Artigo: O GRAFFITI NA EDUCAÇÃO: DA TRANSGRESSÃO À APROPRIAÇÃO

May 25, 2017 | Autor: Eduardo Turski | Categoria: Graffiti, Arte Educação, Artes Visuais, Transgressão, Licenciatura Em Artes Visuais
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Artes Visuais

Eixo Temático:

Iniciação à docência

O GRAFFITI NA EDUCAÇÃO: DA TRANSGRESSÃO À APROPRIAÇÃO Eduardo Turski (UFRGS, RS, Brasil) Sandra Olinda Matos (ETESED, RS, Brasil) Umbelina Barreto (UFRGS, RS, Brasil) RESUMO: O artigo escrito a três mãos se refere à Iniciação à Docência em Artes Visuais, dentro do Projeto PIBID UFRGS, articulando a visão do professor coordenador, do professor supervisor e do aluno de Licenciatura em Artes Visuais. O foco abordado no texto corresponde a um dos projetos desenvolvidos junto a Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles, em duas turmas de terceiro ano do Ensino Médio Politécnico e Técnico Integrado em Design de Interiores. A proposta parte da tentativa de construir uma relação entre a construção de um processo artístico, diretamente relacionado ao espaço exterior e à transgressão urbana, e uma pós-produção, envolvendo a apropriação posterior da obra realizada, em um novo processo artístico redirecionado ao espaço interior. O projeto foi trabalhado com os alunos da Escola Básica enfatizando o desenvolvimento do processo educativo em simultaneidade à aprendizagem artística, incluindo a responsabilização e conscientização sociocultural dos alunos. As referências utilizadas envolvem a produção artística em obras que evidenciam a preocupação sociocultural na apropriação do espaço urbano, e o processo de desenvolvimento da linguagem do graffiti, tendo como um dos modelos a linguagem de Eduardo Turski, também futuro professor, atual bolsista PIBID e uma das mãos constitutivas do texto desse artigo; além dos irmãos Campana, no que se refere ao reaproveitamento de materiais e inovação no design. E a reflexão crítico-teórica a partir de Ranciére(2010), A partilha do sensível, Paulo Freire(2011), Pedagogia da Autonomia, Clara Oliveira(1999), A Educação como processo auto-organizativo e Nicolas Bourriaud(2009), Pós-produção - como a arte reprograma o mundo. Palavras-chave: iniciação à docência; graffiti e design; produção e pós-produção.

THE "GRAFFITI" IN EDUCATION: THE TRANSGRESSION TO THE APPROPRIATION ABSTRACT: The article is written at three hands and refers to teaching introduction in the Visual Arts inside the UFRGS-PIBID Project, and articulates the vision of the coordinator professor, the teacher supervisor and the student of Visual Arts. The focus of discution in the text is part of one of the projects developed with the Public Technical School Ernesto Dornelles, in two

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third grade classes of high school and Integrated Technical, “Polytechnic in Interior Design”. The proposal is part of an attempt to relate the construction of an artistic process involving directly the transgression in the urban space and the post-production appropriation of the performed work. The result of this pedagogical proposal is redirected to a new artistic process and the constrution of new objects to the interior space. The project was worked with high school students emphasizing the development of the educational process concurrently with artistic learning, including social accountability and cultural awareness of the students. The references used involves artistic production in artworks that shows the social and cultural concerns in the appropriation of urban space. The graffiti of Eduardo Turski was used as model to the process of development of the students graffiti language. Turski is a future teacher and current scholarship student intern of PIBID, and he is one hand that wrote the text of this article. In addition to these references the “Campana Brothers” designers are used with regard to the materials recycling and design innovation. The critical-theoretical reflection from Ranciére(2010), The sharing of the sensible, Paulo Freire(2011), Pedagogy of Autonomy, Clara Oliveira(1999), Education as a self-organizing process, and Nicolas Bourriaud(2009), Post production - how art reprograms the world. Key words: Introduction to teaching; "graffiti" and design; production and post-production.

1 Introdução Este artigo volta-se sobre uma das formas de trabalho colaborativo inovadoras surgidas na articulação do PIBID Artes Visuais UFRGS e a Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles, corroborada na própria escrita deste texto. Com o intuito de desenvolver as capacidades criadoras dos bolsistas de iniciação à docência, no sentido de buscar um desenvolvimento simultâneo do sujeito artista e do sujeito professor, solicitou-se uma proposta educativa de cada aluno que contemplasse a sua própria linguagem poética. Por outro lado, a articulação entre a coordenadora do PIBID e a supervisora da Escola garantiram que a realização de algumas das propostas apresentadas repercutisse e fosse significativa no desenvolvimento dos alunos da Escola Básica, através de uma pertinência efetiva ao componente curricular, com desdobramentos internos ao currículo, mantendo o desenvolvimento de um processo de trabalho em etapas muito diversas, ao envolver os estudantes como um grupo e também os sujeitos, individualmente, em suas particularidades. Este envolvimento, enfatizando o processo de criação no desenvolvimento do processo, constituiu-se como o escopo do sentido da apropriação dos desdobramentos do trabalho. Em atenção ao perfil de aluno a ser formado no Ensino Médio, preconizado nas mudanças implementadas pelo Pacto Nacional que evidenciam uma educação como responsabilização social, selecionou-se uma das propostas desenvolvidas na Escola que pudesse mostrar concretamente outra maneira de trabalhar com formas de arte contemporânea populares, trazendo, simultaneamente, uma reflexão sociocultural e também política, sem perder a aprendizagem correspondente ao componente curricular Arte, mas ao inverso, através do próprio desdobramento das competências e habilidades que o constituem na área de linguagens e que perpassam o processo de comunicação humana, incluindo a auto expressão e a autoconsciência do sujeito. Maturana e Varela, apud Oliveira (1999), afirmam que “Biologicamente, os indivíduos não são prescindíveis”, ou seja, todos são necessários, principalmente se focalizarmos a sua forma de aprender, em processos que vão especificando a sua

