [fl. 14] Duas guteiras que parese serem da dita estofa que tem quatro annas a mil e duzentos reis a anna faz soma de quatro mil e oito centos reis......4V800 Hum pano de tres annas de queda de Sam Jeronimo que tem algum ouro que tem nove annas a quatro mil reis cada huma faz soma de trinta e seis mil reis..........36V000 Tres reposteiros antigos velhos avaliados em mil e duzentos reis.............1V200 Seis reposteiros uzados avaliados a dous mil reis cada hum soma doze mil reis.........12V000 Alcatifas. Huma alcatifa da India de estrato com cadilhos vermelhos em bom uso de sete varas de comprido e três de largo numero dois avaliado em quarenta mil reis........40V000 Outra alcatifa da India do mesmo tamanho com o numero três avaliada em qua‑ renta mil reis.....................................................................................40V000 Huma alcatifa meiam (sic) da India uzada fina forrada de bocaxim de quatro varas de comprido e duas de largo. Nº 4. Avaliada em dezaseis mil reis.16V000 [fl. 14 vº] Huma alcatifa da India forrada de bocaxim com cadilhos carmezins de duas varas e meia de comprido e vara e meias de largo em meio uso nº 6 ava‑ liada em sinco mil reis..........................................................................5V000 Huma alcatifa da India também forrada de bocaxim fina com cadilhos azuis de duas varas de comprido e vara e meia de largo em meio uso nº 7 avaliada em seis mil reis................................................................................................6V000 Huma alcatifa de Veneza de humas rodas velha de quatro varas de comprido e duas de largo avaliada em oito mil reis................................................8V000 Huma alcatifa de Castella uzada amarella e azul de três varas de comprido e vara e meia de largo avaliada em três mil reis.......................................3V000 Hum tapetão da India em mais de meio uso de seis varas de comprido e tres de largo avaliado em vinte mil reis..........................................................20V000 [fl. 15] Outro tapetão do mesmo tamanho e uso avaliado em vinte mil reis.... 20V000 Quatro tapetes felpudos da terra de ilharga de cama azuis muito velhos e rotos avaliados todos em dous mil reis...........................................................2V000 Almofadas.

357

Vinte e oito Almofadas de veludo carmesim com pasamanel e borlas de ouro emredados a quatro mil reis cada huma avaliados soma ao todo sento e doze mil reis....112V000 Seis almofadas de tella e veludo carmesim avaliados a dous mil reis cada huma soma doze mil reis..............................................................................12V000 Dezoito almofadas de cor do vão baio (sic) pespentados de azul com massanellos e caireis de prata e azul avaliados a dous mil reis cada huma soma trinta e seis mil reis..............................................................................................36V000 Onze almofadas de veludo e damasco roxo com seu cairel e massanetas de retros velhos avaliados a mil e quinhentos reis cada huma soma dezasete mil e quinhen‑ tos reis...............................................................................................17V500 [fl. 15 vº] Quatro almofadas de cor do vão baio velhos avaliados em mil reis.... 1V000 Huma almofada da cor do vam com cairel azul velha avaliada em quinhentos reis....................................................................................................... V500 Quatro almofadas de guadamecim velhas avaliadas em seiscentos reis..................V600 Huma almofadinha carmesim velha avaliada em quinhentos reis............ V500 Outra almofadinha de camilha de seda de cores velha avaliada em duzentos reis. V200 Quartinas. Sinco quartinas de tafetá carmesim singello com sua pentilha de ouro avaliados todos em trez mil e quinhentos reis.......................................................3V500 [fl. 16] Duas quartinas de damasco verde com sua franja do mesmo avaliados em sinco mil reis........................................................................................5V000 Huma guarda destrado de tafetá encarnado dourada avaliada em quatro sentos reis........................................................................................................ V400 Duas guardas destrado de tafetá leonado (sic) que tem ambas vinte e dous côvados e huma largura avaliada em dous mil e quinhentos reis............................ 2V500 Doceis e panos de Bofete. Hum docel de veludo carmesim de sinco larguras a quartina de seis côvados de queda, o seo com suas guteiras com franjas de ouro muito largos alamares e fra‑ nias estreitas tudo Rico com seus cordois de chadilho (sic) carmesim avaliado em sento e vinte mil reis.........................................................................120V000 Outro dosel de tella de primavera de quatro larguras de seis côvados de queda com suas franias e alamares de ouro avaliado em sento e vinte mil reis.....120V000 Dous panos de bofetes de marca grande grande de veludo carmezim forrados de bocaxim na mesma cor com suas franjas e alamares de ouro e seus coiros forrados em tafetá carmezim avaliados em trinta mil reis................................ 30V000 [fl. 16 vº] Dous panos de bofetes de marca grande de tella verde forrados de bocaxim verde com franjas e alamares de ouro avaliados em trinta e dous mil reis...............................................................................................32V000

358

Hum pano de bofete de marca meam de damasco carmezim com tafetá de roxo de ouro, franjas e alamares de ouro, resguardo de tafetá carmezim com sua pentilha avaliado em oito mil reis.......................................................................8V000 Hum pano de bofete de marca pequena de damasco verde com franjas e alamares de ouro com seu resguardo de coiro forrado de tafetá verde avaliado em sinco mil reis......................................................................................................5V000 Hum pano de bofete meão de damasco azul com franjas e alamares de retros azul uzado avaliado em três mil reis............................................................3V000 Outro pano de bofete de marca pequena de pouca queda de coiro listado com franja de ouro e verde forrado de bocaxim verde avaliado em mil e duzentos reis.1V200 Hum pano quadrado de bofete de mrca meam de veludo e ouro da Persia com os salefos de veludo carmezim bordados de ouro e franja de ouro forrado em pano vermelho avaliado em dezaseis mil reis................................................16V000 [fl. 17] Hum pano de bofete de damasco carmezim com sanefas curtas de veludo carmezim já velho avaliado em mil e dusentos reis.................................1V200 Huma sobremeza quadrada de damasco carmezim com sua franja de ouro e coiro forrado de tafetá carmezim avaliado em doze mil reis..........................12V000 Outra sobremeza de damasco verde com sua franja de ouro forrado em frestão pardo com hum coiro baio de resguardo avaliado em oito mil reis........................... 8V000 Dous panos listados que servem nos cofres de resguardo das almofadas e paresem de erva avaliados em oito sentos reis....................................................... V800 Paramentos de Cama. Hum paramento de cama de felpa carmezim com franjas e alamares de ouro que contem ceo e quatro quartinas de tafetá doble mosqueado cobertor de felpa carme‑ zim e azul e rodapees do mesmo tudo com suas franjas de ouro largos e estreitos e alamares de ouro e quatro massanetas de fio de ouro de sergueiro tudo Rico ava‑ liado em dusentos reis.......................................................................200V000 [fl. 17 vº] Hum paramento de cama de damasco encarnado que contem ceo e qua‑ tro quartinas e rodapees tudo com suas franjas e alamares de pratta ricos, e mas‑ sanetas de fio de pratta de sergueiro avaliado em sento e vinte mil reis.120V000 Hum paramento de cama de volante branco e carmezim que contem ceo e quatro quartinas e rodapees com franjas e alamares de seda uzada avaliado em seis mil reis......................................................................................................6V000 Hum pavilhão de Olanda avaliado em dous mil e quinhentos reis................ 2V500 Outro pavilhão do mesmo avaliado em tres mil reis...............................3V000 Hum pavilhão de Ló verde com capello de damasco com franja de ouro e verde avaliado em seis mil reis...................................................................... 6V000 Duas quartinas de lambeis que paresse forão de cama avaliados ambos em dous mil reis 2V000

359

Hum pavilhão de rede avaliado em dous mil reis..................................2V000 [fl. 18] Duas quartinas de rede velhas avaliadas em mil e dusentos reis.1V200 Hum ceo e duas quartinas branquas avaliadas em dois mil reis............2V000 Hum paramento de retrete de veludo carmezim avaliado em dous mil e quinhen‑ tos reis.................................................................................................2V500 Colchas e outras pessas tocantes a cama. Huma colcha grande de montaria lavrada de amarello avaliada em quinze mil reis....................................................................................................15V000 Outra colcha mais pequena de montaria lavrada de amarello avaliada em dezoito mil reis................................................................................................8V000 Huma colcha branca da India pespestada fina avaliada em nove mil reis.9V000 Outra colcha da mesma sorte avaliada em nove mil reis........................9V000 [fl. 18 vº] Huma colcha brranca fina sem franja avaliada em quatro mil reis.......4V000 Huma mantilha de colcha de montaria avaliada em dous mil reis................. 2V000 Huma mantilha de veludo carmezim e felpa de sobrecama com seu passamane de ouro avaliada em doze mil reis...........................................................12V000 Dous recheos grandes com suas almofadinhas de tafetá amarello com pasamane de ouro avaliados em tres mil reis.........................................................3V000 Tres coiros do sinde (?) afogueados forrados em bocaxim com sua franja verde avaliados em seis mil reis......................................................................6V000 Huma colcha branca grande da terra avaliada em seis mil reis..............6V000 Quatro cobertores de papalhim (?) de raixa uzados avaliados em dous mil e seis sentos reis2V600 [fl. 20] Leitos. Hum leito de pão santo bronzeado com sua grade cabeseira, pêra frizos das culu‑ nas, paos e taboas e mais madeira que lhe pertense com nove fundos de feira (sic) amarella de resguardo e dous caixõis de pinho em que se recolhe tudo avaliado em trinta mil reis.....................................................................................30V000 Outro leito de pão santo bronzeado da mesma sorte com todas suas pessas e seus fundos e caixõis avaliado em trinta mil reis.........................................30V000 Hum leito meão de pão santo com sua grade a que faltam / [fl. 20 vº] algumas taboas avaliado em quatro mil reis.......................................................4V000 Cadeiras. Dezoito cadeiras de veludo carmezim com franja de ouro e carmezim e pregaria dourada com seus fundos de feira (sic) vermelha avaliados a sinco mil reis cada huma faz soma de noventa mil reis.....................................................90V000 Dous tamboretes de ilhargas de cama de veludo carmezim com franja de ouro com seus coiros de resguardo forrados de feira vermelha avaliados em quatro mil reis.......4V000

360

Doze cadeiras de coiro de mosquovia cham com pregos dourados uzados avaliadas a mil e duzentos reis cada huma soma quatorze mil e quatro sentos reis.14V400 Dous tamboretes de coiro de mosquovia pespentados dobradissos avaliados ambos em mil e seiscentos reis..........................................................................1V600 Huma cadeira de andar com seus paos e correoins (sic) avaliada em dous mil reis......................................................................................................2V000 Outra cadeira de andar velha sem paos nem correois avaliada em seissentos reis...... V600 Duas cadeiras huma de veludo verde outra de veludo negro velhas avaliadas am‑ bas em mil reis.....................................................................................1V000 [fl. 21] Des cadeiras deferentes humas e outras velhas e quebradas avaliadas em mil e seis sentos reis..............................................................................1V600 Bofetes. Hum bofete do charão de quatro palmos de comprido e dous de largo avaliado em des mil reis.........................................................................................10V000 Dous bofetes pequenos de pão santo marchetados destrado avaliados ambos em três mil reis..........................................................................................3V000 Dous bofetes de pão preto marchetados com suas gavetas avaliados a quatro mil reis cada hum soma oito mil reis...........................................................8V000 Dous bofetes de pão santo de marqua meam com cantoneiras e perafusos dourados avaliados ambos em quatro mil reis......................................................4V000 Hum bofete de pão santo de marqua maior com suas cantoneiras e perafusos dou‑ rados avaliado em dous mil e quinhentos reis........................................2V500 Dous bofetes de nugueira de marqua grande com suas colunas sem nenhum pera‑ fuzo uzados avaliados ambos em tres mil reis.......................................3V000 Dous bofetes de nogueira de marqua meam com suas colunas sem nenhum pera‑ fuzo avaliados ambos em tres mil reis...................................................3V000 Dous bofeters de nogueira de marqua meam com suas colunas sem nenhum pera‑ fuso avaliados ambos em dous mil e quatro sentos reis ..........................2V400 [fl. 21 vº] (…) Hum bofete de pao do Brasil com sua tavoa avaliado em mil reis................ 1V000 Duas mezas de nogueira grandes com seus pees avaliados ambos em mil reis.... 1V000 Huma mesa da China dourada velha com seus pees avaliada em quinhentos reis................................................................................................V500 (…) [fl. 22] Contadores e escritórios. Dous contadores de pão pretto marchetados de marfim de três palmos e meio de com‑ prido com sete gavetas cada hum avaliados ambos em dezaseis mil reis........16V000 Dous contadores de pão pretto marchetados de marfim e cana da India de três palmos e meio de comprido com nove gavetas cada hum avaliados ambos em de‑ zaseis mil reis....................................................................................16V000

361

[fl. 22 vº] Hum escritório de Alemanha muito velho avaliado em seis sentos reis..... V600 Huma arca da India marchetada com gavetas avaliada em oito mil reis.....................8V000 [fl. 29] (…) Horatorio. Hum feitio de hum Christo per encarnar em huma crus de pão santo avaliado o feitio em dous mil reis...........................................................................2V000 Hum Retavolo do eçe homo com molduras de pão santo avaliado em quatro mil reis .....................................................................................................4V000 Hum Retavolo de Nossa senhora das Angustias com molduras de pão santo ava‑ liado em quatro mil reis.......................................................................4V000 Três quadros, hum do Menino Jesu, outro de São Lourenso, outro do Christo co‑ piado de Santarem avalliados em oito mil reis ................................ 8V000556 [fl. 29 vº] Huma lamina de Nossa senhora guarnesida de pao preto com hum Menino Jezu no colo avaliada em quatro mil reis ................................ 4V000 Outra lamina de nossa Senhora com o menino Jesus dormindo que chamão do Repou‑ zo, guarnecida de pao preto avaliada em três mil reis..................................... 3V000 Hum caixinho de pao tinto de negro com hum sam Francisco dentro avaliado em mil reis................................................................................................1V000 Hum caixilho de pao santo com Santa Maria Madalena dentro avaliado em mil reis .....................................................................................................1V000 Adqueridos. O feitio de hum Christo de metal avaliado em quatro mil reis.................. 4V000 Sinco quadros, hum de Nossa Senhora da Piadade, outro de Christo no horto, outro de Nossa Senhora com o menino Jesus no colo, outro de Sam Jeronimo, e outro de Santa Tereza, avaliados em vinte mil rs................................20V000 Hum Retavolo de Christo crucifcado com muldura de pão preto avalliado em dous mil reis................................................................................................2V000 Huma lamina oitavada com mulduras de pão preto de Christo com a crus às cos‑ tas avaliado em três mil reis.................................................................3V000 [fl. 30] Huma lamina de Santo Izidro com huma muldura de pedra guarnesida de pao pretto e huma (de) vidros avalliado em quatro mil reis........................................4V000 Hum Retavollo de Santa Sicilia avalliado em quinhentos Reis................ V500 Hum frontal de damasco carmezim com sanefas mangas e pontaleira de tella al‑ cachofrada nugueirada e prata e ouro, tudo com franjos de ouro pequenos avalia‑ do em oito mil reis 8V000 Huma vestimenta de damasco carmezim guarnesida da mesma tella e franjas de ouro com sua estola e manipullo, avaliada em quinze mil reis ........... 15V000 Huma bolsa de corporais de damasco carmezim avaliada em quinhentos reis.... V500 Hum veo de calis de tafetá carmezim cõ listros de couro avaliado em quinhentos reis....................................................................................................... V500

362

Duas frontaleiras dos degraos em que estão os santos de setim avelutado carme‑ zim com pasamanes largos de ouro e prata avaliados em dous mil reis.. 2V000 Hum frontal de tafetá branco com franjas de retros laraniado e branco avaliado em tres mil reis....................................................................................3V000 [fl. 30 vº] duas frontaleiras de lam branqua com franja de ouro e retros carmezim que serve dos mesmos degraos, avalliadas em seis sentos reis ................... V600 (…) Hum frontal de chamalote de seda roxo com sanefas e mangas do mesmo panno de retros amarello e roxo em bom uso avaliado em seis mil reis ..6V000 [fl. 31] (…) Tres laminas pequenas a saber huma de Santa Teresa, outra de São Diogo, e ou‑ tra de Santa Eugenia, guarnesida de prata com molduras de pão pretto avaliadas em mil e quinhentos rs ........................................................................1V500 (…) Joias. Hum anel de ouro com vinte e sinco diamantes avaliado ouro diamantes e feitio em trinta e dois mil e duzentos reis.....................................................32V200 [fl. 31 vº] Dous anéis de ouro com hum camafeo e outro com huma pedra avalia‑ dos ambos em três mil reis....................................................................3V000 Huns brincos de orelhas com diamantes esmaltados de preto tem dous diamantes grandes de fasetos (sic) e os dependurados tem outros dois diamantes amêndoas de facetas cravados no ar com duas pengentes dependuradas avaliado ouro, diaman‑ tes, pérolas e feitio em sento e sincoenta mil reis, empenhandose em casa de Dioguo Rodrigues em Lisboa....................................................................... 150V000 Huma gargantilha de trinta e nove pessas com seus diamantes dependurados com dous diamantes cada hum que peza de ouro vinte e quatro oitavas que a rezão de seis sen‑ tos e sasenta reis cada oitava soma quinze mil oito sentos e quarenta reis avaliados os diamantes em duzentos e sasenta mil reis, e de feitio trinta mil reis, que tudo junto faz soma de trezentos e sinco mil oitosentos e quarenta reis............................. 305V840 Dous barceletes de azeviche que tem ambos vinte e quatro pessas de ouro com cada huma sinco diamantes de meio fundo que pezarão de ouro des mil reis e os dia‑ mantes avaliados em noventa e seis mil reis e de feitio des mil reis, que tudo faz soma de sento e dezaseis mil reis.......................................................116V000 [fl. 32] Huma banda de coral e ouro avaliada em vint e seis mil e quatrosentos reis................................................................................................... 26V400 Dous barseletes do mesmo avaliados em quatro mil duzentos e noventa reis...... 4V290 Hum engaste de ouro que tem huma pequena de peonia avaliado em quatro mil e oitosentos reis.....................................................................................4V800 Hum feitio de Sam Miguel de ouro que pezou dous mil seis sentos e oitenta reis........ 2V680 Hum feitio de Varonica de ouro que peza mil e seis sentos e sincoenta reis....... 1V650 Hum assovio de prata que peza duzentos e vinte reis.............................. V220

