Artigo - A Transferência do Controle de Sociedades Empresárias Concessionárias de Serviços Públicos.pdf

May 30, 2017 | Autor: Nikolai Rebelo | Categoria: Direito Empresarial, Concessões, Direito Societário, Fusões e Aquisições
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Publicado

na

Revista

Síntese

de

Direito

Empresarial

n.

18.

A

Transferência

do

Controle

de

Sociedades

Empresárias

Concessionárias de Serviços Públicos Nikolai Sosa Rebelo – Advogado, sócio de Norte Rebelo Advogados Associados, PósGraduando

em

Direito

Empresarial

pela

PUCRS.

1. Introdução

A transferência de controle de sociedades empresárias concessionárias de serviços públicos envolve a análise de questões teóricas de direito privado e de direito público. De um lado, tem-se a transferência de quotas ou de ações de um bloco, denominado de controle, de uma determinada sociedade, negócio jurídico que se enquadra no âmbito da autonomia privada, logo, regulado no direito privado. Do outro lado, existe a intervenção do direito público, pois o objeto dessa sociedade empresária é a prestação de um serviço público, regulado pela Constituição Federal e por outras leis como instituto típico do direito público que limitam à autonomia privada. Assim, é necessário estudar alguns aspectos relevantes dessas duas grandes áreas do direito quando se estiver tratando dessa situação específica analisada no presente artigo. A pesquisa desse tema encontra motivação em situações práticas, em que as sociedades empresárias tiveram problemas por descuidar dos requisitos previstos na legislação específica dos contratos públicos, realizando as operações societárias, observando tão somente as regras de direito privado que regulam o tema.

2. O Poder de Controle no Direito Societário e a sua transferência

2.1. O controle societário

O primeiro aspecto que será abordado é o controle societário. O poder de controle é a possibilidade de dominar as ações de uma sociedade empresária, sendo importante conhecer como ele se manifesta.

As sociedades empresárias são pessoas jurídicas e, por esta razão, são capazes juridicamente de ter direitos e deveres. O ordenamento jurídico reconhece que as sociedades empresárias regularmente constituídas se diferenciam das pessoas dos sócios, pois adquirem personalidade jurídica, tendo autonomia patrimonial. Segundo Karl Larenz, trata-se de acolher o conceito formal de pessoa, pois tem como único elemento essencial a capacidade jurídica (ou seja, ser capaz de direitos e deveres)1. Por ser um conceito formal, Pontes de Miranda, no seu tratado, já dizia que a discussão doutrinária sobre a existência real da pessoa jurídica é um falso problema, pois se trata de uma criação do mundo do direito e não do mundo dos fatos2. Sem adentrar com maior profundidade na antiga discussão doutrinária sobre a pessoa jurídica, o fato é que ela é reconhecida pelo direito brasileiro. A sociedade empresária, como é o caso das concessionárias de serviços públicos, é uma das espécies de pessoa jurídica3, logo, possui independência patrimonial em relação aos seus sócios. Por outro lado, é evidente que a pessoa jurídica depende das pessoas físicas que nela atuam, sejam os seus sócios ou seus administradores. Assim, LARENZ, Karl. Dereceho Civil – Tradução para o espanhol de Miguel Izquierdo y Macías-Picavea Abogado, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid: 1978, p. 57. 2 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo I, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, p. 280. 1

3

Código Civil de 2002:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações; II - as sociedades; III - as fundações. IV - as organizações religiosas; (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) V - os partidos políticos. (Incluído pela Lei nº 10.825, de 22.12.2003) (Grifos adicionados) (...) Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. (...) Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. (Grifos adicionados)

deve-se analisar a forma como as sociedades empresárias se manifestam no meio jurídico, ou seja, como a vontade dessas pessoas jurídicas é expressada. Esse ponto passa pela análise do controle e da administração dessas sociedades, sendo esse uma parte do objeto a ser estudado neste artigo, lembrando que se combinará o direito público e o direito privado, em razão de se tratar de estudo sobre as concessionárias de serviços públicos. Um conceito geral de controle pode ser extraído da Lei 6404 de 1976, especificamente no artigo 116 ao tratar do controlador com a seguinte redação: Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléiageral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