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estrutura subordinada a seus padrões organizacionais, que o distinguem de qualquer outro indivíduo. Nesse sentido, selecionamos em Oliveira (1999) a capacidade observacional humana e o fato do ato observacional gerar-se no âmbito da linguagem, para reforçar o papel do processo educativo gerando um processo de complexificação ilimitado, em uma educação permanente em cada indivíduo inserido na cultura. Esta compreensão do desenvolvimento humano e do papel especial de cada um, alinha-se com a forma como, na arte, a construção da aprendizagem, necessariamente, se especifica na diferença que se expõe como forma de criação, evidenciando as escolhas que vão sendo realizadas ao longo do processo. A capacidade de observar e de se auto observar está articulada ao surgimento de novas atitudes e comportamentos dos indivíduos, e a relação com processos de trabalho que se desenvolvem no tempo e que se transformam pela ação de cada sujeito é necessária para desencadear o desenvolvimento próprio de cada indivíduo. Dessa forma, o fato de se buscar processos e procedimentos artísticos, que, aparentemente, estão dados como um fato cultural fechado, abrindo possibilidades de novas abordagens e apropriações passa a ser também um fator motivador da educação, necessária e atuante em processos auto organizativos. Bourriaud (2009), como crítico de arte, em seu enfrentamento das dificuldades criadas pela arte contemporânea na eliminação de tradicionais vias de acesso à obra, traz uma reflexão pertinente ao percurso que se está tentando construir neste texto. A pertinência envolve o conceito de pós-produção, que se pode encontrar no cruzamento com o conceito de apropriação, que se optou por priorizar por já estar inserido na criação emergente do mundo da arte contemporânea. O autor, inicialmente, traz a sua definição do mundo da televisão, do cinema e do vídeo, definindo a pós-produção como um conjunto de tratamentos dado a um material já registrado. Define ainda este conjunto como atividades ligadas ao mundo dos serviços e da reciclagem, o que, de certa forma, também nos interessa. Mas, para Bourriaud esta também é uma forma de relacionar procedimentos comuns à arte contemporânea que incorpora noções anteriormente dicotômicas em sua produção, tal como original e cópia, e ready-made e obra original, somente para trazer aqui o principal paradigma de mudanças da Arte ocorrido ainda no século XX, em um mundo que, na atualidade, está sendo dado como “pós”. O autor traz duas figuras: a do DJ e a do Programador, como centrais no processo de orientação que perpassa o caos cultural e a possibilidade de dedução de novos modos de produção a partir desse mesmo caos. Trazer esses tópicos pinçados em Bourriaud para dentro do percurso desse texto significa trazer a cultura do uso da obra de arte como pertinente ao processo que se está a focalizar, o qual envolve o artístico e o educativo. Entretanto, se quer ressaltar aqui o aspecto positivo e utópico da obra como um momento chave em uma cadeia de contribuições e transformações, gerando a possibilidade de um encaminhamento que nos direcione para a questão social que se pode deduzir dessa reflexão. A intenção de pegar esse desvio trazido por Bourriaud nos leva a um novo papel que se quer trazer ao professor, que pode reinserir a paixão em uma prática cotidiana desgastada e que não tem a força necessária para fazer emergir em seu aluno a motivação intrínseca presente nas interações dos processos auto organizativos. De outro lado, continua-se com as possibilidades trazidas pela estética de Ranciére, não a articulando à pós-produção tal como o quer Bourriaud, mas a indissociando da Arte. Acredita-se na estética como uma forma de experiência aliada diretamente a um regime de interpretação que pode levar à articulação do

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sensível e do inteligível, que está no princípio de todo o processo de aprendizagem e ainda, situa-se no caminho de um processo educativo auto organizativo. Em relação a apropriação do processo de trabalho que foi desenvolvido, este artigo traz três “lugares” de observação correspondentes às três distintas atuações na execução da proposta, evidenciando as diferenças concernentes ao papel de cada um e também à visão de mundo relativa aos contextos de cada “observador” e “auto observador”. A coordenadora do PIBID Artes Visuais UFRGS vai focalizar a importância de os processos educativos serem perpassados por universos de criação, que no caso das Artes Visuais, se especificam em criações artísticas, que ampliam os horizontes educativos trabalhados. O aluno de Licenciatura em Artes Visuais, bolsista do PIBID e atuante na Escola Básica, vai trazer a perplexidade de ser um observador de seu próprio desenvolvimento e disso poder se constituir como um dos modelos em sua atuação educativa, em um processo de criação conscientemente colaborativo, provocando novas formas de observação do fenômeno de criação do graffiti em sua interação, por vezes negativa, no espaço urbano. E a professora da Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles potencializando a aprendizagem de seus alunos para além da apropriação técnica, levando-os a descobrir o encantamento com a arte, a qual também já fez parte ativa de seu próprio desenvolvimento como criadora e professora de Artes Visuais, mas que, em alguns momentos fica esquecida no meio das estruturas burocratizadas em que atua. Ela prova que a liberdade de atuação do professor ultrapassa as burocracias e que o único entrave a sua ação poderá ser a sua própria incapacidade de percepção de seu espaço de ação. Os três lugares de onde está sendo focalizada a proposta desenvolvida é também a estrutura complexa que a constitui, e que possibilitou a mudança de foco do corpo docente e administrativo da Escola, bem como a revisão de processos e resultados como constitutivos do escopo educativo da Instituição. Quanto à existência de um lugar da observação correspondente ao aluno da Escola Básica, este seria um quarto lugar, que está pressuposto neste artigo, mas que, entretanto, o ultrapassa. Este lugar poderia ser desdobrado ainda em tantos alunos quantos foram os participantes no processo, mas este olhar de quem nos olha e não de quem se observa e observa o que vai construindo, ainda não está sendo ocupado, pois precisaria ver a si mesmo em ação, para que, então, esta observação gerasse uma mudança que pudesse ser apropriada externamente e narrada por seu próprio observador. 2 A criação artística e o processo educativo Como Coordenadora do PIBID Artes Visuais da UFRGS e atuando na Escola Técnica Estadual Senador Ernesto Dornelles, com uma história de formadora de artistas e arte educadores, além de desenvolver um trabalho artístico dentro da linguagem do Desenho, tenho me voltado a fazer emergir um professor que esteja ciente da importância de seu próprio processo criador, articulado a sua responsabilidade social e cultural como fonte de seu próprio caminho como arte educador. Freire (2011), define que o educador ético deve respeitar o conhecimento que o aluno traz para a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico, e defende a

