Artes Gráficas e Sequenciais: relatório e monografia a partir de pesquisa.pdf

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES Departamento de Artes Visuais Curso de Licenciatura em Artes Visuais

METODOLOGIAS PARA PRODUÇÃO, LEITURA E EDUCAÇÃO EM ARTES GRÁFICAS E SEQUENCIAIS: DILEMAS INTERDISCIPLINARES Relatório e monografia produzidos a partir do Projeto de Pesquisa Acordes poético-educativos entre visualidades e verbalidades: uma proposta interdisciplinar Profa. Dra. Paula Mastroberti Porto Alegre, 2016.

AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, aos alunos Bruna Cavalheiro Müller, Kaue Nery dos Reis e Luiz Alberto do Canto Pivetta, pelo suporte valioso oferecido, como bolsistas ou como voluntários, no planejamento e na organização das atividades que constituem o corpus desse trabalho: o Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais: produção, leitura e ensino e o Curso Ilustração e livro-arte: produção, leitura e ensino. A eles, retribuo o mesmo carinho e amizade que destinaram a minha pessoa. Além desses, estendo minha gratidão também aos alunos que confiaram na minha capacidade de artista e de educadora e que investiram e participaram ativamente das ações que seguem descritas. Aos alunos de extensão, das disciplinas por mim ministradas nesse período e aos bolsistas do PIBID, meu muito obrigada por seus avatares, por seus diários gráficos, pela produção gráfica rica e surpreendente. Outras pessoas também não podem ser esquecidas aqui: Rafael Coutinho, Ana Luiza Koehler, Marco Antônio Cavalheiro, amigos e parceiros, porque enriqueceram, em um ou outro momento, com seus conhecimentos, com as discussões e conteúdos ministrados. Da mesma forma, não posso evitar a menção de Patricia Langlois, que somou suas vontades às minhas na concepção do Curso Ilustração e livro-arte; Luciano Bedin e a Valeska Fortes de Oliveira, colegas queridos da Educação, pelo apoio e pelo entusiasmo com que aderiram aos meus projetos. Por fim, agradeço a Comissão de Pesquisa, que avalizou e confiou na qualidade deste projeto quando no meu ingresso como docente do Instituto de Artes; a Pró-Reitoria de Extensão, pelo apoio e pelo investimento às extensões que proporcionaram campo de estudo e a Pró-Reitoria de Pesquisa, órgão que fomentou muitas das atividades que derivaram deste projeto, localizado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.







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RESUMO O presente trabalho inclui o relatório de atividades de pesquisa relativas ao Projeto Acordes poético-educativos entre visualidades e verbalidades: uma proposta interdisciplinar, cadastrada nesta Universidade, cujo objetivo principal era o de elaborar uma metodologia interdisciplinar de ensino de leitura e produção literária, de ensino e de produção gráfico-visual do ponto de vista das Artes Visuais, com o fim de promover e analisar os agenciamentos e operações do objeto poético gráfico. Embora entendendo-se por objeto gráfico livros ilustrados, livro-imagens, livro de artista, artes sequenciais (histórias em quadrinhos), jogos narrativos, animações e ficção gráfica em geral, impressos ou digitais, este trabalho dará destaque aos livros ilustrados e as histórias em quadrinhos, tal como previsto no projeto. Além do relatório, incluí nessa produção uma monografia resultante da pesquisa, cujas temáticas estão organizadas, conforme o sumário, em uma apresentação teórica que justifica a criação da Linha de Pesquisa individual Artes Gráficas e Sequenciais, na qual este trabalho se inscreve, na descrição e análise dos cursos de extensão Quadrinhos e artes sequenciais: produção, leitura e ensino e Ilustração e livro-arte: produção, leitura e ensino, que constituíram o principal corpus dessa pesquisa, além de considerações finais sobre as metodologias criadas para ambos os cursos e sobre a localidade das artes gráficas como campo de estudo teórico e prático para produção e para a educação. Após o índice de ilustrações, ainda conforme o sumário, apresentamos os necessários apêndices para melhor entendimento deste trabalho. A bibliografia, interdisciplinar e bastante ampla, inclui referências advindas das áreas de Letras, Artes, Comunicação, Educação e Semiótica, contando com nomes como Gérard Genette, Charles S. Peirce, Jacques Derrida, Michel Foucault, Nicolas Bourriaud, Humberto Maturana, W. J. T. Mitchell, Waldomiro Vergueiro, entre outros, além de trabalhos já publicados de minha autoria. Palavras-chave Artes gráficas; literatura e artes plásticas; quadrinhos e ilustração; educação e cultura visual; poéticas visuais e verbais.



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SUMÁRIO O PROJETO DE PESQUISA ACORDES POÉTICOS EDUCATIVOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: INTRODUÇÃO A UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR RELATÓRIO DE PESQUISA

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ACORDES POÉTICOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: ENSAIO SOBRE METODOLOGIAS PARA A FORMAÇÃO E A EDUCAÇÃO EM ARTES GRÁFICAS - MONOGRAFIA PRODUZIDA A PARTIR DA PESQUISA ACORDES POÉTICOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR 1 ARTES GRÁFICAS E SEQUENCIAIS

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2 QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS

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2.1 VISÃO GERAL DO CURSO QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS ¾ PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO 2.2 AS ATIVIDADES PARA O CURSO QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS 2.1.1 ATIVIDADE “INSETOS EM PORT-MANTEAUX: UMA ABORDAGEM SEMIÓTICA DO TEXTO DE LEWIS CARROLL” 2.1.2 ATIVIDADE “E SE A RAINHA ALICE FOSSE PARA EM PORTO ALEGRE?” 2.1.3 ATIVIDADE “O PERSONAGEM QUE SOU EU: REFLEXOS ESPECULARES” 2.1.4 ATIVIDADE “EU CONCEITUO, TU CONCEITUAS, NÓS CONCEITUAMOS: RECRIANDO ALICE” 2.1.5 ATIVIDADE “LEITURA-ESCRITA CRIATIVA: PRODUZINDO ROTEIROS” 2.3 REFLEXÕES SOBRE AS ATIVIDADES DA PRIMEIRA ETAPA 2.4 SEGUNDA ETAPA: A PRODUÇÃO FINAL 2.5 FIM DA HISTÓRIA, NÃO DOS QUADRINHOS

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3 ILUSTRAÇÃO E LIVRO-ARTE

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3.1 O CURSO 3.2 A DIDÁTICA 3.3 AS ATIVIDADES PARA O CURSO ILUSTRAÇÃO E LIVRO-ARTE 3.3.1 A IMAGEM-SÍNTESE 3.3.2 CRIANDO UMA PALETA DE CORES 3.3.3 PROCURANDO O PERSONAGEM 3.3.4 O ESPAÇO-TEMPO DA ILUSTRAÇÃO 3.4 AS TROCAS E SUAS COMPARAÇÕES INEVITÁVEIS

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4 O PONTO DE ONDE PARTIMOS: HAVERÃO RETORNOS?

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ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS E UMA JUSTIFICATIVA PARA A CONTINUIDADE DESSA PESQUISA

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REFERÊNCIAS

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APÊNDICE 1 ¾ PROJETO DE PESQUISA ACORES POÉTICO-EDUCATIVOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR 76



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APÊNDICE 2 ¾ PLANO DE ENSINO DO CURSO DE EXTENSÃO QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS: PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO

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APÊNDICE 3 ¾ PLANO DE ENSINO DO CURSO DE EXTENSÃO ILUSTRAÇÃO E LIVRO-ARTE: PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO 95





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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES (arquivos de propriedade da autora)

FIG 1 ¾ DIÁRIOS GRÁFICOS DA AUTORA. .............................................................................................................. 8 FIG 2 E 3 ¾ JOGO DE AVATARES E AVATAR INTEGRADO A DIÁRIO GRÁFICO, PRODUZIDOS POR ALUNOS. ............................ 9 FIG 4 E 5 ¾ DIÁRIOS GRÁFICOS PRODUZIDOS POR ALUNOS. .................................................................................... 10 FIG 6 E 7 ¾ FOTOMONTAGEM “AUTORRETRATO TECNOLÓGICO” E TEXTO NARRATIVO PRODUZIDO POR ALUNOS DA DISCIPLINA EAD LABORATÓRIO DE ARTE E ENSINO I-A, QUE UTILIZA A PLATAFORMA MOODLE. ............................ 10 FIG 8 E 9 ¾ A OFICINA NA UFSM E PÁGINAS PRODUZIDAS POR UMA ALUNA PARA A PUBLICAÇÃO SUPER-HERÓI UNIVERSITÁRIO (ORGANIZAÇÃO: PAULA MASTROBERTI E LUCIANO BEDIN DA COSTA, NO PRELO). ......................... 12 FIG 10 E 11 ¾ ARTES PARA LORABUR E BOWING. ................................................................................................ 17 FIG 11 ¾ CAPA DE ADORMECIDA: CEM ANOS PARA SEMPRE (BESOURO BOX/8INVERSO, 2012). .................................. 20 FIG 12 ¾ ENCONTRO COM RAFAEL COUTINHO (À DIR) E ANA LUIZA KOEHLER (EM PRIMEIRO PLANO). ........................... 31 FIG 13 E 14 ¾ INSETOS DO ESPELHO. ................................................................................................................ 32 FIG 15 E 16 ¾ CHARGES DE SÉRGIO RICCIARDI E GUSTAVO SOUZA, RESULTANTES DAS REFERÊNCIAS COLETADAS. OBSERVEM QUE SÉRGIO É HISTORIADOR E ESCRITOR, MAS CONSEGUIU UM BOM RESULTADO USANDO COLAGEM, A MESMA TÉCNICA USADA POR GUSTAVO SOUZA, ALUNO DO BACHARELADO EM ARTES VISUAIS. .................................................... 34 FIG 17 E 18 ¾ TIRAS PRODUZIDAS POR BRUNO DORNELLES E JOSÉ BORBA A PARTIR DA ATIVIDADE. .............................. 35 FIG. 19 E 20 ¾ ARTES DE RECRIAÇÃO DOS PERSONAGENS LÍRIO-TIGRE POR LUIZ PIVETTA E HUMPTY DUMPTY POR MARIANA BEDE, ESTE ÚLTIMO O PREFERIDO PELA MAIORIA DOS ALUNOS. ....................................................................... 36 FIG 21 E 22 ¾ PÁGINAS COM HISTORIETAS DESENVOLVIDAS POR ALEXANDRE DE NADAL E ANNA JONKO, A PARTIR DOS CONCEPTS DE COLEGAS. ........................................................................................................................... 38 FIG 23 ¾ PARTE DE UM FLUXOGRAMA PRODUZIDO POR UM GRUPO DE ALUNOS. ....................................................... 39 FIG 24 ¾ PÁGINA DE STORYBOARD. .................................................................................................................. 39 FIG 25, 26 E 27 ¾ PÁGINAS PRONTAS DE OS 9 ESPELHOS DE ALICE. AUTORES (DE CIMA PARA BAIXO): GIORDANA DAL CASTEL, GUTO SOUZA E PAULO GUILHERME MARQUES; GUILHERME SOMMERMEYER E VICTORIA PERICO. ............. 51 FIG 28 E 29 ¾ OS SKETCHBOOKS. ..................................................................................................................... 56 FIG 30 ¾ IMAGEM DE ALUNO EM SEMINÁRIO. ..................................................................................................... 57 FIG 31 ¾ IMAGEM COLETADA POR UM ALUNO PARA SINTETIZAR A LENDA MBOITATÁ. NA LEGENDA, ELE ESCREVEU: “PENSEI NA MBOITATÁ COMO UMA GRANDE CIDADE QUE CRESCE CADA VEZ MAIS E MAIS BRILHANTE QUANTO MAIS ESCURO FICA.” .................................................................................................................................................. 58 FIG 32 E 33 ¾ AMOSTRAS DE PALETA CRIADAS POR ALUNOS. ................................................................................. 59 FIG 34 ¾ IMAGEM-METÁFORA PARA O PERSONAGEM NEGRINHO ATACADO POR FORMIGAS, TRABALHO DE ALUNO. .......... 60 FIG 35 E 36 ¾ IMAGENS DA AULA DE ANÁLISE DE LIVROS ILUSTRADOS. ..................................................................... 61 FIG 37 ¾ ALUNOS NO BUREAU VERSUS FOTOGALERIA, COM MARCO CAVALHEIRO (DE ÓCULOS, À DIREITA). ................... 62 FIG 38 ¾ A OFICINA DE DESIGN, COM LAURA SPINA (À ESQ) E LUIZ PIVETTA (À DIR). ................................................... 63 FIG 39, 40 E 41 ¾ PÁGINAS DO LIVRO LENDAS DO SUL, DIAGRAMAÇÃO DE LUIZ PIVETTA E LAURA SPINA, COM ILUSTRAÇÕES DOS ALUNOS (DE CIMA PARA BAIXO): PEDRO FANTI, CAMILA ANDRADE E YASMINE MAGGI. ................................. 66



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O PROJETO DE PESQUISA ACORDES POÉTICO-EDUCATIVOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: INTRODUÇÃO A UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR Relatório de pesquisa O projeto de pesquisa Acordes poéticos entre visualidades e verbalidades: uma proposta interdisciplinar1, cujo resultado é a monografia que se segue, tinha por objetivo principal analisar e refletir sobre as ações da minha rotina docente na universidade a partir da criação e implementação de propostas metodológicas para inclusão da literatura como arte e em sua integração com as artes plásticas2. Tais metodologias seriam pensadas não apenas visando uma formação para a educação, mas também para a leitura crítica3 e para a produção criativa de discursos híbridos visuais-verbais. Seu assunto e seu material didático principal seria composto pelo que geralmente se entende por obras gráficas: livros ilustrados, histórias em quadrinhos, jogos eletrônicos e animações, em virtude de serem esses os promotores maiores dessa hibridização, com foco principal nos livros ilustrados e histórias em quadrinhos. Minha primeira ação foi a criar um diário gráfico pessoal de docência, divididos em cadernos temáticos cujo número, no momento em que produzo esta monografia, já totaliza 10 volumes com cerca de 80 a 100 pgs cada.

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O texto integral do projeto encontra-se em apêndice (1) Optarei, ao longo deste trabalho, pelo termo “plásticas” ao invés de “visual”, tendo em vista a redução do último, do qual discordo, em que a arte é definida como um campo de leitura/percepção restrita a um único sentido e como um produto resultante do olhar (sintético ou analítico), sem referir-se aos gestos que representam/interpretam aquilo que não exatamente se vê (DERRIDA, 2007). Em contrapartida, “plástico” envolve tanto a gestualidade criativa quanto a totalidade das mídias e matérias (MITCHELL, 2009) selecionadas para a elaboração formal e moduladora da obra artística, incluindo também as sensações produzidas por sua percepção estésica. 3 Usarei o termo leitura também para me referir às interações entre o espectador e as artes plásticas, entendendo leitura como uma ação cognitiva ampla, próxima a acepção em latim legentis [colheita, coleta ou seleção], e interativa entre corpo e objetos ou corpo e mídias (MASTROBERTI, 2015). 2



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Fig 1 ¾ Diários gráficos da autora.

Eles têm-me servido no caso dos inevitáveis ajustes da minha performance enquanto docente, pesquisadora e artista; narram e registram, de forma a/r/tográfica4 (SPRINGGAY, IRWIN e LEGGO, 2008) e combinada, textos e artes usando técnicas gráficas variadas ¾ pintura, colagem, desenho, entre outros ¾ , comentários e reflexões teóricos, críticos ou meramente anedóticos da minha experiência na rotina universitária. Os cadernos apresentam um comportamento duplo: além produções poéticoinvestigativas em si, atuam como material de apoio reflexivo e metodológico. E, embora eu não os tenha tomado como objeto de pesquisa, eles merecem ser citados na medida em que atestam o quanto a minha subjetividade pesquisadora encontra-se envolvida com o discurso científico e nele presente (MATURANA, 2006; CASTRO, 2008; VASCONCELLOS, 2013). As ações e didáticas desenvolvidas a partir da minha identidade docente me permitiram inserir as necessárias relações entre a educação e a produção em artes visuais, a produção de textos e atividades de leitura, trabalhando-as de várias maneiras. Essas iniciativas espalharam-se em todas as instâncias de minha atuação, desde as disciplinas a meu encargo, passando pelo PIBID ¾ Programa Institucional de Iniciação à Docência ¾, cujo projeto em Artes Visuais coordeno até 2017 em conjunto com Umbelina Maria Duarte Barreto, até algumas orientações de graduação dentro desses temas. Cito, entre

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A a/r/tografia tem por princípio a inclusão da linguagem poética e artística constituição do discurso científico. Assim, cito os meus diários gráficos como uma referência válida para a elaboração e o registro da minha reflexão teórica.



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outras atividades propostas com a finalidade de colocar em prática a metodologia desenvolvida a partir da pesquisa: a) A produção de personagens protagonistas de um discurso poético e narrativo ¾ denominadas por mim de avatares (MASTROBERTI, 2016) ¾ , de forma a repercutir na formação de uma subjetividade educadora, utilizando recursos semióticos variados. Essa produção é realizada pelos alunos das disciplinas por mim ministradas e faz parte dos trabalhos destinados à avaliação final;

Fig 2 e 3 ¾ Jogo de avatares e avatar integrado a diário gráfico, produzidos por alunos.

b) A produção de diários gráficos criativos semestrais (MASTROBERTI, 2016) como método de avaliação e também como forma de promover, através do hábito da escrita e do registro gráfico, a avaliação do próprio aluno em relação a sua performance no interior da disciplina onde esse objeto se insere, responsabilizando-o pela aprendizagem, além de contribuir com sua autoorganização;



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Fig 4 e 5 ¾ Diários gráficos produzidos por alunos.

c) A produção de “narrativas do eu” (MELLO, 2013) no semestre de ingresso ao Curso de Licenciatura, tendo por objetivo registrar o perfil do aluno, conhecer sua história pré-universitária e, ao mesmo tempo, fazer com que este aluno (calouro ou advindo de outros cursos) reflita sobre sua formação anterior e sobre os estímulos que o levaram à escolha pela educação em artes visuais;

Fig 6 e 7 ¾ Fotomontagem “autorretrato tecnológico” e texto narrativo produzido por alunos da disciplina EAD Laboratório de Arte e Ensino I-A, que utiliza a Plataforma Moodle.



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d) A inclusão, em minha produção acadêmica e planos de ensino, de temas e objetos relacionados à cultura visual midiática impressa e eletrônico-digital (sobretudo aquelas que envolvem infância e adolescência) e das suas relações com as artes plásticas, tendo em vista a análise teórico-crítica e suas aplicações na educação (MASTROBERTI, 2014 e 2015); e) A aproximação entre os alunos de licenciatura em artes visuais e livros de literatura ilustrados, jogos eletrônicos, animações e histórias em quadrinhos através de didáticas cujo objetivo é desenvolver e estimular uma apropriação crítica tanto para a leitura e elaboração de planos de ensino, quanto para a produção de caráter crítico e artístico; f) A promoção de oficinas de extensão para produção de textos e materiais gráficos, como a Oficina Pibidianos em Quadrinhos (ocorrida 21 de janeiro e 27 de fevereiro de 2015 em atendimento ao PIBID Interdisciplinar Campus Vale Coordenado por Gisele Secco) e a parceria com o Projeto de Pesquisa Dicionário Raciocinado de Licenciaturas, coordenado por Luciano Bedin (FACED/UFRGS) e com o GEPEIS (Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Imaginário Social), coordenado por Valeska Fortes de Oliveira (CE da UFSM), resultando na Oficina de Criação de Personagens A/r/tográficos para geração de discursos poéticos educacionais (4 e 30 de abril de 2016), ministrada em 4 e 30 de abril de 2016 para os pibidianos da UFRGS e em 13 de agosto de 2016 para os alunos da Pedagogia e pibidianos da UFSM. Essa última ação resultará na obra gráfica Super-herói universitário, produzida a partir de textos e artes dos alunos participantes das oficinas ministradas em ambas as universidades;



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Fig 8 e 9 ¾ A oficina na UFSM e páginas produzidas por uma aluna para a publicação Superherói Universitário (Organização: Paula Mastroberti e Luciano Bedin da Costa, no prelo).

g) A orientação de trabalhos de conclusão na área dos quadrinhos, destacando o trabalho de Jéssica Bernardi5, aluna do Bacharelado em História da Arte com

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Título provisório do trabalho de conclusão de Jéssica Bernardi, aluna do Bacharelado em História da Arte: Mulheres em quadrinhos: uma narrativa brasileira, projeto defendido em junho de 2016.



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pesquisa sobre mulheres quadrinistas brasileiras e Giordana Cenci Dal Castel6, aluna da Licenciatura em Artes Visuais, cujo trabalho será apresentado em formato de quadrinhos, tematizando o ensino da modalidade na disciplina de artes visuais. Afora isso, participei ou colaborei com movimentos de integração entre as áreas das artes plásticas e as dos estudos literários, entre os quais destaco: a) A participação com apresentação e publicação de trabalho no IV Congresso Matéria Prima na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, cuja temática tratava de narrativas a/r/tográficas a partir de produção de sujeitos protagonistas (avatares) de um discurso educacional ficcional7; b) A participação na banca de mestrado de José Arlei Rodrigues Cardoso, cuja dissertação defendida no PPG do Instituto de Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul em 2016, Narrativas biográficas em quadrinhos: o caso Dotter of her father’s eyes, vincula quadrinhos e literatura; c) A publicação da tese de doutorado Peter Pan na cultura das mídias: leitores perdidos e encontrados, em livro eletrônico pela Edipucrs, com apoio do CNPq, em 2015; d) A participação com apresentação de trabalho na segunda e na terceira Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos realizadas pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, respectivamente em 2013 e 2015, vinculando artes visuais, quadrinhos e educação8; e) A participação com apresentação de trabalho teórico e artístico no Congresso Viñetas Serias, promovido pela Faculdad de Ciencias Sociales da Universidad de Buenos Aires, na Argentina, em 20149;

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Título provisório do trabalho de conlcusão de Giordana Dal Castel, aluna da Licenciatura em Artes Visuais: Como ensinar quadrinhos na escola contemporânea: os dilemas de uma futura educadora em artes visuais, projeto defendido em junho de 2016. 7 Título do trabalho: O avatar educacional como narrativa autopoiêutica: metodologias e didáticas para o Curso de Licenciatura em Artes Visuais. 8 Trabalhos apresentados: A educação visual para leitura de narrativas gráficas: agora é contigo arte/educador! (2014) e Quadrinhos e interdisciplinaridade: relato de uma produção criativa a partir de um texto literário (2015). Publicado em anais. 9 Título do trabalho apresentado: Mulheres em quadrinhos no Brasil: o cantar das sereias pescadas pela rede (2014). Publicado em anais.



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f) A participação com apresentação de trabalho sobre ilustração de autoria infantil no 3o Congreso Arte, Ilustracion y Cultura Visual, promovido pela Universidad de la Republica del Uruguay, em 201410; g) A coordenação de simpósio e apresentação de trabalho sobre quadrinhos, artes visuais e literatura no 3o CIELLI ¾ Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários ¾ promovido pelo PPG Letras da UEM em 2014; h) A apresentação de trabalho sobre quadrinhos e semiótica no XI Congresso Internacional da ABRAPT ¾ Associação Brasileira de Pesquisadores em Tradução ¾ realizado pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina em 2013, cujos artigos foram publicados no Dossiê Quadrinhos em Tradução, Revista Tradterm, vol. 27, 2016, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP11; i) A participação como palestrante e ministrante de curso em duas edições do Seminário Tessituras, uma extensão da UFRGS promovida em parceria com Câmara Riograndense do Livro, nos anos de 2013, 2014 e 2015, com finalidade de promover e integrar a leitura literária e da arte através do livro ilustrado; j) A publicação de dois artigos na Revista Gearte, do PPG da Faculdade de Educação da UFRGS, tendo por temas o livro como objeto interdisciplinar12 e o design publicitário como arte13. Também aproveitei, durante a estadia em localidades como Berlim, Frankfurt, Londres, São Paulo, Buenos Aires, Lisboa e Montevidéu, para investigar os lugares de produção e de consagração das artes gráficas na sociocultura: livrarias, espaços culturais especializados em artes gráficas, exposição de ilustradores e quadrinistas, ateliers e gráficas independentes. Da mesma forma, tenho procurado acompanhar, sempre que possível, o Festival Internacional de Arte Eletrônica ¾ o FILE14, a fim de me manter

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Título do trabalho: A ilustração de propriedade infantil: quando o artista é a criança (2014). Publicado em anais. 11 Disponível em: http://www.revistas.usp.br/tradterm . 12 Título do artigo: O livro como objeto predisposto à interdisciplinaridade. In: Revista Gearte v.1, n.2, 2014, pp 167-181. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/gearte/article/view/47928/31270 13 Título do artigo: A publicidade como arte, e não por acaso. In: Revista Gearte v. 2, n. 2, 2015, pp 173188. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/index.php/gearte/article/view/55752 14 Evento organizado por Paula Perissinotto e Ricardo Azevedo, e que desde 2000 ocorre anualmente nas principais capitais brasileiras. O FILE teve lugar em Porto Alegre apenas em 2008. Disponível em http://file.org.br/?lang=pt .



