As Artes da Relação. As Artes Plásticas no Palácio da Justiça do Porto

June 8, 2017 | Autor: J. Abreu | Categoria: Art History, Public Art, Art in public space, Architecture and Public Spaces
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As Artes da Relação, por José Guilherme Abreu A noção de Programa Artístico é o objectivo fundamental de uma História da Arte moderna, actuante, útil, operativa, socialmente comprometida. A História da Arte mais não é do que a investigação orientada e sempre interdisciplinar que visa o entendimento globalizante (estético, histórico, ideológico, contextual, etc.) das obras de arte particulares à luz da compreensão dos seus “pontos de vista intrínsecos”, isto é, das condições culturais, políticas, sócio-económicas, laborais, de perdurações e continuidades, de ideologias, etc. – numa palavra, o entendimento iconológico das obras de arte. Aby M. Warburg, 1923

1. O Fenómeno da Arte Judiciária Para captar o sentido das obras de arte que integram o programa artístico do Palácio da Justiça do Porto, tal como considera Vítor Serrão, é necessário “situá-las em contexto, entendê-las como objectos vivos dotados de fascínio e testemunhos estéticos dotados de carga trans-memorial”1, ou seja, importa analisá-las a partir da tríade Iconografia-Icononímia-Iconologia2, perspectivando-as, no presente caso, na especificidade de “Arte Judiciária”. Assim, para além do estudo das formas artísticas em si mesmas, importa descodificar o que nelas se encontra representado, importa conhecer o contexto espacial em que se encontram inseridas, e importa não deixar de considerar o tempo em que as mesmas foram produzidas: no presente caso, o Estado Novo. Não cabendo neste texto esmiuçar a história destes aspectos, não poderá o mesmo dispensar de proceder ao enquadramento das obras no edifício, do edifício nos formulários da arquitectura judiciária, e desta no programa de Obras Públicas do Estado Novo: um vasto programa construtivo que, no domínio arquitectónico, visava a edificação de obras emblemáticas e monumentais, como se depreende da designação Palácio da Justiça. O Palácio da Justiça do Porto foi inaugurado em 28 de Outubro de 1961, mas a história da sua edificação remonta a 1948, data em que o Ministro da Justiça, Prof. Doutor Manuel Cavaleiro de Ferreira, e o Presidente da Câmara Municipal do Porto, Prof. Doutor Luís de Pina, punham fim às hesitações anteriores e “acordam a localização do futuro edifício do Palácio de Justiça no centro histórico da cidade, a implantar no local do antigo Mercado do Peixe”3. Um primeiro condensado da vasta problemática que o estudo do programa artístico do Palácio da Justiça do Porto coloca, desprende-se do discurso que o Prof. Doutor Antunes Varela, responsável pela pasta do Ministério da Justiça entre 1954 e 1967, proferiu na sessão solene inaugural, no ponto em que o ministro, interpretando o sentido das referidas obras de arte, afirma: Outro não é, no fundo, Senhor Presidente4, o sentido transcendente da forma por que se encontram ordenados, ao longo do edifício, os temas das várias obras de arte escolhidas para o Tribunal do Porto. Por detrás da figura alegórica da Justiça – guarda avançado do novo Palácio – e antes de se alcançar as estátuas que sobre o pórtico principal simbolizam as diversas fontes do direito, está o baixo-relevo com as quatro virtudes cardeais5 em que assenta a justiça, representadas por algumas das cenas mais sublimes que narram os grandes textos bíblicos6.

Analisando a passagem, importa destacar dali as ideias de transcendência, ordem, alegoria, símbolo, sublime e narração, que centram os fundamentos da imagologia que animava um primeiro plano de leitura da “arte judicária”: aquele que é veiculado pela visão urbana do Palácio da Justiça, destinando-se por isso a ser lida pela generalidade da população, e não apenas por aqueles que à justiça recorrem, nem aos que perante ela respondem ou que internamente a exercem.

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Esse primeiro plano de leitura é, claramente, o da monumentalidade. Uma monumentalidade que enforma plástica e estruturalmente a arquitectura, materializando-se numa volumetria massiva e formalmente depurada, cuja planta basilical é rematada, na fachada Sul, por uma abside e cruzada por um transepto que se eleva, a Nascente, sobre uma fachada porticada, de elevado pé-direito – a Nave – que serve de elemento de ligação e dinamização ente os espaços do Tribunal da Relação e a zona claustral dos Tribunais Cíveis, apresentando-se o conjunto como expressão sóbria de ordem e grandiosidade, onde a escultura se integra com propósitos de inserção de motivos alegóricos, simbólicos e narrativos, coisa que converte o edifício num verdadeiro complexo comunicacional, ou melhor, educacional, que a esse nível repercute o exemplo das grandes catedrais cristãs do Ocidente. É pois enquanto imagem de sacralização da justiça que justamente se concebe a arquitectura do edifício do Palácio da Justiça do Porto, como de resto o arquitecto Rodrigues Lima, autor do projecto, o refere, na justificação que dá na memória descritiva, explicitando os fundamentos da arquitectura judiciária: Os verdadeiros Palácios de Justiça, tal como é lógico que se denominem, só existem nas grandes cidades e resultam de necessidades económicas e funcionais. O número de tribunais incorporados nesses edifícios é variável pelo facto de serem diferentes as interpretações dadas ao Poder Judicial. A arquitectura na parte que lhe tem sido atribuída para representar esteticamente esse Poder Judicial, tem sempre procurado fazê-lo através de um ambiente solene e grandioso com a pretensão lógica de querer traduzir dessa forma a glorificação da Justiça Divina sobre a Terra.7