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compreensão de que "formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas”. Defende ainda a ideia de que o educador deve buscar essa ética, a qual chama de "ética universal do ser humano", pois é essencial para o trabalho docente. E eu complemento esta ideia de busca necessária ao docente: quer seja este trabalho docente em exercício na Educação Superior ou na Escola Básica. Afirma Freire (2011) da inseparabilidade entre o ensinar e aprender, pois “Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender". E esta afirmação me leva a pensar em como uma oficina ministrada por um bolsista do PIBID pode ser significativa para o seu processo auto-organizativo no desenvolvimento de sua formação, bem como pode ser um processo de mudança em uma professora da Escola Básica que se encontre afastada do seu próprio aprender. Interessa ao pensamento que está sendo desenvolvido neste texto, neste momento, pensar com Rancière (2010) a questão da liberdade não como possibilidade de criação, como vários autores têm trazido tradicionalmente, mas, justamente, ao inverso, como consequência da criação. É nessa direção que penso na importância da articulação da formação inicial ao desenvolvimento formal da educação básica, como uma possibilidade de reinscrever os processos de criação como base dos processos de aprendizagem, potencializados pelos processos educativos. Rancière (2010) vendo a liberdade como posterior à criação, e não como condição para esta, diferentemente de Bourriaud (2009), busca no passado, o que se conserva até o presente, mas como caminho de abordagem às transformações que ocorrem no mundo e também na arte, e, principalmente, para potencializar as mudanças necessárias à sociedade atual. É interessante pensar que esta é uma questão construtivista, e que foi a base da Teoria da Autopoiesis de Maturana e Varela (1976), que está sendo retomada neste texto a partir da proposta de Oliveira (1999), que a focaliza na Educação como um processo auto-organizativo. Para se compreender a importância e a amplitude dessa reflexão de Rancière sobre a liberdade relacionada aos processos de criação, é essencial mencionar os regimes de interpretação trazidos pelo autor (2010) na articulação da experiência da arte. O primeiro regime refere-se ao “regime ético das imagens”, o segundo, ao “regime representativo”, e o terceiro refere-se ao “regime estético da arte”. Esta complexidade trazida por Rancière (2010) confere a arte um papel central na emancipação social em um regime democrático, e, relaciona-se diretamente aos processos artísticos e educativos sobre os quais se está desdobrando esse artigo. No comprometimento de minha própria atuação como Professora Formadora envolvida com a construção da Iniciação à Docência de alunos, cuja formação não prescinde de processos de criação, mas parte desses processos para chegar à educação, encontra-se essa complexidade em que os regimes se sobrepõem, e que recolocam a arte como uma ação política, na expectativa de construção de um processo emancipatório. É nesse contexto, que um aluno emancipado traz à luz seus próprios processos de criação e de educação, e os desenvolve ao lado de sua professora, em uma partilha, em que ambos os fazem repercutir em um novo contexto que aponta para um futuro, mas que, necessariamente, se desdobra no presente, levando à reflexão sobre o perfil de professor que se está a construir. Para Rancière (2010) existe uma base comum entre a experiência estética e a política que definiria o que ele chama de “a partilha do sensível”, envolvendo a

