Artigo O Novo Código de Processo Civil e Seu Estreitamento com a Constituição Federal - Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil

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ISSN 2179-166X

Revista SÍNTESE

Direito Civil e Processual Civil Ano XVIII – nº 103 – Set-Out 2016 Repositório Autorizado de Jurisprudência Superior Tribunal de Justiça – nº 45/2000 Tribunal Regional Federal da 1ª Região – nº 20/2001 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – nº 1999.02.01.057040-0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – nº 19/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – nº 07/0042596-9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – nº 10/2007

Diretor Executivo

Elton José Donato

Gerente Editorial e de Consultoria Eliane Beltramini

Coordenador Editorial Cristiano Basaglia

Editora

Simone Costa Salleti Oliveira

Conselho Editorial Ada Pellegrini Grinover, Antônio Carlos Marcato, Araken de Assis, Arruda Alvim, Ênio Santarelli Zuliani, Humberto Theodoro Jr., João Baptista Villela, José Carlos Barbosa Moreira, José Roberto Neves Amorim, José Rogério Cruz e Tucci, Nehemias Domingos de Melo, Ricardo Raboneze, Sérgio Gilberto Porto, Silvio de Salvo Venosa

Colaboradores desta Edição André Boccuzzi de Souza, Diogo Balbinoti Rodrigues, Eric Cesar Marques Ferraz, Graciele Miranda Domingues, Hélio Apoliano Cardoso, Heloisa Leonor Buika, Leonardo Silva Avila, Maristela Aparecida Dutra, Vilson Farias

1999 © SÍNTESE Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE. Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Civil e Processual Civil. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores. As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores. Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais. A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais). Distribuída em todo o território nacional. Tiragem: 5.000 exemplares Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

REVISTA SÍNTESE DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL Nota: Continuação de REVISTA IOB DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL v. 1, n. 1, jul. 1999

Publicação periódica Bimestral

v. 18, n. 103, set./out. 2016



ISSN 2179-166X



1. Direito civil – periódicos – Brasil 2. Direito processual civil



CDU: 347.9(05) (81) CDD: 347 (Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851)

Telefones para Contatos Cobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais localidades 0800.7247900 IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SP www.sage.com.br

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais localidades 0800.7247900 E-mail: [email protected] Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900 Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor O Novo Código de Processo Civil trouxe várias alterações de modo a assegurar maior rapidez e coerência no trâmite e no julgamento dos processos de natureza civil. O Código de Processo Civil trata das regras de andamento de todas as ações cíveis, que incluem as ações de família, de consumidores, pedidos de reparação de danos, questionamentos sobre contratos, entre outros. As normas também são aplicadas subsidiariamente na Justiça trabalhista e em outros ramos. O Assunto Especial desta edição trata do tema “CPC Comentado por Assunto”, com a participação dos brilhantes juristas: Vilson Farias, Leonardo Silva Avila, Diogo Balbinoti Rodrigues e Graciele Miranda Domingues. Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo, para mantermos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do direito, tais como: Maristela Aparecida Dutra, Hélio Apoliano Cardoso, Heloisa Leonor Buika e André Boccuzzi de Souza. E, ainda, na Seção Especial “Com a Palavra, o Procurador”, artigo de Eric Cesar Marques Ferraz intitulado “Matérias de Ordem Pública: o Prequestionamento à Luz do CPC de 2015”. Não deixe de ver nossa seção “Bibliografia Complementar”, que traz sugestões de leitura complementar aos assuntos abordados na respectiva edição da Revista. Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura! Eliane Beltramini Gerente Editorial e de Consultoria

Sumário Normas Editoriais para Envio de Artigos.......................................................................7 Assunto Especial CPC Comentado por Assunto Doutrina 1. O Novo CPC Comentado Assunto por Assunto Vilson Farias, Leonardo Silva Avila, Diogo Balbinoti Rodrigues e Graciele Miranda Domingues.....................................................................9

Parte Geral Doutrinas 1. Eficácia do Silêncio no Negócio Jurídico e Análise Jurisprudencial sobre o Tema Maristela Aparecida Dutra........................................................................58 2. Exceção de Pré-Executividade na Sistemática do Novo Código de Processo Civil Hélio Apoliano Cardoso............................................................................74 3. A Mediação e a Difusão da Cultura da Paz Heloisa Leonor Buika................................................................................78 4. O Novo Código de Processo Civil e Seu Estreitamento com a Constituição Federal: a Garantia dos Direitos Fundamentais e uma Necessária Defesa à Reprodução das Normas Constitucionais André Boccuzzi de Souza.......................................................................103 Jurisprudência Acórdãos na Íntegra 1. Superior Tribunal de Justiça....................................................................119 2. Superior Tribunal de Justiça....................................................................126 3. Superior Tribunal de Justiça....................................................................137 4. Tribunal Regional Federal da 1ª Região...................................................145 5. Tribunal Regional Federal da 2ª Região...................................................148 6. Tribunal Regional Federal da 3ª Região...................................................155 7. Tribunal Regional Federal da 4ª Região...................................................163 8. Tribunal Regional Federal da 5ª Região...................................................171 Ementário 1. Ementário de Jurisprudência Civil, Processual Civil e Comercial.............174

Seção Especial Com a Palavra, o Procurador 1. Matérias de Ordem Pública: o Prequestionamento à Luz do CPC de 2015 Eric Cesar Marques Ferraz.......................................................................211

Clipping Jurídico...............................................................................................237 Bibliografia Complementar...................................................................................242 Índice Alfabético e Remissivo................................................................................243

Parte Geral – Doutrina O Novo Código de Processo Civil e Seu Estreitamento com a Constituição Federal: a Garantia dos Direitos Fundamentais e uma Necessária Defesa à Reprodução das Normas Constitucionais André Boccuzzi de Souza Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul – USCS, Especialista (Pós-Graduação Lato Sensu) em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.