363

Vazos de cristal guarnesidos de ouro. Hum púcaro de cristal alto com asas e bocal de ouro esmaltado de negro avaliado em oito mil reis....................................................................................8V000 Hum vazo de cristal a modo de garrafa com huns engastes de ouro avaliado em oito mil novesentos e sasenta reis ..........................................................8V960 [fl. 32 vº] Huma caixa de coro em que esta este vazo, avaliada em quatrocentos e sessenta reis ........................................................................................ V460 Hum púcaro de cristal de feição de tasso (?) com huns engastes de ouro lavrado e esmaltado de negro avaliado em seis mil reis ....................................... 6V000 Duas bolas de cristal avaliadas em seis sentos reis.................................. V600 Prata. Hum prato de bastiãis dourado que peza satenta e dous mil quinhentos e vinte reis e de feitio e ouro oitenta e sete mil quinhentos e vinte reis, que tudo faz soma de sento e sasenta mil e quarenta reis................................................160V040 Hum gomil de bastiãis que peza trinta e tres mil e trinta e nove reis e de feitio e ouro dezoito mil e quatrosentos reis que tudo faz soma de sincoenta e hum mil quatrocentos e trinta e nove reis..........................................................51V439 Huma salva de bastião que peza dezaseis mil duzentos e sasenta reis e de feitio e ouro dezasseis mil e duzentos e sasenta reis que tudo faz soma de trinta e dous mil e quinhentos e vinte rei.................................................................32V520 [fl. 33 vº] (…) Persolanas. Onze persolanas da India avaliadas huma por outra em duzentos reis soma dous mil e duzentos reis ..............................................................................2V200 Duas palanganas da India grandes avaliadas em dous mil reis.............2V000 Vinte e quatro persolanas de prato avaliado hum por outro em sento e sincoenta reis faz soma de três mil e seis sentos reis..............................................3V600 Três escudelas de persolana grandes avaliadas em quatro sentos e sincoenta reis. V450 Onze escudelas mais pequenas avaliadas em mil e sem reis....................1V100 Vinte e seis escudellas pequenas que chamão de feição de sino avaliadas a oitenta reis cada bhuma, soma mil e duzentos reis........................................... 1V200 [fl. 34] Treze pires muito pequeninos avaliados em quinhentos e vinte reis...... V520 Onze escus (?) de vinho muito pequeninos avaliados a quarenta reis cada hum soma quatrosentos e quarenta reis ......................................................... V440 Hum saleiro e duas garrafas pequenas avaliadas em quatrosentos reis..... V400 Huma persolaria de prato quebrada avaliada em quinhentos reis............ V500 Huns porcos de vazos de vidro deferentes huns dos outros avaliados em dous mil reis..................................................................................................... 2V000 Tapessaria.

364

Hum paninho de Ras de seda e ouro do nasimento de duas annas e meia de que‑ da que tem ao todo sete annas avaliado a quatro mil reis cada anna soma vinte e oito mil reis ................................................................................... 28V000 Hum pano de Ras da Historia de David de seis annas de queda que tem quarenta e sinco annas avaliado a oito sentos reis a anna soma trinta e seis mil reis......... 36V000 Hum pano de Ras da Historia de Diana de sinco annas de queda tem vinte e sete / [fl. 34 vº] annas avaliada a oitosentos reis cada anna faz soma de vinte e hum mil e seiscentos reis.....................................................................21V600 Doze almofadas de estrado de huma parte de veludo da Persia azul e amarello e da outra de damasco das mesmas cores avaliados em trinta mil reis.... 30V000 Huma alcatifa de ilharga de cama da India avaliado em doze mil reis.................... 12V000 Dous viombos grandes da India avaliados em trinta mil reis.............. 30V000 Dous tapetes da terra avaliados em três mil reis....................................3V000 Hum paramento de cama de Roixa de dous verdes que contem ceo e quarto quar‑ tinas rodapees pano de bofete tudo franjado e com lamares das ditas cores avalia‑ do em oito mil reis................................................................................8V000 Outro paramento de cama de Raixa verde e amarella que serve de anãs de caminho de huma agoa com seu galam das mesmas cores avaliado em seis mil reis...... 6V000 [fl. 35] Outro paramento de cama de volante verde e branco de marqua grande com seo quatro quartinas rodapees e masanetas avaliadso em oito mil reis......... 8V000 Hum paramento de cama de tafetá carmezim roxado de ouro os guteiros rodapees matisados com franjas e alamares de ouro com seo quatro quartinas e masanetas tudo rico avaliado em sem mil reis....................................................100V000 Huma colcha branca de marqua pequena com humas nódoas avaliada em seis mil reis..................................................................................................... 6V000 Outra colcha branca do mesmo tamanho avaliada em seis mil reis.....................6V000 Outra colcha branca do mesmo tamanho avaliada em seis mil reis.....................6V000 Outra colcha da India branca do mesmo tamanho avaliada em seis mil reis......6V000 Huma colcha da India groseira já uzada avaliada em mil e quinhentos reis......1V500 Hum cobertor de pano vermelho já uzado avaliado em mil e duzentos reis.... 1V200 [fl. 39 vº] (…) Leitos. Hum leito de pão santo bronzeado com todos os pertenses maior do ordinário com seus fundos de frisos de resguardo e seu caixão avaliado tudo em quarenta mil reis................................................................................................... 40V000 A.H.F.E.A., Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto dom Lourenso pires de Castro que faleseo em Catalunha no lugar de fraga sem descen‑ dentes deixando por sua universal herdeira a senhora Condessa de Basto Dona Violante de Len‑ castre sua molher.

365

DOCUMENTO Nº 55. 1627. Galeria de painéis que D. Duarte, marquês de Flechilla e Malagón, sobrinho­­‑neto do Arcebispo D. Te‑ otónio e irmão do Duque de Bragança D. Teodósio II, possuía na sua casa de Madrid à data da morte. Paineis: D. Duarte de cuerpo entero y medio armado (…). Condestable Don Nunoalvares Pereira en habito de religioso. Duque D. Juan. D. Duarte siendo niño. Pinturas de la China. D. Duarte de edad perfecta. 4 lienzos de genesis. D. Felipe. 12 sibilas. D. serafina. Muerte de Santo Domingo. Princesa de Parma. Lienzo de S. Frº de Quito. D. Cherubina siendo niña. Descripción del Peru. In‑ fanta D. Isabel. Cardenal Farnesio. Reina Catalina de Austria (…). D. Juan III. Un pelicano. Infante D. Luis. Princesa D. Maria.D. Francisco, hijo de D. Duarte. Cardenal D. Enrique. D. Fernando, hijo de D. Duarte. 17 Retratos de los Reyes de Portugal de cuerpo entero desde Alfonso Enriques hasta Henrique I. Un pájaro. Principe D. Juan (…) y muchisimas más obras. Archivo Historico Nacional de Madrid, Sección Nobleza, Toledo – Casa de Frias, Cajas 1375­­‑1377. Referência do Doutor Fernando Bouza Álvares.

DOCUMENTO Nº 56. 1644, 14 de Junho. Inventário da Livraria do Paço dos Condes de Basto. [fl. 39 vº] Termo de juramento aos livreiros para avaliarem os livros ao diante declarados. Aos quatorze dias do mês de Junho de mil e seis sentos e quarenta e quatro an‑ nos nesta cidade de Evora nos passos da Condessa de Basto sendo ahi prezente o lesenseado Francisco Moreira de Freitas, juiz de fora dos órfãos com alçada per el Rei nosso senhor nesta dita cidade e seu termo, e bem assim os partidores, o dito Juiz mandou vir perante si a Manoel Ribeiro e Antonio Mendes, livreiros, moradores nesta cidade, e lhes deu juramento dos santos Evangelhos em que eles puzerão suas mãos sob cargo do qual lhes encarreguão que eles em boa e sã cons‑ ciençia e dos avaliadores juntamente avaliasem os livros que ao diante se seguem em que ele juiz se louvava e elles aseitarão o dito juramento e assim prometeram de fazer e farão avaliando na forma que vão lansados, e de tudo o dito atrás man‑ dou fazer este termo que o asinou com os sobreditos. Manoel Dias, escrivão dos órfãos, que ho escrevi. (aa) Freitas – Alveres – Manoel Ribrº –­­ frcº Mendes – Antº Mendes. [fl. 40 vº] os Annais de Aragão sete tomos emquadernados em pasta de Bezerro dourado, avaliados em quatro mil reis, digo, sinco mil reis.....................5V000 366

Símbolo da Fee de frei Luis de Granada encadernado em pasta de (…) dourada hum so tombo de folha, avalliado em outo sentos reis .............................. V800 Fernão Mendes Pinto emquadernado em bezerro acamarado dourado avaliado em quinhentos reis.................................................................................. V500 Catalogo dos Bispos do Porto enquadernado em bezerro atamarado e dourado num soo tombo, avaliado em seis sentos reis............................................ V600 A Viagem del Rei dom Felipe de castella ao Reino de Portugal enquadernado em bezerro atamarado dourado, avaliado em mil reis.................................1V000 Historia Eclesiastica de eThiopia em quarto enquadernado em bezerro atama, digo, negro dourado, avaliado em quatrosentos reis.................................. V400 [fl. 40 vº] Nobiliario dos Reis de Espanha de folha enquadernado em bezerro atamarado dourado hum tomo, avaliado em mil reis.............................1V000 As Carónicas de Sam Bento em sete tombos de folha emquadernados de Branco pergaminho, avaliados em sinco mil reis................................................5V000 Flos sanctorum de Ribadeneira, primeira e segunda parte, enquadernados em per‑ gaminho de folha avaliados em mil e duzentos reis................................1V200 Vida de Santo Inacio de Rebedaneira (sic) em folha de pergaminho avaliado em quinhentos reis....................................................................................... V500 Vida de São frcº Xavier pello padre Lucena da Companhia em folha enquader‑ nado em pergaminho avaliado em quinhentos reis.................................... V500 Doctrina Christam do padre frei Luis de granada em folha enquadernado de per‑ gaminho avaliado em quinhentos reis...................................................... V500 Dialogos de frei Amador em folha enquadernado de pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................................... V400 [fl. 41 vº] historia do Preste João de folha emquadernado em bezerro atamarado dourado avaliado em quinhentos reis....................................................... V500 Viagem de Felipe primeiro a Alemanha de folha enquadernado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................ V400 Caronica do grande Cardeal de Espanha em folha emquadernado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................ V400 Historia dos Reis de Castella e de Leão de folha emquadernado em pergaminho avaliado em quinhentos reis.................................................................... V500 Caronica do Imperador de Hespanha Dom Afonso septimo de folha enquader‑ nado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................ V400 Horasio Comentado de folha enquadernado em pergaminho avaliado em seis sen‑ tos reis................................................................................................... V600 [fl. 41 vº] obra de Lucio Marineo Sicullo de folha enquadernado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................ V400 Historia das Ordens militares de folha enquadernado em pergaminho avaliado em quinhentos reis.................................................................................. V500 367

Grandezas de Madrid de folha emquadernado em pergaminho avaliado em qui‑ nhentos reis............................................................................................ V500 Vida de Dom frei Bartolameu dos mártires Arcebispo de Braga de folha enqua‑ dernado em bezerro dourado avaliado em setecentos reis.......................... V700 Primeira parte da Historia delRei felipe quarto de folha enquadernado em per‑ gaminho avaliado em quinhentos reis...................................................... V500 O perfeito capitão de folha enquadernado em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 [fl. 42] Jornada do Arcebispo de Goa dom frei Aleixo de Menezes de folha en‑ quadernado em pergaminho avaliado em trezentos reis .......................... V300 Varias Antiguidades de Portugal de folha enquadernado em pergaminho avalia‑ do em duzentos reis................................................................................ V200 Historia da India no tempo que a governou dom luís de Taide de folha enquader‑ nado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis ............................... V400 Historia das Antiguidades de Madrid de folha emquadernado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................ V400 Caronica de Espanha delRei dom Affonso el sábio de folha emquadernado em pergaminho avaliado em quinhentos reis ................................................ V500 Espelho da consciência de folha enquadernado em pergaminho avaliado em qua‑ tro sentos reis ........................................................................................ V400 [fl. 42 vº] Agricultura de hienera (sic) de folha enquadernado em pergaminho avaliado em quinhentos reis.................................................................... V500 Caronica delRei dom Pedro de folha emquadernado em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................................... V400 Novelas de Miguel de servantes de oitavo em pasta dourado avaliado em dusentos reis........................................................................................................ V200 Insinuacion de la Divina Piedad, em quarto enquadernado em pergaminho, ava‑ liado em sento e sasenta reis................................................................... V160 Trabalhos de Jesu em oitavo primeiro e segundo tomo de pasta dourados avaliados em trezentos rs....................................................................................... V300 Suma da Vida de Dom Theotonio de Bargansa em quarto de pasta dourado ava‑ liado em duzentos reis............................................................................ V200 Milagres de Santarém em quarto enquadernado em pasta dourado avaliado em duzentos reis ......................................................................................... V200 [fl. 43] os trabalhos de Perfilis e sigismunda de quarto enquadernado em pasta dourado avaliado em sento e sasenta reis................................................. V160 Caronica del rei dom João o terseiro de folha enquadernado em pasta de bezerro digo avaliado em sento e sasenta reis ...................................................... V160 Caronica delRei dom João segundo de castella de folha enquadernado em perga‑ minho avaliado em quatro sentos reis..................................................... V400 368

Cartas do Japão de folha enquadernado em pasta dourado avaliado em seis sentos reis........................................................................................................ V600 Frei Amador Arrais de folha enquadernado em bezerro dourado avaliado em quatro sentos reis................................................................................... V400 Caronicas de elRei dom Afonso onzeno (sic) de folha enquadernado em bezerro avaliado em seis sentos reis..................................................................... V600 Discórdia traduzido por Laguna de folha enquadernado em pasta negra avaliado em oitosentos reis.................................................................................... V800 [fl. 43 vº] Caronica de Marco Antonio de folha enquadernado em bezerro ava‑ liado em seis sentos reis.......................................................................... V600 Caronica geral de Espanha de folha grande enquadernado em bezerro negro ava‑ liado em oito sentos reis.......................................................................... V800 Ho livro dos Livros quarto e quinto da historia do Descobrimento da India em‑ quadernado em bezerro de folha avliado em oitosentos reis..................... V800 Hum livro dos sinco livros da historia geral de Hespanha de folha emquadernado em bezerro avaliado em seis sentos reis .................................................. V600 Ginelogicos (sic) dos reis despanha de folha de marquilha emquadernado em per‑ gaminho avaliado em sete sentos reis ..................................................... V700 O oitavo livro da historia do descobrimento da India de folha enquadernado em pasta (pasta) avaliado em quatrosentos reis............................................ V400 Comentarios a Af, digo, do grande Afonso de Albuquerque de folha enquader‑ nado em pergaminho avaliado em seis sentos reis..................................... V600 [fl. 44] Caronica das três ordens Santiago Calatrava e Alcantera de folha en‑ quadernado em pergaminho avaliado em quatrosentos reis...................... V400 Conquista das Ilhas moluquas de folha enquadernado em perganminho avaliado em quatro sentos reis.............................................................................. V400 Conquista de guiribai quatro tombos de marquilha enquadernados em pergami‑ nho avaliados dois mil reis...................................................................2V000 Res publicas del mundo três tombos de folha enquadernado em pergaminho ava‑ liados em dous mil reis.........................................................................2V000 Vida de Sam Carlos borromeo de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em sem reis............................................................................................ V100 Caronica del Rei Dom Manoel de folha em pergaminho avaliado em quatro sen‑ tos reis................................................................................................... V400 [fl. 44 vº] Historia imperial de Mexico de folha emquadernado em pergaminho avaliado em setecentos reis...................................................................... V700 Demanda del Santo Birial (sic) de folha emquadernado em pasta avaliado em quatro sentos reis................................................................................... V400 Ásia de Joam de Barros de marquilha emquadernado em pasta avaliado em qui‑ nhentos reis............................................................................................ V500 369

As guerras do restador de flandes por dom Carlos Colonna de folhas enquader‑ nado em pergaminho avaliado em quinhentos reis.................................... V500 Dom fernando terseiro que ganó a Sevilla de folha em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................................... V400 Historia pontificial em quatro tomos de folha enquadernado em pergaminho ava‑ liado em dous mil e quinhentos reis.......................................................2V500 Caronica de toda a Espanha especialmente do Reino de Valensa em dous tombos de folha emquadernados em pergaminho avaliado em mil reis................1V000 [fl. 45] Boetio de consolatione de folha em pergaminho avaliado em quatrocentos reis........................................................................................................ V400 Conservação de Monarchias e discursos políticos de folha emquadernado em per‑ gaminho avaliado em quinhentos reis...................................................... V500 Caronica dos Reis católicos de folhaemquadernado em pergaminho avaliado em quatrosentos reis.................................................................................... V400 Copilação de todas as obras de Gil Visente de folha enquadernado em pergami‑ nho avaliado em quatrosentos reis........................................................... V400 Vida de João de Deos em quarto enquadernado em pergaminho avaliado em du‑ zentos reis V200 Historia das Indias de hirrera (sic) em quatro tombos de folha emquadernado em pergaminho avaliado em mil e quinhentos reis.......................................1V500 Sitio de Bredad (sic) de folha emquadernado em pasta verde avaliado em quatro sentos reis.............................................................................................. V400 [fl. 45 vº] Vida de Santa Joana da crus, em quarto pequeno, em pergaminho, avaliado em cem reis............................................................................... V100 Hum livrinho pequenino do Anjo da Guarda de outavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................ V080 Estado dos bem aventurados de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis. V080 Exercícios divinos de meio oitavo em pergaminho avaliado em sincoenta reis...... V050 Arte para servir a Deos de meio oitavo em pergaminho avaliado em sincoenta reis........................................................................................................ V050 Tratado das nove penas de meio oitavo em pergaminho avaliado em sincoenta reis........................................................................................................ V050 [fl. 46] Historia geral de Espanha por mariano (sic) que tem dous tombos pri‑ meiro e segundo de folha emquadernado em pergaminho em meio uso avaliado em mil e duzentos reis...............................................................................1V200 Huma Biblia gótica em espanhol de folha antiga em pergaminho avaliada em ou‑ tosentos rs ............................................................................................. V800

