ARTIGO As Políticas Verdes e o Esverdeamento da Economia: o governo regula e o mercado instrumentaliza?

July 6, 2017 | Autor: V. Gentil Almeida | Categoria: Green Economics, Sustainable Development, Green Politics
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Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XIV • Nº 53 • maio/agosto de 2014

ARTIGOS Políticas de Emprego no Pleno Emprego? Carlos Alberto Ramos Acordo Contingente de Reservas entre Países BRICS Maria Celina Berardinelli Arraes As Políticas Verdes e o Esverdeamento da Economia: o governo regula e o mercado instrumentaliza? Valéria Gentil Almeida Marcelo Teixeira da Silveira Distribuição funcional da renda, ganhos de produtividade e crescimento econômico: uma análise empírica para o caso brasileiro no período 1995-2009 Fernando de Faria Siqueira Gestão Pública e Qualidade José Eustáquio Moreira de Carvalho José Airton dos Santos Monteiro A abordagem multissetorial de Políticas Sociais para a natureza multifacetada e multidimensional da pobreza: a experiência do Plano Brasil Sem Miséria Paulo Jannuzzi Sobre o Desemprego: Conceitos, Teorias e a Atual Situação do Desemprego no Brasil Hélio Socolik Previdência Social e a Política de Valorização do Salário Mínimo E. Felipe Ohana

ISSN 1677-0668

Central Banking and the risks of financial innovation José Roberto Novaes de Almeida A competitividade do agronegócio brasileiro Eloy Corazza José Luiz Pagnussat

A Eleição da Economia O debate econômico pautou o embate político e será decisivo para a definição do novo presidente da república.

Índice Conjuntura Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

ANO XIV • Nº 53 • maio/agosto de 2014

Nesta edição Políticas de Emprego no Pleno Emprego?

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Acordo Contingente de Reservas entre Países BRICS Maria Celina Berardinelli Arraes

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As Políticas Verdes e o Esverdeamento da Economia: o governo regula e o mercado instrumentaliza? Valéria Gentil Almeida Marcelo Teixeira da Silveira

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Distribuição funcional da renda, ganhos de produtividade e crescimento econômico: uma análise empírica para o caso brasileiro no período 1995-2009 Fernando de Faria Siqueira

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Gestão Pública e Qualidade José Eustáquio Moreira de Carvalho José Airton dos Santos Monteiro

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Carlos Alberto Ramos

A abordagem multissetorial de Políticas Sociais para a natureza multifacetada e multidimensional da pobreza: a experiência do Plano Brasil Sem Miséria Paulo Jannuzzi

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Sobre o Desemprego: Conceitos, Teorias e a Atual Situação do Desemprego no Brasil Hélio Socolik

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Previdência Social e a Política de Valorização do Salário Mínimo E. Felipe Ohana

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Central Banking and the risks of financial innovation José Roberto Novaes de Almeida

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A competitividade do agronegócio brasileiro Eloy Corazza José Luiz Pagnussat

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As opiniões expressas nos artigos e entrevistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e entrevistados e não refletem necessariamente a do Corecon/DF.

Conjuntura

Revista de

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Editor responsável José Luiz Pagnussat Conselho editorial Carlito Roberto Zanetti Carlos Eduardo de Freitas Elder Linton Alves de Araújo Geovana Lorena Bertussi José Fernando Cosentino Tavares José Roberto Novaes de Almeida Jusçanio Umbelino de Souza Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Newton Ferreira da Silva Marques Revisão Marluce Moreira de Souza Tiragem: 3.600 Periodicidade: Quadrimestral As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte. CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF Presidente Carlos Eduardo de Freitas Vice-presidente Carlito Roberto Zanetti Conselheiros efetivos Jusçanio Umbelino de Souza Maria Cristina de Araújo Carlos Eduardo de Freitas José Luiz Pagnussat Newton Ferreira da Silva Marques Carlito Roberto Zanetti Bento de Matos Félix Jucemar José Imperatori César Augusto Moreira Bergo Conselheiros suplentes Roberto Bocaccio Piscitelli Mônica Beraldo Fabrício da Silva Humberto Vendelino Richter Roberto Carvalho Costa Filho Eduardo Toledo Neto Gilson Duarte Ferreira dos Santos José Roberto Novaes de Almeida José Eustáquio Moreira de Carvalho Geovana Lorena Bertussi Equipe do Corecon-DF: Gerente executivo Angeilton Francisco de Lima Faleiro Adriana Félix Ferreira Iraci da Costa Lopes Ísis de Oliveira Rodrigues Jamildo Cezário Gomes Jaqueline de Fátima Pinheiro Michele Cantuária Soares Wallace Santos Pires Estagiário: Kayo Henrique Lopes da Silva End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202 CEP 70.300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-1429 3964-8366 / 3964-8368 Fax: (61) 3964-8364 E-mail: [email protected] Site: www.corecondf.org.br Horário de funcionamento: das 8h às 18h (sem intervalo)

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Editorial

A profissão de economista destaca-se, mais uma vez, nas eleições deste ano. O debate econômico pautou o embate político e foi decisivo para a definição dos eleitos. Os três principais candidatos à Presidência da República, no início da campanha, eram economistas: Eduardo Campos, formado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Aécio Neves, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG); e Dilma Vana Rousseff, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O segundo turno, com Aécio e Dilma, teve como discriminantes dois projetos econômicos para o País: um mais intervencionista, tendo como bandeira o viés social, e outro, preocupado em reabilitar os fundamentos da economia para consolidar o progresso social dos últimos anos, com enfoque mais liberal. O bom desempenho dos economistas nas urnas se reforça com três senadores eleitos: o Senador do DF, José Antônio Reguffe (PDT), além de Jornalista, é Economista, cursou Economia na Universidade de Brasília; Fernando Collor de Mello (PTB/AL), também Jornalista, iniciou seu curso de Economia na Universidade de Brasília e concluiu na Universidade Federal de Alagoas; e José Serra (PSDB/SP), economista e professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A expectativa é que o sucesso dos economistas e a riqueza do embate das ideias econômicas, que caracteriza a nossa ciência pela sua pluralidade metodológica, ajude a reverter à tendência de redução da demanda pelos cursos de graduação em economia. Hoje, em Brasília, que já teve nove cursos de graduação, só se mantêm três cursos e com baixa demanda. Os economistas constituem um segmento profissional essencial para o enfrentamento dos problemas sociais e econômicos que afligem a sociedade brasileira, nos diversos setores, público e privado. A ciência econômica, com a diversidade de escolas de pensamento, propicia fundamentos que podem auxiliar no entendimento e a busca de soluções para os complexos problemas da atualidade. Certamente, o próximo governo não prescindirá dos ensinamentos da economia e dos contributos dos economistas para reativar o crescimento de forma sustentada, num contexto de atividade mundial em recuperação, embora sem a exuberância da bolha da primeira década; reverter a perda de competitividade da indústria brasileira; alterar o burocrático e custoso ambiente de negócios do país; conter as persistentes pressões inflacionárias, sem reduzir os empregos; reverter o quadro de deterioração das contas externas, diante de um cenário de aparente redução da demanda internacional pelos produtos de exportação brasileiros, a par de insistentes estímulos à absorção interna pelas vias fiscais e creditícias que se chocam com os esforços do Banco Central de manter a inflação sob controle mediante o uso da política de juros; e reativar os investimentos, sem agravar o quadro já complicado das contas públicas. Tanto no nível federal como no distrital, os economistas devem ser importantes protagonistas e contribuir para que os novos governos, que se iniciam em 1º de janeiro de 2015, obtenham bons resultados em suas gestões. O Conselho de Economia do Distrito Federal, que ao longo dos anos sempre manteve a orientação da pluralidade, do respeito ao contraditório, do debate livre de ideias, sem preconceitos ideológicos ou doutrinários, espera que os profissionais formados em Economia possam estar presentes na composição das equipes dos novos governantes e que participem dos processos decisórios de forma construtiva, em função da melhoria do País e do atendimento das expectativas do povo brasileiro.

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ARTIGO Políticas de Emprego no Pleno Emprego? Carlos Alberto Ramos

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Com uma taxa de desemprego aberto de 4,9% e mínimos de 3,2% em Porto Alegre, 3,5% em Rio de Janeiro e 3,6% em Belo Horizonte, o Brasil hoje está diante de uma situação bem próxima do pleno emprego.1 Em um ambiente, no qual a disponibilidade de mão-de-obra surge como uma restrição ao crescimento, os gestores de política enfrentam dois tipos de desafios: um conjuntural e outro de cunho mais estrutural. O conjuntural diz respeito aos desdobramentos de um mercado de trabalho “estressado” sobre os patamares de inflação. Percentuais de desemprego como os antes mencionados tendem a exercer influência positiva sobre a variação dos salários nominais e reais, aumentos que, muito provavelmente, irão ultrapassar os ganhos de produtividade, comprometendo as metas de inflação e induzindo políticas monetárias e fiscais restritivas. O desafio estrutural está associado à restrição ao crescimento no longo prazo. A ausência de disponibilidade de trabalho limita as possibilidades de expansão do produto e obriga a buscar ganhos de produtividade que, logicamente, são objetivos mais complexos e de maturação mais longa (educação, infraestrutura, incorporação de novas tecnologias, etc.). Em ambos os casos, o pleno emprego reduz o dinamismo e compromete o crescimento potencial, situação particularmente relevante para um país com renda média como a do Brasil.2 Em um contexto como o que sintetizamos no parágrafo anterior, e que caracteriza bem a situação atual do país, as atenções se direcionam no sentido de contornar a restrição e o esboço de políticas pode ser o mais diverso, indo desde o marco regulatório, passando pela abertura ao exterior e chegando ao controle dos gastos públicos. Em todos os casos, o objetivo consistiria em aumentar o nível de investimento e avançar nos ganhos de produtividade, descartando a possibilidade

de ampliar o produto pela simples incorporação de um recurso (o trabalho) não mais abundante. Em geral, esses objetivos como já citamos no parágrafo anterior, tendem a ter impacto ao longo prazo e, inclusive, no curto prazo é factível que aprofundem o impasse. Tomemos dois exemplos. Melhorar a cobertura da educação e elevar a qualidade da mesma pode até ter impacto na produtividade, mas no longuíssimo prazo. Só quando as gerações beneficiárias dessa política se incorporam no mercado e alteram de forma significativa o capital humano da força de trabalho, os resultados serão palpáveis.3 Por outra parte, o investimento em infraestrutura, no curto prazo, será demanda e não oferta. Apenas quando o mesmo atinja sua maturidade se terá concretizado a ampliação do produto potencial. Dessa forma, alterar a restrição imposta pela limitação na disponibilidade de trabalho não constitui um desfio trivial e, mesmo sendo adotadas alternativas adequadas, os resultados só poderão ser concretizados nos médio e longo prazos. Observemos que o diagnóstico desenvolvido nos dois parágrafos anteriores situam os desafios ao crescimento do Brasil no lado da oferta e não na demanda. Podemos contornar a polêmica (que não é o nosso objetivo neste artigo) sobre a relevância do contexto internacional (a desaceleração na China e na zona Euro, a mudança da política monetária dos EUA, a crise na Argentina, etc.) na recente queda na variação do produto. Podemos contornar o debate colocando a questão em outros termos: poderia o Brasil ter crescido em percentuais maiores no caso de o ambiente externo ser o mesmo que prevaleceu em 2004-2007? No caso de estar situado no pleno emprego, a resposta é negativa. Na suposição de um quadro internacional mais favorável, maiores taxas de crescimento teriam sido inviabilizadas, uma vez que não teria tido um fator (o trabalho)

1 Dados da PME-IBGE e se referem ao mês de abril de 2014 (último dado disponível). O percentual de 4,9% corresponde à média das seis regiões metropolitanas cobertas por essa pesquisa. (ver bit.ly/SrWZJo). Mesmo considerando os dados da nova PNAD Contínua, com patamares de desocupação mais elevados, a caracterização de uma situação conjuntural próxima do pleno emprego não muda. 2 Talvez possamos, justamente, identificar aí uma das origens do círculo vicioso que na literatura do crescimento se conhece como “armadilha da renda média”. 3 Notemos que o atual estoque de trabalhadores dificilmente alterará suas habilidades pela maior educação (em quantidade e qualidade) das gerações mais jovens. Só na medida em que estes estejam se incorporando à PEA e as gerações mais velhas iniciem o natural processo de saída da força de trabalho, se alterará a produtividade. Ou seja, a mudança só se operará, no curto prazo, na margem.

Na realidade, o tratamento teórico das PE’s deve ser feito tendo como referencial algum dos dois grandes paradigmas (clássico ou keynesiano) que abordam a determinação dos preços (salários) e quantidades (emprego) no mercado de trabalho. Ainda que possa parecer paradoxal, atividades como formação e intermediação (além das Políticas de Emprego Passivas, como o seguro-desemprego) transitam entre esses dois paradigmas e podem se articular a ambos, ainda que as fundamentações das mesmas mudem. No Modelo Clássico, uma perspectiva que privilegia questões relativas à oferta agregada, à formação, à intermediação e mesmo ao seguro-desemprego podem merecer âncoras analíticas referenciadas em problemas de informação, lentidão nos processos de ajustamento diante de choques, eficiência na alocação do trabalho, etc. Diante do desemprego, projetos, cujo eixo seja o mercado de trabalho, podem elevar o natural processo de diálogo entre oferta e demanda de mão-de-obra (matching).5 Reduzir o desemprego seria a outra cara de elevar o emprego, ou seja, elevar o produto. Assim, em última instância as PE’s seriam, basicamente, uma atividade que lidaria com a oferta agregada. Complementares às políticas mais usualmente associadas ao Modelo Clássico (desregulação do mercado de trabalho, queda no poder dos sindicatos,

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II. Um Breve Referencial Teórico

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Só quando as gerações beneficiárias dessa política se incorporam no mercado e alteram de forma significativa o capital humano da força de trabalho, os resultados serão palpáveis.

etc.), as PE’s podem contribuir para aumentar a PEA ocupada e, em última instância, o produto. No caso da perspectiva analítica que privilegia a demanda (crescimento) na geração de postos de trabalho (redução do desemprego), as PE’s podem encontrar sua justificativa, dada uma incompatibilidade entre o perfil de oferta e demanda de mão-de-obra, incompatibilidade que, mesmo em conjunturas com ociosidade no fator trabalho, não permite aumentar o produto via demanda. Nesse sentido, elevações no gasto agregado podem não se traduzir em concomitantes elevações no emprego devido as vagas geradas não serem preenchidas em função da incompatibilidade entre oferta e demanda. Assim, o aquecimento produzido por políticas fiscais e monetárias frouxas não se concretizaria e o corolário poderia ser a convivência de desemprego com inflação. Aquecer o nível de atividade via demanda estaria limitado por um problema de matching no mercado de trabalho. Nessas circunstâncias, PE’s deveriam complementar políticas monetárias/fiscais ativas. Contudo, a diferença do Modelo Clássico, tornar mais compatível a oferta e demanda de mão-de-obra não redundaria em maior nível de produto na ausência de uma demanda que, em última instância, seria a que determinará o nível de emprego.6 Devemos perceber que, em ambos os casos, o status das PE’s difere segundo o paradigma analítico que

4 Obviamente, o setor externo (deterioração do superávit em conta-corrente) também poderia ser pressionado. O impacto sobre o nível de preços dependerá do grau de flutuação da taxa de câmbio. Uma elevação no preço das exportações, por exemplo, favorece o país, mas é factível de gerar impactos sobre a taxa de inflação que pode, em certa medida, ser compensada pela valorização da moeda nacional. Em todo caso, uma economia aquecida próxima do pleno emprego favorecerá uma alteração dos salários relativos em favor dos empregados no setor de não-comercializáveis. 5 Em termos mais técnicos, o objetivo seria deslocar a Curva de Beveridge para a esquerda.

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para sustentá-las. Muito provavelmente os desdobramentos teriam sido mais importantes sobre os preços que sobre o nível de atividade.4 Podemos, agora, introduzir as perguntas que são o leitmotiv deste artigo: tem alguma racionalidade a implementação de Políticas de Emprego (PE’s) em um contexto como o do Brasil hoje, de pleno emprego? Podem ser justificadas as ações no campo da intermediação e formação (Políticas Ativas de Emprego) quando não existe um contingente de trabalhadores à procura de emprego convivendo com vagas não preenchidas (problemas de matching)? Podem as PE’s contribuir para reverter a restrição de oferta que hoje enfrentaria a economia brasileira? Antes de ensaiar respostas a essas perguntas, convém fazer algumas digreções teóricas sobre o status analítico das denominadas PE’s.

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as contextualiza, mas, em todos os casos, as mesmas só são racionalizadas em um contexto de desemprego. Retornamos, então, a nossa pergunta inicial: carece de sentido imaginar atividades de formação e intermediação em um contexto de pleno emprego? Mas a forma como estamos colocando essa pergunta é parcial, uma vez que o Brasil convive com uma situação de pleno emprego, contudo, de modesto crescimento (2%). Ou seja, temos pleno emprego e taxas de variação do PIB bem modestas. Dessa forma, o objetivo primário não seria reduzir um desemprego que não existe senão, contrariamente, acelerar o dinamismo do setor real. Se esse diagnóstico é pertinente, o Brasil hoje se colocaria mais próximo de uma situação como a representada pelo Modelo Clássico, com uma singularidade: não estamos com excedente de trabalho senão com uma restrição no mesmo. Nessas circunstâncias, se esperamos alguma funcionalidade nas PE’s, essa deve estar vinculada com aspectos de oferta agregada. Assim, justificar alguma ação no mercado de trabalho só poderia encontrar uma justificativa se fosse perseguida uma elevação/realocação na oferta de trabalho ou aumentos na produtividade, de tal forma que o resultado consista em elevar o crescimento potencial. Temos que admitir que essa não é o objetivo histórico ou tradicional das Políticas de Emprego. Por exemplo, usualmente é incluída dentro das Políticas de Emprego aquelas ações governamentais que visam reduzir a oferta de trabalho a fim de essa diminuição da PEA se transformar em queda na taxa de desemprego.7 No caso do Brasil, em um contexto no qual uma das restrições ao crescimento é a disponibilidade de mão-de-obra, ou as Políticas de Emprego tentam elevar essa disponibilidade ou carece de sentido alocar recursos a essas atividades. Outro caso ilustrativo diz respeito ao público-alvo. Esperam-se que as Políticas de Emprego tenham como público-alvo os desempregados. Em uma situação de plena ocupação, por definição, os desocupados não existem, ou seja, o tradicional público-alvo das ações deve ser redefinido.8

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Vemos, assim, que a pergunta que pode percorrer a nossa discussão é: podem as Políticas de Emprego contribuir para acelerar o percentual de variação do PIB em um ambiente de pleno emprego? Nos próximos parágrafos vamos explorar essa possibilidade.

III. As Políticas III.1. Desequilíbrios e Realocação Espacial Vamos, em um primeiro momento, avaliar com mais cuidado a questão da oferta de trabalho. A taxa de desemprego aberto de 5% que mencionamos no primeiro parágrafo constitui uma média das seis grandes aglomerações urbanas pesquisadas pela PME. Como toda média oculta particularidades e o percentual de indivíduos sem ocupação e procurando emprego em Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte manifesta, sem espaço de dúvidas, uma limitação do fator trabalho ao crescimento. Contudo, na Região Metropolitana de Salvador, a proporção da PEA sem trabalho e à procura de um atinge 9,1%, e em Recife, 6,3%. Em ambos os casos (notoriamente em Salvador), existe uma restrição (o fator trabalho) operando com folga. Dessa forma, temos uma situação heterogênea, com áreas geográficas nas quais o mercado de trabalho está “estressado” e espaços com folga.9 Em princípio, esse diferencial deveria induzir fluxos migratórios das áreas com poucas chances de encontrar emprego para aquelas com capacidade de absorver essa mão-de-obra excedente. Nesse sentido, o processo de industrialização substitutiva no Brasil evidenciou a possibilidade de o mercado realocar a força de trabalho em favor das áreas dinâmicas.10 O que caracteriza o Brasil hoje não é precisamente a variabilidade da média, senão o perfil de distribuição geográfica da mesma. Seguindo a perspectiva dos Modelos à lá Harris-Todaro, os maiores percentuais de desocupação deveriam estar situados nas regiões de maior renda relativa e a taxa de desemprego seria um regulador dos fluxos.11 Os números atuais do

6 Na realidade, na perspectiva keynesiana, a demanda agregada determina tanto o nível de emprego quanto os salários reais. Os gastos agregados determinam o emprego que, por sua vez, determina os salários reais. 7 Por exemplo, acelerar a transição para a inatividade-aposentadoria ou o retorno de emigrantes estrangeiros a seus países de origem, etc.. Ainda que possa parecer paradoxal definir como Política de Emprego atividades que reduzem a oferta de trabalho, essa classificação é consenso na literatura. 8 Logicamente, em uma conjuntura de pleno emprego, a taxa de desemprego aberto é positiva, não existe um percentual nulo de desempregado. Contudo, essa taxa é friccional, produto, por exemplo, da transição entre um emprego. 9 Essa diferenciação regional das taxas de desocupação, com patamares que manifestam pleno emprego no centro-sul do Brasil e folga nas outras regiões, não é uma singularidade da PME ou, em outros termos, não está circunscrita às grandes aglomerações urbanas. A PNADContinua também evidencia a mesma variabilidade. No quarto trimestre de 2013, a PNAD-Continua indica taxas de desocupação aberta de 7,9% no Nordeste, 6,5% no Norte, 6,2% no Sudeste, 3,8% no Sul e 4,9% no Centro-Oeste. (ver: IBGE, bit.ly/1gsaMud). 10 O entendimento desse processo está bem sedimentado na literatura desde o Modelo de Lewis passando por abordagens mais sofisticadas como os família de modelos a la Harris-Todaro. Voltaremos sobre esse ponto neste mesmo parágrafo. 11 Em termos mais precisos, no caso da taxa de desemprego ser assumida como o inverso da probabilidade de conseguir um emprego (menor o percentual maior a probabilidade), em um mercado de trabalho sem restrições legais, culturais, lingüísticas, etc. para a migração, a expectativa de renda (renda vezes probabilidade) deveria ser igual em todos os espaços. Nesse sentido, quanto maior a renda maior deveria ser a taxa de desemprego, a fim de que as esperanças de ganhos se igualem. Os fluxos migratórios fariam a arbitragem.

Se a restrição ao crescimento pode nutrir-se da escassez da oferta, apelar à migração ou importação de capital humano deve fazer parte da agenda. Imaginar políticas de atração de mão-de-obra estrangeira constitui uma possibilidade a explorar e, em termos teóricos, deve ter um status similar a, por exemplo, importar capital ou tecnologia. Por outra parte, induzir a migração é um ganho líquido para o país, na medida em que os custos de formação desses trabalhadores foram financiados por outras economias.

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III.2. Ampliando a Oferta I: Imigração

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Os números atuais do Brasil tendem a desmentir o esperado pela teoria

Observemos que, nesse sentido, as PE’s, visando propiciar uma imigração ao país, consistem em “virar ao contrário” as históricas ações praticadas nos países centrais (especialmente na Europa Continental), cujo objetivo era reduzir a desocupação diminuindo a oferta de trabalho. Seria factível o Brasil aproveitar a crise na Europa e implementar uma política concreta para atrair a população jovem e com elevado capital humano de regiões em crise.14 As barreiras culturais para a integração são reduzidas e mesmo a língua (no caso de Portugal) pode ser utilizada como um instrumento de atração. Por outra parte, à medida que é a população jovem a mais disposta a migrar, a resistência à integração econômica e cultural seria reduzida. Ou seja, a política pública deveria estar concentrada na atração de população jovem com capital humano acumulado, uma atividade factível de ser eficaz na medida em que a crise na Europa Continental (especialmente nos países do Sul) afetou de forma particular justamente os indivíduos que poderiam contribuir para elevar o potencial de crescimento no Brasil. Por outra parte, não obstante a fase mais aguda da crise europeia parece ter sido superada, os impactos no mercado de trabalho e, especialmente, na população que deve ser o alvo das políticas do país, dificilmente sejam perceptíveis no futuro próximo. Nessa direção, os gestores de política nacionais poderiam estudar, com particular cuidado, as práticas de países com tradição em ações para a atração de migrantes, como Canadá e Austrália. Porém, se essa imigração (jovem com elevado capital humano acumulado) é a mais desejável, nos últimos anos o Brasil já começa a receber a migração de países em desenvolvimento afetados por catástrofes naturais (a exemplo de Haiti), impasses políticos (como a Síria)

12 Fonte: PME/IBGE. 13 Ao diferencial de rendimentos poderíamos agregar outros indicadores que podem contribuir para o fluxo de pessoas. Por exemplo, o IDH de Salvador é de 0,759, sendo de 0,805 no caso de Porto Alegre. (Fonte: PNUD). 14 Por exemplo, na Grécia a taxa de desemprego dos jovens (15-24 anos) chegou, em 2012, a 55,3%; na Espanha, 53,2%; Portugal, 38%; Itália, 35%; Irlanda, 33%. Em termos de escolaridade, o percentual de desempregados entre a PEA com nível superior atingiu (sempre em 2012) quase 13% na Grécia, 11,6% na Espanha e 8% em Portugal. (Fonte: OCDE; ver bit.ly/1jOi8YC).