RESUMO: O novo Código de Processo Civil entrou em vigor neste ano de 2016. Muito festejado por diversos operadores do Direito, tem gerado discussões antes mesmo de seu nascedouro, quando apresentado o projeto por parte da Comissão de juristas designada para tal fim. Tratam-se, obviamente, de discussões comuns como ocorre com qualquer novel legislação. Além disso, o novo diploma processual tem sido objeto de algumas críticas. Uma delas refere-se à reprodução, em seu texto, de normas e princípios constitucionais, positivados na CF. Para alguns, cuida-se de prática inútil, sem atingir qualquer efeito. Não haveria motivo para que a nova legislação repetisse determinadas disposições que já se encontram prescritas na Constituição Federal. Contudo, em uma leitura sob outra ótica, pode-se perceber que a prática foi bastante pertinente, e propositalmente utilizada pelo legislador, com relevância que, destarte, merece ser reconhecida. Assim, importante entender as críticas em tela, mas buscar outra compreensão sobre alguns dos motivos que levaram a essa prática, com indicação de determinados princípios e a correlação positiva entre a Constituição Federal, os direitos fundamentais e o novo Código de Processo Civil, de forma a prestigiar a segurança jurídica. PALAVRAS-CHAVE: Constituição Federal; direitos fundamentais; novo Código de Processo Civil; reprodução de normas constitucionais; processo civil; processo civil constitucional; direito processual constitucional; supremacia da Constituição; princípios; segurança jurídica; devido processo legal; razoável duração do processo; inafastabilidade da jurisdição; motivação das decisões judiciais; jurisprudência defensiva; agravo; Ministério Público; Poder Judiciário. ABSTRACT: The new Civil Procedure Code effective as of 2016. Celebrated by several operators of the law, has generated discussions even before its publication, when the project was presented by lawyers to the Commission. These are obviously common discussions as any other new legislation. Moreover, the new procedural law has been the subject of some criticism. One of them refers to the reproduction, in its text of few constitutional rules and principles, within the Federal Constitution. One could state that this is an useless practice without any effectiveness. There would be no reason for the new legislation to repeat certain provisions that are already prescribed in the Constitution. However, with a different point of view, one could understand that the practice was quite relevant, and deliberately used by the legislator, with relevance, thus, it certainly must be recognized. Therefore, it is important to understand the criticisms but it is crucial to seek other understanding of some of the reasons that led to this practice, indicating certain principles and the positive correlation between the Federal Constitution, fundamental rights and the new Civil Procedure Code, in order to honor the legal certainty.

104 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA KEYWORDS: Federal Constitution; fundamental rights; new Civil Procedure Code; play constitutional requirements; civil lawsuit; constitutional civil process; constitutional procedural law; supremacy of the Constitution; principles; legal certainty; due process of law; reasonable duration of the process; inafastabilidade of jurisdiction; motivation of judicial decisions; defensive jurisprudence; grievance; Prosecutors; Judicial Power.

A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, instituiu o novo Código de Processo Civil (NCPC), com revogação do anterior (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973). Antes de sua entrada em vigor, o NCPC sofreu algumas alterações por força da Lei nº 12.356, de 4 de fevereiro de 2016. Importante, pois, que este novo diploma se coadunasse com a Constituição Federal (CF), o que o fez em diversas passagens, na linha da classificação mais atual denominada de direito processual constitucional1, e que, como qualquer outra norma infraconstitucional, deve rígida observância aos valores estabelecidos na Carta Magna. O ordenamento jurídico, pois, tem como seu grande pilar a Constituição Federal – cujo conceito será detalhado mais adiante –, no que se denomina de supremacia da Constituição2. Aliás, a propósito do tema, a Comissão de juristas que elaborou o projeto do NCPC, em sua exposição de motivos, destacou, logo de início, que “um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito”. Ressaltou, mais adiante, que, com evidente redução da complexidade inerente ao processo de criação de um novo Código de Processo Civil, poder-se-ia dizer que os trabalhos da Comissão se orientaram precipuamente por cinco objetivos: 1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal. [...], frisando

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Que, em verdade, se alinha aos demais aspectos relativos à superação da então clássica divisão do direito em dois grupos, o público e o privado, não obstante a sua importância didática, já que, no cenário atual, tem-se a Constituição como norma suprema, ou seja, “a Constituição já não é apenas o documento maior do direito público, mas o centro de todo o sistema jurídico, irradiando seus valores e conferindo-lhe unidade” (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 82). Como preleciona José Afonso da Silva (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 237): “É a supremacia, pois, que define a distinção formal entre normas constitucionais e as demais normas do ordenamento jurídico. Significa que as normas constitucionais estão no vértice do ordenamento jurídico, como têtes de chapitre dos demais ramos do Direito, conforme anotava Pellegrino Rossi. E é desse princípio da supremacia que decorre a posição de superioridade hierárquica das normas constitucionais, que, por isso mesmo, constituem fundamento de validade das demais normas jurídicas, do qual resulta também o princípio da compatibilidade vertical das normas do ordenamento jurídico, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com a de grau superior”.