O conceito genérico poderia ser então: o controle é o poder daquele que detenha a titularidade dos direitos de sócio que lhe assegurem a maioria dos votos nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores, usando efetivamente seus poderes para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento da sociedade. O poder de controle e a administração das sociedades empresárias dependem também da análise do tipo societário adotado para desempenhar a atividade. O ordenamento jurídico prevê seis tipos de sociedades empresárias: a) Sociedade em nome coletivo; b) Sociedade em conta de participação; c) Sociedade em comandita simples; d) Sociedade em comandita por ações; e) Sociedade Limitada; e f) Sociedade Anônima Embora existam todos estes tipos societários, apenas dois tipos são mais usados na constituição de sociedades empresárias no Brasil: a sociedade

limitada e a sociedade anônima4. A terceira posição, provavelmente, embora não se tenha, aqui, esse dado, é a sociedade em nome coletivo (utilizado para pequenas empresas familiares, em que não se tem muita atenção com as questões técnicas e jurídicas). Destarte, passa-se a analisar o poder de controle da sociedade limitada e da sociedade anônima, que são os tipos predominantes de sociedades empresárias no direito brasileiro, ainda mais, quando se trata de concessionária de serviço público, em que um mínimo de infra-estrutura é exigido pelo Poder Público no procedimento de outorga (licitação pública), conforme se analisará mais adiante.

2.1.1. O controle da sociedade limitada

A sociedade limitada sofreu profundas alterações a partir da entrada em vigor do Código Civil em janeiro de 2003. O direito brasileiro passou, com a promulgação do atual Código, pela fase de unificação do direito privado, a exemplo do que ocorrera em outros países, seguindo o exemplo do Direito Civil Italiano que acolheu ideia de Vivante em aula inaugural da Faculdade de Direito de Bolonha5 6. Assim, revogou-se maior parte da legislação especial sobre direito comercial, passando o Código Civil a ser a grande lei do direito privado, onde atualmente se encontra a disciplina das sociedades limitadas. A sociedade limitada foi o último tipo societário, surgido a partir da necessidade de limitação da responsabilidade, mas com uma configuração menos complexa do que a sociedade anônima7. A sociedade anônima é ideal para empreendimentos de grande porte, por isso não se adequava à maioria dos casos. Por isso a limitada surgiu como solução para os empreendimentos intermediários e pequenos, devido a sua menor complexidade. No direito brasileiro, a regulação da sociedade limitada apareceu por primeira vez no

Essa situação foi levantada pelo Departamento Nacional do Registro de Comércio – DNRC, que, em 2005, apurou a constituição de 246.722 sociedades limitadas, 1.800 sociedades por ações e 413 outros tipos de sociedades. – Fonte: http://www.dnrc.gov.br. 5 FORGIONI, Paula. "Interpretação dos negócios empresariais”. Contratos empresariais: Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais / Wanderley Fernandes, coordenador. São Paulo: Saraiva, 2007(Série GVlaw), p. 104. 6 Sendo que posteriormente, o próprio Vivante voltou atrás sobre a sua opinião de unificação do direito privado, devido às enormes diferenças entre o direito empresarial e o direito civil. 7 LUCENA, José Waldecy. Das sociedades limitadas, Renovar: 2005, p. 4. 4

