As ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho

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As ações indenizatórias de competência da Justiça do Trabalho




EDILTON MEIRELES.

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC/SP). Professor de Direito Processual Civil
na Universidade Federal da Bahia (UFBa). Professor de
Direito na Universidade Católica do Salvador (UCSal).
Membro do IBDP. Membro da Associacion Iberoamericana de
Derecho del Trabajo. Membro do Instituto Brasileiro de
Direito Social Cesarino Júnior. Desembargador do Trabalho
na Bahia.



Resumo: Neste artigo tratamos das ações indenizatórias de competência da
Justiça do Trabalho a partir da sua definição posta na Constituição
Federal. Analisamos as controvérsias decorrentes da integração do texto
constitucional, apontando nosso entendimento, especialmente em relação à
competência para as ações indenizatórias que não envolvam apenas o
empregado e o empregador.

Palavras-chaves: competência jurisdicional – indenização – relação de
trabalho – greve

Abstract: In this article we deal with the compensation claims of
competence of the Labour Court from its definition placed in the Federal
Constitution. We analyze the controversies arising from the interpretation
of the constitutional text, pointing our understanding, especially in
relation to competence for compensation damages claims that do not involve
only the employee and employer.

Key words: jurisdiction - compensatory damages - employment relationship -
strike



SUMÁRIO. 1. Introdução. 2. Ações indenizatórias previstas no inciso VI do
art. 144 da CF. 2.1. Sucessores do empregado. 2.2. Ações envolvendo
terceiros não-sucessores. 2.3. Funeral e luto. 3. Responsabilidade civil na
greve. 4. Conclusão. 5. Referência bibliográfica





1. Introdução



A regra geral da competência da Justiça do Trabalho é a de processamento de
todas as ações decorrentes da relação de trabalho, inclusive as
indenizatórias. Aqui estamos tratando da ação entre empregado e empregador.

Indo além da competência prevista no inciso I do art. 114 da CF, com
redação dada pela Emenda Constitucional n. 45/04, o reformador
constitucional preceituou que à Justiça do Trabalho cabe julgar "as ações
de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de
trabalho" (inciso VI do art. 114).

Outrossim, no inciso IX, abriu brecha para ampliação da competência da
Justiça do Trabalho pela via ordinária.

A respeito desses dois últimos dispositivos iremos tratar abaixo. Deixamos
de lado o primeiro, pois é incontroverso que toda lide envolvendo empregado
e empregador, inclusive a de cunho indenizatório, é de competência da
Justiça do Trabalho. A controvérsia, no entanto, surge da interpretação dos
demais incisos acima referidos (VI e IX do art. 114 da CF). Daí porque
trataremos deles.

Complementando esse tema, no entanto, também cuidaremos de analisar o
disposto no inciso II do art. 114 da CF, no que se refere às ações de
indenização geradas a partir da greve.



2. Ações indenizatórias previstas no inciso VI do art. 144 da CF



Inicialmente, podemos pensar que o disposto no inciso VI do art. 144 da CF
serviria muito mais para acabar com as controvérsias quanto à competência
para julgamento dos feitos em que se pede o ressarcimento de danos morais e
materiais do que propriamente a inovar (ampliando a competência) em relação
ao disposto no inciso I do art. 114 da CF. Isso porque, quando se diz (no
inciso I, do art. 114 da CF) que a Justiça do Trabalho é competente para
"as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" é óbvio que entre aquelas
(ações) se inclui a que busca o ressarcimento por danos morais e materiais
fundados na responsabilidade civil. Tratar-se-ia, pois, de litígio oriundo
da relação de emprego.

Contudo, é regra de interpretação que a lei não dispõe de palavras inúteis.
Além disso, seria por demais imaginar que o reformador constitucional quis
ser redundante, repetindo no inciso VI o que já se extrai do inciso I do
art. 114 da CF, apenas para pacificar o dissenso jurisprudencial. A norma
constitucional, no entanto, não se presta a tanto.

Cumpre-nos, assim, buscar a verdadeira interpretação do disposto no inciso
VI do art. 144 da CF, afastando o entendimento de que ele seria redundante
em face do disposto no inciso I do mesmo preceito.