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ainda que a necessidade de que fique evidente a harmonia da lei ordinária em relação à Constituição Federal da República fez com que se incluíssem no Código, expressamente, princípios constitucionais, na sua versão processual. Por outro lado, muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios constitucionais [...].

Aqui, cabe abordar, de forma rápida, duas importantes conceituações para delimitar o tema: de Constituição e de direitos fundamentais. Como esclarece Walter Claudius Rothenburg, na atualidade, pode-se considerar a Constituição como um documento com prevalência, que prevê um grupo de normas que sustenta todo o direito3. Nesse sentido, André Ramos Tavares assevera se tratar de um [...] documento básico e supremo de um povo que, dando-lhe a necessária unidade, organiza o Estado, dividindo os poderes (constituídos) e atribuindo competências, que assegura a necessária proteção aos direitos e garantis fundamentais dos indivíduos e traça outras regras que terão caráter cogente para o legislador ordinário (definindo com isso, ainda que em linhas gerais, qual o sentido que validamente se poderá esperar do restante do ordenamento jurídico), para o governante (oferecendo os contornos aceitáveis de sua atuação) e para a maior parte das funções públicas da República.4

Segue-se a linha da dita supremacia da Constituição, já conceituada antes. Ou seja, “a força normativa da Lex Mater e o seu inexorável procedimento de concretização são apanágios da supremacia constitucional, que faz com que os mandamentos constitucionais sejam considerados como as normas mais importantes do ordenamento jurídico”5. Por direitos fundamentais, por sua vez, pode-se dizer que são aqueles direitos mais básicos do indivíduo, que não só lhe conferem prerrogativas, mas evitam que sofram abusos, principalmente por parte do Estado (na esteira, neste ponto, do próprio nascimento dos direitos fundamentais). Diante disso, devem ter garantida sua proteção, de modo a evitar que sejam desrespeitados, já que também garantem uma vida mais digna as pessoas (de forma lato sensu), correlacionando-se com o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, também de estatura constitucional. Para Reis Friede, ao citar a doutrina de Pinto Ferreira, a expressão Direitos Constitucionais Fundamentais se refere, sobretudo, a uma ideologia política de determinada ordem jurídica e a uma concepção da vida e

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ROTHENBURG, Walter Claudius. Direito constitucional. São Paulo: Verbatim, 2010. p. 17. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 30 e 64. AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 70.

106 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA do mundo histórico, designando, no Direito Positivo, o conjunto de prerrogativas que se concretizam para a garantia da convivência social digna, livre e igual da pessoa humana na estrutura e organização do Estado.6

Salienta-se que a expressão direitos fundamentais é genérica, pois, além do Título II que define os direitos e as garantias individuais (art. 5º), os direitos sociais (art. 6º), os direitos à nacionalidade (art. 12), os direitos políticos e dos partidos políticos (arts. 14 a 17), há outros direitos fundamentais espalhados pela Constituição Federal. Tem-se o exemplo do princípio da anterioridade tributária previsto no art. 150, III, b, da Carta Magna, que foi reconhecido como direito fundamental pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939-7/DF (Relator Ministro Sydney Sanches, J. 15.12.1993). Não se abordará a divisão entre direitos e garantias, bem como sobre o termo direitos fundamentais e os demais empregados pela doutrina, a fim de evitar o aprofundamento da questão e o consequente desvio do foco do tema. As conceituações brevemente trazidas são suficientes para hermenêutica da temática proposta. Destarte, feitas essas breves considerações e voltando à temática do novo Código de Processo Civil, a primeira controvérsia que se instalou dizia respeito ao início de sua vigência, já que a Lei nº 13.105/2015 definiu o período de vacatio legis em 1 (um) ano (art. 1.045), ou seja, optando-se pela definição do prazo em ano ao invés de dias. Vê-se, portanto, que essa dúvida instalada fora preliminar à própria aplicação do NCPC, já que dizia respeito ainda sobre a sua entrada em vigor. Após debates a respeito e interpretando-se a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, o Superior Tribunal de Justiça7 (STJ) e o Conselho Nacional de Justiça8 (CNJ) perfilharam de entendimento no mesmo sentido, qual 6 7

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FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria geral do Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. Apud Pinto Ferreira, 1992, p. 52. Conforme o seu Enunciado Administrativo nº 1, aprovado pelo Plenário em sessão realizada em 02.03.2016, com o seguinte verbete: “O Plenário do STJ, em sessão administrativa em que se interpretou o art. 1.045 do novo Código de Processo Civil, decidiu, por unanimidade, que o Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 13.105/2015, entrará em vigor no dia 18 de março de 2016”. “EMENTA: CONSULTA – DEFINIÇÃO DO INÍCIO DA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – ART. 1.045 DA LEI Nº 13.105/2015 – INCABÍVEL FERIADO FORENSE



1. Definição sobre o início da vigência do novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015.



2. A vacatio legis definida pelo art. 1.045, estabelece que o novo CPC entrará em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial.