E, mais adiante, expondo e justificando as opções do projecto, Rodrigues Lima avança: … elaborei para o Palácio de Justiça do Porto um projecto de feição contemporânea, procurando dar-lhe a devida solenidade com uma distribuição equilibrada e harmoniosa dos elementos funcionais e plásticos. Procurei evitar as decorações amorfas e supérfluas e encaminhei a minha composição no sentido horizontal, fazendo predominar no conjunto a massa inerte sobre o detalhe. Tentei conseguir com uma distinção de formas a valorização do conjunto e com uma arrumação lógica dos motivos plásticos a finalidade do edifício. Procurei que a arquitectura tivesse uma expressão ao mesmo tempo repousante e estável, firme e estática, real e verdadeira. Acusei nitidamente no exterior a principal sala de audiências do edifício procurando rodeá-la do mesmo ambiente das Basílicas Romanas. Procurei ser nacionalista pelo emprego e uso de materiais portugueses, evitando sobrepor a função à estética e o revolucionário à disciplina.8

Nada melhor do que as palavras do seu autor, exprime as premissas e as opções da arquitectura do Palácio da Justiça. Por elas, podemos inferir que Rodrigues Lima com aquele projecto não pretendia unicamente agenciar um espaço notável para o exercício da função judicial, mas para além disso, e muito mais do que isso, pretendia configurar uma imagem onde a depuração formal da estética contemporânea aparecesse caldeada pelas referências históricas do classicismo, na senda de um equilíbrio que, por um lado, rejeitava quaisquer soluções apriorísticas de carácter revivalista ou ecléctico, para, por outro, com absoluta clareza, se definir como obra judiciosamente pensada, onde o controlo disciplinador da razão, em vez de assumir como directora a preocupação de organizar o registo imanente da arquitectura, pela resolução primacial do binómio forma/função, preferia antes colocar-se sob a égide de um sentido transcendente, a fim de se constituir como espaço de sacralização, recuperando para a arquitectura civil o carácter místico, ou se se preferir, a sublimidade, da arquitectura religiosa, sem deixar de reinterpretar, a seu modo, referências plásticas da arquitectura mussoliniana, repercutindo ecos do Palácio da Justiça de Milão, projectado por Marcello Piacentini, em 1932, e inaugurado em 1940. Constituindo-se, na cidade, como um verdadeiro ícone do Estado Novo, o primeiro plano de leitura do Palácio da Justiça do Porto é o da sua imagem pública. 2

Imagem pública essa cujo funcionamento e êxito dependem fortemente da presença de um programa artístico9 extremamente codificado e hierarquizado, cuja eficácia repousa, justamente, no poder de comunicação e alusão das formas e das expressões artísticas que animam os espaços, dão sentido à estrutura arquitectónica e ritualizam as funções judiciais. Retomemos a descrição que nos propõe Antunes Varela, no discurso inaugural, transcrevendo a leitura que o ministro fazia da iconografia presente no interior: Paralelamente, no interior do imóvel, por debaixo dos pisos onde aparecem glosados pelos artistas alguns passos decisivos da evolução do direito pátrio ao lado de trechos culminantes da história do velho burgo portuense – como estes dois que o pincel inspirado de Martins Barata fixou no Salão Nobre da Relação – estão os grandes painéis, pintados a fresco, alusivos aos valores fundamentais em que se apoia a nossa concepção de vida, não como ideias de sentido meramente pragmático, mas como verdadeiras realidades ontológicas que a fé gravou no espírito do homem.10

Proferido na Sala de Audiências do Tribunal da Relação, o discurso de Antunes Varela começa por se referir aos frescos que Jaime Martins Barata pintou nas paredes laterais daquele que era, e é, o espaço mais notável do Tribunal da Relação do Porto, constituindo a sua abside, pontuada por uma austera colunata monumental semicircular, o coração, ou melhor, o Santo dos Santos, do edifício, circunstância que por si só serve para demonstrar o valor monumental de que se revestem estas pinturas, descritas pelo Ministro como imagem dos valores ontológicos que integram uma dada concepção de vida: uma vida colectiva, ou melhor, corporativa, que se define e entende, enquanto tal, a partir de uma “doutrina” nacionalista, cujos fundamentos e enunciados se transmitem e proclamam por intermédio da História. Não iremos, para já, analisar estas pinturas. De momento, interessa-nos apenas observar que na Sala de Audiências do Tribunal da Relação, se encontram dois frescos: O Casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre, que se exibe na parede virada a nascente, e A Partida da Armada do Infante D. Henrique para Ceuta, que se encontra pintada na parede voltada a poente, ambos exibindo dois acontecimentos da História local com impacte na História nacional e reflexos na História mundial, e ambos de igual modo pintados por Martins Barata, que foi um dos artistas mais representativos da pintura histórica do Estado Novo. Retomando o discurso onde o deixámos, o Ministro interpreta a lição daquelas pinturas: Pretende-se deste modo significar que todo o nosso direito positivo, como toda a história da comunidade nacional, mergulham as suas raízes mais profundas na filosofia que, distinguindo entre o bem e o mal, e separando a verdade do erro, pune o crime porque o reprova e exalta a virtude porque crê na responsabilidade moral da pessoa humana.11

Não sendo evidente a articulação lógica entre a ontologia do Direito e os quadros representados nas paredes do Salão Nobre do Palácio da Justiça, o seu sentido era assim desvendado: Esta distribuição plástica das obras de arte pode assim ser interpretada com um convite permanente ao jurista para que, não se contentando com o simples texto das leis, que são a mera superfície da vida normativa, não deixe nunca de reflectir sobre a verdadeira profundidade do Direito e constituirá sob esse aspecto um estimulo poderoso à meditação para quantos tenham por missão lutar, dentro das paredes augustas destas salas, pelo triunfo da justiça. Mas não deixa de exprimir também um apelo vigoroso aos próprios homens que fazem ou reformam as leis para que nunca traiam, no exercício da actividade legislativa, as origens derradeiras do poder de soberania em que foram investidos.12