Frise-se, porém, e de logo, que o dispositivo em comento não se dirige
apenas ao contrato de emprego, mas a todas as relações de trabalho.

Esse dispositivo, entretanto, deve ser interpretado em conjunto com os
incisos I e IX do art. 114 da Constituição Federal para evitar
contradições, buscando, ao mesmo tempo, seu verdadeiro sentido.

O inciso I do art. 114 da CF se refere às ações "oriundas das relações de
trabalho". Já o inciso IX faz menção às "controvérsias decorrentes das
relações de trabalho", enquanto o inciso VI trata das ações indenizatórias
"decorrentes da relação de trabalho".

Como leciona Reginaldo Melhado, comentando os incisos I e IX, "oriundo tem
o sentido de originário, natural... decorrente significa aquilo que
decorre, que se origina. Vale dizer: no inciso I está a relação de trabalho
antologicamente considerada; ela própria em seu estado natural. O substrato
é o próprio trabalho. Já no inciso IX há menção à controvérsia decorrente
dela, numa relação mediata e indireta"[1].

No inciso I se cuida dos litígios que encontram respaldo imediato e direto
na relação de trabalho, vinculada ao seu núcleo essencial. Já o inciso IX
trata dos litígios que decorrem da relação de trabalho, só que de maneira
indireta e mediata, por reflexo e conexão. Ali diretamente vinculada às
obrigações que emergem da relação de trabalho; aqui, as obrigações surgidas
indiretamente da relação de trabalho.

Mas a pergunta que se faz é: quais seriam essas "outras controvérsias
decorrentes da relação de trabalho" não abrangidas pelo inciso I do art.
114 da CF e que precisam, para ser da competência da Justiça do Trabalho,
de uma lei assim preceituando ("na forma da lei"), conforme previsão do
inciso IX?

A resposta é simples, respondida pelas hipóteses já existentes. Basta
lembrar o litígio que decorre do cumprimento de normas coletivas
envolvendo, por exemplo, o sindicato profissional e a empresa-empregadora,
na cobrança das receitas sindicais, cuja competência é da Justiça do
Trabalho (Lei n. 8.984/95)[2].

Neste exemplo (sindicato x empresa), não estamos diante de uma relação de
trabalho. Contudo, o pressuposto fático-jurídico que dá origem ao conflito
sindicato-empresa é uma relação de trabalho (a relação de emprego). Em
suma, não existisse uma relação de emprego, na qual é gerada a receita
sindical, não haveria litígio entre sindicato e empresa. Logo, em última
análise, este litígio (sindicato-empresa) decorre de uma relação de
trabalho[3].

Cabe esclarecer, todavia, que em face do disposto no inciso III do art. 114
da Constituição Federal, pode-se afirmar que a competência da Justiça do
Trabalho para tais conflitos agora tem matriz no próprio texto
constitucional.

Podemos, no entanto, concluir que o inciso I do art. 114 da CF trata das
ações oriundas das relações de trabalho, inclusive as ações indenizatórias,
fundadas em litígio direta e imediatamente vinculado às obrigações dos
sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade jurídica, do respectivo
vínculo (de trabalho).

Já o inciso IX cuida das ações decorrentes de litígio indireta e
mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo um terceiro e,
pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade
jurídica, do respectivo vínculo de trabalho.

Neste caso, entretanto, será necessária uma lei dispondo sobre a
competência da Justiça do Trabalho.

Ocorre, porém, que o inciso VI do art. 114 da CF também se refere às ações
decorrentes das relações de trabalho. E, desde logo, assegura a competência
da Justiça do Trabalho para conhecer dessas ações indenizatórias
"decorrentes da relação de trabalho". Nesta hipótese, portanto, a
competência tem matriz constitucional, dispensando-se a edição de lei
infraconstitucional tratando dessa matéria.