Decreto nº. 3.708 de 10 de janeiro de 1919, até que, no ano de 2003, o Código Civil regulou totalmente a matéria, revogando o antigo decreto de 19 artigos. O controle total das chamadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada (denominação do Decreto 3.708) era possível com cinquenta por cento das quotas mais uma quota do capital social, na época do antigo decreto. O Código Civil, porém, tornou a matéria mais complexa, pois existem diferentes quoruns legais de deliberação, não sendo possível afirmar que o controle total da sociedade limitada pertence ao detentor de metade mais uma quota. Pela regulação em vigor, o controle de uma sociedade limitada está em poder de quem for proprietário das quotas que representem três quartos do capital social. Este é o quorum, por exemplo, para qualquer alteração do contrato social de uma sociedade limitada previsto no Código Civil, art. 1.071, iniciso V, combinado com o art. 1.076, inciso I. Todos os quoruns de deliberação são encontrados na combinação dos arts. 1.071, 1.076, 1.061 e 1.063, §3º, além do artigo 1.114 do Código que prevê o consentimento de todos os sócios na transformação, salvo se o contrato previr outra regra, devendo ser resguardado o direito de retirada do sócio dissidente. Pode-se, então, elaborar a seguinte lista sobre as exigências legais para deliberações nas limitadas, pelo Código Civil: a) Mais da metade do capital social – Eleição de administrador sócio e destituição de administrador sócio ou não sócio em ato separado ao contrato social; b) 3/4 do capital social – qualquer alteração do contrato social, inclusive eleição de administrador sócio e destituição de administrador não sócio nomeados no contrato social; deliberação sobre fusão, incorporação ou cisão da sociedade; c) 2/3 do capital – eleição do administrador não sócio em caso de capital social já totalmente integralizado; destituição de administrador sócio nomeado no contrato social; d) Unanimidade – eleição do administrador não sócio em caso de capital social não integralizado e transformação da sociedade de limitada para qualquer outro tipo societário, salvo, neste segundo caso, se o contrato previr outro quorum, resguardando o direito de retirada do sócio dissidente;

e) Maioria simples – para as demais deliberações. Maioria simples significa dizer, metade mais um do capital presente na reunião de sócios ou na assembleia de quotistas. Percebe-se que existe, em dois casos, a unanimidade como quorum de deliberação. Analisando a questão do controle dessa sociedade, cabe salientar que, no direito brasileiro, inexiste a sociedade unipessoal, exceto no caso da subsidiária integral da sociedade anônima e em casos excepcionais8, portanto, é impossível ter em poder de um sócio o domínio unânime das deliberações. A única chance de controlar todos os votos de uma assembleia ou reunião de sócios seria por meio de um acordo de quotistas, usado algumas vezes na prática para determinados assuntos de interesse dos grupos de sócios. Por esta razão, afirmou-se anteriormente, que o poder de controle é assegurado com a propriedade de quotas correspondentes a três quartos, que corresponde a setenta e cinco por cento do capital. No desenvolvimento da atividade empresarial de uma sociedade, é importante também a atuação dos seus órgãos de administração ou, se não tiver este nível de organização, de seus administradores. O dia-a-dia da sociedade empresária envolve a atuação efetiva dos administradores e não necessariamente dos sócios. A sociedade pode optar por ser administrada exclusivamente pelos sócios ou por terceiros. Independentemente de quem ocupa o cargo de administrador, evidentemente, deve-se seguir uma orientação dos sócios, não há uma liberdade plena dos gestores, ainda que nem sempre sejam contratos como empregados. No caso da relação empregatícia dos administradores, há uma subordinação ainda mais forte do que no caso dos administradores eleitos que tem maior autonomia em sua atuação.

2.1.2. O controle da sociedade anônima

A sociedade anônima é tradicionalmente reconhecida como a sociedade dos grandes empreendimentos, principalmente a de capital aberto, ou seja, com títulos negociados no mercado de ações (bolsa de valores e balcão 8

Caso de saída de todos os sócios, restando apenas um, mas, neste caso há o dever de recompor a pluralidade.