Está pois encontrado um segundo plano de leitura. Na verdade, o nível mais sensível: aquele que se dirige já não ao cidadão comum que passa na rua, e que depara com a presença monumental do Palácio da Justiça, mas o que é dirigido aos magistrados e juristas que ve3

lam pelo cumprimento das leis, bem como aos legisladores que as elaboram ou reformam, com o intuito de lhes lembrar, permanentemente, a doutrina, ou seja, a lição, de um outro Direito que transcende a superficialidade normativa, e que emana de uma História mitificada, de que se considera garante e guardião, no fim, o Poder Executivo. E Antunes Varela terminava, o seu discurso, referindo-se ainda a um terceiro plano de leitura que se destinava a todos aqueles que recorrem à Justiça, ou respondem perante ela: Pois que todos nós, ao deambular pelos corredores ou pelas dependências deste novo templo da Justiça, saibamos ler e não soletrar apenas a magnífica lição que, através dos símbolos eternos da arte, os pintores e os escultores aqui vieram legar à comunidade.13

Não pode deixar de ser significativo que o ministro consagre no discurso inaugural tanto tempo e tantas palavras ao tema da “decoração” artística do Palácio da Justiça, e que seja justamente com o mesmo tema que ele termine o seu discurso, exortando o público a ler as obras de arte, e não apenas a soletrá-las. A primeira ilação a tirar daqui é de que as obras de arte que se destinavam a embelezar os Palácios da Justiça, cumpriam uma função muito mais importante do que a de serem entendidas como meros adereços decorativos, como de resto assinalava Cavaleiro de Ferreira, a propósito da elaboração do “Programa Decorativo” do Palácio da Justiça do Porto, numa carta de 10 de Outubro de 1956, onde afirmava que “O embelezamento de um grande Tribunal deverá ter não apenas fins estéticos, mas objectivos educativos.”14 Mas a função educativa deste programa não deve circunscrever-se, sob pena de reducionismo, ao plano estrito da mera propaganda do Poder, desde logo porque, como já vimos, a lição a retirar se desdobra sobre diferentes planos de leitura, não se limitando apenas ao público anónimo, mas visando igualmente os próprios agentes desse mesmo Poder. O seu fundamento deverá pois ser mais lato, e na opinião de António Manuel Nunes, o mesmo decorre da filosofia do Estatuto Judiciário de 1927/28, como explica o autor: O Poder Judicial vê-se reforçado doravante por uma imagem de prestígio, ordem, hierarquia e autoridade, assente em dois pilares incontornáveis: uma matriz jusdivinista, crente no significado transcendente do Direito, num país onde as crenças cristas tradicionais recebem sanção constitucional; uma matriz humana, norteada pela acção do legislador e dos magistrados, de lastro positivista crescentemente mitigado. Estas duas faces do Poder Judicial, a Providencialista e a Humana, ajudam a inteligir os programas decorativo-simbólicos dos Palácios da Justiça construídos durante o Estado Novo.”15

Os Programas Artísticos dos Palácios da Justiça distinguem-se, pois, ainda que subtilmente, dos propósitos imediatamente propagandísticos do Secretariado da Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro, entre 1933 e 1949, devendo assinalar-se desde logo os “objectivos educacionais” bastante mais duradouros visados pela arte judiciária, circunstância que se evidencia pelo facto de que a lição a dar escolhia como suporte já não as arquitecturas efémeras das Grandes Exposições do Estado Novo, como sejam a Exposição Colonial Portuguesa, de 1934, no Porto, ou a Exposição do Mundo Português, de 1940, em Lisboa, mas antes as perenes e emblemáticas Obras Públicas, colocadas em ênfase a partir da organização da Exposição 15 Anos de Obras Públicas, que decorreu, em 1948, nos espaços exteriores e nos pavilhões do Instituto Superior Técnico. É, pois, no interior da constelação das grandes Obras Públicas que deve ser considerada a presença e acção das artes, que ali se colocam “Ao Serviço da Nação”, constituindo os Ministérios da Justiça e o das Obras Públicas, por isso, as duas mais importantes entidades encomendadoras, durante o período do Estado Novo, após a II Guerra Mundial. E tanto assim é, que a definição dos programas artísticos dos Palácios da Justiça, bem como dos restantes Tribunais de Comarca, eram judiciosamente elaborados por Comissões 4

Ad-hoc que integravam elementos do Ministério da Justiça e do Ministério das Obras Públicas, que definiam os temas das obras e escolhiam os artistas, muitas vezes, por sugestão dos autores dos projectos de arquitectura. Escolhidos os temas, as soluções dos artistas deviam merecer a aprovação da 2ª Secção da Junta Nacional de Educação que emitia Pareceres sobre o valor artístico dos esboços, fotografias e/ou maquetas que os artistas enviavam. Um documento existente no processo do Palácio da Justiça de Lisboa, serve de exemplo para ilustrar o processo: Os arquitectos autores do Projecto do Palácio da Justiça de Lisboa imaginaram os diversos edifícios constitutivos do conjunto valorizados pela presença de obras de arte que pela sua variedade e temas pudessem traduzir a capacidade criadora dos artistas contemporâneos ao serviço da Justiça. A variedade será dada, consoante os casos, pelas inúmeras técnicas já suficientemente experimentadas: escultura, gravação em pedra, pintura "a fresco", tapeçarias, mosaicos, cerâmica policromada em relevo, simples painéis cerâmicos, policromados ou simplesmente gravados, etc. Quanto aos temas a interpretar, espera-se que o Ministério da Justiça elabore os respectivos programas. Entre os vários edifícios haverá que estabelecer uma certa hierarquia, como existe de facto, no que se refere à importância das obras de arte, assim: Tribunais superiores: Este edifício deverá, naturalmente, reunir o mais valioso programa de obras de arte e também os nomes mais notáveis e representativos da arte portuguesa; Tribunais cíveis e criminais: (...) Entendem os arquitectos autores do projecto que o seu programa de obras de arte não deverá ser excedido, quer dizer os edifícios devem reflectir a ideia de sobriedade, enfim, o estritamente necessário. Tribunais da Polícia e Execução de Penas: este edifício é, pela sua natureza, o mais simples e sóbrio do conjunto, quase ausente de obras de arte excepto no átrio de entrada e na Cantina, – decoração sem qualquer responsabilidade.16

