Artigo sobre arte \"primitiva\" e o Musée du Quai BRanly

July 26, 2017 | Autor: Ilana Goldstein | Categoria: Antropologia da Arte
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0104-7183

Âno 14 Número 29 Janeiro/Junho 2008

Horizonte~ Anhopológicm ANTROPOLOGIA t ARTt

NÚMERO ORGANIZADQ, POR CALfB fARIA ALVES LfiLA AMARAL

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PUBLICACÃO DO PROGRAMA Df PÓS-GRADUACÃO fM ANTROPOLOGIA SOCIAL DA UNIVERSIDADE ffDfRAL DO RIO GRANDE DO SUL Horizonle1 Anlropológicol, Poria Alegre, ano 14, n. 29, jan./jun. de 2008.

RfflfXÕfS SOBRf ÂARlf "PRIMITIVA": OCASO DO MUSff BRANLY llana Go/dstein* Universidade Estadual de Campinas - Brasil

Resumo: Na época das descobertas ultramarinas, os europeus acumulavam fragmentos das novas realidades que encontravam em suas viagens, nos chamados gabinetes de curiosidades. Os colecionadores se especializaram e, a partir do século XVIII, surgiram os primeiros museus científicos. No final do século XIX, as exposições universais expunham a "barbárie" dos povos colonizados. Já as vanguardas do século XX redescobriram a arte "primitiva" enquanto fonte de renovação. Este artigo recupera tais formas de apreensão da cultura material de sociedades tradicionais ao longo do tempo, para chegar à inauguração do Musée Branly, em 2006. A partir desse museu, podem-se repensar algumas questões jimdamentais acerca da arte "primitiva", como a dicotomia entre tratar os artefatos como testemunhos etnográjicos ou como criações estéticas; as relações de poder envolvidas na aquisição dos objetos; o problema da autenticidade, numa era em que se multiplicam os souvenirs étnicos "neotradicionais ". Palavras-chave: antropologia da arte, arte "primitiva", Musée Branly, museologia. Abstract: In lhe epoch of overseas discoveries, Europeans accumulated fi'agments of the realities they found in cabinets ofcuriosities. The private col!eclors specialized in differenl branches of "natural history" and this led to the emergence of scientific musewns in the 18th centwy. At the end of the 19th centwy, universal exhibitions displayed "primitive" art!facts side by side with Western technologies, suggesting the "barbarism" of colonized peoples. But, at the beginning of the 20th centwy, the avant-gardes rediscovered the art negre, using it as a source o.f artistic renovation. This artic!e begins by describing these various forms of dealing with the cultural

' Doutoranda em Antropologia Social.

Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 14, n. 29, p. 279-314, jan./jun. 2008

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nannos ~1s primeiras décadas do século XX, perceberemos que o interesse dos artistas por outras culturas já se faz presente, embora desprovido do questionamento político c moral inerente aos trabalhos contemporâneos mencionados acima. É impressionante- embora já tenha sido bastante discutida- a semelhança entre os rostos angulosos, geométricos e coloridos das Demoiselles d'Avignon (1907) de Picasso e certas máscaras africanas. No caso de Paul Gauguin, o "primitivismo" se traduziu em distanciamento geográfico. O desejo de partir acometeu vários atiistas da virada do século XIX para o XX, ansiosos por encontrar contextos mais adequados para uma criação artística "pura" do que os centros urbanos "civilizados" (Pcny, 1998). O afastamento de Gauguin começou pela Bretanha, região agrícola e tradicional da França, c culminou com sua mudança para o Taiti - provavelmente influenciada pela representação literária paradisíaca daquela colônia francesa. Como explica Peny ( 1998, p. 8): O "ir embora" para províncias rurais distantes -ou para as supostas margens da civilização- passou a ser visto como um aspecto crucial. [ ... ) Costumava ser combinado com a produção de uma obra num estilo "primitivo". [... ]O culto do "ir embora" não era ele fonna alguma exclusivo do vanguardismo francês e do círculo em tomo de Gauguin. Em toda a Europa, inclusive a Rússia, a Escandinávia e a Inglaterra, e na Alemanha em particular, a voga de formar comunidades e colônias de artistas longe dos centros urbanos havia sido estabelecida em meados do século XIX. Entre os pintores fauvistas, havia vários colecionadores de atie não-ocidental. Matisse, Vlaminck c Dcrrain adquiriram, na mesma época que Picasso, peças da África c da Oceania. Na pintura dos três, a influência das máscaras rituais se reflete, por exemplo, na escolha de olhos em formato de losango e rostos estilizados. Também no gmpo dos suncalistas, alguns anos depois, emergiria um forte interesse pelos "primitivos". James Clifford ( 1996) mostra o quanto o smgimento do Institut d 'Etlmologic, por iniciativa de Mareei Mauss, Lévy-Bmhl e Paul Rivet, esteve entrelaçado com a emergência do movimento surrealista, encabeçado por André Breton. Michel Leris e Raymond Qucneau. O ano de fundação do instituto de etnologia parisiense foi o mesmo da publicação do Manifesto Surrealista: 1925. A revisla Documents, editada por Georgcs Bataillc, publicava lado a lado textos de arlis tas c de etnólogos. Alguns suncalistas iriam mesmo partir à África, com a

Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 14, n. 29, p. 2 79-314, jan./jun. 2008

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