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distribuição do visível, do dizível e do pensável por meio dos quais os humanos se interligam em uma comunidade. Pensar no que significa a partilha do sensível para Rancière nos devolve o processo de discussão e escrita a três mãos desse texto, e nos encaminha para possibilidades de encantamento e reencantamento como resgate de uma Escola que tem se esquecido da utopia, e consequentemente, tem se esquecido da arte. Trabalhar com a Professora Supervisora do PIBID na Escola é resgatar o sonho de transformação presente em todos os processos de criação. É resgatar da memória a sua própria formação e presentificá-la em processos semelhantes que ocorrem nos alunos de iniciação à docência. É fazê-la voltar a acreditar que, mesmo sendo professora há quase vinte anos, é em sua capacidade de voltar a aprender que se encontra o significado de sua ação educativa. Enfim, vivenciar a experiência da arte no processo educativo é recuperar na arte a possibilidade de se experienciar a diversidade do sensível, o que, talvez, para muitos alunos ainda não signifique experiências vividas, mas que, pelo fato de alguém já poder ver, dizer e pensar sobre elas, e, com isso processar o seu compartilhamento, os aproxima de um novo processo, um processo de criação, que é também uma experiência de liberdade. 3 Uma história significativa em arte e educação: um processo autoorganizativo 3.1 O encantamento como caminho para uma formação do artista educador Meu nome é Eduardo Turski e verifico que estar em formação em um Curso de Licenciatura em Artes Visuais, e desenvolvendo uma linguagem artística cujo início é anterior ao meu ingresso no Curso, envolve também o contar a sua própria história, que, mesmo sendo ainda muito recente, pode ser significativa para se refletir sobre um processo educativo que não prescinda dos processos de criação. Quando jovem, ao perceber a existência do graffiti por meio de uma revista do gênero, me vi instantaneamente aficionado. Percebi a autenticidade dos graffitis brasileiros muito cedo, onde pude notar nitidamente uma diferenciação visual em comparação aos graffitis de outros países. Acredito que a falta de acesso a bons materiais e a dificuldade financeira possam ter sido fatores fundamentais na diferenciação dessa estética, pois talvez os brasileiros se vissem obrigados a buscar e desenvolver alternativas próprias que possibilitassem a realização dessa expressão nas ruas da cidade independente das dificuldades materiais e estruturais. Enquanto na maioria dos lugares reproduziam-se os estilos tradicionais de graffiti da cultura hip hop, com letras wildstyle, bombs e personagens com vestimenta e visual específico da cultura, no Brasil isso logo se disseminou junto à riqueza da cultura popular construída com a diversidade dos povos e culturas que constituem o Brasil. Quando vi por meio de imagens e vídeos os trabalhos artísticos feitos à base de tinta aerossol (spray) junto à grandiosidade da técnica e a seriedade e o compromisso por trás da ideologia dessa cultura, cada vez mais ficava encantado e a vontade de conhecer e saber mais sobre isso tudo só aumentava. Agora, quase 10 anos depois do início desse encantamento, venho ainda fazendo do graffiti parte intrínseca ao meu cotidiano, desenvolvendo-o com o máximo de desempenho possível, tendo a perfeição como utopia.

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Ao adentrar de cabeça nesse mundo, uma questão que me chamou a atenção foi o fator social que está diretamente ligado ao graffiti, pois faz parte dessa cultura a disseminação da arte para que as pessoas não vejam a rua apenas como espaço de transição, mas que possam exercer um olhar crítico sobre essas intervenções realizadas, transformando o ambiente urbano em um espaço que proporcione arte aos que não possuem condições ou acesso a galerias e museus. Eu destaco a importância desse tipo de arte nas localidades periféricas, onde há pouca assistência social e que o hip hop, por sua vez, acaba por exercer grande parte desse papel, recebendo os jovens e dando-lhes oportunidades artísticas de poder se expressar e exercer sua identidade se definindo então enquanto cidadãos. Junto a isso prega-se regras de boas práticas na sociedade com a linguagem própria da juventude, em que se acaba por atrair a atenção dessas pessoas proporcionando-lhes um amplo conhecimento que, muitas vezes, se transforma em um estilo de vida. A arte urbana está inserida no contexto de vida dos jovens de hoje em dia e isso facilita o despertar de seu interesse por essa cultura. O hip hop atualmente se faz presente na maioria das periferias e localidades mais humildes, exercendo um amplo papel de recuperação social de jovens e adultos. Considero a importância de reconhecer este aspecto construtivo da arte urbana nos dias de hoje. Essa foi uma das principais circunstâncias que acabou influenciando a minha vontade de reconstruir processos e procedimentos atuando na aprendizagem junto a Escola Básica, envolvendo outros alunos e outras comunidades na tentativa de ajudá-los na possibilidade de ir adiante através de um processo artístico. A sociedade aprecia esse tipo de arte nas ruas, e todos gostam de ver o processo, partilhar do fazer, ficam envolvidos pelos procedimentos técnicos do uso do aerossol (spray), pelo fato desta manipulação ser dinâmica e rápida e gerar visualidades quase imediatas. Quando crianças passam por mim com seus pais, costumam ficar hipnotizadas, olhando o processo e obrigando seus pais a esperar o término de sua apreciação pessoal, já outras interagem, questionam e elogiam, devido a sua espontaneidade. Os moradores de rua também participam e sempre elogiam muito e dão amplo valor a esse ato, assim como questionam os significados e os motivos de se fazer isso, demonstrando não entender quais os valores que estão aí implicados e buscando saber mais sobre o significado desses atos, pois o graffiti é feito na rua e a rua, por sua vez, é também a sua casa. A partir de 2012, quando passei a morar em Porto Alegre, busquei espalhar minha arte pelas ruas da capital e tentar me integrar ao grupo de grafiteiros que atuavam nessa localidade. Em questão de alguns anos já estava entre os grafiteiros mais atuantes da cidade, espalhando minha arte por diversas locações e participando de vários eventos do gênero junto à prefeitura da cidade. Em certa altura me vi na possibilidade de cursar Licenciatura em Artes Visuais na UFRGS, onde, posteriormente, eu viria a integrar o grupo PIBID. Nessa nova vivência, como pibidiano tive a oportunidade de perceber o ambiente escolar, agora com outros olhos, aprofundar a minha experiência enquanto educador para alimentar essa vontade de ser um bom profissional, que surge, talvez pelo fato de não ter tido a oportunidade de conhecer bons professores de arte em minha formação escolar. E, de alguma forma, essa falta acabou por servir de motor na busca da evolução e na medida em que consigo ampliar ainda mais este universo estendendo-o para o campo da educação. Dessa forma, quando, em certo momento, fomos solicitados pela coordenadora do PIBID a elaborar uma proposta de oficina que envolvesse processos e procedimentos artísticos em que tivéssemos certo domínio, e que