E porque as obras de arte eram, justamente, entendidas como um meio ou recurso educativo, impunha-se que o processo da sua criação fosse escrupulosamente prescrito e acompanhado pelas entidades oficiais que tutelavam a edificação, como refere Antunes Varela: Não se compreende, portanto, que um problema fundamental como é, nesse plano, a escolha dos artistas que hão-de colaborar na obra, seja colocado na simples dependência dos outorgantes no contrato, que são técnicos da construção, mas não do Direito ou da Justiça. Quere (sic) isto dizer que essa escolha tem de ficar também dependente, como a dos temas das obras de arte, da aprovação do Ministro da Justiça.17

Os factos e os argumentos enunciados servem para mostrar o valor de mediação de que são depositárias as obras de arte judiciária, circunstância que autoriza a destacar estas obras como um domínio específico da arte pública no Estado Novo, reconhecendo na sua imagologia uma rara riqueza histórico-cultural, riqueza essa que resulta da complexa encruzilhada de temas, expressões e condicionalismos que nelas se entretecem e fundem. Consideramos que reside aqui, justamente, o seu maior valor: um valor histórico-transcendental para cuja definição as formas artísticas concorrem, não só porque se constituem como suporte e expressão de um programa artístico, mas sobretudo porque encarnam uma dialéctica que a um tempo as instrui e delas depende, para poder manifestar-se na esfera pública, pois somente a arte tem o poder de integrar tão díspares e amplos pressupostos e condicionalismos. Por isso, escolhemos para título do presente texto a designação “As Artes da Relação”, pretendendo desta forma criar um sentido duplo, simultaneamente literal e metafórico, pois é das artes do Tribunal da Relação que o texto trata, mas mais do que ficar por aí o que nos move é mostrar que as artes se constituem como relação ou, se se preferir, como mediação, gerando sínteses excepcionalmente ricas de sentido histórico, político e mental, fenómeno esse que, por si só, as reveste de interesse ímpar para a História da Arte, permitindo hoje rasgar novos horizontes de entendimento, daquele que foi o seu tempo. 5

2. O Programa Artístico Poderia o presente texto iniciar-se aqui, dispensando o preâmbulo precedente. Mas cremos que não será sido em vão o tempo gasto, pois, do ponto anterior servir-nos-á agora a estrutura organizada em três planos distintos de leitura, para agrupar e analisar as obras de arte presentes nos espaços do Palácio da Justiça do Porto, em função da hierarquização que ali se encontra bem patente, como já vimos. Assim, ao plano de leitura exterior e urbano, de maior impacte público e conteúdo simbólico, corresponde a estatuária de grande formato, esculpida pelos mais destacados escultores que trabalhavam para as Obras Públicas do Estado Novo. Em primeiro lugar, importa referir a estátua A Justiça de Leopoldo de Almeida18. De tamanho colossal, medindo cerca de sete metros de altura, trata-se de uma das maiores estátuas pedestres portuguesas, somente ultrapassada pela estátua do Infante D. Henrique no Padrão dos Descobrimentos, com nove metros, do mesmo autor, mas talhada em pedra.19 A Justiça, de Leopoldo de Almeida, é uma robusta e hierática estátua alegórica, representada por uma figura feminina perfilada em postura algo marcial, com o peso do corpo igualmente distribuído por ambos os pés, e plasticamente marcada por um frio classicismo, logo evidenciado pela fina túnica grega – o quíton – que lhe serve de indumentária, e que pontualmente revela as formas de um corpo androginamente modelado, combinando traços masculinos e femininos, e repercutindo ecos da estátua A Soberania que o mesmo escultor havia modelado, em 1940, para figurar frente ao Pavilhão dos Portugueses no Mundo, erguido na Praça do Império, em Lisboa, no âmbito da Exposição do Mundo Português, onde essa estátua assumia importante simbolismo, consagrando uma iconografia personificadora de uma imagem idealizada da Nação. Concebida de acordo com o modelo da Justiça Greco-Latina, a Justiça de Leopoldo de Almeida, tem como atributos a espada e a balança, a primeira amparada pela mão direita e colocada na vertical à frente do corpo, representando a componente activa da justiça – a punição – e a segunda desaperrada, na mão esquerda, cujo braço cai ao longo do corpo, representando a componente passiva da justiça – o julgamento. Atrás desta vera guardiã do Direito, apresenta-se aquele que é decerto um dos baixos-relevos mais marcantes da estatuária do Porto: As Quatro Virtudes Cardeais, de Euclides Vaz20. Organizado em registos paralelos, no superior, encontra-se talhado em granito uma figuração do versículo 41-33 do Génesis, onde José, representado com um cajado, depois de ter interpretado o sonho do Faraó que o ladeia, aconselha este a nomear um homem sábio como Prefeito da terra do Egipto, a fim de preparar o país para os sete anos de fome que o sonho do Faraó, na sua interpretação, premonizara. No registo imediatamente inferior, figura outro quadro do Antigo Testamento, referente agora ao versículo 32-26 do Êxodo, no qual Moisés, depois de ter recebido as Tábuas da Lei, se junta ao seu povo que entretanto cedera à adoração do bezerro de ouro, e vocifera, apontando para o Céu, ordenando que se junte a ele quem for de Deus, coisa que provoca o arrependimento geral do povo e de novo a sua conversão à religião de Abraão. O terceiro registo encontra-se subdividido, figurando lado a lado dois quadros referentes aos versículos 1-21 do Livro de Job e 1-15 do Livro de Daniel. No primeiro, representado junto de uma árvore da vida desfolhada, Job é informado por três feitores seus de que havia perdido as suas colheitas, os seus gados e os seus filhos, ao que ele responde “Deus o dá, Deus o toma”. No segundo, quatro filhos de Israel da linhagem real, escolhidos para aparecerem perante o rei Nabucodonosor, depois de recusarem durante dez dias o manjar e o vinho do rei, aparecem com melhor semblante. 6