Daí, então, podemos concluir que:

a) as ações indenizatórias oriundas das relações de trabalho, fundadas em
litígio direta e imediatamente vinculado às obrigações dos sujeitos
titulares, ou que detém igual qualidade jurídica, do respectivo
vínculo (de trabalho) são da competência da Justiça do Trabalho por
força do disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal;

b) as ações indenizatórias decorrentes de litígio indireta e mediatamente
vinculado à relação de trabalho, envolvendo um terceiro e, pelo
menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade
jurídica, do respectivo vínculo de trabalho, também já é da
competência da Justiça do Trabalho por força do disposto no inciso VI
da Constituição Federal; e,

c) as demais ações (excluídas as indenizatórias), decorrentes de litígio
indireta e mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo um
terceiro e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém igual
qualidade jurídica, do respectivo vínculo de trabalho, na forma da lei
podem ser da competência da Justiça do Trabalho.

O inciso VI do art. 114 da CF, assim, respalda a competência da Justiça do
Trabalho para, por exemplo, a ação de um empregado em face de outro
empregado por ato praticado por este em decorrência de uma relação de
emprego. Imaginem a hipótese do empregado assediado, que pode exigir do
assediante, seu colega de trabalho, uma indenização por danos morais e
matérias.

Neste caso, o pressuposto fático para a ação de indenização será a relação
de trabalho mantida pelo assediado com seu empregador, cujo preposto (o
outro empregado – assediante), dolosamente, concretizou os atos de assédio.


Não fosse o dispositivo em comento, o assediado que pretende haver
indenização, tão somente, do colega de trabalho, teria de propor sua ação
na Justiça Comum.

Todas essas ações acima citadas serão de competência da Justiça do Trabalho
por força do disposto no inciso I do art. 114 da CF, já que oriundas da
relação de trabalho.

Diversas são, no entanto, as situações da vida na qual surge a
possibilidade de atuarem na ação indenizatória proposta na Justiça do
Trabalho terceiros não-empregado ou empregador.

Algumas são mencionadas na jurisprudência e que serão objeto de análise
especifica adiante, servindo as mesmas de base para todas as situações
semelhantes.



2.1. Sucessores do empregado.



Já foi controvertido o entendimento relacionado à competência da Justiça do
Trabalho para as demandas indenizatórias decorrentes de acidente de
trabalho quando a vítima vem a falecer e os seus sucessores demanda a
reparação. Diga-se, a reparação de dano próprio e não do falecido. Em
relação à ação proposta pelo espólio, para reparação de dano causado à
vítima (em vida ou post mortem), por certo sempre foi inquestionável a
competência da Justiça do Trabalho.

Em relação ao direito próprio do sucessor (dano moral; pensão, etc),
decorrente do acidente de trabalho, o debate relativo à competência da
Justiça do Trabalho já está pacificada em face do entendimento do STF.

Entende a Corte Suprema que à Justiça do Trabalho compete apreciar os
feitos propostos pelos sucessores do falecido em acidente de trabalho. Para
tanto basta citar o CC 7545, Rel. Min. Eros Grau.

O fundamento jurídico dessa posição seria justamente o inciso VI do art.
114 da CF. Isso porque aqui se trata de uma demanda que decorre da relação
de trabalho. Em suma, em decorrência da relação de emprego havido entre
trabalhador e empregador um dano foi gerado aos sucessores do empregado.
Logo, esse dano decorre da relação de trabalho, competindo à Justiça do
Trabalho conhecer da demanda respectiva, por força do disposto no inciso VI
do art. 114 da CF.



2.2. Ações envolvendo terceiros não-sucessores



Por lógica, então, também seria da competência da Justiça do Trabalho as
ações indenizatórias envolvendo terceiros, sucessor ou não, quando se
demanda a reparação de dano gerado na relação de trabalho.

Podemos citar, por exemplo, o dano moral por ricochete, ou seja, aquele
refletido no terceiro não destinatário da ofensa moral. Isso ocorre mesmo
quando o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa,
mas seus efeitos acabam por atingir, por reflexo ou indiretamente, a
integridade moral de terceiros. Admite-se, pois, a existência de danos
morais reflexos, ou seja, ofensa a bem jurídico (moral) de terceiros
envolvidos com o sofrimento experimentado pelo principal prejudicado em
razão do evento danoso.

Neste caso, entendemos, com respaldo no inciso VI do art. 144 da CF, que a
competência é da Justiça do Trabalho, pois se trata de ação de indenização
decorrente da relação de trabalho. Decorrente porque tem sua causa numa
relação de emprego.