organizado). Alguns empreendimentos considerados de porte médio adotam também esse tipo societário, mas com o capital fechado, motivados pelo fato de limitação da responsabilidade, pela antiguidade da legislação (segurança jurídica) e, para os controladores, pela possibilidade de exercer o poder de controle com menor necessidade de capital investido. Conforme referido anteriormente, a Lei 6.404/76, que disciplina as sociedades por ações, tem, no artigo 116, norma expressa sobre o acionista controlador. Além do mais, o controle é reconhecido por esta legislação quando disciplina a proteção dos acionistas minoritários no negócio de alienação das ações do bloco de controle (conhecido pela expressão tag along, importada do direito norte americano, que se trata de dever de oferta também pelas ações do bloco que não é de controle). Também a Comissão de Valores Mobiliários, reguladora do mercado acionário aberto, tem normas regulando o controle das companhias e sua transmissão. Nas sociedades anônimas, é importante destacar que o seu capital é dividido em ações que podem ser divididas em ordinárias e preferenciais. Ao contrário do que ocorre nos demais tipos societários, nem todos os sócios de uma sociedade anônima (chamados de acionistas) terão direito a voto nas deliberações societárias. Se o estatuto da sociedade anônima estabelecer que o capital social é dividido em ações ordinárias e preferenciais, poderá não conferir direito a voto para os portadores destas últimas em troca de alguma preferência patrimonial. A doutrina destaca os diferentes tipos de controle: o totalitário, o majoritário e o minoritário. Nos últimos tempos, também tem se reconhecido, principalmente em países de maior desenvolvimento econômico, a existência de um controle chamado administrativo ou gerencial, mas que ainda não é uma realidade no Brasil. O controle totalitário se caracteriza nas Companhias com poucos sócios, que decidem tudo de comum acordo, ou naquelas companhias em que um acionista detém quase cem por cento do capital social. O controle majoritário é o exercido majoritariamente por aquele que detém mais da metade do capital social votante (ações ordinárias). O controle minoritário não é necessariamente um controle de direito, mas, em verdade, se trata de um controle fático da

sociedade, pois ele é exercido por acionistas com menos da metade do capital social. O fenômeno do controle minoritário é consequência da moderna e gigantesca sociedade anônima de ações negociadas em mercado acionário aberto com o capital diluído entre diversos acionistas. Assim, em razão da dispersão acionária, o acionista com menos da metade das ações votantes exerce o controle da companhia, pois a maioria dos demais acionistas sequer possui condições de comparecer às Assembleias Gerais da companhia, pois se encontram espalhados por todo o país. O controle gerencial citado acima também decorre da dispersão acionária que, nesse caso, chega a tal ponto que nem mesmo qualquer acionista está em condições de exercer o controle da companhia9. Além disso, o controle da companhia pode ser exercido por um grupo de acionistas, ou de forma tácita, ou utilizando-se o mecanismo do acordo de acionistas. O acordo de acionistas é um tipo de contrato realizado por alguns sócios, podendo, entre outras coisas, disciplinar um acordo de votos. Vale dizer, os acionistas celebram este acordo, no sentido de que todos devem votar conforme estabelecido por eles em reunião realizada previamente à assembleia geral. Esse negócio é reconhecido expressamente pela Lei 6.404/76, conforme se percebe na regra transcrita abaixo: Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.

Sobre a administração das sociedades anônimas, ela ocorrerá no mínimo pela atuação de dois órgãos: a assembleia geral e a diretoria. Existem ainda, como órgãos da administração, o conselho de administração, como órgão intermediário entre a assembleia geral e a diretoria na hierarquia administrativa, e, como órgão fiscalizador dos administradores, o conselho fiscal. Nas

9

Nos Estados Unidos da América, tal fenômeno existe há décadas, como se percebe na obra clássica de Berle e Means sobre o controle das grandes sociedades [BERLE, Adolf Augustus; Means Gardiner. A moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada – Tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Abril, 1984.], em que o capital está tão disperso, que nenhum acionista consegue exercer o controle dessas companhias.

sociedades anônimas abertas, é obrigatória a criação do conselho de administração. Estas são as formas de manifestação do poder de controle das sociedades anônimas. O estudo da alienação do controle, portanto, pressupõe o conhecimento desses conceitos supra estudados. Passa-se a analisar a transferência do controle das sociedades empresárias com base no que já foi estudado.