3. Aplicação da Lei Complementar nº 95/1998 conjugada com a Lei nº 810/1949 e com o art. 132, § 3º, do Código Civil, para definir que o novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015 – iniciará sua vigência no dia 18 de março de 2016.



4. Consulta respondida também para dizer que, com a resposta, não cabe a suspensão dos prazos processuais nos dias 16, 17 e 18 de março, nem a decretação de feriado forense.”

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seja, de que o novo Código de Processo Civil entraria (como de fato entrou) em vigor em 18 de março de 2016. Essa primeira abordagem acerca do início da vigência do NCPC vai ao encontro, de forma introdutória, do assunto ora abordado. Isso porque ao definirem e sanarem a questão quanto à dúvida instalada, inclusive com decisões na mesma linha, o STJ e o CNJ pacificaram o tema. Se assim não o fizessem, seria ele discutido em diversos Tribunais e em todas as instâncias, até que se obtivesse um posicionamento final e pacífico do próprio STJ, o que atrasaria diversas ações judiciais e a própria invalidação de muitos atos judiciais até então praticados. Dessa forma, garantiram-se e ao mesmo tempo observaram-se os princípios constitucionais da segurança jurídica9 – estabilizando as relações jurídicas que demandem analisar o início da vigência do novo Código, entre outras questões naturais quando da transição de normas jurídicas – e da razoável duração do processo – evitando-se que feitos percorressem diversas instâncias, o que demanda tempo, até que se obtivesse um entendimento final sobre a matéria. Com efeito, conforme já ressaltado, o novo Código de Processo Civil trouxe em seus artigos diversas previsões em consonância com a Constituição Federal, reproduzindo, em muitas delas, parte do próprio Texto Constitucional (e de alguns de seus princípios), principalmente na seara dos direitos fundamentais. Esta reprodução tem gerado diversas críticas da doutrina, considerando a inutilidade, para alguns, de se transcrever disposições já postas na Constituição e que, portanto, já seriam de observância obrigatória, independente de terem sido reproduzidas ou não na norma infraconstitucional. Contudo, embora possa, prima facie, parecer desnecessária a reprodução, nos diplomas infraconstitucionais, de normas já positivadas na Constituição Federal, ao analisar o tema com maior profundidade, poderá se verificar,

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(CNJ, Ato Normativo nº 0000529-87.2016.2.00.0000, Rel. Cons. Gustavo Tadeu Alkmim, sessão de 03.03.2016) Que tem a sua existência comumente associada pela doutrina, entre outras teorias e ligações, ao Estado Democrático de Direito, e previsto, ainda que implicitamente, em diversas passagens da Constituição Federal. Importante acrescentar que, segundo as lições de José Afonso da Silva (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes (Coord.). Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence. 2. ed. Minas Gerais: Fórum, 2009. p. 17), a segurança jurídica pode ser entendida dois sentidos, um amplo e o outro restrito, sendo que, “no primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurança jurídica consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu”, sem se ignorar, destarte, o que preleciona o jurista Humberto Ávila em sua obra Teoria da segurança jurídica.

108 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA data venia, que tal prática fora oportuna e extremamente relevante. Até porque, se eventualmente bem não faz, mal também não o faz. Esta força normativa e supremacia da Constituição Federal e o próprio direito constitucional como base de todo o ordenamento jurídico são temas de certa forma recentes no que concerne a sua efetiva aplicação. Mais antigamente, era comum e usual que os operadores do Direito e o próprio legislador se ativessem mais ao que estava disposto na legislação infraconstitucional do que na Constituição Federal, que não tinha, nesse sentido, totalmente reconhecida a sua força e superioridade, acabando por ficar, em certas vezes, desprezada. Nas matérias processuais, importava muitas vezes o que o respectivo diploma processual previa, sem se atentar-se se as previsões estavam ou não de acordo com as normas constitucionais. Poderia soar estranha a assertiva de que determinada legislação processual deveria estar de acordo com a Constituição Federal, e que, se fosse o caso, eventual norma ali prevista não poderia ser aplicada por afrontá-la, padecendo de insuperável inconstitucionalidade. Para não deixar esta afirmação isolada e não parecer oportunista ou tendenciosa, um exemplo é importante para ilustração, sem fugir do tema proposto. A Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943) teve uma alteração promovida pela Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, que acresceu alguns artigos àquela, entre os quais o art. 625-D, com a seguinte redação: Art. 625-D. Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. [...] § 2º Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador declaração da tentativa conciliatória frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.