370

Flos sanctorum de Villegas de folha em pasta dourada avaliado em setesentos reis........................................................................................................ V700 Historia de Africa de vfolha emquadernado em pergaminho primeiro e segundo tombo em dous volumes avaliado em oitosentos reis ................................ V800 Ouvidio nasonis comentado de folha enquadernado em pasta dourado avaliado em oito sentos reis................................................................................... V800 O governador christão de folha enquadernado em pasta de bezerro dourado ava‑ liado em quinhentos reis......................................................................... V500 [fl. 46 vº] Origem das dignidades seglares de Castella e Leão de folhas enquader‑ nadas em pasta dourado avaliado em quatro sentos reis ......................... V400 Caronica del rei dom João o segundo de folha enquadernado em pasta dourado avaliado em quinhentos reis.................................................................... V500 Caronica dos Reis de Portugal per Duarte Nunes de Leão de folha emquaderna‑ do em pasta dourado avaliado em setesentos reis digo outosentos reis........ V800 Vida de Santa Getrudis de folha emquadernado em pasta dourado avaliado em setesentos reis......................................................................................... V700 Tratado da Hespera de folha em pasta dourado avaliado em quinhentos reis...............................................................................................V500 Relação annual de quarto em pasta dourado avaliado em duzentos reis... V200 [fl. 47] Obras esprituaes do padre frei Joam de la crus de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis .............................................. V200 Cartas espanholas de Antonio perez em quarto emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis....................................................................... V200 Os livros da madre Tereza de Jesus de quarto em pergaminho avaliado em du‑ zentos e quarenta reis............................................................................. V240 Arte poética de quarto emquadernada em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Vida de frei Thomas de villa nova Arcebispo de Valensa de quarto em pergami‑ nho avaliado em cento e sasenta reis........................................................ V160 Defensão das lágrimas dos Justos de quarto em pergaminho avaliado em cento e sasenta reis ........................................................................................... V160 [fl. 47 vº] historia de Aragão em doze tombos eclesiásticos de folha emquaderna‑ do em bezerro de pasta avaliado em mil e duzentos reis.........................1V200 De la Religion de los Antigos Romanos de quarto grande em pergaminho avalia‑ do em duzentos reis................................................................................ V200 Cerquo de Diu de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em cem reis... V100 Elogios contra a avareza de quarto escrito de mão em pergaminho emquadernado nelle avaliado em quinhentos reis............................................................ V500

371

Discripção de secretários de senhores de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis....................................................................... V200 Insignio christão de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em cento e sa‑ senta reis................................................................................................ V160 [fl. 47] Caronica dos Reis de Castella escrita em pergaminho de folha emquader‑ nado em bezerro avaliada em mil e quinhentos reis...............................1V500 Obras de Francisco de sá de Miranda de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis....................................................................... V200 Vida de Pio quinto de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em duzen‑ tos reis................................................................................................... V200 Itenirario (sic) da Terra santa por frei Pantilião de Aveiro de quarto enquader‑ nado em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis ............................. V160 Os Morais de San Gregorio gotico emquadernado em pergaminho de folha ava‑ liado em quatro sentos reis..................................................................... V400 [fl. 48 vº] Instrução de sacerdotes por frei Antonio de molinia (sic) de quarto em‑ quadernado em pergaminho avaliado em trezentos reis............................ V300 As trezentas de Joam de mena de folha letra gótica emquadernado em duzentos e cincoenta reis....................................................................................... V250 As ordenações de Castella goticas escritas de mão de folha grande emquadernado em pergaminho avaliado em quatrosentos reis......................................... V400 Historia dos Reis de Castella escritas em pergaminho de mão e emquadernadas em pasta de folha avaliado em mil reis..................................................1V000 Grandezas de Lisboa de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em du‑ zentos e quarenta reis............................................................................. V240 [fl. 49] Destreza de las armas de carranta (?) de quarto emquadernado em per‑ gaminho avaliado em trezentos reis ........................................................ V300 As embaixadas da Persia de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis.......................................................................................... V200 Fernão Calvo de Alveitaria de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em trezentos reis..................................................................................... V300 Exame de Antiguidades de quarto emquadernado em pasta avaliado em duzen‑ tos reis................................................................................................... V200 Rellação das couzas que fizerão os padres da companhia de quarto emquaderna‑ do em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis.................................. V160 Hum livro de taboas de matemática emquadernado em pergaminho antigo ava‑ liado em duzentos reis............................................................................ V200 [fl. 49 vº] Vida de Dom Duarte de Menezes por dom Agostinho Manuel de quarto em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis......................... V150 Jornada de Africa de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis............................................................................................ V160 372

Vinola de Archetetura de folha emquadernado em pergaminho avaliado em qua‑ trosentos reis.......................................................................................... V400 As Luziadas de luís de Camoens e Rimas em dous tombos de quarto emquader‑ nados em pergaminho avaliado em trezentos reis..................................... V300 Elogio a la vida e morte delRei Felipe de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em sem reis.............................................................................. V100 Historia do padre mariana de quito emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis.......................................................................................... V200 [fl. 50] Plazo Universal de todas as sciencias e artes de quarto emquadernado em pasta douro avaliado em quatro sentos reis............................................. V400 Arte para ensinar a falar mudoz de quarto enquadernado em pergaminho ava‑ liado em duzentos reis............................................................................ V200 Vida de santa Tereza de Jesus de quarto emquadernado em pasta dourado ava‑ liado em trezentos reis............................................................................ V300 Historia de França de herrera de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em dusentos reis..................................................................................... V200 Descrição de Portugal de Duarte Nunes de Leão de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis.................................................... V200 [fl. 51 vº] Exame de pilotos de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis .................................................................................... V200 Silva de Varia Lição de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em du‑ sentos e cincoenta reis............................................................................. V250 Desempenho de património de Castella de quarto em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis............................................................................... V150 Canónica do Grão capitão de folha emquadernado em pergaminho avaliado em quatrosentos reis.................................................................................... V400 Obras de Dom Diogo de Mendonça de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em dusentos reis....................................................................... V200 Relação da origem ed sucesso dos Xarifes de quarto emquadernado em pergami‑ nho avaliado em dusentos reis................................................................. V200 [fl. 51] Dom Quixote de la mancha de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis....................................................................... V200 Epitomo de Carlos quinto de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis.......................................................................................... V200 O Lima de Diogo Bernardes de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em oitenta reis......................................................................................V0800 Nobreza de Espanha de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em du‑ sentos reis.............................................................................................. V200 Relação de dom Joam de pérsia de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis............................................................................ V160 373

Historia dos girois de castella de folha emquadernado em pergaminho avaliado em quatrosentos reis............................................................................... V400 [fl. 51 vº] Cercos de Moçambique de quarto enquadernado em pergaminho ava‑ liado em cem reis.................................................................................... V100 Historia da India de Castanheda de folha velho emquadernado em pasta avaliado em trezentos reis V300 historia de Africa segunda parte de folha enquadernado em pergaminho avaliado em tresentos reis............................................... V300 Cercos de Malaca de quarto enquadernado em pergaminho avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 Polidoro Virgilio em castelhano de quarto enquadernado em pergaminho avalia‑ do em trezentos reis................................................................................ V300 Tratado do conselho e dos conselheiros dos príncipes de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em dusentos e quarenta reis ................................... V240 [fl. 52] Duas origens da lingoa portugueza por Duarte Nunes de Leão de quarto enquadernaqdo em pergaminho avaliado em trezentos reis....................... V300 Ortographia da Lingoa portugueza por Duarte Nunes de Leão de quarto em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis......................................... V150 Historia do Grão Tamorlão de folha enquadernado em pergaminho avaliado em trezentos reis.......................................................................................... V300 Livro de montara de folha enquadernado em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Dom Joam de Austria sua historia de quarto enquadernado em pergaminho ava‑ liado em quatrosentos reis....................................................................... V400 Tratado das drogas da India por gracia dorta de quarto emquadernado em gua‑ damessim avalliado em dusentos reis....................................................... V200 [fl. 52 vº] Hipistolado de dom Antonio de Gavarra (?) de oitavo emquadernado em pergaminho digo em pasta avaliado em sento e sasenta reis................. V160 Exame de engenhos de oitavo em pergaminho avaliado em cem reis......... V100 Vida e morte do Thesoureiro mor de quarto emquadernado em pergaminho ava‑ liado em cento e vinte reis....................................................................... V120 Tratado de acimetria (sic) de quarto digo de oitavo em pasta avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 Salústio em castelhano de pergaminho de oitavo avaliado em sento e vinte reis..V120 Vida do Padre Gonçalo da silveira de quarto em pergaminho avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 A viagem de Agostinho de Roixas de oitavo em pergaminho avaliado em cento e sincoenta reis.......................................................................................... V150 [fl. 53] Vocabulario do cazo (?) de oitavo em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis............................................................................................ V160

374

Sam Joseph de oitavo em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis... V150 Policia christiana de oitavo enquadernado em pergaminho avaliado em sem reis...... V100 Relação das cousas que fizerão os padres da companhia no Japão de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis............................................... V120 Caronica de Espanha de oitavo em pergaminho avaliado em sento e vinte reis.....V120 Caronica do Infante dom Fernando no oitavo em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis....................................................................................... V150 [fl. 53 vº] Suma Gaetana de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis .V100 Declaração da doutrina christiana de oitavo em pergaminho avaliado em sento e vinte reis................................................................................................ V120 Principio do divino amor de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis .V100 Vida de mecenas de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis ........ V080 Vida de santa Iria de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis.... V120 Como hum hebreu se pode salvar de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 Seis comedias de Terensio em castelhano de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 Relação da procissão de são Carlos de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 [fl. 54] Lucano em pasta de oitavo avaliado em oitenta reis................... V080 Dittos graciozos de oitavo em pasta avaliado em sem reis........................ V100 Livro em outava de são Joseph de outavo enquadernado em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis ........................................................................ V150 Instrucion Christam em outavo enquadernado em pergaminho avaliado em cem reis........................................................................................................ V100 As trezentos de Mena de oitavo emquadernado em pasta avaliado em sento e sa‑ senta reis V160 Historia de dom Christovão da Gama de quarto em pasta avaliado em duzentos reis........................................................................................................ V200 Inquiridem dos tempos de quarto em pasta de oitavo avaliado em duzentos reis...V200 [fl. 54 vº] as Confissões de Santo Agostinho de oitavo de pasta avaliado em sento e vinte reis............................................................................................. V120 Hipistolas e Evangelhos de todo anno de outavo em pasta avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 Vida de São Jeronimo de quarto em papel avaliado em sento e vinte reis.....V120 Os feitos de gracia de Paredes de quarto em pergaminho avaliado em oito vin‑ teins....................................................................................................... V160 As guerras civens de Granada de outavo em pergaminho avaliado em sem Reis.................................................................................................. V100

375

As obras de Cicero de outavo em pergaminho avaliado em oitenta reis..... V080 Historia particular de Inglaterra de quarto em pergaminho avaliada em duzentos reis........................................................................................................ V200 [fl. 55] Virtudes de Principe Christão de quarto em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis............................................................................... V150 Contos de Tranquozo de quarto em pergaminho avaliado em oitenta reis.V080 Diana de Montemor de oitavo em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis........................................................................................................ V150 Vida de Dom João da Ribeira de quarto em pergaminho avaliado em sento e vin‑ te reis..................................................................................................... V120 Amparo de los pobres de quarto em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis........................................................................................................ V150 Lapidara Justina de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis.V120 Historia de Plinio de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis... V200 [fl. 55 vº] El Cavalheiro detriminado de quarto em pasta avaliado em duzentos reis........................................................................................................ V200 La vida del Cardenal Sisneros de quarto em pergaminho avaliado em sento e vin‑ te reis..................................................................................................... V120 A historia de Portugal de herrera de quarto em pergaminho avaliado em duzen‑ tos reis................................................................................................... V200 Elogios dos Reis de Portugal de frei Bernardo de Britto de quarto em pergaminho avaliado em quatro sentos reis................................................................ V400 Historia de dom Pedro Tenório de quarto em pergaminho avaliado em sento e sa‑ senta reis................................................................................................ V160 Naufragio de Manuel de souza de quarto em pergaminho avaliado em sento e sa‑ senta reis................................................................................................ V160 Politica de Justo Lipsio de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis...............................................................................................V200 [fl. 56] hum livro de autos portugueses de quarto em pergaminho avaliado em duzentos rs V200 Itenerario da India de frei Bernardino de quarto emquadernado em pergaminho avaliado em duzentos reis....................................................................... V200 As obras de Cornelio Tacito de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Filosophia de hum hebreo de quarto em pergaminho avaliado em dusentos reis.. V200 Compendio de disciplina militar de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis........................................................................................................ V200 Cazamento perfeito de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis... V120

376

[fl. 56 vº] Gusmão de Alfarache primeira e segunda parte de quarto em perga‑ minho avaliado em duzentos reis............................................................ V200 Nobreza de Espanha de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis.... V200 Comedia aulagrasia (?) de quarto em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis........................................................................................................ V150 Comedias portuguezas de Maxgado de quarto em pergaminho avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 Discursos vários políticos de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis....V200 Arte do computo Eclesiastico de quarto em pergaminho avaliado em oitenta reis..... V080 Gramatica franceza de outavo emquadernado em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 [fl. 57] Hum livro de varias relaçõens portuguezas de quarto em pergaminho ava‑ liado em duzentos reis ........................................................................... V200 O sitio de Lisboa de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis................. V080 Marco Aurelio de oitavo em pasta avaliado em sem reis......................... V100 Dictos delRei dom Alonso de oitavo em pasta avaliado em sem reis......... V100 Chisma de Inglaterra de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.. V080 Pe.aços de historia de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis............ V100 Tratado de peeste de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........ V080 [fl. 57 vº] MortedelRei Felipe terseiro de quarto em pergaminho avaliado em oi‑ tenta reis.................................................................................................. V80 As obras de Cabedo de oitavo em pergaminho avaliado em duzentos reis.V200 Arte da cassa daltenacia (?) de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis........................................................................................................ V120 Cerquo de Mazagão de quarto em perganminho avaliado em oitenta reis.V080 Relação de Aragão de quarto em pergaminho avaliado em oitenta reis..... V080 Historia da Ilha de sam Miguel de quarto em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis............................................................................................ V160 [fl. 58] Auricana (?) de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis....... V100 Historia do Duque de Biren de oitava em pergaminho avaliado em sem reis... V100 Cancioneiro general de oitavo em pergaminho avaliado em dusentos reis... V200 Galatea de Servantes de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis....... V100 Historia do Reino de Escocia de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis...... V080 Maravilhas de Roma de oitavo em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis................................................................................................... V160 Floresta hispanhola de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis......... V100 [fl. 58 vº] O Cisne de Apolo de outavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.....V080 Hispistolas e Evangelhos de oitavo em pasta avaliados em sem reis......... V100 Livro de Seneca de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis.................... V080

377

El Cortezano de oitavo em pasta avaliado em sem reis........................... V100 Boscão de grasilasso de oitavo em pasta avaliado em sem reis.................. V100 Guerra de Alemanha de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis...... V100 Ensenhansa de los nobles de outavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.......V080 Historia de Felipa de Cantaneza de outavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 Vida del (…) de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis............. V080 [fl. 59] Historia da morte delRei de França de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis............................................................................................ V100 Doutrina politica de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis............. V100 Las patranhas do servo de Dios Gregório Lopez de oitavo emquadernado em pergaminho avaliado em oitenta reis....................................................... V080 Carnes dolendas (?) de olitavo em pergaminho avaliado em sasenta reis.......V060 Obras de Dom Jorge Manrrique de oitavoem pergaminho avaliado em sem reis................................................................................................... V100 [fl. 59 vº] Cartas do Japão de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.....V080 Cartas do Japão de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.......... V080 El asno de ouro de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis.................... V080 A guerra de friza de oitava em pergaminho avaliado em oitenta reis........ V080 De la razón de Estado de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.V080 Comedias Villalpando de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.V080 Historia da Mamora de quarto em pergaminho avaliado em sento sasenta reis...V160 Historia dos Comentarios de dom Antonio de Mendonssa de quarto em perga‑ minho avaliado em duzentos e quarenta reis .......................................... V240 [fl. 60] Historia de Mexico de oitavo em pergaminho avaliado em sento e vinte reis........................................................................................................ V120 Elogios funerais de quarto em pergaminho avaliado em sem reis.............. V100 Caronica do príncipe dom Joam de folha em pergaminho avaliado em quatro sen‑ tos reis................................................................................................... V400 Hum livro gótico velho de folha da Historia de Castella em pergaminho avaliado em quinhentos reis ................................................................................ V500 Rimas de Antonio Gomez de outavo em pergaminho avaliado em sem reis.... V100 Panagirico funeral de quarto em pergaminho avaliado em sem reis........... V100 Carta e Catholico, digo, origem da nobreza politica de quarto em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis.............................................................. V160 [fl. 60 vº] Quatro sermoins na cruz de quarto em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis.......................................................................................... V160 Livro dos Evangelhos da Vida de Christo de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis.......................................................................................... V300

378

Hum livro de estampas varias de quarto grande em pasta dourada avaliado em quinhentos reis....................................................................................... V500 Maravilhas de Roma de outavo em pergaminho sem estampas avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 Hum livro de quarto das fortalezas da India em pasta avaliado em quatro centos reis........................................................................................................ V400 Quinta e septima Decada de Couto emquadernado em pasta de bezerro de folha avaliado em mil e duzentos reis............................................................1V200 Quarta Decada de Labanha em pasta de bezerro de folha avaliado em novesen‑ tos reis................................................................................................... V900 Quarta Decada de Coito de folha em pergaminho avaliado em quatro sentos reis........................................................................................................ V400 [fl. 61] Segunda parte dos Dialogos da Imagem da Vida Christãm por frei Hei‑ tor Pinto de oitavo em pasta avaliado em dusentos reis............................ V200 Par, digo, Privilegios das Cortes de Tomar de outavo em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis................................................................................. V160 Leis delRei Dom Sebastião de outavo em pergaminho avaliado em oitenta reis...V080 Thezoiro de pobres de folha em pergaminho avaliado em trezentos reis.... V300 Segunda Parte das Resoluçõins de santa Bertrudis de quarto em pergaminho ava‑ liado em dusentos e cincoenta reis............................................................ V250 Hum livro gótico de Brasoins de armas gótico de quarto em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis ........................................................................... V160 Marco Tulio Cicerão (sic) de outavas em pergaminho avaliado em oitenta reis...............................................................................................V080 [fl. 61 vº] Privilegios que El Rei Felipe concedeo a este Reino de oitavo em per‑ gaminho avaliado em sem reis................................................................. V100 Tarquinio el suberbio de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.. V080 Obras de grasilasso pequenino em pergaminho avaliado em oitenta reis.... V080 Romulo de Cabedo pequenino em pergaminho avaliado em outenta reis... V080 Hum livro de problemas escrito em pergaminho enquadernado em pasta de qua‑ tro avaliado em quatrosentos reis............................................................ V400 Comedia de vilaalpando (sic) pequenino em pergaminho avaliado em sasenta reis........................................................................................................ V060 Martírio de três Religiozos de sam domingos de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis ....................................................................................... V080 [fl. 62] Antiguidades de Evora de Rezende pequenino em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................ V080 Repertorio das Ordenasois neste Reino em pasta de bezerro de folha avaliado em quatro sentos reis................................................................................... V400