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Brasil tendem a desmentir o esperado pela teoria. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, por exemplo, o rendimento médio nominal das pessoas ocupadas foi, em abril/2014 (último dado disponível), de R$ 1.975,90, na aglomeração urbana de Salvador foi de R$ 1.573,40.12 Ou seja, em Porto Alegre o rendimento médio nominal dos ocupados é quase 26% superior ao vigente em Salvador e a probabilidade de encontrar emprego também é muito superior.13 Essa situação não pode ser estável e não deve perdurar. A realocação de emprego é, desde uma perspectiva do desenvolvimento de longo prazo, inevitável e desejável. Contudo, quando deixada à indução proporcionada pelos sinais de mercado (emprego, salários, taxa de desemprego, etc.), a mencionada realocação de trabalho entre as áreas pode levar tempo. As PE’s podem acelerar esse processo. Porém, dado esse objetivo, a formatação institucional atual não parece a mais adequada. Com efeito, a partir das décadas de 80 e 90, o gerenciamento de diferentes políticas na área social passou por um profundo processo de descentralização. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a descentralização foi assumida como um desenho institucional capaz de aumentar a eficácia e eficiência dos recursos públicos. Não é o nosso objetivo neste artigo discutir a opção escolhida. Todavia, diante do objetivo de “azeitar” a mobilidade espacial da mão-de-obra, uma estrutura descentralizada, na qual cada Estado tem a liberdade de fixar sua política, não parece ser a mais adequada. Nesse sentido, um processo de centralização das PE’s pode ser necessário e alterações institucionais no âmbito do financiamento, critérios de alocação de recursos, desenhos de política, etc. devem ser desenvolvidos, a fim de lograr maior capacidade de formulação no âmbito federal.

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ou, simplesmente, expulsos pela pobreza (Senegal). Neste caso, a população é jovem (aspecto positivo), mas não se singulariza por possuir um capital humano (nível de instrução) elevado. Apesar de o “imaginário popular” transmitir a ideia de um excedente de mão-de-obra não qualificada no Brasil e uma falta de indivíduos com qualificação, os dados indicam que a taxa de desemprego entre a PEA com pouca escolaridade é muito reduzida, sugerindo pleno emprego.15 Dessa forma, a imigração de pessoas pouco qualificadas pode chegar a contribuir para ampliar a oferta de um tipo de trabalho que as estatísticas sugerem pouco disponível.16 Neste caso, as PE’s deveriam se concentrar em qualificar esses trabalhadores com pouca escolaridade em aspectos incontornáveis para sua inserção no mercado de trabalho (especificamente, idioma) e sua distribuição no espaço nacional.17 Logicamente, uma PE que vise induzir a imigração qualificada e adaptar a não qualificada, não obstante sua contribuição ao aumento da taxa de crescimento potencial, não está isenta de desafios e resistências. Administrar as competências e compatibilidade de diplomas em certas atividades, modernizar a regulamentação, proporcionar cursos de línguas, etc. são aspectos que os gestores das PE’s devem articular com as distintas instâncias do governo central e estadual.

III.3. Ampliando a Oferta II: como tornar atrativo o mercado de trabalho para os “nem-nem”? O aumento na oferta de trabalho via imigração pode até ser uma política complexa, não isenta de difícil engenharia política e com pouca tradição nas estruturais estatais do Brasil, mas com fácil referenciais internacionais. Articulada com essa possibilidade (não concorrendo com ela), há outra opção para elevar a disponibilidade de mão-de-obra que consiste em aumentar a participação no mercado de trabalho da população potencialmente ativa. Um aspecto crucial e muito debatido está associado à participação dos jovens no mercado de trabalho. No

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Brasil, na população entre 16/24 anos (a faixa etária que normalmente na literatura se classifica como jovem), a taxa média de participação está situada em torno a 63%.18 Esse percentual é inferior ao observado em certos países nórdicos (como a Dinamarca e a Holanda, com percentuais próximos de 70%), mas bem superior a outros países da OCDE, como Itália e Bélgica (30%).19 Em geral, observamos uma queda nessa participação: em 2001, a relação entre a PEA e a PIA era de 73%.20 Em geral, essa queda pode merecer várias leituras e a mais otimista consiste em assumir que os jovens permanecem mais tempo fora do mercado de trabalho devido a sua dedicação aos estudos. A percepção dos retornos educacionais e a maior renda das famílias teriam viabilizado essa conduta que, no longo prazo, redundaria em benefícios individuais e sociais (devido à maior produtividade). Nessa perspectiva, o Brasil estaria abrindo mão de maior produto presente (devido à queda na oferta de trabalho) em troca de maior produto futuro. Ou seja, a queda na participação dos jovens poderia ser olhada desde a clássica perspectiva mediante a qual se olha o processo de poupança-investimento. Porém, essa não participação no mercado de trabalho não significa, necessariamente, que os jovens estejam sacrificando sua vida ativa hoje devido a um investimento (acumulação de seu capital humano). Os denominados “nem-nem”, jovens (16-24 anos) que nem trabalham nem procuram trabalho e não estudam, compõem um contingente não negligenciável.21 Supondo uma taxa de participação de 70%, é factível supor que a PEA do país possa ser elevada em quase 3%, se o país lograsse incorporar essa mão-de-obra jovem.22 A tarefa não é trivial por, pelo menos, quatro motivos. Esse fenômeno de passividade total (não participação no mercado de trabalho paralelamente à não frequência do sistema escolar) não é uma singularidade do Brasil. Nesse sentido, as raízes parecem ser complexas. O segundo motivo está associado ao anterior. Não

15 Em 2012, a taxa de desemprego da população com até 4 anos ou menos de estudo foi de 3,64%, sendo a média para toda a PEA de 6,2%. (Fonte: Microdados PNAD/2012; Elaboração Própria). Lembremos que, estruturalmente, a relação entre anos de estudo e taxa de desemprego no Brasil tem a forma de U invertido, com as menores taxas de variação nos extremos das faixas de escolaridade (os maiores percentuais se situam 9/10 anos de estudo). Voltaremos sobre esse ponto nos próximos parágrafos. 16 Nesse sentido, é ilustrativa a afirmação do Mauro Lopez (FGV/RJ) reproduzidas na Folha de S. Paulo (Caderno Mercado, 4/03/2013): “Hoje, o tipo mais escasso de trabalhadores no Brasil é o não qualificado” (ver bit.ly/1hoBLSG, consultado em maio/2014) 17 O recente debate sobre o envio de indivíduos migrantes do Haiti a São Paulo ilustra a necessidade de uma centralização nas atividades de alocação nacional. 18 Segundo dados da última PNAD (2012), a taxa de participação (PEA/PIA) dos jovens com 16 anos é de 33%, aumentando até atingir 80% na faixa etária de 24 anos. (Fonte: Microdados PNAD; Elaboração Própria). 19 Fonte: Eurostat. 20 Fonte: Microdados PNAD; Elaboração Própria. 21 Segundo dados da PNAD/2012 (Elaboração Própria), o estoque dos “nem-nem” totalizaria quase 4,5 milhões de jovens (16-24 anos). Alongando-se o critério de “juventude” (16-29 anos), o total de indivíduos que não estão ocupados, não procuram trabalho e não estudam chega a quase 7 milhões de pessoas. 22 Esse percentual poderia elevar-se a quase 5% se fosse considerada a faixa legal para juventude (16-29 anos).

beneficiário de uma transferência de renda e não estando interessado em participar do mercado de trabalho, o tradicional leque de instrumentos que os gestores de política têm para servir de “atração” (os incentivos) desaparecem. Contudo, imaginar atividades cujo público-alvo seja os inativos, especialmente os inativos que não frequentam o sistema escolar, é crucial. Em uma conjuntura de pleno emprego não há o público-alvo quase exclusivo das PE’s, os desempregados. Se o objetivo consiste em complementar outras iniciativas que elevem a taxa potencial de crescimento, uma das possibilidades consiste em aumentar a oferta de trabalho, seja induzindo a migração (aspectos que já abordamos na Seção anterior) seja elevando a taxa de participação. No caso do aumento na taxa de participação ter como contrapartida uma menor freqüência escolar, o balanço (em termos de valor presente) entre custos e benefícios pode ser questionável. Contudo, incorporar à força de trabalho uma população jovem, mas passiva (nem participa do mercado de trabalho nem estuda) não parece oferecer flancos passíveis de críticas.26 Esse é um caminho que o novo desenho de PE deve ensaiar.

Esse fenômeno de passividade total (não participação no mercado de trabalho paralelamente à não frequência do sistema escolar) não é uma singularidade do Brasil

IV. Mudando o Público-Alvo: dos desempregados aos empregados Paralelamente ao aumento da oferta de trabalho, os ganhos de produtividade são cruciais para alterar positivamente o produto potencial. As restrições que fizemos (ver Seção I) ao sistema escolar (seu longo período de maturidade e os ganhos marginais) obrigam a

23 Segundo os nossos cálculos (PNAD/2012), dos quase 4,5 milhões de indivíduos entre 16-24 anos que não participam do mercado de trabalho e não frequentam o sistema escolar, 3 milhões correspondem a pessoas do sexo feminino. 24 Nesse caso, maior participação no mercado de trabalho ou maior frequência escolar poderia ser obtida mediante a maior oferta de creches, uma política que está fora do âmbito das PE’s. 25 A fundamentação microeconômica dessa coerção é complexa. Se a inscrição no sistema de intermediação e/ou as atividades de formação elevam as chances de encontrar emprego e são oferecidas pelo Sistema Público de Emprego, naturalmente o desempregado deveria optar por elas, não precisaria existir coerção. Contudo, a decisão de participar ou não é mais complexa. Por exemplo, beneficiário do seguro-desemprego poderia não estar desempregado (poderia estar trabalhando no mercado informal) ou o indivíduo valorizaria muito o lazer presente, mesmo comprometendo as suas possibilidades de encontrar emprego no futuro (quando o horizonte temporal dos benefícios tivesse esgotado). 26 Em termos um pouco acadêmicos, poderíamos argumentar que a não participação no mercado de trabalho e a não frequência ao sistema escolar outorgam ao indivíduo algum tipo de satisfação ou utilidade (o lazer). Ou seja, maior taxa de participação elevaria o produto (benefício), mas teria como custo a perda da utilidade dada por não trabalhar, não procurar trabalho e não estudar. Estamos supondo que o saldo é positivo (benefícios maiores que os custos) e que algum tipo de “miopia” não permite a essa população perceber o balanço positivo.

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se sabe muito bem as causas que motivam jovens, que normalmente deveriam estar em seu maior potencial físico e emotivo, a evidenciar uma passividade total no tocante a atrativos econômicos (rendimento atual e futuro). Ao não se conhecer a raiz do fenômeno, resulta difícil imaginar políticas capazes de revertê-lo. Um terceiro motivo diz respeito a fatores que só muito indiretamente podem obedecer a motivos econômicos. Por exemplo, mais ou menos 70% dos “nem-nem” entre os 16-24 anos são mulheres.23 Muito provavelmente (uma hipótese) a origem dessa não participação tem sua origem na gravidez na adolescência e/ou a fatores culturais.24 Por último, o quarto motivo que dificulta atividades que visem elevar a taxa de participação dos “nem-nem” está vinculado ao próprio DNA das PE’s. Estas tendem a lidar com a população desempregada, ou seja, aquela que não está trabalhando, mas procura emprego, ou, no limite, com os que já estão ocupados. Ter como público-alvo indivíduos que não participam do mercado de trabalho não está no leque das possibilidades até por uma questão prática: como atingir esse público. Lembremos que PE’s Ativas (intermediação e formação) podem ser implementadas até por métodos coercitivos, uma prática comum nos países centrais: o benefício do seguro-desemprego pode ter como pré-requisito a inscrição no sistema de intermediação (devem ser contempladas certas ofertas de emprego sob pena de o benefício ser retirado) e/ou a frequência a cursos de formação. Essa coerção é factível na medida em que o indivíduo recebe um benefício.25 Não sendo

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direcionar nossa atenção ao contingente já ocupado como população-alvo. Historicamente, as PE’s tinham como objetivo os indivíduos ocupados quando estes corriam o risco de ficar desocupados. Por exemplo, novas tecnologias requereriam um novo perfil dos recursos humanos e os hoje empregados corriam o risco de serem desligados e substituídos. Porém, em uma situação de pleno emprego, os custos e a incerteza sobre a disponibilidade de novos trabalhadores tornam mais difícil essa possibilidade.27 Dessa forma, se cursos de formação e reciclagem podem elevar habilidades e competências que, por sua vez, estão positivamente correlacionadas com a produtividade, os usuais recursos direcionados para formar e reciclar desempregados (um público inexistente) deveriam ser, preferencialmente, alocados à capacitação de indivíduos já empregados. Esses recursos podem ter um grau de eficiência maior que no caso dos desempregados. Com efeito, sabemos que o capital humano se deteriora no tempo quando o mesmo não é utilizado. No caso dos beneficiários serem os desempregados, sua permanência nessa condição pode redundar em resultados pífios em termos de produtividade (mesmo nas chances de encontrar outro emprego), que não seria no caso de assalariados empregados. Esse redirecionamento das atividades de formação dos desempregados para os empregados pode resultar em complexidades na hora da formatação da política. Por exemplo: quais são os assalariados que serão beneficiados? quais serão os critérios para sua escolha? na medida em que também serão beneficiados, os empregadores deverão compartilhar parte dos custos? qual será a articulação com o Sistema S de formação?

IV. Seguro-Desemprego: objetivos fiscais e o novo desenho

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Os gastos com seguro-desemprego vêm em uma trajetória de crescimento desde meados dos anos 90. Entre 1995 e 2010, esse aumento foi, em termos reais, de 75%.28 Só entre 2009 e 2013, o aumento real foi de quase 33%. O número de beneficiários passou de 5 milhões (2003) para 8,4 milhões (2012), aumento de 68%. Resumindo: o Brasil passou, nos últimos 20 anos, de uma situação de excedente estrutural de mão-de-obra para uma conjuntura de pleno emprego e, paralelamente, assistiu a um

aumento exponencial dos gastos e a cobertura do sistema de seguro-desemprego. As causas dessa trajetória são diversas (aumento real do salário mínimo, formalização do mercado de trabalho, etc.) e não é o nosso objetivo avaliar esse desempenho ou identificar as suas origens. Porém, à medida que os benefícios aos trabalhadores desempregados sempre foram incluídos como uma PE (PE Passiva), o mesmo tem que ser repensado tendo como parâmetro a situação de pleno emprego. O mencionado aumento exponencial nas despesas induziu o governo a implementar iniciativas tendentes a desacelerar a elevação nos gastos, minimizando fraudes e, nesse sentido, tomando medidas como a de atrelar o pagamento a cursos de formação. Ou seja, a perspectiva de reformulação do seguro-desemprego é realizada desde a ótica fiscal. Esse objetivo é louvável por si mesmo, mas a sua reformatação deve levar em consideração tanto as metas fiscais como os incentivos e desdobramentos que o desenho pode ter sobre o crescimento potencial da economia. Por exemplo, associar a formação profissional como requisito para ser credor do benefício consiste, implicitamente, em assumir os cursos como mecanismo de controle e redução de fraudes. Nessa perspectiva, a formação e reciclagem perde seu objetivo final ou, em outras palavras, os recursos aí alocados devem ser assumidos mais como gastos de fiscalização do que dinheiro, cujo objetivo é elevar a empregabilidade dos desempregados e/ou elevar a produtividade da economia. Existem robustas evidências empíricas (algumas já mencionadas na Seção I deste artigo) que o Brasil se encontra operando com um mercado de trabalho na sua fronteira. O desafio que merece ser colocado consiste em deslocar a disponibilidade de trabalho e/ou elevar a produtividade da mão-de-obra. A formatação de todas as atividades das PE’s deve estar pensada dados esses objetivos, inclusive o desenho do seguro-desemprego. Alocar recursos públicos a atividades de formação de desempregados beneficiados do sistema de modo a que a frequência nesse tipo de atividade sirva de controle a eventuais fraudes, não parece ser a alternativa mais recomendável.

V. Comentários Finais O Brasil vive uma situação de pleno emprego e, em paralelo, as PE’s estão em uma situação quase

27 Em realidade, em uma situação de pleno emprego as possibilidades de a rotatividade ter sua origem em iniciativas do assalariado são maiores. Nesse cenário, é factível entender gastos com seguro-desemprego procíclico, como parece ser o caso no Brasil. Retomaremos este ponto na próxima Seção. 28 Fonte: FAT/MTE.

de outros projetos para elevar a produtividade da economia (investimento em infraestrutura, educação, etc.). O pré-requisito para assumir as PE’s, desde essa perspectiva, implica alterações não negligenciáveis no desenho institucional de gestão e nos objetivos. Um Sistema Público de Emprego mais centralizado, tendo os ocupados como público-alvo e não mais os desempregados, e desenvolvendo ações que tendam a elevar (via imigração internacional e maior taxa de participação) e não a reduzir a oferta. Ou seja, seria repensar as PE’s para que ajudem a contornar a restrição ao crescimento hoje imposta pelo mercado de trabalho.

O desafio que merece ser colocado consiste em deslocar a disponibilidade de trabalho e/ou elevar a produtividade da mão-de-obra

Carlos Alberto Ramos [email protected]

Professor do Departamento de Economia, UnB.

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moribunda. Em valores constantes, os gastos com seguro-desemprego foram, em 2013, 63% superiores aos observados em 2004. Paradoxalmente, o país transitou, nos últimos 20 anos, de uma típica economia subdesenvolvida, com excedente estrutural de mão-de-obra, para uma conjuntura na qual a escassez de mão-de-obra (não importa o tipo de qualificação) constitui uma restrição ao crescimento e, simultaneamente, os gastos com seguro-desemprego (uma PE Passiva ou compensatória) explodiram. Os recursos alocados à Formação Profissional caíram 97% entre 2009 e 2013. Não obstante poder contribuir para a elevação da produtividade, pode-se dizer que hoje o Brasil carece de uma política de formação profissional. Contudo, a pergunta pertinente é: é necessária uma PE em um contexto de pleno emprego? Não deveria simplesmente ser reformulado o programa de seguro-desemprego para reverter sua trajetória explosiva? A resposta a essas perguntas pode ser positiva. As PE’s no Brasil atingiram seu auge na segunda metade dos anos 90, quando, diante do aumento do desemprego, o diagnóstico foi sintetizado pela famosa frase de um Ministro do Trabalho: “existe desemprego porque os nossos desocupados são “inempregáveis”. Essa avaliação, a posteriore, mostrou-se falsa. O Brasil conseguiu transitar para uma economia de plena ocupação. Essa reversão da situação somada a fragilidades na gestão das PE’s acabou por esvaziar as ações nessa área, que hoje quase se limitaram ao pagamento do seguro-desemprego. Em 2013, as PE’s Ativas, que poderiam elevar a produtividade, representaram 0,9% do gasto com as passivas (que são apenas compensatórias). Nessas circunstâncias, uma opção de política consiste em manter a trajetória decadente das Políticas Ativas e tentar abordar o seguro-desemprego como um gasto público a ser contido. Essa perspectiva fiscalista dos gastos com seguro-desemprego seria até justificável, dado o pleno emprego. Neste artigo exploramos outra possibilidade e que consiste em assumir as PE’s como um complemento

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ARTIGO Acordo Contingente de Reservas entre Países BRICS Maria Celina Berardinelli Arraes

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Em artigo anterior publicado nesta revista, apresentei alguns pontos da experiência brasileira e internacional em relação à cooperação financeira entre países, que poderiam subsidiar a discussão da iniciativa que se desenhava entre os BRICS (ARRAES, 2014). Após a aprovação do Acordo, torna-se relevante uma análise mais específica de suas características e uma avaliação preliminar de sua operacionalidade. Foi aprovado o Tratado para o estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas no dia 15 de julho, durante a Reunião de Chefes de Estado dos países BRICS, em Fortaleza, com a dimensão inicial de US$ 100 bilhões. Conforme informado em press release do Banco Central, pretende-se que o arranjo tenha um efeito positivo em termos de prevenção de crises, principalmente as de liquidez de curto prazo, fortalecendo assim a rede de segurança financeira mundial ao complementar os arranjos internacionais já existentes. Sua operacionalização se dará por meio de compromisso de troca da moeda do país solicitante por dólares americanos. A transferência financeira efetiva somente ocorrerá quando houver uma solicitação de utilização do mecanismo. A entrada em vigor do CRA ocorrerá depois de completados os trâmites legais para sua ratificação, incluindo, no caso do Brasil, a aprovação pelo Congresso Nacional. Os países participarão da seguinte maneira, não paritária: a China se compromete com US$ 41 bilhões, enquanto o Brasil, a Índia e a Rússia com US$ 18 bilhões, cada. A África do Sul completa a rede com o compromisso de US$ 5 bilhões. Os países dos BRICS terão direito a obter recursos do CRA de acordo com um critério multiplicador de suas contribuições. A África do Sul, por exemplo, fará jus a um multiplicador igual a dois e, portanto, poderá acessar até US$ 10 bilhões do mecanismo. Já a China, que fará a maior contribuição, teria multiplicador de metade (0,5) de US$ 41 bilhões. O Brasil, Índia e Rússia teriam acesso a um montante até o valor dos recursos comprometidos nos swaps. A governança do mecanismo é semelhante à de instituições financeiras internacionais com um Conselho de Governadores (Ministros da Fazenda ou Presidentes de Bancos Centrais) e um Comitê Executivo (funcionários de

Bancos Centrais), assim como similar ao Acordo de Chiang Mai. O país que estiver na presidência dos BRICS atuará como coordenador das duas instâncias de governo. As decisões do Conselho são as estratégicas e tomadas por consenso. Entre elas, mencione-se: modificar o montante comprometido total e individual por país; aprovar a entrada de novos países no mecanismo; rever e modificar as condições das operações (prazo, número de renovações, juros, etc.), as condições de acesso, default e sanções, o percentual ligado a arranjo com o FMI, assim como os multiplicadores. Ainda como atribuição do Conselho de Governadores, consta a possibilidade de criação de um secretariado permanente ou estabelecimento de uma unidade de supervisão especializada. As decisões do Comitê são as necessárias para gestão do mecanismo e com critério misto de consenso ou poder de voto de cada país1. Ressalte-se que, para aprovar a utilização de recursos por um país solicitante – a principal atribuição do Comitê – o critério é o de maioria simples dos países financiadores. Mencione-se também a atribuição de impor sanções em caso de quebra do Tratado. As regras de operacionalização do acordo assim como as condições de acesso estão em linha com os acordos de swap negociados e vigentes no âmbito da crise financeira internacional recente. O prazo inicial da operação de swap é de seis meses e pode ser renovado, no todo ou em parte, por até três vezes. Uma parcela de 30% do montante compromissado é considerada livre e sua utilização sujeita somente às regras do Acordo Contingente. Para os 70%restantes, será necessário um acordo com o FMI. Quando solicitar a utilização de recursos – mesmo que somente da parcela não atada à existência de acordo como FMI – a parte solicitante deve assinar e enviar uma carta em que se compromete a atender todas as obrigações e salvaguardas do Tratado. Será requerido o fornecimento de dados econômicos e financeiros, inserção de cláusula de pari passu, com outras dívidas contratadas em moeda estrangeira. O país solicitante também não deve apresentar pagamentos em atraso com os outros países BRICS, com suas instituições financeiras públicas, assim como com instituições financeiras regionais, incluindo o

1 Como é comum no cálculo do poder de voto de países em organismos internacionais, ele é composto por 5% distribuído igualmente entre todas as partes, e o restante de acordo com o tamanho relativo dos compromissos individuais. Consequentemente, a China terá maior poder de voto que os outros países.

mas também aumenta o risco de contágio, se houver crise financeira na região. Ou seja, um arcabouço institucional frágil como o dos BRICS poderá afetar o compromisso político de contribuir com reservas internacionais em momentos de crise. Porém, o fato de que os BRICS não são um grupo de integração regional também pode ser positivo, no sentido de que diminui o risco de contágio. Os montantes anunciados para o acordo contingente de reservas podem não ser relevantes para a prevenção de crises de balanço de pagamentos. Os valores anunciados representam entre 3 e 4 vezes as respectivas quotas no FMI e, no caso brasileiro, menos de um quarto do déficit em conta-corrente dos últimos doze meses. Também em relação às reservas dos países BRICS, o montante do acesso de cada país é muito pequeno. No caso brasileiro, pode-se comparar ainda o acesso de US$ 18 bilhões ao acordo de swap do Federal Reserve com o Banco Central que foi de US$ 30 bilhões. Apesar de à primeira vista o montante não parecer muito relevante, em momentos de crise ou de ataque especulativo à moeda do país, as reservas podem se esvair muito rapidamente, como em 1982 e 1998, e acordos com o FMI e empréstimos ponte têm que ser negociados muito rapidamente e sob pressão da crise de liquidez. A existência de uma fonte de recurso adicional e pré-aprovada é sempre positiva. A governança do Acordo Contingente BRICS, conforme anunciada, procura equilibrar as diferenças de tamanho e poder econômico dentro do grupo, pois parte delas é por consenso. Se por um lado esse equilíbrio é positivo, por outro, pode levar a um engessamento do mecanismo em termos de sua evolução estratégica, pois as decisões do Conselho de Governadores são todas por consenso. Já a decisão sobre utilização dos recursos, por maioria simples do poder de voto dos países que estão fornecendo recursos, poderá resultar em assimetrias de poder dentro do grupo, principalmente a favor da China. O Arranjo Contingente de Reservas foi inicialmente anunciado como uma alternativa ao FMI, com condições ou condicionalidades pelo menos diferentes. Porém, há um limite para inovação na área de assistência financeira: o grau de risco a que se expõe os recursos dos contribuintes que estão sendo aplicados nesses empréstimos. Garantias formais ou alterações na política econômica do país financiado – as chamadas condicionalidades – deverão ser exigidas para assegurar/garantir a capacidade de amortização da dívida. Caso contrário, na ocorrência de default, os contribuintes dos países financiariam a perda. O texto do acordo publicado, entretanto, prevê que somente trinta por cento do valor disponível para cada país poderá ser acessado sem acordo com o FMI. E para

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Novo Banco de Desenvolvimento. Finalmente, deve estar cumprindo suas obrigações de fornecimento de informação ao FMI. Adicionalmente, para acessar os restantes 70% do montante máximo previsto, o país solicitante deve ter um acordo vigente com o FMI. O Acordo Contingente de Reservas aprovado em Fortaleza será, portanto, um mecanismo complementar de financiamento conforme consta do Comunicado dos Chefes de Estado. O Acordo Contingente de Reservas apresenta as características dos acordos existentes, estudados pelo Fundo Monetário Internacional (2013). Historicamente, o FMI mostrava resistência às soluções regionais, considerando que a situação seria de competição e não de colaboração entre estas iniciativas e o organismo. Eichengreen (2012), por exemplo, oferece uma revisão da história dessa tensão desde a União Europeia de Pagamentos, da década de 50, e o Gold Pool, dos 60, aos arranjos de câmbio regionais, dos anos 80 e 90. Este autor defende que a tensão entre arranjos multilaterais e regionais fica evidente nas crises. Nos tempos mais atuais, com a irrelevância relativa dos montantes de assistência financeira do FMI, o crescimento dos fluxos financeiros internacionais e a resistência dos países desenvolvidos em aumentar o montante disponível, por meio das quotas, reconheceu-se a possibilidade de um papel colaborativo para soluções de cooperação financeira de grupos de países. De fato, após a crise de 2008–2009, os arranjos financeiros internacionais foram reconhecidos como uma importante camada da rede global de segurança financeira. O Comitê Monetário e Financeiro do FMI, em seu Comunicado de abril de 2013, reconhece a importância de o FMI “cooperar com os arranjos financeiros regionais (RFAs)”. O Grupo dos 20 aprovou princípios gerais, em sua reunião, de junho de 2012, em Los Cabos, sobre a “importância de redes de segurança (safety nets) globais e regionais” (KAWAI; LOMBARDI, 2012). Há pontos importantes a serem considerados para que se possa concluir uma primeira avaliação do acordo anunciado, tais como o grau de compromisso político com a iniciativa, a existência ou não de riscos de contágio, a adequação dos montantes e a estrutura de governança. As informações disponíveis no momento permitem responder às questões colocadas no artigo anterior, cujas respostas foram adiantadas em artigo de jornal publicado imediatamente após a Reunião dos BRICS (ARRAES, 2014a). O Acordo Contingente acertado entre os BRICS não está relacionado a processo de integração regional, como foi o caso de iniciativas semelhantes, no âmbito global ou da América Latina. A existência de processo de integração regional reforça o compromisso político com a iniciativa,

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Referências Bibliográficas

essa utilização estão previstas condições, tais como a inexistência de inadimplemento junto a organismos internacionais. O Arranjo Contingente aprovado em Fortaleza será, portanto, um mecanismo complementar de financiamento conforme consta do Comunicado dos Chefes de Estado: “fortalecerá a rede de segurança financeira mundial e complementará arranjos internacionais existentes”. O texto do Tratado do Acordo Contingente de Reservas, aprovado na reunião de Fortaleza, permite inferir que a iniciativa está em linha com os arranjos de cooperação financeira internacional existentes. Ademais, o Acordo deve ser avaliado no contexto da crescente importância dos países BRICS na economia internacional e da demora do Congresso Americano em aprovar o aumento de quotas do Fundo Monetário Internacional que permitirá ao Organismo reconhecer, pelo menos em parte, essa mudança de peso no cenário internacional. Sendo assim, a concretização do Acordo Contingente de Reservas é um sinal positivo do compromisso dos BRICS de aprofundarem suas relações e atuarem como um grupo coeso, fortalecendo sua capacidade de influir no cenário financeiro internacional.