Decorreu a referida Lei nº 9.958/2000 do Projeto de Lei (PL) nº 4.694/1998, justificado da seguinte forma em sua exposição de motivos: A Justiça do Trabalho recebeu, no ano passado, cerca de 2 milhões de ações trabalhistas, o que supera, em muito, a capacidade de julgamento das pouco mais de mil Juntas de Conciliação que integram a base do Judiciário Laboral. Com isso, o processo trabalhista, originalmente concebido para ser solucionado numa única audiência, acaba espraiando-se por inúmeras audiências, marca-

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das por dilatados interregnos tornando longa a peregrinação do trabalhador até obter um pronunciamento dos órgãos judicantes laborais, a par de, com as instâncias recursais, aguardar por vários anos a solução definitiva de sua demanda. Assim, o presente projeto introduz na sistemática dos conflitos trabalhistas de natureza individual a Comissão de Conciliação Prévia, no âmbito das próprias empresas, em caráter paritário, que evite a chegada ao Judiciário de grande parte das demandas trabalhistas. [...].

Nota-se que o dispositivo em tela visou a estabelecer a necessidade de prévia conciliação antes do ajuizamento de qualquer demanda trabalhista. Não se ignora a boa intenção do legislador de tentar evitar litígios e, já naquele momento, incentivar a conciliação, medida extremamente necessária e benéfica, tema este que, atualmente, ocupa cada vez mais espaço, já que as vantagens da conciliação não estão restritas apenas ao fato de que a lide pode demorar a ser solucionada. Outros benefícios também vêm à tona através da conciliação, tendo em vista que, muitas vezes, o acordo firmado no caso concreto pode ser muito mais justo, pelo menos para as partes, do que a própria decisão judicial. Evita-se também, através da conciliação, o gasto com custas judiciais, e o próprio desgaste que uma ação judicial sempre causa as partes.10

Entretanto, o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal abarca o princípio da inafastabilidade da jurisdição, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Assim, o art. 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), introduzido pela Lei nº 9.958/2000, afronta o direito fundamental à inafastabilidade da jurisdição, na medida em que o referido princípio, previsto na Constituição, tem prevalência às normas infraconstitucionais, que, nesse sentido, não podem estabelecer condições de acesso ao Judiciário fora da razoabilidade, já que a regra é a universalidade do acesso à justiça, sendo que, quando a Constituição Federal o quer restringir, principalmente com o exaurimento de outras vias, assim o faz de forma expressa, a exemplo da justiça desportiva (art. 217, §§ 1º e 2º). Tem-se, portanto, um caso de nítida inconstitucionalidade. Ainda que se pudesse admitir uma possível relatividade a tal princípio fora das hipóteses comuns já previstas (a exemplo das formalidades, das custas, da competência, etc.), este dispositivo inserido na CLT continuaria a contrariar, em certa parte, o direito fundamental em voga, em afronta às teorias dos limites dos limites (Schranken – Schranken) e do núcleo essencial. 10 MOLINA, Mário Correa; SOUZA, André Boccuzzi de. A conciliação e o juizado especial criminal. In: GUNTHER, Luiz Eduardo (Coord.). Conciliação – Um caminho para a paz social. Paraná: Juruá, 2013. p. 676.

110 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA Poderia o legislador, nesse sentido, tão somente facultar a submissão das demandas à Comissão de Conciliação, mas sem restringir o acesso direito ao Judiciário pela parte interessada. A discussão sobre a inconstitucionalidade do art. 625-D da CLT chegou, então, ao Supremo Tribunal Federal11, ocasião em que, em medida cautelar, decidiu, por maioria de votos, dar interpretação conforme ao referido dispositivo para estabelecer, na linha do voto divergente do Ministro Marco Aurélio – acompanhado pela maioria –, que as normas inseridas em nossa ordem jurídica pelo art. 1º da Lei nº 9.958/2000, mais precisamente pelo novo preceito da Consolidação das Leis do Trabalho, dele decorrente – art. 625-D –, não encerram obrigatória a fase administrativa, continuando os titulares de direito substancial a terem o acesso imediato ao Judiciário, desprezando a fase que é a revelada pela atuação da Comissão de Conciliação Prévia.

Embora a decisão tenha sido proferida em medida cautelar, tem-se o seu acerto, e, assim, a probabilidade de que seja seguida quando da análise do mérito. Dessa dinâmica pode-se perceber que o princípio da inafastabilidade da jurisdição, caracterizado como direito fundamental, é positivado, na atual Constituição, desde 1988. Mas, quase doze anos após, o legislador editou norma em sua afronta. Um direito no caso nitidamente processual em inobservância (ou desrespeito) à Carta Magna. Acaba-se, assim, por corroborar a ideia de que nem sempre as normas constitucionais são rigidamente observadas, situação que tem se alterado na atualidade, até pela importância que cada vez mais a Constituição Federal e a disciplina do direito constitucional têm ocupado no cenário jurídico. Outros exemplos poderiam ainda ser citados, como a provável afronta do crime previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro12 (norma editada em 1997) ao direito de não produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere) e outros afins, com reconhecimento de inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo13, ou, fora da órbita da legislação 11 STF, MC-ADI 2139/DF (com apenso da ADI 2160), Pleno, Rel. p/o Ac. Min. Marco Aurélio, J. 13.05.2009. 12 “Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.” 13 “Incidente de inconstitucionalidade (CF, art. 97; CPC, arts. 480 a 482). Código de Trânsito Brasileiro, art. 305 – fuga à responsabilidade penal e civil. Tipo penal que viola o princípio do art. 5º, LXIII – garantia de não autoincriminação. Extensão da garantia a qualquer pessoa, e não exclusivamente ao preso ou acusado, segundo orientação do STF. Imposição do tipo penal que acarreta a autoincriminação, prevendo sanção restritiva da liberdade, inclusive para a responsabilidade civil. Inconstitucionalidade reconhecida. Incidente acolhido.