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sentíssemos conforto em ministrar, imediatamente imaginei que a minha proposta envolveria o graffiti e a arte de rua, pois, sendo este o meu universo de criação é também o que me possibilita a liberdade de escolha por uma educação mais responsável e consequentemente mais criadora. 3.2 Aprendendo a ser professor na busca de aperfeiçoamento do artista A partir de meu primeiro mês como PIBID de Artes Visuais, tendo surgido a oportunidade de desenvolver algo que para mim é uma das questões que dá sentido ao meu ingresso no Curso de Licenciatura em Artes Visuais, passei a pensar e buscar soluções que pudessem demonstrar aos alunos a riqueza de estilos e ideias que constituem o graffiti no Brasil e no exterior, de forma a poder passar a minha paixão e encantamento por essa prática. Em um primeiro momento, ao elaborar uma aula expositiva, busquei referências de artistas que se destacassem de alguma forma nesse meio artístico. Construí uma apresentação sobre o conceito de graffiti e suas variações, em que elaborei um grande conjunto de diversos estilos, como o de alguns artistas que possuem um reconhecimento fora do país e que levam o estilo brasileiro para muito além de nossas fronteiras. Diversos artistas trabalham somente com letras e com letras tradicionais, aplicando em cima dessa tradição do graffiti, a sua autoria e estilo próprio, outros desenvolvem personagens autênticos inspirados nos próprios brasileiros e em influências diversas, mas eu busquei também aqueles que desenvolvem um estudo na abstração do graffiti, em uma linha que dialoga diretamente com o meu trabalho. No conjunto escolhido para a aula expositiva na escola constavam artistas com ótimos desenhos, outros com um trabalho simples, porém de cunho político. Também acrescentei exemplos de artistas mulheres que desenvolvem esse trabalho em um meio, de certa forma, masculinizado, mas que possuem muita força por si próprias e desenvolvem trabalhos excepcionais, com um viés na discussão do feminino e do feminismo, relacionados diretamente a uma sociedade inclusiva. Dentre os artistas, cito aqui somente alguns como Osgemeos (brasileiros), Panmela Castro (brasileira), Banksy (inglês), dentre tantos outros que constituíram a aula expositiva. Ao levar a apresentação construída para os alunos da Escola Básica, o fato de ter desenvolvido uma pesquisa que fiz com tanto cuidado também me envolveu emocionalmente, e, desta forma, enfatizei a busca por explicitar o processo de evolução de uma arte que se desenvolveu marginalizada até sua aceitação na mídia e em campanhas publicitárias. E, este outro lado do graffiti, como uma apropriação, também foi levado aos alunos, em que apresentei exemplos de diversos produtos que utilizam a estética das ruas como forma de aproximação do consumidor que se identifica com essa visualidade urbana, mas não somente sobre este viés. Também apresentei artistas que foram os precursores em levar a arte das ruas para dentro de espaços institucionalizados, como Alex Vallauri, Basquiat e Keith Hering, que participaram de bienais e grandes galerias com um trabalho que se desenvolve no cenário urbano, mas que se transforma e adentra esses espaços, buscando novos estudos e ideias nessa nova circunstância para a exposição de seus trabalhos. No final da apresentação eu busquei ainda traçar uma linha evolutiva no meu processo pessoal de graffiti, conforme figura 01, para que os alunos não vissem o que estava sendo mostrado como algo muito distante de seus domínios e para que

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todos pudessem se sentir familiarizados com esses procedimentos técnicos ao ponto de gerar a possibilidade de aproximá-los, no intuito de potencializar o seu fazer, levando-os a querer se apropriar desse processo. A elementaridade de minha primeira produção e de algumas subsequentes, ainda adolescente, mostra a dinâmica de estar já desenvolvendo um caminho, buscando e melhorando, e, apesar da idade, mostra a presença de uma determinação que se torna visível na linha de tempo traçada.

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2011____________2014______________2014__________2015______________2015 Figura 01: Eduardo Turski, linha de tempo das obras de graffiti realizadas, mostrando o primeiro trabalho realizado com giz, e os seguintes, ainda em minha adolescência, até chegar ao momento atual com transformações de estilo e já com uma proposta artístico-estética visível.

Após a apresentação realizada para os alunos da Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles dos procedimentos e processos envolvidos no graffiti, a proposta foi partir para a elaboração prática. Iniciou-se então a criação de um grande painel coletivo entrelaçando fazeres, envolvendo o meu próprio fazer e os fazeres dos alunos, além de contribuições significativas dos demais bolsistas do PIBID. A ideia que perpassou a construção foi o desenvolvimento de um processo em diferentes fases ou etapas, onde, em um momento inicial todos desenhavam com fita crepe preta de diferentes espessuras sobre o pano branco a fim de constituir certo tramado com linhas e desenhos que pudessem dar andamento e enriquecimento a todo esse processo. Em seguida foram lançadas sobre essas fitas, tintas aguadas de cores diversas a fim de criar um plano transparente de cor em gradientes ou mesmo em contrastes que atingiria todos os espaços da tela, menos onde havia sido desenhado com a fita crepe, formando assim já um primeiro plano visual, plástico, transformador e inspirador, estimulando ao seguimento do processo. Após estas duas etapas, em que os alunos atuavam em pequenos grupos, possibilitando a experiência de todos, foi realizada uma demonstração sobre o manuseio dos tubos de tinta em aerossol (spray) e sobre a utilização do estencil, ou das máscaras de papel vazado, para fazer formas específicas em repetição sobre o plano, a fim de possibilitar um melhor manuseio e uma maior familiaridade com essa ferramenta na concepção do trabalho. Os alunos também atuaram em pequenos grupos na utilização do aerossol (spray) sobre o plano já bem trabalhado. O plano se apresentava agora com parte das fitas retiradas, deixando linhas brancas sobre os planos aquarelados coloridos, e a partir de então os alunos foram interagindo novamente ao elaborar desenhos