ARRAES, M. A C. B. Acordos Monetários dos BRICS – para que servem? Revista de Conjuntura do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal, Brasília, v. 14, n. 52, jan./abr. 2014. ______. A iniciativa de cooperação financeira dos países BRICS. Valor Econômico, São Paulo, p. A10, 16 jul. 2014a. EICHENGREEN, B. Regional Financial Arrangements and the International Monetary Fund. ADBI Working Paper 394. Tokyo: Asian Development Bank Institute, 2012. Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2014. INTERNATIONAL MONETARY FUND. Stocktaking the Fund´s Engagement with Regional Financing Arrangements. Washington: IMF, 11 Apr. 2013. KAWAI, Masahiro; LOMBARDI, Domenico. Financial Regionalism. Finance and Development, v. 49, n. 3, p. 23-25, sep. 2012.

Maria Celina Berardinelli Arraes [email protected]

Ex-Diretora de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil (2008-2009) e copresidente do G-20 financeiro suplentes, em 2008. Funcionária do Banco Central do Brasil durante 25 anos.

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PATROCÍNIO

REALIZAÇÃO

IDEALIZAÇÃO

SEDEX.

Valéria Gentil Almeida Marcelo Teixeira da Silveira Na perspectiva do desenvolvimento sustentável e da gradual transição para uma economia verde, instrumentos econômicos e financeiros são temas relevantes. Para que estes instrumentos tragam os resultados esperados para a preservação ambiental, é necessária a atuação do governo com a adoção de políticas verdes, no sentido de fazer cumprir regras estabelecidas, bem como a transparência das instituições para a aplicação das sanções legais previstas. Pode-se dizer que uma política verde é uma decisão tomada, ou não, deliberadamente, a fim de administrar as atividades humanas em relação ao meio ambiente. O objetivo dessa decisão é “fazer valer” uma política que tenha a capacidade de prevenir, mitigar ou reduzir a degradação ambiental. Todavia, o sucesso de uma política verde deve considerar os diferentes atores da sociedade, dependendo da aceitação, eficácia, eficiência, e, ao mesmo tempo, tem de ser realista na sua implementação e com vistas à sustentabilidade (GENTIL, 2013). Uma política verde pode ser baseada no comando e controle, mercado, educação e resultados (os chamados green outcomes). Este artigo apresenta alguns exemplos de políticas baseadas no comando e controle e no mercado, bem como cita casos em que tais políticas são usadas conjuntamente e suas limitações. No Brasil, as políticas verdes baseadas no mercado estão contidas na Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e “andam a passos lentos”. No Estado de Mato Grosso, por exemplo, destacam-se o percentual obrigatório de reserva legal, exigência de licenciamento ambiental das propriedades rurais, estudo de impacto ambiental/ relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA), multas, dentre outras medidas. O uso dos instrumentos econômicos (IEs) na área ambiental é bastante recente, sendo que no Brasil as discussões relativas a este tema se tornaram mais marcantes no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que inclui a Secretaria

de Desenvolvimento Sustentável (SDS) do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Segundo Riva, Fonseca e Hasenclever (2007), os IEs podem ser criados para induzir um determinado comportamento social, maximizar o bem-estar social e financiar uma atividade social. A imposição das medidas de compensação ambiental baseia-se no princípio do “poluidor-pagador”, que transfere o ônus pelos custos ambientais ao poluidor ou utilizador dos recursos naturais. Os recursos obtidos por conta da compensação ambiental têm crescido de forma expressiva, tornando-se uma fonte significativa de recursos para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). O valor da compensação ambiental representa, no mínimo, 0,5% dos custos totais do investimento, com variação percentual em função do grau dos impactos causados ao meio ambiente. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) é o órgão responsável pelo acompanhamento da compensação ambiental. Em se tratando de impostos, especialmente do “Imposto de Renda Ecológico”, a ideia é permitir que pessoas físicas ou jurídicas que invistam em projetos ambientais possam deduzir os valores investidos do imposto de renda anual. Trata-se, portanto, de um incentivo fiscal. Entretanto, alguns problemas foram revelados sobre esse aspecto, sendo que o primeiro deles diz respeito ao fato de que a criação do “IR Ecológico” encontra resistência do Ministério da Fazenda, visto que a gestão ambiental não é considerada prioridade imediata das políticas públicas do País, e qualquer proposta que implique diminuição de arrecadação tributária deve enquadrar-se nas diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Outro mecanismo levantado refere-se à Compensação de Reserva Legal e Servidão Florestal. Esta medida foi instituída pelo Código Florestal e determina que a compensação possa ser implementada mediante o arrendamento de área sob regime de

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ARTIGO As Políticas Verdes e o Esverdeamento da Economia: o governo regula e o mercado instrumentaliza?

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“servidão florestal”, onde o proprietário da área compensada renuncia voluntariamente, em caráter temporário ou permanente, a direitos de supressão ou exploração da vegetação nativa, desde que a respectiva área seja averbada no registro de imóveis competente, após anuência do órgão ambiental estadual e excluindo-se as áreas de preservação permanente e de reserva legal. Outra política verde baseada no mercado é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), conhecido como o ICMS ecológico, um dos mais importantes IEs de gestão ambiental adotados no Brasil nas últimas décadas. O Estado do Paraná foi o precursor nesse ramo e, em 1992, condicionou a destinação de 5% do valor de livre repasse aos municípios. As limitações do ICMS Ecológico são: a) o repasse aos municípios não está condicionado à aplicação estritamente na área ambiental, visto que o Código Tributário Nacional estabelece que impostos são tributos sem vinculação específica; b) não há clareza de como é feita a transferência do recurso (se ele está sendo utilizado para recuperação de áreas degradadas ou não), ou seja, as contas não estão claras e, c) não há fiscalização adequada. Quanto ao aspecto das taxas, destacam-se como as mais relevantes em vigor no Estado de Mato Grosso: Taxa de Reposição Florestal (TRF) e Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA). A primeira tem o objetivo de viabilizar a geração de estoque futuro de matéria-prima florestal para as indústrias de base florestal, reduzindo a pressão sobre os remanescentes de florestas nativas, bem como viabilizar a recuperação de áreas degradadas. A segunda constitui uma taxa com recolhimento obrigatório para pessoas físicas ou jurídicas que se dedicam às atividades potencialmente poluidoras ou à extração, produção, transporte e comercialização de produtos potencialmente perigosos ao meio ambiente, assim como de produtos e subprodutos da fauna e flora. No Brasil, as Taxas de Efluentes são consideradas, segundo Varian (2006, p. 693) como “uma solução alternativa para a poluição”. Na opinião do referido autor, “Um sistema de taxa de efluentes poderia impor padrões mais elevados do que os atualmente vigentes em comunidades onde a poluição é um problema sério”. Os efluentes sanitários geralmente contêm em torno de 99,9% de água, correspondendo o restante aos resíduos sólidos orgânicos e inorgânicos e aos microrganismos, que juntos representam toda a carga poluidora. Contudo, devido à fração de 0,1% de carga poluidora presente nos efluentes, é necessário tratar os esgotos antes de lançá-los nos corpos d’água. Em Porto Alegre (RS), por exemplo, o esgoto tratado em fossas sépticas domiciliares e cujo efluente é lançado na rede pluvial é taxado pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE).

Os sistemas de depósito-reembolso se baseiam, segundo Seroa da Motta, Ruitenbeek e Huber (1996, p. 28) “em um mercado criado para comprar de volta fontes de resíduos sólidos”. São utilizados como mecanismos de promoção à reciclagem. Estes sistemas visam, especialmente, solucionar problemas relacionados à gestão de resíduos tóxicos e que causem risco. Observa-se que este sistema também é regido por comando e controle. Pereira (1999) cita como exemplo o depósito pago por vasilhames de bebidas. Lembra ainda que o uso deste sistema para recolhimento de embalagens de produtos potencialmente poluidores, como os pesticidas, pode ser reconhecido como uma alternativa para o controle da poluição hídrica. A taxa de utilização pode ser entendida como o pagamento de tributo em decorrência da necessidade de permissão, ou não, do Poder Público para práticas que prejudiquem o meio ambiente. Visa, além de controlar a degradação ambiental, estimular comportamentos de preservação. Os Impostos sobre os Prêmios de Seguros podem ser entendidos, por sua vez, como uma importante alternativa para promover a preservação do meio ambiente, além de contribuir para a sustentabilidade do sistema econômico. Nesse sentido, os instrumentos que atuam na forma de prêmios representam basicamente, segundo Machado (2009, p. 35), “o crédito subsidiado, as isenções de imposto e outras facilidades contábeis para efeito de redução da carga fiscal”. Há, ainda, as Vendas e Impostos sobre Valor Agregado e as Taxas Administrativas que, segundo Moraes (2012, p. 9-10), são: a) Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), criada pela Lei n° 10.165/00; b) Taxa de Preservação Ambiental (TPA), criada pela Lei n° 10.430/89 e modificada pela Lei n° 11.305/95, do Estado de Pernambuco, para o arquipélago de Fernando de Noronha; c) Taxa de Resíduos Sólidos Domiciliares (TRSD), instituída pela Lei Municipal n° 13.478/02, do município de São Paulo; d) Taxa de Fiscalização Ambiental (TFA), criada pela Lei n° 9.960, tributo cobrado em decorrência do exercício de atividades potencialmente poluidoras ou utilizadoras de recursos ambientais e, e) Taxa florestal (TF), criada e instituída por diversos municípios brasileiros para a manutenção dos serviços de fiscalização. A Diferenciação Fiscal, outra política verde baseada no mercado, tem sido usada nos países europeus para reduzir emissões relacionadas aos veículos, incentivando a mudança da gasolina com chumbo à gasolina sem chumbo, em função de tais fatores relevantes como a cilindrada, a idade e a eficiência de combustível dos respectivos veículos. Esta diferenciação fiscal nada mais é do que cobrar impostos e taxas diferenciadas daqueles que têm ou não uma postura amigável com o meio ambiente, e, desse modo, merece e pode ser implantada no Brasil.

Tipo ICMS Ecológico

Estados

Descrição

Acre, Amapá, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Pernanbuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, São Paulo, Tocantins

Instrumento de incentivo fiscal, baseado no princípio do “protetor-recebedor”, à conservação, introduz critérios ambientais no cálculo da parcela de 25% de repasse a que fazem jus os municípios brasileiros, que investem na conservação de seus recursos naturais. (MEDEIROS et. al., 2011)

IR Ecológico – Imposto de Renda Ecológico – PL; IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano; IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores; IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados.

Fonte: Gentil, 2013.

Seroa da Motta, Ruitenbeek e Huber (1996, p. 18) analisam o instrumento de Sistemas de Licenças Negociáveis em que o governo estabelece um sistema de licenças de poluição ou de licenças de uso de um recurso comercializável. O órgão ambiental leiloa ou distribui e monitora o cumprimento dessas licenças. Os poluidores ou os usuários do recurso comercializam-nas a preços de mercado não controlados. Segundo Portugal, Reydon e Portugal Junior (2012, p. 700), “O instrumento de licenças comercializáveis é mais indicado para as empresas cujos custos de reestruturação para adaptarem-se às exigências ambientais são muito altos”. Com relação aos Programas de Informação, Menkes (2004) esclarece que são instrumentos que devem ser utilizados para proporcionar esclarecimentos à população a partir de dados que visem promover a compreensão e a avaliação dos riscos ambientais, possibilitando ainda atitudes adequadas no sentido de evitar ou minimizar tais riscos. Quanto à temática “subsídios”, os benefícios fiscais atribuídos à pecuária no Estado de Mato Grosso estão presentes nas indústrias de couro e curtume, bem como nos frigoríficos de suínos, aves, granjas e crédito concedido para carne. Com relação à inserção do Brasil no mercado internacional de commodities, a Amazônia aparece em destaque, devido à expansão das atividades agropecuárias, especialmente da produção de soja e de carne bovina. A criação de gado e o cultivo da soja em larga escala têm influência direta na quantidade de áreas desmatadas na região. Quando há uma valorização dessas commodities no mercado mundial, a tendência é que mais áreas sejam desmatadas para a ampliação dessas atividades e aumento das exportações. No Brasil, o agronegócio tem sido o grande responsável pelo bom desempenho da balança comercial nos últimos anos. A crítica que se faz sobre o assunto, no entanto, pauta-se sobre o aspecto da conservação, uma vez que a referida arrecadação de divisas, gerada pelo atual modelo do

agronegócio, tem aumentado a degradação ambiental. Contudo, algumas políticas baseadas no Mercado – instrumentos econômicos e financeiros – foram aplicadas no Brasil: na cobrança pelo uso da água em bacias hidrográficas por volume e conteúdo poluente; na tarifa de esgoto industrial baseada no conteúdo de poluentes; na compensação financeira referente à exploração dos recursos naturais; na compensação fiscal por áreas de preservação e nas taxas florestais. Segundo Mendes e Motta (1997), a internalização do custo externo ambiental pode ser implementada com a adoção de mecanismos de comando e controle e de mecanismos de mercado, os quais foram considerados como complementares e não-excludentes. Nessa perspectiva, dois tipos de instrumentos econômicos poderiam ser considerados: incentivos que atuam na forma de prêmios (requerem um comprometimento de recursos do Tesouro) e incentivos que atuam na forma de preços (geram fundos fiscais). Os dois tipos de incentivos podem ser combinados. De acordo com os autores citados, os incentivos econômicos que atuam na forma de prêmios são basicamente o crédito subsidiado, as isenções de impostos e outras facilidades contábeis para efeito de redução da carga fiscal, enquanto os incentivos econômicos, via preços, são todos os mecanismos de mercado que orientam os agentes econômicos a valorizarem os bens e serviços ambientais de acordo com sua escassez e seu custo de oportunidade social. Em síntese, a cobrança, na sua forma mais simples, poderia ser realizada por um tipo de multa aplicada sobre o excesso de poluição ou uso de determinado recurso acima do padrão ambiental estipulado por Lei (MACHADO, 2009; MENDES; MOTTA, 1997). Ainda em complemento às considerações realizadas sobre os incentivos econômicos via preços, as suas principais vantagens seriam as seguintes: a geração de receitas fiscais e tarifárias por meio da cobrança de taxas, tarifas ou emissão de certificados; as diferenças de custo de controle entre os agentes e, portanto, alocação de formas mais eficientes dos recursos econômicos à disposição da sociedade; a possibilidade de que as tecnologias menos intensivas em bens e serviços ambientais sejam estimuladas pela redução da despesa fiscal, obtida em virtude da redução da carga poluente ou da taxa de extração; a anulação ou minimização dos efeitos das políticas setoriais a partir do uso de IEs; a possível evasão dos dispêndios em pendências judiciais para aplicação de penalidades e sistema de taxação progressiva ou de alocação inicial de certificados que poderiam ser efetivados segundo critérios distributivos em que a capacidade de pagamento de cada agente econômico seja considerada. Em resumo, o uso de IEs promoveria não só a melhoria ambiental como também a melhoria econômica, por conta de maior eficiência produtiva e equidade.

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Figura 1 Tributos Verdes no Brasil: Diferenciação Fiscal.

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Em outra análise, a aplicação de IEs para o controle da poluição do ar, especificamente, apresenta algumas particularidades em razão da natureza do meio físico e das características de dispersão dos poluentes. Sabe-se que a poluição do ar não se restringe a limites precisos, uma vez que a direção e a intensidade dos ventos variam substancialmente, levando-se em consideração a época do ano e a hora do dia, e ainda as variações relacionadas à altitude. Por esse motivo, a modelagem acurada da dispersão dos poluentes no ar torna-se extremamente complexa. Já em relação à poluição da água, que também apresenta particularidades a respeito da aplicação de medidas de controle, destaca-se a possibilidade de quantificar e observar os efeitos de boa parte das principais fontes de poluição, que poderia facilitar a aplicação do princípio poluidor-pagador. Os danos causados pela poluição das águas possuem uma abrangência mais restrita e, de certa forma, mais previsível. Parte-se do princípio de que as mais importantes fontes de poluição das águas são pontuais, o que permite o monitoramento e a modelagem da qualidade de forma mais acurada e com menores custos (STAVINS, 2001; MENDES; MOTTA, 1997; RIVA; FONSECA; HASENCLEVER, 2007). As políticas verdes, sejam elas baseadas no mercado, comando e controle ou resultados (green outcomes), devem estar direcionadas a incentivar, educar e responsabilizar todos os agentes econômicos. Ha mitos de que o mercado resolverá todas as questões ambientais. Para serem implantadas com maior eficiência, tais políticas precisam atender às questões socioeconômicas e ambientais de cada localidade. Estas são metas a serem cumpridas, pois de nada adianta a elaboração de “políticas verdes” se estas não forem claras, exequíveis, devidamente cumpridas e fiscalizadas. Do ponto de vista do mercado, o Brasil necessita ampliar urgentemente as Taxas de Efluentes, Sistemas de Depósito-Reembolso, Taxas de Utilização, Impostos sobre Prêmios de Seguros, Vendas e Impostos Sobre Valor Agregado, Taxas Administrativas, Diferenciação Fiscal, Sistemas de Licenças Negociáveis e Programas de Informação. No contexto do mundo contemporâneo, cada vez mais globalizado e interdependente, o Brasil não pode continuar excluindo a problemática ambiental da sua agenda política. Cabe ao governo criar instrumentos econômicos correspondentes à realidade brasileira e promover a sua assimilação pelo mercado numericamente amplo, mas ecologicamente deficiente. Segundo a socióloga Moema Viezzer (2003), “Para o Brasil, que detém 50% da biodiversidade do mundo e tem um patrimônio em recursos de biodiversidade na ordem de mais de dois trilhões de dólares... o tempo é agora!” Visto que poucas mudanças sérias têm ocorrido no âmbito da gestão ecológica no País, essas palavras, ditas há mais de uma década, adquirem especial importância nos dias de hoje.

Referências Bibliográficas GENTIL, Valéria. O Esverdeamento da Economia e os Tributos Verdes: um duro caminho rumo à sustentabilidade da gestão dos resíduos sólidos urbanos. Tese (Doutorado) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2013. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. MENDES, Francisco Eduardo; MOTTA, Ronaldo S. da. Intrumentos Econômicos para Controle Ambiental do Ar e da Água: uma resenha da experiência internacional. Rio de Janeiro: IPEA, 1997. (Texto para Discussão; n. 479). MENKES, Mônica. Eficiência energética, políticas públicas e sustentabilidade. Tese (Doutorado) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2004. MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012. PEREIRA, Jaido Santos. Instrumentos para Gestão Ambiental. Porto Alegre: Ministério da Educação e Cultura. Instituto de Pesquisas Hidráulicas, 1999. PORTUGAL, N. S., REYDON, B. P., PORTUGAL JÚNIOR, P. S. A Sustentabilidade Ambiental como Direcionador Estratégico ao Processo de Reindustrialização no Brasil. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, 2012. SEROA DA MOTTA, R.; RUITENBEEK, J.; HUBER, R. Uso de instrumentos econômicos na gestão ambiental da América Latina e Caribe: lições e recomendações. Rio de Janeiro, IPEA: 1996. (Textos para Discussão; n. 440). STAVINS, R. Experience with Market-Based Environmental Policy Instruments. In: THE HANDBOOK of Environmental Economics, oct. 2001. RIVA, A. L. M.; FONSECA, F. L. L.; HASENCLEVER, L. Instrumentos econômicos e financeiros para a conservação ambiental no Brasil: uma análise do estado de arte no Brasil e no Mato Grosso, desafios e perspectivas. São Paulo: Instituto Socioambiental (ISA), 2007. 138 p. VARIAN, Hal R. Microeconomia: Princípios Básicos, uma abordagem moderna. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2006. 807 p. VIEZZER, Moema. Apresentação. In: SHIVA, Vandana. Monoculturas da Mente: Perspectivas da Biodiversidade e da Biotecnologia. São Paulo: Gaia, 2003.

Valéria Gentil Almeida [email protected]

Doutora e Mestra em Desenvolvimento Sustentável Phd Visiting Student at Johns Hopkins University Economista e Especialista em Metodologias Quantitativas Avançadas Assistente de Pesquisa IV do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Professora, Pesquisadora e Consultora.

Marcelo Teixeira da Silveira [email protected]

Economista e Mestre em Gestão Econômica do Meio Ambiente Técnico de Pesquisa Cooperado à Ecooideia Associado à CORECON-DF e Sociedade Brasileira de Economia Ecológica Professor, Pesquisador e Consultor. Áreas de atuação: Desenvolvimento Sustentável, Economia dos Recursos Naturais, Florestais e Sociais

Fernando de Faria Siqueira Introdução A recente crise internacional e a lenta recuperação dos países centrais colocaram novamente no centro do debate econômico internacional diversos temas e questões que estavam, pelo menos desde o Consenso de Washington, circunscritos em grande medida ao debate acadêmico heterodoxo. Dentre estes, a discussão sobre os impactos macroeconômicos da distribuição de renda é particularmente estimulante sob uma ótica latino-americana, cujas economias se caracterizam por persistente iniquidade de renda e oportunidades (CEPAL, 2010). A viabilidade de estratégias de crescimento elevado e sustentado baseadas em maior participação dos salários na renda tem sido defendida por importantes instituições multilaterais. O Trade and Development Report, 2010 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) traz, por exemplo, uma seção intitulada “políticas de renda para crescimento conduzido por salários” onde se argumenta que “development strategies based on wage-ledgrowth have a potential to maximize increases in output, productivity and employment” (UNCTAD, 2010). A mesma linha de argumentação destacando a relação entre salários e crescimento econômico está presente no documento de 2011, onde se sugere que a dificuldade das economias desenvolvidas de sair da crise pode ser parcialmente explicada pelo descompasso entre o crescimento dos salários e da produtividade, de modo que “wage-earners can no longer afford to purchase the growing output, and the resultant stagnating domestic demand is causing further downward pressure on prices and wages, thus threatening a deflationary spiral” (UNCTAD, 2011). É interessante observar, ainda, que esse posicionamento exemplificado acima vem sendo fundamentado na extensa literatura sobre modelos acerca do crescimento e da distribuição. O objetivo central desses modelos é analisar como a distribuição funcional da renda afeta o nível da demanda agregada e, consequentemente, a taxa de crescimento econômico dos países. Como destaca Blecker (2002), esses efeitos nem sempre apontam a mesma direção, podendo, inclusive, variar a depender tanto da fonte

de mudança da distribuição quanto da estrutura da economia em questão. Em termos teóricos, portanto, a questão principal é construir um modelo e determinar as condições paramétricas sob as quais vigora um regime de crescimento wage-led (quando um aumento da participação dos salários na renda gera impacto positivo sobre crescimento) ou profit-led (quando esse aumento gera um impacto negativo). Entretanto, na perspectiva da definição de estratégias de crescimento nacionais, a questão central é determinar empiricamente qual o tipo de regime de crescimento vigora em determinada economia. Nesse contexto, este trabalho procurará contribuir para esse debate ao estimar, para o caso brasileiro, um modelo de crescimento que incorpore não somente distribuição funcional da renda como também ganhos de produtividade. Além disso, um objetivo secundário é construir séries trimestrais por métodos de desagregação temporal, de modo a auxiliar o exercício econométrico. Também em um plano secundário, procurou-se fazer um breve relato sobre os modelos teóricos relevantes ao tema e expor, de maneira mais detalhada, o arcabouço teórico de dois modelos essenciais para a análise empírica: Bhaduri e Marglin (1990) e Naastepad (2006). Por ser um breve resumo da monografia, limita-se a análise aqui aos resultados do modelo estimado e conclusões tiradas. O trabalho completo engloba a literatura teórica e empírica, considerações com relação à base de dados e propriedades do modelo VAR teórico e estimado.