2.2. Transferência do Controle das Sociedades Empresárias

O poder de controle possibilita ao sócio interferir quase que diretamente no desenvolvimento da atividade empresarial da sociedade. As decisões negociais e patrimoniais podem ser tomadas pelo sócio controlador, pois ele influenciará as decisões dos administradores, uma vez que a eleição destes depende da vontade do controlador, e essa possibilidade de interferir nas políticas de negócios de uma sociedade confere a esse bloco de ações ou quotas um valor diferenciado. A alienação do controle nas sociedades empresárias ocorre, então, pela compra e venda das ações ou quotas dos sócios proprietários em número suficiente que lhes assegure a tomada definitiva das decisões. Para esta análise, é necessário saber o tipo societário e os quoruns estabelecidos em lei para deliberações e os tipos de controles, conforme previamente analisado neste estudo. Como exemplo, o controle exercido de forma majoritária de uma sociedade anônima com capital dividido em ações ordinárias e preferenciais sem direito a voto pode ser adquirido pela compra de cinqüenta por cento das ações ordinárias e mais uma delas. Logo, cada uma dessas ações que garantem o controle da companhia terá um valor de mercado superior às demais ações dos acionistas que não fazem parte do controle. A valoração do controle de uma sociedade empresária depende de negociação entre as partes. Normalmente, são utilizadas fórmulas contábeis que levam em consideração a condição patrimonial, as características do empreendimento, a capacidade de geração de lucro, a taxa de retorno, etc.

Como exemplo, existe o chamado fluxo de caixa descontado, mas essa matéria, em verdade, não é propriamente jurídica e, sim, contábil e negocial10. O mercado aberto pode dar uma noção do valor, pois o preço das ações negociáveis na bolsa, por exemplo, representam a sensação do mercado, mas não necessariamente é o valor adequado, pois nesse âmbito de negociação usa-se muito da especulação que pode não traduzir o verdadeiro “preço” de um empreendimento. No caso das Sociedades Anônimas abertas, a Lei 6.404 de 1976 tem norma expressa sobre a alienação de controle, principalmente para proteção dos acionistas minoritários. Além disso, essas companhias de capital aberto devem observar os atos da CVM, que também disciplinou a transferência do controle, com o mesmo objetivo de proteção aos acionistas minoritários. Trata-se da Instrução 361, que prevê as normas para as ofertas públicas de aquisição. O artigo 254-A da chamada lei das S.A.s (nº. 6404) trata da obrigatoriedade de o adquirente do controle de realizar oferta pública de aquisição das ações dos demais acionistas com direito de voto. A redação da norma legal está assim redigida: Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.

No caso de companhias abertas de capital disperso, em que há o controle exercido minoritariamente, o controle pode ser adquirido de forma “hostil”. A expressão foi importada do sistema norte-americano que designou a hostile take-over como a forma de adquirir o controle indiretamente, sem negociação com os atuais controladores ou com a administração da companhia. Isso é possível porque o controle é minoritário, logo, outro interessado pode realizar uma oferta pública de aquisição de ações suficientes para ultrapassar as ações

10

É claro, no entanto, que o advogado empresarial deve ter pelo menos uma noção destes métodos contábeis, pois é o profissional do direito que tem capacidade de redigir os contratos com os efeitos desejados. O trabalho a ser realizado numa venda ou aquisição de um empreendimento, através da compra e venda do controle societário necessita de profissionais de diferentes áreas do conhecimento para ser bem sucedida.