379

Monarchia Luzitana primeira parte de frei Bernardo de Brito de folha em per‑ gaminho avaliado em oito sentos reis....................................................... V800 Quarta parte da Monarchia lusitana de folha enquadernado em pergaminho ava‑ liado em seis sentos reis.......................................................................... V600 Hum livro de folha grande emquadernado em taboa e dourado escrito em letra de mão todo em pergaminho que contem as pazes feitas entre elRei dom Joam de castella e elRei dom Joam de portugual avaliado em mil e quinhentos reis.1V500 Hum livro velho todo escrito em pergaminho de folha letra de mão Antiga ava‑ liado em quinhentos reis......................................................................... V500 [fl. 62 vº] A historia delRei Felipe feita por Luis Cabreira de folha avaliado em oito sentos reis........................................................................................ V800 Historia da vida do Imperador Carlos quinto em dous tombos de folha grande avaliado em mil e seis sentos reis...........................................................1V600 Caronica da Religião de São Joam de Jerusalem de folha avaliado em seis sentos reis........................................................................................................ V600 Republica de Joam Godino de folha avaliado em sete sentos reis.............. V700 Quinta parte da historia pontificial de folha avaliado em seis sentos reis.. V600 Annaias de Flandes primeiro e segundo tombo de folha per Manoel Soeiro ava‑ liado em mil e quinhentos reis...............................................................1V500 Quarta parte da historia general pontifical e catholica de folha avaliado em outo sentos reis.............................................................................................. V800 [fl. 63] Segunda e terseira Decada de Joam de barros de folha avaliado em mil e duzentos reis .......................................................................................1V200 Segunda e terceira parte da historia de sam Jeronimo de folha avaliado em mil he quinhentos rei......................................................................................1V500 Caronica delRei dom Fernando de Castella de folha avaliado em seis sentos reis..... V600 Rupta peregrina de quarto avaliado em duzentosa e sincoenta reis........... V250 Obras do Conde de Villa mediana (sic) de quarto avaliado em trezentos reis......V300 Rezois do Cabido da cidade de Conque de folha avaliado em quatro sentos reis................................................................................................... V400 Ordenansas del consejo de hazienda de folha avaliado em trezentos reis... V300 Parentescos de Dom Joam Antonio de vera em folha avaliado em trezentos reis................................................................................................... V300 [fl. 63 vº] Guerras de Granada de quarto avaliado em sento e sasenta reis..... V160 Naufrágio de Jorge de Albuquerque de quarto avaliado em oitenta reis .. V080 Sumario de lo que aconteceo los annos adelãnte per mairiana (sic) de folha ava‑ liado em seis sentos reis.......................................................................... V600 Restauração da Baia de quarto avaliado em sento e vinte reis ................ V120 Razonamento panegírico de quarto avaliado em sento e sasenta reis ........ V160

380

Livros em Latim e outras lingoas com estampas. Theatrum orbis terrarum enquadernado em pasta dourado de marquilha avalia‑ do em seis mil reis................................................................................6V000 [fl. 64] Instrussão para insinar cavallos e Regras de cavallaria del Rei de França com estampas de folha em pergaminho avaliado em oito sentos reis.......... V800 Sinco tomos das idades do mundo de folha enquadernados em pasta negra doura‑ dos avaliados em doze mil reis............................................................12V000 Historia dos Pontifices de platina de quarto em pasta dourado avaliado em mil reis......................................................................................................1V000 Hum livro de como se instituio a cavalaria do Tusão que contem os brasois de França todo em pergaminho resprensasdo cõ luminasõis emquadernado em pasta dourado avaliado em três mil reis digo sinco mil reis..............................5V000 Hum livro grande escrito em pergaminho que contem o Estado do Brazil com ta‑ boas e iluminasõis de pergaminho emquadernado em pasta dourada avaliado em seis mil reis..........................................................................................6V000 [fl. 64 vº] Hum livro defolha grande que contem Arvores das geraçois dos prín‑ cipes do mundo enquadernado em perganminho avaliado em miI reis.....1V000 As obras de Tito Livio enquadernados em pasta de folha avaliado em outosentos reis........................................................................................................ V800 Plutarco paralellos vida dos varõis illustres de folha em pasta dourada avaliado em mil e duzentos reis..........................................................................1V200 A historia da sagrada religião de Sam Joam geronimitano em folha de pergami‑ nho avaliado em quatro sentos reis.......................................................... V400 Historia laimani (sic) de folha enquadernado em pasta douradao avaliado em oito sentos reis.............................................................................................. V800 Bibliotheca de folha enquadernada em pasta de folha de genere avaliada em mil reis......................................................................................................1V000 [fl. 65] Juvenal e pesero (sic) comentados de folha em pasta avaliado em oito sen‑ tos reis................................................................................................... V800 As obras de Maerino Italiano de folha enquadernado em pergaminho avaliado em mil reis...........................................................................................1V000 Christofare clavi da companhia de Jesus de folha em pergaminho avaliado em oi‑ tosentos reis............................................................................................ V800 Paulo himilio terra dos Reis de fransa de folha em pasta dourado avaliadoem mil reis......................................................................................................1V000 A Blibia (sic) em espanhol de quarto grande em pasta avaliado em seis sentos reis........................................................................................................ V600 Plutartco apotemas de folha em quadernado em pasta avaliado em oito sentos reis........................................................................................................ V800

381

O vocabulário de Antonio dembuza (sic) de folha em pasta avaliado em oitosen‑ tos reis V800 [fl. 65 vº] A hesphera de Joanisaero Bosco de folha em pergaminho avaliado em seis sentos reis................................................................................... V600 Cornelio Tacito de folha emquadernado em pasta dourado avaliado em mil reis................................................................................................... V000 Euclidis Taboas matamaticas de folha em pergaminho avaliado em oitosentos reis........................................................................................................ V800 Juvenal os sátiros comentados de folha em pergaminho avaliado em seissentos reis........................................................................................................ V600 Archimedes seracusani plhilosofi de folha em pasta avaliado em seis sentos reis...V600 As emprezas de Rutilio em folha de pasta avaliado em oitosentos reis..... V800 Valerio Marino dos feitos dos Romanos de folha em pasta avaliado em novesen‑ tos reis V900 Josepho de antiquitatibus de folha em pasta avaliado em oitosentos reis.... V800 [fl. 66] Soares de legibus de folha emquadernado em pasta negra avaliado em ou‑ tosentos reis............................................................................................ V800 Annais de França de avelardo Rei dano de folha em perganminho avaliado em oito sentos reis........................................................................................ V800 Christovão clavi de matamatica de folha em pergaminho avaliado em oito sentos reis V800 Christovão clavi de matamatica de folha em pergaminho avaliado em oito sentos reis V800 Christovão clavi de matamatica de folha em pergaminho avaliado em oito sentos reis V800 Christovão clavi de matamatica de folha em pergaminho avaliado em oito sentos reis V800 Relação universal de Europa e de Botero de quarto em pergaminho avaliado em quatrosentos reis.................................................................................... V400 [fl. 66 vº] Vida dos Emperadores de estrada de folha em pasta avaliado em oito sentos reis.............................................................................................. V800 Academia franceza de quarto em pasta dourada avaliado em quatrosentos reis...V400 As obras de estacio poeta em dous tomos de quarto em pergaminho avaliados em seis sentos reis........................................................................................ V600 Reizende de Antiguidade de folha em pasta avaliado em quatro sentos reis.... V400 Historia e principi Roderigici de folha em pasta avaliado em quinhentos reis.......V500 Catalogo dos livros prohibidos de folha em pasta dourada avaliado em mil e du‑ zentos reis............................................................................................1V200 Eclogas comentadas de folha em pasta dourada avaliado em oitosentos reis..... V800

382

Família Napolitana de folha em pasta dourada avaliado em novesentos reis... V900 [fl. 67] Calopino de sete lingoas de folha em pasta dourada avaliado em mil e duzentos reis........................................................................................1V200 As Epistolas de Plinio de quarto em pasta avaliado em quatrosentos reis.V400 As obras de Senica de folha grande em pasta avaliado em quinhentos reis.V500 Aliansas delRei de França de folha com as armas enquadernado em pasta ava‑ liado em seis sentos reis.......................................................................... V600 Biblia latina de folha em pergaminho avaliado em quatro sentos reis....... V400 Bulla de Breves Apostolicos de folha em pergaminho avaliado em oito sentos reis........................................................................................................ V800 Casanen catalogo gloria mundi de folha em pasta avaliado em oitosentos reis.......V800 [fl. 67 vº] Historia de Milão Italianno de quarto em pergaminho avaliado em trezentos rs.V300 Todas as obras dos poetas Latinos hum tombo de quarto em pergaminho digo dous tomos avaliado em seiscentos reis..................................................... V600 Historia do Reino de Napoles Italiano de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis.......................................................................................... V200 Historia da guerra de Jerosalem em taliano (sic) de quarto em pasta avaliado em trezentos reis.......................................................................................... V300 As obras do divino poeta Dante de quarto em pergaminho avaliado em dusentos e cincoenta reis....................................................................................... V250 Historia de Italia de Ricardino de quarto em pergaminho avaliado em duzentos e sincoenta reis....................................................................................... V250 As obras de trachganhota (sic) historia universal do mundo em sinco tomos de quarto em pergaminho avaliado em dous mil reis................................. 2V000 Origem da família de Italia de quarto em pergaminho avaliado em quatrosentos reis........................................................................................................ V400 [fl. 68] Historia de largintina (sic) Italiano de quarto em pergaminho avaliado em dusentos reis..................................................................................... V200 Repertorio Monti Alvi de folha em pergaminho velho avaliado em duzentos reis..... V200 Hum livro escrito em letra de mão das couzas que se fizerão no Consilio em Ita‑ liano de folhas em pergaminho avaliado em quinhentos reis .................... V500 Historias de Idacio de Sandoval de folha em pergaminho dos Arcebispos de Es‑ panha em espa nhol avaliado em seis sentos reis..................................... V600 Nautica mediterraniae de gome (sic) di terrania de folha em pasta de bezerro ava‑ liado em seis sentos reis.......................................................................... V600 Historia dos pontífices de platina da vida dos pontífices de quarto em pergaminho italiano avaliado em seis sentos reis ....................................................... V600 Salustio Comentado de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis.V300

383

[fl. 68 vº] Coroa dos Princepeschristãos de folha em pergaminho avaliado em qui‑ nhentos reis ........................................................................................... V500 Fabrica do mundo em Jtaliano de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Atlas minor de pasta de bezerro avaliado em mil e duzentos reis..........1V200 Caronica de olanda de olandorum de quarto em pergaminho avaliado em trezen‑ tos reis V300 Relacion universal de Botero de quarto em pergaminho avaliado em quatro sen‑ tos reis V400 Deodoro Siculo historia grega de folha em pasta avaliado em setesentos reis..... V700 Vida e Costumes dos turcos de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Tito Petronis sátiras de quarto em pasta dourada avaliada em quatro sentos reis........................................................................................................ V400 [fl. 69] Sacra Coronologia del serviso samerio (?) de folha em pergaminho ava‑ liado em seis sentos reis.......................................................................... V600 Magino de mata matria de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis.....V300 Vida del Rei Felipe tres tomos, digo, quatro tomos da vida delRei Felipe em Ita‑ liano de quarto feito por Agostinho de campana em pasta avaliado em mil e qui‑ nhentos reis..........................................................................................1V500 Historia de Portugal em italiano de quarto em pasta avaliado em quatro sentos reis........................................................................................................ V400 Tractatu de mariar de mão em quarto de peregaminho avaliado em duzentos reis........................................................................................................ V200 As obras de Izidori clari Italiano em dous volumes de quarto de pasta avaliado em quinhentos reis.................................................................................. V500 As obras de Petrarcha de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis...... V300 [fl. 69 vº] Vetruvio De Architetura de quarto em pergaminho, avaliado em du‑ zentos reis.............................................................................................. V200 Os sermõins de frei Felipe dias de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis V120 Veselium Italiano dos traios antigos de quarto em pergaminho avaliado em sento e vinte reis.............................................................................................. V120 As Epistolas de Sãoto Elisio de outavo em pergaminho avaliado em sem reis.... V100 Arte hebraica e grega de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis..... V200 Cantos de princepes Italianos de quarto em pasta avaliado em sento e sasenta reis........................................................................................................ V160

384

As Novelas de Bocasio em Italiano de quarto em pergaminho avaliado em du‑ zentos reis V200 Aureis gelide pasta e quarto avaliado em duzentos reis........................... V200 Justo Lipsio emp (?) de theatro de quarto em pasta avaliado em trezentos reis...............................................................................................V300 [fl. 70] Suma de visios e virtudes de oitavo em pergaminho avaliado em sento e sincoenta reis.......................................................................................... V150 Carta de princepes em Italiano de quarto em pergaminho tomo segundo avaliado em duzentos reis..................................................................................... V200 Relação universal de botero de quarto em pergaminho tomo segundo avaliado em duzentos reis.......................................................................................... V200 Secretos de Jacobo bazitis (sic) de oitavo em pasta com falta de folhas rotas ava‑ liado em sincoenta reis............................................................................ V050 Método gramatical para todas as lingoas em Italiano de quarto em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis.............................................................. V160 Corolog., digo, cronologia de sumos pontífices em Italiano de quarto em pergami‑ nho avaliado em duzentos reis................................................................ V200 Nicolau zanderi de oitavo em pasta avaliado em sento e vinte reis .......... V120 [fl. 70 vº] Epistolas apostólicas digo Epistolas Apostolicas de Erasmo Retarda‑ no (sic) de oitavo de quarto avaliado em sasenta reis................................. V60 Rimas de gavino de outavo pequenino em pergaminho avaliado em sesenta reis.. V60 Arcadia de sanazaro (sic) de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis.V100 Hum livro de Retratos de varõis Ilustres de quarto em pergaminho avaliado em quatrosentos reis.................................................................................... V400 Companhia de la lisina de outavo em pergaminho avaliado em outenta reis.... V080 Bodino Italiano de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis....... V200 Fenestrela de magistratibusvirtana (?) de pasta avaliado em sem reis....... V100 Hum livro de Retratos dos homes ilustres do mundo de quarto em perganminho avaliado em quatrosentos reis................................................................. V400 [fl. 71] Virgilio de oitavo em pergaminho avaliado em sasenta reis......... V060 Sam Francisco bersensi de outavo em pergaminho avaliado em sasenta reis.V060 Tratado de Jejum de quarto em pergaminho avaliado em oitenta reis....... V080 Polidoro de Virgilio do pró, digo, de outavo em pergaminho avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 Antonio faquilino de quarto em pasta avaliado em sento e sasenta reis.... V160 Joam botero Italiano dos princepes de Genova de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................ V080 Suetonio tranquilio de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis............... V080

385

Trocato Tasso em Italiano de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis......V080 [fl. 71 vº] os Retratos dos Emperadores Romanos em oitavo em pergaminho ava‑ liado em duzentos reis............................................................................ V200 Antonio posivini de oitavo de pasta avaliado em duzentos reis................ V200 Os Retratos dos pontífices Romanos de oitavo em pasta avaliados em duzentos reis...V200 A vida de Fernando de Avila italiano de quar, digo, oitavo em pergaminho ava‑ liado em oitenta reis............................................................................... V080 As obras de Oividio de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis............. V080 Botero de couzas memoráveis Italiano em oitavo peregaminho avaliado em sem reis........................................................................................................ V100 Comentario de Antonio gomez de folha em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Index dos livros prohibidos antigos de quarto em pergaminho avaliados em sasen‑ ta reis.................................................................................................... V060 [fl. 72] Arismetica de Cardano de folha em pergaminho avaliado em quatrocen‑ tos reis................................................................................................... V400 Duarte Nunes de Leão em latim de Regnum Portugaliae de quarto em pergami‑ nho avaliado em duzentos reis................................................................ V200 Imagem dos varoins ilustres de quarto em pergaminho avaliado em trezentos reis........................................................................................................ V300 Paridis clasi de serimonia cardinalis de quarto em pergaminho avaliado em du‑ zentos reis.............................................................................................. V200 Sete jornadas do Mundo trocato tasso de oitavo de pasta avaliado em sento e se‑ senta reis................................................................................................ V160 Historia de Polibii de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis...... V080 Merlincoray de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis................ V080 [fl. 72 vº] El Cortezano de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis.. V100 Miraculum E maravilhozo effeito de oitavo em perganminho avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 Xenophonte de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis..................... V100 as Rimas de Marino de oitavo que sam três em pergaminho avaliado em trezen‑ tos reis................................................................................................... V300 aphiani alexandri de oitavo em pasta avaliado em sento e sasenta reis..... V160 sumas de virtudes e vicio de oitavo em pasta avaliado em sento e sasenta reis........V160 Epistolas de Plinio de outavo em pasta avaliado em sem reis................... V100 Tragano bozalino del monte parnasso de outavo em pergaminho avaliado em sem reis V100 [fl. 73] Maravilhas de Roma de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis......V100 Pastor fido de garino pequenino em pergaminho avaliado em oitenta reis......V080