O modelo empírico A maneira pela qual os modelos de distribuição funcional da renda e crescimento econômico foram testados empiricamente pode ser dividida em dois grupos no que concerne à estratégia de estimação. A primeira tem como característica a estimação dos parâmetros a partir de equações individuais, tendo em vista que existe alguma relação algébrica entre os coeficientes obtidos das mesmas (originada da derivação de um modelo teórico preestabelecido), as conclusões

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Distribuição funcional da renda, ganhos de produtividade e crescimento econômico: uma análise empírica para o caso brasileiro no período 1995-2009

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serão tomadas com base nessa “fórmula agregada”. A segunda consiste em considerar a simultaneidade na determinação das variáveis, tendo como técnicas comuns equações simultâneas e VAR. A estimação de equações separadas foi utilizada pela própria Naastepad (2006), cujo modelo teórico é considerado referencial no presente trabalho. Entretanto, tal técnica não foi adotada aqui por três motivos principais. Primeiro, os dados referentes à taxa de poupança dos trabalhadores em base trimestral seria de difícil obtenção, melhor dizendo, a inexistência dos mesmos exigiria algum método de estimação não trivial. Segundo, não é possível obter intervalos de confiança para o resultado de operações algébricas obtidas por parâmetros provenientes de diferentes equações estimadas. Assim, não se pode testar a significância da condição a ser analisada. Além desses problemas do método de equações separadas, Sims (1980) ainda destaca que “a razão para reenfatizar os perigos da especificação de uma equação de cada vez em um extenso modelo vai no sentido de que as distinções entre equações em macromodelos são normalizações, ao invés de verdadeiras distinções estruturais, o que não tem recebido muita ênfase” (tradução dos autores). Terceiro, o propósito deste trabalho é obter uma resposta de como se movimenta a economia brasileira no curto prazo em relação à distribuição entre lucros e salários. Como destacam Hein e Tarassow (2010), modelos que adotam equações separadas tendem a captar efeitos de médio a longo prazos, enquanto outros como Barbosa-Filho e Taylor (2006) buscam retratar dinâmicas de curto prazo. Nesse sentido, a metodologia VAR se mostra adequada aos objetivos mencionados. Em concordância com o que foi argumentado nesse parágrafo, Sims (1980) faz a seguinte afirmação acerca do VAR: “claramente o comportamento de longo prazo desse sistema é desprovido de sentido, embora sobre qualquer outro horizonte de tempo razoável de previsão econômica, o sistema é consideravelmente bem comportado” (tradução dos autores). Existem duas perguntas principais que se deseja responder neste trabalho: primeiro, qual o impacto sobre a taxa de crescimento do PIB produz um aumento da participação dos salários na renda, isto é, a economia segue um padrão de crescimento wage-led ou profit-led. Segundo, existe uma relação de Kaldor-Verdoorn persistente na economia brasileira? As respostas serão traçadas com base nas funções de impulso-resposta. Resumindo, será dado um choque nas inovações ortogonais das variáveis em questão e o caminho resultante das séries será determinado de acordo com o ajuste do modelo (através a decomposição de Cholesky). Assim feito, basta verificar a trajetória da

resposta, quão significante em termos estatísticos ela é, em quantos períodos o efeito converge para zero, etc.

Dados Três variáveis foram utilizadas no modelo VAR: PIB real, produtividade no setor industrial e participação dos salários na renda. As séries foram todas dessazonalizadas e foram transformadas em taxa de crescimento de trimestre para trimestre para inclusão no modelo empírico.

PIB real A série do PIB trimestral utilizada foi obtida das Contas Nacionais Trimestrais do IBGE, tendo o PIB a preço de mercado com preços encadeados de 1995 como variável em questão. Ao trabalhar com séries trimestrais, recomenda-se o procedimento de dessazonalização das mesmas. Como é o mais empregado, aplicou-se, então, o ajuste ARIMA X12.

Wage-share Os dados de alocação da renda primária estão disponíveis em frequência anual pelas Contas Nacionais do IBGE; entretanto, inexiste a disponibilidade de tais dados para base trimestral. A necessidade de maiores informações para o exercício empírico levou à adoção de técnicas de desagregação temporal: as séries anuais foram extrapoladas em séries trimestrais, tendo como referência um indicador trimestral de alta correlação com a variável em questão. Ou seja, a série trimestral de participação da renda do trabalho no produto total pode ser estimada considerando que as flutuações de curto prazo seguem os movimentos da variável disponível em base trimestral. O método de desagregação temporal utilizado foi de acordo com Denton (1971), com modificações nas condições iniciais seguindo as contribuições de Cholette. A série anual de remuneração dos trabalhadores mais rendimento misto foi desagregada pela técnica de Denton-Cholette, tendo como indicador de alta

Produtividade Assim como para o caso do wage-share, não se encontra disponível uma série trimestral para a produtividade da indústria como foi definida. Isto porque o total de ocupados da indústria é reportado apenas anualmente, o valor agregado, entretanto, é divulgado em frequência trimestral, inclusive em termos reais (preços de 1995). Portanto, viu-se necessário recorrer à técnica de desagregação temporal mais uma vez. Nessa ocasião, deseja-se estimar uma variável de estoque, isto é, o total de ocupados na indústria em um ano não se iguala ao somatório do total de ocupados dos trimestres. Desse modo, a restrição de igualdade do benchmarking é que a média dos trimestres se iguale ao valor anual. Resumindo, a série anual do total de ocupados da indústria foi decomposta em uma série trimestral, tendo como referência a série encadeada da população ocupada da PME. Tem-se, então, a produtividade do trabalho no setor industrial: basta dividir a série do valor agregado da indústria a preços de 1995 das Contas Nacionais Trimestrais pela série estimada de ocupados na indústria.

Resultados do VAR Os vetores autorregressivos tiveram como variáveis endógenas PIB real, produtividade do trabalho no setor industrial e wage-share, sendo que todas as três estão em taxa de crescimento do trimestre com relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Adicionou-se uma variável de termos de troca (TT) como variável exógena. A ordem do VAR foi escolhida a partir dos critérios usuais: enquanto AIC e FPE indicam 5 defasagens, HQ e SC indicam apenas 1. Pensando em consumo de graus de liberdade em um modelo com 56 observações para cada série, a escolha de uma defasagem apenas se vê a mais interessante de fato. A condição de estabilidade do VAR exige que as raízes do polinômio característico estejam dentro do círculo unitário. O VAR (1) estimado tem como raízes 0,5878, 0,4402 e 0,1784, obedecendo, então, o critério especificado acima. Com a inclusão de TT como variável exógena, as raízes se tornam 0,521 0.521 e 0,1176. Um choque na variável afeta diretamente não apenas a si mesma, mas também a todas as outras variáveis endógenas no modelo através da estrutura dinâmica do VAR. A função de impulso resposta delineia o efeito desse choque de uma das inovações em um momento do tempo sobre o valor presente e futuro das variáveis do modelo. Ajustando esse método ao que se interessa testar neste trabalho, as FRIs acabam por representar em um simples gráfico certos detalhes do comportamento macroeconômico da economia brasileira. Estes permitem a caracterização do padrão de crescimento econômico vigente e base para formação de políticas públicas.

O que foi desenvolvido até aqui permite dar uma resposta para o seguinte questionamento: qual o impacto de uma redistribuição da renda primária dos lucros para os salários? De acordo com a figura acima esse impacto é negativo. Ou seja, uma redistribuição pró-salários tem impactos perversos sobre a taxa de

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frequência a massa salarial nominal e tendo como restrição de igualdade que a soma dos valores estimados trimestrais igual ao valor anual. Dividiu-se, então, essa série pelo valor agregado nominal trimestral das Contas Nacionais do IBGE, de modo a obter a estimativa do wage-share trimestral.

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crescimento do PIB brasileiro. A resposta da taxa de crescimento do PIB atinge seu ponto mínimo próximo a -1,00 p.p. no segundo trimestre após o choque. Como indica a borda superior do intervalo de confiança, a resposta de pib é estatisticamente significante do primeiro ao terceiro trimestre após o choque em ws. O efeito deste converge para zero a partir do oitavo trimestre. As funções de impulso resposta permanecem praticamente inalteradas quando a variável exógena TT é incluída no modelo.

Ao longo da exposição teórica, foi reafirmado por diversos autores da importância da expansão dos mercados como meio de aceleração da divisão do trabalho. Em outras palavras, a relação de Kaldor-Verdoorn é defendida por muitos teóricos, será que essa relação é empiricamente válida para o Brasil no período pós-estabilização monetária? A figura acima revela que sim: um choque em 1 desvio-padrão no PIB causa um aumento em aproximadamente 2,5 p.p. instantaneamente, ao passo que o impacto já deixa de ser significativo a partir do segundo trimestre. Mais uma vez os resultados, ao incluir os termos de troca no modelo, mudam pouco para o caso da produtividade como resposta. No trabalho completo, são incluídos os testes de autocorrelação, heterocedasticidade, normalidade, assim como as demais funções impulso-resposta, análises de decomposição da variância e causalidade de Engle-Granger.

Conclusões Os resultados encontrados pelas funções de impulso-resposta do VAR apontam uma direção

contrária à hipótese inicial que se tinha sobre distribuição funcional da renda e crescimento econômico, isto é, presumia-se que o regime de crescimento brasileiro seria conduzido pelos salários: entretanto, os resultados dão indícios de que o padrão é, na verdade, profit-led. Por outro lado, corrobora-se a ideia de causação cumulativa na visão original de Kaldor: a taxa de crescimento do produto de fato afeta positivamente a taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Uma consideração que merece destaque é que, neste trabalho, olhou-se apenas para a distribuição primária da renda, i.e., os efeitos das transferências governamentais sobre o crescimento do PIB, alavancado prioritariamente pelo consumo, por exemplo, não podem ser analisados. É possível que o padrão de crescimento se torne wage-led quando se reestima o modelo com novos dados concernentes à distribuição da renda. É importante abolir a preconcepção de que distribuição funcional da renda e distribuição de renda são a mesma coisa. Como mostra Bastos (2012), o Brasil apresentou, no período de 1995 a 2003, avanços na distribuição da renda pessoal devido à queda do índice de Gini, mesmo que a participação dos salários no produto total tenha caído 6 p.p. nesses oito anos. Dessa forma, defender uma linha de políticas pró-lucros para o Brasil não implica ter uma disposição em aceitar uma pior distribuição de renda. Tendo em vista os resultados deste trabalho, a implicação de política pública seria a de uma posição governamental em favor dos lucros. Uma maior flexibilidade de leis trabalhistas, menor burocratização para a atividade empresarial, política tributária favorecendo as firmas, por exemplo, seriam maneiras de contornar os obstáculos ao crescimento econômico sob o ponto de vista aqui adotado. Outra lição de política que poderia ser tirada é no sentido de explorar o potencial de ganhos advindos do comércio exterior que ainda existe no Brasil. O fato de a economia ser puxada pelos lucros ressalta que o ambiente macroeconômico é propício para políticas que visam reduzir os custos das empresas exportadoras. As políticas adotadas principalmente após 2002 teriam seus efeitos otimizados, caso a economia brasileira seguisse um padrão de crescimento do tipo wage-led. Como foi encontrado neste trabalho resultados na direção contrária, seria conveniente existir uma preocupação maior por parte dos formuladores de políticas com relação às questões de distribuição funcional da renda. Concluindo, a contribuição deste trabalho vai no sentido de constituir um esforço inicial a favor da aplicação de modelos econométricos para o Brasil sobre distribuição funcional da renda, ganhos de produtividade

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Fernando de Faria Siqueira

DENTON, F. T. Adjustment of Monthly or Quarterly Series to Annual Totals: An Approach Based on Quadratic Minimization. Journal of the American Statistical Association, American Statistical Association, v. 66, n. 333, p. 99-102, 1971.

Graduado pela Universidade de Brasília, ex-bolsista do PET- Economia UnB e do Ipea (Dimac), atualmente mestrando em Teoria Econômica pela FEA-USP.

[email protected]

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e crescimento econômico. Procurou-se, também, contornar os obstáculos dos dados adotando métodos de obtenção de séries de alta frequência que dão suporte à analise empírica. Por fim, com respaldo no que foi apresentado ao longo do texto, foram feitas análises da economia brasileira contemporânea e expostas ideias sobre em quais direções se contribuiu para o debate do crescimento econômico.

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ARTIGO Gestão Pública e Qualidade José Eustáquio Moreira de Carvalho José Airton dos Santos Monteiro

“Talvez a regra principal na administração e prestação de serviços seja: conheça o seu cliente.” Karl Albrecht

Quando o assunto é Qualidade, o cliente é o rei. É ele que define desde o início do processo, em alguns casos até na criação do produto ou serviço, e é o juiz que decide sobre o sucesso ou não, quando o produto ou serviço chega ao mercado. Claro que esta definição e prática só existem na gestão das organizações privadas e, ainda assim, não é tão universalmente adotada. Exemplos não faltam quando analisamos essas organizações sob a ótica da competitividade. Embora sejam muitas as semelhanças entre o setor público e o setor privado, mesmo que a aparência física entre um e outro não leve à percepção de grandes diferenças, ao se analisar “conceitos e usos” ver-se-á que eles estão separados por um grande abismo. Em especial quando se tratam de cliente, competitividade, compromisso, servidor e valor. Nesta ordem será tratado cada um dos temas.

Quanto vale o Cliente?

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Nas organizações privadas, já se viu que é ele quem “manda”. Mas e nas organizações públicas, quem ele é e como é tratado pelos “servidores”? A partir de um posicionamento muito cômodo, as organizações públicas costumam definir a sua clientela como: “povo”, “a sociedade”, “o cidadão”, sem importar muito o perfil, a descrição, as necessidades e as feições de cada um. Em programas de qualidade, o cliente é sempre uma pessoa individualizada, com características e necessidades próprias, reconhecida, atendida preferencialmente como se fosse a única no mundo. O ente abstrato é mercado, semelhante a reduto eleitoral. A ideia de servir a todos, igualmente, pode ser muito bonita em manuais. O serviço deve e tem que ser diferente, porque as pessoas são diferentes e têm necessidades (inclusive na forma de atendimento) diferentes. Essas questões de “igualitarismo” no serviço público deram sempre margem a servir mal a todo mundo (com exceções, é claro). Costuma-se dizer, nos programas de qualidade, que não é bastante satisfazer o cliente, é preciso deixá-lo deslumbrado, surpreso no bom sentido. Dessa forma, todas as estratégias e características da prestação de serviços, da produção de bens e das ações do marketing em um programa de qualidade no serviço público deveriam estar voltadas para o deslumbramento do cliente, para que ele volte, divulgue e deseje repetir a experiência positiva por que passou. Imagine quão ridículo seria

esse cliente em relação à maioria dos serviços públicos. O serviço público trabalha, ou deveria trabalhar, com as necessidades básicas do cliente: o que ele realmente precisa. O cliente não está interessado, embora seja a sua real necessidade, em saber de onde vem a energia que ilumina a sua casa, refrigera os seus alimentos ou o seu sono ou traz o mundo para a sua sala. Se o serviço público produz, exatamente, esses e outros tipos de “serviços esquecidos e essenciais”, como devem ser montadas as estratégias de atendimento e satisfação do seu cliente? O que o cliente espera do serviço público? É vantajoso, para ele, que o cliente retorne? Como deve ser o direcionamento do marketing e a sua temática? A relação entre cliente e organização pública é bastante diferente da relação entre cliente e organização privada, sem deixar de ser cliente e sem mudar a relação de parceria. Como responder às perguntas e tratar essas diferenças são dois dos mais importantes “nós” para serem desatados antes de se buscar a implantação de processos de qualidade no serviço público. Especialmente quando se estiver vivendo em períodos pré-eleitorais, onde o cliente é o eleitor e o valor dele é expresso em voto.

Com é tratada a Competitividade? Não há dúvida que a gestão focada na Qualidade gera vantagem competitiva. Essa vantagem mobiliza toda organização em busca da excelência. A vantagem competitiva atrai clientes e consolida seu relacionamento; estimula o desenvolvimento de tecnologias de produção de bens e de prestação de serviços; aumenta os lucros, a partir da quantidade e não dos preços. Esta é uma característica que não existe, ou pelo menos não deveria existir nas organizações da área pública. O Serviço Público não tem concorrente e não deve haver competição com o setor privado. Não fica bem para qualquer organização competir com os seus clientes. O Serviço Público é, por definição, monopolista, caracterizando-se como um monopsônico. O cliente não tem o direito de escolher – o que gera, de saída, uma antipatia – além do mais, não se corre atrás do lucro para aumentar o capital; não busca o aumento de vendas e sim o atendimento de necessidades controladas; o desenvolvimento de novas tecnologias deve estar submetido às necessidades e potencialidades de crescimento do País e não à necessidade de sobrepujar os concorrentes.

Quem se compromete? É sabido que os altos dirigentes dos órgãos públicos e, às vezes, gerentes de “linha” e até mesmo chefes de serviços são muito vulneráveis a pressões externas, humor dos políticos, diferenças partidárias, mudanças de governo ou de dirigentes. Essa “vulnerabilidade” transporta o compromisso que eles deveriam ter com a organização para outros interesses nem sempre condizentes com a tarefa a ser executada, com os objetivos a serem atingidos ou com o cliente a ser atendido. Em princípio, a ausência de compromisso da alta direção das organizações com a implantação de programas de qualidade e produtividade torna inviável qualquer tentativa. Pelo menos é isso o que acontece no setor privado. Mas, como exigir compromisso de alguém que está ali de passagem? Que tem a sua permanência condicionada à caneta do governante ou “pressões sociais” vindas não se sabe de onde, por quais motivos e servindo a que interesses? Como minimizar esse “problema”? Onde situar o compromisso com a Qualidade na gestão dos órgãos públicos? São questões ainda por responder. E nelas residem, certamente, as diferenças fundamentais entre a Gestão Pública e a Gestão Privada e que, muitas vezes, os autores e consultores da área não têm levado em consideração na sua verdadeira dimensão. E mais, esse é um problema que só o setor público conhece.

Quem é o Servidor? “Se há algo que um servidor público detesta fazer é servir o público”1 Quando Jan Carlzon (2005) descreveu sua experiência em programas de qualidade em serviços e criou o termo “a hora da verdade”, ele retratou, sem ter a intenção, a antítese da realidade do relacionamento usuário x servidor da área pública: “Se orientarmos a companhia para o atendimento ao cliente”, diz ele, “não podemos confiar em manuais de normas e instruções redigidas em distantes escritórios administrativos”. 1 Frase atribuída a Cyril N. Parkinson, formulador da Lei de Parkinson.

Se a cada problema, o cliente tiver que ser tratado por meio de um circuito burocrático e de um complexo fluxo de decisões, a “hora da verdade” se transformará em meses de mentiras. Sem delegação de responsabilidades e sem autonomia dos funcionários, não pode haver um bom, rápido e eficiente serviço. Na área privada, há uma relação de parceria entre o “provedor de serviço” e o “cliente”: entre o cliente e o garçom; entre o comprador e o balconista; entre o hóspede e o recepcionista. Um quer adquirir e o outro fornecer; um quer comprar e outro vender. Essa troca de interesses produz, ou deveria produzir um relacionamento positivo. “O vendedor é um provedor de serviço e não um servidor, título que o colocaria numa posição humilhante de quem estaria obrigado a servir. Essa posição de subserviência redundaria em indiferença, desatenção, falta de cortesia e desdém com os clientes”, alerta Franco D’Egidio em sua obra “The Service Era – Liderança em um Ambiente Global” (1990). Quanto às condições de trabalho do servidor público, Ian Taylor e George Popham, em “An Introduction to Public Sector Management” (1989), observam: “O gerente na Adminisdtração Pública, por sua vez, é obrigado a operar em permanente estado de crise e de urgência, tentando fazer o melhor (nem sempre o mais desejável ou efetivo) com as precárias condições que lhe são oferecidas”. Diante disso, para definir quem é o servidor, surgem outras duas questões cruciais: 1) Como viabilizar um programa de qualidade que mobilize os funcionários e dê aos gerentes o seu verdadeiro papel?; 2) Como dignificar o papel e a função do funcionário/servidor tornando-o um provedor de serviços?

Como se entende o Valor? Em Qualidade, fala-se muito em valor. Valor que é agregado ao bem ou ao serviço: valor adicionado ao processo; valor na percepção da necessidade do cliente – vantagem competitiva; valor na redução de desperdício; valor do trabalho, da criatividade, da imaginação e do conhecimento. O conceito de valor na Gestão Pública é pouco discutido e, às vezes, bastante distorcido: “isso não vale um voto”. Se por um lado, alguns acham que num cidadão alfabetizado, saudável e satisfeito não há dinheiro que pague, por outro lado, para se conseguir esse “nível de bem-estar” é preciso um nível de recursos considerável, proveniente desses mesmos cidadãos que estão reclamando bastante do pouco “valor” dos serviços públicos e do mau uso de seus investimentos (impostos). O valor do dinheiro, de forma geral, só preocupa as organizações públicas quando ele falta. Normalmente, dá-se muito valor a atividades pomposas e inúteis, que de nada servem ao cliente. O servidor, muitas vezes, é o único que considera seu trabalho de valor. O usuário/cliente, por

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Com a ausência da competitividade, qualquer programa de melhoria dos serviços públicos, com foco na Qualidade Total, perde um de seus principais estimuladores, tanto para gerentes (retira deles o motivo da batalha) como para os servidores que terminam sem entender “para que estão ali”e, até mesmo, para os governantes que, não percebendo muita utilidade em grande parte dos órgãos, ou os deixam na inanição ou entram numa guerra que não tem fim nem vencedor. Assim, buscar outros fatores de mobilização e participação que substitua a competitividade é mais um desafio que se apresenta para o engajamento e comprometimento da força de trabalho da administração pública.

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sua vez, acha que o serviço não vale nada. Essa dicotomia deixa bastante explícito o distanciamento entre fornecedor e cliente em nossas organizações públicas. Há pouca preocupação com o custo dos processos e uma persistente busca de controles que já não controlam mais nada. Como não há padrões, tudo que é feito pode ser visto como ótimo ou péssimo. A burocracia se engorda com normas, papéis e formulários inúteis que tornam o trabalho moroso, caro e irritante. As leis, decretos e portarias, emitidas por todos os poderes e que servem de desculpas para os servidores, nascem e são sugeridos pelos próprios órgãos, ansiosos em concentrar e acumular papéis: no duplo sentido da palavra. Como recuperar o conceito de valor na Administração Pública? Um valor que seja reconhecido e a sociedade esteja disposta a pagar por ele? Um exemplo que pode ser usado é o japonês. Hakan Hedberg (1970) relaciona entre os principais fatores da decolagem (take off) do Japão, o papel do Estado Japonês que, apesar de sua forte presença, deu bons resultados pela íntima e eficiente relação com o comércio e a indústria. Os funcionários públicos japoneses influenciavam muito a direção da economia nos planos quinquenais do País, que eram flexíveis e orientadores, incentivando e ajudando o setor privado. “Os funcionários públicos eram sensíveis aos problemas dos clientes e isso gerou um clima de confiança e parceria”, ressalta Hedberg. No caso do Brasil, este tipo de comportamento do setor público nos remete a, pelo menos, três questões básicas: 1) Como inventar essa parceria entre o setor público e o setor privado e reduzir o atual clima de desconfiança e tensão existente?; 2) Como redirecionar e dar credibilidade às nossas organizações? 3) Como e por onde começar?

estudos mais aprofundados e fossem rediscutidos com outros grupos, outras organizações e, até mesmo, com pessoas de fora da área pública (seus clientes) recebendo críticas, sugestões de novas formas de se observar o problema e, por que não, propostas de novas estratégias de atuação. Não há uma solução única e nem tampouco uma receita pronta para as questões postas. Mas, sem dúvida nenhuma, dessa forma será possível construir muitas coisas diferentes e positivas, permitindo que a Gestão Pública Brasileira venha a exercer um papel digno perante a sociedade que, com certeza, anseia por isso. Finalmente, um alerta: é preciso que, tanto a análise como as decisões dela decorrentes ocorram em curto prazo, pois, segundo Karl Albrecht (1992), “os servidores públicos, da alta direção ao menos graduado na escala de poder das organizações, farão isso (priorizar a Qualidade) somente se seu sistema de valores pessoais proporcionar um motivo para a ação. E isso realmente é muito raro.” No caso brasileiro, suspeita-se que esta raridade seja muito maior, pois Albrecht fez a sua constatação analisando a administração americana.