E tal conclusão tem toda uma lógica de organização judiciária, pois seria
de todo descabido se ter que, diante do mesmo evento danoso, duas sejam as
"Justiças" competentes para apreciar as ações indenizatórias.

Veja o exemplo da demanda do empregado contra o empregador para
ressarcimento de danos morais decorrentes de ofensa à honra. Seria
descabido se entender que essa demanda é da competência da Justiça do
Trabalho, mas já a ação proposta pelo cônjuge do trabalhador que se sente
lesada moralmente por reflexo (por "ricochete") seja da competência da
Justiça Estadual.

Tal separação, inclusive, poderia conduzir a aplicação de prazos
prescricionais distintos: na Justiça do Trabalho a regra constitucional
(inciso XXIX do art. 7º); na Justiça Comum a regra do Código Civil (§ 3º do
art. 202 do CC); criando situações violadoras do princípio da igualdade.

Parece-nos, inclusive, ser esta a tendência jurisprudencial no STJ. Isso
porque, esta Corte Superior, no CC 82.432, Rel. Min. Ari Pargendler,
entendeu que "a expressão 'as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho', inscrita no art. 114, VI,
da Constituição Federal, não restringe a competência da Justiça do Trabalho
às ações ajuizadas pelo empregado contra o empregador, e vice-versa. Se o
acidente ocorreu no âmbito de uma relação de trabalho, só a Justiça do
Trabalho pode decidir se o tomador dos serviços responde pelos danos
sofridos pelo prestador terceirizado".

Aqui, pois, já se tem uma demanda na qual o prestador de serviço – não
empregado – demanda o tomador de serviços (empresa não empregadora). Na
referida ação, o trabalhador demandou seu empregador e o tomador dos
serviços em face de acidente de trabalho. Ou seja, é uma ação envolvendo um
terceiro (tomador de serviços) à relação de emprego.

É certo, porém, que o STJ, no CC 111.566, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, entendeu que seria da competência da Justiça Estadual a
demanda indenizatória para reparação de danos decorrentes de acidente de
trânsito, na qual foi atropelado um trabalhador em serviço. No caso, a
vítima demandou o motorista atropelador, o proprietário do veículo e o
empregador, alegando, quanto a este, a responsabilidade decorrente de
acidente de trabalho.

O STJ, com base nos precedentes que definem a competência da Justiça
Federal ("se em uma das causas conexas não figura algum dos entes federais
previstos no art. 109, inciso I, da Carta Constitucional, não pode ser
prorrogada a competência da Justiça Federal, vez que absolutamente
incompetente para julgar ação entre particulares"), no entanto, entendeu
que "a competência da Justiça do Trabalho é absoluta, não podendo ser
prorrogada por conexão se as matérias objeto das demandas conexas não
estiverem entre as hipóteses previstas no art. 114 da CF". Logo, concluiu
que à Justiça do Trabalho cabe apreciar a demanda contra o empregador e à
Justiça Estadual a demanda contra o motorista e o proprietário do veículo.

Tal decisão é merecedora de crítica. Isso porque, em verdade, a Justiça
Federal tem competência mais restrita, pois limitada em face de alguém
(União, empresas públicas federais, etc). Ou seja, tem competência em face
dos interesses de determinadas pessoas, salvo exceções previstas em lei,
inclusive para causas trabalhistas.

Já a Justiça do Trabalho tem sua competência, no caso das ações
indenizatórias, definida em face de um evento danoso ("por dano moral ou
patrimonial decorrentes da relação de trabalho"). Logo, todos os conflitos
indenizatórios decorrentes de um evento danoso (acidente de trabalho, por
exemplo) são da competência da Justiça do Trabalho, pouco importando a
natureza jurídica da relação mantida eventualmente ou não pelos envolvidos
no evento. Aqui a competência (inciso VI do art. 114 da CF) – repito – se
definiu em face do evento danoso (acidente do trabalho, ofensa moral, etc)
e não em face da eventual relação de trabalho mantida entre ofendido e
ofensor. E tanto é assim que a competência para a Justiça do Trabalho
decidir as lides entre empregado e empregador em face de acidente do
trabalho ou outro dano qualquer está incluída na regra do inciso I do art.
114 da CF ("ações oriundas das relações de trabalho"), enquanto o inciso VI
do art. 114 da CF trata das demais ações indenizatórias "por dano moral ou
patrimonial decorrentes da relação de trabalho", como aquelas nas quais o
trabalhador busca a responsabilidade solidária de terceiros envolvidos no
evento danoso e com quem não mantém uma relação de emprego.