É inconstitucional, por violar o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, o tipo penal previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro.”

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infraconstitucional, da regra, até então comumente prevista nos editais de concursos públicos, que excluía candidatos que estivessem a responder a inquérito policial ou ação penal, violando o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF)14. Portanto, do exposto até aqui se pretendeu demonstrar que essa ideia de supremacia da Constituição nem sempre fora rigorosamente observada no passado recente, e, portanto, driblar as críticas de reprodução de normas constitucionais no novo Código de Processo Civil, na tentativa de demonstrar o seu lado positivo, que contribui para a propalação da Constituição Federal como norma suprema, servindo os exemplos para ilustrar que nem sempre é presente à obviedade de que bastaria a previsão no Texto Constitucional. Com efeito, o NCPC, ao ser inaugurado, deixa transparente que não se pretende apenas um novo regramento de processo civil, mas quer-se sim um processo civil constitucional, com suas normas alinhadas e devendo obediência à Constituição Federal, seja àquelas que foram positivadas ou reproduzidas no novo Diploma Processual, como as demais que, embora não reproduzidas, devam ter a sua interpretação adstrita à CF. É, pois, nessa linha que seu art. 1º estabelece que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código, o que claramente se difere do antigo CPC, que tão somente previa que a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.

A esse respeito, discorre Daniel Amorim Assumpção Neves15: “Como no Direito brasileiro algumas vezes é preciso se dizer o óbvio de forma expressa para que os operadores comecem a notar e a aceitar a obviedade, o art. 1º do Novo CPC é importante para consagrar de forma expressa o direito processual constitucional”. Aqui, para reforçar a ideia, relevante transcrever parte da opinião externada por Artur Torres16, in verbis:



(TJSP, Arguição de Inconstitucionalidade nº 990.10.159020-4, Órgão Especial, Rel. Desig. Des. Boris Kauffmann, J. 14.07.2010) 14 Conforme pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (p. ex., Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 769433-AgR/CE, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, J. 15.12.2009). 15 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. Bahia:JusPodivm, 2016. p. 2. 16 Artur Luis Pereira Torres In: MACEDO, Elaine Harzheim; MIGLIAVACCA, Carolina Moraes (Coord.). Novo Código de Processo Civil anotado. Rio Grande do Sul: OAB – Porto Alegre, 2015. p. 22/23.

112 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA 1. Tem-se por ponto comum, atualmente, que o start para o constitucionalismo processual brasileiro derivou, grosso modo, da percepção de que o fenômeno processual não mais poderia (nem deveria) ser compreendido como um fim em si mesmo, nada obstante, sublinhe-se, a primeira fase da aludida constitucionalização tenha, ao fim e ao cabo, laborado com pouco mais do que a singela noção de subserviência do instrumento aos desígnios constitucionais, vislumbrando-se em toda e qualquer matéria de natureza processual, caráter meramente instrumental. 2. A eclosão da tese da eficácia imediata dos direitos fundamentais, aliada a percepção do compromisso, firmado pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos, com a promoção da dignidade despertaram a melhor doutrina para a imprescindibilidade de uma releitura dos ordenamentos processuais. 3. Uma segunda fase dessa evolução (a partir da qual se supera a modesta lembrança de que o Direito Processual deve deferência à Constituição) propõe-se a orientar uma (re)leitura – do fenômeno processual – comprometida com a concreção dos direitos fundamentais. Parte-se, nessa quadra, da noção de que o processo deva, sobretudo, revelar-se instrumento apto a salvaguardar a promessa do ordenamento material – pena de não cumprir com sua principal tarefa – sem, porém, cingi-lo à ideia de ramo do direito responsável, tão somente, pela criação de direito meio. 4. Reconhece-se, por assim dizer, a existência de um modelo constitucional de processo (a) comprometido com a concreção dos direitos fundamentais substanciais (mas também revelador de outras posições jurídicas, de idêntica natureza, inerentes, única e exclusivamente, ao mundo do processo); e, por definição, (b) soberano em relação aos ditames processuais infraconstitucionais. Admite-se, contemporaneamente, segundo tal linha de pensamento, haver um rol de direitos, igualmente fundamentais, que, ainda que tenham valia/aplicação limitada ao fenômeno processual, isto é, sensíveis apenas no e em razão do processo, compõem, ao lado de outros tantos, o núcleo das posições jurídicas mínimas asseguradas aos cidadãos, devendo, em tudo e sempre, orientar interpretações, bem como a regulamentação de quaisquer regimes processuais, independentemente de sua natureza. 5. Para além da percepção de que a Constituição Federal de 1988 possuía (e ainda possui) um conteúdo processual, viu-se compelida a doutrina especializada, pelo menos em parte, a melhor sistematizá-la. Afirma-se, desde então, que o conteúdo processual da Constituição revela disposições de natureza diversa. Há na Constituição, de um lado, (a) um conteúdo processual revelador de direito meio (de natureza meramente instrumental), representado, exemplificativamente, pela inserção na Carta Constitucional (1) de instrumentos de operacionalização do direito material (anúncio de ações e/ou procedimentos especiais), (2) de regras de competência (por exemplo, art. 109) e (3) de hipóteses de cabimento recursal (por exemplo, arts. 102 e 105), dentre outros. Costuma-se, ao aludir