Referências Bibliográficas ALBRECHT, Karl. Revolução nos Serviços. São Paulo: Pioneira, 1992. CARLZON, Jan. A Hora da Verdade. Rio de Janeiro: Sextante, 2005. D’EGIDIO, Franco. The Service Era – Liderança em um Ambiente Global. New York: Productivity Press, 1990. HEDBERG, Hakan. O Desafio Japonês. São Paulo: Lia, 1970. TAYLOR, Ian; POPHAM, George. An Introduction to Public Sector Management. Andover, GB: Cengage Learning EMEA, 1989.

Conclusão

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Neste contexto não dá para acreditar no sucesso de tentativas, pura e simples, de adaptação da tecnologia da Gestão da Qualidade Total, ou qualquer outra, utilizada no setor industrial ou de serviços da área privada, sem aprofundar a análise das características e dos conceitos arraigados no Serviço Público. A não ser que se queira provocar outra grande frustração em quem está propenso a renovar, criar mais um gasto desnecessário do dinheiro público e, pior ainda, mais uma comprovação de áreas de inutilidade, de ineficiência e de despreparo dos servidores públicos. A análise que se propõe não poderá ficar restrita aos gabinetes de assessores de planejamento ou à decisão de dirigentes, por mais iluminados que sejam. Uma análise, a partir da discussão, é levada a efeito junto a todos os locais de trabalho da administração direta, fundações, autarquias, empresas públicas e empresas estatais. Também seria bastante conveniente que os resultados advindos merecessem, posteriormente,

José Eustáquio Moreira de Carvalho [email protected]

Economista, Especialista em Finanças, Gerente Geral de Negócios da C & P Empreendimentos, Consultoria e

José Airton dos Santos Monteiro [email protected]

Filósofo, professor e consultor em Educação de Tempo Integral e Qualidade Total, Recife, PE. Autor dos livros “Qualidade Total no Serviço Público” e “Reengenharia Organizacional”, editora QA & T, 1991 e 1994, Brasília.

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ARTIGO A abordagem multissetorial de Políticas Sociais para a natureza multifacetada e multidimensional da pobreza: a experiência do Plano Brasil Sem Miséria Paulo Jannuzzi

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Introdução Conhecer as características socioeconômicas e demográficas dos públicos-alvo das Políticas Sociais é uma condição necessária, ainda que não suficiente, para garantir a efetividade das mesmas. Afinal, os programas sociais são propostos para mitigar ou solucionar questões que afetam segmentos populacionais com perfis e vulnerabilidades específicos. Mais detalhado e atualizado o diagnóstico do público a atender, mais preciso o desenho da intervenção social a implementar. Essa assertiva é ainda mais importante na formulação de estratégias voltadas à superação da pobreza, dada sua natureza multifacetada, dispersa e multideterminada no Brasil. De fato, como revelam diversos estudos realizados nos últimos 30 anos, os pobres compõem-se de subgrupos populacionais sujeitos a diferentes vulnerabilidades sociais no meio rural e urbano. Entre os pobres há contingentes significativos de famílias residentes em áreas mais remotas na Região Norte, de difícil acesso e oferta de serviços públicos, como os quilombolas, indígenas e ribeirinhos; pelo país, há famílias de pequenos agricultores sem recursos para autossustento e meios para produção de alimentos; no Semiárido Nordestino, há famílias de trabalhadores rurais que, parte do ano, migram em busca de trabalho na colheita da cana de açúcar, milho, arroz, frutas e café em diferentes cidades do Centro-Sul. Nessas localidades e em todas as capitais e grandes cidades brasileiras, entre os pobres encontram-se trabalhadores desempregados, demitidos de ocupações sem vínculo formal de emprego que lhes poderia assegurar o seguro-desemprego; trabalhadores analfabetos ou de baixa escolaridade, de meia idade, inseridos em ocupações de baixa remuneração, sem regularidade, sem carteira ou sustentando-se como conta-própria. Entre os pobres há, ainda, famílias com crianças ou idosos com deficiência ou saúde precária, mães com

filhos pequenos sem acesso à creche ou pré-escola que lhes assegure as condições de reinserção no mercado de trabalho, famílias em desintegração e conflito pela violência, alcoolismo e dogradição, pessoas vivendo nas ruas ou em abrigos noturnos, pessoas discriminadas pela sua condição de gênero, cor/raça ou origem social. Em meio a tantas e diferentes vulnerabilidades sociais, as famílias pobres no Brasil padecem de dois riscos comuns: um deles, imediato e cotidiano, o da desnutrição de suas crianças e insegurança alimentar dos adultos, pela volatilidade e baixo nível dos rendimentos; outro, de médio prazo e estrutural, o risco da reprodução intergeracional da sua condição de pobreza, isto é, de que os filhos, quando adultos, se mantenham nas condições de vulnerabilidade social vivenciadas pelos seus pais, pelas múltiplas causas (ou dimensões determinantes) da pobreza como as deficiências de escolarização, acesso a serviços de saúde, de inserção antecipada ou precária no mercado de trabalho, entre outros. A abordagem multissetorial para a natureza multifacetada e multidimensional da pobreza Diferentes vulnerabilidades e diversas situações de pobreza requerem distintas estratégias de sua superação1. É nessa perspectiva de buscar soluções para esses traços marcantes, diversos e resilientes da pobreza no país que as Políticas de Desenvolvimento Social e Combate à Fome e as ações do Plano Brasil Sem Miséria vêm sendo implementadas ao longo dos últimos doze anos, buscando superar os vieses assistencialistas das campanhas de distribuição massiva de cestas de alimentos e as abordagens fragmentadas das ações em Saúde e Nutrição que caracterizaram a estratégia de combate à fome e pobreza nas últimas décadas do século passado2. Em que pese a contribuição de programas implantados dos anos 1970 aos 1990 – como a Merenda Escolar, a provisão de nutrientes e vitaminas pela rede de Atenção Básica de Saúde, a própria distribuição seletiva de cesta

1 Para discussão sobre diferentes perspectivas de conceituação/dimensionamento da pobreza e suas implicações em termos programáticos vide JANNUZZI, P. M. O Programa Bolsa Família e sua contribuição para redução da pobreza no Brasil. Revista Brasileira de Monitoramento e Avaliação, v. 4, p. 40-61, 2012. 2 Para breve histórico dessas políticas, vide JANNUZZI, P. M. As políticas de desenvolvimento social e combate à fome e seus efeitos sociodemográficos no Brasil: experiências para fortalecimento da agenda da CIPD. In: CAIRO+20: perspectivas de la agenda de población y desarrollo sustenible después de 2014. Rio de Janeiro: Asociación Latinoamericana de Población, 2014. v. 1, p. 55-67. Disponível em: .

de alimentos e leite a grupos populacionais específicos, o Comunidade Solidária – são os programas e ações desenhados e operados pelo Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) juntamente com estados, municípios e o fortalecimento das políticas sociais operadas por outros Ministérios – de natureza universal e os de cunho redistributivo – que têm acelerado os avanços sociais pelo país e, em particular, nas áreas tradicionalmente mais pobres e para os segmentos populacionais acima mencionados, públicos-alvo das Políticas do Ministério. A Estratégia Fome Zero e o Programa Bolsa Família, assim como a estruturação da rede socioassistencial pelo país, iniciativas gestadas e/ou operadas pelas secretarias nacionais do MDS foram componentes determinantes desse processo. O Plano Brasil Sem Miséria tem ampliado ainda mais o escopo dessa estratégia de combate à pobreza com a execução de mais de uma centena de ações setoriais em vários ministérios e com articulação federativa com estados e municípios. Partindo de um diagnóstico de pobreza multidimensional – a pobreza se revela por vários aspectos além da insuficiência de renda –, de pobreza multifacetada – os pobres compõem-se de muitos grupos diferentes, da população de rua ao agricultor familiar desassistido – e estruturado em três eixos de intervenção – Garantia de Renda, Acesso a Serviços e Inclusão Produtiva –, o Plano atua no sentido de implementar ações desenhadas para mitigar carências sociais específicas de segmentos populacionais mais vulneráveis e garantir-lhes acesso às políticas sociais estruturantes do nosso Sistema de Proteção Social. Nessa estratégia, não só o PBF vem passando por inovações importantes, como também o conjunto de outros programas do MDS e demais pastas sociais. Os resultados e impactos dessa estratégia interssetorial e federativa têm sido apontados por diferentes

pesquisas e relatórios. O livro de balanço de dez anos do Programa Bolsa Família traz um conjunto extenso de evidências do programa na melhoria do consumo alimentar e nível nutricional das famílias beneficiárias, assim como, em uma perspectiva mais ampla, dos impactos na saúde e educação, como atestam os indicadores antropométricos, mortalidade infantil, frequência à escola, evasão e desempenho escolar de crianças e adolescentes3. O Relatório de Acompanhamento de Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, publicado pelo IPEA, e o Relatório Indicadores de Desenvolvimento Brasileiro, organizado pelo Ministério do Planejamento, trazem dezenas de indicadores sociais que mostram os avanços sociais e também os desafios em diversas dimensões – renda, pobreza, mercado de trabalho, habitação, educação, saúde – ao longo das últimas décadas4. Dentre tantos indicadores e gráficos que poderiam ser mostrados, os dois apresentados nesse texto procuram sumarizar os avanços sociais nas últimas décadas: a redução da extrema pobreza monetária dentre os diversos públicos das políticas e a diminuição da pobreza multidimensional. Dados do Relatório do IPEA já citado mostram que a extrema pobreza, referida como a parcela da população vivendo com menos de 70 reais per capita (em valores de junho de 2011), caiu de 13,4% em 1990 para 3,6% em 2012, tendência essa que se observa em todos os segmentos populacionais analisados (por sexo, raça/cor, faixa etária, escolaridade, região, situação de residência). Entre os analfabetos, a pobreza extrema teria caído de quase 30% para 8% no período; evolução semelhante ao observado entre os residentes na zona rural e no Nordeste. Entre os negros, a pobreza extrema passou de 20% para 5% entre 1990 e 2012; entre crianças, de 0 a 6 anos, de 20% para 6% (Gráfico 1).

Gráfico 1: Evolução da extrema pobreza (monetária) por segmentos populacionais - Brasil 1990 e 2012

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Fonte: Relatório de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio/IPEA 3 Para conhecer com mais detalhes os resultados e impactos do Programa Bolsa Família, vide CAMPELLO, T.; NERI, M. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasilia, IPEA, 2013. Disponível em: e publicações. 4 Estes dois relatórios podem ser baixados nos portais do IPEA e MPOG, mas também estão no Portal de publicações da SAGI em www.mds.gov.br/sagi. 5 Vide relatório em www.pnud.org.br .

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Gráfico 2: Evolução da pobreza multidimensional – Brasil 2004 a 2012

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Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano/PNUD e microdados PNAD/IBGE

Dados do último Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD6 mostram que a pobreza, vista como privação de direitos sociais básicos ou de acesso a bens e serviços, como os considerados na computação no Indicador de Pobreza Multidimensional – escolaridade, frequência escolar, mortalidade infantil, eletricidade, água, moradia e ativos – também apresentou queda sistemática e significativa nos anos 2000, passando de 5,8% para 3,1% entre 2004 e 2012. Entre os severamente pobres nessa perspectiva, a queda teria sido de 1,6% para 0,5% (Gráfico 2). Tal tendência deixa claro que a estratégia adotada desde os anos 2000 de superação à pobreza no país não só envolveu ações importantes de transferência de renda como também de provimento de acesso dos diversos grupos vulneráveis já mencionados aos programas e serviços de educação, saúde, habitação e infraestrutura urbana.

À guisa de conclusão: a necessidade de continuar aprimorando as tecnologias de desenho e gestão de programas sociais A continuidade dos avanços proporcionados pela estratégia multissetorial de combate à pobreza adotada pelo Brasil certamente requer o aprofundamento dos diagnósticos sobre a natureza multifacetada dos públicos mais vulneráveis, de suas necessidades e suas

características e a sofisticação das estratégias de monitoramento e avaliação dos programas e ações voltados aos mesmos. Mais do que construir indicadores multidimensionais, o Ministério de Desenvolvimento Social tem investido na produção de um conjunto amplo de indicadores multitemáticos, produzidos a partir do Cadastro Único de Programas Sociais e da sua integração com registros de programas e sistemas de informação de outros ministérios e a partir da realização de pesquisas de campo6. O Cadastro Único, em sua sétima versão desde que foi criado, permite o registro de informações detalhadas sobre as características da moradia, atributos demográficos, escolaridade e trabalho de mais de 75 milhões de pessoas, com atualização de 75% das famílias a cada ano. Tem módulos de informação específicos para os distintos grupos populacionais vulneráveis já mencionados como os indígenas, quilombolas, população em situação de rua. Diversos parceiros do Plano Brasil Sem Miséria, nos três níveis de governo, têm realizado análises e extrações dessa base cadastral para identificar e localizar públicos-alvo de suas ações e programas nas três áreas de atuação do Plano, seja na transferência complementar de renda ao Bolsa Família que vários estados e municípios estão implementando, como também no provimento de acesso a serviços sociais e nos projetos de Inclusão Produtiva.

6 Os artigos dos números 17 e 18 da publicação Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate ilustram o potencial do uso integrado do Cadastro Único com outras fontes para elaboração de estudos avaliativos dos programas do MDS e Plano Brasil Sem Miséria.

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O cruzamento dessas informações com os registros de programas e ações do Plano Brasil Sem Miséria e de outros Ministérios, como os da Qualificação Profissional do Pronatec, o do Microempreendedor Individual, o de Fomento ao Agricultor Familiar, as bases de Intermediação de Mão-de-Obra, CAGED e RAIS do Ministério do Trabalho têm permitido não apenas monitorar o alcance quantitativo das iniciativas do Plano junto à população meta do Plano, como conhecer qual estratégia de Inclusão Produtiva se adequa melhor aos diferentes perfis de vulnerabilidade da população pobre e contextos regionais do país. Ademais desses instrumentos, o Ministério conta com pesquisas de avaliação e estudos avaliativos – mais de 60 desde 2011 – de seus programas e ações do Plano, valendo-se das mais variadas metodologias quantitativas e qualitativas. Cursos de formação no uso dessas informações e instrumentos estão sendo oferecidos por todo o Brasil para técnicos e gestores municipais, por meio de universidades pré-qualificadas, em parceria com os governos estaduais7. Essa tecnologia de desenho, gestão e produção de informações sobre os programas de Desenvolvimento Social e Combate à Fome tem sido fundamental ao longo dos últimos anos na adequação dos desenhos dos programas às múltiplas facetas da pobreza no país, assim como na estratégia de identificação e focalização dos mesmos. Tal esforço recebeu, inclusive, reconhecimento nacional como a conquista do Prêmio de Inovação em Gestão Pública conferido ao MDS em 2013 e o reconhecimento internacional do Banco Mundial, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, entre outros8. O Relatório de Desenvolvimento Humano 2013 traz diversas referências à estratégia brasileira de combate à pobreza, reconhecendo que o sucesso do esforço deve-se à articulação de programas de proteção social (Bolsa Família, benefício de Prestação Continuada, benefícios da Previdência Social), políticas universais de educação e saúde e decisões econômicas de fortalecimento do mercado interno (política de valorização do salário mínimo, redução dos juros etc), em meio à crise internacional iniciada em 2008.

Espera-se que o uso mais intensivo dos indicadores multitemáticos e do conjunto de informações disponibilizado pelo Ministério permita que gestores e técnicos nos estados e municípios aprimorem a gestão dos programas em operação e proponham novas ações, desenhadas conforme as vulnerabilidades da população pobre encontradas no território e ajustadas às características e potencialidades ali existentes. Além de multidimensional, a pobreza é multifacetada, requerendo abordagem multissetorial para sua superação, como tem sido a experiência brasileira.

Paulo Jannuzzi

[email protected] Secretário de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (SAGI/MDS)

7 No Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate n. 16 pode-se ter acesso a uma ficha síntese desse conjunto de pesquisas. No Portal www.mds.gov.br/sagi, pode-se acessar sumários executivos e microdados das mesmas, além de Estudos Técnicos SAGI e o material didático autoinstrucional desenvolvido no Ciclo de Formação em Diagnóstico, Monitoramento e Avaliação de Programas Sociais para formação de técnicos e gestores das Políticas do MDS nas três esferas de governo. 8 Vide ENAP. Ações premiadas no 18º. Concurso de Inovação na Gestão Pública Federal. Brasília: ENAP, 2014. Disponível em: .

Hélio Socolik 1. Introdução Existem dois problemas básicos em uma economia que preocupa em todos os momentos as autoridades econômicas: o desemprego e a inflação. Vamos discorrer neste artigo sobre o desemprego.

2. Conceitos e tipos de desemprego Desemprego é a situação em que parte da população economicamente ativa – PEA (o conjunto das pessoas voltadas para o mercado de trabalho) não encontra um emprego para trabalhar e ganhar uma renda. A taxa de desemprego é a relação entre o número de pessoas desempregadas e a população economicamente ativa. É a seguinte a definição de desempregado: são os indivíduos que se encontram numa situação involuntária de não-trabalho, por falta de oportunidade, ou que exercem trabalhos irregulares com desejo de mudança. A teoria econômica relaciona alguns tipos de desemprego com suas respectivas causas. O desemprego estrutural tem como causa obstáculos que ocorrem na estrutura de um país. Um exemplo está no avanço tecnológico, que exige uma mão de obra mais preparada e que o sistema educacional do país não produz ou produz de modo insuficiente. Outro exemplo está na legislação que procura beneficiar os trabalhadores. Um salário mínimo alto ou leis que punem a dispensa sem justa causa podem inibir as empresas de contratar e provocam o desemprego estrutural. O gráfico abaixo ilustra um possível efeito de um salário mínimo sobre o mercado de trabalho. A reta OL representa a oferta de trabalhadores e a reta DL a procura de trabalho por parte das empresas. Se não houvesse salário mínimo o salário de mercado seria fixado em W1, onde a oferta é igual à procura de trabalho. Mas como o salário mínimo é normalmente fixado acima do que seria o nível de equilíbrio do mercado (no caso, em W2), considera-se que ocorre desemprego, pois a oferta seria maior do que a procura. Na figura, o desemprego é igual a (L2 – L1 trabalhadores).

O desemprego conjuntural decorre de uma situação pontual desfavorável na economia, como, por exemplo, a atual crise financeira mundial, que provoca retração na exportação de diversos produtos do país e consequente desemprego de recursos. O desemprego fricativo refere-se à parcela de trabalhadores que estão deixando um emprego e partindo para outro. Nesse caso pode-se dizer que há sempre certo nível de desemprego que é chamado de natural e que depende da velocidade com que ocorre essa mudança de emprego. Também podemos classificar alguns tipos de desemprego em aberto, oculto pelo trabalho precário e oculto pelo desalento. Desemprego aberto: pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos últimos 30 dias anteriores ao da entrevista no órgão público que oferece os empregos e não exerceram trabalho nos últimos 7 dias; desemprego oculto pelo trabalho precário: pessoas que realizam trabalhos ocasionais com remuneração ou ajuda não remunerada a negócios em geral e que procuraram mudar de trabalho nos 30 dias anteriores ao da entrevista ou procuraram até 12 meses anteriores. Desemprego oculto pelo desalento: pessoas que não procuraram trabalho nos últimos 30 dias, por desestímulos do mercado (salário inadequado ou condições precárias de trabalho), mas o fizeram dentro dos 12 meses anteriores. O subemprego é a utilização de mão-de-obra em um nível em que o que é produzido é inferior ao seu potencial, isto é, ao que corresponde à sua habilidade plena. O subemprego decorre do próprio desemprego, em que a mão-de-obra desempregada recorre a funções abaixo de seu potencial para fins de sobrevivência. Alguns tipos de subemprego: visível (aquele que é

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ARTIGO Sobre o Desemprego: Conceitos, Teorias e a Atual Situação do Desemprego no Brasil

31

medido através da diferença entre o número de horas, dias ou semanas que a população teria condições de produzir, pelo seu potencial, e o tempo efetivamente dedicado às atividades produtivas), o encoberto (dado pelo contingente de trabalhadores que poderiam ser dispensados através de reestruturação administrativa e a melhor distribuição das tarefas de trabalho, sem que diminua o nível e a qualidade da produção e sem a necessidade de substituição dessa mão-de-obra por investimentos) e o potencial (dado pelo contingente de trabalhadores que poderiam ser dispensados através de mudanças na forma de exploração dos recursos ou transformações na agricultura e na indústria, reduzindo a proporção de mão-de-obra ocupada em atividades de baixa produtividade). Denomina-se pleno emprego a situação em que todos os que desejam trabalhar encontram emprego. Assim, a definição de pleno emprego coincide com a taxa de desemprego natural. Por isso uma taxa de 3% ou 4% pode ser considerada de pleno emprego. O desemprego voluntário corresponde à parcela da PEA que não trabalha, porque recusa um emprego devido ao salário baixo, por exemplo, ou a más condições de seu exercício. O desemprego involuntário, por seu lado, decorre de não existir vagas para quem deseja trabalhar. Aí reside uma divergência entre os pensamentos clássico e keynesiano da teoria macroeconômica. Para os clássicos, o desemprego seria sempre voluntário, pois o trabalhador, se quiser, poderia encontrar uma vaga ao aceitar as condições de trabalho, inclusive o salário baixo. Daí que na teoria clássica há sempre pleno emprego. Para Keynes, o criador da moderna Macroeconomia, a grande depressão de 1929 e anos seguintes provocou desemprego involuntário, isto é, o trabalhador não encontrava postos de trabalho em virtude da quebra das empresas.

3. Causas do desemprego

Revista de

Conjuntura

32

Por que ocorre o desemprego involuntário? Em termos pessoais um indivíduo se emprega quando pode produzir algo que seja útil para o semelhante. Ao contrário, não encontra vaga quando não tem condições de produzir alguma utilidade. Por isso não basta saber produzir algo, é preciso que haja demanda para o respectivo produto. Uma causa básica do desemprego está na insuficiência da demanda agregada. Em 1929 caiu a demanda por bens de capital, isto é, máquinas, equipamentos e instalações, e as fábricas fecharam. Houve desemprego e os trabalhadores diminuíram muito seu consumo, fazendo as fábricas de bens de consumo (alimentos, roupas, lazer, etc.) fecharem também.

4. Medidas do desemprego Duas instituições medem as taxas de desemprego no Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE elabora a PME – Pesquisa Mensal de Emprego, e o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – Dieese elabora o PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego. Observemos a tabela a seguir. DADOS DE DESEMPREGO - Brasil % Dezembro de cada ano

IBGE

Dieese

2003

12,4

19,9

2004

11,5

18,8

2005

9,9

17,0

2006

10,0

15,9

2007

9,3

15,0

2008

7,9

13,5

2009

8,1

12,1

2010

6,7

9,9

2011

4,7

9,0

2012

4,6

9,7

2013

5,4

9,3

2014*

4,9

11,1

* junho A diferença entre os índices acima é explicada pela diferença de metodologia de pesquisa empregada. Dentre as principais diferenças, tem-se: - O Dieese engloba as regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal. Além disso, incorpora aqueles que estão procurando emprego, embora já exerçam alguma atividade irregular e com baixa jornada de trabalho (trabalho precário), e aqueles que não procuraram emprego nos últimos 30 dias, mas o fizeram no último ano (desalentadas). Para o IBGE, essas pessoas são enquadradas como inativas e excluídas da população economicamente ativa. - As pessoas que exercem atividades não remuneradas em organizações beneficentes e que não procuram trabalho são consideradas ocupadas pelo IBGE e inativas pelo Dieese. - As crianças de 10 a 14 anos são incluídas na População em Idade Ativa pelo Dieese, e não incluídas pelo IBGE. Recentemente o IBGE passou a anunciar uma taxa de desemprego de maior abrangência geográfica, a PNAD Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio Contínua), que abarca cerca de 3.500 municípios, e com o percentual de 7,1% no 1º trimestre de 2014.

Ano

Aberto

Trabalho precário

Pelo desalento

Total

2009

8,4

2,5

1,2

12,1

2010

7,1

1,9

1,0

9,9

2011

6,7

1,5

0,8

9,0

2012

7,3

1,7

0,7

9,7

2013

7,3

1,4

0,6

9,3

2014*

8,7

1,5

0,6

10,8

*junho

5. Como combater o desemprego O que deve ser feito se cai a procura de um produto? Suponhamos a procura por discos de vinil, que diminuiu muito nos últimos anos. A causa dessa redução foi o aparecimento dos CDs, ou seja, um avanço tecnológico. Nesse caso o próprio mercado vai reagir, pois se trata de progresso e os recursos, então ociosos, poderão ser transferidos para a fabricação de CDs. E se cai a demanda agregada como um todo? Nesse caso, o governo pode intervir. Segundo a teoria keynesiana, a demanda pode ser reestimulada através de mais gastos públicos e menos impostos. Os gastos públicos dirigem-se para a aquisição de bens de consumo e de capital, gerando renda e consumo. Menos impostos fazem aumentar a renda disponível das pessoas, incrementando o consumo. Isso foi feito durante a grande depressão. No caso da crise financeira mundial de 2008, de origem no sistema financeiro estadunidense, houve repercussão em praticamente todo o mundo. No Brasil diminuiu o fluxo de capitais estrangeiros e os financiamentos e retraíram-se as exportações. O governo brasileiro estimulou a concessão de crédito bancário para as pessoas e as empresas continuarem suas demandas de consumo e investimento. Foram diminuídos e prorrogados os prazos de pagamento de impostos para vários setores econômicos, principalmente a construção civil e a produção de bens de consumo durável.