E foi nesta linha que o próprio STJ, decidiu pela competência da Justiça do
Trabalho, no CC 97.458, Rel. Min. Sidnei Beneti, para apreciar ação de
reparação de dano moral proposta por prestador de serviços terceirizado
contra uma cliente da tomadora de serviços e a própria empresa tomadora. No
caso, a reclamante demandou "em decorrência de injúria qualificada por
preconceito racial praticada pela primeira ré, advogada e cliente da
aludida instituição financeira, nas dependências da agência bancária em que
a autora trabalhava, na condição de prestadora de serviços".

Decidiu-se, então, que, verbis:

"1.- A expressão "as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho", inscrita no
art. 114, VI, da Constituição Federal, não restringe a
competência da Justiça do Trabalho às ações ajuizadas pelo
empregado contra o empregador, e vice-versa. Se o acidente
ocorreu no âmbito de uma relação de trabalho, só a Justiça do
Trabalho pode decidir se o tomador dos serviços responde pelos
danos sofridos pelo prestador terceirizado." (AgRg no CC
82.432/BA, Rel. Min. ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, DJ
8.11.07)

2.- No caso dos autos, embora a pretendida indenização por
danos morais não decorra de ato ilícito praticado por
empregado da Caixa Econômica Federal (empresa tomadora dos
serviços), mas, por cliente da aludida instituição bancária,
releva que no momento em que sofreu a ofensa, encontrava-se a
autora prestando serviços nas dependências de uma de suas
agências como trabalhadora terceirizada, tendo a petição
inicial ainda, narrado circunstâncias típicas de relação
laborativa atribuídas à Caixa, contra quem também foi movido o
processo.

3.- Desse modo, a atração da competência da Justiça
trabalhista se justifica, pois, a despeito da existência de
duas relações subjacentes com naturezas jurídicas distintas: a
primeira com a suposta ofensora (cliente da instituição
financeira); e a segunda estabelecida diretamente com a CEF,
enquanto tomadora dos serviços, vislumbra-se conexão imediata
[em face da] alegação de causalidade do dano sofrido com a
prestação do serviço à aludida instituição financeira, havendo
necessidade de que, a partir da análise da pretensão, tal como
deduzida, se possa decidir, inclusive, sobre a permanência ou
não da CEF no pólo passivo da demanda, avaliação que, pelas
particularidades do caso, será melhor exercida pela Justiça do
Trabalho e por ocasião de prolação de sentença quando se
examinam todas as circunstâncias fático-probatórias do caso.

4.- Conflito de Competência conhecido, declarando-se a
competência do Juízo da 2ª Vara do Trabalho de São Carlos/SP".

Neste caso, portanto, definiu-se pela competência da Justiça do Trabalho
para reparação de danos causados por um cliente do tomador dos serviços
(empresa) ao prestador de serviços terceirizado (trabalhador). Aqui,
inclusive, sequer o empregador (empresa terceirizada) foi demandada.

E é neste mesmo caminho que se atribuiu a competência da Justiça do
Trabalho para a demanda de reparação de danos morais causados por assédio
sexual levado a cabo por familiar do empregador doméstico (CC 110.924,
Rela. Mina. Nancy Andrighi). Aqui se decidiu que, verbis:

"AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL EM
AMBIENTE DE TRABALHO. EMPREGADO DOMÉSTICO.

1. Compete à Justiça Trabalhista processar e julgar ações de
compensação por danos morais decorrentes de assédio sexual
praticado contra empregado doméstico em seu ambiente de
trabalho, ainda que por parte de familiar que nesse não
residia, mas que praticou o dano somente porque a ele livre
acesso possuía.

2. Na configuração do assédio, o ambiente de trabalho e a
superioridade hierárquica exercem papel central, pois são
fatores que desarmam a vítima, reduzindo suas possibilidades
de reação.