386

Rimas de torquato tassa pequeno em pergaminho avaliado em sasenta reis..... V060 Gramatica de Reboredo de oitavo em pergaminho avaliado em sasenta reis..... V060 Retorica de cripiano de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis..... V080 Petrarcha triumphos da furtuna de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis......V100 Thezaurus puenlis (sic) de oitavo em past avaliado em sento e vinte reis... V120 [fl. 73 vº] La pasces capasia (?) Italiano de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis............................................................................................. V080 Vida de Santa Izabel Rainha de Portugal em Italiano de oitavo em pergaminho avaliado em quarenta reis...................................................................... V040 Simoni deropeo de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........... V080 Claudianus de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis.......................... V080 Erasmo retardano in Evangelis de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis.. V080 Silis Italiei de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis........................... V080 Alberto magino de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........... V080 Phalai phati de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis......................... V080 [fl. 74] Hum livro de segredos de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis..... V080 Aucrogevico (sic) noites aticas de oitavo em pergaminho avaliado em sem reis......V100 Orlando Furioso de quarto em pergaminho avaliado em duzentos reis..... V200 Catulus Tiberus de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis................... V080 Galateo Italiano pequenino em pergaminho avaliado em sasenta reis....... V060 Jerozalem liberata de trocato tasso pequenino em pasta avaliado em sem reis.......V100 Michaelis ritis de oitavo em pasta avaliado em oitenta reis...................... V080 Bipartitum morali philosophi de quarto em pergaminho avaliado em sento e sa‑ senta reis................................................................................................ V160 [fl. 74 vº] Index dos livros da theologia philosophia de quarto em pergaminho avaliado em sento e sasenta reis ............................................................. V160 Montavanum de quarto em pergaminho avaliado em sem reis.................. V100 Historia da sagraqda Religião de samto jeronimitano de folha em pergaminho avaliado em oitosentos reis...................................................................... V800 Hum livro de mão da liberdade de Veneza de folha em pergaminho avaliado em quinhentos reis....................................................................................... V500 Concilio celebrado em Toledo escrito de mão de folha em pasta avaliado em qui‑ nhentos reis............................................................................................ V500 Theatrum orbis terrarum emquadernado em pasta dourado avaliado em seis mil reis 6V000 Humas Oras de Nossa Senhora escritas em pergaminho de mão iluminadas enquader‑ nadas em veludo azul guarnesido de prata avaliados em quatro mil reis............4V000 [fl. 75] Hum livro escrito em pergaminho de mão de oitavo emquadernado em veludo carmezim avaliado em oitosentos reis............................................ V800

387

Hum Breviairio em dous tomos de folha escritos de mão em pergaminho enqua‑ dernados em pasta enluminados, avaliados em seis mil reis....................6V000 Hum livro antigo escrito em pergaminho que trata del rei dom Joam da guerra de Seita de quarto em pasta avaliado em mil reis......................................1V000 Livros em papel. Historia general dos Reis de França de folha escritos per Gerardo seniúr (sic) ava‑ liado em oito sentos reis.......................................................................... V800 Annaes sagrados e profanos de Torneelo em dous tomos de folha avaliados em mil e oitosentos reis.....................................................................................1V800 [fl. 75 vº] Historia das vida dos pontifices per Vitoreo de folha grande avaliado em mil e seiscentos reis..........................................................................1V600 Hum livro del exercicio de cavalaria em Italiano de folha avaliado em quinhentos reis........................................................................................................ V500 Poleanteas (?) em tres tomos de folha grandes avaliado em dous mil e quatrosen‑ tos reis.................................................................................................2V400 Os Annais de Saleano em sete digo em seis volumes de folha grande avaliados em quatro mil reis.....................................................................................4V000 As obras de Virgilio Comentadas por Laserda em três volumes de folha grandes avaliados em dous mil e quatro sentos reis ...........................................2V400 As obras de Trajano bozalino de quarto avaliado em duzentos reis......... V200 Joannis blacai argenis de oitavo avaliado em oitenta reis.......................... V080 [fl. 76] Hora susessiva de quarto avaliado em dozentos reis.................... V200 As Republicas do Mundo em vinte e nove volumes pequenos de oitavo avaliados em dois mil reis....................................................................................2V000 Visente da Costa de Matos de quarto contra judeus em pergaminho avaliado em duzentos reis.......................................................................................... V200 Sentensas do Conde do Vimiozo de oitavo em pergaminho avaliado em oitenta reis........................................................................................................ V080 A.H.F.C.B., Inventario que se fez de todos os bens que ficarão per falesimento do senhor Conde de Basto dom Lourenso pires de Castro que faleseo em Catalunha no lugar de fraga sem descen‑ dentes deixando por sua universal herdeira a senhora Condessa de Basto Dona Violante de Len‑ castre sua molher.

DOCUMENTO Nº 57. Início do século xviii. Referência a uma relíquia de São Bruno ofertada a D. Teotónio de Bragança pelo Grão Prior da Cartuxa e por si dada ao mosteiro da Cartuxa de Évora. No anno de mil e seis centos e vinte e oito em que houve hum notavel eclypse na Lua adoeceu o Senhor Dom Theodosio segundo deste nome e sexto duque de Bragança de huma infermidade tão grave e perigosa que a todos dava poucas esperanças de 388

melhora, principalmente aos médicos que por desconfiarem da doença não permi‑ tão que pessoa alguma entrasse a falar lhe. Era neste tempo prior da Cartuxa de Évora o Padre Dom Antonio Coelho, o qual tendo noticia do evidente perigo em que se achava aquelle principe partio Logo para Villa Viçoza acompanhado do Padre Dom Alvaro da Fonseca, procurador do mesmo convento, Levando consigo a inestimável relíquia do nosso Padre S. Bruno, que aqui se conserva dentro de hum meio corpo de prata, para que o dito Senhor a adorasse em memoria do que daquela sagrada relíquia era prenda que o Padre Geral da Grã Cartuxa tinha mandado ao Illustrissimo Senhor Dom Theotonio de Bragança seu muito preza‑ do thio, e Fundador deste Real Convento. Chegados pois os ditos Padres a Villa Viçoza forão admitidos a entrar na Ca‑ mera donde o dito Senhor estava doente, o qual para os receber se compoz na cama com grande decencia, e o padre prior lhe mostrou a santa relíquia com toda a ve‑ neração e rezando com seu companheiro preces com a antífona e oração do santo Patriacha, lha deu a beijar estando presentes o Senhor Dom Eduardo e Dom Alexandre seus filhos, os quais com os joelhos em terra tinhão duas tochas acesas nas mãos. Depois que o infermo bejou e adorou a sagrada relíquia dice a seus fi‑ lhos que elle confiava muito em Deos que lhe havia dar saúde, porquanto mereceu ser visitado na sua infermidade por aquele santo. Retirou se o Padre prior Logo para fora da camera, receando que o dito Senhor quisesse deixar em seu poder a sagrada relíquia conforme ele tinha entendido. E foi Deos servido que no mesmo instante se começarão a ver as melhoras tão evidentes, que na mesma noite acha‑ vão os médicos ao infermo Livre da febre, por cuja causa em breve tempo se vio restituido à sua perfeita saúde. Quis o Santo Patriarcha nesta ocasião agradecer à Serenissima casa de Bragan‑ ça os favores que a sagrada Religião Cartusiense lhe devia, pois se o Illustrissimo Senhor Dom Theotonio de Bragança se dignou honrar a Religião introduzindo os filhos de S. Bruno neste Reyno, razão era que S. Bruno obrasse o prodígio de dar saúde ao sobrinho do mesmo Senhor fundador desta casa, a cujo Real sangue esta prometida a coroa deste Reyno. Permitio o Senhor se guardar na sucessão da mes‑ ma sereníssima casa os felizes auspícios de dilatados impérios para que o domínio Lusitano possa arvorar o estandarte da santissima cruz entre as gentes que igno‑ rão o verdadeiro caminho da vida, e as mesmas gentes conheção que não ha outro Deos senão aquelle que a nação portuguesa devia dar a conhecer em todo o mundo. A.N.T.T., Manuscritos da Livraria, n.º 878 (Prado Cartusiano, em que se mostrão varias Flores, e Plantas que tem florescido na Sagrada Religião da Cartuxa, & donde se podem colher grandes frutos para aproveirtamento dos amadores da Virtude), Cap. 36, fl. 279.

389

Notas 543 A medida usada na avaliação das tapeçaria foi a «ana» castelhana («aulna»), que segundo a Dra Manuela Santana correspondia a cerca de 65 ou 66 cm. Segundo María Teresa Cruz Yábar, La Tapicería en Madrid (1570­­‑1640), Madrid, Instituto de Estudios Madrileños, 1996, pp. 65­­‑85, a «aulna flamenga» correspondia a 66 cm e era utilizada nas inventariações por ser considerada mais rigorosa que o «palmo» (20,9 cm) ou a «vara castelhana» (83,5 cm). Os inventariantes das colecções eborenses também utlizavam essa medida. 544 O manuscrito, de 928 fls., com 31 cm.­­‑E., encadernado de carneira singela, bem legível e em bom estado, constituiu o Lote 386 do Leilão nº 53 de Pedro d’Azevedo Lda, em Maio de 2008. 545 Este manuscrito contém outras despesas posteriores ao triénio de 1587­­‑1589 e que se estendem até ao ano de 1599. DOC. Nº 10. 546 Contam, apensos, vários recibos do artista lisboeta: de 30 de Janeiro de 1605, respeitante a 25.800 rs, em que assina também Diogo de Leão, dourador, seu adjunto, morador em Lisboa (fl. 66); em 14 de Fevereiro, respeitante a 20.000 rs, onde é chamado «pintor de tempera» (fl. 68); em 17 de Abril, respeitante a 20.000 rs (fl. 72); em 2 de Junho, relativo a 50.000 rs (fl. 72); em 11 de Novembro, relativo à despesa com o batefolha e à venda de um escravo, e a mais 11.000 rs da obra do retábulo (fl. 73); a 17 de Julho, relativo a 4.000 rs (fl. 75); e a 13 de Janeiro de 1606, relativo aos derradeiros 13.000 rs pagos a Manuel Francisco (fl. 76). 547 Apensa­­‑se a fls. 33­­‑88 deste livro de avulsos o contrato que a 8 de Junho de 1590 fizeram Diogo Nobre, mestre carpinteiro de marcenaria, e João Fernandes, carpinteiro, moradores em Évora, para fazerem a obra do cadeiral da capela­­‑mor da igreja do Carmo, por 64.000 rs em início de pago. Há vários recibos da obra (p. ex., de 16.000 rs a 7 de Julho de 1590, fl. 87). 548 Rasura na margem inferior do documento. 549 Palavra de difícil leitura. 550 Rasura na margem inferior do documento. 551 Rasura na margem inferior do documento. 552 Rasura na margem inferior do documento. 553 Palavra de difícil leitura. 554 Este precioso documento (rascunho rasurado para uma memória), que julgamos ter sido redigida pelo antigo capelão de D. Teotónio, Padre Nicolau Agostinho, pertenceu ao Chantre Manuel Severim de Faria e data do início do governo arquiepiscopal de D. José de Melo (1611­­‑1633). 555 Arquivo Distrital de Évora, Livro de emprestimo do dinheiro que se gastou na entrada de Sua Magestade nesta cidade anno de 1619 (Câmara, Lº 7655, cx. 1), fls. 24 a 38. A 6 de Maio, o Senado deu a Custódio da Costa a pintura a fresco do Arco da Porta da Alagoa, para a entrada real de Filipe III, colaborando na decoração (que demorou nove dias a pintar) Diogo Vogado, Bartolomeu Sánchez e Manuel Fernandes II. A 6 de Maio, Custódio da Costa recebeu 10.000 rs e, a 15 de Maio, 6.000 rs.

390

556 Sobre o Oratório, existe uma descrição de 1591 (A.D.E., Fundo Manizola, Cód. 61, Visitação dos Oratorios de Évora, fls. 50 e vº), onde se refere a presença de «hum re‑ tavollo da invocassam de Jhesus em hum painel com huma moldura a roda de bordo» (provavelmente um Calvário), e uma série de frontais de cetim de damasco (cf. Antónia Fialho Conde, Arquitectura(s) no Paço dos Condes de Basto, confª na Fundação Eugénio de Almeida, Fevereiro de 2013).

391

BIBLIOGR A FI A Abreu, Laurinda, «O Arcebispo D. Teotónio de Bragança e a reestruturação do sistema assistencial da Évora Moderna», in Igreja, Caridade e Assistência na Península Ibérica (sécs. XVI­­‑XVIII), Lisboa, Colibri, 2004, pp. 155­­‑165. Abreu, Laurinda, «Defining the poor: between crown policies and local actors (Évora, XVI­­‑XVIIth centuries)», in Patrice Bourdelais e John Chircop (eds.), Vulnerability, Social Inequality and Health, Lisboa, ed. Colibri, 1991, pp. 77­­‑91. Abreu, Laurinda, O Poder e os Pobres. As dinâmicas políticas e sociais da pobreza e da assistência em Portugal (séculos XVI­­‑XVIII), Lisboa, Gradiva, 2014. Abreu, Laurinda e Pardal, Rute, A Memória História do Convento da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeliatravés da sua documentação, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2011. Abreu, Susana Matos, «André de Resende, um novo Alberti ? Um ideólogo entre o “princeps” e o “architectus”, na recuperação da “Vrbs” romana de Évora (1531­­‑1537)», Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contem‑ porâneas, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2010, pp. 223­­‑230. Afonso, José Ferrão, ‘As imagens têm que saltar’. A Igrejas e o Por‑ to no século XVI (1498­­‑1606). Um estudo de História Urbana, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2013. Afonso, Luís Urbano, A Pintura Mural Portuguesa entre o Gótico In‑ ternacional e o fim do Renascimento: formas, significados, funções, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Lisboa, 2 vols., 2009. Agostinho, Nicolau, Relaçam Summaria da Vida do illustrissimo, et Reverendissimo Senhor Dom Theotonio de Bragãça, Quatro Arce‑ bispoo de Évora, Off. Francisco Simões, Évora, 1614. Aires do Nascimento, A., «A livraria de D. Teodósio I, Duque de Bragança», Actas do Congresso de História. Évora, IV Centenário do Seminário de Évora, 1994, pp. 209­­‑220. 392

Alarcão, Teresa, e Seabra, José Alberto, Imagens em Paramentos Bordados. Séculos XIV a XVI, Lisboa, Instituto Português dos Museus, 1993. Alberto, Paulo Farmhouse, Santo Adrião, Santa Natália e São Man‑ ços, Lisboa, oitavo volume da coleção «Santos e Milagres da Idade Média em Portugal», Edição Traduvárius, 2014. Albuquerque, Luís de, «Notícia de dois manuscritos portugueses saobre o Rádio Latino de Orsini», As Navegações e a sua projecção na Ciência e na Cultura, Lisba, Gradiva, 1987, pp. 163­­‑180. Arruda,Luísa d’Orey Capucho e Coelho, Teresa Campos, Conven‑ to de S. Paulo de Serra de Ossa, Lisboa, Edições Inapa, 2004. Azevedo, D. Carlos Moreira, «O Arcebispo de Évora D. Teotónio de Bragança, fundador da Cartuxa», Boletim de Traba‑ lhos Históricos, 73, 1982, pp. 356­­‑365. Azevedo, Padre Martim Cardoso de, Historia das Antiguidades da Cidade de Evora, 1736 (ed. Évora, 1793). Barata, António F. Barata, Breve mermória históricas sobre a fundação e existência até ao presente da Cartuxa de Evora, Évora, 1888. Barata, António Francisco, Evora Antiga. Noticias colhidas com afa‑ nosa diligencia, Évora, 1909. Barbeito, José Manuel, El Alcázar de Madrid, Colegio Oficial de Arquitectos de Madrid, 1992. Barreto, Luís Filipe, Descobrimentos e Renascimento: formas de ser e pensar nos séculos XV e XVI,  Lisboa, Imprensa Nacional­­ ‑Casa da Moeda, 1983. Bailey, Gauvin Alexander, e O’Malley, John, The Jesuits and the Arts, 1540­­‑1773, Philadelphia, St. Joseph’s University Press, 2005. Bilou, Francisco, A refundação do Aqueduto da Água da Prata em Évora, 1530­­‑1537, Lisboa, Colibri, 2010. Bilou, Francisco, A Igreja de São Francisco e o Paço Real de Évora. A obra e os protagonistas 500 anos depois, Lisboa, Edições Colibri, 2014. Bilou, Francisco, A Fundação da Cartuxa de Évora e os Priorados de Dom Luís Telmo e Dom João Bellot (1587­­‑1593) (no prelo). 393

Boiça, Joaquim, e Barros, Maria de Fátima, O Forte e Farol do Bu‑ gio, Oeiras, Fundação Marquês de Pombal, 2006. Borges, Augusto Moutinho, Reais Hospitais Militares em Portugal (1640­­‑1834), Coimbra, Imprensa da Universidade, 2009. Botto, Margarida, Elementos para o Estudo da Pintura Mural em Évora durante o período moderno. Evolução, Técnicas e Problemas de Con‑ servação, tese de Mestrado, Universidade de Évora, 1998. Bouza Álvares, Fernando, Portugal no Tempo dos Filipes. Política, Cultura, Representações (1580­­‑1668), Lisboa, Edições Cosmos, 2000. Branco, Manuel Joaquim, «Renascimento, Maneirismo e ‘Estilo Chão’ em Évora», in Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Descobrimentos em Évo‑ ra (1516­­‑1624), comiss. por Fernando António Baptista Pereira, Évora, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp. 219­­‑247. Brigola, João Carlos, Colecções, Gabinetes e Museus em Portugal no Sé‑ culo XVIII, Lisboa, Fundação Calouste Glbenkian, 2003. Bustamante, Agustín e Marías, Fernando, «Francisco de Mora y la Arquitectura Portuguesa», in Actas do II Simpósio Luso­­‑Espanhol de História da Arte As Relações Artísticas entre Portugal e Espanha na Época dos Descobrimentos, coord. de Pedro Dias, Coimbra, ed. Minerva, 1987, pp. 277­­‑318. Bustamante, Agustín e Marías, Fernando, «Álbum de Fra Giovanni Vincenzo Casale», Dibujos de Arquitectura y Ornamen‑ tacion de la Biblioteca Nacional. Siglos XVI y XVII, Madrid, Ministerio de Cultura, 1991. Cabeças, Mário, «Obras e remodelações na Sé Catedral de Elvas (1599­­‑1637)». Artis ­­‑ Revista do Instituto de História da Arte, 3, 2004, pp. 239­­‑265. Cadornega, António de Oliveira de (autor) (1683), Heitor Gomes Teixeira (introd.), Descrição de Vila Viçosa, Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1982. Caeiro, Elsa, Convento da Cartuxa de Santa Maria da Scala Coeli: Construção, Reconstrução e Manutenção de um Espaço Monástico, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2009­­‑2010. 394