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atualizada sobre a produção gráfico-digital em jogos e artes de animação. Ao contribuir para com o fortalecimento da relação entre as artes plásticas e a literatura por via da pesquisa, da extensão e do ensino, fui além do desenvolvimento de metodologias interdisciplinares voltadas para a educação. Preocupei-me igualmente com a verificação do estado da arte das investigações e publicações realizadas e com a fundamentação teórico-crítica em circulação, visando a atualização da minha bibliografia. Contudo, a participação em eventos cujas temáticas fossem inclusivas do meu objeto de interesse obrigou-me, eventualmente, a sair da minha área de moradia e frequentar as áreas das Letras e da Comunicação. Eventos especializados em artes gráficas ou que incluam a literatura como tema abordado a partir das poéticas plásticas são praticamente inexistentes. Assim, justifico a minha frequência maior em eventos acadêmicos não promovidos por entidades ligadas ao campo das artes nesses últimos 3 anos: mesmo as Jornadas Internacionais de Histórias em Quadrinhos são organizadas pela divisão da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo que cuida dos assuntos da área de Comunicação e da Informação; minha participação no Congresso Matéria Prima, organizado pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, deve-se mais a um registro do trabalho sobre uma metodologia interdisciplinar voltada para a educação, assim como a presença no Congresso Arte, Ilustración y Cultura Visual em Montevidéu deve-se fundamentalmente a temática que envolvia um ensaio crítico sobre a apropriação pelo mercado editorial pedagógico de criações artísticas de autoria infantil. E assim justifico, da mesma forma, quase toda a bibliografia reunida em apoio a este trabalho, majoritariamente provinda de publicações derivadas do Design, das Letras ou da Comunicação, tendo a Semiótica, a História e a Sociologia como um campo em comum. Para esse projeto, contei basicamente com a minha experiência de artista plástica e gráfica em concomitância às atividades de escritora, aprimoradas ao longo de 30 anos de profissão. Também contei com uma formação acadêmica interdisciplinar, sendo graduada no Curso de Bacharelado em Artes Plásticas pela UFRGS e pós-graduada em Teoria da Literatura pela Faculdade de Letras da PUCRS. Parti da minha dissertação de mestrado e da tese de doutorado, nas quais já reunia uma vasta leitura e reflexão teórica sobre a interatividade entre as poéticas visuais e verbais presentes nos livros literários ilustrados. De modo que segui procurando viabilizar aquilo que eu já considerava em trabalhos anteriores: a necessidade de se incluir a literatura como arte pertencente ao campo de estudo das poéticas, e de integrar as práticas de leitura e de escrita às práticas



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de criação e de educação artísticas. Como é possível verificar, a pesquisa objetivou igualmente a formação discente para um melhor desempenho técnico e criativo na escrita, leitura e formatação de trabalhos acadêmicos, sejam eles, poéticos, analíticos, críticos ou teóricos; assim, acredito na sua efetiva contribuição para com a produção de discursos artísticos e educacionais competentes, além de apontar caminhos interdisciplinares entre as artes literárias e as poéticas plásticas e gráficas contemporâneas, ambas cada vez mais mistas em sua pluralidade semiótica e midiática. Ainda que este trabalho tenha por foco a análise sobre os métodos desenvolvidos em minha docência universitária, creio que ele pode ser compreendido em sua repercussão direta e positiva na formação do futuro profissional educador para atuação no ensino básico, abrindo caminho para novas perspectivas de inclusão das artes gráficas e da literatura em seus planos de ensino. Isso se comprova não só nas atividades disciplinares e orientações de trabalhos de conclusão mas também nas operações do PIBID Artes Visuais, que me ofereceu muitas oportunidades, devido à exigência do edital da CAPES para que os projetos inscritos no ano de 2014 previssem ações interdisciplinares em intervenção direta no espaço escolar. Por conta disso, nele encontrei acolhimento para a aplicação de práticas contribuintes para com essa pesquisa, algumas das quais são evidenciadas no artigo “A leitura e a escrita em sua transversalidade e em relação ao conhecimento e às novas mídias: uma reflexão a partir das Artes Visuais”, publicado em Iniciação à docência: reflexões interdisciplinares (COSTELLA, HOFSTAETTER, STURM e UBERTI, 2015). Oficinas como Pibidianos em Quadrinhos e Criação de Personas A/r/tográficas, a primeira desenvolvida com a apoio do PIBID UFRGS Interdisciplinar do Campus Vale, já mencionadas neste relatório, também foram importantes para a testagem e avanço das investigações metodológicas interdisciplinares. Ambas foram frequentadas por bolsistas pibidianos de diversas áreas, como Física, Matemática, Letras e Filosofia. É preciso ainda destacar a minha atuação contínua como autora de textos e artes, desde a produção da obra gráfica A querela do Gibi (2014) para comunicação acadêmica no Congresso Internacional Viñetas Serias, passando pela produção de uma obra em arte sequencial Lorabur (2014), para a exposição Horizontes (in)prováveis da paisagem, com curadoria de Ana Zavadil, ocorrida no Museu de Direitos Humanos do Mercosul (de 15 de outubro de 2014 a 29 de novembro) até a produção de uma série de charges digitais e impressas em fineart para a exposição Bowing (2016), na Galeria Hipotética que, em



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seguida, foi levada ao SESC-RS, em Porto Alegre (cumprindo um período total de 3 de junho a 13 de agosto). Ao integrar a artista à pesquisadora, quero sobretudo afirmar que não concebo a produção intelectual ¾ seja ela de ordem teórica ou educativa ¾ em separado da produção poética. Portanto, tudo o que foi até aqui relatado deve ser compreendido como um fator contributivo para o resultado final e positivo da pesquisa, comprovando a necessidade de se prosseguir trabalhando, interdisciplinarmente, as artes plásticas e literárias, tanto para a produção, quanto para a leitura crítica e o ensino em instância acadêmica. É de se esperar que esses esforços venham a repercutir como um estímulo para o aumento de temáticas interdisciplinares envolvendo artes plásticas ou gráficas, literatura ou escrita criativa nos trabalhos de conclusão dos cursos de graduação.

Fig 10 e 11 ¾ Artes para Lorabur e Bowing.

As ações de maior relevância para constituir o campo de experimentação metodológico no sentido de compor o corpus para a monografia resultante dessa investigação, contudo, foram os cursos de extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais: produção, leitura e ensino e Ilustração e Livro-arte: produção, leitura e ensino, interdisciplinares em conteúdo e também em oferecimento, dado que as suas inscrições foram abertas a alunos não apenas das Artes Visuais, mas de outras áreas, incluindo profissionais e estudantes das Letras, Design, História e Comunicação. É especialmente sobre elas que irei me deter, na monografia que se segue a este relatório.



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ACORDES POÉTICOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: ENSAIO SOBRE METODOLOGIAS PARA A FORMAÇÃO E A EDUCAÇÃO EM ARTES GRÁFICAS Monografia produzida a partir da Pesquisa Acordes poéticos entre visualidades e verbalidades: uma proposta interdisciplinar Paula Mastroberti 1 ARTES GRÁFICAS E SEQUENCIAIS

Para fins exclusivos de inserção no sistema disciplinar, este que custa a abolir as fronteiras entre os diversos saberes e modalidades, chamo de artes gráficas aquelas compreensivas de toda produção artística categorizada como quadrinhos, ilustração, animação, jogos eletrônicos e suas derivações, destinadas à reprodução em larga ou pequena escala, em geral vinculadas explicitamente a um discurso ou enunciado verbal e/ou sonoro. As artes gráficas podem também ser referidas sob a denominação de artes aplicadas ou artes de ofício, expressões que evitarei, pois implicam, historicamente, uma conotação pejorativa com relação à produção operária e anônima, destinada à mera decoração, serialização ou à ampla veiculação midiática na sociocultura. Tais noções, como sabemos, têm repercutido não apenas no valor que lhes destina a pesquisa acadêmica, como no próprio ensino de artes, da escola à universidade, cujas diretrizes e programas custam a reconhecê-las em suas qualidades estéticas e poéticas. As artes gráficas, assim, se diferenciariam daqueles artefatos cuja publicização ocorreria exclusivamente por via de exibições em galerias ou espaços consagradores tais como museus, fundações e instituições culturais. Alguns poderão confundi-las também como parte das atribuições aferidas pelas disciplinas inseridas no Design Gráfico; de fato, o limite entre ambas é tênue — na verdade, tanto para o designer quanto para o artista, eu diria que uma complementação profissional mínima em ambas as formações seria imprescindível, até para o reconhecimento de suas respectivas especificidades. Talvez seja interessante nos



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determos por um momento nessas profissões, na expectativa de contribuir para esclarecêlas. Philip B. Meggs e Alston W. Purvis preferem incluir, dentro de sua perspectiva histórica do design, já as primeiras comunicações coletivas (pinturas em cavernas, murais e outros), passando, por fim, pela invenção da escrita e da gravura até o desenvolvimento da indústria gráfica moderna e contemporânea. Através dos capítulos da conhecida obra História do design gráfico, percebe-se o reconhecimento de uma origem em comum com a literatura e as artes, e a paulatina diferenciação entre elas a partir do século XX, com a sectarização dos processos de produção de livros, material decorativo e publicitário. É quando o profissional do design assume a função de interpretar e modular elementos gráficos previamente dados — entre eles as ilustrações, fotografias, textos e tipografias — combinando-os a materiais que os substanciarão em uma dada ambiência estética, buscando valorizá-los em suas próprias qualidades. Assim, é possível depreender que o designer gráfico será aquele que ficará mais atento aos suportes ou interfaces para comunicação de conteúdos, como um maestro em regência de uma sinfonia executada por uma orquestra composta de instrumentos variados em timbres e tessituras, onde cada integrante contribuirá com sua própria linha melódica. Temos, dentro da área de regência do Design Gráfico, o designer de impressos — livros, revistas, cartazes e outros ¾; o designer de jogos e o web-designer. Nas animações, o diretor de arte assume a função de coordenar e planejar os animadores e cenaristas em torno de um projeto geral — sua função pode ser comparada, em certa medida, ao do designer. Já ao artista gráfico exerce a função do instrumentista, cuja linha melódica alimenta o sistema sinfônico a partir de certos paradigmas formais ¾ uma regência ¾ que lhe serão fornecidos. Cito, por exemplo, o conto criado por mim chamado Adormecida: cem anos para sempre (8Inverso, 2012), uma produção em quadrinhos realizada em técnica de nanquim e ecoline sobre aproximadamente 35 folhas de papel soltas, sobre as quais a designer Martina Schreiner15 debruçou-se para produzir uma organização estética e narrativa e que incluiu uma edição das artes, escolha da tipografia, projeto da arte de capa e outros detalhes decorativos que resultaram no álbum impresso os quais, sem dúvida,

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Martina Schreiner é de Lajeado, RS, estudou Desenho Industrial na UFSM e atua como ilustradora e designer editorial.



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enriqueceram e qualificaram o meu trabalho e, por conseguinte, o objeto editorial comercializado.

Fig 11 ¾ Capa de Adormecida: cem anos para sempre (Besouro Box/8Inverso, 2012).

Contudo, ao buscar uma possível distinção entre a profissão de artista gráfico e a profissão de designer em sua respectivas competências para cada função, verifico que, na prática, o artista também pode ser ou atuar como designer, ou vice-versa (muitos assim o fazem, incluindo eu mesma, que passei boa parte de minha vida projetando meus próprios livros, além de escrevê-los e ilustrá-los, tanto quanto Martina Schreiner atua também como ilustradora), embora seja enriquecedor para ambos quando se reúnem para trabalhar à quatro mãos, trocando ideias a partir dos respectivos olhares. Prosseguindo um pouco mais, vou me deter diante do artista gráfico em sua posição/função em relação ao artista plástico16, na medida em que os princípios criativos formais para a abordagem dos materiais de uso são os mesmos. A diferenciação entre ambos poderia, quem sabe, ser encontrada em seus objetivos ou suas finalidades. O artista plástico tem por ponto de partida majoritário uma ideia ou impulso criativo particular, podendo interromper o seu processo a qualquer momento, dando a obra por acabada; o artista gráfico parte em geral de uma ideia anterior ou com ele compartilhada, ao qual o seu processo se agrega e não se interrompe ao dar por finalizado o trabalho, mas prossegue na etapa posterior em que entram o designer e os sistemas de editoração, reprodução e midiatização. O estímulo inicial de um artista gráfico advirá, portanto, de 16

As diferenças entre ambas as definições provêm muito mais do modo como cada profissional se posiciona diante das diversas instâncias do mercado, ou pelas funções que lhe são atribuídas por uma dada sociocultura, como veremos, do que pelos materiais ou mídias que utilizam.



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um discurso gerador qualquer, como um texto literário, um roteiro, ou até mesmo uma música. E tal estímulo, com frequência, não deriva de uma opção particular do artista gráfico (embora isso também possa ocorrer) mas é um desafio que lhe é proposto (ou imposto); a partir daí esse artista desenvolve suas criações. É claro que nada impede o artista plástico de produzir uma obra a partir de um discurso gerador; contudo, esse discurso dificilmente será integrado efetivamente à obra final ou nela evidenciado, a não ser por deliberação do artista, que o incorpora como um elemento constituinte da própria obra. Para o artista gráfico, é menos provável que isso ocorra. Mas é preciso recorrer às exceções: para citar o meu próprio caso, quase sempre trabalhei como ilustradora ou quadrinista a partir ou em concomitância à produção dos meus próprios textos; outros ilustradores, por iniciativa própria, elaboram ilustrações para textos de domínio público, como Rui de Oliveira, em A tempestade (Cia das Letrinhas, 2000). Ainda assim, haverá um momento em que somos obrigados a abrir mão do controle sobre o resultado final da obra: é quando ela passa para as mãos da equipe de produção editorial ou para as mãos dos técnicos de impressão e acabamento. De qualquer maneira, o trabalho de um artista gráfico deve, necessariamente e em algum momento, retornar ao discurso gerador, de modo a fazer-lhe referência explícita. O intertexto resultante seria, em tese, mais evidente aqui do que o de um artefato inserido no contexto das plásticas. Ainda no que diz respeito às finalidades, também é possível verificar alguns encaminhamentos diversos para obras plásticas e obras gráficas: o artista plástico até pode, tal como o artista gráfico, trabalhar dentro dos critérios de reprodução, porém todas as instâncias da reprodução fazem parte de um processo pessoal, onde não entram outros critérios que não os aprovados ou reunidos em torno de sua autoria. Já o artista gráfico trabalha pensando o seu produto como parte de um processo coletivo, além de levar em consideração a multiplicação de cópias e uma dimensão comunicativa, pois trabalha tendo em vista satisfazer os conceitos que lhe são antecipados pelo designer, editor, diretor, que por sua vez têm em vista o público que desejam atingir. Assim, desde o princípio, o artista gráfico está ciente de que sua participação é colaborativa, coautoral. Novamente, porém, é meu dever observar que essas normas não são rígidas, se pensarmos no aumento de propostas colaborativas em arte contemporânea, incluindo as propostas relacionais que necessitam da participação do público (BOURRIAUD, 2009a), assim como é preciso ter em vista a produção gráfica independente, de cunho absolutamente autoral, em que o artista gráfico controla e retém para si todos os



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processos, da criação ao da veiculação, sem outra preocupação que a de expressar ideias próprias (fenômeno que se verifica na produção de fanzines e de livros-arte). Esse é um comportamento cada vez mais frequente, em virtude não só das facilidades de produção, finalização e de divulgação via mídias eletrônico-digitais, seus dispositivos, aplicativos e redes de comunicação, mas também de uma opção deliberada pela recuperação de antigos processos de montagem de clichês e de impressão, como fazem os grupos O Homem do Saco17, de Lisboa, ou Miolo Frito18, do Brasil, ou ainda artistas como o casal Anna Hellsgard e Christian Gfeller19, de Berlin e Rodrigo Okuyama20, de São Paulo. Da mesma forma — e cada vez mais —, os artistas gráficos têm penetrado em espaços de publicização em geral associados às artes plásticas, expondo originais ou cópias assinadas para apreciação de aficcionados e colecionadores. Alguns espaços se especializaram nesse sentido, oferecendo-se não apenas para a venda de livros ou material gráfico independente, mas também para exibição de obras gráficas. Cito, nesse caso, a Livraria e Galeria Hipotética21, em Porto Alegre, a Livraria e Espaço Cultural Ugra22, de São Paulo e Re:Surgo23, de Berlin. Há também todo um comportamento museológico mais recente, vinculado a crescente valorização do design gráfico como expressão cultural de valor histórico, preocupado em criar um acervo de artes gráficas originais criadas para fins diversos, tais como cartazes, capas e miolo de livros, quadrinhos, storyboards e concepts24. Só no Brasil, a edição de obras sobre teoria e história do design e da ilustração editorial vêm aumentando desde o final dos anos 1990, constando nos catálogos de editoras como a extinta Cosacnaify, a Rosari e a Verso Brasil. Da mesma forma, curadorias ocupadas com a organização de mostras dentro da temática acabam por contribuir para com a valorização da modalidade e do artista gráfico como autor. As animações e os jogos eletrônicos também têm, cada vez mais, se imiscuído no espaço de exibições destinados às demais modalidades contemporâneas, surgindo ao lado de instalações, pinturas, esculturas, videoarte, entre outros; basta, para fins de verificação,

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http://sacoman.tumblr.com/ http://cargocollective.com/thiagoams/REVISTA-MIOLO-FRITO 19 http://www.gfellerhellsgard.com/ 20 https://www.flickr.com/photos/rodrigo_okuyama/ 21 https://hipotetica.com.br/ 22 https://ugrapress.wordpress.com/ 23 http://www.resurgo-berlin.com/ 24 Storyboards são estudos gráficos produzidos para planejamento de roteiro e cenas de filmes, jogos e animações; concepts seriam estudos artísticos para composição de dossiês de personagens e cenários tendo em vista a aplicação em filmes, jogos e animações. 18



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acompanhar, dentro do Brasil, os as edições mais recentes das bienais internacionais de arte. O Festival Internacional de Arte Eletrônica ¾ FILE ¾ tem trazido, a cada ano, propostas inovadoras em artes gráficas fixas ou animadas para suportes eletrônicodigitais25. Ainda sobre as autorias, aponto que as obras gráficas, tais como livros ilustrados ou filmes de animação, integram vários profissionais trabalhando em regime de cooperação mútua, creditados sob o título e a mídia que as reúne: o escritor ou roteirista, o músico, o ilustrador, animador, cenaristas, o designer ou o diretor de arte, entre outros. Entretanto, na arte moderna e contemporânea, trabalhos coletivos também seguem os mesmos procedimentos, embora a assinatura individual ainda seja a opção de preferência dos artistas plásticos. Além disso, como já disse, em virtude do acesso às tecnologias digitais, produzir um livro inteiro ou uma animação pode constituir-se perfeitamente na tarefa de um único autor; as mesmas tecnologias têm favorecido trabalhos plásticos cooperativos para publicização em exposições físicas ou mediante acesso online, sobretudo quando pensamos nas modalidades de web-arte, game-arte e instalações em arte eletrônica, que inclusive agregam profissionais de áreas humanas e exatas em regime interdisciplinar. Antes de concluir minhas divagações sobre o que seriam artes gráficas ou como poderíamos diferenciá-las em relação às demais produções artísticas, uma outra questão emerge ao delimitá-la como corpus de investigação: a inclusão ou não da fotografia e da gravura. Ambas as modalidades costumam compor as grades curriculares dos cursos de artes plásticas e têm sido consagradas mediante os mesmos meios de publicização. Sem entrar na própria história da indústria gráfica, cuja origem nos levaria à xilogravura já conhecida pelos chineses desde o século VI, até os procedimentos de replicação por via de fotolitos e cromos de impressão, reconheço que a fotografia e gravura, a depender igualmente da função e das atribuições conferidas por seu autor, pode atuar, sim, como arte gráfica. Essa afirmação tem por base a produção de zines, as fotonovelas, ilustrações fotográficas ou histórias em quadrinhos que se valem, eventualmente, de colagens, fotocópias, mimeografia ou outro meio de impressão doméstica, às vezes mesclados ao 25

Objetos como web-comics, gif-art, game-art, jogos e animações produzidos em 2D ou 3D (com ou sem uso de óculos rift), além de instalações, objetos e esculturas animados ou interativos, fazem usualmente parte dos trabalhos selecionados pelo Festival que acontece anualmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Porto Alegre sediou o Festival somente em 2008. Mais sobre o FILE: http://file.org.br/?lang=pt



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desenho ou à pintura, sendo eu mesma um exemplo a ser citado como uma artista que se vale de alguns desses processos26. Também é preciso contar com o uso deliberado de matrizes e tipografias antigas de impressão, incluindo tipos de madeira ou metálicos. Entre as modalidades de gravura, haveria ainda que se pensar na gravura gerada a partir de matriz digital, de difícil aceitação pelo mercado de arte mais tradicional, preocupado com uma suposta facilidade de reproduzir, falsificar ou editar originais. Acredito, porém, que isso se deve muito mais a um desconhecimento gerado pela ausência de uma formação e atitude profissionais para os cuidados de produção, registro e arquivamento dos arquivos-matrizes do que propriamente à desqualificação dos recursos e suas ferramentas. Resta agora discorrer sobre o que se chama de arte sequencial. A princípio, poderíamos atribuir essa definição a qualquer produção cujas partes ou elementos minimamente reconhecidos como tal estejam integrados em torno de uma temática discursiva, seja ela poética ou prosaica, ou cuja ocupação espacial implique uma dimensão de tempo. Em termos de artes gráficas, tal proposição ajudaria, em princípio, a diferenciá-las de qualquer outra unidade avulsa, como um desenho, fotografia, gravura ou pintura emoldurados, por exemplo. O caráter sequencial de uma obra artística, contudo, não impede sua publicização nos espaços de galerias, instituições e eventos expositivos; basta observarmos a presença, entre outras, de obras em vídeo ou animadas, ou ainda a web-art interativa. De modo que a expressão “arte sequencial” parece não dizer muita coisa ¾ ou pelo menos não poderia restringir-se ao universo das artes gráficas, mas incluir todas as modalidades que trabalham com sistemas poético-narrativos. O que importa ou ¾ a quem importa, então, definir o que são artes gráficas e sequenciais? Se caio na armadilha de tentar defini-las, bem como às artes sequenciais é porque tenho em vista justamente a eliminação das diferenças e de alguns preconceitos residuais e persistentes. Creio ter ficado claro que as definições das modalidades artísticas parecem depender muito mais de uma postura e de um endereçamento particular por parte dos autores diante do trabalho artístico ou, ainda, de um reconhecimento social, do que de uma conceituação externa, puramente teórica. Poderíamos então estabelecer que serão os critérios de autoria e de propriedade, bem como de finalidades, ou funções, como observa

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Sugiro, para verificação, uma visita ao meu site: http://www.mastroberti.art.br



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Gérard Genette (2001), tais como os modos de relacionamento com os sistemas de publicização e de socialização de uma dada obra, os determinantes na hora de atribuir diferenças entre um artista gráfico e um artista plástico. Contudo, embora as práticas artísticas comprovem a diluição dos limites de atuação profissional, é preciso realçar que, em instância teórica, ainda perseveram as categorizações hierárquicas, diminutivas dos valores das artes voltadas para serialização e veiculação em larga escala, bem como a linha divisória que as separam da chamada “grande arte”. Assim, falta ainda eliminar os resquícios de um pensamento anterior sobre o qual essas categorizações foram erguidas ¾ apoiados, sobretudo, em pensadores como Adorno e Horkheimer ¾ que hoje já não fazem mais sentido, como evidencia, por exemplo, Johanna Drucker (2010) em seu artigo Art27. Isso viria a aumentar não apenas a presença, mas o estudo acadêmico sediado nos cursos de graduação ou de pós-graduação de artes plásticas sobre quadrinhos, ilustrações e animações, atualmente localizados na história, na comunicação e nas letras. Sem desmerecer essas abordagens, a raridade de olhares especializados sobre os aspectos artísticos das artes gráficas me preocupa no sentido em que a lacuna repercute na formação profissional do artista gráfico, preterida em favor de um interesse estritamente voltado para as publicizações da produção artística via galerias, museus e instituições culturais. Infelizmente, os mesmos pressupostos que subestimam o valor poético dos objetos criados pela indústria cultural ¾ sobretudo a de entretenimento ¾ apoiam uma visão pedagógica de que a cultura midiática é um objeto de investigação válido apenas quando serve de “escada” para acesso à “grande arte”, devendo ser descartada logo em seguida, em nome da inserção dos jovens e crianças na “alta cultura” avalizada por museus e instituições artístico-culturais. Da mesma forma, a apropriação das artes gráficas como objeto de estudo de áreas não especializadas em poéticas plásticas contribui, direta ou indiretamente, para que essa modalidade só apareça como apêndice didático ou paradidático das disciplinas de línguas, ou inseridas nas áreas das ciências humanas e da natureza. Assim, teremos a inserção dos quadrinhos no Ensino Básico apenas para servir aos propósitos de leitura literária adaptada, ou para repassar, de forma “lúdica”, conteúdos informativos. Desenhos animados serão projetados na educação infantil com vistas a preencher um intervalo de tempo recreativo, sem nenhuma reflexão crítica; jogos

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O artigo está publicado na obra Critical terms for media studies, obra organizada por William J. T. Mitchell e Mark B. N. Hansen.