6. Por que a taxa de desemprego no Brasil tem sido baixa? O desempenho econômico do país tem sido fraco nos últimos anos, com um crescimento médio no Governo Dilma de cerca de 2%. Mesmo assim a taxa de desemprego é baixa, com uma média de cerca de 5% no mesmo período. Essa taxa tem até sido considerada de pleno emprego, em razão da taxa natural ser praticamente equivalente.

Quais seriam as causas desse comportamento do desemprego? Alguns fatores são colocados como justificativas, como: - Menos pessoas estão procurando emprego. A população envelheceu, e esse contingente se retira do mercado de trabalho com as aposentadorias. - As pessoas mais jovens estão se reduzindo, diminuindo a desocupação. A renda maior da população faz os jovens adiarem a entrada no mercado de trabalho, ficando mais tempo estudando ou engrossando a “geração nem-nem”, isto é, nem estuda e nem trabalha. - Os programas sociais do governo estimulam a não oferta de trabalho, pois os respectivos beneficiários têm geralmente menos qualificação e os salários de mercado nem sempre compensam. - As empresas, apesar da diminuição das atividades e do ritmo de crescimento, também preferem reter os empregados de maior escolaridade e experiência, esperando retomada futura da produção, principalmente em razão dos encargos sociais envolvidos na dispensa e na readmissão. - A metodologia de apuração das taxas de desemprego, pelo IBGE, não considera como desempregadas diversas situações, como já descrito acima, o que concorre para subestimar essas taxas.

Hélio Socolik

[email protected] Economista pela UFRJ e Mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Auditor-Fiscal da Receita Federal (aposentado). Professor de Macroeconomia, Microeconomia e Finanças Públicas em diversas faculdades e cursos preparatórios de concursos públicos.

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DESEMPREGO segundo o Dieese

33

E por que os inscritos não alongaram o tempo de trabalho para reduzir a incidência do fator? Pode-se especular que este comportamento revela a reduzida credibilidade dos governos brasileiros. tivesse ficado restrito ao INPC. Essas contas consideram somente o componente denominado Benefício Previdenciário e o subcomponente Aposentadoria.1 Os demais componentes afetados pela valorização do mínimo, apesar de estarem no MPS, não são, de fato, uma preocupação previdenciária. Os resultados para a economia do MPS, caso os reajustes dos benefícios fossem somente pelo INPC, são (Quadro 2): A magnitude da poupança é reduzida. Em 2012, a preços de 2013, a política de valorização do salário mínimo teria custado R$ 17,7 bilhões (0,4% do PIB), considerando-se somente os benefícios previdenciários e excluindo-se, inclusive, os benefícios de Pensão por Morte. O resultado está em linha com a participação de 50,5% dos benefícios emitidos (estoque de benefícios) de um salário no valor total dos benefícios pagos (não só os previdenciários). No segmento de benefícios rurais, por exemplo, a faixa de um salário corresponde a 99% dos emitidos, em 2014. Considerando-se que a taxa média anual de elevação real do mínimo, entre 1996 e 2012, foi de 4,5%, a taxa de economia anual pode estar até superestimada. Ainda assim não se afigura um valor expressivo.

Conclusão A política de aumento real do salário mínimo, independente da produtividade, não encontra justificativa na conhecida literatura econômica. Sua prática resulta

1 O exercício consiste em subtrair os benefícios concedidos no ano do total de benefícios emitidos. Com esta série limpa de novos benefícios concedidos, calcula-se o valor da folha de benefício do ano seguinte pela variação do INPC. Quando se dividem os valores dos pagamentos da série original emitidos sem concedidos pelos valores da mesma série corrigida pelo INPC, encontra-se a taxa de ajuste (quantos por cento menor seria o benefício calculado em relação ao benefício de fato pago). Esta taxa calculada para cada ano é aplicada no valor dos benefícios concedidos (novos benefícios). A soma desta série com aquela calculada pela aplicação do INPC indica o custo teórico do MPS, caso os benefícios variassem somente pelo INPC. A comparação desta série com a série original e efetiva de despesas aponta a economia que seria alcançada.

maio/agosto de 2014

acidentários), as aposentadorias por tempo de contribuição significam 30%. Se o universo de comparação é restrito aos previdenciários, a contribuição verdadeiramente previdenciária (tempo de serviço) é de 31%. Isto é bem claro e deve-se enfatizar que a política de valorização do salário mínimo - que a sociedade não critica ou rejeita – impacta todas as despesas do MPS, inclusive as assistenciais (salário maternidade, salário família, aposentadoria por idade, etc.) e as de seguro social (aposentadoria por invalidez e pensão por morte). Neste quadro, o ônus do ajuste (necessário) do déficit do MPS deve recair sobre quem? Sobre aquele que firmou um contrato de aposentadoria com o Estado (por tempo de serviço) ou sobre toda sociedade que endossa as medidas distributivas? Apesar de a resposta parecer óbvia, em novembro de 1999, a Lei nº 9876 implantou o fator previdenciário que se aplica somente àqueles que, exatamente, têm um contrato previdenciário com o Estado (aposentadoria por tempo de contribuição). Mais interessante, o fator fracassou rotundamente em seu objetivo de aumentar a idade modal de aposentadoria. Na prática, os “inscritos no sistema previdenciário” passaram a pagar um tributo de (na média) 30% sobre seus benefícios. E por que os inscritos não alongaram o tempo de trabalho para reduzir a incidência do fator? Pode-se especular que este comportamento revela a reduzida credibilidade dos governos brasileiros. Ou seja, o cidadão paga para sair da dependência das decisões de Governo, independentemente do Governo que seja. Admitindo-se ser inescapável o ajuste previdenciário, será necessário atribuir ônus aos diversos segmentos. Uma das questões é o tamanho do impacto da política de aumento real do salário mínimo sobre as despesas do MPS. Se essas despesas decorrentes da valorização do mínimo vierem a ser expressivas, a política deve entrar nas considerações do ajuste. Caso contrário, se o benefício social da distribuição prepondera sobre os custos, a questão sobre quem deve arcar com o ônus deve ser considerada. Cabe isolar a política de determinação do salário mínimo das contas do MPS? O exercício indica que a economia do MPS seria de 5,5% do total efetivamente gasto, em média para o período entre 1996 e 2012, caso a correção do mínimo

35

Quadro 2 – Simulação da economia no pagamento dos Benefícios do INSS – 1996 a 2012 (considerando o reajuste pelo INPC) Economia a preços de 2013

Efetivamente Pago a Preços de 2013

Taxa de Economia

ANO

Benefícios Previdenciários - R$ (a)

Benefícios de Aposentadorias - R$ (b)

Benefícios Previdenciários - R$ (c)

Benefícios de Aposentadorias - R$ (d)

Benefícios Previdenciários (a)/(c)

Benefícios de Aposentadorias (b)/(d)

1996

3.809.846.874

3.297.416.069

110.026.839.318

79.128.177.958

3,46%

4,17%

1997

6.222.147.682

5.147.087.966

116.418.069.375

84.424.221.915

5,34%

6,10%

1998

12.162.965.432

9.480.025.865

128.352.263.706

93.692.578.600

9,48%

10,12%

1999

10.028.954.803

7.269.995.671

138.161.118.365

100.730.281.155

7,26%

7,22%

2000

3.728.959.803

1.789.816.127

142.374.718.744

102.467.315.370

2,62%

1,75%

2001

13.257.032.394

8.027.395.142

155.543.657.155

110.440.913.077

8,52%

7,27%

2002

8.127.295.886

3.741.238.230

164.261.453.968

114.329.532.578

4,95%

3,27%

2003

11.058.469.012

5.806.500.568

175.057.655.028

120.094.185.714

6,32%

4,83%

2004

9.391.175.168

4.667.065.215

184.401.301.878

124.804.176.637

5,09%

3,74%

2005

9.834.982.518

5.193.084.629

194.271.413.569

130.021.921.062

5,06%

3,99%

2006

9.817.229.407

7.751.694.891

204.335.010.941

137.727.449.890

4,80%

5,63%

2007

11.854.449.410

7.256.236.072

215.917.364.473

145.069.028.214

5,49%

5,00%

2008

9.621.529.569

8.651.019.918

225.595.566.338

153.804.014.478

4,26%

5,62%

2009

15.539.489.558

12.079.448.625

240.998.230.024

165.863.481.716

6,45%

7,28%

2010

19.077.273.457

13.751.247.613

260.090.951.545

179.533.023.638

7,33%

7,66%

2011

9.574.956.766

6.034.416.266

269.733.010.003

185.588.165.897

3,55%

3,25%

2012

17.721.103.588

12.394.610.607

287.528.124.006

197.981.865.324

6,16%

6,26%

Soma

180.827.861.328

122.338.299.476

3.213.066.748.435

2.225.700.333.222

5,63%

5,50%

Fonte: AEPS vários anos/ MPS

Revista de

Conjuntura

36

distorções que a economia corrige, pela taxa de inflação ou pela taxa cambial. Muito provavelmente, pelos dois. Mas, para fins da Previdência, o isolamento deste efeito não sugere uma economia fiscal relevante. No período analisado, a poupança teria sido de R$ 10 bilhões por ano (a preço de 2013), que corresponde a 5,5% do total gasto anualmente pelo MPS. Se, de toda forma, o esperado ajuste previdenciário não vier a suprimir a valorização do mínimo, deve-se notar que essa escolha é da sociedade e não daqueles que se aposentam ou que têm um “contrato” previdenciário com o Estado. Com isso, caso medidas austeras venham a ser tomadas, que resultem sacrifícios para os inscritos no regime geral da previdência, impõe-se que tais medidas consigam, ao mesmo tempo, distinguir as despesas realmente previdenciárias das demais, bem como afastem da população inscrita no regime geral da previdência o custo do programa distributivo, que a valorização do salário mínimo implica. Ao fim, o tema da Previdência supera a importante preocupação fiscal e atinge o âmago da questão de confiança entre o cidadão e o Estado. No passado recente, o ajuste tentativo do fator previdenciário recaiu sobre aqueles que eram “facilmente encontráveis”, pelo

sistema previdenciário, e passaram a pagar um tributo sobre os benefícios legitimamente contratados com o Estado. Ao tempo em que foram penalizados para gerar a poupança previdenciária, a política econômica resolveu aumentar os gastos, na contramão, por conta da valorização do mínimo. A questão é saber se a sociedade deseja, ou não, que prevaleça a credibilidade na relação Estado-cidadão. Neste rastro, por exemplo, estão as políticas de parceria público-privada (PPP), que não decolam. Em princípio, parece importante que as proposições emanadas do Estado sejam críveis e gerem as expectativas desejadas. Este tema está diretamente ligado à eficácia das políticas econômicas.

E. Felipe Ohana [email protected]

Eduardo Felipe Ohana é Consultor Econômico e membro do grupo de conjuntura do CORECON/DF.

José Roberto Novaes de Almeida

Abstract: For central bankers, there are mainly three major problems with regulating financial innovations. First, the issue of the new instruments, which appear without authorization despite requirements of either law or custom. Second, stressing the risks of new instruments is routinely ignored. Third, prevailing unreliability of the judicial system to prosecute and put into jail people who commit frauds in the financial market only incentives more frauds. There are really no secrets in central banking despite occasionally it appears to be opaque. Posteriori prosecutions do not solve any problems presented here. The only real solution is to try to anticipate problems before they appear. The Recent Innovations in International Banking (1986) prepared by a Study Group established by the Central Banks of the Group of Ten Countries, chaired by Sam Y. Cross, of the Federal Reserve (the Cross report) draws some important conclusions about the new financial instruments of the 1980’s. Perhaps the most significant is that the transfers of exposure (options, swaps, futures, etc) from one bank to other are being used to hedge previously unmatched positions and so an overall reduction in the sum of risks based by individual economic agents may be resulting. But sometimes the consequence may be that exposures become concentrated in a small number of agents (p. 241), a prophecy to be realized later with the bankruptcy of the Lehman Bank. Not much has been done in the world, in the almost 30 years following the Cross report to reduce the size of the banks and the syndrome of “too big to fail” has become a truth in central banking. No central bank in the future, after the US financial crises (2007) and Lehman’s fall (2008), will allow a very large bank to fail. The question becomes how to reduce the size of each bank, let’s say to no more 5 percent of the total assets of the banking sector. This is a matter that should be addressed by central banks, securities and exchange commissions and principally by anti-trust institutions. Unfortunately it is left only to central banks, in part because the other two institutions have been kept small in size and weakly staffed due to their minimal budget allocations, both in Brazil and the U.S. The Cross report also addresses a creation of “market development groups” within financial institutions (p.235). It emphasizes that these groups did not exist until early 1980s and they are essentially “the financial equivalent of the industrial research laboratory that has existed over a century “(p. 185). Nowadays , the BlackScholes model, created in 1973, appears like a dinosaur compared with the contemporary use of mathematical

models, such as those used in the catastrophic $ 100 billion fall of the Long-Term Capital Management Fund (LTCMF) in 1995, originally developed by two Nobel prize winners, as noted by Lowenstein (2000). I wonder how regulators can afford to have their staff researching risks posed by an almost infinite numbers of derivatives that are being created every day. How can some central banks match the stratospheric wages being paid by the private sector for equivalent quantitative staff? How can many central banks have research staff solely engaged in examining the new instruments created by the private sector? We recently witnessed the subprime crisis (2007) which resulted in good part from an aggressive new legislation about the securitization of the housing sector. As L. S.Ranieri (1996) has shown the new legislation came about in good part because the private sector had hired a former fiscal expert of the U.S. Treasury which facilitated the elaboration of the complex legal and tax key details demanded by the new security legislation. It is not difficult to hire former fiscal experts to develop new legislation to help private sector growth. The extraordinary success of Reinhard and Rogoff ’s (2009) This time is different , despite some shaky conclusions like “ when the external debts levels of emerging markets are above 30-35 percent of GDP, risk of a credit event starts to increase significantly” (p.25) attests to the public skepticism regarding explanations given by authorities , economists and bankers about financial crises . There is now clearly a public fatigue on these issues which increasingly demand clear explanations and transparency in relation to financial accountability. For central bankers there are mainly three major problems with regulating financial innovations. First, the issue of new instruments, which appear without authorization despite requirements of either law or custom. Second, unfortunately the fact remains that

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ARTIGO Central Banking and the risks of financial innovation

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Revista de

Conjuntura

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economists and bankers calling attention to the risks of new instruments are routinely ignored. Third, prevailing unreliability of the judicial system to prosecute and put into jail people who commit make frauds in the financial market only incentives more frauds. To elaborate, firstly it is clear that the financial market is very flexible and creative, as demonstrated e .g. by the oldest derivative being the very fairly recent negotiable Certificate of Deposit (CD). Prior to 1961 these certificates were generally nonnegotiable because of written and tacit agreement between interested parties. When the CD was introduced by the present Citi Bank its success was immediate, particularly when government securities dealers indicated they would maintain a trading market for these new securities. The new securities were issued without any formal approval of the regulators involved, and only much later their interest rate had a maximum rate fixed by the Federal Reserve, through Regulation Q. The crucial point is that a financial institution had in fact created a new instrument, which was only regulated a posteriori by the regulator. The creation of the negotiable CD is very similar to the introduction of the bill of exchange (an instrument originally created by banks of the Roman Empire) in the Brazilian capital markets in late 1950s, that quickly became the most important instrument used to finance the incipient automobile industry. Similar to the US, the new instrument was put into use by financial institutions, and then only later regulated by the authorities (Portaria nº. 309, of 1959, of the Ministry of Finance). Another Brazilian innovation is the consórcio, a system created in the 1950’s which still exists despite an abundance of traditional finance. In other words, it is almost impossible to control the animal spirits of the private sector. Whenever there is an opportunity of a nice profit, even the legal apparatus is in a gray area. The second issue concerns the many occasions in which policy makers, economists and others call attention to the risks of financial innovations which do not match the development of regulatory supervision . No one pays attention. . In fact, in a personal example, this author wrote an article (in Portuguese, translated into English) in one of the most prestigious Brazilian publication, the Apecão, widely read by Brazilian businessmen, economists and central bankers with the suggestive title Are we prepared for unpleasant surprises with derivatives (1995), which became prophetic a few years later when several major Brazilian non-financial corporations (Sadia, among them) almost became bankrupt after using derivatives.

Thirdly, regarding frauds, the conclusions of The Financial Crises - Why have no High-Level Executives Been Prosecuted, by (Judge) Jed S. Rakoff (NYRB, Jan. 9, 2014), are loud and clear: “going after the suspect [financial] institutions poses too great a risk to the nation’s recovery …and you don’t go after the individuals because that would involve the kind of years-long investigations that you no longer have the experience or resources to pursue” (p. 8).The author, a U.S. District Judge for the Southern District of New York, notes that that the world has changed quickly :” in the savings-and loan crisis, of the 1980s, more than eight hundred individuals were successfully prosecuted and the same happened with the wide –spread accounting frauds of the 1990s, most vividly represented by Enron and WorldCom, including such previously respected CEOs as …. “( p. 4). The author notes that the “U.S. Financial Crisis Inquiry Commission, in its final report uses variants of the word “fraud “no fewer than 157 times… concluding that there a “systemic breakdown not just in accountability, but also in ethical behavior” (p. 4). I would add that harsher words than these are found in what possible is the best study of the crisis, the Wall Street and the Financial Crisis: Anatomy of the a Financial Collapse, written largely by the staff of the U.S. Senate Permanent Subcommittee on Investigations (2011) which should be obligatory reading to anyone interested in financial theory and central banking. Rakoff’s conclusion is that nowadays it is really almost impossible to put a U.S. financial C.E.O. in jail. Even with the Dodd-Frank Act, as noted by Arrand (2012), long years of new regulations and judicial decisions are needed to be an effective tool for fighting frauds. Interestingly, there is one exception in Brazil, which is the condemnation of a banker, in the recent financial fraud caused by foreign exchange devaluation in 1999. One of the bankers, Cacciola, was successfully prosecuted, although he did not to go to jail initially, since he escaped to Italy. However, he Brazilian authorities put his name on the black list of Interpol and later Cacciola was extradited from Monaco , to where he, inexplicably, travelled as a tourist. And upon his arrest he subsequently served several years in a jail in Brazil. There are really no secrets in central banking despite its sometimes opaque appearance. Posteriori prosecutions do not solve any problems presented here. The only real solution is to try to anticipate problems before they appear. Supervision is crucial, but I am unaware of any central bank engaged in supervising the internet as a way to discover frauds. Bitcoins, the most recent example of frauds, suggests that new frauds, which might be avoided, will continue.

Novaes de Almeida, José Roberto. 1995. Estamos preparados para surpresas desagradáveis com derivativos? Apecão ano XXXI, julho.

maio/agosto de 2014

Adair Turner, a former head of Britain’s Financial Services, suggests that frauds are caused by the “wrong sort of capital flow” and Marcelo Madureira de Prates, an attorney with Banco Central do Brasil (both quoted by The Economist of Jan. 25, 2014) suggest wisely “that deposit insurance should be strengthened, personal liability for failed executives and a proportion of bonus payments at each bank should be kept in a pool that can be raided if it gets in trouble “. The Economist does not mention that Prates also suggests “the creation of a transnational rulemaker, or, at least, of a transnational authority something that does not seem practicable any time soon, if ever” (p. 28, of the article). However, the recent development in the Eurozone suggests there is now a European supervisory authority in its way. In the future there is no reason that the BIS and the IMF should not expand their functions for banking supervisory functions also. Men respect the person who“In the race for wealth, and honours, and preferments, he may run as hard as he can, and strain every nerve and every muscle in order to outstrip all his competitors. But if he should justle, or thrown down any of them, the indulgence of the spectators is entirely at an end. It is a violation of fair play, which they cannot admit it of”. This is one of the conclusions of Adam Smith’s Theory of Moral Sentiments (1790[1976], p. 83) which leads Evensky (2005, p. 119) to concludes that the “achievement of a constructive liberal order of free people and free markets depends not on more mature institutions but on the progressive maturation of societal norms of justice – and on the acceptance of and the adherence to these norms by the citizens”. Societal norms of justice are not enough, and it is necessary to have the acceptance and adherence of the citizens as a fundamental prerequisite to improve society. If there is no such adherence as has been shown in the recent episode of the Mensalão in Brazil , where large segments of the society did not believe that it ever existed, despite all judicial evidence, the adherence of the people to societal norms is weakened . In that case, it only remains as a solution to frauds is to try to anticipate problems before they appear.

O’Bannon, Helen B. 1966. Certificates of Deposits. In Dean Carson’s (ed.) Money and Finance – Readings in Theory, Policy and Institutions. New York: John Wiley & Sons.

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Lowenstein, Roger. 2000. When Genius Failed – The Rise and Fall of Long-Term Capital Management. Random House: New York. National Commission on the Causes of the Financial and Economic Crisis in the United States. 2011. The Financial Crisis Inquiry Report. New York: Public Affairs.

Prates, Marcelo Madureira. 2013 (Nov.). Why Prudential Regulation Will Fail to Prevent Financial Crises: A Legal Approach. Working Papers 335, 32 p. Brasilia: Banco Central do Brasil. Rakoff, Jed. S. 2014 (January 9). The Financial Crisis: Why have no Top Executives been prosecuted? New York Review of Books LXI: 1. Ranieri, Lewis S. 1996. The Origins of Securitization, Sources of its Growth, and its Potential. In Kendall, Leon T. and Michael J. Fishman (ed.), a Primer on Securitization. Cambridge, Mass.: MIT Press. Reinhard, Carmen e Rogoff, Keneth S. 2009.This Time is Different – Eight Centuries of Financial Folly. Princeton: Princeton Univ. Press Smith, Adam. 1790 [1976]. The Theory of Moral Sentiments. Vol.I of the Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith. ed., D.D. Raphael and Andrew Skinner. Oxford; Clarendon Press. U.S. Senate Permanent Subcommittee on Investigations.2011. Wall Street and the Financial Crisis: Anatomy of a Financial Collapse. 2011. New York. Cosimo, Inc.

References: Arrand, Sanjay. 2012. Essentials of the Dodd-Frank Act. Hobokjen, NJ: John Wiley & Sons. Bank for International Settlements. 1986. Recent Innovations in International Banking. A report by a Study Group of Ten Countries and the BIS, chaired by Sam Y. Cross. Basle: BIS. (The) Economist. 2014 (Jan. 15). The inevitability of instability (p 1-3). Evensky, Jerry. 2005. Adam Smith’s Theory of Moral Sentiments: on Morals and Why They Matter to a Liberal Society of Free People and Free Markets. The Journal of Economic Perspectives 19: 3.

José Roberto Novaes de Almeida Professor e pesquisador colaborador sênior, Departamento de Economia da Universidade de Brasilia. ExDiretor de Assuntos Internacionais do Banco Central do Brasil. Ph.D., . George Washington University.

ARTIGO A competitividade do agronegócio brasileiro Eloy Corazza José Luiz Pagnussat

Introdução

Revista de

Conjuntura

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Este artigo analisa o excepcional desempenho da agropecuária brasileira, que tem se revelado altamente competitiva no acirrado mercado de commodities agrícolas mundial, em especial a partir do final da década de noventa. Hoje, a agropecuária brasileira é uma das mais eficientes do mundo, tem elevada produtividade e custos competitivos. Em 2013, as exportações do agronegócio alcançaram a marca histórica de US$ 100 bilhões e saldo comercial de US$ 82,9 bilhões, enquanto as importações do setor foram de apenas US$ 17,1 bilhões. O grande excedente exportável do agronegócio ajudou o Brasil a pagar a maior parte da sua dívida externa e ser um dos países que mais acumulou divisas no século XXI. O Brasil transformou-se num mercado seguro para os investidores internacionais e atrativo, em muitos setores, para o investimento estrangeiro direto. Reverteu-se um quadro secular de dependência externa, com constantes crises de divisas que se sucederam desde a independência do País. A expansão do agronegócio brasileiro no comércio internacional ocorreu num cenário de pesada tributação sobre os produtos do setor e de “guerra comercial”, com os países ricos adotando medidas protecionistas e subsidiando fortemente os seus produtores. Acresce-se ainda o câmbio sobrevalorizado, em média acima de 25%, que penalizou fortemente o exportador brasileiro; os problemas de infraestrutura logística, em especial transportes e portos, que elevaram os custos dos produtos brasileiros em relação ao concorrente internacional em mais de 10%, nos anos recentes; e os custos financeiros médios no Brasil muito acima dos praticados nas atividades agropecuárias dos países concorrentes do agronegócio exportador brasileiro. A competitividade da agropecuária foi resultado da inovação e extraordinário aumento de produtividade. A produtividade média das lavouras triplicou nos últimos 40 anos. A produção de grãos cresceu 391%, entre 1975 e 2014, para um aumento de apenas 71% da área plantada e redução da mão de obra ocupada. Hoje, o uso intensivo de tecnologia na produção caracteriza o setor. As máquinas e equipamentos são

cada vez mais eficientes e cresce a agricultura de precisão ou agricultura inteligente. Nos anos recentes o uso de GPS - acoplado às plantadeiras, colheitadeiras e outros implementos agrícolas - permite a aplicação inteligente de fertilizantes, defensivos e outros insumos, com dosagens ajustadas para cada área da lavoura, reduzindo custos e aumentando a produtividade. Na área de pesquisa, novas variedades, mais produtivas e mais resistentes às pragas e clima, foram desenvolvidas, tanto pela Embrapa, como pelas grandes empresas que atuam no setor. E, por sua vez, a indústria de fertilizantes e defensivos contribuiu com a diversificação de produtos e defensivos mais seletivos e menos tóxicos. Merece destaque, ainda, o papel empreendedor do agricultor, que é o ator principal desse sucesso e responsável pela adoção de novas práticas no cultivo, que associam conservação e aumento de produtividade. Destaca-se a adoção do plantio direto e da rotatividade de culturas, que melhoraram a qualidade do solo a cada ano. O artigo analisa a expansão do agronegócio brasileiro e os fatores que propiciaram a inovação e aumento de competitividade do setor. Está estruturado em duas partes, além desta introdução e da conclusão. Primeiro procura mostrar como ocorreu esse avanço da agropecuária, apresentando os dados do aumento de produtividade dos fatores de produção, os principais resultados alcançados e a posição dos produtos do agronegócio brasileiro no comércio internacional. Segundo, analisa os principais fatores que contribuíram para o desempenho da agropecuária e o ambiente de inovação intensiva e aumento de produtividade, com foco no papel das políticas públicas, na integração com a agroindústria e no empreendedorismo dos agricultores que migraram para a fronteira agrícola.