O quarto e o quinto registos, representando as quatro virtudes cardeais, funcionam como extensão da estátua da Justiça, que por seu intermédio fica enquadrada. Em primeiro lugar, figura a Prudência, representada por uma figura feminina reclinada, tendo como atributo clássico o espelho, que aqui simboliza uma postura reflexiva. Em segundo lugar, e disposta perante a anterior como par afrontado, figura a Fortaleza, tendo como atributo duas Maças de Hércules, que aqui simbolizam a constância e a força. Em terceiro lugar, representada por uma figura feminina reclinada, figura a Justiça, tendo com atributos a Balança, que ergue na mão esquerda, e as Tábuas da Lei, que segura na mão direita. Por último, formando com a anterior novo par afrontado, figura a Temperança, tendo como atributo a Bilha e a Taça, para onde verte o líquido, sem deixar derramar uma única gota. Recortados, duramente, sobre a pedra granítica, os motivos deste monumental baixo-relevo cinzelado com contida expressividade, ilustram a origem divina do Direito, por intermédio de um desenho de notável sobriedade que recorta e estiliza quadros de moderado realismo, lembrando por vezes certos traços de desenhos de Manuel Ribeiro de Pavia. Especialista na arte do relevo, Euclides Vaz é o escultor que assina um maior número de obras de arte judiciária, ao todo 17 obras, sendo treze relevos e quatro estátuas, trabalhando muitas vezes em parceria com o arquitecto Rodrigues Lima. Colocadas nas sobreportadas do edifício, figuram cinco estátuas alegóricas de granito, cinzeladas por Salvador Barata Feyo21, em representação das Fontes do Direito, como sendo o Direito Natural; o Costume; a Lei; a Jurisprudência e a Doutrina. Sem iconografia tradicional para representar a totalidade das Fontes do Direito, Barata Feyo, contraria a solução que, em 1953, utilizara frente à entrada da Faculdade de Letras de Coimbra para representar a Eloquência, a Filosofia, a História e a Poesia, a partir das figuras de Demóstenes, Aristóteles, Tucídides e Safo, para agora, como refere Lúcia Almeida Matos, em vez de se colar a uma iconografia mais tradicional, “Barata Feyo irá abandonar esse modelo em favor de uma solução menos naturalista nas alegorias à Jurisprudência, Doutrina, Direito Natural, Costume e Lei, para o palácio da Justiça no Porto”, muito embora, como observa a mesma investigadora, logo a seguir, “Ainda através de figuras, mas sem a necessidade de as personalizar, o escultor apresenta figuras hieráticas, de marcada verticalidade apenas quebrada por um ou outro gesto ritualizado e respectiva identificação iconográfica.”22 De facto, o que nas figuras de Barata Feyo para o Palácio da Justiça é mais marcante, é a manifesta intencionalidade de invenção e de modelação plástica que as anima, à qual se alia, com absoluta clareza, a ideia de série, circunstância que aqui se reveste de alguma importância conceptual, pois é precisamente esse aspecto que irá garantir a perfeita inserção das figuras na arquitectura, com a qual as mesmas se acordam com ressonâncias rítmicas, realçando e valorizando a imagem dessa mesma arquitectura. De resto, Barata Feyo costumava dizer que “o escultor deve ser arquitecto quando construir a sua obra, deve ser pintor para combinar as sombras, as luzes, os valores e deve ser cinzelador para pormenorizar quando seja necessário e sem prejuízo do todo.”23 Em síntese, observa-se nesta série de estátuas alegóricas uma invenção plástica e uma consciência estética que transcendem os valores retóricos da estatuária, para em seu lugar fazer ecoar, ainda que surdamente, os pressupostos estéticos da Conjugação das Três Artes, que o escultor já havia ensaiado, de resto, magistralmente, em 1955, juntamente com João Andresen e Júlio Resende, no projecto Mar Novo, para o Monumento de Sagres. Liberto do adereço “capote” que uniformizava a estatuária oficial, Barata Feyo esboça aqui os traços de uma “escola” de escultura monumental, sensível à exploração dos valores plásticos da escultura, manifestados pela geometrização das formas, patente nos jogos formais dos panejamentos dos saiotes das figuras, ao mesmo tempo que procura disciplinadamente 7