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eletrônicos serão vistos com desprezo quando não com desconfiança; e até mesmo os livros ilustrados serão preteridos após a alfabetização completa, tendo em vista a prioridade da leitura de textos mais longos e sem figuras. É em atenção a esses equívocos que prosseguirei definindo o campo das artes gráficas e sequenciais como o lugar das artes plásticas onde o profissional artista atuará tendo em vista os mercados editoriais e publicitário, a indústria gráfica e a indústria cultural e de entretenimento (que inclui jogos e o cinema de animação). Assim, os recortes que circunscrevem a pesquisa e os resultados aqui expostos ficam justificados. Além destes, outros se farão necessários. O primeiro deles inicia localizando o chão de onde brota essa pesquisa: o Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atuo como docente. Portanto, falar em artes gráficas e sequenciais do interior da minha área implicaria, em primeira mão, reconhecer essas modalidades em seu potencial artístico, priorizando os aspectos formais. A isso, somo as marcas deixadas por minha produção criativa como escritora e artista plástica, ilustradora e quadrinista, sem contar as experiências na área da animação e na publicidade. Ocorre também que residi, durante seis anos, após meu Bacharelado em Artes Plásticas, numa outra casa, a das Letras. Tomo, portanto, por segunda incisão esse passaporte que me confere a liberdade de transitar em pelo menos duas áreas para investigar seus fenômenos semióticos e suas inter/rel/ações discursivas. A vantagem de se tratar das modalidades verbais a partir de minha localização atual ¾ as artes plásticas ¾ é que assim sinto-me mais à vontade para abandonar, pelo menos em parte, os usos normativos da língua para me dedicar às apropriações criativas que tratam das palavras em sua matericidade poética. E, sem esquecer o elas significam, posso observá-las como riscos, grafemas inscritos ¾

ou desenhados ¾ em uma

superfície. Um corpo presente, enfim. Assim, o recorte derivado de minhas competências, priorizará aqueles sistemas gráficos que procuram entrelaçar, em maior ou menor medida, o verbo e a imagem28 impressos, como histórias em quadrinhos e livros ilustrados. Deixaremos para uma abordagem futura as demais modalidades.

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Tanto verbo, quanto imagem, surgem aqui em seu sentido lato: o verbo como texto-registro da fala e imagem como textura-registro visual. Contudo, sabemos que tanto a palavra pode funcionar como imagem ¾ como ocorre eventualmente nos quadrinhos, através de onomatopeias ¾ quanto a palavra imagem, em seu sentido estrito, não é sinônimo para figura, mas abrange toda e qualquer projeção mental produzida a partir da interação com signos, sejam eles de qualquer natureza.



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A última incisão tem por objetivo destacar duas das principais ações movidas com o objetivo de alimentar a pesquisa: o Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais oferecido semi-presencialmente ao longo do ano de 2015 e o Curso Ilustração e Livro-Arte ministrado em 15 encontros presenciais realizados no primeiro semestre de 2016, extensões universitárias abertas aos estudantes de graduação e à comunidade em geral. Meu principal objetivo, ao tecer uma narrativa sobre cada um dos cursos, é refletir não apenas sobre as modalidades em si mesmas — suas afinidades e diferenças —, mas também elaborar uma reflexão crítica sobre suas metodologias, cuja elaboração requereu conhecimentos interdisciplinares envolvendo a produção, pesquisa ou a leitura de textos em interação às artes em quadrinhos e ilustrativas, além de estudos dos seus contextos históricos, econômicos e socioculturais.

2 QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS

2.1 Visão geral do Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais ¾ produção, leitura e ensino O Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais foi planejado para constituir o corpus dessa pesquisa; porém, acima de tudo, ele veio para atender a uma demanda dos alunos do Curso de Artes Visuais por um local disciplinar de exploração específica da modalidade. Dado que ele se caracterizou como uma extensão universitária, eu o ofereci também aos demais estudantes de graduação e aos profissionais da comunidade em geral. Os inscritos passaram por um processo seletivo através da análise de um portifólio e de uma carta de intenção. A etapa seletiva teve por principal objetivo a necessidade de trabalhar com participantes de comprovada maturidade tanto do ponto de vista artístico quanto de comprometimento pessoal, pois eu tinha em vista a publicação dos trabalhos29. O curso durou todo o ano letivo de 2015, iniciando no primeiro semestre com uma fundamentação teórica e algumas práticas de aquecimento criativo; o segundo semestre foi destinado a produção final de páginas de quadrinhos, a serem reunidas em uma produção coletiva cujo tema seria a recriação30 gráfica da obra Through the looking-glass 29

O projeto de publicação foi inscrito no Edital Rumos Itaú Cultural de 2015/2016, mas não foi selecionado. Depois disso, tentamos a publicação por outras vias, mas até o momento, não fomos bem sucedidos. 30 Recriação é o termo que adoto para dar nome aos procedimentos criativos que envolvem pós-produção (BOURRIAUD, 2009b) ou intertextualidade (GENETTE, 1982) a partir de uma outra obra ou texto. Não



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and what Alice found there [Através do espelho e o que Alice encontrou lá], de Lewis Carroll. Ao todo, foram 54 inscritos, e 24 selecionados; contudo, dois desistiram já no início do percurso, e três não prosseguiram no segundo semestre. O grupo final reduziuse a 19 integrantes, entre os quais três não tinham formação em Artes Visuais, mas em Comunicação, Letras e História. Dentro das Artes Visuais, alguns eram da Licenciatura e outros do Bacharelado. É importante discriminar ambas as habilitações dentro do Curso de Artes Visuais, porque a presença de alunos de Licenciatura — cujo foco é a educação — implicou uma atenção maior de minha parte em incluir conteúdos sobre ensino e leitura dos quadrinhos. Ao mesmo tempo, elaborei um plano didático opaco, ou seja, um método cuja sistemática ficasse evidente a esses alunos interessados na aplicação dos quadrinhos em sala de aula31. Desde o princípio, combinamos que a produção de cada aluno-autor teria um número limite de páginas, e que elas seriam realizadas de forma colaborativa: distribuímos os 12 capítulos da obra elencada — sendo que os capítulos 10 e 11 são muito pequenos, compreendendo um parágrafo ou nem isso— entre oito duplas e um trio de trabalho. Também combinamos que as artes finais seriam finalizadas em preto, branco e vermelho, não só para dar unidade ao material, mas também para remeter significativamente ao jogo de xadrez, no qual Carroll inspirou-se para estruturar a narrativa. Em meu planejamento32, como também fiz questão de deixar claro, eu abordaria teoria e prática em escrita e produção artística na linguagem dos quadrinhos, além da leitura analítica. De início, notei alguma resistência por parte de alguns participantes que desejavam partir direta e exclusivamente para a produção, seduzidos pela hipótese de publicação. Foi preciso lembrar que o programa do curso implicava uma contextualização; portanto, o curso se configurava para além de uma simples oficina criativa, mas nos ocuparíamos da história e dos contextos socioculturais e econômicos da produção gráfica, da análise de obras, da verificação dos diversos gêneros e estilos, de

se trata de uma adaptação, ou de releitura, tampouco de ressignificação; a obra que surge a partir da recriação é dotada de originalidade, embora declare seu ponto de partida ou referenciais inspiradores. 31 Essa estratégia beneficiou sobretudo a licencianda Giordana Cenci Dal Castel, minha orientanda e aluna do curso, cujo estágio realizado em 2015 e o trabalho de conclusão refletem um aproveitamento com relação às didáticas e recursos utilizados. 32 O plano do curso encontra-se no Apêndice 2.



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teorias da arte e da escrita e de uma semiótica específica, aplicada à linguagem dos quadrinhos. Sobre a escolha da obra de Lewis Carroll, digo que poderia ter sido qualquer outra, assim como eu poderia ter permitido a escolha livre de um texto pré-existente para versão em quadrinhos ou desenvolvido a produção de um roteiro inédito. Contudo, a leitura de Through the looking-glass [Através do espelho] (que poderia ser realizada em inglês ou em tradução para o português) foi proposta tendo em vista não só atender à pesquisa ¾ que visava a promoção da leitura literária mais atenta aos critérios estéticos, de modo que o aprendizado por essa via repercutisse positivamente na qualidade da escrita dos participantes, através de sua roteirização recriativa ¾ mas também em atendimento aos objetivos de conferir unidade à reflexão, à discussão e à produção coletiva, além de possibilitar análise posterior de ordem comparativa entre os diferentes resultados criativos. Por fim, a proposta de recriação da obra em quadrinhos recebeu uma acolhida positiva pela maioria dos participantes, mesmo que alguns inicialmente declarassem não terem se entusiasmado com sua leitura. Além disso, por ser de domínio público, ela nos liberou de qualquer compromisso com respeito aos direitos autorais. Basicamente, ao lado do texto original em inglês, acessível apenas a alguns, sugeri as traduções realizadas no Brasil pelas editoras Zahar, Cosacnaify e L&PM33. Isso nos permitiu comparar as diversas traduções, algo importante no caso de um texto que inclui inúmeros trocadilhos e neologismos. Trabalhá-la de forma recriativa liberou os alunos igualmente quanto aos possíveis problemas quanto ao uso direto de traduções e os desobrigou de seguir as linhas rígidas de uma adaptação da obra, gerando ricas variantes conceituais, textuais e narrativas. A estrutura do curso apoiou-se na seguinte didática: encontros presenciais quinzenais de três horas de duração, sendo a primeira metade da aula destinada à apresentação teórica e contextos históricos e socioculturais de produção e de mercado. Na segunda parte, realizávamos alguma atividade prática, ou discutíamos a produção em andamento. O atendimento e as discussões prosseguiam durante e além dos encontros,

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Trabalhamos principalmente com Alice: edição comentada e ilustrada, da Zahar Editores (2013) e o original e inglês The annotated Alice: the deficitive edition, com introdução e notas de Martin Gardner, da W. W. Norton (2010). Mas outras edições do texto integral foram aceitas, incluindo, além das editoras citadas no corpo desse trabalho, as disponibilizadas em formato eletrônico.



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através da rede social Facebook, onde abri um grupo em caráter secreto, de modo a proteger as informações trocadas. Um outro recurso importante foi a plataforma Google Drive, usada para organização e postagem de trabalhos e agilização das orientações postadas na coluna de revisão e comentários. Mais tarde, essa plataforma também funcionou para a realização dos trabalhos de grupo, evitando o excesso de reuniões presenciais, garantindo um atendimento personalizado, além de possibilitar o rápido compartilhamento de materiais entre mim e todos os colegas. Projetos, referências, materiais de estudo tais como esboços e artes finalizadas, roteiros, tudo era postado em pastas especialmente criadas e compartilhadas através do Google Drive para este fim. O curso ainda contou com um aluno ouvinte da Pós-Graduação em Design, com pesquisa em quadrinhos eletrônicos. Em virtude da sua posição, Luiz Alberto do Canto Pivetta não participou da produção recriativa de Através do espelho; contudo, ele voluntariamente disponibilizou seus conhecimentos em design e sua experiência na produção cultural para a montagem do projeto de publicação e seus encaminhamentos na inscrição em editais. Também contei com uma bolsista de extensão da área da Licenciatura em Artes Visuais, Bruna Cavalheiro Müller, cujas contribuições de ordem didática foram fundamentais para o enriquecimento e a dinâmica das aulas, além estabelecer uma comunicação mais eficiente entre os alunos e eu. Dentro do programa, estavam previstos dois encontros com convidados da área. Assim, aproveitei a vinda de Rafael Coutinho34 a Porto Alegre e promovi um encontro dele com os alunos, ao qual juntou-se também Ana Luiza Koehler35; também recebi um aceite de Maria Clara Carneiro36 para vinda a Porto Alegre, mas infelizmente não consegui aprovação financeira para trazê-la dentro do período da Extensão.

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Quadrinista, autor da série O beijo adolescente,da obra Cachalote com roteiro de Daniel Galera e, na época, editor da Narval Comics. 35 Ana Luiz Koehler é quadrinista gaúcha, autora de, entre outras obras, Beco do Rosário e Awrah. 36 Maria da Clara Carneiro é pesquisadora em quadrinhos, tendo concluído seu doutorado na UFRJ.



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Fig 12 ¾ Encontro com Rafael Coutinho (à dir) e Ana Luiza Koehler (em primeiro plano).

O Curso reuniu, além dessas, outras atividades; alguns resultados encontram-se divulgados em dois locais online: o blog Os nove espelhos de Alice37 e a Fanpage na Rede Social Facebook de mesmo nome38. Vale à pena nos deter em algumas delas, e assim registrar algumas das práticas específicas adotadas para o ensino dos quadrinhos como linguagem artística.

2.2 As atividades para o Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais 2.1.1 Atividade “Insetos em Port-manteaux: uma abordagem semiótica do texto de Lewis Carroll” No capítulo 3 da obra Através do espelho e o que Alice encontrou lá, Lewis Carroll apresenta a Alice e aos leitores, através do personagem Mosquito, alguns insetos bizarros por via de palavras aglutinadas, conhecidas como port-manteaux. Com a finalidade de conscientizar para a prática semiótica de translação entre verbo e imagem gráfica39, propus aos alunos que produzissem insetos a partir da colagem

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Disponível em: http://osnoveespelhosdealice.blogspot.com.br/ Disponível em: https://www.facebook.com/noveespelhosdeAlice 39 Os processos de translação semiótica aos quais me refiro fundamentam-se em Charles Sanders Peirce (2005), cuja filosofia do signo implica o seu reconhecimento em três relacões: com o objeto, com o interpretante e com o representamen em si, ou seja, com as suas próprias qualidades sígnicas. A palavra translação decorre de uma preferência minha em detrimento de tradução, usada por Julio Plaza (2003) desde o título de sua obra. Ocorre que tradução associa-se à ideia de traição, em virtude das possíveis “perdas” significativas ao se traduzir uma linguagem para outra. Assim, opto pelo termo translação, cujo sentido remete mais às transsignificações ou ressignificações sem prejuízo qualitativo para as linguagens envolvidas. 38



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de elementos pré-existentes, fotográficos ou pictografados, atribuindo-lhes um nome igualmente significativo, tentando produzir um port-manteau verbo-visual:

Fig 13 e 14 ¾ insetos do Espelho.

O exercício foi importante como aquecimento para a proposta recriativa, além de provocar a integração inicial entre os participantes, que se divertiram em compartilhar e comentar os estranhos insetos através do grupo no Facebook. Mesmo os alunos da História e da Letras, não familiarizados com as linguagens da arte, puderam, através da colagem, exercitarem-se na produção gráfica.



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2.1.2 Atividade “E se a Rainha Alice fosse para em Porto Alegre?” Essa atividade foi planejada a partir de uma sugestão de Bruna, a monitora, e repercutiu muito bem junto ao grupo. Todos foram convocados a comparecerem num local do centro de Porto Alegre em um sábado pela manhã. A proposta consistia em coletarem, em forma de fotografia (usando celulares) ou desenho (usando seus sketchbooks), elementos se cena e transeuntes que pudessem ter alguma relação com o capítulo 9, quando Alice é coroada Rainha Branca do Xadrez em meio a uma grande festa. Os alunos dispersaram-se pelo Centro Histórico da cidade em busca de referências para produzir uma charge40 ou uma tira41 que narrasse algum evento recriativo sobre o capítulo em questão. Com objetivo semelhante ao do exercício anterior, essa atividade tinha por fim o aquecimento nos sistemas de recriação e a ampliação do imaginário para constituição do Mundo do Espelho e seus personagens, a partir de novos referenciais (no caso, a paisagem urbana do centro de Porto Alegre e os habitantes de passagem).

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Adoto a seguinte definição, visando simplificar a questão: charge ou cartum seria um gênero gráfico que se caracteriza por compor-se de apenas um quadro ou painel (pelo qual também pode ser chamado), no qual sintetiza-se um acontecimento que pode ser humorístico, poético, nonsense, político, etc. É normalmente usado em jornais para anunciar e provocar o leitor para a principal notícia do dia. Nas revistas, pode aparecer no final, como um arremate reflexivo da ordem do dia. Estudiosos dos quadrinhos como Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos (VERGUEIRO, RAMOS, passim) preferem distinguir a charge do cartum, dizendo que sua diferença residiria quanto ao local de publicação ¾ se jornal ou revista. Também é possível encontrar entre as publicações teóricas que a charge, como a crônica literária, seria mais pontual e trataria de assuntos mais transitórios enquanto que o cartum, tal como conto, trataria de temas mais perenes ou metafísicos. Em publicações organizadas pelos mesmos e por outros autores, como Roberto Elísio dos Santos (2015), encontramos a afirmação de que a diferença entre a charge e os demais tipos de quadrinhos residiria não tanto na forma sintética, mas nas temáticas ¾ se humorísticas ou políticas. Entre os chargistas mais conhecidos e premiados, temos os brasileiros Moa e Rodrigo Rosa. 41 A tira seria um gênero similar, em termos narrativos, ao miniconto: poucos quadros (de dois à quatro, em média), dispostos preferencialmente em uma única linha horizontal ou vertical. Contudo, há variações que desafiam essa definição: tiras publicadas em jornal podem narrar uma história aos poucos, como se fosse em capítulos; há tiras de duas colunas, compondo página única ou meia-página. Em comum, entretanto, podemos dizer que toda tira se ocupa de uma sequência curta de poucos quadros, com desfecho total ou parcial, geralmente publicada em jornais e revistas de forma seriada. Entre os autores mais conhecidos pela dedicação ao gênero, temos Liniers e Quino, da Argentina.



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Fig 15 e 16 ¾ Charges de Sérgio Ricciardi e Gustavo Souza, resultantes das referências coletadas. Observem que Sérgio é historiador e escritor, mas conseguiu um bom resultado usando colagem, a mesma técnica usada por Gustavo Souza, aluno do Bacharelado em Artes Visuais.



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Fig 17 e 18 ¾ Tiras produzidas por Bruno Dornelles e José Borba a partir da atividade.

2.1.3 Atividade “O personagem que sou eu: reflexos especulares” A proposta para essa atividade era a criação de uma arte em que cada aluno incorporaria uma personagem da obra a sua escolha agregando a ela valores de sua própria personalidade. Antes, contudo, fizemos em aula um jogo de adivinha, onde o participante tinha que interpretar fisicamente qualquer personagem da obra, com exceção de Alice, sem identificá-la. Ao gestualizar e falar como a personagem, inventando para ela um timbre de voz e ao elaborar expressões faciais e ao gestualizar pensando-se como ele, cada aluno refletiu, mesmo sem se dar conta, sobre sua escolha, de forma a refletir na produção do conceito gráfico de personagem que daria origem à arte:



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Fig. 19 e 20 ¾ Artes de recriação dos personagens Lírio-Tigre por Luiz Pivetta e Humpty Dumpty por Mariana Bede, este último o preferido pela maioria dos alunos.

2.1.4 Atividade “Eu conceituo, tu conceituas, nós conceituamos: recriando Alice” Essa proposta tinha por principal intuito promover o espírito de colaboração, importante para formação de profissionais que trabalham com a modalidade dos



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quadrinhos; além disso visava ampliar a imaginação a partir de produção de concepts42. Nos detemos, para esse exercício, na configuração recriativa da protagonista, Alice. Assim, cada aluno foi convidado a elaborar uma ficha descritiva de Alice, procurando imaginá-la nos dias de hoje, listando características físicas, sua idade, vestuário e estilo, e qualidades psicológicas positivas e negativas. Também era preciso propor um detalhe especial, como um objeto de estimação ou um estigma. Em seguida, as fichas foram trocadas entre os participantes e os alunos tiveram que produzir seu concept em obediência à descrição criada pelo colega. O exercício foi muito estimulante, na medida em que cada aluno teve que desenvolver uma “alice” graficamente diferente do que normalmente teria pensado, submetendo-se aos conceitos de uma “alice” alheios aos seus. A partir do concept do colega esse aluno também desenvolveu uma historieta de uma página, tentando dar conta das características listadas:

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Concept (conceito, em inglês) é o nome atribuído ao material gráfico que compõe o dossiê de um caráter: sua aparência geral, suas expressões faciais e gestuais, características psicológicas e de personalidade.



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Fig 21 e 22 ¾ páginas com historietas desenvolvidas por Alexandre de Nadal e Anna Jonko, a partir dos concepts de colegas.

As atividades descritas nos itens de (a) à (d), proporcionaram, como se pode perceber, a experiência nos diversos gêneros (ou submodalidades) de quadrinhos, sempre trabalhando dentro de critérios recriativos. É importante observar que alguns não conheciam ou não sabiam o que significavam os termos charge, cartum ou tira. Assim, elaborei um tutorial gráfico para orientá-los; também participei de alguns exercícios, de modo a oferecer algum modelo que lhes servisse de guia. Mesmo assim, alguns tiveram dificuldade em compreender a diferença entre eles, demonstrando, mais uma vez, a necessidade de se aprofundar nos contextos históricos de produção e do desenvolvimento da linguagem em dependência das tecnologias, suportes e mídias.

2.1.5 Atividade “Leitura-escrita criativa: produzindo roteiros” Nem todos os participantes manifestaram interesse em produzir as artes para as páginas em quadrinhos de Através do espelho. Dois alunos ¾ um da História e um da Licenciatura em Artes Visuais ¾ preferiram se deter exclusivamente na escrita e



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roteirização. Mesmo assim, todos tiveram que participar, da mesma forma, das atividades que introduziram as técnicas de elaboração de roteiros. Para que houvesse uma boa compreensão do que implica a produção de um roteiro em quadrinhos, trabalhei com eles um pouco de análise discursiva, quando eles, divididos em grupos, montaram uma espécie de fluxograma narrativo, segmentando os capítulos da obra em tabelas ou diagramas onde constassem os seguintes elementos principais, constituintes de uma narrativa: cenas, personagens, elementos, ações e peripécias.

Fig 23 ¾ Parte de um fluxograma produzido por um grupo de alunos.

Além desse exercício, a produção de roteiros incluiu ainda uma preocupação com o planejamento de storyboards43 que, posteriormente, auxiliariam na geração de layouts de página.

Fig 24 ¾ Página de storyboard. 43

Storyboard [em inglês, painel narrativo] é um tipo de esquema elaborado por um artista a partir de um texto ou em conjunto com um roteirista, e que seleciona, para fins de guia de produção, cenas-chave de uma narrativa elaboradas em desenhos ou artes de esboço, acompanhadas de legenda.



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Através das duas propostas, os participantes aprendiam ou refletiam sobre o tempo e o espaço ocupados por uma narrativa gráfica dividida em quadros, para além do fluxo puramente verbal, mas sempre pensando o texto em sua integração ao discurso visual, característica fundamental dessa modalidade e um dos maiores desafios enfrentados pelo roteirista, sendo justamente esse desafio — o de pensar o recorte quadro à quadro e sua disposição em uma página dividida em grade — aquilo que o difere de um escritor ou de um roteirista de cinema. Perguntas sobre como, onde ou quando interromper uma linha ou uma conjunto de quadros na extensão de uma página; qual o número de quadros, qual o tamanho ou tipo mais adequado para compor a narrativa sequencial de modo a proporcionar o tempo-espaço desejado para leitura; todas essas questões podem e devem ser pensadas desde a roteirização, cabendo ao artista a criação dos dados artísticos de cada quadro, ainda que lhe possa ser conferido um certo grau de flexibilidade. Minha intenção, através desses exercícios, foi a de discriminar as funções artista e roteirista, promovendo a consciência dos alunos para as responsabilidades e atribuições de cada uma delas. É claro que, na prática profissional, ambos os autores, do roteiro e das artes, supostamente trabalharão em conjunto; salvo exceções, eles atuarão em mútua interferência. No quadrinho autoral se pressupõe, inclusive, o exercer concomitante de ambos os papéis por uma só pessoa. Na produção final, insisti mais uma vez na separação roteiro/artes para poder orientá-los quanto aos textos. Os roteiros foram assim depositados nas pastas de cada grupo de trabalho no Google Drive e revisados por mim um a um não só quanto às questões gramaticais, mas quanto ao ritmo narrativo, quanto ao léxico utilizado, e sua aplicação para obtenção de coesão e coerência frasal44.

2.3 Reflexões sobre as atividades da primeira etapa Ao discriminar as diferentes atribuições de um quadrinista, evidenciei a complexidade de se produzir uma narrativa em quadros, chamando a atenção para a qualidade literária do texto-roteiro que, somados à qualidade artística disposta em uma dada grade de quadrinização, propõe efeitos semióticos integrados, conferindo ritmo e de fluidez à narrativa.

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Léxico, coesão e coerência são os atributos reivindicados pelos estudos linguísticos para a elaboração de qualquer texto narrativo, inclusive o literário. Para fundamentar essas atividades, utilizamos sobretudo as obras de Irandé Antunes (2005 e 2012).



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É importante ressaltar que todas as atividades trabalhavam os capítulos sem ainda prever a sua divisão por grupos de trabalho. Essa determinação teve seus aspectos positivos, gerando uma apreensão mais abrangente da obra elencada, além de fomentar uma integração afetiva — e criativa — entre os participantes, em que ideias de uns poderiam — como de fato foram — posteriormente apropriadas por outros. Com essa tática, penso que consegui reduzir um pouco a fixação dos alunos em demarcar “territórios de autoria”. As atividades também poderiam servir aos alunos de licenciatura como modelo para criação de planos de ensino em quadrinhos, como sugere um dos alunos, em sua avaliação45: Quanto a parte de produção/exercícios foi bastante interessante. Principalmente o trabalho de saída de campo. Talvez laboratórios práticos fossem necessários (mais mão na massa ao vivo) para aqueles que não tinham experiência. As metodologias/exercícios apresentados foram enriquecedores (podem ser muito bem aproveitados para a área da licenciatura em artes) Acredito que no geral promoveram uma boa interação entre os colegas (para aqueles que se comprometeram). A saída de campo possibilita uma interação bastante divertida/harmoniosa entre os alunos, pois se aproveita dos espaços públicos que são estimuladores visuais.