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tais disposições, situá-las num campo de estudo denominado Direito Processual Constitucional. De outro, a Constituição Cidadã alberga (b) conteúdo proces­ sual responsável pelo reconhecimento, em favor de todo e qualquer jurisdicionado, de direitos (substanciais) a serem gozados no e em razão do processo. Esses direitos fundamentais, destaque-se, vinculam tanto o Estado-Juiz (na prestação da tutela jurisdicional), como o Estado-Legislador (na construção do texto infraconstitucional). O somatório dos aludidos direitos revelam, a rigor, a matriz constitucional processual brasileira, ordem vinculadora de toda e qualquer ramificação do direito processual não criminal. 6. Compõem o rol (dos direitos fundamentais acima aludidos), exemplificativamente, os direitos fundamentais ao juiz natural, à isonomia, ao contraditório, à ampla defesa, à prova, à publicidade, à motivação, à assistência jurídica integral e gratuita, à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva, sem prejuízo de outros que derivem de uma análise sistemática das prescrições constitucionais.

Tais pensamentos vão ao encontro da temática deste trabalho, considerando a necessidade de que o direito processual esteja validamente obediente à Constituição Federal, como deve ser em um Estado Democrático de Direito. Para assim dizer – e tendo em vista as assertivas anteriormente referenciadas quanto a recente efetivação desta ideia –, importante que a legislação processual também traga princípios e disposições constitucionais em seu bojo, ainda que em caráter de mera reprodução, mas que tratará de ajudar a enfatizar ainda mais a ideia central de um direito processual constitucional. E o novo Código de Processo Civil continua, em suas disposições, a trazer princípios constitucionais e a reproduzir normas previstas na Constituição Federal. É o que ocorre, por exemplo, com seu art. 3º (não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito), que repete a redação do inciso XXXV do art. 5º da CF, que traz em seu conteúdo o princípio da inafastabilidade da jurisdição, cuja importância e outros aspectos já foram abordados neste trabalho. O art. 4º17, a seu turno, abarca o princípio da razoável duração do processo, disposto no art. 5º, LXXVIII18, da Constituição Federal. Importante ênfase à celeridade que deve ser aplicada a todos os feitos, sem deixar de observar as demais normas e princípios, ou tampouco praticar qualquer desrespeito a elas. Como já aduzido anteriormente, os direitos fundamentais são encontrados em diversas passagens da Constituição Federal. Nesse sentido, importante 17 “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” 18 “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

114 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA princípio encontra-se previsto em seu art. 93, IX19, que abarca o denominado princípio da motivação das decisões judiciais, corolário do próprio princípio do devido processo legal, com relevante correlação com o Estado Democrático de Direito. Este valoroso princípio não fora esquecido pelo NCPC, que, em seu art. 11, dispôs que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Embora essa previsão tenha sido alvo de diversas críticas, trata-se de importante reforço trazido pela nova legislação, especialmente ao Poder Judiciário. Conquanto não se cuide de objetivo deste trabalho, importa ressaltar que o princípio da motivação das decisões judiciais não tem implicação meramente formal, mas sim material, pois traz em seu fundo a necessidade de que a decisão seja condizente com a instrução processual, seja imparcial, observe os requerimentos e fundamentos formulados pelas partes, e que garante ao magistrado seu livre convencimento, desde que motivado. A pura reprodução, é verdade, não evita que as disposições sejam desrespeitadas. Absorvendo-se um exemplo no campo do processo penal, tem-se que, por força do que dispõe o referenciado art. 93, IX, da Constituição Federal, as decisões naquela seara também devem ser fundamentadas, e ainda com mais razão por se tratar de possível restrição da liberdade do indivíduo. Ainda assim, decisões que decretam a prisão preventiva de determinado indivíduo acabam, em algumas vezes, por trazer meras reproduções legais ou como fundamento a gravidade abstrata do delito, o que tem sido, de forma acertada, rechaçado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal20. A mera disposição, como se vê, não basta, e uma das formas de seu cumprimento é justamente com a atuação do STF. De todo modo, é mais um exemplo da reprodução de normas e valores constitucionais, de forma relevante e a ensejar em importante lembrete na condução dos processos. Outra boa inovação trazida pelo NCPC foi a eliminação (ou pelo menos a diminuição) de grande parte da denominada jurisprudência defensiva, consistente, em resumo, no não conhecimento de demandas (especialmente de recursos) por inobservância de alguma formalidade.

19 “IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.” 20 Confira-se, a respeito: HC 133.670/SP, 2ª Turma, Min. Gilmar Mendes, J. 03.05.2016; HC 129.554/SP, 1ª Turma, Min. Rosa Weber, J. 29.09.2015.