integrar-se na arquitectura, e não impor-se-lhe, inscrevendo as figuras no edifício à maneira de um Apostolado, e mostrando assim entender, com lucidez, aqueles que eram os pressupostos algo sacramentais da arquitectura judiciária, ao mesmo tempo que respeitava, com estoicismo, aquela que era a função das artes, na legibilidade das grandes Obras Públicas. A Justiça, de Leopoldo de Almeida, As Quatro Virtudes Cardeais, de Euclides Vaz, e As Fontes do Direito, de Barata Feyo, independentemente do desigual valor artístico que as distingue, são, por isso, as mais destacadas obras do Palácio da Justiça do Porto, representando um primeiro plano de leitura: o plano da leitura pública, urbana e monumental, a partir de um caso raro, senão único, na cidade, no que diz respeito à arte estadonovista. Ainda no exterior, mas com implantação pouco visível, figura frente à fachada posterior, a estátua em granito do jurisconsulto João das Regras, esculpida por Sousa Caldas24. Escultor académico de feição tradicionalista, quer pelos temas que trata quer pelo convencionalismo da figuração, a participação de Sousa Caldas é relegada para segundo plano, sendo-lhe encomendada uma estátua que quase não tem visibilidade pública, e que, de resto, ele esculpirá de forma pouco convincente, utilizando uma iconografia nunogonçalvista já cansada, senão mesmo esgotada, onde se repercutem ecos da figuração do Monumento ao Esforço Colonizador Português, que o mesmo escultor cinzelara, na sequência da encomenda que lhe fora dirigida de passar a granito o monumento desenhado por Alberto Ponce de Castro, para a I Exposição Colonial Portuguesa de 1934. Implantadas no 4º Pavimento, lateralmente, logo à entrada no edifício, como se de duas sentinelas se tratassem, figuram as estátuas de Ferreira Borges e de João Pedro Ribeiro, esculpidas respectivamente por Lagoa Henriques e Gustavo Bastos, não desfrutando, por isso, também, de uma implantação que favoreça a sua leitura pública. O sentido da sua implantação não só é absolutamente secundário, como de resto, redundante, pois, como veremos, a figura de Ferreira Borges merece destacado tratamento plástico, num painel a fresco, pintado por Isolino Vaz. Daí que, não sendo puramente iconológica, a presença daquelas duas estátuas se esclareça através de um outro sentido: o sentido da incorporação de uma nova geração de escultores, que, então, se iniciava nas grandes Obras Públicas do Estado, trazida pela mão de Barata Feyo, professor de ambos que havia sido na Escola Superior de Belas Artes do Porto, aparecendo as estátuas esculpidas pelos discípulos, imediatamente atrás do conjunto cinzelado pelo mestre, como já vimos. Destas duas estátuas pedestres, salientamos a de Ferreira Borges, esculpida com modernidade por Lagoa Henriques25, plasmando uma subordinação algo radical da indumentária à anatomia, onde a geometrização das formas adquire uma organicidade escultural que se autonomiza já da herança estatuária do seu mestre Barata Feyo, assumindo no desenho da fisionomia do rosto apontamentos de contemporaneidade que importa assinalar. O contrário sucede com a estátua João Pedro Ribeiro, de Gustavo Bastos26, onde se nota uma ambiguidade formal algo equívoca, marcada pela presença retórica do elemento capa e pelo esbatido claro-escuro que lhe confere uma feição um tanto fantasmática, inviabilizando a formação de uma plástica alternativa à da estatuária dominante, circunstância que acaba por comprometer, aqui, a diferenciação de uma nova geração de escultores, face aos modelos e referências da geração anterior, que, no fim, adopta, mas sem grande convicção. Já posteriormente, em 1967, foi implantado nos Passos Perdidos do 4º Pavimento o busto em bronze do Prof. Dr. Antunes Varela, o qual fora apeado em 1974, e recolhido no Museu Soares dos Reis, tendo regressado ao Palácio da Justiça, em 1998, a fim de dar entrada no Museu Judiciário. 8

E com este elenco de obras, se esgotam as peças referentes ao primeiro plano de leitura. Passamos em seguida ao segundo plano: aquele que tem como objecto já não o público em geral que com o Palácio da Justiça, externamente, se cruza, mas àqueles que ali trabalham diariamente, a fim de neles inscrever as raízes do Poder Judicial, inculcando a linhagem e a responsabilidade históricas do seu exercício. Não deixa de ser significativo, que neste plano de leitura a quase totalidade das obras de arte possua uma temática histórica. Na verdade, estando destinadas a ser permanentemente percepcionadas pelos magistrados e juristas que diariamente com elas se cruzam, as obras de arte que integram este plano são de todas as mais ideológicas, nelas se repercutindo o tal nacional-historicismo27 de que já falou Artur Portela (filho), por sinal sobrinho do pintor Severo Portela Júnior, autor dos frescos que iremos analisar mais adiante. No topo da hierarquia da série, colocamos os frescos Partida da Armada do Infante para Ceuta e Casamento de D. João I, pintados por Martins Barata28. São painéis de grande dimensão, cada um deles com 9,40 x 5,75 metros, que descrevem com apreciável rigor histórico dois episódios marcantes da História local, com impacte na História de Portugal e incontornáveis reflexos na História Mundial. Pintado sobre a parede do lado ocidental, no primeiro fresco plasma-se uma pintura de fino recorte heráldico, baseada em descrições colhidas em Zurara29, onde as lanças, os estandartes, os balsões, os mastros e as torres acentuam uma verticalidade plena de referências medievais, com a qual contrasta a figura do Infante D. Henrique, sem o chapeirão habitual, retratado simultaneamente como cavaleiro cristão, à frente do seu exército a empunhar as Armas de Portugal, mas também como cortês príncipe da Renascença, numa representação que lembra traços do fresco Lorenzo il Magnifico, que figura na Capela dos Magos, no Palácio Medici-Riccardi, em Florença, pintado por Benozzo Gozzoli, em 1459-61. Relativamente ao fresco Casamento de D. João I, situado na parede oposta, importa referir que também aqui a cena foi desenhada a partir de uma sólida investigação histórica, baseada nas descrições que do mesmo faz Zurara, bem como na iconografia de uma iluminura da época.30 Realizado em 1387, na Sé do Porto, o casamento do Mestre de Avis com D. Filipa de Lencastre não só assinala o momento fundador da Ínclita Geração, como também representa o meio através do qual se consumava a aliança anglo-portuguesa, revestindo-se assim a sua presença de uma importância retórica que importa realçar, pois por seu intermédio grafava-se uma imagem de reconhecimento internacional que, na verdade, a Portugal começava a faltar, nos anos decisivos da Guerra Colonial, já então iniciada. Na Sala de Sessões do Tribunal da Relação figuram, a seguir, dois painéis a fresco pintados por Dordio Gomes31. Preenchendo totalmente as paredes laterais da Sala, ambos os frescos se referem a duas importantes sessões das Cortes Medievais Portuguesas. No primeiro fresco, figura um quadro das Cortes de Leiria de 1254, onde pela primeira vez D. Afonso III consentiu a presença de delegados da Plebe, a par dos representantes do Clero e da Nobreza. Pintada com expressividade e movimento, a composição encontra-se estruturada em três secções, com uma imponente coluna românica a dividir o espaço interior em duas zonas distintas: a da Plebe e a dos Senhores, ficando representado o Rei, não fortuitamente, do mesmo lado dos delegados municipais da Plebe, representados de pé, simbolizando a coluna, ao mesmo tempo, o fortalecimento do poder do rei, que apoiado na plebe, com quem, na cena, dialoga, logra conter as pretensões dos senhores, alguns deles sentados em cadeiras curulis32, como sinal de poderio. Quanto à terceira cena, a mesma é delimitada pela extremidade descendente da ondulada faixa ornamental, que serve também para grafar legendas que ajudam a perceber o conteúdo narrativo da pintura, representando 9