Por outro lado, reconheço que o fato de trabalharem vários capítulos da obra sem previsão de quem finalizaria o quê até o final do primeiro semestre ¾ ou sem ter construído uma afinidade maior com seu parceiro de trabalho ¾, provocou uma certa angústia na turma. Isso também foi apontado na avaliação do curso feita pelos alunos, como se lê abaixo: O primeiro semestre foi bom em relação aos conteúdos (expositivos e leitura do livro), [...], mas a falta de exercícios paralelos (fazer quadrinhos) gerou uma ansiedade que só terminou quando começamos a produzir e a fazer exercícios práticos de criação envolvendo também a crítica de todos via facebook.

Deixarei para minhas considerações finais uma avaliação mais profunda dessas questões.

2.4 Segunda etapa: a produção final 2.4.1 Últimas orientações No segundo semestre iniciamos a produção final. Ela não foi deixada à deriva, mas permanentemente orientada, cumprindo algumas etapas necessárias para o

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Foi proposto, no final do curso, um questionário de avaliação usando o aplicativo Google Formulário, para participação opcional e anônima. Remarco que apenas 8, dos 19 integrantes, interessaram-se em responder à avaliação.



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aprendizado de como se organiza uma produção profissional em quadrinhos. Os grupos de trabalhos foram organizados conforme afinidades observadas por mim e pela minha monitora. Também organizei, a partir da seleção dos alunos mais maduros e experientes, uma equipe de apoio para auxiliar os demais. Tal decisão não veio somente facilitar meu trabalho de orientação, mas abriu a possibilidade de uma experiência de coordenação editorial para esses alunos, afinal, eles haviam se destacado pelo alto grau de interesse e dedicação e por estimular o grupo como um todo. A equipe de coordenação formada por esses alunos superou minhas expectativas quanto ao desempenho; a participação com comentários e sugestões, além de engajá-los em um projeto cujo sistema era cooperativo, contribuiu para qualificar a produção dos menos experientes. Sobretudo, ela foi importante para a relativizar o peso de minhas orientações. Num primeiro momento, cada dupla (ou trio) de trabalho precisou criar um argumento e um projeto (que incluía, além de uma sinopse, previsão da divisão por páginas, fichas dos personagens e da composição de cenários, entre outros) para o capítulo de Através do espelho que lhe cabia. O objetivo principal era prepará-los para produzir projetos tendo em vista a inscrição editorial. Em seguida, a partir do projeto, foram desenvolvidos os layouts de páginas roteirizados, incluindo esquemas prévios dos desenhos já dispostos em uma grade provisória, com inclusão do texto. Só então, a partir da minha aprovação, as páginas poderiam ser finalizadas conforme o combinado: em preto, branco e vermelho, usando técnica livre — a grande maioria optou pelo nanquim, aquarela e guache sobre papel; outros usaram recursos digitais. As páginas finalizadas deveriam ser entregues já digitalizadas conforme padrão profissional exigido normalmente (arquivos em formato TIFF, com resolução de 600 dpi). Em paralelo a produção, promovi, com apoio do aluno ouvinte e designer Luiz Pivetta, uma sessão de como montar um projeto para editais de seleção e de premiação, usando como exemplo o projeto Os 9 espelhos de Alice a ser inscrito num edital de São Paulo46. Também promovemos ações como criar ilustrações de closes das diversas “alices” para produção de cartazes divulgadores da publicação futura. Por fim, o blog Os 9 espelhos de Alice foi criado para divulgar e documentar a produção, além de conter o registro de participações em eventos acadêmicos de extensão e pesquisa. A fanpage no Facebook apresentava, no final do curso, um número de mais de 900 apoiadores ao projeto.

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Edital Rumos Itaú 2015/16. O projeto não foi selecionado.



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O Curso foi encerrado com uma celebração em dezembro de 2015, quando foram apresentados os trabalhos já concluídos. Entretanto...

2.4.2 ...produzir quadrinhos não é fácil! Nos últimos meses, enfrentei os seguintes problemas: conflitos entre os grupos de trabalhos, resultando na subdivisão de cada capítulo em duas partes; dificuldades em manter o grupo interessado na produção até o final e o esgotamento da verba de extensão que nos auxiliaria em parte na publicação. Prazos foram prorrogados, mas nem todos cumpriram o compromisso de entrega das páginas, prejudicando o coletivo. Contudo, alguns membros do grupo continuaram a estimular os colegas no sentido de completarem os capítulos faltantes, acreditando ser viável a publicação. O grupo não se dispersou após o término do curso, mas prosseguimos em contato via Facebook; lá trocamos ideias e permanecendo unidos em torno da obra de Carroll, da vontade de publicar o trabalho e do interesse pela linguagem dos quadrinhos. Percebi, entretanto, que alguns não concluíram o curso plenamente amadurecidos ou preparados para uma publicação, nem para atender às exigências requeridas pela modalidade. Faltou-lhes, apesar de minhas constantes remarcações, uma noção sobre o tempo e paciência que a arte demanda, e um domínio maior sobre o discurso da narrativa. Para além das competências relacionadas à escrita, não basta simplesmente quadricular uma página e inserir desenhos em sequência: a ordem e a disposição dos balões afetam o ritmo e a ordem de leitura; as artes devem ser significativas e não um mero amontoar de faces e elementos falantes ou em movimento; uma onomatopeia ou qualquer sinal gráfico, dependendo da quantidade e da posição, interfere positiva ou negativamente na energia dramática. O programa do curso, de longa duração, foi executado integralmente, conforme previsto. Todos os participantes mostraram-se motivados e interessados de modo geral, mesmo quando criticavam uma ou outra proposição. Eu poderia considerar que foi uma ação bem-sucedida e, no todo, ela assim me parece. Contudo, numa análise mais cuidadosa, percebo que há muito ainda a percorrer em termos de, não apenas de metodologia e didáticas empregadas, mas de performance educadora. Passarei a autoavaliação final, e nesta última reflexão, irei ponderar os principais erros e acertos. Que eles possam nos servir para não apenas para aprimorar o ensino da linguagem dos



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quadrinhos no interior das artes visuais, mas, principalmente, contribuir para com o reconhecimento de sua complexidade e da necessidade de uma abordagem interdisciplinar.

2.5 Fim da história, não dos quadrinhos Talvez o principal ponto a destacar em favor do Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais: Produção, Leitura e Ensino é a criação de um espaço dentro do Curso de Graduação de Artes Visuais exclusivamente para trabalhar o estudo teórico, a leitura e a produção da modalidade. Que as histórias em quadrinhos já vinham sendo abordadas como objeto de estudo por via da pesquisa em diversas áreas, isso não se discute; educar para a produção e para a leitura crítica, propor um método de ensino que contemple suas especificidades literárias e artísticas, isso já é outra conversa. Como mencionei, tenho formação e atuação profissional em ambas as áreas, a Literatura e as Artes Plásticas. Minha experiência e meus estudos práticos e teóricos em ambas me habilitam a oferecer um curso, senão completo, bastante abrangente para tratar de artes sequenciais ou narrativas gráficas. Contudo, graças a esta experiência, pude verificar o quanto a modalidade requer de energia, de tempo e de dedicação, para poder ser ensinada com máxima competência. Não se trata apenas de possuir conhecimentos teóricos e práticos, mas de reunir fôlego didático e performático. Um ano mostrou-se insuficiente para dar conta das temáticas abraçadas, que, reconheço, foram excessivas em número e densidade. A escolha de uma obra literária como ponto de partida para a produção foi certamente um facilitador importante, apresentando-se como um desafio; ela contribuiu com roteiros e imaginários mais ricos e inventivos, impedindo o resvalar nos clichês que certamente adviriam ou no acomodamento a soluções gráficas viciadas, seja pela cultura do aluno, seja pela pouca experiência na escrita. Mas sua exploração exigiria um aprofundamento maior, muito embora, graças ao entusiasmo da maior parte dos alunos pelo universo carrolliano, eu tenha observado uma imersão espontânea e apaixonada para além do tempo destinado ao curso. Alguns realmente chegaram a desenvolver uma obsessão pelo tema, ocupando-se dele minuciosamente. No auge do período, o grupo no Facebook era ininterruptamente movimentado por postagens relacionadas, tamanha a febre desencadeada por Alice e seu mundo de espelho. Da mesma forma, a linguagem dos quadrinhos era discutida pelos participantes com devoção quase mística.



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A energia emocional e intelectual exigida durante o período destinado ao planejamento e execução do curso foi afinal desgastante, embora prazerosa. Tamanha amplitude de conteúdos requereria a presença de mais de um professor ou coordenador. Cada aula era revisada e muitas vezes remodelada de véspera, conforme iam reagindo os alunos, pois tudo era experiência e ineditismo, tanto para eles, quanto para mim. O fato de dirigir todo o curso tendo em vista a publicação dos trabalhos só aumentou a paixão — logo, a carga de tensão. Seria melhor tê-lo proposto sem essa culminância que, afinal, não acabou acontecendo. Talvez fosse mais tranquilo aventar tal possibilidade somente após a entrega de todos os trabalhos finalizados. Na avaliação dos alunos, alguns se queixaram do cronograma nos últimos quatro meses de curso, proposto conforme o período letivo da Universidade, destinado à produção final: [...] no segundo semestre as aulas se arrastaram, as aulas à distância tiveram tarefas simples demais para muito tempo de prazo e só começamos a produzir realmente da sua metade em diante. Penso que a produção da recriação poderia ter sido começada nas férias e já iniciado o semestre com algo feito para ser avaliado em grupo, aproveitando o fato de ser um curso à distância. A falta de contato entre os colegas (para trocarmos mais experiências de trabalho e técnicas) e a consciência coletiva de uma publicação conjunta (e não pensar apenas que se tratava de uma tarefa de aula) também foi um ponto fraco, a meu ver.

Apesar de eu não considerar operacional esse ponto de vista ¾

devido à

irregularidade da turma em termos de experiência e de maturidade ¾ , a crítica deverá ser levada em consideração no caso de um relançamento do curso. Contudo, é preciso ter em conta o tempo que o mercado editorial normalmente destina à produção de quadrinhos desse calibre, quando consideramos que o prazo para entrega ainda foi prorrogado em até dois meses e que o número de páginas para cada grupo de trabalho era de apenas 15 páginas, cerca de 7 a 8 páginas para cada autor. Por comparação, cito minha participação no Projeto Osmose promovido pelo Goethe Institut em 2013 e que culminou numa antologia bilíngue composta de seis quadrinistas ¾ 3 brasileiros, contando comigo, e 3 alemães. Para este projeto, tivemos cerca de 2 meses para produzir 10 páginas coloridas, do roteiro, passando por planejamento de layouts de página até a finalização. Com relação à divisão de páginas/capítulos da obra, os grupos de trabalho apresentaram também alguma dificuldade em se organizar, e foi raro o resultado realmente cooperativo. A grande maioria preferiu subdividir o que lhes coube em duas partes, elaborando um roteiro que justificasse a mudança de estilo e de criação de



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personagens na passagem de uma subdivisão a outra. Em alguns casos, essa solução deu certo; em outros, não. Aconteceram, é claro, brigas, discussões. Não faltaram ocasiões em que foi necessária a minha intervenção ou a da monitora, para amenizar conflitos de ordem pessoal ou de estilo em cada dupla e trio. E, surpreendentemente, foi o trio de autores o que apresentou o resultado mais eficiente em termos cooperativos: eles dividiram os personagens e as cenas entre si e, a partir de um roteiro produzido em conjunto, criaram uma HQ feita toda em recortes de papel, posteriormente fotografados e editados digitalmente, para inserção de balões (fig 25). Contudo, para um curso introdutório de vários temas, propor o trabalho cooperativo logo de saída a um grupo que estava ansioso por mostrar seu potencial individual foi uma exigência excessiva. De modo que pretendo reconsiderar essa proposição o caso do relançamento da ação. A crítica sobre a organização do tempo para a produção final foi acompanhada de um apontamento quanto à excessiva carga horária destinada à parte teórica ¾ a história e aos contextos socioculturais dos quadrinhos. Segundo alguns, o tempo tomado poderia ter sido destinado para iniciar os estudos diretos sobre a elaboração técnica da linguagem. Achei que a parte de "teoria" do curso foi muito extensa. Alguns conteúdos podiam ser dados por via online. Não que os conteúdos não fossem muito interessante [sic], mas achei que o tempo para a produção do HQ em si ficou muito espremido. Achei também que o conteúdo de "como produzir, finalizar, editar etc" podia ser mais extenso.

De fato, reconheço que as aulas teóricas e expositivas eram ¾ sempre são! ¾ cansativas. Contudo, eu me senti obrigada a corresponder a média geral de conhecimentos trazidos pelo grupo: muitos não eram familiarizados com esses contextos, e ignoravam a amplitude e a diversidade das obras em quadrinhos que fugissem àqueles advindos dos Estados Unidos e do Japão. E mesmo o conhecimento da produção veiculada nesses países era raso, circunscrito ao de maior penetração comercial. Durante as aulas teóricas, eu tomei o cuidado de trazer amostras de álbuns e obras de autores de diversas partes do mundo, incluindo do Brasil — e era incrível como muitos desconheciam a história e a produção de quadrinhos brasileiros, embora houvessem exceções importantes entre os alunos, cujo conhecimento contribuiu inclusive com o meu próprio. Creio que, no fim das contas, todos saíram ganhando com a parte teórica, pois a diversidade apresentada de estilos e de contextos históricos e socioculturais foi um grande estímulo mesmo para aqueles que já possuíam alguma



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bagagem. A variedade de amostras ampliou os horizontes e permitiu repensar a própria abordagem produtiva. Calculo que muito das resistências aos estudos teóricos devem ter ocorrido principalmente pelo fato de que é ainda incomum a presença da modalidade como tópico ou temática disciplinar universitária. Vistos como uma arte popular, os quadrinhos são propostos por via de uma didática intuitiva, para não dizer amadora, com inclusão de pouca ou nenhuma base conceitual. Introduzir estudos derivados da semiótica, falar em análise de discurso, discutir quadrinhos tendo por base a história ou as teorias da arte e da literatura pode parecer complexo àqueles mais acostumados a formações fora da universidade. Sem desmerecer a educação informal cujo mérito é cumprir uma lacuna evidente e não observada pela universidade, minha proposta era valorizar o tema teoricamente e dignificá-lo como saber artístico e científico. Assim, a inclusão dos aspectos contextuais e reflexivos para o ensino dos quadrinhos pode ter desapontado àqueles cujas expectativas focavam-se no aprendizado ou aprofundamento das técnicas de criação, ou seja, numa concepção de curso mais afinado com a ideia de atelier ou de oficina. Da mesma forma, as práticas de aquecimento criativo, que tinham por principal objetivo provocar uma imersão no universo carrolliano, também causaram algum estranhamento aos pouco habituados às esferas das artes, ainda que fosse evidente a sua contribuição para com o aprofundamento conceitual e o aprimoramento do imaginário em torno da obra Através do espelho, colaborando inclusive para a desconstrução dos referenciais culturais já existentes nas mídias e para a eliminação de possíveis clichês não só visuais, mas verbais, repercutindo no resultado final. Assim, sobre a opção por trabalhar a partir da leitura de uma obra literária, digo que, de fato, houve um constrangimento inicial; certamente, alguns alunos prefeririam ter trabalhado roteiros em escolha livre. Contudo, minha justificativa foi desde o início apresentada e aceita pelos que permaneceram. Nesse sentido, tivemos posteriormente retornos bastante positivos, como este: Ótimo. Em alguns aspectos, dificultou, mas foi uma dificuldade minha, eu é que precisava aprender a olhar para o texto de um modo diferente.

Também de um aluno com formação em História, obtive a seguinte resposta: A princípio fiquei um pouco apreensivo, temendo ter que ser muito fiel ao texto, que isso cerceasse um pouco minha liberdade de criação. Com a proposta da recriação, porém, conseguimos [...], criar e inovar em nosso capítulo. Eu



48 como roteirista consegui produzir uma criação que tivesse relação com minha área de formação, a História, localizando meu capítulo no final da Segunda Guerra e tocando nos temas do Holocausto e da eugenia nazista.

Por fim, de um outro depoimento, retiro: Quando soube que iríamos trabalhar uma obra clássica e fascinante como o livro Alice através do espelho de Carroll me senti muito estimulada e tomei como um desafio que poderia modificar as minhas perspectivas na forma de fazer quadrinho e de construção de uma narrativa, aprendendo com a linguagem do autor. Acho que isso facilitou pq [sic] eu já tinha uma experiência com adaptações para quadrinhos a partir de poemas e textos literários e sempre estou disposta a experimentar coisas diferentes.

À guisa de conclusão, eu diria que gostaria de promover, futuramente, a criação de um tópico especial, somente para produção de roteiros. Tecnicamente, escrever nessa modalidade não é difícil, basta seguir alguns modelos; agora, para produzir roteiros qualitativos, não apenas do ponto de vista diegético, mas da escolha do léxico e da construção frasal, de maneira a elevá-los acima do lugar-comum, requisita-se um aprofundamento metodológico que o período do curso não permitiu oferecer. De qualquer forma, não creio que a escolha de um texto de apoio tenha engessado os trabalhos, ao contrário; ao analisá-los, percebo neles uma grande liberdade e amplitude poética e conceitual, pois o recurso trouxe consigo recursos verbais e imagéticos inéditos aos alunos. Se pensado como um primeiro gesto em direção a uma formação acadêmica em quadrinhos, o Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais cumpriu o seu maior objetivo e o da pesquisa: promover uma maior conscientização para os quadrinhos como arte e, ao lado disso, valorizar a leitura de textos literários e a escrita criativa, combinados à produção artística. Para um relançamento da ação com essa temática será importante, contudo, verificar como melhorar a metodologia e seus objetivos de modo a conferirlhe a leveza necessária, pois, como já vimos, para um ano de curso, ela apresentou peso excessivo. Isso significa ou aumentar a sua duração, diluindo sua densidade, ou dividila em tópicos avulsos que recortem o conteúdo. Ficou claro para mim que um professor, por maior que seja sua experiência prática e teórica, não pode nem deve dar conta de todos os aspectos que envolvem a modalidade dos quadrinhos; além da complexidade peculiar da linguagem, olhares diversos a partir das diversas áreas de estudo ofereceriam, sem dúvida, uma formação mais aberta, menos centralizada. Apesar de eu ter procurado elencar um referencial bibliográfico teórico e poético diversificado de autores e de estilos provindos de áreas e localidades diversas, o fato de ter coordenado as discussões sozinha certamente deixou pouco espaço para respiro reflexivo. Sendo



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assim, seria o caso de convidar outros professores reconhecidos por sua competência em pesquisa na modalidade dentro das áreas de Letras, Comunicação, Semiótica, Artes Plásticas ou Visuais, História, entre outras, para abraçar os quadrinhos como um tema transdisciplinar a ser ministrado em módulos de extensão. A riqueza do material apresentado pelos alunos do Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais merecia consagrar-se através de uma publicação, em reconhecimento pelo árduo trabalho dos artistas participantes. Em meio aos tantos problemas que tivemos, é possível perceber, na análise dos trabalhos ¾ especialmente naqueles que se iniciavam na modalidade ¾

uma maior conscientização e um

crescimento quanto às aplicações criativas dos seus elementos formais e textuais:



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Fig 25, 26 e 27 ¾ Páginas prontas de Os 9 espelhos de Alice. Autores (de cima para baixo): Giordana Dal Castel, Guto Souza e Paulo Guilherme Marques; Guilherme Sommermeyer e Victoria Perico.

Esse Curso, porém, não foi o único campo de experiência para aplicação metodológica interdisciplinar envolvendo Artes Plásticas e Literatura; querendo enriquecer minha pesquisa sobre o assunto e aproveitando a oportunidade oferecida pelo Instituto Estadual do Livro, iniciei, em 2016, uma segunda ação de extensão, essa mais curta, dessa vez voltada para o tema da ilustração literária. Sobre ela discorrerei a seguir.

3 ILUSTRAÇÃO E LIVRO-ARTE

3.1 O curso O Curso de Extensão Ilustração e Livro-Arte: Produção, Leitura e Ensino foi, como o Curso de Extensão Quadrinhos e Artes Sequenciais: Produção, Leitura e Ensino, uma ação criada para constituir o corpus de análise da pesquisa acadêmica já mencionada neste trabalho. Assim, ele foi igualmente proposto como uma experiência de criação de



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metodologias interdisciplinares para integração das artes visuais e da literatura, entendendo esta última como inserida no campo das artes. Porém, no caso dessa edição, privilegiamos as translações poéticas dos discursos verbais em visuais, sem nos deter na escrita criativa. Ou seja, seu propósito era exercitar a leitura como um processo de apropriação estésica do verbo em sua função poética, tendo em vista a palavra em sua imanência sensorial, e com isso o enriquecimento significativo das produções ilustrativas. O curso foi planejado47 tendo em vista um compromisso assumido junto a Diretora do Instituto Estadual do Livro (IEL), Patrícia Langlois, com a finalidade de elaborar pelo menos o projeto editorial de um livro ilustrado de Lendas do sul, de João Simões Lopes Neto. A razão dessa escolha derivou de um interesse meu e da Diretora em agregar o Curso aos demais eventos comemorativos do Biênio Simoniano48, oficialmente declarado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, e que resultou em um convênio já protocolado, a ser assinado entre o IEL e o Instituto de Artes da UFRGS. As ilustrações foram elaboradas sob minha orientação e supervisão a partir de estudos da obra do autor e dos procedimentos de criação artística para ilustração de livros, em catorze encontros semanais. Os participantes eram artistas iniciantes ou com atuação profissional parcialmente consolidada, cujos portifólios e cartas de intenção foram selecionados por uma comissão de avaliação que contou com profissionais da área da educação em artes e da ilustração editorial49. No total, obtivemos 47 inscritos, dos quais 24 foram selecionados. Dos selecionados, um não chegou a comparecer e dois foram excluídos por falta de assiduidade. A metodologia para esse curso procurou, da mesma forma que a metodologia do curso anterior, atender teoria e prática, procurando refletir questões não apenas relacionadas às técnicas, mas também aos contextos profissionais, históricos e socioculturais que envolvem a produção de ilustrações, sobretudo as voltadas para o livro de literatura. Entre seus objetivos principais, constavam a valorização da ilustração como modalidade artística e como assunto de caráter científico; também constavam a promoção

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O plano completo encontra-se no Apêndice 3. O Biênio Simoniano, ocorrido em 2016 e 2016, incluiu os 150 anos de nascimento e os 100 de morte do autor, ocorridos, respectivamente, em 9 de março de 1865 e 14 de junho de 1916. 49 Participaram da comissão: Aline Becker, ilustradora e professora de artes do Colégio Aplicação de Porto Alegre, Letícia Federizzi, ilustradora e Ana Luiza Koehler, quadrinista e ilustradora. Além dessas profissionais do campo artístico, participou da comissão Ana Aita, Diretora do Instituto Estadual de Artes Visuais (IEAVi). 48



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da leitura literária tendo em vista a apreciação estética e suas possibilidades transcriativas50 para a linguagem plástica-visual. Entre os objetivos mais específicos, o curso orientou a produção de artes gráficas e pictóricas a partir da leitura da obra Lendas do sul, de João Simões Lopes Neto, tendo em vista, como já disse, o acordo firmado com o Instituto Estadual do Livro, cuja casa nos acolheu, integrando-nos aos demais eventos reunidos em torno do Biênio Simoniano. Por culminância, previmos a elaboração de um projeto editorial de um livro-arte comemorativo da obra51. A denominação livro-arte exige alguma explicação, uma vez que também constituiu tema do curso: trata-se de um conceito usado de várias formas e em algumas instâncias da produção artística, frequentemente relacionado ao livro de artista ou livro artesanal; um objeto cuja finalidade vai além de servir como mera mídia de leitura, mas aponta significativamente para si mesmo. Ou seja, o livro-arte seria um objeto valorizado e apreciado por suas qualidades estéticas. Há inúmeros exemplos a citar dentro da história da arte: temos os antigos cadernos de desenhos utilizados pelos antigos mestres como Leonardo da Vinci e Katsushiro Hokusai, para servir de guia ou manual aos seus aprendizes. Esses cadernos e manuais começaram a ser valorizados por colecionadores e por historiadores como um documento dos processos criativos dos artistas. Contemporaneamente, as propostas de livro-escultura de Waltércio Caldas ou de Anselm Kiefer referem-se a presença do livro como metáfora da cultura ou do conhecimento; por fim, mais recentemente, cito as brochuras produzidas por gráficas independentes como O Homem do Saco (Lisboa) ou Re:surgo (Berlim), impressas em pequena tiragem numerada e assinada, a partir de prensas e tipos em desuso ou por serigrafia. Estes últimos partem do formato de livro como um objeto conceitual, investigando-o como objeto aurático inserido no imaginário da sociocultura. Particularmente prefiro ampliar a expressão livro-arte, expandindo o seu significado no sentido de incluir até mesmo os projetos pensados para reprodução em larga escala. Assim, nomearia como tal toda encadernação cujo design cuidadoso e bem elaborado esteja em consonância significativa com seus conteúdos. Essa ampliação vem de encontro ao meu entendimento de que o designer é também um artista e coautor do

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Transcriação, assim como translação ou recriação, é um neologismo. Já justifiquei em rodapé anterior (26, 33) a minha opção por essas últimas denominações. Já transcriação, termo criado por Haroldo de Campos (TÁPIA; NÓBREGA, 2013) refere-se aos processos tradutivos e criativos entre duas linguagens poéticas. No caso aqui, entre o texto literário e a arte ilustrativa. 51 O livro será publicado pela Corag e está no prelo, no momento em que escrevo essa monografia.