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diversos com cores distintas formando um grande painel multicolorido com diversas densidades sobrepostas. A partir do resultado construído totalmente pelos alunos, em uma atuação reiterada em diversas etapas, neste momento de finalização, eu observei as ênfases criadas e busquei uma maneira de pontuar a visualidade de meu próprio trabalho naquele contexto, dialogando com a diversidade que se apresentava. O objetivo foi dar unidade visual à obra através da recorrência das formas triangulares que caracterizam meu trabalho em graffiti, o que não anulava o trabalho de todos, mas, ao inverso, dialogava com as formas direcionando o olhar e “segurando” a visão dentro do espaço, “fazendo ver” todas as camadas elaboradas, concluindo assim esse processo. Em minha atitude, visei aplicar as formas que caracterizam o trabalho em graffiti que tenho realizado, em áreas mais vazias preenchendo esse grande espaço da tela com formas que dessem unidade e equilíbrio a toda essa trama de linhas, cores e ideias formando um grande painel abstrato composto com uma diversidade de procedimentos técnicos de graffiti, conforme figura 02.

Figura 02: Técnica mista de graffiti sobre tela preparada realizado na Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles. Foto de Eduardo Turski em 2015.

É importante mencionar que a tinta preta não foi disponibilizada aos alunos durante o processo de forma proposital, pois o preto é uma das últimas cores que um grafiteiro utiliza, pelo seu caráter de aparente finalização, mas também por bloquear quase totalmente a sutileza e diversidade das demais cores. A tinta em aerossol (spray) preta pode ainda gerar uma espécie de compulsão provocada pela pressa de “acertar” o traço realizado, anulando excessivamente toda a camada anterior. Verifica-se que as formas triangulares com contornos em preto realizadas somente no final, acabaram por deixar o espaço da tela mais amplo e com mais profundidade, possibilitando a permanência do olhar, através da extensão da visão em múltiplos planos, adentrando no espaço pictórico. A tela fez parte de uma exposição, conforme figura 03, no aniversário da Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles, em uma montagem que reuniu outras produções da equipe PIBID atuante nessa Escola. Após o final da exposição, a produção passou a uma outra etapa de criação denominada agora de pós-produção, sendo reutilizada a partir de um novo princípio em que ela passa a ser vista como um suporte para a criação de um objeto de design. Desta nova etapa de criação, somente uma das turmas participantes teve acesso a continuidade de elaboração da nova produção, em função da disponibilidade mesma para propiciar uma nova experiência significativa a todos os participantes.

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Figura 03: Montagem da exposição com a tela e os painéis explicativos do processo da obra e dos componentes das turmas participantes no aniversário da Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles. Fotografia de Eduardo Turski em 2015.

4 Inserção curricular nas turmas de terceiro ano Como parte do corpo docente da Escola Técnica Estadual Ernesto Dornelles e Professora Supervisora do PIBID Artes Visuais, na busca de se trazer uma proposição para o planejamento de aula do componente curricular Artes Visuais, ao grupo de terceiro ano do Ensino Médio Politécnico e Ensino Médio Integrado ao Técnico em Design de Interiores; turmas em que se buscava reatar vínculo como componente curricular em 2015; optou-se pela retomada do tema grafitti para se definir/refletir sobre alguns conceitos que pudessem articular a responsabilização e conscientização sociocultural dos alunos e o processo criativo em arte contemporânea, vindo a convergir com uma das propostas do PIBID Artes Visuais. O interesse da maioria dos estudantes pela retomada da prática contribuiu para a apresentação da proposta que vinha ainda ampliada pela oportunidade de aprofundá-la no que, para mim, também era visto ainda como uma oficina junto ao trabalho de um “grafiteiro” – organizado junto ao projeto do PIBID UFRGS de Artes Visuais, em atuação na Escola. O trabalho de Eduardo Turski em graffiti (futuro professor de Artes Visuais, bolsista do PIBID Artes Visuais e ainda atuante na linguagem do graffiti na cidade de Porto Alegre) aliado a uma proposta inovadora, elaborada a partir de um planejamento estendido, motivou os alunos que passaram a partilhar de sua obra, reconhecendo-a como expressão presente na cidade. Para o planejamento das oficinas focalizou-se a retomada do tema com o objetivo de rever alguns conceitos envolvendo a expressão e criação artística que opera junto às questões sociais e políticas, impregnada de um caráter transgressor; o que, entre outros aspectos, inserem a discussão na trajetória da arte contemporânea.