3. Nas relações domésticas de trabalho há hierarquia e
subordinação não apenas entre a pessoa que anota a Carteira de
Trabalho e Previdência Social e o empregado doméstico, mas
também na relação desse com os demais integrantes do núcleo
familiar.

4. Conflito conhecido para o fim de declarar a competência do
JUÍZO DA 1ª VARA DO TRABALHO DE JAÚ - SP, juízo suscitante".

Observem que, neste caso, o dano sequer foi causado por familiar que
residia na casa na qual a trabalhadora doméstica prestava serviços. Ou
seja, sequer se pode alegar que, neste caso, o assediante era integrante do
núcleo familiar empregador, de modo a equipará-lo à figura do empregador
(na relação doméstica, todos os familiares residente no mesmo local são
empregadores).

Nos fundamentos da decisão, inclusive, foi considerado que "na hipótese dos
autos todo o episódio ocorreu no ambiente de trabalho da autora e foi
somente em razão da relação de emprego havida entre a requerente e a filha
do suposto ofensor que aquela se encontrava presente no local do
acontecimento".

Aqui, portanto, tem-se a hipótese de ação de indenização por danos gerados
no seio de uma relação de emprego, causada por um terceiro, que praticou o
ato lesivo somente porque tinha livre acesso ao ambiente de trabalho.

Seguindo essa lógica, portanto, se o trabalhador sofrer um dano no ambiente
de trabalho, quando presta serviço ao empregador, ainda que causado por
terceiro que teve acesso ao local da prestação de serviços, a competência
seria da Justiça do Trabalho. É a hipótese, mencionada acima da cliente que
ofendeu moralmente a trabalhadora quando esta estava prestando serviços à
entidade tomadora dos serviços (STJ, CC 97.458).

É bem verdade, no entanto, que o próprio STJ, contraditoriamente, decidiu,
no CC 110.974, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, que falece competência
à Justiça do Trabalho para processar demanda de reparação de danos causados
por um colega de trabalho a outro, ainda que o evento tenha ocorrido no
local de trabalho.

Aqui se decidiu, verbis:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS ESTADUAL E
TRABALHISTA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA EM
FACE DE COLEGA DE TRABALHO. ILÍCITO CIVIL EXTRACONTRATUAL.
ART. 114, VI, DA CF. INAPLICABILIDADE.

1. Se o ilícito em que fundamentada a responsabilidade por
danos morais ocorre entre meros colegas de trabalho, é ele -
ainda que praticado no ambiente de trabalho - civil e
extracontratual, sendo de competência da Justiça Estadual a
apreciação da respectiva ação. 2. Inaplicabilidade ao caso do
art. 114, VI, da Constituição da República. CONFLITO DE
COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA
DO JUÍZO ESTADUAL COMUM".

Esta decisão é flagrantemente contraditória com aquela posta no CC n.
97.458. Neste último, decidiu que o dano causado por uma cliente da
tomadora de serviço a uma trabalhadora no ambiente de trabalho gerava a
competência da Justiça do Trabalho. Já no CC n. 110.974, decidiu-se que a
lesão provocada por um colega de trabalho no ambiente de trabalho não atrai
a competência da Justiça do Trabalho. Qual a razão das decisões
conflitantes?

Ora, se é da Justiça do Trabalho a competência quando a lesão é causada por
um terceiro-cliente, por muito mais razões seria para a situação na qual a
lesão é gerada pelo terceiro-colega de trabalho. E essa competência mais se
justifica quando se tem que o empregador responde pelos atos de seus
prepostos. E, vale destacar, na referida ação a autora alegou que as
ofensas lançadas estavam diretamente relacionadas à prestação de
serviços[4].

Entendemos, pois, que compete à Justiça do Trabalho julgar todas as ações
de indenização decorrentes da relação de trabalho, ainda que envolvendo
terceiros.

E entre os terceiros, pode-se elencar qualquer outro empregado da empresa
que venha a ser lesado pelos atos do trabalhador-colega. Neste caso, a ação
de indenização corre perante a Justiça do Trabalho, pois o litígio decorre
da relação de emprego, ainda que a demanda se dirija exclusivamente contra
o empregado (empregado x empregado).

Também se inclui nesta categoria de terceiros as demais pessoas que causam
ou sofrem danos em decorrência de uma relação de trabalho. É a hipótese do
cliente que causa dano ou sofre dano.