Caetano, Joaquim Inácio, O Marão e as oficinas de pintura mural nos séculos XV e XVI, ed. Aparição, Lisboa, 2001. Caetano, Joaquim Inácio, «Revestimentos de imitação da pedra em Évora ou o gosto pela arquitectura erudita», Monumen‑ tos, nº 26, 2007, pp. 175­­‑179. Caetano, Joaquim de Oliveira, «Os Frescos do Oratório de D. Catarina no Paço Ducal de Vila Viçosa». Voga – Decora‑ ção, 1991, pp. 38­­‑51. Caetano, Joaquim Oliveira, e Seabra Carvalho, José Alberto, «He nobreza as cidades haverem em ellas boas casas. A propósito de dois palácios eborenses», Monumentos, 6, 2004, pp. 58­­‑69. Calí, Maria, Da Michelangelo all’Escorial. Momenti del dibatto religioso nell’arte del Cinquecento, Turim, Einaudi, 1980 Cantera, Maria José Redondo, e Vítor Serrão (coord.), O Largo Tempo do Século XVI. Lisboa: Actas do Simpósio Internacional de História de Arte, Caleidoscópio, 2004. Cantino, Gisella, Strinati, Claudio, Spezzabero, Luigi, Fulco, Giorgio, Roma Nell’anno 1600, in Richerche di Storia Dell’Arte,10, 1980. Cardoso, João Luís, «O Professor Mendes Corrêa e a Arqueologia portuguesa», Anais da Academia Portuguesa da História, Série III, nº 2, 2010, pp. 229­­‑297. Cardoso, Pe Jorge, Agiológio Lusitano, vol. I, Lisboa, 1652. Carita, Rui, O Colégio dos Jesuítas do Funchal, Funchal, Governo Regional da Madeira, 1987. Carvalho, Rui Galopim de, «Esplendor e pedrarias», in cat. O Santo Lenho da Sé de Évora. Arte, Esplendor e Devoção, coord. de Artur Goulart, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2006. Casella, Gabriela Maria, O Senso e o Signo. A relação com as préexis‑ tências românicas (1564­­‑1700). Contributos para uma História do Restauro Arquitectónico em Portugal, tese doutoral, 4 vols., Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2004. Cassy, Cécile­­‑Vincent, Les Saintes Vierges et Martyres dans l’Espagne du XVIIème siècle. Culte et Image, Madrid, Casa de Velázquez, 2011. Castelo­­‑Branco, Fernando, «Subsídios para a história do palácio de Vila Viçosa», Belas­­‑Artes, nº 31, 2ªsérie, 1977, pp. 71­­‑76. 395

Castillo Maldonado, Pedro, Los Mártires Hispanorromanos y sus Cultos en la Hispania de la Antigüedad Tardía, Granada, Universidad, 1999. Catón, María Fernández, San Mancio: culto, leyenda e reliquias. En‑ sayo de crítica hagiográfica («Fuentes y Estudios de Historia Leonesa», 30), León, 1983. Ceballos, Alfonso Rodríguez G. de, La arquitectura de los jesuitas, Madrid, Edilupa, 2002. Ceballos, Alfonso Rodríguez G. de, La arquitectura religiosa y sus cambios tras el Concilio de Trento, in El arte del Renacimiento en el territorio burgalés (coord. de Emilio Jesús Rodríguez Pajares, María Isabel Bringas López. Burgos), 2008. Chueca Goitia, Fernando, Arquitectura del siglo XVI, Madrid: Ed. Plus Ultra, vol. XI de Ars Hispaniae, 1953. Checa, Carmen García­­‑Frías, Gaspar Becerra y las pinturas de la Torre de la Reina en el Palacio de El Pardo, Madrid: Patrimonio Nacional, 2005. Chueca Goitia, Fernando, «El estilo herreriano yu la arquitectu‑ ra portuguesa», El Escorial 1563­­‑1963, Madrid, IV Centenario, 1963. Coelho, António Borges, A Inquisição em Évora (1533­­‑1668), 2 vols., Lisboa, Editorial Caminho, 1987 (reimpressão, 1992). Coelho, Teresa Campos, Os Nunes Tinoco, uma dinastia de arquitec‑ tos régios dos séculos XVII e XVIII, tese de Doutoramento, dirigida por Rafael Moreira, Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2014. Conde, Antónia Fialho, Modelos de apoio às mulheres no período mo‑ derno: a acção do Cardeal­­‑Infante D. Henrique, Universidade de Évora, 2005. Cordeiro, Filipa Raposo e Serrão, Vítor, A ‘Visitação’ de Tomás Luís na igreja da Misericórdia do Montijo, Câmara Municipal do Montijo e ed. Colibri, 2005 Correia, Vergílio, e Nogueira Gonçalves, Inventário Artístico de Portugal. Cidade de Coimbra, Lisboa, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1947. 396

Craveiro, Maria de Lurdes, O Renascimento em Coimbra: modelos e programas arquitectónicos, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2002. Crespo, Hugo, «André de Resende na Inquisição de Évora e a apologética anti­­‑judaica: ciência teológica, doutrina e castigo (1541). Um autógrafo inédito. Novos documentos para as biografias de André de Resende e Jorge Coelho», Humanismo, Diáspora e Ciência. Séculos XVI e XVII, Lisboa, 2013, pp. 151­­‑212. Dacos, Nicole, La découverte de la Domus Aurea et la formation des grotesques à la Renaissance, London, 1969. Dacos, Nicole, Le logge di Raffaello: maestro e bottega di fronte all’antico, Roma, 1977. Dacos, Nicole, Viaggio a Roma. I pittori europei nel’500, Roma, Jaca Book, 2012. Desterro, Maria Teresa, «O tapete na obra pictórica de Francisco de Campos». Lisboa: catálogo da exposição O Tapete Oriental em Portugal, M.N.A.A., 2007, pp. 147­­‑150. Desterro, Maria Teresa, Francisco de Campos (c. 1515­­‑1580) e a Bella Maniera, entre a Flandres, Espanha e Portugal, Lisboa, tese de Doutoramento, Faculdade de Letras, 2008. Desterro, Maria Teresa, «Francisco de Campos, autor do ignoto retábulo pictórico do Nasher Museum of Art of Duke University of Durham (Carolina do Norte, EUA), Artis – Revista de Histórias da Arte e Ciências do Património, nº 1, 2013, pp. 76­­‑83. Deswarte­­‑Rosa, Sylvie, Ideias e Imagens em Portugal na época dos Descobrimentos. Francisco de Holanda e a teoria da arte, trad. de Maria Alice Chico, Lisboa, Difel, 1992. Deswarte­­‑Rosa, Sylvie, «Sentenças para a Ensinança e Doutrina do Príncipe D. Sebastião». Lisboa, cat. da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Camões, C.N.C.D.P., 1995, pp. 426­­‑427. Deswarte­­‑Rosa, Sylvie, «António Fernandes». Lisboa: cat. da exp. A Pintura Maneirista em Portugal – arte no tempo de Ca‑ mões, C.N.C.D.P., 19995, p. 467. 397

Dias, Pedro, Visitações da Ordem de Cristo de 1507 a 1510, Coimbra, 1979. Dias, Pedro, «A presença de artistas franceses no Portugal de Quinhentos», Mundo da Arte, nº 15, 1983, pp. 3­­‑18. Duarte, Eduardo, «Uma viagem a Itália no século XVI: D. Frei Bartolomeu dos Mártires, a arquitectura, a escultura e as porcelanas», Arte Teoria, nº 12­­‑13, 2010, pp. 221­­‑229. Duarte, Sónia, O contributo da iconografia musical na pintura quinhen‑ tista portuguesa, luso­­‑flamenga e flamenga em Portugal, para o re‑ conhecimento das práticas musicais da época: fontes e modelos utili‑ zados nas oficinas de pintura, tese de Mestrado em Ciências Musicais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2012. Dumourtier, Claire, «Contribution à l’étude des carreaux anversois de Vila Viçosa», revista Azulejo, nº 1, Lisboa: Museu Nacional do Azulejo, 1991, pp. 22­­‑32. Dumourtier, Claire, «Frans Andries, ceramista de Amberes establecido en Sevilla», Laboratório de Arte, nº 8, Universidade de Sevilla, 1995, pp. 51­­‑60. Dumourtier, Claire, Céramique de la Renaissance à Anvers, Bruxelas, 2002. Estaço, Gaspar, Várias Antiguidades de Portugal in Collecçam de An‑ tiguidades de Évora, Lisboa, 1785. Espanca, Túlio, «Notas sobre pintores em Évora nos séculos XVI e XVII», A Cidade de Évora, 13­­‑14, 1947, pp. 109­­‑213. Espanca, Túlio, «Alguns artistas de Évora nos séculos XVI­­ ‑XVII», A Cidade de Évora, nºs 15­­‑16, 1948, pp. 131­­‑287. Espanca, Túlio, «Miscelânea Histórico­­‑Artística», A Cidade de Évora, 19­­‑20, 1949, pp. 173­­‑180. Espanca, Túlio, «Visitas de Embaixadores célebres, Reis, Príncipes e Arcebispos a Évora nos Séculos XV­­‑XVIII». A Cidade de Évora, 27­­‑28, 1952, pp. 139­­‑246. Espanca, Túlio, «A obra do pintor Francisco João», A Cidade de Évora, nºs 37­­‑38, 1955­­‑1956, pp. 183­­‑200. Espanca, Túlio, «Notícia dos edifícios do Colégio e Universidade do Espírito Santo de Évora», A Cidade de Évora, nºs 41­­‑42, 1959, pp. 155­­‑185. 398

Espanca, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. VI. Concelho de Évo‑ ra, Lisboa, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1966. Espanca, Túlio, «Achegas Iconográficas para a História da Pintura Mural no Distrito de Évora». Évora: Cadernos de His‑ tória e Arte Eborense – XXVIII, 1973. Espanca, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. VIII. Distrito de Évora, Lisboa, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1975. Espanca, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. IX. Distrito de Évora, Lisboa, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1978. Espanca, Túlio, «Documentos notariais inéditos e artistas alentejanos dos séculos XVI­­‑XVIII», A Cidade de Évora, 67­­ ‑68, 1984­­‑85, pp. 98­­‑126. Espanca, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. XII. Distrito de Beja (1ª parte), Lisboa, Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1992. Fabião, Carlos, «Para a História da Arqueologia em Portugal», Penélope – Fazer e Desfazer a História, nº 2, 1989, pp. 10­­‑26. Falguières, Patricia, Les Cabinets d’art et les merveilles de la Renais‑ sance tardive de Julius von Schlosser (Leipzig, 1908), éd. Macula, Paris, 2014. Fernandes, Maria de Lurdes Correia, «Recordar os ‘Santos vivos’: leituras e práticas devotas em Portugal nas primeiras décadas do século XVII», Via Spiritus. Revista de His‑ tória da Espiritualidade e do Sentimento Religioso, vol. 1, 1994, pp. 133­­‑157. Fernandes, R. M. Rosado, «Méthodologie et histoire dans ‘De Antiquitatibus Lusitaniae’ de André de Resende», L’Humanisme Portugais et l’Europe, Paris, F.C.G., 1984, pp. 487­­‑505 Ferreira, Maria João Pacheco, Os Têxteis Chineses em Portugal nas Opções Decorativas Sacras de Aparato (séculos XVI­­‑XVIII), tese de Doutoramento, Faculdade de Letras do Porto, 2011. Fialho, padre Manuel, Evora Ilustrada, mss. do início do século XVII, B.P.E., Cód. CXXX/1­­‑10. Flor, Pedro, «O Portal da Igreja Matriz de Arronches e a Escultura do Renascimento em Portugal», in O Largo Tempo 399

do Renascimento. Arte, Propaganda e Poder, coord. Maria José Redondo Cantera e Vitor Serrão, Lisboa: Caleidoscópio, 2008, pp. 131­­‑152. Flor, Pedro, A Arte do Retrato em Portugal nos séculos XV e XVI, Lisboa, ed. Assírio & Alvim, 2011. Flor, Pedro, «O escultor francês Pierre Loiret», Actas do Colóquio Lisboa e os Estrangeiros / Lisboa dos Estrangeiros, coord. de Maria João Ferreira, Pedro Flor e Teresa Leonor Vale (coord.), Lisboa, Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, Grupo Amigos de Lisboa, 2013. Fonseca, Padre Francisco da, Evora Gloriosa, Évora, 1728. García Rodríguez, Carmen, El Culto de los Santos en la España Ro‑ mana y Visigoda, Madrid, CSIC, 1966. Garcia, João Carlos, Atlas Universal de Fernão Vaz Dourado, 1571, Lisboa, ed. M. Moleiro, 2014. Giampaolo, Mário Di (coord.), Los frescos italianos de El Escorial, com introdução de Alfonso E. Péres Sánchez, Madrid, ed. Electa, 1993. Gomes, Paulo Varela, Arquitectura, Religião e Política em Portugal no Século XVII. A planta centralizada, Porto, Faculdade de Arquitectura, 2001. Gomes, Paulo Varela, e Lobo, Rui, «Arquitectura de los jesuítas en Portugal y en las zonas de influencia portuguesa», in Actas do Simposio Internacional Arquitectura Jesuitica, coord. de Jesús Criado Mainar, Maria Isabel Álvaro Zamora e Javier Ibáñez Fernández, Zaragoza, 2012, pp. 473­­‑495. Gomes, Paulo Varela, «La cuestión del estilo en la historiografía de la arquitectura portuguesa de la primera Edad Moderna», Goya, nº 344, 2013, pp. 246­­‑263. Gomes, Jesué Pinharanda, «O Arcebispo de Évora D. Teotónio de Bragança, fundador da Cartuxa, na Vida de Santa Teresa de Jesus», Igreja Eborense, I, 1983, pp. 7­­‑34. Gomes, Jesué Pinharanda, Dom Teotónio de Bragança: Escritos Pas‑ torais, Braga, 1984. Gonçalves, Carla Alexandra, Gaspar Coelho, um escultor do Manei‑ rismo, Lisboa, Livros Horizonte, 2001. 400

Gonçalves, Catarina Valença, A Pintura Mural no Concelho do Al‑ vito – séculos XVI a XVIII, Alvito, 1999. Gonçalves, Catarina Valença, As Pinturas Murais de Marmelar. Ves‑ tígios de um Passado, Associação de Municípios do Alentejo Central, 2004. Gonçalves, Flávio, Breve Ensaio sobre a Iconografia da Pintura Re‑ ligiosa em Portugal, Lisboa, sep. de Belas­­‑Artes – Revista da Academia Nacional de Belas­­‑Artes, 1973. Gonçalves, Flávio, História da Arte. Iconografia e Crítica, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1990 (colectânea póstuma). Goulart, Artur (coord.), Tesouros de Arte e Devoção, Exposição de Arte Sacra, Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2006. Goulart, Artur (coord.), Memória e Esplendor. Arte Sacra na Ar‑ quidiocese de Évora, Fundação Eugénio de Almeida, 2014. Goulart, Artur (coord.), Arte Sacra (da Arquidiocese de Évora), tomos dedicados aos Concelhos de Arraiolos, Alcácer do Sal, Estremoz, Elvas, Vila Viçosa, Viana do Alentejo, Reguengos de Monsaraz, Pavia, Campo Maior, Elvas, Monforte, Sousel, Portel, Coruche, 14 vols, Fundação Eugénio de Almeida, 2007­­‑2014. Goulart, Artur, e Serrão, Vitor, «O ciclo de Sibilas e Profetas da igreja de Nossa Senhora de Machede (c. 1604­­‑1625) e o seu programa iconológico», Artis – Revista do Instituto de História da Arte, nº 3, 2004, pp. 211­­‑238. Gouveia, António Camões, «Pintura e escultura. Os retábulos», História Religiosa de Portugal, coord. por D. Carlos Moreira Azevedo e João Francisco Marques, Lisboa, Círculo de Leitores, vol. II, 2000. Grilo, Fernando, Nicolau de Chanterenne e a Escultura do Renasci‑ mento em Portugal, tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 2001. Guazelli, Giuseppe Antonio, Michetti, Raimondo, Barcellona, Francesco Scorza (eds.), Cesare Baronio tra santità e scrittura storica, Roma, ed. Viella, 2012. Guerreiro, J. Alcântara, Galeria dos Prelados de Évora, Gráfica Eborense, Évora, 1971. 401