na sua orla exterior uma cena ao ar livre, que descreve a entrada da comitiva real na cidade de Leiria. No segundo fresco, figura um quadro das Cortes de Coimbra de 1385, onde se destaca a figura de João das Regras a defender a causa do Partido Nacionalista do Mestre de Avis, apoiado pelo condestável do Reino D. Nuno Álvares Pereira, à frente da arraia-miúda. A composição é em tudo similar à anterior, sendo a cena decomposta, agora, em quatro zonas: a zona da arraia-miúda dos partidários do Mestre de Avis, liderados por Nun’Álvares Pereira e cujo porta-voz era João das Regras e a zona dos partidários de D. João e D. Dinis, chefiada por Martim Vasques da Cunha, sendo estas duas zonas separadas por uma linha dominada pela figura do Regedor e Defensor do Reino, sentado em pose soberana, tendo como pano de fundo um expressivo conjunto de elementos arquitectónicos formados por abóbadas e arcarias em ogiva, pintados com traços vigorosos, criando ricos contrastes de luz e sombra. As outras duas zonas são, como no fresco anterior, delimitadas por uma faixa que se desdobra em vários dizeres, criando nos cantos da composição dois espaços que deixam ver duas pequenas aberturas que descrevem cenas de exterior: a primeira, no canto superior, refere-se à Batalha de Aljubarrota, onde as tropas do condestável venceram, em 14 de Agosto de 1385, as forças leais a D. João I de Castela, e a segunda, no canto inferior, de carácter heráldico enaltece o valor das armas e dos símbolos do reino. Nos passos perdidos do mesmo pavimento em que se situam os frescos que já vimos, encontra-se uma pintura mural, que preenche a quase totalidade da parede frontal à ampla escadaria que liga os vários pavimentos do edifício. Pintado por Severo Portela Júnior, o mural é formado por cinco painéis a fresco onde se representam outros tantos quadros históricos referentes a acontecimentos marcantes da História local, respectivamente, da esquerda para a direita, A Outorga por Dª. Teresa do Foral do Burgo do Porto ao Bispo D. Hugo; A Proclamação de D. João I no Porto; A Integração do Senhorio do Porto no Domínio da Coroa; A Participação dos Portuenses na Restauração de 1640 e O Levantamento Popular de 1808 contra os Invasores Franceses, uma composição monumental que serve para iconografar o cometimento das gentes do Porto pela defesa da independência nacional e a correlativa subordinação ao governo da Nação, ao longo da História, apresentando-o como preito de fidelidade e dever, mas omitindo sintomaticamente da série o apoio das gentes do Porto a D. Pedro IV, durante o Cerco do Porto, pois decerto que esse quadro haveria sido omitido pelo Programa Artístico definido pelo Governo, circunstância que permite evidenciar como a arte judiciária funcionava como meio de inscrição da supremacia do Poder Executivo, ideário a cujo serviço deveria submeter-se a “Arte Pública Nacional”33, serviço esse que encontrava na “Arte Judiciária”, justamente, um domínio de aplicação e de expressão particularmente fiel e fidedigno. É no cruzamento destes condicionalismos, que devem ser lidos os frescos de Severo Portela Júnior.34 Plasticamente, os seus painéis são pintados com majestade e monumentalidade, nomeadamente o painel Integração do Senhorio da Cidade do Porto no Domínio da Coroa, onde as figuras se hierarquizam em planos sucessivos, como na Pintura Antiga, com o centro da composição preenchido pela figura do rei, em pose soberana, empunhando o ceptro, e a do Bispo do Porto, empunhando o Báculo com a imagem da Virgem na voluta, no momento em que entrega as Chaves da Cidade e o Foral ao Rei, presidindo à cena as Armas de Portugal. Desenhado com hierático convencionalismo, este painel de Severo Portela repete a fórmula do fresco “Alegoria do Génio Português”, que o autor havia pintado, em 1951, para o átrio da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde como observa Marco Daniel, “No centro da composição, o pintor colocou em escala maior que as restantes personagens, a figuração da Pátria, matrona avultada, coroada de louros e apoiada num forte escudo nacional. […] Se traçarmos a mediana 10