Vejamos agora a hipótese do cliente que sofre dano por ato do empregado da
empresa. Neste caso, o ofendido pode demandar somente o causador da lesão
(empregado), somente o responsável pelo ato de terceiro (empregador, com
base no inciso III do art. 932 do CC) ou ambos, já que os mesmos respondem
solidariamente.

Se o cliente optar por acionar, na Justiça Comum, apenas a empresa, com
fundamento no inciso III do art. 932 do CC, o empregador poderá demandar
regressivamente o empregado para ser ressarcido pelos danos que vier a
arcar. Tal pode ocorrer, inclusive, através da denunciação à lide.

Esta ação de garantia (e de regresso), porém, por ter natureza trabalhista
(lide entre empregado e empregador) deverá ser apreciada pela Justiça do
Trabalho. Aqui, então, aplica-se o mesmo entendimento revelado pelo STJ, no
CC n. 97.458, diante da "conexão imediata [em face da] alegação de
causalidade do dano sofrido". Daí porque a competência da Justiça do
Trabalho.

O mesmo se diga para os casos de reparação de danos materiais por
ricochete.

Além das situações postas acima, existem aquelas nas quais uma pessoa sofre
dano por ricochete ao ser obrigado a arcar com uma prestação em decorrência
de atos de terceiros.

Um exemplo esclarece essa situação: imaginem a hipótese na qual um
trabalhador sofre uma lesão fora do ambiente do trabalho causada por um
terceiro e passa a gozar de benefício previdenciário, ausentando-se do
trabalho. Neste caso, a empresa é obrigada a arcar com o salário do
empregado durante os quinze primeiros dias de afastamento do empregado (§
2º do art. 43 e § 3º do art. 59 da Lei n. 8.213/91).

Neste caso, então, ainda que a vítima tenha sido diretamente o empregado, é
certo que, por ato de um terceiro, a empresa deve arcar com uma prestação
(pagamento dos salários), sem qualquer contraprestação por parte do
trabalhador (prestação de serviços). Sofre, então, a empresa um "dano por
ricochete".

A demanda indenizatória, neste caso, então, seguindo-se as orientações
acima, seria, então, uma típica demanda decorrente da relação de trabalho
(inciso VI do art. 114).



2.3. Funeral e luto



A indenização com as despesas de funeral nem sempre são arcadas pelo
patrimônio deixado pelo falecido. Também é certo que no luto é um terceiro,
que não a vítima da ofensa, que sofre o dano. Em ambos os casos, portanto,
cabe a esse terceiro demandar o ofensor para reparação de direito próprio.
Não se trata, portanto, de dano causado ao falecido.

Considerando as lições acima, entendemos, assim, que, também com fundamento
no inciso VI do art. 114 da CF, compete à Justiça do Trabalho apreciar as
demandas judiciais de reparação dos respectivos danos.



3. Responsabilidade civil na greve



O inciso II do art. 114 da CF também assegura à Justiça do Trabalho a
competência para as ações que envolvam o exercício do direito de greve ("II-
as ações que envolvam exercício do direito de greve").

As ações podem ser coletivas (conforme referência expressa do § 3º do art.
114 da CF) ou individuais.

Quanto às ações individuais (em contraposição aos dissídios coletivos), não
há qualquer restrição. Isto é, seja ela qual for (indenizatória ou não),
deverá ser proposta na Justiça do Trabalho, qualquer que seja a pessoa
envolvida, desde que haja conexão com o exercício do direito de greve.

A interpretação, aqui, também não pode ser restritiva, já que se busca dar
efetividade à tutela jurisdicional, enquanto dever do Estado. E quando se
confere a um órgão especializado a competência jurisdicional, é certo que
se tem em maior relevo o valor justiça, pois, quanto mais especializado for
o órgão competente para processar e julgar a causa, mais provável é a
efetivação da Justiça (justa e tempestiva).

Cabe observar, portanto, que as ações que decorrem do exercício do direito
de greve nem sempre envolvem somente os empregados e os empregadores. Cabe
lembrar, inclusive, que, por mandamento constitucional, o direito de greve
é assegurado a todos os trabalhadores e não, só aos empregados (art. 9º da
CF). Assim, por exemplo, os médicos credenciados a um plano de saúde podem
fazer greve, recusando-se a prestar os serviços contratados.