do atual controlador minoritário, ou, até mesmo, tentar adquirir o controle mediante escalada, ou seja, adquirindo aos poucos as ações no mercado acionário aberto até ter o suficiente para controlar a companhia. De outro lado, as sociedades limitadas não são tão reguladas e não tem tantas normas protetivas aos sócios minoritários. As proteções a esses sócios são negociadas diretamente entre majoritário e minoritários e inseridos no contrato social. Assim, as regras a serem observadas na alienação do controle da sociedade limitada são as regras do contrato social. Além disso, também pela análise do contrato, há de se verificar a natureza pessoal ou capitalística da sociedade alvo da alienação do controle. O Código Civil determina que na ausência de previsão contratual, a sociedade limitada será considerada de pessoas, conforme se interpreta a partir do artigo 1.057 que diz: Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Destarte, a alienação do controle passa por esta regra, quando o contrato for omisso sobre a transferência de quotas. Vale dizer, se um ou alguns sócios que atinjam 25% das quotas da limitada se opuserem a transferência do controle, a operação não poderá ser concluída. Por outro lado, a análise do contrato social é uma imposição. Existem contratos que autorizam a livre cessão de quotas, tornando-a uma sociedade de capital, caso em que a alienação do controle é facilmente concluída. Outros contratos estabelecem a concordância unânime dos sócios, tornando a alienação mais difícil ainda do que no caso da norma geral do Código Civil. A alienação do poder de controle, portanto, de uma sociedade empresária depende primeiro do tipo societário adotado. A validade desse negócio depende das condições estabelecidas em lei para a alienação do controle (regras expressas previstas em lei para as sociedades anônimas) ou da cessão de quotas (no caso das limitadas), que são os tipos analisados neste trabalho.

2.3. Alienação do Estabelecimento e o Contrato de Trespasse

Diferentemente do que ocorre com a alienação do controle societário, o contrato de trespasse é o negócio jurídico que tem como objeto a venda do estabelecimento do empresário ou da sociedade empresária. O estabelecimento é o conjunto de bens materiais e imateriais necessários ao desenvolvimento da atividade empresarial, conceito este previsto no Código Civil de 2002, art. 1.142. O texto legal afirma que

“Considera-se

estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.”. Esse complexo de bens pode ser objeto de diferentes contratos, pode ser arrendado ou alienado. Aqui, a situação é diferente da alienação do controle, embora a consequência possa ser a mesma. Vale dizer, a intenção de ambos os negócios é adquirir um empreendimento, mas no caso do trespasse, o adquirente do estabelecimento é outra sociedade empresária. Já na alienação do controle, a sociedade que desenvolve o empreendimento segue sendo a mesma, mas a constituição societária é outra, pois terá outros sócios no comando. O Código Civil prevê as condições de validade de um contrato de alienação de estabelecimento, principalmente com o objetivo de proteção aos credores. As regras estão nos artigos 1.144 a 1.149, condicionando a validade do negócio, se existir dívidas do alienante e a ele não lhe restarem bem suficientes para solver seu passivo, ao consentimento dos credores. Além disso, a alienação do estabelecimento importa na transmissão do passivo para o adquirente. O contrato de trespasse normalmente é usado em pequenos negócios por pequenos empresários que vendem o seu estabelecimento (chamam popularmente de “venda do ponto”, mas, na maioria dos casos, vende-se o complexo

de

bens

para

desenvolvimento

do

negócio,

portanto,

o

estabelecimento). No âmbito dos grandes negócios, percebe-se que a venda do estabelecimento tem sido muito utilizado nos processos de falência e de recuperação judicial, como forma de preservação da empresa. Nesses casos, porém, algumas regras são diferenciadas, principalmente quanto à sucessão das dívidas que não são transmitidas para incentivar as aquisições de unidades produtivas como forma de resguardar a função social da empresa (manutenção de empregos, manutenção do abastecimento a fornecedores, continuidade de pagamento dos tributos, etc.).