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A adoção desta tese acaba por afrontar diversos princípios constitucionais já explicitados, como os princípios da inafastabilidade da jurisdição, da razoável duração do processo e do devido processo legal (e até mesmo o princípio do duplo grau de jurisdição, a depender da instância que praticar a decisão nesse sentido). A doutrina costuma dividir quais seriam os vícios sanáveis e quais seriam os insanáveis. A ausência de indicação, em capítulo autônomo, da repercussão geral da matéria submetida a recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal não é vício sanável, uma vez apresentadas as razões recursais21. Mas o preenchimento incorreto da guia de recolhimento das custas deve ser formalidade considerada sanável, bastando que a parte a complemente (o que aparentemente resta solucionado pelo NCPC, ex vi do parágrafo único do art. 932), não obstante, sob a vigência do antigo CPC, a jurisprudência22 entendesse como deserto o recurso por conta de tal vício. O agravo, por exemplo, no antigo CPC, deveria vir acompanhado de peças específicas e de outras facultativas que o agravante entender úteis (art. 525, I e II). As peças facultativas são muitas vezes subjetivas, podendo ser útil para a parte e inútil ao magistrado, ou vice-versa. Mas, entendendo pela ausência de alguma peça (das tais facultativas), era comum que o agravo sequer fosse conhecido. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA – NÃO CONHECIMENTO – PEÇAS FACULTATIVAS NECESSÁRIAS – AUSÊNCIA – Falta de peças úteis, essenciais e necessárias à compreensão da controvérsia. A ausência de juntada de peças facultativas úteis à apreciação da matéria sustentada no agravo de instrumento importa na negativa de seguimento. Agravante que não apresentada a petição da impugnação ao valor da causa, tampouco cópia legível da planilha de crédito apresentada pelo antigo credor, a qual alega conter o valor correto do débito. Recurso não conhecido. (TJSP, Agravo de Instrumento nº 2069053-83.2013.8.26.0000, 22ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, J. 20.02.2014)

Na sistemática do NCPC, se mantiveram as exigências supracitadas (art. 1.017), mas fora previsto que, “na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 932, parágrafo único” (art. 1.017, § 3º). O parágrafo único do art. 932, a seu turno, trata não apenas do agravo, mas de todos os recursos em geral, determinando que antes de con-

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Resultando, portanto, na negativa de prosseguimento (p. ex., STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 715.454/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, J. 14.06.2016. 22 Conforme decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1034913/MA, Relator Ministro Marco Buzzi, J. 26.11.2013.

116 D������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDC Nº 103 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – DOUTRINA siderar inadmissível o recurso, o Relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. Sem pretender fugir do centro do tema, é importante mencionar, e o que se faz por derradeiro, a inovação trazida pelo NCPC no tocante ao Ministério Público. Trata-se de “uma instituição ou um órgão estatal e não do governo. Que não representa um poder do Estado, mas da sociedade. Não mantêm vinculação hierárquica com o Legislativo, o Executivo ou o Judiciário, e sim com a sociedade”, e, por isso, “a Constituição reservou primariamente três funções: defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”23. Além de atuar em favor da sociedade e alinhar-se ao princípio da cidadania, sendo indissolúvel do próprio Estado Democrático de Direito, tem alta importância na defesa dos direitos fundamentais, com a utilização de ferramentas fornecidas pelo ordenamento jurídico, a exemplo da ação civil pública. Nesse contexto, a sua atuação tem extrema relevância, como visto antes, e é amparada pelo Texto Constitucional, na forma do que dispõe o art. 127 da Constituição Federal, agora reproduzido pelo NCPC, que lhe intitula ser o fiscal da ordem jurídica, atuando em sua defesa e na defesa do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais indisponíveis (arts. 176 e 178), e não mais como mero fiscal da lei, como previa o anterior CPC (art. 83), inovação trazida em boa hora. Embora a sua atuação no processo civil decorra de imposição legal, esta existe exatamente pela importância do Ministério Público na defesa dos valores já referenciados. A sua intervenção, ademais, encontra algumas diretrizes na Recomendação nº 34, de 05.04.2016, do Conselho Nacional do Ministério Público. Desta breve exposição, pode-se concluir que o novo Código de Processo Civil, ao reproduzir dispositivos previstos na Constituição Federal (e até trazer princípios constitucionais em seu bojo), não agiu de forma errônea ou inútil. Ao contrário, assim o faz intencionalmente, e de forma salutar, aprimorando o estudo do processo civil e deixando em mais evidência o direito processual constitucional. Não se trata apenas da parte textual, mas da implantação de uma nova cultura no âmbito processual. Obviamente que não basta a indicação e reprodução formal de dispositivos constitucionais, mas sim que seja cada vez mais ampliada a necessidade de supremacia da Constituição.

23 ROSA, Márcio Fernando Elias. O poder de investigação do Ministério Público. São Paulo: CIEE, 2012. p. 21/22.

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Todavia, o NCPC, acima de tudo – e agora de forma mais explícita –, deve obediência às normas constitucionais (como o antigo CPC já devia), o que nunca é demais lembrar. Não há, portanto, mais espaço de entendimento para que determinada norma processual seja aplicada, mesmo que contrária à Constituição Federal, pensamento agora com novo reforço de outras normas também previstas no mesmo diploma processual.

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