Aliás, numa interpretação lógica, poder-se-ia afirmar que os litígios que
decorrem do exercício do direito de greve já se encontram embutidas na
competência referida no inciso I do art. 114 da CF (ações que decorrem das
relações de trabalho) quando apenas envolvem os trabalhadores e os
tomadores de serviços.

O dispositivo em comento, no entanto, foi mais longe. Ele atrai para a
Justiça do Trabalho todos os litígios que decorrem do exercício do direito
de greve, ainda que envolvam terceiros. Assim, por exemplo, poderá o
tomador dos serviços, prejudicado com a greve, ou qualquer outro
interessado, propor a ação reparatória, decorrente de dano gerador pelo
movimento paredista abusivo, em face dos responsáveis respectivos. Esta
lide, por sua vez, poderá ser entre o tomador dos serviços e sindicato,
entre aquele e os grevistas (lide empregatícia), entre o tomador e
sindicalistas responsáveis pela greve, entre o usuário do serviço
paralisado (e prejudicado) e o sindicato e/ou grevistas e/ou empresas,
etc[5].

Tudo na Justiça do Trabalho. Isso porque, em tais hipóteses, estar-se-á
diante de uma ação que envolve o exercício do direito de greve. Em suma,
nela há de se decidir se o movimento paredista, por exemplo, foi ou não
abusivo. Se não abusiva a greve, por exemplo, o usuário dos serviços
paralisados não terá direito a qualquer indenização em face dos danos
sofridos em decorrência da greve (já que os grevistas estariam a exercer
legitimamente o direito de greve). Se o contrário – sendo a greve abusiva –
o usuário, v. g., poderá pleitear uma indenização.



4. Conclusão



Do todo exposto acima, podemos resumir, em síntese:

a) as ações indenizatórias oriundas das relações de trabalho, fundadas em
litígio direta e imediatamente vinculado às obrigações dos sujeitos
titulares, ou que detém igual qualidade jurídica, do respectivo
vínculo (de trabalho) são da competência da Justiça do Trabalho por
força do disposto no inciso I do art. 114 da Constituição Federal;

b) as ações indenizatórias decorrentes de litígio indireta e mediatamente
vinculado à relação de trabalho, envolvendo um terceiro e, pelo
menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade
jurídica, do respectivo vínculo de trabalho, também é da competência
da Justiça do Trabalho por força do disposto no inciso VI da
Constituição Federal;

c) as ações, inclusive as indenizatórias, que decorram do exercício do
direito de greve, envolvendo qualquer pessoa, também são de
competência da Justiça do Trabalho por força do disposto no inciso II
da Constituição Federal; e,

d) as ações, salvo as indenizatórias, decorrentes de litígio indireta e
mediatamente vinculado à relação de trabalho, envolvendo um terceiro
e, pelo menos, um dos sujeitos titulares, ou que detém igual qualidade
jurídica, do respectivo vínculo de trabalho, na forma da lei podem ser
da competência da Justiça do Trabalho;



5. Referência bibliográfica



MELHADO, Reginaldo. Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências
da Justiça do Trabalho, p. 314, In: COUTINHO, Grijalbo Fernandes e FAVA,
Marcos Neves. Nova competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr,
2005.

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[1] Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências da Justiça do
Trabalho, p. 314.

[2] "Art. 1º. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios
que tenham origem no cumprimento de convenções coletivas de trabalho ou
acordos coletivos de trabalho, mesmo quando ocorram entre sindicatos ou
entre sindicato de trabalhadores e empregador".

[3] STF, RE 287.227-0, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 02/03/2001.

[4] Consta do relatório do acórdão que a autora alegou que "a partir do
instante em que a mesma [ré] passou a dirigir à autora acusações no sentido
de que a mesma estaria desviando recursos da empresa (Ama), verbas estas,
advindas de clientes e convênios, e o pior, a autora neste momento veio a
saber que a ré já a vinha difamando há tempos...".

[5] Neste sentido, Reginaldo Melhado, ob. cit., p. 333.
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