Guerreiro, J. Alcântara Guerreiro, «Notícias da Igreja Eborense inseridas no tríptico cronológico dos Papas, Reis e Prelados (1166­­‑1910)», A Cidade de Évora, nº 55, 1972, pp. 13­­‑99. Gusmão, Adriano de, Diogo Teixeira e seus colaboradores, Lisboa, Realizações Artis, 1955. Gusmão, Adriano de, «A Pintura Maneirista em Évora», sep. do nº 35­­‑36 de A Cidade de Évora, 1955­­‑1956. Hallett, Jessica (coord.), O Tapete Oriental em Portugal. Tapete e Pin‑ tura, Séculos XV­­‑XVIIII. Lisboa, Catálogo da exposição, Museu Nacional de Arte Antiga, 2007. Hallett, Jessica (coord.), De Todas as Partes do Mundo. O patrimó‑ nio do 5º Duque de Bragança D. Teodósio I, Lisboa, ed. Tinta da China, 2015. Hespanhol, Maria Antónia Barrelas Sequeira, Dom Theotonio de Bragança. O Primeiro Arcebispo de Évora no Domínio Filipino (1578­­‑1602), tese de Mestrado em História Moderna, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 3 vols., 1993. Horta Correia, José Eduardo, Arquitectura portuguesa: Renascimento, Maneirismo, Estilo Chão, Lisboa, Editorial Presença, 1991. Isidoro, Cruz, «La colección pictórica del palacio sanluqueño de la Casa Ducal de Medina Sidonia entre los años de 1588 y 1764», Laboratorio de Arte nº 16, 2003, pp. 151­­‑169. Jordan­­‑Gschwend, Annemarie, Retrato de Corte em Portugal. O le‑ gado de António Moro, Lisboa, Quetzal Editores, 1994. Kubler, George, Portuguese Plain Architecture between spices and dia‑ monds, 1521 to 1706, Harmondsworth, 1976. Lanzarini, Orietta, «Il codice cinquecentesco di Giovanni Vincenzo Casale e i suoi autori», Annali di Architettura, Vicenza, CISA, 1998­­‑99, nºs 10­­‑11, pp. 188­­‑202. Lavajo, Joaquim Chorão, «Os Jesuítas e as Missões no Alentejo no século XVI», boletim Igreja Eborense, nº 15, 1991, pp. 27­­‑50. Lavajo, Joaquim Chorão, «As Humanidades em Évora», in Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Descobrimentos em Évora (1516­­‑1624) (comiss. por Fernando António Baptista Pereira), Évora, Comis402

são Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp. 43­­‑75. Lavajo, Joaquim Chorão, «Vera Cruz de Marmelar e Santo Lenho de Évora. Contextualização histórico­­‑religiosa», Ebo‑ rensia, nº 47, 2013. Leite, Sílvia Gomes, «O retrato de D. Sebastião no Museu Nacional de Arte Antiga». Boletim Cultural da Assembleia Dis‑ trital de Lisboa, IV série, nº 92, 1992. Lobo, Rui, O Colégio­­‑Universidade do Espírito Santo de Évora, com prefácio de Paulo Varela Gomes, Évora, ed. CHAIA­­ ‑Centro de História da Arte e Investigação Artística, 2009. Machado, José Alberto Gomes, “As pinturas a fresco da Sacristia Nova da igreja do Espírito Santo de Évora (1599)”, Homenagem ao Prof. Augusto da Silva, Dep. de Sociologia da Universidade de Évora, 2000, pp. 347­­‑359. Maia, Conceição e Faria, João Carlos, Relatório Final de Trabalhos Arqueológicos. Acompanhamento Arqueológico dos Arranjos Ex‑ teriores à igreja matriz de S. Manços, concelho de Évora, Évora, ArqueoHabilis, 2006. Maldonado, Pedro Castillo, Los Mártires Hispanorromanos y su culto en la Hispania de la Antiguedad Tardía, Granada, 1999. Mangucci, Celso, «Anatomia da Arquitectura da Igreja da Colegiada de Santiago de Évora», Boletim do Arquivo Distrital de Évora, 1, Julho de 2014, pp. 27­­‑39. Marçal da Silva, Leonor, «A Conversão de S. Paulo – um retábulo do pintor alentejano Francisco João». Estudos de História da Arte. Novos Contributos, coord. de Vítor Serrão e Maria Teresa Bispo, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 2002, pp. 57­­‑68. Marcocci, Giuseppe e Paiva, José Pedro, História da Inquisição Portuguesa 1536­­‑1821, Lisboa, Esfera dos Livros, 2013. Mariani, Gaetano Mirelli, «I ‘cristianesimo primitivo’ post­­‑tridentino e alcune incidenzesui momento del passato», L’Architettura a Roma e in Italia (1580­­‑1621), Atti del XXIII Congresso di Storia dell’Architettura, Roma, 1988, vol. I, pp. 135­­‑166. 403

Marías, Fernando, «Los frescos del Palacio del Infantado en Guadalajara: problemas históricos e iconográficos», Academia ­­‑ Boletín de la Real Academia de Bellas Artes de San Fernando (55), 1982, pp. 175­­‑216. Marías, Fernando, El Largo Siglo XVI. Conceptos fundamentales para la historia del arte español, Madrid, Taurus, 1989. Marías, Fernando, «Entre modernos y el antiguo romano Vitruvio: lectores y escritores de arquitectura en la España del siglo XVI», Teoría y literatura artística en España. Siglos XVI, XVII y XVIII, ed. Nuria Rodríguez Ortega, Universidad de Málaga, Málaga, 2014, pp. 3­­‑37. Marín Fidalgo, El Alcázar de Sevilla bajo los Austrias, 2 vols., Sevilla, Guadalquivir, 1990. Martins, Fausto Sanches, A arquitectura dos primeiros Colégios jesui‑ tas em Portugal, 1542­­‑1759, tese de Doutoramento, Universidade do Porto, 1994. Martins, Fausto Sanches, «Culto e devoção dos jesuítas em Portugal», in A Companhia de Jesus na Península Ibérica nos séculos XVI e XVII. Espiritualidade e Cultura, vol. I, 2004, pp. 17­­‑58. Martins, Fausto Sanches, Jesuítas de Portugal: 1542­­‑1759. Arte, Cul‑ to, Vida Quotidiana, Porto, edição de autor, 2014. Matos, Luís de, A corte literária dos Duques de Bragança no Renasci‑ mento, Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1956. Matos, Luís de, «Ebora humanística, 1490­­‑1550», A Cidade de Évora, 59, 1976, pp. 5­­‑21. Meco, José, Azulejaria Portuguesa, Lisboa, Liv. Bertrand, 1985. Meco, José, O Azulejo em Portugal, Lisboa: Publicações Alfa, 1988. Melo, Helena Pinheiro de, O Pintor Francisco João (act. 1562­­‑1595). Materiais e técnicas de pintura de cavalete em Évora, na segunda me‑ tade do século XVI, tese de doutoramento em Conservação de Pintura, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2014. Mendes, Francisca, Contributos para a reconstituição virtual da Livra‑ ria do Convento da Cartuxa (1587­­‑1834), Fundação Eugénio de Almeida, 2014. Merino, Lucía Varela, «La venida a España de Pietro Morone y Pietro Paolo de Montalbergo: las pinturas de la capilla de 404

Luis de Lucena, en Guadalajara». Boletín del Museo e Instituto Camon Aznar (LXXXIV), 2001, pp. 175­­‑184. Mogollón, Florêncio­­‑Javier García, «El sepulcro del obispo de Coria D. Pedro de Carvajal Girón. Una obra del escultor portuguès Andrés Francisco», Norba­­‑Arte (V), 1984, pp. 141­­‑162 Monteiro, Patrícia, A Pintura Mural na Região dos Mármores (1640­­ ‑1750). Estremoz, Borba, Vila Viçosa e Alandroal, Lisboa, tese de Mestrado, Faculdade de Letras, 2007. Monteiro, Patrícia, A Pintura Mural no Norte Alentejano (sécs. XVI­­ ‑XVIII): núcleos temáticos da Serra de S. Mamede, Lisboa, tese de doutoramento, Faculdade de Letras, 2012. Morán, José Miguel, e Checa Cremades, Fernando (1986). Las Casas del rey. Casas de campo, cazaderos y jardines, siglos XVI y XVII, Madrid, El Viso, 1986. Moreira, Rafael, «Uma ‘cidade ideal em mármore’. Vila Viçosa, a primeira corte ducal do Renascimento português», Mo‑ numentos, nº 6, 1997, pp. 48­­‑53. Moreira, Rafael, «Projectos para a Cartuxa de Évora», cat. da XVIIª Exposição de Arte, Cultura e Ciência do Conselho da Eu‑ ropa ­­‑ Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, 1983. Moreno, Luis A. García, «Judíos y Mártires Hispano­­‑Cristianos», Boletín de la Real Academia de la Historia, tomo CCX, Cuaderno III, 2013, pp. 377­­‑403. Moura, Abel de, Cabrita, Teresa e Serrão, Vitor Serrão, As Pin‑ turas Murais do Santuário de São Cucufate, Faculdade de Letras de Coimbra, 1989. Mourão, Cátia, «De Coimbra a Évora. Passos da Peregrinação Iconográfica do Imperador Heráclio», A Cidade de Évora, 2ª série, nº 8, 2009, pp. 445­­‑465. Muñoz, Alicia Cámara, «El papel de la arquitectura militar y de los ingenieros», Felipe II y el arte de su tiempo, Madrid, Visor, 1998, pp. 390­­‑391. Navarro, Ramón González, Universidad y Economia: el Colegio Mayor de San Ildefonso de Alcalá de Henares, 1495­­‑1565, Universidad de Alcalá, 1998. 405

Nicoli, Ottavio, Vedere com gli occhi del cuore. Alle origine del potere delle immagini, Roma, Laterza, 2011. Nunes, Maria de Fátima e Silva, Padre Augusto da (org.), Da Europa para Évora e de Évora para o Mundo. A Universidade jesuítica de Évora (1559­­‑1759), Évora, 2009. Pagará, Ana (coord.), Vera Cruz de Marmelar, Portel, ed. Paróquia de Vera Cruz de Marmelar, 2006. Pais, Alexandre Nobre, Matos, Maria Antónia Pinto de, e Senos, Nuno (coord.), Da Flandres. Os Azulejos encomendados por D. Teodósio I, 5º Duque de Bragança, Lisboa: Museu Nacional do Azulejo e Fundação da Casa de Bragança, 2013. Pais da Silva, Jorge Henrique, Estudos sobre o Maneirismo, ed. póstuma, Lisboa, Estampa, 1983. Paiva, José Pedro, «Os Bispos e a Inquisição Portuguesa», Lusi‑ tania Sacra, 2ª série, tomo XV, 2003,pp. 43­­‑76. Palma, Inês Filipa dos Santos, Tecidos para Deus: a paramentaria na Arquidiocese de Évora à luz de Trento. Proposta de valorização e salvaguarda, tese de Mestrado em Gestão e Valorização do Património Histórico e Cultural (Ramo Património Artístico e História de Arte) da Universidade de Évora, 2013. Palomo Del Barrio, Federico, Poder e Disciplinamento en la Diocé‑ sis de Evora: el episcopado de D. Teotonio de Bragança, Madrid, Universidad Complutense, 1994. Palomo del Barrio, «Exigências na formação do clero eborense em fins do século XVI. O Regimen ab examinatoribus de D. Teotónio de Bragança»,more Congresso de História no IV Centenário do Seminário de Évora, Instituto Superior de Teologia­­‑Seminário Maior de Évora, 1994, vol. II, pp. 81­­‑92. Palomo del Barrio, Federico, «La autoridade de los prelados postridentinos y la sociedad moderna. El gobierno de Don Teotonio de Braganza en el arzobispado de Evora», His‑ pania Sacra, vol. XLVII, nº 96, 1995, pp. 587­­‑624. Palomo del Barrio, Federico, A Contra­­‑Reforma em Portugal, 1540­­ ‑1700, Lisboa, Livros Horizonte, 2006. Palomo del Barrio, Federico, «Limosnas impresas. Escritos y imágenes en las práctikcas misioneras de interior en la 406

Peninsula Ibérica (siglos XVI­­‑XVIII», Manuscrits, nº 27, 2007, pp. 239­­‑265. Palomo del Barrio, Federico (coord.), La memoria del mundo: clero, erudición y cultura escrita en el mundo ibérico (siglos XVI­­‑XVIII), Cuadernos de Historia Moderna Anejos, XIII, Madrid, Universidad Complutense, 2014. Pereira, Belmiro Fernandes, «Duas bibliotecas humanísticas: alguns livros doados à Cartuxa de Évora por Diogo Mendes de Vasconcelos e por D. Teotónio de Bragança», Humani‑ tas, XLVII, 1995, pp. 845­­‑860. Pereira, Fernando António Baptista (coord.), Do Mundo Antigo aos Novos Mundos. Humanismo, Classicismo e Notícias dos Des‑ cobrimentos em Évora (1516­­‑1624), Évora, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999. Pereira, Ricardo Estevam, «A descoberta do túmulo de São Torpes em 1591», Actas on­­‑line do I Congresso de Arqueologia da Associalção dos Arqueólogos Portugueses, Lisboa, 2013. Pestana, Manuel Inácio, «Pero Vaz Pereira, arquitecto seiscentista de Portalegre. Tentativa cronológica e questões a propósito», A Cidade, 8, 1993, pp. 153­­‑166. Pestana, Manuel Inácio, «Mestres de várias artes ao serviço de D. Teodósio II, Duque de Bragança (1583­­‑1630)», Calli‑ pole, nºs 11/12, 2003, pp. 135­­‑153. Polónia, Amélia, O Cardeal Infante D. Henrique, Arcebispo de Évora. Um prelado no limiar da viragem tridentina, tese doutoral, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1999. Quaresma, António Martins, Alexandre Massai: a ‘escola italiana’ de engenharia militar no litoral alentejano (séculos XVI a XVII), Sines, Centro Cultural Emmerico Nunes, 2007. Ramalho, Américo da Costa, «Notas sobre a formação de Aquiles Estaço», Biblos, nº 54, 1977, pp. 237­­‑252. Reis­­‑Santos, Luís, «Painéis de Mestres de Ferreirim para igrejas e conventos de Évora», A Cidade Évora, nº 21­­‑22, 1950, pp. 35­­‑52. Resende, André de, História da Antiguidade de Cidade de Evora, Évora, Off. de André de Burgos, 1553. 407

Rincón García, Wifredo, e Santamaría, Alfredo Romero, Icono‑ grafíqa de los Santos Aragoneses, Zaragoza, 2 vols., 1982. Rodríguez, Carmen García, El culto de los santos en la Roma roma‑ na y visigoda, Madrid, Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1966. Rodrigues, Paulo Simões, Apologia da Cidade Antiga. A formação da identidade de Évora (séculos XVI a XIX), tese de Doutoramento, com orientação de Raquel Henriques da Silva, Universidade de Évora, 2009. Rodríguez, Pedro, El Catecismo Romano ante Felipe II y la Inquisici‑ ón Española, Madrid, Rialp, 1998. Ruão, Carlos, «O Eupalinos Moderno». Teoria e Prática da Arquitectura Religiosa em Portugal (1550­­‑1640), tese de doutoramento, 3 vols, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade, 2006. Ruas, João, Manuscritos da Biblioteca de D. Manuel II. Paço Ducal de Vila Viçosa, Caxias, Fundação da Casa de Bragança, 2006. Sancho, José Luis, La arquitectura de los Sitios Reales. Catálogo his‑ tórico de los palacios, jardines y patronatos reales del Patrimonio Nacional, Madrid, Patrimonio Nacional, 2006. Santos Simões, João Miguel dos, Os azulejos do Paço de Vila Viço‑ sa, Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 1945. Santos Simões, João Miguel dos, Azulejaria em Portugal no Século XVII, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2 tomos, 1971. Serrão, Vitor, «Pedro Nunes (1586­­‑1637): um notável pintor maneirista eborense», boletim A Cidade de Évora, nºs 71­­ ‑76, anos XLV­­‑L, 1988­­‑1993 [Évora, 1994], pp. 105­­‑138. Serrão, Vítor, «A pintura fresquista à sombra do mecenato do ducado de Vila Viçosa (1580­­‑1630)», Monumentos, 6, 1997, pp. 14­­‑21. Serrão, Vítor, «Pintura e Propaganda em Évora nos alvores do século XVII: um panfleto contra a iconoclastia e dois casos de repressão», Inquisição Portuguesa. Tempo, Razão e Cir‑ cunstância, coord. L. F. Barreto, J. Mourão, P. Assunção, A. C. Costa Gomes e J. E. Franco, Lisboa­­‑São Paulo, Prefácio, 1998, pp. 423­­‑444. 408

Serrão, Vitor, «Um desenho de Fernão Gomes para o Mosteiro da Scala Coeli de Évora», Monumentos, nº 10, 1999, pp. 30­­‑37. Serrão, Vitor, «Francisco Nunes Varela e as oficinas de pintura em Évora no século XVII», revista A Cidade de Évora, II série, nº 3, 1998­­‑1999, pp. 83­­‑172. Serrão, Vitor, «Uma sociedade de pintores em Beja no fim do século XVI: os maneiristas António de Oliveira e Júlio Dinis de Carvo», revista Museu, IV série, nº 11, 2003, pp. 35­­‑75. Serrão, Vitor, «A série seiscentista da ‘Vida de São Francisco Xa‑ vier’ do antigo Colégio do Espírito Santo de Évora: a iconografia xavieriana à luz de uma singular narração policénica», Oriente, nº 13, Dezembro de 2005, pp. 110­­‑130. Serrão, Vitor, «O Parnaso pictórico: fábula e alegoria moral nas decorações a fresco no Paço de Vila Viçosa (1550­­‑1630)», Monumentos, nº 27, 2007, pp. 66­­‑81. Serrão, Vítor, «Maniera, mural painting and calligraphy: Giraldo Fernandes de Prado (c. 1530­­‑1592)», Out of the Stream: new perspectives in the study of Medieval and Early Modern mural pain‑ ting (coord. de Luís Afonso), Manchester, 2007, pp. 116­­‑140. Serrão, Vítor, «A igreja­­‑salão de Nossa Senhora da Lagoa em Monsaraz: da empreitada de Mateus Neto à traça de Manuel Pires, arquitecto do Cardeal­­‑Infante D. Henrique (1560)», Artis – revista do Instituto de História da Arte, nº 5, 2007, pp. 217­­‑236. Serrão, Vítor, O Fresco Maneirista no Paço de Vila Viçosa, Parnaso dos Duques de Bragança (1540­­‑1640), Caxias, Fundação da Casa de Bragança, 2008. Serrão, Vítor, «Impactos do Concílio de Trento na arte portuguesa entre o Maneirismo e o Barroco (1563­­‑1750)», O Concílio de Trento em Portugal e nas suas conquistas: olhares novos, coord. de José Pedro Paiva Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, 2012, pp. 103­­‑132. Serrão, Vitor, «‘Restauro storico’ e ‘sacrae imagines’ em Évora sob o governo do Arcebispo D. Teotónio de Bragança, 1578­­ ‑1602», Archivo Español de Arte, 2015 (no prelo). 409