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A partir da inclusão curricular da proposição de práticas de oficinas o planejamento se desdobrou em duas etapas distintas (que puderam ser viabilizadas tanto pelo aluno Turski, como pela presença e participação de um grupo de bolsistas PIBIDs, para o atendimento do número de alunos, e pela presença da coordenadora de toda a equipe para auxiliar e verificar qualquer eventualidade que pudesse ocorrer na dinâmica). A primeira etapa foi realizada com as duas turmas e se colocou no âmbito do componente curricular Artes Visuais, portanto, cultura geral; e a segunda etapa ocorreu somente com a turma de terceiro ano do técnico em design integrado e se inscreveu com uma nova proposta, articulando-se ao exercício de criação e prática profissional técnica em design. A primeira etapa realizou-se com as duas turmas, a partir da apropriação do universo do graffiti, em uma apresentação comentada com obras escolhidas, que tiveram como foco resgatar o processo de criação e o desenvolvimento da especificidade da linguagem focalizada, sem esquecer a questão social e cultural envolvida. A partir de então, as duas turmas partilharam de um exercício coletivo de expressão envolvendo o uso de linhas, formas, signos e símbolos pessoais, utilizando-se diferentes procedimentos técnicos e materiais, com a condução do PIBID sob a coordenação geral da Coordenadora do PIBID aliada à minha supervisão como Professora Supervisora da Escola. O trabalho prático transcorreu em um local da escola que não tem o livre acesso dos alunos, entretanto é um espaço que possibilita uma visão panorâmica da cidade que faz com que todos sintam-se parte de sua própria cidade. O terraço da Escola, local em que se realizou o trabalho, não tem sido utilizado por estar com seu único acesso em condições precárias impossibilitando o seu uso pelos professores e alunos no cotidiano escolar. Dessa forma, iniciando com a fruição da beleza da visualidade descortinada pelo terraço, a produção dessa etapa resultou em uma tela muito trabalhada com formas e cores advindas de um exercício coletivo dos estudantes. A tela medindo 4m x 1.40m (quatro metros de largura por um metro e quarenta de altura), conforme figura 02, foi reconhecida por todos, alunos e professores, como um produto artístico. A “grande tela” foi exposta no aniversário da Escola em uma exposição montada no interior da Escola, conforme figura 03, onde pode ser apreciada pela comunidade escolar. É importante mencionar aqui que o espaço interno da escola, com esta exposição, passou a ser visto como um espaço poetizado e transformador. A segunda etapa foi direcionada à turma de ensino médio integrado ao técnico; cujos alunos estão cursando o componente curricular: Técnicas de Restauro e Criação. A forma de condução didática deste componente busca oportunizar exercícios de criação que viabilizem a realização de projetos individuais envolvendo a sua execução. O trabalho realizado com os alunos envolve objetos e/ou mobiliários de pequeno a médio porte, que sejam simples em sua forma, e, aqui, o produto obtido da oficina do componente Artes Visuais, volta em uma apropriação, enfatizando uma pós-produção, ao ser utilizado como elemento base para o exercício de criação em Design. Apropriados do material produzido, e tendo participado de sua produção realizada em colaboração, os alunos foram instigados a propor ideias para a sua reutilização na concepção e criação de objetos de design, onde o resultado da imagem obtida no painel seria constitutiva da prancha semântica para conduzir seus projetos. Assim, para este grupo de estudantes, gerou-se a possibilidade de se aprofundar noções sobre diferenças e semelhanças constitutivas do processo de criação em artes visuais e design.

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Neste aspecto buscou-se fazer uma conexão também com o processo educativo, e, de uma maneira prática, reforçou-se a necessidade de se construir novos olhares a partir deste sistema próprio da criação contemporânea em design, em que objetos são apropriados criando deslocamentos de significados; aliás, procedimentos utilizados pelos designers brasileiros conhecidos como Irmãos Campana. Fazendo uso de um vídeo documentário sobre os Irmãos Campana (2000) iniciou-se o trabalho no componente curricular do Curso no início do ano letivo, com a intenção de aprofundar a reflexão sobre os conceitos e ideias sobre a arte e o design na atualidade, envolvendo suas fronteiras e trânsitos, bem como, sobre o processo de criação destes profissionais. A proposta para este grupo de estudantes seria a utilização da obra dos Irmãos Campana como referência e estudo. Sobre a definição de criação em arte e design, no documentário encontra-se o depoimento dos dois designers em uma entrevista que evidencia o seu entendimento do lugar que ocupam. Humberto Campana se manifesta como um artista em seu processo de criação e experimentação a partir de distintos materiais. O artista designer diz que sua preocupação neste processo se centra na ação de criar sem buscar o conceito. Já Fernando Campana, traz em seu depoimento o quanto acha difícil esta definição de diferenças do processo de criar em Design e em Arte, e que hoje o Design, de uma maneira que se aproxima da Arte, “reinterpreta” e interfere na organização do pensamento das pessoas, e sendo assim, a criação acaba ficando no limiar entre as duas áreas.

Figura 04: Projetos dos alunos do Terceiro Ano da Escola Técnica Ernesto Dornelles a partir da apropriação da Tela Grafitada realizada coletivamente. Foto de Sandra Olinda Matos em 2015.