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projeto editorial, juntamente com o autor do texto e o autor das artes ilustrativas; ela também decorre de uma compreensão já enunciada no início deste trabalho de uma diluição entre as fronteiras daquilo que se poderia chamar “grande arte” ou “belas-artes” e as “artes de ofício”, “artes aplicadas” ou “artes industriais”. Assim, o Curso de Ilustração e Livro-arte requisitou, ao lado dos estudos e práticas voltadas para o estudo da ilustração literária, uma atenção com relação aos suportes e interfaces gráficas onde essas artes se inserem; foi necessário, portanto, referir-me a conhecimentos da área do design e dos sistemas de impressão. Para apoiar as didáticas, contei com Kaue Nery dos Reis, aluno da Licenciatura em Artes Visuais, que voluntariamente exerceu, entre outros papéis como auxiliar de planejamento e de comunicação, o de monitoria. Também, pela primeira vez, e tendo em vista a inserção dessa ação num evento de maior importância, o Biênio Simoniano, foram requisitadas duas alunas para documentar em video tanto as aulas como as demais atividades incluídas nessa extensão: Jaqueline Buchabqui, aluna do Bacharelado em Artes Visuais, e Bruna Cavalheiro Müller, licencianda em Artes Visuais, e que já havia trabalhado comigo no Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais como bolsista de extensão. Da mesma forma, convidei especialistas para trabalhar alguns temas que necessitariam maior prática e conhecimento técnicos nas áreas de impressão e de design, como veremos mais adiante. A integração dessa ação ao Biênio Simoniano ocasionou o convite para participar no Seminário João Simões Lopes Neto: ontem, hoje e sempre, promovido pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul. Além disso, reproduções dos trabalhos foram expostos durante a Feira do Livro de Porto Alegre na Casa de Cultura Mario Quintana. As ilustrações ¾ agora em suas versões originais ¾ também foram exibidas no Centro Cultural CEEE-Érico Veríssimo, com projeção do video do curso, lançamento do livro e pintura de um painel ao vivo pelos artistas ilustradores, representando de forma alegórica o intertexto existente entre as obras O tempo e o vento: o continente ¾ I, de Érico Veríssimo e Lendas do Sul, de João Simões Lopes Neto52.

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Personagens das lendas gauchescas, tais como o Negrinho do Pastoreio, a Salamanca do Jarau, entre outros, surgem nessa obra de Érico Veríssimo, além de claras referências textuais ao estilo e descrições de Simões Lopes Neto.



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3.2 A didática O curso alternou exposição teórica e práticas criativas. As orientações presenciais foram complementadas pelo atendimento à distância usando a Plataforma Moodle da Universidade, onde algumas atividades eram propostas e alguns materiais ¾ como a bibliografia de leitura, o programa do curso e os referenciais teóricos ¾

foram

disponibilizados. A obra Lendas do sul é composta por três lendas principais — A Mboitatá, A Salamanca do Jarau e O Negrinho do Pastoreio ¾ , 15 argumentos de lendas secundárias, incluindo 7 lendas da região missioneira ¾ A mãe do ouro, Cerros bravos, A casa de Mbororé, Zaoris, O Anguera, Mãe Mulita e São Sepé ¾ e 8 lendas do centro e do norte do Brasil ¾ O Caapora, O Curupira, O Saci, A Uiara, O Jurupari, O Lobisomem, A Mula-Sem-Cabeça e A lenda da Lagoa Brava53. O texto principal de estudo, usado como referência para os trabalhos, foi o publicado pelo próprio Instituto Estadual do Livro com notas de Aldyr Garcia Schlee. Ele foi dividido em partes, uma para cada ilustrador, ao qual caberia, a partir da leitura, pesquisar referenciais imagéticos e ao mesmo tempo explorar os níveis semânticos dos eventos narrativos a seu encargo. Inicialmente, as três lendas principais, pois serem mais longas, foram subdivididas entre os participantes, sendo que A Salamanca do Jarau, a mais extensa, exigiu um grupo maior, enquanto o restante se dividiu entre A Mboitatá e O Negrinho do Pastoreio. As sete lendas missioneiras corresponderam, cada uma, a 7 ilustradores, Posteriormente tive que alterar a divisão, pois 2 alunos foram excluídos da produção em virtude da frequência insuficiente no curso, condição essencial para que fizessem parte do projeto final. Essas divisões de tarefas ocorreram forma organizada e mais ou menos livre, durante o primeiro encontro presencial, buscando atender às preferências de todos. Todos se mostraram flexíveis e dispostos a colaborar para com o projeto coletivo, um espírito que, aliás, prosseguiu assim até o final, quando tivemos que requisitar mais algumas vinhetas extras para composição final do material e auxílio na organização das exposições. Após a apresentação do curso e da justificativa para a escolha da obra, procuramos refletir um pouco sobre o texto, contextualizando-o e trabalhando aspectos da linguagem. Para isso introduzi alguma teoria advinda da literatura e da semiótica, a fim de conscientizar os participantes para as relações transcriativas entre os discursos verbais e 53

Mantive os títulos das lendas alternando maiúsculas e minúsculas, tal como Lopes Neto.



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plásticos visuais. O texto de Simões Lopes Neto, em virtude de sua forte carga alegórica, propiciou um forte estímulo imagético visual desde a primeira leitura: cabia apenas aprofundá-la buscando aumentar a compreensão da carga semântica de modo a repercutir na produção das artes. Desde o princípio, os alunos foram incentivados a manter cadernos de desenho (sketchbooks) para anotações e estudos gráficos que registrassem imediatamente quaisquer ideias que surgissem durante os encontros ou fora deles.

Fig 28 e 29 ¾ Os sketchbooks.

Em todos os encontros, ao lado das atividades práticas e da explanação teórica voltada para os aspectos significativos e técnicos da ilustração e da impressão gráfica,



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o texto era revisto, relido e rediscutido. Essa dinâmica de trabalho foi muito importante pois, a cada nova abordagem, novas ideias surgiam e enriqueciam os processos criativos para produção das artes. Ao longo do curso, foram realizados dois seminários: no primeiro, cada integrante apresentou o trabalho ainda em processo ao grupo para uma reflexão coletiva, momento muito importante para determinar os rumos a serem seguidos em direção à finalização; no segundo, já se podia observar ou antever o resultado final, para análise minha e dos colegas, e assim verificar se algum ajuste ainda seria necessário.

Fig 30 ¾ imagem de aluno em seminário.

A explanação teórica do curso procurou introduzir (até porque o tempo curto não permitia aprofundamento) alguns temas considerados por mim importantes e específicos para a ilustração em cores para fins literários: teoria da cor, estudo de personagem, o espaço-tempo na ilustração, conceitos de livro como objeto cultural, comunicativo e estético, preparação de originais para impressão à cores, visita a uma gráfica ou bureau de impressão e introdução ao design gráfico e à diagramação de livros. A partir desses temas, desenvolvi algumas práticas criativas, relatadas a seguir.

3.3 As atividades para o Curso Ilustração e Livro-Arte 3.3.1 A imagem-síntese Essa atividade foi criada para ser cumprida no Moodle, e requisitava que cada aluno pesquisasse uma imagem fotográfica na Internet ou do cotidiano que sintetizasse significativamente a lenda a seu encargo, como se essa imagem fosse constituir a “capa de livro” sobre cada lenda. A proposta tinha por finalidade introduzir, através da prática, o principal conceito semiótico de base peirceneana relacionados à tríade ícone, índice e



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símbolo, e a transposição discursiva do verbal para o visual, desconstruindo dicotomias mostrar e descrever, imagem e palavra. Assim, questionamos o quanto uma imagem mostra, enquanto um texto descreve, ou se uma imagem vale mil palavras e vice-versa. O maior desafio para os alunos constituiu em escolher uma única imagem. Alguns não escaparam ao mosaico, pensando em dar conta de um segmento narrativo. Outros, porém, chegaram a soluções bastante significativas:

Fig 31 ¾ Imagem coletada por um aluno para sintetizar a lenda Mboitatá. Na legenda, ele escreveu: “Pensei na Mboitatá como uma grande cidade que cresce cada vez mais e mais brilhante quanto mais escuro fica.”

3.3.2 Criando uma paleta de cores Após uma introdução teórica sobre a cor, propus aos alunos que recortassem revistas velhas e coloridas, requisitadas de antemão, e colassem esses retalhos sobre outro papel de modo a montar uma composição colorida e livre, preocupando-se apenas em significar, de forma abstrata e a partir dos matizes pesquisados, a lenda a seu encargo. Ao terem que lidar com cores prontas das páginas impressas e procurar, através delas, traduzir os textos das lendas em signos cromáticos, os alunos tiveram a oportunidade de gerar paletas impensadas, para além do seu repertório usual.



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Fig 32 e 33 ¾ Amostras de paleta criadas por alunos.

Para os alunos, a maior dificuldade foi abstrair completamente a cor de uma forma, por mais que eu mencionasse a ideia de “paleta”; alguns trouxeram papéis escolares coloridos (creative paper) ao invés de revistas, fato que limitou bastante a produção de uma escala ricamente matizada. Para os que apreciavam a pintura digital, sugeri que escaneassem essa paleta analógica feita com recortes de papel, e se servissem dela como paleta base para colorir as ilustrações, através da ferramenta conta-gotas. Para os demais, que preferiam a pintura analógica, sugeri a produção de misturas de tintas a partir dessas descobertas cromáticas.

3.3.3 Procurando o personagem Para esta atividade, usei tática semelhante a já aplicada no Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais, pedindo que observassem na rua pessoas, objetos ou animais que pudessem representar uma personagem das lendas. Ela foi proposta após uma apresentação expositiva sobre o que constitui o elemento discursivo “personagem”, e possibilidades da voz narrativa, de modo que eles pensassem na sua representação não apenas como um corpo figurado na ilustração, mas que poderia ser simplesmente um ponto de vista, uma perspectiva de um evento ou ação, funcionando como testemunha. À título de amostra, exibi as principais personagens que compõem a narrativa Peter Pan em suas diversas configurações ao longo do percurso editorial da obra literária, além das figurações para o teatro e para o cinema. Os alunos postaram as imagens no Moodle, comentando brevemente a escolha. Embora eu tivesse aberto a possibilidade de



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explorarmos a possibilidade da imagem-metáfora, produzindo personagens a partir também de objetos, a maioria permaneceu na literalidade (por exemplo: um menino negro representando o Negrinho do Pastoreio, etc). Tive também que trabalhar alguns aspectos éticos com relação aos direitos e usos da imagem alheia. Mas alguns se saíram muito bem, como comprova essa apropriação da folha roída por formigas:

Fig 34 ¾ imagem-metáfora para o personagem Negrinho atacado por formigas, trabalho de aluno.

3.3.4 O espaço-tempo da ilustração Para esta atividade, trouxe vários livros ilustrados por diversos artistas e de design variado, para manipulação e análise. As relações tempo-espaço na ilustração diferem das relações estabelecidas pelas histórias em quadrinhos, onde a sequencialidade é mais evidente. Contudo, a ilustração também pode ser entendida como arte sequencial, se pensarmos sua distribuição e no percurso de leitura ao longo das páginas do livro. Assim, não se trata apenas de verificar as representações de espaço-tempo no interior de uma arte ilustrativa em si, mas de conscientizar para a ocupação do espaço das páginas, do aproveitamento de margens e vazados54, dos intervalos e dimensionamentos das manchas55, a indicação de cortes, molduras e sangrias56. É também necessário pensar os pontos de vista para compor as cenas, ofereçam elas ou não alguma sensação 54

Chamam-se vazados os espaços da página que não recebem impressão. Mancha é o nome dado às áreas impressas, sejam elas tipográficas ou pictográficas. 56 Ao produzir uma ilustração, o ilustrador deve indicar as marcas de corte (limite de bordas) para inclusão posterior na diagramação da página, seja para aplicação de uma moldura (forma limitadora com ou sem borda definida, permitindo vazados na página) ou sangria (quando a ilustração é cortada pela borda da folha de papel, preenchendo-a totalmente, sem permitir vazados). 55



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de perspectiva e conferir sensações atmosféricas ou psicológicas, diurnas ou noturnas, entre outros. Os alunos foram divididos em grupos; cada um recebeu uma quantidade de livros e, após a análise, apresentaram suas observações para reflexão coletiva sobre o modo como as ilustrações conduzem a narrativa através da leitura, sobre suas cores como interferentes nas sensações temporais, atmosféricas e emocionais, sobre a composição que faziam junto ao texto dentro do formato das páginas, apontando as influências sofridas pelos diversos efeitos gráficos da diagramação.

Fig 35 e 36 ¾ Imagens da aula de análise de livros ilustrados.

3.3.5 Atividades de formação técnica Além das atividades práticas mencionadas, o Curso procurou introduzir algumas questões importantes com relação a preparação ou editoração de artes para impressão. No Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais, eu não havia me preocupado muito em aprofundar este tema, porque as páginas seriam finalizadas em preto e branco, com



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segunda impressão em vermelho. Ali cuidei apenas de mostrar, via tutoriais disponibilizados na Internet (Canal YouTube)57, como digitalizar artes analógicas e incluir o matiz vermelho no arquivo, preparando para impressão a duas cores. Preparei também, para aquele curso, uma aula prática na sala laboratorial do Instituto de Artes da Universidade, equipado com computadores Mac e o aplicativo Photoshop. Infelizmente, para o Curso Ilustração e Livro-Arte, não houve tempo hábil para práticas usando o mesmo laboratório. Assim, a explanação sobre a digitalização e aplicação de efeitos de pós-produção sobre trabalhos físicos, ou a produção de artes criadas com uso de ferramentas digitais ocorreu de forma expositiva e teórica. Contudo, visitamos um bureau de impressão, onde recebemos várias orientações importantes sobre os processos de reprodução gráfica digital existentes, materiais e possibilidades de acabamento58:

Fig 37 ¾ Alunos no Bureau Versus Fotogaleria, com Marco Cavalheiro (de óculos, à direita).

Também incluí no programa uma oficina de introdução ao design organizada por dois alunos do próprio Curso, ambos estudantes de Design na UFRGS59, que após a explanação teórica, propuseram uma prática em recorte e colagem usando cópias de blocos de textos e imagens para montagem de página.

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Disponível no canal da autora, mediante autorização: https://www.youtube.com/channel/UCZ_UepVpK2u6FFoy3Yc0eQA 58 O bureau selelcionado foi Fotogaleria, de propriedade do fotógrafo Marco Antônio Cavalheiro, que nos recebeu e ministrou uma aula-palestra sobre os procedimentos e suportes de impressão. 59 Luís Alberto do Canto Pivetta, mestrando, que já havia participado do Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais, e Laura Spina Franca, aluna de graduação e estagiária no Instituto Estadual do Livro.



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Fig 38 ¾ A oficina de design, com Laura Spina (à esq) e Luiz Pivetta (à dir).

Essas experiências foram fundamentais para a formação dos participantes, além de dificilmente oportunizadas pela educação informal. Todo artista gráfico ¾ ilustrador ou quadrinista ¾ deveria conhecer minimamente os processos de pós-produção que envolvem sua arte após a entrega, elaborando-as e preparando os arquivos de impressão de modo a evitar surpresas desagradáveis, e nem um pouco incomuns, como: o surgimento de tonalidades inesperadas; mutilação devido a despreocupação em inserir marcas de corte; redimensionamento excessivo para mais ou para menos, prejudicando a qualidade estética do trabalho, entre várias outras. É recomendável que o artista conheça os processos de digitalização e de geração de arquivos para impressão; a gráfica que irá imprimir seu material; que acompanhe o processo desde a digitalização até a prova impressa do trabalho; que exija provas para averiguar possíveis problemas; que seja informado pela editora ou equipe de produção sobre qual papel será utilizado na impressão; qual o formato final do impresso e, sempre que possível, receber indicações sobre o posicionamento e dimensões da área a ser ilustrada para cada página. Quando iniciei a aula sobre a cor na ilustração, declarei, radicalmente: “preparemse para o luto da cor”. Trata-se de uma consciência que todo o artista gráfico deve, se quiser se profissionalizar, adquirir: a cópia a ser divulgada ¾ colorida ou preto e branco ¾ não é um clone, mas uma derivação a partir das operações realizadas em máquina de impressão, seja ela offset ou laser. O artista, principalmente o que trabalha com a finalização em cores, depende, assim, da sensibilidade e da competência dos profissionais gráficos, respeitosos das qualidades significativas embutidas por via de pincéis, de lápis, de penas e tintas ou de quaisquer outros materiais aplicados. O bom técnico, gerador de



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matrizes para reprodução das artes ilustrativas, também precisa, portanto, ter olho de artista. Contudo, como já mencionei, isso é muito pouco ou nada falado quando se trata da preparação profissional do ilustrador ou do quadrinista, que muitas vezes abandona as artes já prontas a uma empresa sem os critérios profissionais exigidos. Mesmo o ilustrador literário ou o quadrinista já familiarizado com as ferramentas digitais necessita de atualização constante, pois há carência de uma formação adequada para este campo de trabalho, ao contrário das oferecidas para o fotógrafo ou para o ilustrador publicitário. Trabalhar com artes mais apuradas em meio digital requer uma outra abordagem das cores, texturas e fundos ¾ programas como o Photoshop não contemplam essa especificidade, requisitando adaptações no uso de suas ferramentas, mais eficientes para a edição fotográfica. Demandam também uma aparelhagem cara, muitas vezes incompatível com os ganhos do profissional free-lancer, de modo que o artista saiba e tenha controle satisfatório sobre o trabalho. Tablets especiais como Cintiq da Wacom, Surface da Microsoft ou iPad da Apple vieram facilitar bastante o trabalho artístico digital, mas ainda necessitamos de aplicativos que permitam maior flexibilidade de criação plástica. Essas, entre outras informações relacionadas ¾ direitos autorais e modos de proteção para evitar a cópia indevida das artes ¾ , procuramos repassar e discutir com os participantes. Elas foram muito importantes pois resultaram na qualidade impecável do material entregue no final do curso. Os encontros do grupo Ilustração e livro-arte encerraram em julho de 2016. Contudo, com a aprovação do livro Lendas de sul, ilustrado pelos alunos, pelo Conselho Estadual de Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, acabei por vincular uma nova ação a esta, somente para tratar do lançamento, que incluiu as exposições das artes ilustrativas na Casa de Cultura Mario Quintana e, em formato mais sofisticado, no Centro Cultural CEEE-Érico Veríssimo. Além disso, temos prevista a itinerância da exposição para Pelotas, onde está sediado o Instituto João Simões Lopes Neto, e a inclusão no Programa Mais Cultura. Por ora, deixo aqui, como registro, algumas das páginas já diagramadas da publicação que está no prelo no momento em que escrevo este trabalho.



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Fig 39, 40 e 41 ¾ Páginas do livro Lendas do Sul, digramação de Luiz Pivetta e Laura Spina, com ilustrações dos alunos (de cima para baixo): Pedro Fanti, Camila Andrade e Yasmine Maggi.

3.4 As trocas e suas comparações inevitáveis A metodologia para este curso foi além de uma abordagem da qualidade artística da ilustração, mas abrigou também, ainda que de modo incipiente, temáticas relativas ao mercado, disponibilidade de recursos e contextos socioeconômicos e culturais que envolvem a profissão do ilustrador e a indústria do livro, ciente de que esses contextos acabam por retroagir sobre os efeitos poéticos das artes ilustrativas e sobre o próprio design de seus suportes, compreendidos por mim também como arte. Assim, boa parte da riqueza desses encontros deveu-se justamente às experiências e reflexões trocadas livre e espontaneamente nesse sentido. O Curso de Ilustração e Livro-Arte iterou o já vivenciado no Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais: ambos ofereceram uma importante oportunidade para discutir e debater, ao lado do exercício prático e teórico, as preocupações com os contextos socioculturais e econômicos de trabalho e a situação existencial e funcional do artista gráfico. Dividido entre o estúdio de criação e a indústria de reprodução, produzir artes para reprodução em larga escala, seja impressa ou digital, implica pesquisa e inovação; embora voltado para um setor de grande alcance midiático, esse artista precisa criar e manter uma marca pessoal, sem deixar de lado a eficiência comunicativa junto ao público.



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A metodologia empregada no Curso de Ilustração e Livro-Arte deu conta do curto período destinado à formação e preparação das artes para a publicação anunciada. É claro que os temas foram tratados em esquemas introdutórios; cada um demandaria tempo maior para aprofundamento. Por outro lado, não sei se por ser mais enxuto, ou se devido à casualidade tipológica de pessoas ali reunidas, esse Curso decorreu de forma mais tranquila do que o de Quadrinhos e Artes Sequenciais. Os procedimentos foram semelhantes: tanto em um quanto no outro, iniciamos por uma seleção entre os candidatos, advindos de diversas áreas; em ambos, propus a leitura obrigatória de uma obra literária norteadora dos processos reflexivos e criativos. Da mesma forma, ofereci a possibilidade não garantida de uma publicação. Ainda que no curso do ano anterior essa possibilidade não tenha se concretizado, para os ilustradores a publicação só foi confirmada mais de um mês após a entrega dos trabalhos, realizados por estes dentro do prazo previsto, no dia 15 de julho. Os alunos ilustradores mostraram-se aparentemente mais comprometidos com a produção do que os alunos quadrinistas. Isso é relevante, principalmente quando considerarmos que alguns alunos estiveram presentes em ambos os cursos, apresentando desempenhos diferentes, embora os prazos para entrega dos trabalhos finais fossem compatíveis com o tempo de produção destinado a cada modalidade. Assim, os ilustradores tiveram cerca de 15 dias para finalização das artes finais à cores — 3 a 5 ilustrações, incluindo vinhetas —, após o último seminário de avaliação, quando orientei as artes já em andamento; já os quadrinistas tiveram, a princípio, cerca de 30 dias para produzir 7 a 15 páginas em preto e branco (conforme combinado, 50% das páginas seriam entregues até o dia 15 de dezembro de 2015, e os 50% restantes até 15 de janeiro de 2016). Contudo, estes ainda contaram com uma prorrogação do prazo para março, ou seja, um cronograma muito mais generoso, tendo em vista que os layouts já estavam prontos e revisados desde 28 de novembro, quando eu pedi que já entregassem pelo menos uma página finalizada para avaliação final. E mesmo assim, a maioria não concluiu as páginas solicitadas. A diferença de resultados entre os cursos podem ser observadas a partir da avaliação do segundo, feita pelos próprios alunos, também utilizando o Google Formulário60. Boa parte dos avaliadores (remarcando que a grande maioria não respondeu ao questionário) considerou que o a proposta do Curso Ilustração e livro-arte 60

Tal como o questionário do Curso de Quadrinhos e Artes Sequenciais, a participação nessa avaliação também era opcional e anônima; ao todo, foram 7 avaliações, da totalidade de 21 integrantes.



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foi adequada em tempo e conteúdos; quase a metade respondeu que o curso superou suas expectativas. Em relação a sua importância, obtive as seguintes declarações: Todos, as aulas e discussões eram muito interessantes. Nenhum [tópico] faltou, mas tive vontade de saber mais sobre tudo. [...] Conhecer a professora e o trabalho dela como ilustradora foi ótimo, pois ilustração é algo pouco explorado no curso de artes visuais, apesar de grande parte dos alunos ter interesse em trabalhar com ilustração. [...] A apresentação de publicações, livros-arte e materiais interessantes foi essencial para nos 'nutrirmos esteticamente' durante o curso. O estudo de cor. A ida a uma gráfica e as informações relacionadas a técnicas de criação digital e analógica, e de impressão. As apresentações das ilustrações no decorrer do curso. O espaço no Moodle e no Facebook. Dentro de 4 meses, o curso superou as expectativas. A possibilidade de publicação das ilustrações (e inclusive conhecer melhor a obra de Simões) surpreendeu positivamente. [...] Considerei que o professor me forneceu uma orientação técnica precisa e a abordagem usada fez com que eu conseguisse trabalhar com a minhas inseguranças e saísse da minha zona de conforto sem, ao mesmo tempo, perder a minha identidade, o meu estilo próprio.”

A porcentagem que criticou a relação tempo/conteúdos o fez em virtude do interesse que o curso despertou pela escassez com que se trata o tema da ilustração ou de algum tópico relacionado: Acho que foi um recorte bem pertinente para o curso, mas obviamente gostaria de dissecar todos os conteúdos apresentados.

[...] Como foi a parte que achei mais importante, acredito que a questão dos direitos do ilustrador poderia ser melhor aprofundada, apesar de ser uma questão burocrática, nem sempre temos acesso a essas informações.