Silva, Hugo Ribeiro da, O Clero Catedralíceo Português e os equilíbrios sociais do poder, 1564­­‑1670, Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2013. Simas de Oliveira, Celina, As pinturas da Sacristia Nova do Colégio do Espírito Santo de Évora. Um património a preservar, tese de Mestrado, Universidade de Évora, 2009. Smith, Robert C., A Talha em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1962. Smith, Robert, Cadeirais de Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1968. Soares da Cunha, Mafalda, «D. Teodósio II, sétimo duque de Bragança. Práticas senhoriais como política de reputação», Monumentos, 27, 1997, pp. 52­­‑59. Soares da Cunha, Mafalda, A Casa de Bragança (1560­­‑1640). Prá‑ ticas Senhoriais e Redes Clientelares, Lisboa, Editorial Estampa, 2000. Sobral, Luís de Moura, «Espiritualidade e propaganda nos programas iconográficos dos jesuítas portugueses», Actas do Cong. Internacional A Companhia de Jesus na Península Ibé‑ rica nos séculos XVI­­‑XVIII. Espiritualidade e Cultura, vol. II, 2004, pp. 385­­‑415. Solís Rodríguez, D. Carmelo, Luis de Morales, Badajoz, 2000. Soria, Martín S., «Francisco de Campos (?) and Mannerist Ornamental Design in Évora, 1555 to 1580», Belas­­‑Artes, Academia Nacional de Belas­­‑Artes nº 10, 2ª série, 1957, pp. 22­­‑27. Soromenho, Miguel, «Classicismo, italianismo e ‘estilo chão’. O ciclo filipino», in História da Arte Portuguesa, direcção de Paulo Pereira, Círculo de Leitores, vol. II, 1995, pp. 377­­‑403. Soromenho, Miguel, «Uma miragem real: o panteão dos duques de Bragança na igreja de Nossa Senhora da Graça do Convento de Santo Agostinho». Monumentos, 6, 1997, pp. 38­­‑43. Soromenho, Miguel, «A administração da Arquitectura: o Provedor das Obras Reais em Portugal no século XVI e na 1ª metade do século XVII», Anuario del Departamento de Historia y Teoría del Arte, nºs 9­­‑10, 1997­­‑1998, pp. 197­­‑209. 410

Soromenho, Miguel, «As possíveis fontes tipológicas da fachada da Igreja (da Cartuxa de Évora)», Monumentos, 10, 1999, pp. 8­­‑13. Soromenho, Miguel, «A Cartuxa de Évora: novos dados e o mito da sua destruição em 1663», Monumentos, nº 26, 2007, pp. 100­­‑105. Soromenho, Miguel, A Arquitectura do Ciclo Filipino, in Arte Portugue‑ sa da Pré­­‑História ao Século XX, vol. 10, Lisboa, Fubu, 2009. Sousa, Manuel Caetano de, Collecçam de Documentos e Memorias da Academia Real de Historia Portuguesa, tomo V, Lisboa, 1725. Sousa Viterbo, Francisco Marques de, Dicionáro dos Architec‑ tos, Engenheiros e Constructores Portuguezes, Lisboa, III vols., 1899­­‑1922. Sousa Viterbo, Francisco Marques, Noticia de alguns pintores por‑ tuguezes e de outros que, sendo estrangeiros, exerceram a sua arte em Portugal, 1ªsérie, Lisboa, 1903, Spera, Lucrecia, «Cesare Baronio, ‘peritissimus antiquitatis’, e le origini della arqueologia christiana», in Cesare Baronio tra santita e scrittura storica, Roma, ed. Viella, 2012, pp. 393­­‑423. Tarrio, Ana Maria Sánchez, Paisagem e erudição no Humanismo portu‑ guês. João Rodrigues de Sá e Meneses, ‘De Platano’ (1527­­‑1537), Lisboa, F.C.G., 2009. Teixeira, José, O Paço Ducal de Vila Viçosa, Fundação da Casa de Bragança, 1983. Teles e Marques, Cátia, «Os paços episcopais nos modelos de representação protagonizados por bispos de nobreza no período pós-tridentino», A Casa Senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro, Lisboa-Rio de Janeiro, FCSH e FBARJ, 2014, pp. 19-43. Torrinha, Joaquim, «Os azulejos renascentistas», Monumentos, nº 6, 1997, pp. 26­­‑31. Urquíjar Herrera, Antonio, Coleccionismo y nobleza. Signos de distin‑ ción social en la Andalucía del Renacimiento, Madrid, ed. Marcial Pons – Historia, 1997. Val­­‑Flores, Gustavo Silva (coord.), A Evolução Urbana do Cen‑ tro Histórico de Évora, ed. CHAIA e C. M. de Évora, 2011. 411

Vasconcelos, Diogo Mendes, Liber V de Municipio Eborensi, Évora 1593. Vaz, Francisco Lourenço, O Saque de Évora pelos Franceses em 1808, Casal de Cambra, 2008. Veiga, Carlos Margaça, A Herança Filipina em Portugal, Lisboa, CTT, 2005. Velho, Estêvão de Lis, Exemplar da Constância dos Martyres em a Vida do Gloriozo S. Torpes, mordomo e valido de Nero, Lisboa, Off. Miguel Menescal da Costa, 1746. Veríssimo Serrão, Joaquim, História de Portugal, Lisboa, ed. Verbo, vol. III, 1978. Veríssimo Serrão, Joaquim, História de Portugal, Lisboa, ed. Verbo, vol. IV, 1979. Yábar, María Teresa Cruz, La Tapicería en Madrid (1570­­‑1640), Madrid, Instituto de Estudios Madrileños, 1996. Zapata, Luis, Miscelânea. Memorial Histórico Español, XI, Madrid, 1859. Zeri, Federico, Pittura e Controrriforma. L’arte senza tempo de Scipio‑ ne Pulzone da Gaeta, Turim, Einaudi, 1957. Zuccari, Alessandro, Arte e committenza nella Roma di Caravaggio, Torino, 1984 Zuccari, Alessandro, I pittori di Sisto V, Fratelli Palombi Editori, Roma, 1992. Zuccari, Alessandro, «Baronio e l’iconografia del martirio», Ce‑ sare Baronio tra santità e scrittura storica, Roma, Viella, 2012, pp. 445­­‑501. Wilkinson­­‑Zerner, Catherine, Juan de Herrera, arquitecto de Felipe II, Madrid, Akai, 1996.

412

Índice

Apresentação e agradecimentos....................................... 9 1. Évora tridentina, uma ‘nova Roma’............................. 13 1.1. A Ebora de D. Teotónio de Bragança................................. 13 1.2. Novas linguagens para uma sociedade contra­­ ‑reformista............................................................................... 22 1.3. A pintura a fresco e a renovação artística..................... 28 2. A personalidade de D. Teotónio de Bragança............ 41 2.1. Um príncipe da casa de Bragança.................................. 41 2.2. O múnus pastoral de Évora.............................................. 46 2.3. O Arcebispo, os seus arquitectos e demais artistas..... 52 3. Formação artística na corte de Vila Viçosa................ 77 3.1. Vila Viçosa, a «corte na aldeia».......................................... 77 3.2. A fachada palatina............................................................ 81 3.3. Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira.............................. 89 4. As obras catedralíceas de D. Teotónio......................105 4.1. Um arcebispo­­‑mecenas das artes................................. 105 4.2. A decoração da capela­­‑mor e dos altares laterais...... 109 4.3. Paramentos, pratas e outros equipamentos................ 121 5. O Mosteiro da Scala Coeli dos cartuxos de Évora.....133 5.1. O chamamento cartuxo................................................. 133 5.2. A construção do mosteiro............................................ 139 5.3. O retábulo da sacristia e outro equipamento artístico....151

6. A revitalização do culto de São Manços....................167 6.1. A relíquia do primeiro Bispo de Évora....................... 167 6.2. Os templos dedicados a São Manços.......................... 172 6.3. As bases do ‘restauro storico’............................................ 175 7. Outros cultos renascidos e novas iconografias..........185 7.1. Os santos mártires da Tourega..................................... 185 7.2. São Torpes em Sines...................................................... 189 7.3. São Romão, «São Vicente das irmãs» e São Brissos... ....192 8. D. Teotónio de Bragança e a Companhia de Jesus...205 8.1. A Universidade de Évora e os padres inacianos........ 205 8.2. Percursos coincidentes.................................................. 210 8.3. O tecto da sacristia do Colégio do Espírito Santo.... 213 9. D. Teotónio e o conceito tridentino de «restauro storico»....227 9.1. Uma pastoral atenta ao passado histórico.................. 227 9.2. O conceito baroniano de «restauro storico»................... 230 9.3. De novo o arquitecto Pero Vaz Pereira...................... 232 10. Sacrae imagines e cultos reactivados na paisagem cons‑ truída alentejana............................................................243 10.1. Novas iconografias tridentinas................................... 243 10.2. Um conceito de ‘ars senza tempo ‘ aplicado ao Alentejo....256 10.3. Um Arcebispo filho de Trento................................... 261 Elenco Documental....................................................... 271 Bibliografia....................................................................392

1. Retrato de D. Teotónio de Bragança. Tela anónima da segunda metade do século XVII. Évora, Sé Catedral.

2. Conjunto monumental de Évora.

3. Gregório Lopes, Santa Helena e o milagre do reconhecimen‑ to da Vera Cruz (pormenor, com cavadores que buscam relíquias), c. 1537-1540. Évora, Museu de Arte Sacra da Sé.

4. Mosteiro da Scala Coeli, ou da Cartuxa, em Évora, fundação de D. Teodósio de Bragança, 1587-1604, com traça de Giovanni Vincenzo Casale (1587) e direcção de Nicolau de Frias (1587-1598) e Pero Vaz Pereira (1598-1604).

5. Pormenor da planta de Giovanni Vincenzo Casale (1587) para a igreja e mosteiro da Cartuxa de Évora (pormenor). Biblioteca Nacional de Madrid.

6. Pormenor do andar inferior da fachada do Mosteiro da Cartuxa. Ultimação de Nicolau de Frias. 7. Retábulo da Sacristia do Mosteiro da Cartuxa, c. 1589-1591. Risco atribuído a Nicolau de Frias, imagem de Cristo de oficina madrilena, talha de Diogo Nobre (?), pintura e dourado de Custódio da Costa.

8. Introduction del Symbolo de la Fe de Frei Luís de Granada, exemplar da antiga Livraria da Cartuxa assinado por D. Teotónio de Bragança (Biblioteca Pública de Évora, cota RES. 60).

9. Fernão Gomes, Scala Coeli, desenho para o antigo retábulo-mor da igreja do Mosteiro da Cartuxa de Évora, c. 1590-1600. Biblioteca Pública de Évora.

10. Claustro pequeno do Mosteiro da Cartuxa, traça de Pero Vaz Pereira, c. 1604.

11. Domenico Fontana (1543-1607), Della trasportatione dell’obeli‑ sco Vaticano et delle fabriche di Nostro Signore Papa Sisto V, fatte dal caua‑ lier Domenico Fontana architetto di Sua Santita : libro primo. - In Roma: appresso Domenico Basa,  1590.-108, [4] f. : il. ; 2º (43 cm). Cota do exemplar da BNP: res-2990-a. 12. Desenho de fachada romana sixtina, por Domenico Fontana (Roma, 1590).

13. Relíquia de São Manços, peça de prata e cristal, cerca de 1592. Museu de Arte Sacra da Sé de Évora. 14. Domenico Fontana, Della trasportatione dell’obelisco Vaticano et delle fabriche di Nostro Signore Papa Sisto V, Roma, 1590.

15. Coluna dita de São Manços, no Oratório da Coluna, em Évora, fundada por D. Teotónio no lugar tradicionalmente tido como do martírio.

16. Fachada da igreja de São Manços, reconstruída e ampliada, com manutenção da basílica paleo-cristã, 1594-1595. Traça atribuída à supervisão de Pero Vaz Pereira.

17. Flanco da igreja de São Manços, incorporando as ruínas paleo-cristãs, 1594-1595. Traça atribuída à supervisão de Pero Vaz Pereira.

18. Pergaminho de autenticação da Relíquia de São Manços, 1596, com belos medalhões maneiristas figurando os meios corpos de S. MANCIVS, S. PRIMITIVS e S. FACVNDO, por Duarte Frizão (?); e texto de doação da relíquia. Arquivo da Sé de Évora.

19. S. MANTIVS, S. MANÇIO, ou SÃO MANÇOS, lendário criado na Última Ceia de Jesus Cristo, primeiro Bispo de Évora e mártir da era paleocristã, em iluminura de Duarte Frisão (?) datada de 1596 e realizada a mando de D. Teotónio de Bragança (Arq. do Cabido da Sé).

20. Duarte Frizão (fal. 1597), medalhão com SÃO PRIMICIO, pergaminho iluminado de autenticação da Relíquia de São Manços, 1596. Évora, Arquivo do Cabido.

21. Duarte Frizão (fal. 1597), medalhão iluminado de São Facundo, pergaminho de autenticação da Relíquia de São Manços, 1596, que era do Oratório de São Manços da Coluna.

22. Retábulo epimaneirista, de c. 1620, no Oratório de São Manços em Évora, com a imagem do santo bispo-mártir e telas com passos do seu hagiológio.

23. Casula do Arcebispo D. Teotónio. Peça de fabrico florentino, cerca de 1592. Museu de Arte Sacra da Sé de Évora. 24. Sebasto com grotesco de candelabra, do acervo de paramentos de D. Teotónio de Bragança. Museu de Évora.

25. Fachada da igreja de São Tiago de Évora, com «renovação» do arquitecto teotonino Pero Vaz Pereira, c. 1595-1600.

26. Igreja de S. Pedro da Gafanhoeira (Arraiolos), igreja reconstruída e ampliada por instâncias de D. Teotónio, traça atribuída a Pero Vaz Pereira.

27. Nossa Senhora da Assunção, tábua de 1592, de Diogo Teixeira, encomendada por D. Teotónio para remate do retábulo-mor da Sé. Museu de Arte Sacra da Sé.

28. Decoração a fresco da Capela de São Lourenço da Sé de Évora, 1597, por José de Escovar, com fresco, stucchi, medalhões, grotesco e estruturas neo-constantinianas.

29. Decoração a fresco da Capela de São Lourenço da Sé de Évora, por José de Escovar, 1597 (pormenor).

30. Giraldo Fernandes de Prado, São João Evangelista, pormenor do fresco da antiga Enfermaria cisterciense do Convento de São Bento de Cástris, c. 1580-1585.

31. Igreja de S. Brissos (Montemor-o-Novo): frescos do início do século XVII com representação de mártires eborenses, por José de Escovar e sua ‘equipa’.

32. Interior da igreja de Nossa Senhora de Machede, com decoração de c. 1625-30 (púlpito, stucchi, frescos, azulejos), com supervisão do arquitecto Pero Vaz Pereira.

33. Fachada com exonártex da igreja de Nossa Senhora da Graça do Divor (Évora). Traça atribuída a Pero Vaz Pereira. No frontão, a invocação latina DIVORVUM HANC MOLEM DOMINAE POSVERE COLONI GRA‑ TIA SVBTANT OMNINE CERTA MANET.

34. Decoração teotonina da igreja de Nossa Senhora da Graça do Divor, com stucchi e frescos de c. 1595-1600. Supervisão de Pero Vaz Pereira.

35. Decoração teotonina da igreja de Nª Sª da Graça do Divor, com stucchi e frescos de c. 1595-1600

36. Decoração teotonina da igreja de Nª Senhora da Graça do Divor, com stucchi e frescos de c. 1595-1600, supervisão do arquitecto Pero Vaz Pereira, pintura e dourado de Custódio da Costa (?).

37, 38 e 39. Complexo hierofânico de Nossa Senhora da Tourega, com ruínas da Fonte Santa e da ermida, lugar de alegado martírio das Santas Comba e Inonimata.

40. Capela-mor teotonina da igreja de Nossa Senhora da Assunção da Tourega, de fim do século XVI, com obra de massa e retábulo tardo-maneirista.

41. São Jordão, pintura do retábulo da igreja de Nossa Senhora da Assunção da Tourega, de fim do século XVI, atribuída ao chamado Mestre de São Brás.

42. São Manços, pintura atribuída a Sebastião Lopes, c. 1550-60, no Museu de Arte Sacra da Sé de Évora.

43. São Amaro, São Bento e São Romão, painel de um antigo altar da Sé, por Francisco de Campos, cerca de 1560-1570. Évora. Museu de Arte Sacra da Sé.

44. São Vicente, suas irmãs Sabina e Cristeta, e Santo António, painel de um antigo altar da Sé, por António de Oliveira (?), c. 1575-1580. Évora. Museu de Arte Sacra da Sé.

45. Invenção da Santa Cruz, por Simão Rodrigues (Sacristia do Carmo de Coimbra, 1605). 46. Invenção da Santa Cruz, gravura de Giovan Battista Cavalieri (segundo Livio Agresti), 1569.

47. Conversão de São Paulo, por Francisco João, c. 1580-85, igreja matriz de Pavia.

48. Giuseppe Valeriano, Cristo crucificado, c. 1579. Évora, col. privada.

49. Ático do retábulo da igreja de São Vicente de Évora, com o Calvário miguelangesco inspirado em modelo do Padre Giuseppe Valeriano, e duas das tábuas com martírios de São Vicente, Sabina e Cristeta.

50. Mestre de S. Brás (Duarte Frizão ?), Martírio de S. Brás. Conjunto e pormenor. Cerca de 1565. Évora, Ermida de S. Brás.

51. Autor Desconhecido, Martírio de S. Brás, fim do século XVI. Igreja de Caridade (Reguengos de Monsaraz). 52. Degolação de São Cucufate, fresco anónimo de 1621. Capela de São Brás, Vila de Frades (Vidigueira).

53. Martim Valenciano (?), Martírio de S. Brás. Pormenor. Cerca de 1640. Igreja de S. Brás do Regedouro, Évora.

54. Fresco ingénuo de 1598, de oficina maneirista eborense, com o baptis‑ mo, julgamento e martírio de S. Gens. Igreja de S. Gens, Montemor-o-Novo.

55. José de Escovar, Calendário: Alegoria ao Mês de Maio, 1605. Refeitório do Mosteiro de São Bento de Cástris, Évora.

56. Estampa com Nossa Senhora do Loreto, apreendida pela Inquisição de Évora no processo do frade cartuxo Olivier Brisom, em 1591 (A.N.T.T.).

57. Fachada do Paço Ducal de Vila Viçosa, sede da Casa de Bragança, traça de Nicolau de Frias (cª 1583-1603), acabamento de Pero Vaz Pereira.

58. Sala da Batalha de La Goleta do Paço de São Miguel, dos Condes de Basto, com frescos maneiristas encomendados por D. Fernando de Castro, 1º titular, da autoria de Tomás Luís e colaborador.

59. Milagres do Rosário, frescos da Capela de Nossa Senhora do Rosário de Outeiro Seco, Chaves, de início do século XVII, inspirados em histórias do livro do jesuíta João Rebelo Historia dos milagres do Rosario da Virgem Nos‑ sa Senhora, editado em Évora em 1599.

60. Armas de D. Teotónio de Bragança, Arcebispo de Évora.

61 e 62. Pormenores da decoração mural da Sacristia do Colégio do Espírito Santo de Évora, de 1599.

(fotografias de Artur Goulart e do autor)

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.