3. Transferência de Controle de Sociedade Concessionária de Serviço Público

3.1. Introdução

Estudar as concessões de serviços públicos é estudar um dos assuntos mais complexos do sistema jurídico brasileiro. Existem as normas em caráter geral, sendo a Lei 8.987 de 1995 a principal legislação sobre o assunto, aplicando-se algumas regras da Lei 8.666 de 1993 sobre o procedimento licitatório prévio à outorga. Além disso, cada serviço público possui lei específica, por exemplo, o transporte rodoviário e aquaviário interestadual e internacional de passageiros ou de carga devem observar as regras previstas na Lei 10.233 de 2001, que cria a ANTT e a ANTAQ. O serviço de telecomunicações e de concessão de transmissão de energia elétrica também tem legislação específica. Enfim, não é um tema simples que tem seus problemas solucionados com as normas gerais, devido à quantidade de legislação específica. Mas o estudo, aqui, não aprofundará as questões específicas de cada serviço público, mas, sim, tratará das normas gerais aplicáveis a todas as concessões, pelo menos em tese. Existe também a dúvida se as Leis de concessões que trataram de questões de transferência do controle das concessionárias levaram em consideração todos os aspectos abordados acima, principalmente sobre os diferentes tipos de controle (totalitário, majoritário e minoritário).

3.2. Diferença de Serviço Público e Serviço Privado

Parece muito claro que o serviço público e o serviço privado são completamente diferentes, mas, em verdade, muitos confundem esses dois institutos jurídicos. O serviço privado é um serviço da livre iniciativa que pode ser prestado por qualquer interessado, sem qualquer restrição (somente quanto ao controle da licitude). Já o serviço público deve observar princípios completamente diferentes, pois é de titularidade estatal, ou seja, da União, dos

Estados e dos Municípios, dependendo do âmbito de suas atribuições constitucionais. O conceito de serviço público sofreu consideráveis mudanças ao longo dos anos. Existem conceitos mais amplos e outros mais restritos. Além disso, a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro constatou que o conceito de serviço muda também no espaço, pois a lei de cada país determinará qual serviço é ou não é público. Assim, analisando a complexidade do tema e a transição histórica de tal instituto jurídico, a autora propôs a seguinte definição: Daí a nossa definição de serviço público como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.11

Destarte, nota-se a enorme diferença de regime jurídico do serviço público e do serviço privado, pois são orientados por princípios completamente diferentes. O serviço privado se rege pelos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, do estabelecimento dos preços pelo mercado – a “lei” da oferta e da demanda. Quando se tratar de serviço público, por outro lado, o Estado tem o dever de resguardar as necessidades coletivas, podendo prestar o serviço diretamente ou delegá-lo pelas formas previstas na Constituição Federal de 1988 (autorização, permissão ou concessão). Os princípios são completamente diferentes, por exemplo, os valores de tarifas, são controlados pelo Poder Público, não há a liberdade de estabelecer os preços, ainda que o serviço seja prestado por pessoa de direito privado por delegação. O serviço público é titularidade do Estado, assim, o particular somente pode prestar esse serviço mediante delegação. A Constituição de 1988, no artigo 175, passou a exigir sempre a licitação para as novas concessões e permissões de serviço público. Impõe-se, sempre que necessário uma nova delegação, a realização de um prévio procedimento administrativo de concorrência denominado de licitação. Incidem as regras previstas na Lei 8.987 de 1995, que é a lei das concessões; e, no que for compatível, incidem também as regras gerais da Lei das Licitações 8.666 de 1993.

11

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 1991, p. 80.

A concessão e permissão de serviços públicos por meio de contrato administrativo,

após

licitação

para

escolha

do

concessionário

ou

permissionário, tem sido utilizadas pela Administração Pública por razões econômicas. O Estado se mostrou ineficiente na prestação de diversos serviços públicos e passou a delegá-los a iniciativa privada, que possui melhores condições de prestá-lo, em razão do maior poder financeiro para investimentos nessas atividades. São os casos, por exemplo, do transporte público, da transmissão e fornecimento de energia elétrica, da radiofusão, entre outros.