Ainda que algumas expectativas não pudessem ser cumpridas por esta ação, percebo que houve uma provocação a partir da consciência do significado da ilustração e do papel do artista ilustrador; essa consciência foi a responsável por criar necessidade de maior aprofundamento. Tudo indica, portanto, que a metodologia foi adequada e que um relançamento em formato mais longo não deve ser descartado, ao contrário do observado no Curso de Quadrinhos, cujo relançamento pede uma estrutura mais pontual, dividida em tópicos. Restam as perguntas, às quais esse trabalho não poderá, em virtude do seu recorte, responder: por que os participantes do Curso de Ilustração e Livro-Arte se mostraram mais comprometidos? Teria sido uma característica casual decorrente de uma tipologia de grupo (embora ambos tenham admitido estudantes do Instituto de Artes, além de profissionais já atuantes no mercado)? Teria sido uma consequência da proposta metodológica e das didáticas aplicadas? Do tempo destinado à execução de cada curso,



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pois, embora o anterior ocorresse em encontros quinzenais, a interação online era constante e assídua? Ou devido ao grau de exigência de cada modalidade (quadrinhos trazem, certamente, mais dificuldades e desafios em sua produção do que traz a ilustração literária)? Talvez só a reedição de ambos os cursos de extensão, de modo a fornecer um maior espectro de experiências práticas educativas, possa gerar critérios que me possibilitem tecer considerações mais seguras a respeito.

4 O PONTO DE ONDE PARTIMOS: HAVERÃO RETORNOS? Voltando à ardilosa apresentação desse trabalho e sua tentativa de definir a área maior ao qual ele se integra: eu diria que as Artes Gráficas, pensadas como uma modalidade artística que integra os quadrinhos, a ilustração, a animação e a produção de gráficos para jogos eletrônicos, poderia, em si mesma e em virtude da complexidade e especificidades já apontadas, constituir uma habilitação universitária desde o nível de graduação, tal como já ocorre com o Design. Defendo essa ideia com base nas seguintes justificativas: primeiro, elas se diferenciam por obedecer ao regime da replicação industrial; em segundo, e por decorrência, também é diferente o modo como se relacionam com o mercado de trabalho e com as mídias socioculturais; terceiro, elas exigem um comportamento diverso do artista de exposição. Sobretudo e, principalmente, as Artes Gráficas demandam conhecimentos interdisciplinares envolventes das áreas da literatura, da linguística, da semiótica e da comunicação social; assim, a formação do artista gráfico, a partir de um curso de graduação ¾ ou talvez de pós-graduação ¾ que especializasse o futuro profissional artista para as artes gráficas, seja para fins de criação, de produção crítica e teórica ou de educação, viria de encontro à satisfação de um desejo que sinto não ser somente meu, mas de muitos profissionais brasileiros, artistas, autores e educadores que trabalham para a promoção das artes concebidas para reprodução midiática. Enquanto as Artes Gráficas e seus derivados usarem por empréstimo as moradas da Comunicação, das Letras, do Design e das Artes Plásticas ou Visuais, prosseguirão diminuídas como objeto de estudo e prosseguirão oferecendo resultados parciais em termos educativos e de profissionalização. Nesse sentido, as metodologias aqui relatadas e criadas em atendimento às duas



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das modalidades mais populares (quadrinhos e ilustração) comprovam a necessidade de se pensar um lugar para sua formação na universidade. Sem desmerecer a extensão como prática ou oportunidade, ambas as ações oferecidas atenderam, em virtude de seus oferecimentos sazonais e extradisciplinares, parcialmente os interesses da comunidade artística da área gráfica, que deseja ser reconhecida formalmente em sua diferenciação do artista plástico ou visual. Em especial, saliento a observada dificuldade de se colocar os quadrinhos como tema de cursos extensivos, em virtude da densidade de conteúdos teóricos e práticos. Por outro lado, verifiquei que a comunidade artística é grande e faminta por formações acadêmicas extensivas, como comprovam o número de inscrições recebidas em ambos os cursos e as avaliações dos alunos cujos portifólios foram selecionados. As cartas de intenção transparecem o desejo pela formalização ou pelo aprofundamento de seus conhecimentos adquiridos de forma autônoma, uma grande necessidade de discutir seus processos e percursos, uma necessidade de apoio mútuo, para realização de projetos comuns. Como coordenadora de ambos os cursos, é preciso repetir o quanto senti a falta de um corpo docente e qualificado que atuasse, em apoio, ao meu lado. Portanto, minha constatação principal com relação à pesquisa a qual ambas as extensões universitárias se prestaram como corpo investigativo é a de que ¾ sim ¾ as artes plásticas e literatura podem ¾ e deveriam, com mais frequência ¾ ser entrelaçadas em uma abordagem poética. Mas para que isso seja realizado com uma maior competência, outros profissionais especialistas e educadores de áreas do interesse das artes gráficas ¾ história, comunicação, semiótica, artes plásticas, letras, sociologia ¾ teriam que ser convocados. Decorrente disso, a constatação já assinalada retorna e se impõe: seja para a educação, seja para a produção, ou tendo em vista a leitura e a elaboração de uma teoria ou crítica, as artes gráficas como uma especialidade necessitam de um espaço próprio para desenvolver-se como conhecimento; ela não se contenta e mal cabe no lugar da extensão, pelos seguintes motivos: a) Elas demandam tempo para o aprofundamento de sua narrativa cursiva; introduzi-la em tópicos avulsos dificulta a vinculação necessária entre as duas diversas modalidades, prejudicando uma formação mais ampla;



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b) O vínculo entre as diversas abordagens em artes gráficas possibilitaria a formação de turmas regulares, cujos alunos receberiam uma formação forçosamente mais abrangente e não apenas em um ou dois tópicos elencados; c) Uma vez em formato independente, constituída como um núcleo, um curso ou uma especialização, se abriria a possibilidade de buscar recursos humanos, financeiros e estruturais para implementação de estudos teóricos e práticos, além de permitir a promoção de eventos e publicações dentro dos temas de interesse, entre outras produções em pesquisa, extensão e educação; d) A oficialização das artes gráficas como um local de pesquisa e estudo, como área ou especialidade de ensino universitário contribuiria para oficializar e promover também a profissão do artista gráfico, ainda mal regulamentada, bem como valorizá-la como saber tanto para a profissionalização, quanto como conteúdo educacional e tema de investigação teórica. É evidente, para mim, que as eventuais falhas metodológicas, principalmente as apontadas no Curso Quadrinhos e Artes Sequenciais, aconteceram não só em virtude do seu caráter experimental ¾ experimentalismo que, por sua vez, derivou de um estado de publicações escasso no que concerne ao ensino da modalidade como arte em âmbito acadêmico ¾ mas também de uma certa ansiedade em demarcar urgentemente um território para as artes gráficas no interior das artes plásticas/visuais, justificando sua inclusão entre as demais poéticas. Visando, após revisão crítica, o relançamento futuro dessas ações e pensando na continuidade em pesquisa, pretendo prosseguir dentro da linha de trabalho que envolve as artes gráficas como um saber específico, abrindo novas possibilidades de investigação.

ALGUMAS REFLEXÕES FINAIS E UMA JUSTIFICATIVA PARA A CONTINUIDADE DESSA PESQUISA O veio descoberto é precioso. O universo das linguagens ¾ línguas e artes ¾ e seus entrelaçamentos poéticos apresenta-se em contínua expansão. Explorá-lo ao máximo é minha meta. Nada se conhece ou se expressa sem mediação do signo. A ciência e o pensamento realizam-se na e através da linguagem e suas mídias, sejam elas em papel ou eletrônico-digitais. E a linguagem, aqui entendida como um sistema heterogêneo,



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diversificado, vai muito além dos paradigmas lógicos e racionalistas que a instituem o verbo como forma exclusiva de comunicação e expressão do pensamento e das nossas emoções; a linguagem inclui corpos viventes, interativos entre si e com o mundo ao redor, toda uma sensorialidade cuja sabedoria é abraçada pela estética e pela poética. É papel das artes relativizarem e desconstruirem doxas e paradigmas já obsoletos por via do linguístico e do semiótico. Tanto na escrita, quanto nas formas plásticas, a ficção, a imaginação e a poesia virtualizam novos saberes, abrem as portas para uma nova apreensão do universo e dos fenômenos nele abrigados. Temos vivido, pelo menos no ocidente, uma cultura que coloca sobre a palavra um peso excessivo; desprezamos, durante muito tempo e em nome de uma ideologia logocentrista, as demais modalidades discursivas. Com desconfiança, vimos assumir em nossa cultura os meios de comunicação que abandonam o verbo em favor da imagem, e pouco se sugere a hipótese de valorizar os sentidos hápticos, os olfativos e os gustativos como contribuintes do conhecimento. Presos ainda a uma concepção cartesiana, prosseguimos em muitas instâncias apartando a mente do corpo sensóreo. A contemporaneidade plurimidiática, promovida pelas tecnologias de informação e de comunicação vêm apontando, porém, para uma crise do discurso científico que sacraliza o verbo como única via de comunicação de discursos informativos e estéticos. Tais mudanças têm retroagido sobre os sistemas pensamentais, influindo na crise das instituições educacionais e na sua resistência em reconhecer novos paradigmas (VASCONCELLOS, 2013). Isso não quer dizer que a palavra deva ser desvalorizada como invenção humana; prossigo acreditando na potência das línguas ¾ orais e verbais ¾ para registro e tráfego dos saberes. Contudo, é preciso relativizar a importância da palavra como principal referente e mais do que isso, introduzir e valorizar outros códigos, mídias e meios de expressão e de cognição, especialmente quando temos em vista o reconhecimento e a valorização da pluralidade sociocultural. Os responsáveis pelas reinvenções do signo são aqueles sujeitos que, em contravenção às doxas, desestabilizam a substância semiótica, invadindo seus diversos domínios e reprogramando as tecnologias midiáticas de comunicação e de informação: conforme a área bibliográfica, podemos denominá-los, na antropologia, de inventores (WAGNER, 2010); na teoria da arte, de semionautas (BOURRIAUD, 2009b); na cibernética ou na informática, de hackers. Por que não chamá-los todos de artistas? Por artistas, entendo todos aqueles que se apropriam das linguagens, discursos e formas para



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desviá-los do seu caminho de hábito, afastando-os da banalização que os desvitaliza e os degenera. Ao reciclar o signo, o artista impede o seu esgotamento. Não é para a arte e para o artista que se voltam os linguistas e semiólogos, quando necessitam verificar os fenômenos evolutivos da ecologia midiática? Ao trazer, por via deste trabalho, a literatura ¾ sempre recordando que por literatura entendo todo discurso verbal que assume a palavra como matéria poética ¾ para a esfera das artes, com foco nas artes gráficas e sequenciais, acredito estar contribuindo para com a valorização da diversidade dos modos de pensar e de produzir o conhecimento.

Facilmente adaptáveis às diferentes mídias e flexíveis à replicação

infinita, reunidas às linguagens escritas ou sonoras, sequencializadas via páginas impressas ou via frames animados, as artes gráficas surgem imbuídas de valores qualitativos quanto às possibilidades de invenção. Enxergo, por exemplo, na bricolagem espontânea que emerge seja em meios digitais ou nas pequenas gráficas independentes, uma apropriação ebulitiva da cultura, em que textos e imagens reúnem-se e convivem de forma pacífica. Aí prossigo vislumbrando uma promissora área de investigação, seja ela voltada para fins educativos e produtivos ou para propósitos de elaboração teórica. Ao tomar por base as propostas contemporâneas que envolvem a pesquisa em artes, desejo não só prosseguir abordando as instâncias poéticas que friccionam linguagens verbais e gráfico-visuais, mas de tornar poético o próprio discurso científico, explorando os diversos recursos literários, gráficos e midiáticos que estiverem disponíveis. Algumas dessas possibilidades já foram anunciadas neste trabalho. Num projeto seguinte, queremos aprofundá-las, sem perder de vista os campos da arte e da educação.

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Apêndice 1 ¾ PROJETO DE PESQUISA ACORES POÉTICO-EDUCATIVOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS

ACORDES POÉTICO-EDUCATIVOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR Projeto de Pesquisa

Paula Mastroberti Escritora, Artista Visual Profa. do Depto. de Artes Visuais da UFRGS

Porto Alegre 2013

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ACORDES POÉTICO-EDUCATIVOS ENTRE VISUALIDADES E VERBALIDADES: UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR Projeto de Pesquisa Paula Mastroberti Escritora, Artista Visual Profa. do Depto. de Artes Visuais da UFRGS

ÁREA(S): Educação, Artes Visuais e Letras/Literatura ÁREAS DE ABRANGÊNCIA: Licenciatura em Artes visuais e em Letras/Literatura; Bacharelado em Artes Visuais e Letras/Literatura ou Escrita Criativa; Comunicação (Semiótica); Design; Linguística SUB-ÁREA(S): Educação em artes e literatura; poéticas visuais e verbais; estudos culturais visuais e literários comparatistas. DESCRIÇÃO: Projeto interdisciplinar envolvendo as áreas de artes visuais com ênfase na arte/educação e teoria, produção, ensino e leitura da literatura, cujas ações tem em vista promover e aprofundar a interação entre as disciplinas e cursos envolvidos através dos estudos relacionados à ficção gráfica em geral, tais como: livros ilustrados, quadrinhos, livros-imagem, jogos narrativos e assemelhados, impressos ou eletrônicos. Resumo O presente projeto prevê ações no sentido de elaborar uma metodologia interdisciplinar de ensino de leitura e produção literária, de ensino e de produção gráfico-visual do ponto de vista das Artes Visuais, objetivando os agenciamentos e operações do objeto poético gráfico, cujo conceito abriga livros ilustrados, livro-imagens, livro de artista, artes sequenciais (histórias em quadrinhos), jogos narrativos, animações e ficção gráfica em geral, impressos ou digitais. A grade epistemológica de apoio prevê uma bibliografia composta de publicações nas seguintes áreas: Artes Visuais, Arte/Educação, Teoria e Sociologia da Arte e da Cultura, Teoria e Sociologia da Literatura, Comunicação/Design, Semiótica, Antropologia Cultural e Estudos Culturais Visuais. Essa bibliografa elenca inicialmente os seguintes nomes: Gérard GENETTE, Henry JENKINS, Santiago GARCÍA, Lucia SANTAELLA, W. J. T. MITCHELL, Fernando HÉRNANDEZ, Nicholas MIRZOEFF, Ana Mae BARBOSA, Maria NICOLAJEVA, Manuel CASTELLS, Michel de CERTEAU, Gunther KRESS, Sophie Van der LINDEN, Nicolas BOURRIAUD, tendo por pressupostos filosóficos Felix GUATTARI, Gilles DELEUZE, Jacques DERRIDA, Edgar MORIN, Humberto MATURANA, e outros pensadores cujas reflexões apoiam e justificam a diluição das fronteiras entre os territórios da arte, das linguagens e da cultura. Apesar de suas características trans/interdisciplinares, este projeto se fundamenta na área da Artes Visuais e, mais especificamente, na Arte/Educação, propondo uma ideia de literatura como arte, reunidas em torno de objetivos que visam a formação (re)inventiva e autopoiêutica da cultura/arte.

Palavras-chave Educação em artes e literatura ¾ Leitura e produção verbal e visual ¾ Interdisciplinaridade ¾ Intersemioticidade ¾ Objeto poético gráfico.

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APRESENTAÇÃO

O projeto parte de estudos realizados desde a minha dissertação de mestrado, e prolongados na tese de doutorado, ambas defendidas na área de Letras da PUCRS, mas que transcendiam essa área incorporando reflexões e propostas em Artes Visuais e Arte/Educação. Na dissertação, eu analisava um livro ilustrado e verificava o modo como esse objeto, o texto literário e as artes figurativas substanciados em sua matéria gráfica se ofereciam à leitura. Na tese que lhe deu seguimento, apresentei os resultados analisados a partir de uma pesquisa empírica, cujo corpus constituiu uma série de atividades criativas (produção de ilustrações, de um texto ficcional inédito, reunidos e integrados num fanzine eletrônico) realizadas por crianças de uma escola pública de Porto Alegre, RS61, a partir da leitura de um livro ilustrado, durante uma oficina organizada para esse fim. O corpus, analisado por uma grade bibliográfica inter e transdisciplinar62, forneceu subsídios para um ensaio teórico no qual eu problematizei o ensino da leitura literária vinculado ao ensino da língua, apontando como seus valores estéticos e poéticos poderiam ser melhor explorados se incluídos no ensino da arte. Essa problematização foi levantada tendo em vista uma disparidade detectada entre as operações leitoras verbais e as visuais do livro ilustrado: na maioria das crianças, se não em todas elas, percebi uma dificuldade de lidar com a conjugação de ambos os discursos ¾ visual e verbal ¾ tanto na emissão de um parecer crítico-sensível, quanto nas apropriações e expressões pós-produtivas. Essa disparidade acabou por afetar a qualidade das operações de leitura literária, embora elas tenham se mostrado mais competentes do ponto de vista técnico ao analisar o texto em separado (MASTROBERTI, 2012). Ou seja, embora competentes ¾ dentro de sua faixa etário-cognitiva ¾ na leitura interpretativa e no uso da língua, a carência de referenciais estéticos variados e a ausência de estímulo para refletir e a elaborar um julgamento crítico-sensível sobre eles empobreceu seus pareceres sobre o discurso visual e prejudicou suas criações ilustrativas63; da mesma forma, tais faltas prejudicaram a apreensão dos valores poéticos e estéticos substanciados edição ilustrada, repercutindo na apreciação e produção dos mesmos valores do texto literário. Além disso, a edição analisada, ao substanciar uma obra clássica mas pouco conhecida em sua versão literária ¾ Peter Pan ¾, comprovou aquilo que eu já pressupunha: sem exceção, o imaginário dos leitores analisados, imersos numa cultura plurimidiática, estava tomado, no que se refere a essa narrativa, pelo desenho animado da Disney e, principalmente pelo filme dirigido por

A oficina foi ministrada na Escola Estadual Leopoldo Tietbohl para crianças de 10 a 11 anos da 5a série (6o ano), durando 5 dias, de 3 a 10 de setembro de 2008. 62 Cito, entre outros: a) para conceituação do livro ilustrado como mídia literária e artística, Roger Chartier, Robert Darnton, Jacques Derrida, Vilém Flusser, David Olson, Rafael Cardoso, Henry Jenkins, Philip Meggs, Lawrence Hallewell, Maria Nicolajeva, Alan Powers e Sophie van der Lynden; b) para elaboração de um conceito amplo de leitor e de leitura: Edgar Morin, Feliz Guattari e Gilles Deleuze, Pierre Bourdieu, Nicolas Bourriaud; para análise do corpus: Zygmunt Bauman, Guilermo e Sylvia Obiols, Louise Kaplan, Phillipe Greig, Lucia Rabello de Castro, Humberto Maturana e Lucia Santaella; c) para análise do objeto de leitura, a obra Peter Pan e Wendy, texto literário de James Matthew Barrie: Peter Hollindale, Maria Tatar e Isabelle Cani; d) para contextualização do corpus e do objeto de leitura em localidade histórica e sociocultural: Nestor Garcia Canclini, Michel de Certeau, Philippe Aries, Roy Wagner, Gisela Taschner, Fernando Hérnandez e Felipe Lindoso. 63 Propositadamente, deixei que escolhessem livremente o material artístico para produção das ilustrações. Com apenas uma exceção, todos se restringiram ao lápis de cor e canetinhas sobre papel sulfite tamanho A4, e muitos de demonstram falta de habilidade ou de criatividade na sua aplicação. Em alguns o desenho também se apresentou em configuração incompatível com a faixa etária. 61

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P. J. Hogan, de 2003. Todos, sem exceção, não puderam deixar de comparar o texto (de 1911, de autoria de James Matthew Barrie) e suas ilustrações com as configurações apresentadas em ambas as versões fílmicas. Para além disso, o herói e as demais personagens, as aventuras ali narradas e o universo fantástico evocado foram, em muitos momentos da Oficina, cotejados junto a outras leituras e referências estéticas, como Harry Potter e outras narrativas de aventura, fantasia e ação. Esses referenciais, próprios da cultura contemporânea juvenil, também repercutiram na apreciação, tanto do texto literário, quanto das ilustrações e certamente influenciaram na leitura do livro como um todo, embora os participantes não tivessem uma consciência clara a respeito. JUSTIFICATIVA O ensino da literatura na Escola, vinculado ao ensino da língua, limita-se, não raramente, aos aspectos funcionais da escritura literária. Submetida a um programa que tem como prioridade a história e a interpretação da literatura conforme padrões hermenêuticos pré-estabelecidos, ao lado do ensino das normas gramaticais e a aquisição de vocabulário, a leitura e a escritura literária são apresentadas como atividades técnicas, apêndices ou meios para obtenção de um conhecimento que transcende suas práticas (para fins instrumentais, éticos ou informativos). Embora estimulada em sala de aula, as operações leitoras/escrivãs são desarticuladas, separando os processos computativos dos emoafetivos. Na mesma medida, cria-se um abismo entre valores culturais-artísticos/literários canonizados pelos sistemas institucionais e os valores experenciados e eleitos pelo aluno, em que a leitura/escritura formal é rejeitada em favor de outros meios de comunicação e expressão. Nesse âmbito, em que a literatura como arte apresenta-se desprovida de poeticidade, as metodologias ligadas ao ensino técnico e normativo dos usos da língua desprezam ¾ ou eximem-se de avaliar ¾ as produções singulares e qualitativas, poéticas, estéticas e criativas da leitura e da escrita estudantil, presentes e atuantes em formatos menos convencionais (blogs, pixações, redes sociais e messengers), bem como a sua capacidade de julgamento crítico-sensível64 sobre e a partir das operações leitoras/escrivãs efetivadas, além de levar em pouca consideração as subjetividades imersas na cultura em sua diversidade plurissemiótica. Também as metodologias de ensino nas demais artes ¾ música, artes visuais, dança e dramatização ¾, apesar de apresentarem, em seus níveis mais avançados, mudanças significativas

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Se nos voltamos à etimologia do termo crítica, temos em kriticós conotações relativas à censura e escolha, mas também à crise. Essa última é importante, sobretudo, na medida em que permite questionar o próprio sistema conceitual do qual faço parte, inferindo, como faz, aliás, Immanuel Kant (KANT, 2010), de um ponto de vista ainda clássico e categórico, sobre as próprias leis que regem a faculdade de julgar. Assim, a capacidade de avaliar criticamente, ou de colocar em crise determinados paradigmas ¾ universais ou de senso comum ¾ antecede todo tipo de juízo, seja ele determinante (induzido) ou reflexivo (deduzido), seja ele emitido do ponto de vista da razão ou do sensível, sem que haja contradição entre os últimos. Quanto a noção de sensível (do latim sensibile: perceber pelos sentidos ou pela mente; possuir capacidade percepto/cognitiva, possuir senso) ou de sensibilidade, eu a aplico referindo-me a uma qualidade para o qual todo ser saudável já nasce equipado, acrescentando que toda expressão de sensibilidade constitui também um juízo crítico, porém emitido a partir de dados puramente estéticos, conforme observado em Kant. A união entre as duas palavras tem por objetivo reforçar justamente as habilidades mentais e corporais reunidas para manifestar juízos a partir da experiência sensível e de inferências racionais, cujas qualidades não podemos separar, principalmente no que se refere à arte; elas são inerentes ao aprendizado da vida e do estar no mundo e não podem ser reconhecidas exclusivamente a partir do momento em que as expressamos sistematicamente. Integradas às metodologias de ensino/aprendizado, alargam o conhecimento.

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de ordem teórica e epistemológica desde a década de 80, sobretudo através da incorporação dos estudos culturais visuais e das propostas mais integrativas das culturas/artes e seus contextos étnicosociais, na prática e em sua maioria ainda derivam ¾ devido aos mais diversos entraves ¾ em produções pobres ou pouco valorizadas, quando não depreciadas pela comunidade escolar (os demais professores e os estudantes). Ora presas, por comodismo e por desatualização, por conta de micropolíticas conservadoras, a didáticas tradicionais (tecnicistas ou logocentristas), ora excessivamente apegadas aos modelos moderno-expressionistas (pouco ou nada reflexivos), elas permanecem, pelas mais diversas razões (ausência de estrutura e de materiais, carga horária reduzida, entre outros), se organizando em programas superficiais, subservientes as demais atividades organizadas pela Escola65. A exploração das técnicas, tecnologias e ferramentas disponíveis (do artesanal ao digital) para elaboração de um vocabulário formal/modular plástico1 ¾ (picto)gráfico, visual, háptico, sonoro ou corporal/gestual ¾ do aluno, quando existe, raramente vem acompanhada pela reflexão crítica e contextualizada. Somado a isso, e apesar da atual conjuntura cultural que valoriza e se comunica prioritariamente através de uma semiótica imagéticovisual66, é ainda incipiente a abertura, no interior do espaço escolar, para uma discussão crítica sobre essas informações que nos atravessam, sejam elas provindas das mídias eletrônicas ou impressas, sejam dos objetos culturais mais prosaicos que consumimos (roupas, acessórios, material de uso cotidiano). Nesse sentido, arte e literatura, tal como apresentadas na escola, podem dar-se as mãos: ambas carecem de uma revisão quanto aos modos aproximativos por parte do ensino, pois ainda tem o cânone (homologado pelos sistemas crítico-históricos da arte e da literatura) como conteúdo prioritário e indiscutível, alienado aos seus próprios contextos (históricos, sociais e culturais) e desconectado da realidade do aluno. Esse fenômeno escolar se reflete também na formação do futuro artista ilustrador ou artista gráfico, um profissional situado num entre-lugar disciplinar, obrigado a buscar e a integrar de forma autodidata os conhecimentos necessários com vistas a preencher os vazios operacionais entre a leitura da escritura criativa e produção das poéticas gráfico-visuais. Em muitos, falta a competência leitora necessária para lidar com a linguagem verbal e traduzi-la semioticamente para o visual; em outros, a ausência de preparo técnico e intelectual artístico prejudica a produção em termos qualitativos, reduzindo suas possibilidades de ingressar no mercado.