2. A expansão do Setor Agropecuário O crescimento do setor vem sendo viabilizado tanto pelo crescimento da demanda interna como pela demanda internacional. Destaca-se a ampliação e diversificação dos mercados internacionais para os produtos do agronegócio brasileiro e a ampliação da demanda interna por matérias primas agrícolas, com o crescimento da indústria a jusante.

Pode-se até compreender as previsões equivocadas da época (início do século XIX), dado que ainda não era sabido que as plantas se alimentam de nutrientes (NPK) e que podem ser “alimentadas”. Malthus e Ricardo ignoraram o potencial de desenvolvimento tecnológico no setor (via bioquímica, com sementes melhoradas e uso de fertilizantes, que aumenta a produtividade da terra) e que o problema maior do setor agropecuário, dois séculos mais tarde, seria de demanda e não de oferta. O fato é que a realidade do século XXI é de verdadeira guerra pelos limitados mercados agrícolas. Os países ricos reservam seus mercados internos e subsidiam as exportações dos seus produtos agropecuários. E, apesar do forte embate Norte/Sul nos últimos 30 anos, as rodadas de negociações multilaterais (rodada do Uruguai nos anos 1980/90 e rodada de Doha nos anos 2000) não avançaram no sentido da redução do protecionismo e dos subsídios dos países ricos aos seus produtores. Um alento importante nos anos recentes foi o crescimento da demanda de algumas commodities, em especial pela China, e o desenvolvimento das tecnologias de produção de biocombustíveis. O Brasil aproveitou essa demanda aquecida, expandindo a produção e produtividade das lavouras, em especial de soja e milho. Cabe destacar, entretanto, que o aumento da produtividade impactou de forma diferenciada entre os produtos. Os produtos de exportação com novos mercados, tanto in natura como elaborados, tiveram grande expansão da produção e da área. Os produtos tradicionais, com mercado internacional inelástico, tiveram redução de área com o aumento de produtividade. Os produtos tradicionais, voltados para o mercado interno, tiveram redução significativa de área plantada e liberação de mão de obra. Estes produtos, basicamente alimentos, têm expansão linear da demanda, resultante do crescimento da população (urbana, em especial) e crescimento da renda das famílias. Essa demanda nos anos recentes teve um pequeno alento com os programas sociais do governo (aumento do salário mínimo e transferência de renda). A manutenção das áreas de produção tradicionais sobrevive com a diversificação da produção e com o apoio do governo federal, com políticas diferenciadas para esses produtores1, como o atual Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf ). O foco deste artigo é o primeiro grupo de produtos, que revela a elevada competitividade internacional do agronegócio brasileiro.

1 Na Região Sul do Brasil, nas áreas tradicionais de produção de grãos, cresceu a produção de leite como atividade comercial das pequenas propriedades. O leite passou a dividir, com a produção de grãos, a geração de renda familiar desses produtores.

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A importância do setor externo para a expansão do agronegócio se reforça pelo baixo crescimento da demanda interna, ilustrado pela máxima: “o limite de crescimento da agricultura é o tamanho da barriga das pessoas”. Produzir acima da limitada demanda interna reduz drasticamente os preços, dado que são produtos inelásticos (essenciais) - elasticidade preço da demanda menor do que um -, e tende a quebrar o produtor. Por outro lado, a elasticidade renda da demanda por alimentos (ε) é menor que um e declinante, dado que o aumento da renda das pessoas tende a ampliar mais a demanda por outros produtos e serviços e menos por alimentos, que já têm a maior parte dos produtos “saciados”. O resultado é a “lei do declínio secular da agricultura”, em que a participação da agricultura no Produto Interno Bruto (PIB) cai com o crescimento da economia. Os avanços tecnológicos, que aumentam a produtividade do setor agropecuário, reforçam a tendência histórica de redução dos preços dos produtos primários, em especial para os produtos saciados. Fato estilizado nos estudos com séries longas de preços dos alimentos e consagrado no sábio dito popular que é preciso “mais produto agrícola para comprar o mesmo produto industrial”. O crescimento da agricultura acompanha o crescimento da demanda por alimentos (Ḋa), que é determinado pelo crescimento da população (ġ); pelo crescimento da renda (Ẏ), ponderado pela elasticidade renda da demanda por alimentos (ε); pelo crescimento das exportações (Ẋ), ponderado pelo coeficiente de exportação (α); acrescida de novas utilidades para os produtos agrícolas (β), que passa a ter importância nos anos recentes, em especial, com a expansão dos biocombustíveis, que alentam o futuro do agronegócio. A equação a seguir ilustra a real “camisa de força” da agropecuária, que é a tendência de baixa taxa de crescimento da demanda. Ḋa = ġ + εẎ + αẊ + β O termo “camisa de força” é associado a David Ricardo, em sentido inverso ao colocado acima. Ricardo e a sua “lei dos rendimentos decrescentes” via a agricultura tecnologicamente estacionária como fator limitativo ao desenvolvimento. Ricardo se alinha às preocupações de seu contemporâneo Thomas Robert Malthus de que a produção de alimentos não acompanhava o crescimento populacional. Malthus projetava um cenário de fome e miséria com a sua “lei da população” - a população aumenta em progressão geométrica e os meios de subsistência aumentam em progressão aritmética.

41

2.1. Contexto histórico

Revista de

Conjuntura

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A agricultura comercial brasileira tem seu arranque na década de 1970, com o processo de mecanização e de uso de insumos modernos – fertilizantes, defensivos, sementes melhoradas –, além da recuperação do solo, com a aplicação de calcário, fosfatos e outros nutrientes, que viabilizaram a melhoria da qualidade dos solos com lavouras e pastagens. As novas tecnologias e o desenvolvimento de sementes adaptadas ao bioclima tropical viabilizaram o cerrado para a agricultura, tendo início então a corrida para o Oeste brasileiro e a expansão da produção de grãos na Região, além do desenvolvimento de uma pecuária moderna nos anos mais recentes. O carro chefe da política agrícola nessa década foi o crédito rural, que tinha dois objetivos principais: primeiro viabilizar mercado para o setor industrial produtor dos insumos e maquinarias - que definhava nos anos 1960 - com a vinculação do crédito à compra de produto industrial nacional; segundo, expandir a produção para abastecer o mercado interno e gerar excedentes exportáveis, para reduzir o desequilíbrio no balanço de pagamentos e garantir a expansão da indústria a jusante do complexo agroindustrial. Nesse aspecto, destaca-se a política de minidesvalorizações cambiais, iniciada em 1968, no sentido de manter o câmbio próximo do equilíbrio, e a política comercial brasileira, que, de um lado, protegia a indústria nacional, restringindo a exportação dos produtos in natura para garantir o abastecimento da indústria com matérias primas; e, de outro lado, proibia a exportação de alimentos básicos no sentido de garantir oferta abundante de alimentos a preços baixos e com isso reduzir pressões por aumentos de salários e possibilitar a manutenção de lucros elevados no setor industrial. Vários estudos mostram que os agricultores receberam menos do que deveriam pelos seus produtos (diferença de mais de 25%) e, ainda, pagaram mais caro pelos insumos e maquinarias, em relação a uma situação de mercado livre para exportação dos produtos e importação de insumos e máquinas agrícola. A estratégia dos anos 1970 foi bem sucedida, com a expansão do complexo agroindustrial (CAI) e a consolidação de um setor agropecuário moderno e crescentemente competitivo. A expansão da indústria a montante (produtora de insumos e maquinarias) teve como aliada a política de extensão rural (Embrater/

Emater) e a expansão do sistema cooperativista, que atuaram fortemente na difusão do uso de insumos modernos e na orientação aos agricultores. É relevante destacar que, a jusante, a consolidação da indústria beneficiadora da produção e, em especial a indústria consumidora de matéria prima (têxtil, frango, suinocultura, etc.), criou mercado para expansão do agronegócio e ampliou a competitividade internacional dos produtos. Os anos 1980 foram de grande instabilidade para o setor rural. A crise econômica e os sucessivos planos de estabilização determinaram fortes perdas para o setor agropecuário. A política agrícola apresentou forte redução do crédito, ocorreram intervenções inconsistentes do Estado no mercado, com liberações de estoques para combater a inflação e importações desnecessárias de produtos, como foi o caso da importação de carne e de arroz, além da “caça ao boi gordo” no Plano Cruzado em 1996. As novas frentes agrícolas no oeste brasileiro foram esquecidas pelo Estado, levando muitos agricultores a abandonarem suas lavouras e maquinarias2. Nessa década se destaca a elevada estatização da comercialização de alguns produtos. A ausência de crédito de comercialização, as taxas de juros elevadas e a certeza de abastecimento pelo governo, retraíram a compra dos produtos pelo setor privado, em especial a indústria, no período de safra. Para o produtor, dada as restrições às exportações, o mercado alternativo era o preço mínimo do governo. O problema foi que, para a maioria dos produtos, os preços mínimos fixados pelo governo eram inferiores aos custos variáveis de produção. Os casos do arroz e algodão são ilustrativos, com a produção crescentemente vendida para o governo, houve deterioração dos setores e a consequente redução da produção, resultando insuficiente para abastecer o mercado interno em alguns anos. A década de 1980 ficou marcada pela ausência de regras de intervenção do governo no mercado e o uso de estoques para combater a inflação, deteriorando preços dos produtos e gerando grande instabilidade no setor agropecuário. A década de 1990 se inicia com novo governo, que rejeita as propostas apresentadas para a retomada da política de crédito rural e reativação de mecanismos de proteção do setor aos riscos de preços e clima. As ideias liberalizantes e de não necessidade de políticas

2 A fronteira agrícola no Estado do Mato Grosso foi a mais prejudicada, pois, sem crédito, sem estrada para escoar a produção – a BR-364 ainda não tinha sido asfaltada -, sem infraestrutura de armazenagem e com AGF (Aquisição do Governo Federal) restrita; houve grande dificuldade de sobrevivência do setor que se instalou no final dos anos 1970, incentivado pela disponibilidade de crédito e com a propaganda do governo cunhada com a máxima: “plante que o João garante”.

de câmbio sobrevalorizado, abertura e juros altos. Apesar disso tudo, a agropecuária foi a “âncora verde” no combate à inflação, conforme evidencia o Gráfico 1. Tal política favoreceu a expansão da produção nos vizinhos latino-americanos, que com juros menores no crédito, baixa carga tributária, associada à política cambial brasileira; ampliaram sua produção agrícola para exportação, inclusive para o Brasil.

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públicas para o setor levou-nos a escrever artigo com o título ilustrativo “Plantando a Escassez” (CORRAZA e PAGNUSSAT, 1990). Na sequência, o Plano Real irá penalizar fortemente o setor agropecuário, determinando perdas fortes de renda, com a manutenção dos contratos com juros elevados e sem ajuste (tablita) após a estabilização - e a política macroeconômica draconiana

43 Gráfico 1 – Queda dos preços dos alimentos na economia brasileira – 1974 a 2012.

Fonte: Barros (2013)

A crise do setor foi amenizada com a reação do governo ao “grito do campo”, que parou a explanada dos ministérios e revelou a real situação do setor, com dívidas impagáveis e mais de 400 mil pequenos produtores perdendo suas terras. A renegociação das dívidas a partir de 1995, com seu alongamento, foi apenas um alívio temporário para a situação do campo. Os financiamentos concedidos nos anos 90 se situaram, em média, em patamares inferiores aos concedidos no início dos anos 70 (PAGNUSSAT, 1997). O surgimento do Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar) em 1996 e a retomada gradativa do financiamento rural, entretanto, contribuíram para a reversão do quadro agropecuário. Nos anos 2000, com a mudança na política cambial, a partir de 1999, e a crescente demanda da China por

commodities agrícolas, elevaram-se os preços dos produtos e criaram-se as condições para o ambiente de inovação e aumento de produtividade, que transforma o setor e amplia a competitividade internacional dos produtos agropecuários brasileiros.

2.2. Expansão da produção, área e produtividade Nas quatro últimas décadas, a maioria das culturas agrícolas, temporárias e permanentes, teve aumento de produção e produtividade. O setor pecuário também teve resultados extraordinários com aumento de produção de carne bovina, leite, frango e ovos, além dos grandes avanços no controle das doenças e nos padrões de qualidade, buscando atender os rigorosos controles dos mercados internacionais. Observa-se crescimento da produtividade das lavouras desde os 1970, resultado da implementação

da política de crédito rural e a expansão do uso de insumos modernos; a criação da Embrapa e o desenvolvimento de sementes melhoradas; e a consolidação do sistema cooperativista, que proporciona assistência técnica aos agricultores, garante a oferta de insumos e melhor comercialização dos produtos. Mas o grande salto na produtividade ocorreu a partir dos anos 1990.

O Gráfico 2 mostra o crescimento da produção de grãos, área e produtividade no período de 1975 a 2014. Nesses 40 anos a produção de grãos cresceu 391%, passando de 39,4 milhões de toneladas para 193,6; a área cresceu 71%, passando de 32,9 milhões de hectares para 56,2; e a produtividade cresceu 187%, passando de 1,2 para 3,4 toneladas por hectare.

Gráfico 2 - índice da produção, área e produtividade brasileria de grãos 1975 a 2014 (Base: 1975 = 100)

Fonte: IBGE

A produção de grãos cresceu de forma mais acelerada na década de 2000 (79,7%) e no início da década de 2010 (29,4%), mas também cresceu significativamente na década de 1990 (48,4%). Os anos 1980 foram de baixo crescimento da produção e produtividade. A produtividade se acelera a partir da década de 1990 (Tabela 1 e Gráfico 2).

Revista de

Conjuntura

44

Tabela 1 - Evolução da Produção de Grãos (%) Período

Área

Produção

Produtividade

1975/1980

18,05

32,21

11,99

1980/1990

-5,00

7,57

13,23

1990/2000

-1,65

48,42

50,90

2000/2010

28,25

79,68

40,10

2010/2014

20,87

29,40

7,06

1975/2014

71,00

390,76

187,00

Fonte: IBGE

A área colhida de grãos teve redução nas décadas de 1980 e 1990 (-5% e -1,7%, respectivamente), após um período de expansão, em especial na segunda metade da década de 1970 (18,1%). Nos anos 2000, há a retomada da expansão acelerada da área com grãos, com crescimento de 28,3% na primeira década e 20,9% na primeira metade da década de 2010 (Gráfico 2 e Tabela 1). Parte da expansão da área de grãos ocorreu com o plantio de segunda safra (milho, feijão, etc.), sem a abertura de novas áreas de lavouras. Dos 56,2 milhões de hectares colhidos em 2014, mais de 15 milhões é dupla contagem. O fato é que a área ocupada para a produção de grãos representa menos de 5% do território nacional e uma pequena parcela da área agricultável total do país. O que coloca o Brasil como o único país do planeta com elevado estoque de área agrícola inexplorada (ou subexplorada, ocupada com pecuária extensiva).

 

O resultado foi uma expansão da soja precoce nas áreas antes utilizadas na 1ª safra de milho, nas quais passa a seguir a ser plantado o milho safrinha. Somente a produção das denominadas safrinha de milho (2ª safra) e 3ª safra de feijão foi de 47,6 milhões de toneladas, ou seja, 3% acima da colheita realizada com os 12 produtos na safra de 1976-77.

1976-77

2013-14

Var. %

Algodão

1.176,0

2.523,3

214,6

Arroz

8.993,3

12.598,7

140,1

Feijão

2.215,2

3.511,1

158,5

Milho

19.255,7

75.455,6

391,9

Soja

12.145,0

86.082,3

708,8

2.3. Inovação e produtividade

435,1

2.236,4

514,0

Trigo

2.066,0

6.714,0

325,0

Total

46.286,3

189.121,4

408,6

A Tabela 3 apresenta a evolução da produtividade das principais culturas, com base nos Censos Agropecuários e Levantamentos Sistemáticos da Produção Agrícola. Considerando os últimos 40 anos (1975 a 2014), das 13 culturas analisadas, apenas o cacau apresentou redução de produtividade. As demais culturas apresentaram aumento de produtividade, com destaque para o algodão (311%), seguido do arroz (288%), milho (281%), e feijão (158%), além do trigo (325%) em parte pela quebra de safra no ano base (1975). Foi elevado também o aumento de produtividade do café (90%), soja (86%), uva (76%), cana (75%) e mandioca (66%). Observa-se que a partir dos anos 1990 se acelera o aumento da produtividade das lavouras. Nesse período, os maiores aumentos de produtividade foram do algodão (296%), arroz (175%), milho (172%), trigo (151%), feijão (122%), soja (65%) e laranja (47%). Considerando o recorte a partir dos anos 2000, os destaques de produtividade foram o trigo (86%), milho (85%), arroz (71%), algodão (51%) e feijão (51%).

Sorgo

Fonte: Conab.

Considerando dados da Conab, as culturas com maiores aumentos da produção, entre 1977 e 2014, foram a soja (708,8%), sorgo (514,0%), milho (391,9%), trigo (325,0 %) e algodão (214,6%). A viabilização agronômica, técnica e econômica do plantio em áreas de clima semitropical e tropical, e a viabilização da safrinha de milho, além da 3ª safra de feijão nessas regiões, são os vetores que alavancaram esse aumento na produção. Com efeito soja e milho aumentaram 414,4% a produção, enquanto as demais culturas cresceram 85,3%. Com a gradual viabilização de plantio de 2 safras anuais de milho e 3 de feijão, o Paraná e estados do Centro Oeste, além da Bahia e Minas Gerais, incorporaram tal prática nas áreas ocupadas com soja de variedades precoces.

Tabela 3 - Produtividade das lavouras 1950 a 2014 (kg/ha) Produto Algodão (caroço) Arroz

1950

1960

1970

1975

1980

1985

1990**

1996

2000*

2006

2010*

2013*

2014*

378

439

850

923

1.121

1.063

957

1.333

2.505

2.986

3.555

3.625

3.793

1.287

1.275

1.222

1.333

1.416

1.737

1.880

2.711

3.034

3.921

4.127

5.006

5.172

Cacau

484

424

487

659

743

612

536

356

279

386

356

379

383

Café

523

666

460

729

571

926

1.007

1.034

1.664

1.399

1.346

1.433

1.385

26.862

34.196

39.970

42.980

53.619

60.525

61.479

62.086

67.624

68.876

79.044

75.166

75.051

Cana-de-açúcar Feijão

525

398

372

410

397

377

477

507

701

718

922

1.037

1.059

Fumo

1.074

1.108

-

1.129

1.227

1.479

1.625

1.510

1.866

1.953

1.752

2.103

2.070

15.323

13.078

14.856

18.185

17.186

18.721

15.640

16.505

20,299

19.585

23.340

23.012

23.015

Mandioca

Laranja

9.743

8.022

8.439

8.929

9.533

7.601

12.553

7.486

13.554

5.956

13.949

13.915

14.800

Milho

1.254

1.075

1.197

1.335

1.521

1.476

1.874

2.442

2.745

3.606

4.366

5.258

5.089

-

-

862

1.542

1.639

1.773

1.732

2.334

2.400

2.602

2.947

2.932

2.864

706

-

926

679

914

1.519

1.154

1.701

1.559

1.737

2.828

2.588

2.892

5.674

7.111

8.370

10.328

9.100

12.418

13.719

11.589

16.845

13.057

16.627

17.860

18.212

Soja Trigo Uva

Fonte: IBGE. Censos Agropecuários, (*) Levantamentos Sistemáticos da Produção Agrícola e (**) Pesquisa Agrícola Municipal

Um bom indicador para avaliar os ganhos de produtividade do setor agropecuário, de forma agregada, é a análise da Produtividade Total dos Fatores – PTF (terra, mão de obra e capital), que reflete o aumento do produto não explicado pelos insumos. Segundo Gasques et ali (2012), no período de 1975 a 2011, a

PTF cresceu a taxa média anual de 3,56%, com destaque para o crescimento da produtividade da mão de obra ocupada (4,29%) e terra (3,77%). Os autores destacam que no período 2000-2011, a produtividade do trabalho cresceu 5,7% ao ano, quase o dobro da média mundial.

maio/agosto de 2014

Tabela 2 - Produção de Grãos, Produtos selecionados Safras 1976/77 e 2013/14

45

O Gráfico 3, atualizado por Gasques (2014)3, apresenta o índice da evolução da PTF por fator de produção, no período 1975 à 2012. Destaca-se o aumento

da produtividade da mão de obra (491,0%), seguida da produtividade da terra (396,5%) e do capital (294,7%).

Gráfico 3 - Brasil: Produtividade da mão de Obra, Terra e Capital (1975-2012).

Fonte: Gasques, J.G.; Bastos, E.T.; Valdez, C.; Bacchi, M.R.P. 2014

Revista de

Conjuntura

46

Cabe registrar que no período 1975 a 2011, houve forte redução da mão de obra ocupada na agricultura. Segundo Gasques et ali (2012), os dados da PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE – mostram uma redução de 16,7% do emprego agrícola no período. Os autores ressaltam, entretanto, que a tendência de queda ficou menos acentuada nos últimos 10 anos, tendendo a estabilização do número de pessoas ocupadas no campo. Gasques et ali (2012) mostram que a área de pastagens apresentou grande redução no Brasil nos últimos anos. Segundo os autores, em 1975, a área de pastagens naturais e plantadas era de 165,6 milhões de hectares e em 2011 situava-se em torno de 150,8 milhões de hectares, redução de 9,0% no período. O rebanho bovino mais que dobrou entre 1975 e 2011, passando de 102,5 milhões de cabeças para 210,4 milhões. Na comparação internacional o Brasil se destaca pela elevação da produtividade dos fatores (terra, mão de obra e capital). Vários estudos fazem análise comparada, mostrando que o Brasil teve crescimento médio da Produtividade Total de Fatores muito acima da média mundial. Gasques et ali (2013), citando Fuglie; Wan Ling; Ball (2012), mostram que o Brasil teve crescimento médio de 4,04% ao ano, no período1991-2009, enquanto que a média mundial foi de 1,84; a média americana 2,26%; Alemanha (2,98); China (2,83); França (1,99); Argentina (1,22); e Austrália (0,55). A comparação da PTF entre o Brasil e os Estados Unidos

mostra uma diminuição acelerada do gap de produtividade entre os dois países, especialmente a partir dos anos 2000, tornando o Brasil ainda mais competitivo em relação ao principal produtor mundial de commodities agrícolas.

2.4. Exportação de commodities agrícolas A expansão do agronegócio brasileiro no mercado internacional pode ser ilustrado pela evolução das exportações, que cresceram 618,1% no período de 1989 a 2013, passando de US$ 13,9 bilhões para US$ 100,0 bilhões. A média aritmética de crescimento anual foi de 6,12%. O saldo do agronegócio cresceu 664,8% no período, média aritmética anual de 9,69%. Ressalta-se que parte dessa expansão resultou do aumento dos preços das commodities nos anos recentes. A Tabela 4 traz os dados da evolução da balança comercial do agronegócio e da balança comercial brasileira para o período de 1989 a 2013. No período, a média da participação do agronegócio nas exportações brasileiras foi 40,4% e, em 2013, o agronegócio respondeu por 41,3% das exportações brasileiras. A expansão das exportações se caracteriza pela diversificação da pauta e dos mercados consumidores dos produtos do agronegócio brasileiro. No primeiro caso, observa-se que o Brasil destaca-se no ranking mundial com um grande número de produtos do setor. A Tabela 5 mostra a liderança brasileira nas exportações de sete produtos (açúcar, café, suco de laranja, soja, carne bovina, carne de frango e fumo).