3.3. Transferência do controle acionário e cessão de contrato administrativo

Em razão destas questões relativas ao direito público, os contratos de concessão não podem ser livremente cedidos. As alterações societárias em concessionárias também não são livremente permitidas, pois o interesse público exige maior controle nessas operações. Assim, a Lei 8.987/95, que trata das concessões, exige a prévia anuência do Poder Concedente em caso de alteração de controle societário das sociedades concessionárias e para a transferência da concessão. A transferência da concessão pode ser feita em negócio específico ou no contrato de trespasse (venda do estabelecimento ou de unidade produtiva, tal como ocorreu em alguns casos do setor aéreo). Eis o texto do artigo 27: Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. § 1o Para fins de obtenção da anuência de que trata o caput deste artigo, o pretendente deverá: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.196, de 2005) I - atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço; e II - comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor. § 2o Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle da concessionária por seus financiadores para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005) § 3o Na hipótese prevista no § 2o deste artigo, o poder concedente exigirá dos financiadores que atendam às exigências de regularidade jurídica e fiscal, podendo alterar ou dispensar os demais requisitos

previstos no § 1o, inciso I deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005) § 4o A assunção do controle autorizada na forma do § 2o deste artigo não alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores ante ao poder concedente. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

A Lei 8.666/93, anterior à Lei das Concessões, também contém regras regulando a transferência de contratos administrativos. Nessa lei, o artigo 78 prevê a rescisão do contrato quando este for transferido sem que tal possibilidade tenha sido previamente prevista no edital de licitação e no próprio contrato administrativo. Diz o artigo: Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: ... VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato;

Comentando esse artigo, o renomado jurista Marçal Justen Filho defende que essas transferências de contratos administrativos devem ser permitidas quando verificar-se a necessidade de continuidade do contrato, quando houver vantagem para o poder público. Segundo esse autor, o fundamento é de que a licitação serve para escolher a proposta mais vantajosa e se a alteração da parte contratante mantiver as condições ou até melhorá-las, não há por que vedá-las12. Tal entendimento também se aplica nas concessões. Se for mantida a qualidade técnica e houver interesse na continuidade do contrato, não há vedação jurídica na transferência do contrato, seja por mudança do controle ou pela cessão de direitos.

4. Conclusão

Percebe-se, portanto, que na alienação de controle de sociedades empresárias concessionárias de serviços públicos podem trazer consequências catastróficas para a própria sociedade se não forem observados alguns requisitos previstos no direito público. A principal consequência é a perda da concessão, chamada pela legislação de caducidade.

12

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, São Paulo: Dialética, 2009, p. 775.

Embora a parte negocial seja inteiramente disciplinada no direito privado, a intervenção estatal sempre é exigida ao se tratar de questões envolvendo serviços públicos, impondo-se a aprovação do Poder Concedente sobre os contratos de transferência de controle societário. Embora não seja explícito na legislação sobre as concessões, deve-se considerar como transferência de controle todas as formas de controle, até mesmo o minoritário, pois mesmo sem ter assegurado o quorum legal para controle, o controlador minoritário domina de fato as deliberações societárias, fenômeno este incontestável no exterior que começa a aparecer nas grandes companhias brasileiras, podendo ocorrer em alguma concessionária de serviço público. Os requisitos para que a Administração Pública aprove a transferência são a manutenção da mesma qualidade técnica, idoneidade financeira e a regularidade jurídica e fiscal do adquirente. A falta de comunicação ao Poder Concedente do serviço público implica na caducidade da concessão, ou seja, a extinção do contrato administrativo que delega o serviço para o particular, conforme previsto no artigo 27 da Lei 8.987/95, transcrito acima.

Bibliografia consultada: LARENZ, Karl. Dereceho Civil – Tradução para o espanhol de Miguel Izquierro y Macías-Picavea Abogado, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid: 1978. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo I, Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 1991. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, São Paulo: Dialética, 2009. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Volume 2: Direito de empresa, São Paulo: Saraiva 2007. LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Limitadas – 6ª Edição, Rio de Janeiro: Renovar, 2005. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2008.

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