A apropriação da tela grafitada realizada pelos estudantes para o processo de criação em design, possibilita o aprofundamento das reflexões sobre conceitos que já são de uso corrente, mas que, entretanto, se apresentam ainda complexos para esta etapa de desenvolvimento escolar. Por outro lado, a reinterpretação que Fernando Campana (2000) se refere pode ser vista através do pensamento de Borriaud (2009), na pós-produção do objeto artístico como um objeto de design,

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apresentando-se em um processo de criação que é originalmente transgressor no espaço urbano e que se recoloca como construtor de novas ideias ao ser adequado a um espaço interior. Ou seja, o objeto/ação que toma como base os processos de criação de artistas transgressores do espaço urbano - a tela grafitada - que replica as imagens/revestimentos das paredes e objetos públicos da cidade, se desdobra em revestimentos de objetos de uso cotidiano e privado, aproximando esta reflexão do universo particular dos indivíduos, conforme figura 04. O que se pode colocar aqui neste percurso também é o processo de aprendizado no qual nós professores propositores acabamos nos inserindo; revendo nossos processos de apropriação de saberes e reflexões. Ampliando nossos olhares que teimam em se obstruir na rotina burocrática da escola. Há também em nós a surpresa e as constatações não presumidas inicialmente nos caminhos que foram traçados; e que estão sendo visualizadas principalmente aqui, na concretização dessa atividade coletiva a partir de três lugares onde a autoria se confunde nas proposições e nos resultados apresentados pelos diferentes lugares ocupados pelos estudantes. Há as expectativas destes em relação ao trabalho que se assumiu para as duas turmas, inicialmente, como um jogo divertido, que se acredita que deva ser constitutivo do exercício prático em arte, e que, mesmo se constituindo para a segunda turma, do Curso Técnico Integrado em Design de Interiores, como uma atividade com um objetivo de prática profissional, ainda não perdeu este caráter lúdico que se mescla com um jogo divertido. Dentro do escopo da atividade está planejado ainda um congraçamento final na apresentação e compartilhamento entre as duas turmas do resultado desta segunda fase de criação, que ficou a cargo da turma do Curso Técnico Integrado, no esforço de se fechar um ciclo e unir todo o coletivo participante novamente no final do ano letivo. Frente a toda a estrutura desta atividade artístico-educativa, acredito que é necessário buscar brechas, mesmo estando inserida dentro das limitações impostas pela organização dos currículos nas escolas; vejo que é possível encontrar pequenos espaços de trânsito que podem vir a transformar-se em vias de acesso mais amplas e dinâmicas. Vislumbro em parcerias como esta, estabelecida entre a universidade e as escolas do Ensino Básico, a realização de cruzamentos de diferentes pontos de vista que são enriquecidos em um esforço mútuo de formação e possibilitam transformações e se apresentam como formas de resgate de algumas utopias que, na maioria das vezes, são abandonadas no meio do caminho. 5 Conclusão A guisa de conclusão desse trabalho realizado a três mãos, enfatizando a importância da diferença dos lugares de cada participante, a complementaridade presente na ação e a transformação gerada por um fazer significativo a todos, resta ainda trazer mais luz ao Projeto Institucional que tem possibilitado e também impulsionado esse espaço de atuação colaborativa na Iniciação à Docência. O PIBID UFRGS tem como proposta a colaboração e a inserção da interdisciplinaridade na Escola Básica. Nesse caminho da interdisciplinaridade encontra-se o resgate do papel da disciplina de artes como necessária ao processo de aprendizagem do aluno, que se insere no ensinar e aprender presente no exercício da docência, tornando-se vital a uma educação auto-organizativa que não prescinde do sujeito criador.

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A Arte como um componente curricular que partilha a área de Linguagens e suas Tecnologias, em um currículo em que se propõe uma integração através da interdisciplinaridade, relacionando quatro grandes áreas de conhecimento, é componente chave na construção de uma reflexão crítica sobre a cultura atual. Primeiro, por ser um componente que realiza o seu escopo pedagógico na construção do inteligível centrado em um ser humano criador e, segundo, e não menos importante, por realizar o seu escopo pedagógico na construção do sensível, centrado em um ser humano autoconsciente de sua própria condição como indivíduo-coletivo e, por isso, com uma responsabilização social intransferível, e que o torna único e necessário a sua coletividade. E, talvez ainda seja interessante a esse texto, que se mencione uma terceira questão que enfatiza a necessidade da presença da Arte em todas as etapas do desenvolvimento da educação, e, especificamente, no Ensino Médio, do qual ela havia sido excluída, anteriormente, na Educação Nacional. Esta terceira questão está diretamente relacionada a Arte como uma extensão da linguagem humana, e, como linguagem, a Arte está relacionada aos processos de comunicação na sociedade atual, em uma sociedade que se quer inclusiva social e culturalmente. A Arte pode ainda ser vista como necessária à educação a partir da partilha de um pensamento histórico através do fazer artístico constituído na proxêmica de cada época, pois ao mostrar a forma como os espaços são utilizados pelos seres humanos, isso nos possibilita uma apropriação que estende os discursos que, tradicionalmente, se efetivam somente através da escrita. Esses discursos se mostram, com frequência, ideológicos, e, em um campo estendido pela Arte, podem proporcionar novos patamares reflexivos e críticos, pois a Arte atua como um princípio de alternativas à homogeneização do dizer, trazendo a presença do fazer relacionado ao dizer e inserindo um fazer que envolve a construção de valores em um sentido que se busca em um dizer/fazer semiótico presente no conteúdo a ser desdobrado em todos os componentes curriculares. Com esta reconstrução de valores, a descoberta da heterogeneidade que nos constitui é, justamente, o que possibilita a responsabilização de cada um, por vir a se saber constituinte e necessário ao todo. Referências BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção - como a arte reprograma o mundo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 43. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2011. Irmãos Campana: do Design à Arte. Direção: Maria Ester Rabello. São Paulo: Rede Sesc Senac de Televisão; 2000 (produção). Documentário (23 min.) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kS1zZboUa5w Acesso em: 13 de setembro de 2015. RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível. Ed. Daphne, Lisboa: 2010. OLIVEIRA, Clara. A Educação como processo auto-organizativo. Minho, Portugal. Editora: Instituto Piaget:1999.

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