3 Apresentação de José Garcia Gasques no Fórum Centro-Oeste /2014, promovido pela Revista EXAME (03/06/2014).

Exportações Ano

Total Brasil (A)

Importações

Agronegócio (B) Valor

Var. %

Part.% (B/A)

Total Brasil (C)

Agronegócio (D)

Saldo Part.% (D/C)

Total Brasil

Agronegócio Valor

Var. %

1989

34,383

13,921

-

40,49

18,263

3,081

16,87

16,119

10,840

-

1990

31,414

12,990

-6,69

41,35

20,661

3,184

15,41

10,752

9,806

-9,54

1991

31,620

12,403

-4,52

39,23

21,040

3,642

17,31

10,580

8,761

-10,66

1992

35,793

14,455

16,54

40,38

20,554

2,962

14,41

15,239

11,492

31,17

1993

38,555

15,940

10,27

41,34

25,256

4,157

16,46

13,299

11,783

2,53

1994

43,545

19,105

19,86

43,87

33,079

5,678

17,16

10,466

13,427

13,95

1995

46,506

20,871

9,24

44,88

49,972

8,613

17,24

-3,466

12,258

-8,71

1996

47,747

21,145

1,31

44,29

53,346

8,939

16,76

-5,599

12,206

-0,42

1997

52,994

23,376

10,55

44,11

59,747

8,197

13,72

-6,753

15,178

24,35

1998

51,140

21,555

-7,79

42,15

57,763

8,045

13,93

-6,624

13,511

-10,98

1999

48,013

20,501

-4,89

42,70

49,302

5,697

11,56

-1,289

14,804

9,57

2000

55,119

20,605

0,51

37,38

55,851

5,759

10,31

-0,732

14,845

0,28 28,40

2001

58,287

23,866

15,83

40,95

55,602

4,805

8,64

2,685

19,061

2002

60,439

24,846

4,11

41,11

47,243

4,452

9,42

13,196

20,394

6,99

2003

73,203

30,653

23,37

41,87

48,326

4,750

9,83

24,878

25,903

27,01

2004

96,677

39,035

27,34

40,38

62,836

4,836

7,70

33,842

34,200

32,03

2005

118,529

43,623

11,75

36,80

73,600

5,112

6,95

44,929

38,511

12,61

2006

137,807

49,471

13,41

35,90

91,351

6,699

7,33

46,457

42,772

11,06

2007

160,649

58,431

18,11

36,37

120,617

8,732

7,24

40,032

49,699

16,20

2008

197,942

71,837

22,94

36,29

172,985

11,881

6,87

24,958

59,957

20,64

2009

152,995

64,786

-9,82

42,34

127,722

9,900

7,75

25,272

54,885

-8,46

2010

201,915

76,442

17,99

37,86

181,768

13,399

7,37

20,147

63,043

14,86

2011

256,040

94,968

24,24

37,09

226,247

17,508

7,74

29,793

77,460

22,87

2012

242,578

95,814

0,89

39,50

223,183

16,409

7,35

19,395

79,405

2,51

2013

242,179

99,968

4,34

41,28

239,621

17,061

7,12

2,558

82,907

4,41

Fonte: AgroStat Brasil a partir de dados da SECEX/MDIC. Elaboração: CGOE / DPI / SRI / MAPA

Tabela 5 - Posição do Brasil no Ranking de Produção e Exportação do Agronegócio - 2014 Produtos

Brasil no ranking

Participação % do Brasil

% exportação de 2013

Produtor

Exportador

Produção

Exportação

Açúcar





21,0%

45,7%

5,7%*

Café





34,8%

25,7%

2,2%

Suco de laranja





57,5%

80,2%

0,9%

Soja





30,3%

40,1%

12,8%

Carne bovina





16,9%

21,3%

2,5%

Carne de frango





14,9%

33,5%

3,1%

Carne suína





3,1%

9,8%

0,5

Fumo





...

...

1,4%

Milho





7,5%

17,3%

...



6,4%

5,8%

0,0

Algodão 5º Fonte: Conab e Midic. (*) Açúcar e álcool.

A principal commoditie de exportação é a soja. Em 2013, as exportações do complexo soja representaram 12,8% das exportações totais do Brasil, sendo que 43% dos grãos foram exportados, 50% do farelo e 20% do óleo.

No mercado doméstico a soja é utilizada na fabricação de alimentos, resultando em mais de uma dezena de produtos que enriquecem a mesa do brasileiro, e cerca de 80% é utilizada na fabricação de rações. A soja

maio/agosto de 2014

Tabela 4 - Balança comercial brasileira e balança comercial do agronegócio: 1989 a 2013 - (US$ Bilhões)

47

Revista de

Conjuntura

48

responde por cerca de 25% a 30% da ração de aves e suínos, além de ser ração para a produção de leite e gado confinado. Os produtores de soja e milho são os maiores mercados para a indústria de máquinas agrícolas, fertilizantes, defensivos agrícolas e sementes. As exportações de carnes estão em segundo lugar, com 6,7% das exportações totais, com destaque para carne de frango (3,1%) seguida da carne de boi (2,5%). O Brasil é o segundo maior produtor mundial de carne bovina, com 16,9% da produção, e o terceiro produtor mundial de carne de frango, com 15,9% da produção. Em ambos os casos é o maior exportador. Grande parte da produção de frangos e suínos ocorre no sistema de integração indústria e produtores. No caso de frango, cerca de 70% da produção nacional é proveniente do sistema de integração. Nesse sistema a cooperação entre indústria e produtores consiste na indústria fornecer material e suporte ao produtor, realizar o transporte, o abate e comercializar a carne. O rebanho bovino total é estimado em quase 200 milhões de cabeças, sendo o rebanho comercial para abate estimado em 40 milhões de cabeças. As exportações respondem por cerca de 20% da produção nacional. A criação de gado de corte é, na maior parte, em pastagens e ocupa áreas relativamente extensas de terra. O sistema de confinamento responde por apenas 5% do total de abates. O terceiro principal produto de exportação é o açúcar e álcool, com 5,7% do total da pauta de exportações de 2013. A maior parte do açúcar é destinado à exportação (70%), garantindo ao país 46% de participação no mercado mundial; enquanto que apenas 10% do etanol se destina à exportação. O mercado interno absorve 90% do etanol produzido (55% hidratado - usado como combustível nos carros flex fuel - e 45% anidro - misturado à gasolina na proporção de 20% a 25%). A cana-de-açúcar se destina à produção de açúcar (46%) e à produção de etanol (54%). Na produção de açúcar o Brasil participa com 22,2% da produção mundial e no etanol 27%. O maior produtor mundial de etanol é os EUA (57%), apesar de ter custos de produção superiores aos do Brasil. O milho, apesar de não ser um produto de destaque na pauta de exportações, é base das rações para a criação de aves, suínos e, também, para a pecuária de leite. Na composição das rações, o produto representa em torno de 65% para aves e suínos e em torno de 20% para a pecuária leiteira. A produção de milho tem duas safras: a primeira (verão) representa 40% da safra e a segunda (“safrinha”) responde por 60% da safra total. A segunda safra ocorre nas áreas colhidas de soja e do próprio milho (1ª safra). O Brasil

exporta em torno de 28% da produção, é o segundo maior exportador com 18% de participação e o terceiro maior produtor mundial com 7% de participação no mercado. Merece destaque ainda a diversificação dos mercados de destino do agronegócio brasileiro (Gráfico 4). Em 2013, as exportações para a China se destacavam, com 22,9% das exportações, seguida dos países da Zona do Euro (20,7%) e Estados Unidos (7,1%). Os demais países tinham participação pequena nas exportações brasileiras do agronegócio. Gráfico 4 - Principais destinos das exportações do agronegócio em 2013

Fonte: Mdic

3. Fatores propulsores do crescimento do agronegócio O crescimento da produção e da produtividade do setor agropecuário resulta de um conjunto de políticas implementadas pelo governo e de fatores conjunturais favoráveis, entre os quais pode-se destacar: - a estabilização da economia, a abertura e a mudança da política cambial a partir de 1999; - a elevação da demanda e dos preços internacionais, puxados pela China, em especial na última década; - a retomada da política de crédito rural, em especial de custeio e investimento, a partir do final dos anos 1990; - a consolidação dos mercados futuros de commodities, que contribuem para o financiamento da produção e ampliaram as alternativas de comercialização dos produtos; - a estrutura de pesquisa liderada pela Embrapa, com destaque para a geração novas variedades de sementes melhoradas (nos anos recentes, as grandes empresas privadas ligadas ao setor ampliaram sua contribuição no desenvolvimento de sementas melhoradas); - a integração indústria agricultura e o fortalecimento do Complexo Agroindustrial (CAI), em especial à jusante, ampliando os mercados para os produtos do setor rural; mas também à montante, com fertilizantes, defensivos e novas maquinarias mais eficientes,

Regiões Nordeste e Norte. Essas regiões são as grandes responsáveis pela ampliação da produção de grãos. Tabela 6 - Evolução da Produção de Grãos por Região Safras 1976/77 e 2013/14 Safra 1976/77 Regiões

Norte

Produção milhões ton.

Partic. %

Safra 2013/14 (¹) Produção milhões ton.

Partic. %

% de crescimento (1977/2014)

428,4

0,9

5.666,1

2,9

1.222,6

Nordeste

4.419,9

9,4

16.137,6

8,3

265,1

Centro oeste

5.572,7

11,9

81.049,0

41,5

Sudeste

1.354,4

9.012,6

19,2

20.556,3

10,5

128,1

Sul

27.509,5

58,6

72.090,7

36,9

162,1

TOTAL

46.943,1

100

195.499,7

100

316,5

3.1. O novo mapa agrícola

Fonte: Conab. (¹) Previsão em Outubro de 2013

O mapa agrícola brasileiro mudou nos últimos 20 anos, com a substancial ampliação da participação das regiões de cerrado (Centro-Oeste e Mapitoba – Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia) na produção de grãos, cana-de-açúcar e de carnes avícola e suína; enquanto as regiões tradicionais (Sul e Sudeste) perdiam participação. Essa expansão da fronteira agrícola na produção de grãos se deu, em grande parte, em áreas de pastagens de pecuária extensiva, muitas já degradadas. Sem comprometer, portanto, a expansão da produção de carne. A expansão da produção de carne avícola e suína nessas regiões novas resultou da oferta abundante de milho para ração. A pecuária de corte cresceu no Norte e Nordeste, enquanto que o sudeste perde participação, mas cresce a produção sucroalcooleira. No Sul do Brasil se destaca a ampliação da produção de leite, com elevado nível de produtividade. O leite passou a ser a principal fonte de renda de uma boa parcela dos pequenos produtores da região. A expansão da produção de grãos ocorre com a ampliação das áreas de plantio nas chamadas regiões tropicais do país – Norte, Nordeste e Centro Oeste -, sendo inicialmente com abertura de áreas e nos anos recentes, basicamente, pela ocupação de áreas de terra com pastagens degradadas. Destacam-se duas culturas nessa ocupação: soja e milho, após um início de expansão do arroz de sequeiro, que praticamente desapareceu nas últimas duas décadas. A produção de grãos passou de 46,2 milhões de toneladas na safra 1976-77 para 195,0 milhões de toneladas na safra 2013-14, segundo dados da CONAB (Tabela 6). A safra 1976-77 concentrava-se basicamente na Região Sul (58,6%) e Sudeste (19,2%). Ao longo desse período a produção se desloca para o CentroOeste (41,5, na safra 2013-14) e neste século para as

Na safra 1976-77 a produção total das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste alcançava 10,4 milhões de toneladas, pouco mais daquela da região Sudeste (9,0 milhões). Na safra 2013-14 estas mesmas regiões produziram 102,8 milhões de toneladas, ou seja, 10 vezes mais, passando a responder por 52,6% da produção brasileira. O maior crescimento foi observado na região CentroOeste, cuja produção passou de 5,5 milhões de toneladas para 81,0 milhões, ampliação de quase 15 vezes. Essa evolução foi contínua e rápida, praticamente dobrando a produção a cada 10 anos: na safra 1984-85 produzia 10,5 milhões de toneladas; em 1996-97 (20,1 milhões); dobra novamente em 8 anos e alcança 42,5 milhões de toneladas em 2004-05; e quase dobra em 2013-14 quando colhe 81,0 milhões de toneladas. A região Centro-Oeste ampliou sua participação na produção de grãos, de 11,9% para 41,5%, em menos de 30 anos. Igualmente significativo é o aumento da produção que ocorre nas regiões Norte e Nordeste, em especial a partir dos anos 2000. A região Nordeste que produziu 10,0 milhões de toneladas, em 2004-05, colheu 60% a mais, em 2013-14, ou seja, 16,1 milhões de toneladas. O Brasil é, assim, hoje o país que desenvolveu tecnologia e processos produtivos para plantio de culturas de clima frio e temperado em amplas regiões de clima semi e tropical. Mais importante, com produtividade competitiva aos padrões internacionais para a soja e milho.

3.2. O empreendedor Uma característica da expansão da produção nas regiões de cerrado é a grande participação de filhos de pequenos produtores vindos das regiões tradicionais, que se revelaram grandes empreendedores inovadores. São profissionais do agronegócio que vieram para a fronteira agrícola com elevada competência técnica, acumulada

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reduzindo drasticamente as históricas perdas de produto na fazenda e ampliando fortemente os ganhos de produtividade com a precisão no plantio e na distribuição de fertilizantes e defensivos; e - a expansão da fronteira agrícola para as regiões de cerrado, consolidando produtores com áreas de terra mais extensas para cultivo com custos menores, que possibilitaram a expansão acelerada, maior profissionalização e integração com o CAI. Nesse contexto três fatores estruturantes foram destacados e são analisados a seguir: a expansão do agronegócio para as regiões de cerrado, o empreendedorismo do agricultor e a consolidação do Complexo Agroindustrial. Sem desmerecer os demais fatores, alguns conjunturais, que foram importantes para a expansão do agronegócio.

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no trato das lavouras no Sul do Brasil, no uso de insumo modernos, correções de solo; e favorecida pelas orientações técnicas propiciadas pelo sistema cooperativista, que contribuiu também para o conhecimento dos mercados de produtos e insumos e na lida com os processos de comercialização, conservação de produtos e compras de insumos; fundamentais para a implantação da agricultura comercial nas regiões novas e sem infraestrutura. Esses agricultores revelaram competência para lidar com o sistema financeiro. Nesse sentido, merece destaque a contribuição das equipes especializadas em crédito rural do Banco do Brasil, na formação desses empreendedores rurais, e a política de crédito rural que alcançou de forma efetiva os pequenos produtores, desde a sua expansão inicial nos anos 1970, com diferenciais de taxas de juros e Valores Básicos de Custeio (VBCs) para esses produtores, transformando a agricultura de subsistência em pequenas empresas rurais nas regiões tradicionais. A baixa formação escolar da maioria dos empreendedores na fronteira agrícola não foi empecilho para o sucesso profissional desses empresários rurais. Mas cabe um registro para as escolas de agronomia, que proporcionaram profissionais especializados nas diversas áreas das atividades agropecuárias. O agricultor foi e continua cada vez mais a ser o ator

principal do sucesso do agronegócio, responsável pela adoção de novas práticas no cultivo, que associam conservação e aumento de produtividade do solo. Merece destaque a adoção do plantio direto e da rotatividade de culturas, que melhora a qualidade do solo a cada ano. O plantio direto eliminou os processos erosivos, manteve o solo protegido com a palha das lavouras, enriquecendo-o com o material orgânico da palhada decomposta, mantendo o solo vivo com macro e micro-organismos transformando-a em nutrição do solo. Além de reter água e reduzir os impactos das estiagens nos meses de desenvolvimento das plantas. O resultado foi melhoria contínua dos solos e aumento de produtividade.

3.3. O complexo agroindustrial Outro fator importante para a expansão consistente do setor agropecuário foi o moderno complexo agroindustrial, que respondia em 2013 por 40% do PIB do agronegócio, enquanto a produção agropecuária na fazenda respondia por 29% e os setores de distribuição por 31% do PIB do agronegócio. A Tabela 7 apresenta esses dados para os anos 2000 e 2013, mostrando que o PIB do agronegócio representa 22,54% do PIB total do país, sendo 15,68% relacionado à agricultura e 6,87% relacionado à pecuária.

Tabela 7 - PIB do Agronegócio Brasileiro por Setor – 2013 Agronegócio Total (A+B+C+D) A) Insumos B) Agropecuária

2013

% do setor

% do PIB

2000

2013

2000

2013

% crescimento

749.870

1.092.238

100,00

100,00

23,48

22,54

45,66

74.460

127.847

9,93

11,71

2,33

2,64

71,70

178.382

317.159

23,79

29,04

5,59

6,55

77,80 23,64

C) Indústria

248.151

306.807

33,09

28,09

7,77

6,33

248.878

340.424

33,19

31,17

7,79

7,03

36,78

516.640

759.620

100,00

100,00

16,18

15,68

47,03 70,10

A) Insumos

44.835

76.264

8,68

10,04

1,40

1,57

B) Agricultura

93.844

179.529

18,16

23,63

2,94

3,71

91,31

C) Indústria

208.635

266.033

40,38

35,02

6,53

5,49

27,51

D) Distribuição

169.326

237.794

32,77

31,30

5,30

4,91

40,44

233.230

332.618

100,00

100,00

7,30

6,87

42,61

Pecuária (A+B+C+D)

Conjuntura

2000

D) Distribuição Agricultura (A+B+C+D)

Revista de

R$ milhões (preços de 2013)

A) Insumos

29.625

51.583

12,70

15,51

0,93

1,06

74,12

B) Pecuária

84.537

137.630

36,25

41,38

2,65

2,84

62,80

C) Indústria

39.516

40.775

16,94

12,26

1,24

0,84

3,19

D) Distribuição

79.552

102.630

34,11

30,86

2,49

2,12

29,01

PIB Total (2013)

3.193.236

4.844.815

-

-

100,00

100,00

51,72

Fonte: Cepea-USP/CNA.

No período de 2000 a 2013, o PIB da agricultura cresceu 91%, a pecuária 63% e o setor de insumos 72%. A indústria (beneficiadora) foi a que menos cresceu (23,64% no agregado), ficando muito abaixo do crescimento do PIB brasileiro (51,72%). A estagnação desse parque industrial pode ser explicada pela expansão da

exportação dos produtos in natura. Tal fato é um fator de risco para o setor produtor, dada a instabilidade histórica dos mercados de produtos não manufaturados. Outro fator de risco para o setor é o elevado grau de importação dos fertilizantes. Em média, 70% da demanda interna por fertilizantes é atendida pelas

4. Conclusão O agronegócio brasileiro tornou-se altamente competitivo no mercado internacional em razão do extraordinário aumento de produtividade das lavouras e pecuária e, em especial, da mão de obra rural. Tais resultados foram viabilizados pelas políticas públicas implementadas – crédito, pesquisa e macroeconômica -, pelo aquecimento da demanda por alimentos nos anos recentes e pela parceria da agropecuária com a indústria a montante e a jusante. O CAI foi fator decisivo para os avanços obtidos no agronegócio. Os investimentos em pesquisa (P&D), que inicialmente era basicamente pública, coordenada pela Embrapa, hoje tem participação crescente do setor privado e em especial da indústria a montante. Contribuiu também para a expansão e modernização do setor o deslocamento da produção de grãos, particularmente no que se refere ao deslocamento das regiões tradicionais para as regiões de cerrado, e o empreendedorismo dos agricultores que se deslocaram para essas regiões. Entretanto, nem tudo são louros no agronegócio. Há grandes riscos derivados da instabilidade do mercado internacional, o elevado protecionismo dos países ricos e a dependência de importação dos nutrientes para a produção de fertilizantes. Há a necessidade de retomar a implantação da indústria nacional de fertilizantes de forma a aumentar sua produção e avançar nas negociações paralisadas da Rodada de Doha. No curto prazo, a expansão da demanda internacional por commodities agrícolas, resultante basicamente do crescimento da renda e do processo de urbanização da China, ainda mantém a indicação de um cenário positivo, mas de grande instabilidade nos preços, ampliando os riscos característicos do setor. No longo prazo, a viabilização de novas utilidades para os produtos do setor, em especial os

biocombustíveis, é o caminho para expansão do agronegócio. Entretanto, essa é uma estratégia que precisa ser construída com a mão forte do Estado e em parceria com os setores do complexo agroindustrial, agricultores e pecuaristas. O descaso público com o potencial do setor canavieiro na produção de etanol é um alerta. Os EUA se distanciam do Brasil nesse setor, que está perdendo o bonde do desenvolvimento.

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importações. Os macronutrientes primários utilizados para produção de fertilizantes são: nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), que respondem, respectivamente, por 23%, 62% e 15% da produção. Os nitrogenados importados representam 73% do consumo interno, apenas 27% da produção é nacional. Os fosfatados têm 34% do consumo interno importado e os potássicos têm 67% do consumo interno importado. O cenário de médio prazo é que o Brasil continuará a depender de fertilizantes importados para sustentar a expansão da produção agropecuária. Aumentando o risco do setor, já que os preços das matérias-primas são determinados pelos preços internacionais e pela taxa de câmbio, sendo os nitrogenados fortemente influenciados pelos instáveis preços do petróleo.

Bibliografia

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ALVES, E. R. A.; SOUZA, G. S.; GOMES, E. G. Contribuição da Embrapa para o desenvolvimento da agricultura no Brasil. Brasília: Embrapa, 2013. BARROS, J. R. M. Impactos da adoção da tecnologia Intacta Monsanto. São Paulo: [s.n.], 2013. Palestra em 11 de junho de 2013. CORAZZA ,Eloy e PAGNUSSAT, José Luiz, “Plantando a Escassez”, Carta de Conjuntura, ano 4, nº 23, ago/set/90, Brasília: Conselho Regional de Economia - CORECON/DF, 1990. GASQUES, J. G.; BASTOS, E. T.; VALIDES, C.; BACCHI, M. R. P. “Produtividade da Agricultura Brasileira e os Efeitos de Algumas Políticas”. Revista de Política Agrícola, v. 21, n. 3, pp. 83-92, jul./ago./set. 2012. PAGNUSSAT, José Luiz, “Reforma Tributária e Competitividade da Agricultura”, Tributação em Revista, Ano 5 - nº 22, outubro/dezembro/97. Brasília: Sindifisco, 1997. VIEIRA FILHO, José Eustáquio Ribeiro “Transformação histórica e padrões tecnológicos da agricultura brasileira” (Capítulo 2). In: BUAINAIN, Antônio Márcio; ALVES, Eliseu; SILVEIRA José Maria da; e NAVARRO, Zander. Brasil do século 21 - A formação de um novo padrão agrário e agrícola. Brasília: Embrapa, 2014. p. 395-421.

Eloy Corazza

[email protected] Economista, Auditor Fiscal aposentado e empresário rural. Foi Secretário Executivo do Ministério dos Transportes e Comunicações entre outros cargos públicos. Foi Professor da Universidade Católica de Brasília e da PUC/RS.

José Luiz Pagnussat [email protected]

Economista, Professor do UDF e ENAP. Foi presidente do Conselho Federal de Economia (1996) e do Conselho Regional de Economia do DF e da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Economia. Foi Professor da Universidade Católica de Brasília (1985 a 2004).

CONCURSOS QUESTÕES DE CONCURSOS DE ECONOMIA Seleção das questões e comentários: Econ. Hélio Socolik

[email protected] Economista pela UFRJ e Mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas. Auditor-Fiscal da Receita Federal (aposentado). Professor de Macroeconomia, Microeconomia e Finanças Públicas em diversas faculdades e cursos reparatórios de concursos públicos.

1- (Analista de Planejamento do INPI, 2013) Suponha a existência de uma economia sem qualquer tipo de atividades fiscais e tributárias, de tal forma que a poupança agregada - S - e o nível de investimento - I – são dados pelas equações a seguir. S = Y – C; C = c1Y; I = I0 + d1Y – d2i. Nessas equações, c1 = 0,6; I0 = 100; i = 10; d1 = 0,2 ; d2 = 0,5. Com base nas informações acima apresentadas, julgue os itens seguintes. a- Caso o produto de equilíbrio seja 475 unidades monetárias, o investimento agregado será igual a 200 unidades monetárias. b- Caso o investimento autônomo cresça 100 unidades monetárias, o produto de equilíbrio subirá 400 unidades monetárias. Comentário: a- Uma economia sem qualquer tipo de atividades fiscais e tributárias não considera as despesas e receitas do governo. Assim, o produto (ou renda) de equilíbrio é aquele em que o investimento privado (I) iguala a poupança planejada pelas empresas e as famílias (S). Outra maneira de se expressar o mesmo produto é através da igualdade entre produto e demanda, ou seja, Y = C + I. Desenvolvendo essa expressão conforme o enunciado da questão temos Y = c1Y + I0 + d1Y – d2i, donde chegamos a Y = (I0 – d2i) / (1 - c – d1). Substituindo pelos dados numéricos, tem-se Y = (100 – 0,5.10) / (1 – 0,6 – 0,2) = 95 . 5 = 475, ou seja o produto de equilíbrio é 475, conforme a afirmativa da questão. Vamos agora calcular o investimento. Conforme a questão, I = I0 + d1Y – d2i. Substituindo pelos dados numéricos, tem-se I = 100 + 0,2.475 – 0,5.10 = 190. Esse valor contraria a afirmativa da questão, que é de 200. Resposta: Errado. b- O produto de equilíbrio é igual a 475 quando o investimento autônomo é igual a 100. Se o investimento autônomo crescer de 100, ele vai a 200. O novo produto de equilíbrio fica Y = (200 – 0,5.10) / (1 – 0,6 – 0,2) = 195 . 5 = 975. O produto cresce de 475 para 975, isto é, de 500 unidades monetárias, o que contraria a afirmativa da questão, que menciona 400. A questão pode ser resolvida de outro modo. Sabemos que o multiplicador do investimento é igual à fração 1 / (1 - c – d1) = 1 / (1 – 0,6 – 0,2) = 5, ou seja, dado um aumento no investimento autônomo a renda aumenta 5 vezes. Então, tem-se: ∆Y = ∆I0 . 5; donde ∆Y = 100.5 = 500. Resposta: Errado.

Revista de

Conjuntura

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2 - (Economista do BNDES, 2013) A renda líquida enviada ao exterior (RLEE) de determinado país é positiva. Logo, com base nessa informação, conclui-se que a) PIB > PNB b) PIB < PNB c) PIB = PNB d) PIB < PNL e) PNL > PNB Comentário. A diferença entre o Produto Interno Bruto (PIB) e o Produto Nacional Bruto (PNB) é que, enquanto o PIB é definido como o valor de tudo que é produzido internamente em um país em um determinado período, o PNB é o valor do produto que efetivamente pertence ao país. Considera-se, nesse sentido, que as remunerações aos fatores de produção, como lucros, juros e alugueis, quando entram, constituem a renda recebida e quando saem a renda enviada ao exterior. Denomina-se renda líquida enviada ao exterior (RLEE) a diferença entre a renda enviada e a renda recebida. O PNB é igual ao PIB, menos a RLLE. Assim, quando esta é positiva o PIB é maior do que o PNB. Resposta: a.

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