65 Além das atividades de praxe cobradas pela Escola no sentido de usar a disciplina de Artes como local de produção de lembrancinhas para os pais, de decoração de eventos e comemorações diversas, observo, como autora e ilustradora de livros juvenis, participante de projetos de incentivo à leitura em visita a inúmeras escolas (públicas ou privadas), o desenvolvimento de atividades artísticas como mero apêndice na elaboração de atividades meramente ludo-recreativas ou documentais que constituem o coroamento da leitura literária. Se por um lado, há locais em que essa disciplina sequer se constitui, por falta de professor qualificado, por outro o professor de línguas não consegue, em virtude de sua formação, dar conta do livro literário ilustrado como um objeto estético e comunicativo, mídia gráfica/verbo/visual. 66 Sigo um conceito de imagem não necessariamente visual, mas elaborado a partir de teorias neurocientíficas como as de António Damásio (DAMÁSIO, 2000) e das investigações em neuroestética (coordenadas pelo Prof. Semir Zeki da London College University e diretor do Neuroesthetics Institute), resultante de um encontro sensível e interativo entre um corpo e um entorno físico, registrados em imagens mentais a partir de dados sonoros, táteis ou verbais. Assim, imagem mental ou imagética visual não são expressões redundantes, mas dizem de uma projeção gerada a partir de estímulos interfaciais prioritariamente visuais.

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O atual momento, em sua diversidade, nos proporciona e nos estimula a uma interação plurissemiótica, em que as artes, a comunicação e toda sorte de dados informativos se apresentam numa mistura integrada e em que os limites entre os elementos linguísticos, suportes e interfaces tornam-se, muitas vezes difíceis de determinar. Nesse sentido, tanto a literatura como arte da palavra quanto outras expressões poéticas relativizam-se como linguagens ao serem incorporadas e (re)modeladas pelas novas mídias e suportes, exigindo novos conhecimentos para produção e novas abordagens para mediação. O objeto poético gráfico67 (em todas as suas espécies, do livro ilustrado, passando pelas histórias em quadrinhos e incluindo os jogos eletrônicos) destaca-se como um dos símbolos culturais de maior interesse de jovens e crianças. Devido a sua penetração na escola via programas governamentais e via projetos de leitura, um desses objetos, o impresso gráfico (livros e quadrinhos) encontram-se razoavelmente acessíveis em espaço pedagógico, via biblioteca escolar para aproveitamento de mediadores da arte e da literatura. Ao reunir qualidades estéticas verbais e visuais, esse material potencializaria, em teoria, ricas ações interdisciplinares; na prática, contudo, o que se percebe é uma apropriação insuficiente, feita de modo amadorístico e pouco reflexivo por um professor alfabetizador ou professor de línguas. Mesmo quando integrado ao ensino de artes, as propostas limitam-se, na maioria das vezes, à “decoração” da leitura do literário, apresentando as atividades artísticas como um “desfecho lúdico”, trazendo pouca ou nenhuma reflexão sobre sua localização, função e importância dentro das poéticas visuais. Elas também costumam ser oferecidas como um registro concreto, de caráter apogético, das atividades de leitura escolar, como uma espécie de retorno visível ao investimento das políticas envolvidas com o livro e a leitura, prioridade máxima dos programas pedagógico-institucionais. Assim, essas atividades repetem antigos preceitos irradiados a partir de uma ideia de arte como resposta interpretativa de um conhecimento exterior a ela mesma e de arte como subserviente a um tema ¾ quando os temas ficcionais, trazidos pela literatura, substituem as temáticas éticas68. Tais abordagens, por outro lado, acabam contribuindo com a desvalorização das artes gráficas em relação às demais produções poéticas visuais, fenômeno que se reflete dentro do próprio campo do ensino acadêmico de arte. Faltaria, portanto, que essa instância disciplinar se envolvesse mais profundamente com os livros, quadrinhos e assemelhados, ainda mal-apreendidos pelas metodologias tradicionais e compartimentadas de ensino, cuja totalidade significativa não pode ser abarcada exclusivamente pelo ensino de literatura, muito menos pelo ensino do uso competente da língua.

67 Com o objetivo de economizar a leitura deste texto, farei uso da expressão objeto poético gráfico como sintetizadora de todos os objetos culturais que veiculam as linguagens literárias acompanhadas de ilustrações e o gênero dos quadrinhos. São considerados gráficos os objetos que se organizam a partir de um projeto ou design gráfico, visando a reprodução de uma matriz original por via de cópia impressa ou digital, destinandose à leitura das matrizes linguísticas ali substanciadas e integradas, majoritariamente visuais e verbais. Contudo, nem todos os objetos gráficos são poéticos: alguns destinam-se puramente a transmissão de informação, como livros científicos ilustrados, aplicativos utilitários, entre outros. Na categoria objeto poético gráfico é possível também incluir os jogos eletrônicos e as animações. 68 Quando o livro literário infantil e juvenil possui, ele mesmo, uma intenção ética, o efeito se acentua, sobrando para a atividade artística realçar essa intencionalidade, minorizando duplamente o potencial poético de ambas as linguagens.

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Ainda que as atuais teorias da educação levem em consideração um currículo integrado (defendido por Michael Parsons69), interterritorial (conforme expressão de Ana Mae Barbosa70) ou trans ou interdisciplinar (termos piagetianos cujas aplicações variam conforme instituições, diretrizes políticas e ideológicas), na prática, os programas curriculares escolares se apresentam ainda compartimentados, orientado segundo um pensamento preso a um paradigma linear, evolucionista e logocêntrico. Além disso, as políticas pedagógicas federais e estaduais brasileiras fortalecem e asseguram ações voltadas prioritariamente para o letramento, colocando a arte literária sob sua jurisdição ¾ o PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) a coloca sob o ensino da língua portuguesa ¾, enquanto que as ações em e para a Arte/Educação ¾ embora tenham seu lugar no PCN ¾ permanecem praticamente invisíveis, aparecendo somente quando vinculadas aos programas do Ministério da Cultura e suas Secretarias Estaduais. Esses órgãos ligados a Cultura não incluem o interior escolar, apenas articulam as instituições de ensino com os espaços/eventos culturais/artísticos, necessitando ajustes e de reavaliações. A desarticulação entre as políticas macromediadoras do ensino e as da cultura atinge toda a programática escolar voltada para a arte em geral, confirmando a crença na ultrapassada dicotomia palavra versus imagem, além de avalizar uma ideia de educação/aprendizado como um conjunto de ações que se resolvem através do código alfanumérico, excluindo as poéticas visuais, sonoras e hápticas como meios de acesso ao conhecimento. Sobra para o objeto gráfico ocupar um entre-lugar nessas macropolíticas , que vêem em seus maiores representantes ¾ o livro ilustrado e as histórias em quadrinhos ¾, um suporte exclusivamente literário, sujeito às diretrizes pedagógicas do MEC e a análises qualitativas vinculadas a Letras, área incompetente para dar conta das suas especificidades discursivas. Por outro lado, esse mesmo objeto parcialmente analisado pelos programas necessita urgentemente de um parecer técnico competente por parte de profissionais capacitados para a leitura do gráfico-visual, a fim de qualificar e promover o trabalho do artista-ilustrador como elemento importante da sua constituição. Os objetos gráficos (em especial o livro infantil e juvenil e os quadrinhos, privilegiados em sua posição de integrador de políticas pedagógico/culturais e de linguagens) podem catalisar ações no sentido de ampliar o estado da produção e da crítica do cultural e do artístico em âmbito escolar. Através deles, é possível promover uma reflexão e uma prática que, desde os anos iniciais de aprendizado, ultrapasse as linhas de demarcação entre as áreas e disciplinas ligadas à arte e à cultura em geral, para que possamos reconhecer, abrigar e promover, no interior das classes escolares, o

69 70

PARSONS, 2010, p. 295-317. BARBOSA, 2008.

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leitor legens71 (MASTROBERTI, 2012), ou seja, o leitor em sentido amplo, um ser em processo ou vivente72 (GUATTARI; ROLNIK, 2008b) autopoiêutico73 (MATURANA, 2006), agente/operador e reinventor da cultura-artes. Eles podem se apresentar também como catalisadores de reflexões transdisciplinares diversas ao envolver questões não apenas do âmbito da intersemioticidade verbo/visual ou mesmo audio/verbo/háptico/visual, mas questões relativas aos estudos culturais em geral ¾ representação de gênero, de etnias, de grupos sociais ¾ à ética, à estética e outras categorias mais abrangentes. A inclusão de estudos e práticas interdisciplinares cujo corpi sejam objetos poéticos gráficos e a avalização de uma tipologia abrangente de leitor permite, da mesma forma, não só o desenvolvimento das habilidades poético-criativas desde as idades iniciais, mas também contribui para o reconhecimento e a elevação qualitativa do futuro profissional artista gráfico em seu percurso de formação e de produção, ao lado das demais práticas poéticas que envolvem o sistema visual/verbal, se levarmos em consideração que todo artista é, enquanto semionauta (BOURRIAUD, 2009), simultaneamente leitor e produtor de signos culturais. É necessário, portanto, incluir como parte da formação artística o aprendizado da leitura de signos, entre eles os signos gráficos, tendo em vista o caráter reconhecidamente pós-produtivo da criação artística e novos agenciamentos e tendo em vista a localidade do artista como ator responsável pelos processos (re)inventivos da cultura (WAGNER, 2010).

71 A expressão leitor legens foi cunhada para a tese de doutorado, e refere-se a um “ser vivente e em produção de subjetividade através da ação legere, na busca de algo que contribua com sua sobrevivência (a sua origem está na atividade da agricultura) e dela participe; aquele que seleciona, que coleta, (es)colhe e recolhe dados (estéticos, informativos) para incorporá-los como alimento do corpo e do espírito; aquele que erra, que acerta, é heterogêneo, inclassificável em sua variação, em seus acessos e retrocessos, seja qual for o seu gênero, sua idade ou capacidade psicocognitiva.” Nela diferencio o homo lector como “ser social, objetivo do homo legens, um ser singular que, sem deixar de estar inserido em determinado contexto (cultural, social, histórico), é compreendido em sua permeabilidade a ele.” Em resumo, todo vivente que estiver em ação e desejo de operação cognitiva (decodificadora) com finalidades ligadas ao ato perceptual de legere — e pouco importa se o seu objeto de transferência é formal (visual, gráfico ou plástico), se sonoro, se gestual, se olfativo —, é homo legens. A partir daí, ele pode se estabelecer, inclusive, como um homo lector. (MASTROBERTI, 2012: 100.) 72

A concepção de sujeito como ser em processo ou vivente (correlato usado em minha tese) pode ser compreendida a partir da diferença apontada por Felix Guattari entre indivíduo e subjetividade: “Para mim, os indivíduos são o resultado de uma produção de massa. O indivíduo é serializado, registrado, modelado. Freud foi o primeiro a mostrar até que ponto é precária a noção de totalidade de um ego. A subjetividade não é passível de totalização ou de centralização no indivíduo. [...] É claro que sempre se reencontra o corpo do indivíduo [nos] diferentes componentes de subjetivação; sempre se reencontra o nome próprio do indivíduo; sempre há a pretensão do ego de se afirmar numa continuidade e num poder. Mas a produção da fala, das imagens, da sensibilidade, a produção do desejo não se cola absolutamente a essa representação do indivíduo. Essa produção é adjascente a uma multiplicidade de agenciamentos sociais , a uma multiplicidade de processos de produção maquínica, a mutações de universos de valor e de universos de história.” (GUATTARI; ROSNIK, 2008b: 40.) 73

Derivado de autopoiese ou autopoiesis (auto = próprio e poiesis = produção ou criação), o termo foi cunhado por Francisco Varela (biólogo e filósofo) e Humberto Maturana (neurobiólogo, teórico com aplicações na Educação). Segundo eles, um ser vivo é um sistema autopoiêutico em processo de autoprodução, auto-regulação e auto-manutenção. Tais processos, em que o ser vivo mantém interações com o meio, são condições para a existência da vida. Sendo autopoiêutico, todo sistema vivo desencadeia em si mudanças em sua própria estrutura, não diretamente influenciadas pelo meio, mas a partir deste. O conceito de autopoiese passou a ser usado em outras áreas, e tanto Edgar Morin quanto Gilles Deleuze e Felix Guattari dele se apropriam para definir noções dinâmicas de sistema, agenciamentos maquínicos e processos de subjetividade.

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QUESTÕES FUNDAMENTAIS As reflexões geradas a partir desse trabalho provocaram, assim, novos questionamentos: 1.

Dada a experiência da oficina desenvolvida para tese de doutorado, e a conclusão de que uma metodologia híbrida ou interdisciplinar para uma educação literária e artística na ordem do estético é possível e necessária para leituras/produções mais abrangentes de um dado objeto poético gráfico, como incluí-la as práticas de ensino escolar e acadêmico?

2.

Como fundamentá-la e como capacitar o artista e o arte/educador para o trabalho criativo ou para a criação de projetos de ensino no interior dos programas escolares e acadêmicos?

3.

Como abordar ou produzir um objeto poético gráfico de modo a convergir sobre ele uma cultura híbrida e plurissemiótica já vivenciada pelo aluno educador e/ou artista em formação e em que medida uma reflexão crítica, proporcionada por uma metodologia escolar ou acadêmica, influiria sobre essas vivências visando retorná-las em benefício do educador e do artista, no sentido de capacitá-lo a atuar como um agente emancipado para a produção e leitura da arte, tendo por foco as artes gráficas, ilustrativas e sequenciais, e fenômenos culturais visuais relacionados (livros ilustrados, quadrinhos, animações, jogos)?

HIPÓTESES/OBJETIVOS Ao gerar as seguintes hipóteses: 1.

É possível e necessário desenvolver um sistema metodológico que desloque o ensino da leitura/escritura literária para as demais práticas e reflexões poéticas e artísticas;

2.

O projeto que se apresenta em grande abrangência tem potencial para oferecer, na teoria e na prática, subsídios e diretrizes para formação de artistas e de arte/educadores em artes gráficas em sua integração à leitura e à escrita literária, conforme um programa escolar de caráter integrativo, trans ou interdisciplinar;

3.

Ao incluir, ter por referência ou por ponto de partida os entornos socioculturais plurissemióticos e emoafetivos do aluno ou do artista em formação, esse sistema metodológico obrigatoriamente objetiva, através da reflexão e expressão críticosensível, não só o deslocamento da leitura e escritura literária para o âmbito da apreciação, produção e reflexão estética, livre do ensino técnico e normativo da

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língua, mas também a emancipação para a leitura e produção integrativa do artístico e do literário74. Assim, a formulação deste projeto atenta, a partir do objeto poético gráfico, à produção reflexiva, a apreciação crítica e a uma nova contextualização das práticas da arte e da literatura, colocados numa mesma perspectiva em linha horizontal ¾ em que se exclui a clássica dicotomia de palavra versus imagem, discriminadas nos seguintes objetivos: 1.

Propor e fundamentar uma metodologia de cunho intersemiótico (interdisciplinar em Letras, Artes e Educação), incluindo a literatura ¾ leitura e produção ¾ como parte integrante do programa de artes, com foco nas artes gráficas e suas produções, cujo programa inclua a reflexão e a expressão orientados para e pelo estético e o poético, abrangente do uso de diversas ferramentas e linguagens formais/modulares e de operações sobre os contextos culturais-artísticos préexistentes.

2.

Fundamentar tanto a necessidade de liberação do ensino da leitura literária da formação que a vincula exclusivamente ao ensino tradicional da língua, quanto valorizar os conteúdos já inscritos na arte/educação e nas artes visuais como conhecimento. Ao fundamentar e valorizar, tornar seus objetivos praticáveis, na medida em que ambas as ações devem proporcionar ao futuro artista e/ou arte/educador apoio e suporte para desenvolvimento de atividades e projetos cabíveis nos programas escolares, acadêmicos e criativos.

3.

Ao agregar as experiências de cada aluno em suas apropriações e reinvenções singulares da cultura, desenvolver uma metodologia em que sejam orientados a compartilhar suas leituras e/ou produções artístico-culturais em comparação as operações e agenciamentos de objetos poéticos gráficos, ao mesmo tempo em que são estimulados a refletir de forma crítico-sensível sobre aquelas.

METODOLOGIA A metodologia para implementação deste projeto tem em vista o plano de trabalho que a proponente está encarregada de apresentar a sua instituição de abrigo (no caso, o Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Nesse caso, todas as ações previstas devem apresentar-se costuradas a ele. a)

Tipo de pesquisa: teórica, prática e empírica, de base epistemológica e metodológica interdisciplinar.

b) Corpus: produções teóricas, criativas e metodológicas decorrentes de ações práticas vinculadas ao plano de trabalho, tais como: oficinas, cursos de extensão, seminários, 74 O termo emancipar [do latim emancipo: sair da tutela. Mancipum = dono, proprietário, derivado de manus = mão. Somado à capere = tomar, ser capaz ou capacitado à] não significa, para mim, nesse caso, a emancipação dos leitores através da leitura (ou seja, um leitor emancipado enquanto ser, por adquirir a capacidade de gerenciar sua existência através do contato com a arte), mas para a leitura: um leitor capacitado a realizar e a afirmar suas próprias escolhas no campo cultura-arte.

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laboratórios, disciplinas voltadas para artistas, designers e escritores interessados, estudantes de artes visuais, de design e de letras, arte/educadores, educadores alfabetizadores, em línguas e em leitura literária. A análise e documentação das ações realizadas no plano de trabalho levarão em conta os estados atuais da arte, da literatura, da educação e dos estudos culturais e midiáticos75. c)

Instrumentos de pesquisa: material bibliográfico teórico e poético de estudo; resultados e processos derivados das práticas desenvolvidas durante e para o plano de trabalho constantes no item b aqui apresentado, preferencialmente equipados com aparelhos, tecnologias e outros materiais que possibilitem o desenvolvimento, aplicação ou produção de projetos metodológicos e/ou criativos voltados para o tema deste projeto.

ETAPAS As etapas que constituem as ações desse projeto devem ser entendidas em sua inter-relação com as ações acadêmicas protagonizadas pela proponente, e portanto dependentes das atividades de ensino de graduação, de extensão e programas já existentes em que a proponente possa se inserir e ao seu projeto no sentido de viabilizar a observação, o recolhimento e a análise de dados. a)

Elaboração e entrega deste projeto junto a um plano de trabalho prevendo sua integração, composto de atividades como: programas ou recortes temáticos disciplinares, seminários, cursos de extensão, núcleos de pesquisa e de estudo, orientação de projetos e de trabalhos afins, captação de alunos-bolsistas em níveis de graduação e de pós-graduação, participação em congressos, levantamento bibliográfico, produções educativas, artísticas e teóricas tendo por base as questões e hipóteses formuladas e os objetivos desta proposta;

b) Proposição de ações, desenvolvimento de conteúdos e/ou de metodologias em acordo com a Comissão Avaliadora do Departamento de Artes Visuais dentro do período prescrito para a cada etapa do plano de trabalho (dividido em 6 semestres, cumprindo os 36 meses de estágio probatório)76; c)

Implementação das ações projetadas e aprovadas na etapa b;

d) Análise, avaliação e relatório dos resultados obtidos, levando em consideração as questões, hipóteses e objetivos gerais desta proposta e os objetivos propostos para cada sistema metodológico a ser discriminado no plano de trabalho;

75 Devido aos limites da minha formação, da minha experiência profissional e educativa, esse projeto pretende restringir-se às interações visuais e verbais. Contudo, sendo de caráter plástico-modular, ele poderá levar em consideração ou ser reajustado tendo em vista outras interações ou acordes poéticos, incluindo música, teatro, cinema, dança ou qualquer outra linguagem ou mídia, seja em presença da literatura ou interrelacionando as demais linguagens entre si. 76

O plano de trabalho para os primeiros 18 meses do estágio probatório está apresentado na segunda parte deste documento. As proposições podem ser articuladas ao programa curricular já existente ou podem disseminar-se, a partir do Curso de Artes Visuais, em cursos de extensão, criação de tópicos e/ou seminários direcionados para educadores, artistas, escritores ou estudantes das áreas de Letras e de Artes Visuais, Bacharelado e Licenciatura. Outras ações podem inserir-se nessa etapa, como participação e publicação de trabalhos em Congressos cujo tema tenha afinidade com esse projeto. Novas ações propostas nessa etapa podem concomitar com outras ações já em fase de implementação na etapa seguinte.

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e)

Produção de relatório, dossiê, texto ensaístico e artigos a partir dos resultados obtidos durante os 18 meses de trabalho, visando o necessário encaminhamento à instituição e também publicação dos primeiros resultados do projeto em meios impresso ou eletrônico, em formato de aplicativo ou interface online, visando torná-los disponíveis a educadores, artistas e interessados;

f)

Reavaliação e reajustes do plano de trabalho ou de um sistema metodológico conforme os resultados recolhidos para continuação nos próximos 18 meses, quando serão retomadas todas as etapas, partindo da experiência e resultados já obtidos.

g) Retomada das etapas C e D no segundo período do estágio probatório após avaliação e ajustes metodológicos ou aplicação de novas ações que contribuam com o conceito e os propósitos do projeto; h) Análise, organização da documentação, dados e materiais recolhidos e produção de considerações teórico-reflexivas para publicação final; i)

No final o estágio, em julho de 2016, prevê-se, por fim, a reunião de toda documentação e produção em um dossiê, a ser recomposto e analisado, com finalidade de publicação.

REFERÊNCIAS BARBOSA, Ana Mae. Interterritorialidade: mídias, contexto e educação. São Paulo: SENAC/SESC-SP, 2008. BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. DAMÁSIO, António. O mistério da consciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. GUATTARI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolíticas: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 2008b. KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense/GEN, 2010. MASTROBERTI, Paula. Poéticas verbais e visuais em Peter Pan e Wendy: um encontro empírico entre livro e leitor na cultura das mídias. Tese de doutorado (Doutorado em Teoria da Literatura). Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, 2012. MATURANA, Humberto. MAGRO, Cristina; PAREDES Victor (Org.). Cognição, ciência e vida cotidiana. Belo Horizonte: UFMG, 2006. MEIRA Marly; PILOTTO, Silvia. Arte afeto e educação: a sensibilidade na ação pedagógica. Porto Alegre: Mediação, 2010. PARSONS, Michael. Currículo, arte e cognição integrados. In: BARBOSA, Ana Mae. Arte/Educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2010, p. 295-317. RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2010. SALTINI, Cláudio J. P. Afetividade e inteligência. Rio de janeiro: McGraw-Hill, 2002. WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosacnaify, 2010.



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Apêndice 2 ¾ PLANO DE ENSINO DO CURSO DE EXTENSÃO QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS: PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO

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CURSO DE EXTENSÃO INSTITUTO DE ARTES /UFRGS Departamento de Artes Visuais QUADRINHOS E ARTES SEQUENCIAIS: PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO

Profa. Dra. Paula Mastroberti Descrição e público-alvo: Curso interdisciplinar dirigido a estudantes em nível de graduação e pósgraduação, professores de Ensino Médio ou Fundamental ¾ Séries Finais e profissonais com diploma de graduação ou pós-graduação. Súmula: o curso propõe ao aluno uma experiência criativa em poéticas gráfico-visuais e verbais, visando sua a criação de um objeto ficcional gráfico em caráter coletivo, com publicação prevista para após a conclusão do curso. Créditos: 3h/aula (encontros quinzenais) Carga Horária: 240h (Teórica: 60h Prática: 180h) Justificativa A presente proposta se justifica pela necessidade de incluir um ponto de vista das Artes Visuais quando na apropriação da linguagem poético-narrativa ficcional gráfica, seja como modo de expressão artística, seja como objeto de ensino em artes visuais e ensino da língua. Majoritariamente apropriada no Brasil pelos estudos acadêmicos da área de Letras em função de sua linha discursiva verbal, embora tenha sua independência reconhecida do ponto de vista teórico (VERGUEIRO; RAMOS, 2009), as artes sequenciais, como também podem ser chamadas, ou ainda as poéticas gráficas, como prefiro, necessitam do aporte teórico também quanto aos seus aspectos formais e visuais, dada a intersecção discursiva com as artes gráficas em geral, aproximando-a do campo da ilustração ou arte de conceito (concept art). Outras características desses objetos os aproximam, principalmente quando da utilização de ferramentas digitais, dos jogos eletrônicos e do cinema, do storyboard ao cinema de animação. Em sua origem, as poéticas gráficas surgem apegadas ao desenvolvimento da gravura e a da imprensa; ampliam-se em direção a outras formas de reprodução em série, tais como a fotografia e a arte digital; contemporaneamente, tratam-se de linguagens que podem ser exercidas em inúmeros suportes para além do papel, tais como tecidos naturais ou materiais sintéticos como acetatos e outros, constituindo-se como livro-arte ou livro-imagem, fanzines, histórias em quadrinhos propriamente ditas ou narrativas eletrônicas e interativas, entre outras inúmeras possibilidades de formatação e de exploração artística, nem sempre reprodutíveis. Tais manifestações fogem ao alcance dos estudos centrados exclusivamente nos aspectos discursivos estruturados na palavra, voltados para inclusão dessas narrativas como apêndices ou subgêneros literários; sem desprezar os esforços teóricos que revelam a importância desses aspectos para formação do autor/artista e do leitor, este curso visa enfatizá-las em suas interfaces plásticas e gráfico-visuais. Ao evidenciar a importância da formação artística visual integrada ao verbal para o autor/artista de quadrinhos, este curso pretende contribuir para com uma abordagem e uma reflexão mais integrada da linguagem híbrida dessas narrativas, ao mesmo tempo em que as valoriza como arte e como objeto de interesse acadêmico. Objetivos: O curso pretende alinhar as técnicas de desenho, pintura, arte digital, fotografia, gravura, escrituras caligráficas e pictográficas e quaisquer outras linguagens e interfaces afins, usualmente exploradas pelas disciplinas das Artes Visuais, com as técnicas de desenvolvimento de escrita utilizadas para criação literária. Esta metodologia visa a produção de uma ficção gráfica em caráter coletivo, formatada em sequência e destinada à veiculação em suportes gráficos impressos e/ou digitais. Ela também objetiva atender a uma demanda dos próprios alunos de ambos os cursos, Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais, além de abrir-se a estudantes e profissionais com formação em outras áreas e cursos acadêmicos interessados em desenvolver e aprofundar as práticas e estudos do gênero popularmente conhecido por “história em quadrinhos” seja com finalidade artística, seja com finalidade de aproveitamento didático ou metodológico para a educação. Objetivos específicos: • Refletir sobre a variedade de conceitos e aplicações das artes gráficas sequenciais; • Conhecer e desenvolver a linguagem das histórias em quadrinhos, tendo em vista suas especificidades híbridas gráfico-visuais e verbais;

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• •



Desenvolver a reflexão crítica a partir de apreciação de obras em quadrinhos; Ler, compreender e interpretar um texto literário através do estudo teórico e da análise semiótico-discursiva da obra selecionada, Alice through the loking glass, de Lewis Carroll, tendo em vista sua transcriação (reescritura criativa) para texto-roteiro de sua versão gráfica; Produzir um objeto ficcional gráfico em caráter coletivo a partir da obra citada com finalidade de reprodução em suporte digital e/ou impresso.

Metodologia A metodologia prevê 20 encontros quinzenais presenciais e orientação à distância, de carga horária presencial de 3h/aula, somando 60 horas divididas em dois semestres. Estão previstas as seguintes atividades: • Discussão e leitura de textos teóricos das áreas de literatura, artes visuais e quadrinhos; • Análise reflexiva de obras em quadrinhos existentes em perspectiva histórica e sociocultural, visando o conhecimento, o desenvolvimento e o aprofundamento de apreciação e leitura; • A discussão em grupo dos trabalhos desenvolvidos; • A produção de um objeto ficcional gráfico de caráter coletivo. Experiência de aprendizagem Aulas presenciais e acompanhamento à distância misturando teorias da literatura, da arte visual e de histórias em quadrinhos combinadas à práticas de escritura e de produção artística variadas, com o objetivo de produção de um trabalho final coletivo em torno de um tema ou temática propostos. Critérios de avaliação Avaliação progressiva dos processos de aprendizagem, considerando a participação, o interesse, o empenho na execução das tarefas propostas e o compromisso obrigatório do aluno com a entrega de sua parte do produto final coletivo. A não participação nas atividades ou a não entrega do trabalho completo ou finalizado no prazo estipulado pelo professor implica o não recebimento de certificado de participação, além da exclusão do nome do participante do coletivo autoral da obra, caso esta venha a ser publicada. Atividades de recuperação prevista Entrega de produções conforme as diretrizes estabelecidas em prazo a ser renegociado entre professor e aluno. Tema proposto para o Curso de Extensão em 2015 TRANSCRIAÇÃO PARA QUADRINHOS A PARTIR DA LEITURA E INTERPRETAÇÃO SEMIÓTICA DA OBRA ALICE THROUGH THE LOOKING GLASS, DE LEWIS CARROLL Para o ano de 2015, o recorte de produção envolverá a leitura e interpretação gráfico-criativa da obra Alice through the looking glass, de Lewis Carroll, incluindo a análise genética, discursiva e semiótica do seu texto, sua trajetória iconográfica na sociocultura. A escolha de trabalhar com um recorte temático de origem literária não pretende, de modo algum, reforçar a subordinação das artes gráficas a uma obra verbal anterior, mas usá-la como um aporte para a livre criação e ao mesmo tempo oferecê-la como um desafio e um denominador comum a todos os participantes. Assim, a obra Alice through the looking glass, corpus do curso aqui proposto, tem em vista a futura reunião dos trabalhos desenvolvidos em uma publicação que permita destacar, junto ao leitor, a diversidade gráfica-visual advinda da exploração do texto, além de estabelecer um vínculo temático entre as diferentes interpretações que certamente surgirão. O segundo objetivo é contribuir para com a divulgação com um dos textos menos lidos de Carroll no Brasil que, apesar de sua relevância poética e, em muitos sentidos, superior à sua obra mais conhecida, Alice’s adventures in the Wonderland, possui poucas traduções em nosso país, sendo em geral editada em apêndice a esta. Em terceiro, ao escolher um texto de domínio público, obtemos a liberdade necessária para transcriá-lo em uma narrativa gráfica sem maiores preocupações legais. Ainda por

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objetivo saliento que usar um texto já consagrado como ponto de partida, de estudo e de análise certamente virá a contribuir para com o desenvolvimento e o aprendizado de uma escritura criativa, principalmente para aqueles que não a tem por linguagem primeira. Por fim, este texto, por sua riqueza fantástica e alegórica, instiga a interpretação poética visual e oferece-se como um excelente desafio para qualquer artista gráfico, quadrinista ou ilustrador. Conteúdo programáticos para 2015 Encontros 1

Título Introdução

1a2

Histórico da linguagem dos quadrinhos e análise do texto selecionado, parte 1 Histórico da linguagem dos quadrinhos e análise do texto selecionado, parte 2 Histórico da linguagem dos quadrinhos e análise do texto selecionado, parte 3 Histórico da linguagem dos quadrinhos e análise do texto selecionado, parte 4. Avaliação parcial

3a5

6a7

8a9

10 11 a 19

Tópico 5: Produção e finalização

Conteúdos 1o semestre Apresentação da disciplina. Apresentação das diretrizes de trabalho e do texto literário a ser trabalhado. Estudo da linguagem dos quadrinhos em perspectiva histórica e sociocultural (origens até anos 1930); análise e atividade em grupo a partir da leitura e discussão do texto literário selecionado, trabalhando questões conceituais gerais da obra. Estudo da linguagem dos quadrinhos em perspectiva histórica e sociocultural (anos 1930 à 1940); análise e atividade em grupo a partir da leitura e discussão do texto literário selecionado, com foco nos capítulos de 1 a 4. Estudo da linguagem dos quadrinhos em perspectiva histórica e sociocultural (anos 1940 à 1960); análise e atividade em grupo a partir da leitura e discussão do texto literário selecionado, com foco nos capítulos de 5 a 8. Estudo da linguagem dos quadrinhos em perspectiva histórica e sociocultural (anos 1960 até a contemporaneidade); análise e atividade em grupo a partir da leitura e discussão do texto literário selecionado, com foco nos capítulos de 9 a 12. Entrega e avaliação de roteiros, storyboards e esboços 2o semestre Formação de equipes de trabalho. Produção: técnicas de finalização e montagem. Oficicinas de aprofundamento e discussão da linguagem dos quadrinhos, conforme demanda dos alunos.

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Avaliação dos Apresentação da produção final em seminário interno trabalhos 20 Correções, ajustes Em combinação com participantes Obs.: a partir do término do curso, os trabalhos serão organizados pela professora em um único objeto a ser encaminhado para impressão, divulgação e/ou exibição, ficando disponível ao público. Bibliografia 1.

Básica DERRIDA, Jacques. Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 2008. FLUSSER, Vilém. A escrita: há futuro para a escrita?. São Paulo: Annablume, 2010. FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. São Paulo: Annablume, 2007. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. São Paulo: Cosacnaify, 2007.

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GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, s.d. GENETTE, Gérard. Noveau discours du récit. Paris : Seuil, 1983. MUNARI, Bruno. Design e comunicação visual. São Paulo: Martins Fontes. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005. SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento: sonora, visual, verbal. São Paulo: Iluminuras/FAPESP, 2005. 2.

Básica essencial BERÖNA, David. A. Wordless books: the original graphic novels. Nova Iorque: Abrams, 2008. BRUNETTI, Ivan. A arte de quadrinizar: filosofia e prática. São Paulo: Martins Fontes, 2013. CARRION, Ulisses. Fazer livros. Belo Horizonte: C/Arte, 2011. FARINA, Modesto; PEREZ, Clotilde; BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das cores em comunicação. São Paulo: Blücher, 2006. GARCÍA, Santiago. A novela gráfica. São Paulo: Martins Fontes, 2012. LUPTON, Ellen. Pensar com tipos. São Paulo: Cosacnaif, 2006. MAZUR, Dan; DANNER, Alexander. Quadrinhos: história moderna de uma arte global, de 1968 até os dias de hoje. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

3.

Complementar GARCÍA, Santiago. Supercómic: Mutaciones de la novela gráfica contemporánea. Madri: Errata Naturae, 2013. JÚNIOR, Gonçalo. A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. LUIZ, Lucio (Org). Os quadrinhos na era digital: HQtrônicas, webcomics e cultura participativa. Nova Iguaçu(RJ): Marsupial, 2013. LUYTEN, Sonia Bide. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. São Paulo: Hedra, 2011. RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2010. RAMOS, Paulo. Revolução do gibi. São Paulo: Devir, 2012. SILVA, Fabio Luiz Carneiro Mourilhe. O quadro nos quadrinhos. Rio de Janeiro: Multifoco, 2010. SUPER. Catálogo da Bienal de Havre de 2010. Blou (FR): Monografik, 2010. VAZQUEZ, Laura. El oficio de las viñetas. Buenos Aires: Paidós, 2010. VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo (Orgs). Muito além dos quadrinhos: análises e reflexões sobre a nona arte. São Paulo: Devir, 2009.

4.

Leitura específica para o curso de 2015: CARROLL, LEWIS. Alice through the looking glass, 1871. Edições selecionadas: CARROLL, Lewis. The annotaded Alice. Introduction and notes of Martin Gardner. London: W. W. Norton and Company, 2000. CARROLL, Lewis. Alice no país do espelho. Tradução de William Lagos. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2004.

94



CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do espelho e o que Alice encontrou por lá. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. Disponível também em ebook (Epub). CARROLL, Lewis. Alice: edição comentada e ilustrada. Introdução e notas de Martin Gardner. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2013. Link para download gratuito (somente em inglês): http://www.gutenberg.org/ebooks/12 Outras referências: BLOG DOS QUADRINHOS. Blog do http://blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/

Prof.

Dr.

Paulo

Ramos.

Disponível

em:

INVERNA. Blog de Paula Mastroberti, Juliana Dalla, Daniela Beleze Karasawa e Thaïs Gualberto. Disponível em: http://invernablog.wordpress.com/. LADY’S COMICS. Blog de Samatha Coan, Mariamma Fonseca, Samara Horta e Luciana Cafaggi. Disponível em: http://ladyscomics.com.br/ NONA ARTE. Revista eletrônica da http://www2.eca.usp.br/nonaarte/ojs/index.php/nonaarte

ECA/USP.

Disponível

em:

QUADRO À QUADRO. Revista eletrônica online. Disponível em: http://quadro-a-quadro.blog.br/ UNIVERSO HQ. Revista eletrônica online. Disponível em: http://www.universohq.com/ ANIME PRO. Site sobre cultura pop japonesa. Disponível em: http://www.animepro.com.br/ Observações Este curso de extensão prevê duas possibilidades de culminância: a publicação dos trabalhos finais em mídia digital ou impressa e uma exposição em paralelo dos originais como parte da estratégia de seu lançamento.



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Apêndice 3 ¾ PLANO DE ENSINO DO CURSO DE EXTENSÃO ILUSTRAÇÃO E LIVRO-ARTE: PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO

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CURSO DE EXTENSÃO ILUSTRAÇÃO E LIVRO-ARTE: PRODUÇÃO, LEITURA E ENSINO INSTITUTO DE ARTES /UFRGS Departamento de Artes Visuais INSTITUTO ESTADUAL DO LIVRO INSTITUTO ESTADUAL DE ARTES VISUAIS Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Rio Grande do Sul Coordenadora: Profa. Dra. Paula Mastroberti

SOBRE A AÇÃO DE EXTENSÃO Modalidade: Curso presencial Área Temática e linha de extensão: Cultura ¾ artes visuais Área temática secundária e linha de extensão secundária: Educação ¾ educação profissional Inscrição e seleção: 30 de novembro à 15 de janeiro Planejamento: 5 de outubro a 11 de dezembro Carga horária: 120h Realização: 4 de abril a 15 de julho Carga horária: 45h Relatórios: 1 de agosto a 30 de setembro Carga Horária: 40h CARGA HORÁRIA TOTAL DA AÇÃO: 205h SOBRE O CURSO: Carga Horária: 45h (Teórica: 20h Prática: 34h) Créditos: 3h/aula (15 encontros) Descrição e público-alvo: Curso interdisciplinar de caráter presencial dirigido ao público interessado na produção de ilustrações a partir da leitura literária com idade igual ou acima de 18 anos, com desempenho comprovado mediante apresentação de portfolio nas áreas de desenho e de coloração em suporte bidimensional no ato de inscrição. Será solicitada também uma carta de intenção. Súmula: o curso propõe ao aluno uma experiência criativa em poéticas gráfico-visuais e verbais, visando a criação de ilustrações a partir da leitura de um texto literário para produção final de um objeto ficcional gráfico (livro-arte) em caráter coletivo, com publicação prevista para após a conclusão do curso. Palavras-chave: artes gráficas ¾ ilustração ¾ artes visuais e literatura ¾ poéticas verbovisuais Objetivo geral: Integrar as técnicas artísticas e teorias em poéticas visuais à leitura e transcriação de um texto literário, para produção de um livro-arte. Objetivo específico: Refletir sobre o papel da ilustração na leitura literária; refletir sobre conceitos e técnicas para produção de artes ilustrativas em uma perspectiva histórica e da presença do livro ilustrado ou livro-arte na sociocultura; desenvolver práticas para o desenvolvimento de ilustrações artísticas; conhecer e desenvolver artes ilustrativas a partir da leitura e interpretação transcriativa de textos literários; desenvolver uma reflexão crítica a partir do conhecimento de obras ilustradas variadas; produzir ilustrações para publicação em um livro-arte em caráter coletivo a partir de textos literários; promover a exposição dos trabalhos com lançamento da obra.

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Relevância As artes ilustrativas têm despertado o interesse acadêmico como objeto de pesquisa, exigindo maior aporte teórico e formação específica não só no que concerne aos processos operacionais de leitura da imagem, mas também quanto à uma produção mais qualificada e criativa. Como os quadrinhos, jogos eletrônicos e o cinema de animação, as ilustrações constituem o campo denominado artes gráficas, ainda pouco visitado e explorado do ponto de vista das Artes Visuais, mas tematizado nas Letras e na Educação (como subtema da leitura-escrita). Ao evidenciar a importância da formação artística visual interdisciplinar à leitura especialista do literário para o autor/artista de ilustrações, este curso pretende contribuir para com uma abordagem e uma reflexão mais integrada entre as artes ilustrativas e a literatura como arte, ao mesmo tempo em que valoriza as primeiras como objeto de interesse acadêmico. Desenvolvimento: O conteúdo será distribuído ao longo de 15 encontros de 3h de duração cada e prevê o seguinte programa: 1.

Apresentacao e introdução de conceitos;

2.

Introdução aos aspectos históricos do livro ilustrado

3.

leitura da obra literaria selecionada e reflexão sobre o texto

4.

Proposição criativa de ordem semiotica/imagem-paradigmática

5.

Proposicao criativa de ordem descritiva/ imagem-representativa

6.

Proposição criativa de ordem narrativa/imagem-sintagmática

7.

Cor, comunicação, simbologia e aplicação: técnicas pictóricas e de reprodução

8.

A ilustração na página: contextos de design e possibilidades de composição com o texto mancha, vinheta, prancha.

9.

Estudos transcriativos: esboços a partir do texto

10. Estudos transcriativos: a colorização a partir do texto 11. Finalização: materiais e técnicas para produção de ilustrações 12. Idem 13. Finalização: cuidados de pré-impressão: informações (dimensões, acabamentos) e digitalização (resolução e edição: recortes, efeitos, correções de imagem) e fechamento de arquivo e envio para impressão 14. Finalização: revisão e apresentação de resultados. 15. Fechamento do curso: últimas considerações e avaliação do curso pelo grupo de participantes. Critérios de avaliação Avaliação progressiva dos processos de aprendizagem, considerando participação, interesse e acompanhamento nas atividades propostas em leitura de textos, práticas artísticas e reflexão teórica. Entrega da produção realizada a partir das proposições do curso visando futura publicação. O certificado será entregue mediante a entrega da produção dentro dos critérios estabelecidos pela ministrante em comum acordo com os alunos.

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Programa 7 de abril

AULA 1: APRESENTAÇÃO E INTRODUÇÃO DE CONCEITOS

Moodle: Apresentação do Moodle e plano da disciplina.

Apresentação da professora e participantes (experiência formação profissional). Apresentação do curso: metodologia, programa de conteúdos, formatação e avaliação. 14 de abril

AULA 2: SEMIÓTICA VERBAL E VISUAL POWER POINT: Apresentaçao Dilemas Mostrar/Descrever, com trabalho a partir do texto “Noite” de Érico Veríssimo.

Power Point Mostrar Descrever: dilemas.

e

Livro: Lendas do Sul: divisão de textos.

Divisão de textos da obra Lendas do Sul. Tarefa: destacar palavras e signos icônicos, indiciais e simbólicos. 21 de abril (FERIADO)

AULA 3: FERIADO Leituras sobre teoria da cor no Moodle.

MOODLE: Recorte de imagem síntese de uma lenda.

Tarefa: Escolher uma paleta para Lendas do Sul. 28 de abril

AULA 4: POWER POINT: Notas sobre uso da cor: cor-luz, cor pigmento. Luz, sombra, textura. Estudo cromático de Lendas do Sul, tendo por base os destaques de texto.

5 de maio

AULA 5: PERSONAGEM POWER POINT: Iconografia de Peter Pan.

Power Point: Cor. Livro: Lendas do Sul: estudo cromático, a partir de destaques do texto. Atividade envolvendo colagem a partir de páginas coloridas de revistas e papéis para composição de paleta cromática. Power Point: Iconografia de Peter Pan. Livro: elenco e análise de personagens.

Tarefa: No sketchbook: Estudo de personagem. Elaboração de expressão e de movimento. 12 de maio

AULA 6: CENÁRIO/AÇÃO POWER POINT: Configurações do espaço

Power Point: Cenografia: estudos de espaço e tempo na ilustração

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cenográfico. Tarefa: Análise de material. No sketchbook: estudo de cenários. Atmosfera psicológica, temporal e climática. 19 de maio

26 de maio (FERIADO)

2 de junho

9 de junho

Livro: elenco de cenários e suas características climáticas, psicológicas, espaciais e temporais.

Revisão de trabalhos. Avaliação parcial.

AULA 7: SEMINÁRIO

MOODLE: Revisão de tarefas. Iniciando rafs das ilustras finais.

AULA 8: FERIADO

AULA 9: O LIVRO COMO OBJETO DE ARTE

AULA 10: Design do livro POWER POINT: Partes do Livro.

Power Point: LIVRO-ARTE Livros: Amostra de livros artesanais, produções independentes, etc. Power Point: PARTES DO LIVRO Análise de materiais.

Apresentação de livros, para análise de diagramação, design, estilos, impressão e acabamento gráficos. 16 de junho

AULA 11: FINALIZAÇÃO DAS ARTES Diretrizes para finalização e preparação de artes para digitalização.

Finalização e digitalização (cor e sistema digital). Palestra com Marco Cavalheiro

Trazer esboços finais para avaliação. 23 de junho

AULA 12: FINALIZAÇÃO DAS ARTES Diretrizes para digitalização e edição das artes finalizadas. Geração de arquivos para impressão.

Power Point: Pós-produção e arquivos de impressão. Trabalhos realizados: artes em andamento.

Trazer artes em andamento. 30 de junho

AULA 13: ORIENTAÇÕES FINAIS

Trabalhos realizados: artes em andamento.

Apresentação de artes em processo de finalização para orientações finais. 7 de julho

AULA 14: SEMINÁRIO ARTES FINAIS Apresentação finalizadas.

de

artes

Trabalhos realizados: artes finais

100

11 de agosto

ENCONTRO ENCERRAMENTO

15:

Final do curso. Avaliação geral. Últimas orientações.

Avaliação do curso pelo grupo. Entrega das artes. Considerações finais.

BIBLIOGRAFIA Leitura específica para o curso de 2015: NETO, João Simões Lopes. Lendas do sul. ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual. Tradução de Ivonne Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira/EDUSP, 1980. BANKS, Adam; FRASER, Tom. O guia completo da cor. São Paulo: Senac, 2007. BERÖNA, David. A. Wordless books: the original graphic novels. Nova Iorque: Abrams, 2008. CARDOSO, Rafael (Org.). O design brasileiro: antes do design. São Paulo: Cosacnaify, 2006. CARDOSO, Rafael. O início do design de livros no Brasil. In: CARDOSO, Rafael (Org.). O design brasileiro: antes do design. São Paulo: Cosacnaify, 2005. DERDYK, Edith. Disegno, desenho, desígnio. São Paulo: Senac, 2007. DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2000. FARINA, Modesto; PEREZ, Clotilde; BASTOS, Dorinho. Psicodinâmica das cores em comunicação. São Paulo: Blücher, 2006. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado. São Paulo: Cosacnaify, 2007. GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, s.d. GENETTE, Gérard. Noveau discours du récit. Paris : Seuil, 1983.

GENETTE, Gérard. Seuils. Paris: Seuils, 1987. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Edusp, 2005. HELLER, Eva. A psicologia das cores: como as cores afetam a emoção. Barcelona: Gustavo Gili, 2000. HENDEL, Richard. O design do livro. Tradução de Geraldo Gérson de Souza e Lúcio Manfredi. Cotia (SP): Atelier, 2006. LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosacnaify, 2011. LINS, Guto. Livro infantil? Projeto gráfico, metodologia, subjetividade. São Paulo: Rosari, 2004. MASTROBERTI, Paula. Escutando paredes e vendo através delas: a aquisição do conhecimento estético através da leitura do livro ilustrado. Signo — UNISC, v. 35, n. 58. Santa Cruz (RS), 2010. Disponível em: http://online.unisc.br/seer/index.php/signo/article/viewFile/1326/992. Data de acesso: 5 de março de 2011.

MASTROBERTI, Paula. Peter Pan e Wendy em versão brasileira: uma janela aberta para o livro como suporte híbrido. Dissertação de mestrado (Mestrado em Teoria da Literatura). Faculdade de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, 2007. Disponível em: http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1346 . Data de acesso: 16 de agosto de 2009. MASTROBERTI, Paula. Peter Pan na cultura das mídias: leitores perdidos e encontrados. Porto Alegre: Edipucrs, 2015.



101

MASTROBERTI, Paula. Transsignificações híbridas e teorias da recepção: interferências gráficovisuais e tradutivas na trajetória editorial da obra Peter Pan no Brasil. XI CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABRALIC. Universidade de São Paulo (USP): São Paulo, 2008. Disponível em: http://www.abralic.org/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/047/PAULA_MASTROBERT I.pdf. Data de acesso: 29 de junho de 2010.

MEGGS, Philip B.; PURVIS, Alston W. A história do design gráfico. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2009. MENDES, André. O amor e o diabo em Ângela Lago: a complexidade do objeto artístico. Belo Horizonte: UFMG, 2007. MUNARI, Bruno. Design e comunicação visual. São Paulo: Martins Fontes. NOVA, Vera Casa. Fricções: traço, olho e letra. Belo Horizonte: UFMG, 2008. OLIVEIRA, Ieda de. Com a palavra, o ilustrador: o que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil. São Paulo: DCL, 2008. OLIVEIRA, Rui de. Pelos Jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. PEDROSA, Israel. Da cor a cor inexistente. Rio de Janeiro: Léo Christiano, 2002. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2005. PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003. POWERS, Alan. Era uma vez uma capa. Tradução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosacnaify, 2008. Observações: Este curso de extensão prevê duas possibilidades de culminância: a publicação dos trabalhos finais em mídia digital ou impressa e uma exposição em paralelo dos originais como parte da estratégia de seu lançamento.

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