vertical, facilmente se concluirá que a espada-cruz que preside a todo o painel se encontra na mesma linha simbólica da custódia de Belém, peça artística da ourivesaria nacional que, […] não se encontra no fresco apenas como citação arqueológica, mas, sobremodo, para enfatizar uma mensagem ideológica.”35 Representam estes três conjuntos pictóricos, dada a sua escala monumental, os mais proeminentes exemplos de pintura mural presentes no Palácio da Justiça do Porto, e integrados no plano de leitura especialmente consagrado aos magistrados e juristas. Nelas se repercute, com absoluta clareza, a retórica da Historiografia Oficial, desdobrada em três planos diferentes: no caso da Sala de Audiências, com a Conquista de Ceuta e o Casamento de D. João I, descrevem-se dois exemplos de afirmação da História de Portugal no plano internacional; no caso da Sala de Sessões, descrevem-se dois exemplos de afirmação História de Portugal no plano nacional; no caso dos Passos Perdidos, descrevem-se cinco momentos marcantes da afirmação da História Local no plano nacional. E a pintura a fresco servia bem esta celebração da “História Pátria” nos seus diferentes aspectos, pois não só se adaptava bem aos distintos espaços, preenchendo integralmente paredes, por vezes interrompidas por portas, como, na medida em que era uma técnica que havia marcado a decoração dos palácios e templos da Renascença, conferia dignidade e majestade aos espaços, e ajudava também a transportar o público, em imaginação, para um Passado prestigioso e aurático, tanto mais que esses trabalhos eram por norma encomendados a artistas consagrados a nível nacional, alguns dos quais assinavam o maior número de obras de arte judiciária, como sucedia com Martins Barata e Severo Portela. A obra que se segue não é de carácter histórico, mas heráldico, pois é formada por dez brasões esculpidos em bronze da autoria de Irene Vilar e Maria Alice da Costa Pereira: duas escultoras da nova geração que aqui se iniciavam nas grandes obras públicas do Estado, sendo-lhes encomendado um trabalho mais delicado, de menor dimensão e de menor responsabilidade artística que o da estatuária, revestindo-se, por isso, de menor valor, no plano da invenção formal. Contrariamente, porém, no plano da organização judicial, o conjunto não deixa de ter valor simbólico, na medida em que representa os brasões dos Concelhos sede de comarca do Distrito Judicial do Porto, a saber, Vila Real, Viana do Castelo, Bragança, Braga, Porto, Vila Nova de Gaia, Gondomar, Maia, Matosinhos, Valongo, assinalando assim que nos encontramos perante um Tribunal Superior de segunda instância, circunstância que sai reforçada pelo facto deles adornarem a moldura da porta de acesso à grande Sala de Audiências da Relação, que já vimos. Ainda no 5º Pavimento, figura a tapeçaria Portucale – Civitas Virginis de Amândio Silva36, que apesar de se inscrever no plano de leitura consagrado aos Magistrados e Juristas, porque se encontra na Sala de Espera do Gabinete do Presidente do Tribunal da Relação do Porto, não tem o mesmo impacte dos frescos anteriores, revestindo-se esta tapeçaria de um carácter mais intimista, adaptando-se a um espaço de natureza, por assim dizer, mais reservada. Importa observar que esta tapeçaria, e a seguinte, servem de transição para o último plano de leitura, pois é a primeira de uma série de obras cujos autores são artistas locais que pertencem a uma geração intermédia entre os consagrados e os debutantes, e que procede de forma quase unânime do movimento das Exposições Independentes, realizadas entre 1943 e 1950, no Porto, Coimbra, Leiria, Lisboa e Braga, grupo esse liderado por Fernando Lanhas, ao qual ficou ligada, historicamente, a introdução do abstraccionismo na arte portuguesa, depois das experiências pioneiras, mas sem continuidade, de Amadeo de Souza Cardoso. É de resto a presença desse abstraccionismo, a nota mais marcante da tapeçaria de Amândio Silva, cuja composição se estrutura por meio de dois registos horizontais, cruzados por bandas verticais que estruturam as figuras e o fundo, por meio de uma geometria de linhas, de formas e de contrastes cromáticos. No registo inferior, encontra-se representado o de11

sembarque dos Gascões, que nos inícios do século XI haveriam de povoar a cidade e expulsar o que ainda restava da presença muçulmana, depois de Almançor, nos finais da centúria anterior, ter destruído as velhas muralhas, erguidas aquando da presúria de Portucale por Vímara Peres, em 968. No registo superior, o Bispo do Porto entrega as chaves do burgo, não ao Rei de Leão, mas à Virgem (entronizada dentro da mandorla), em imagem de autoridade, baixando o monarca e os seus cavaleiros, a espada, em sinal de submissão. Nesta tapeçaria, as temáticas histórica, lendária e religiosa encontram-se bem mescladas, servindo esta obra, tal como a seguinte, para assinalar a transição para as temáticas de pendor religioso que irão marcar, maioritariamente, o terceiro plano de leitura. Com temática e implantação muito semelhantes à anterior, figura na Sala de Espera do Gabinete do Procurador-Geral da República, a tapeçaria “Os Doze de Inglaterra”37, da autoria de Sousa Felgueiras38, que cita um episódio do imaginário cavaleiresco português da Idade Média, também referido por Camões, nos Lusíadas, no Canto VI. A tapeçaria encontra-se organizada em dois planos distintos, separados por uma fileira de árvores, desenhadas com grande esquematismo, isolando o terreno onde decorre o torneio, do casario que, ao fundo, se recorta, cenograficamente, contra um céu cinzento. As figuras dos cavaleiros e das suas montadas, destacam-se por sua vez, cromaticamente, contra o fundo esverdeado do campo, ornamentado com flores-de-lis. Nesta tapeçaria dominam as tonalidades de cor lisa e acentuado claro-escuro, que lembram alguma pintura Pop, e que deixam adivinhar a influência que a técnica da gravura terá tido, na preparação do cartão desta tapeçaria, fabricada, como a anterior, na Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. Relativamente ao terceiro plano de leitura, aquele que tem como público alvo todos quantos apelam, ou são chamados, à Justiça, importa referir que no Átrio do 2º Pavimento, onde funcionam o 6º e o 7º juízos cíveis, encontra-se o mural O sentido transcendente do ordenamento jurídico português, pintado por Martins da Costa39, e constituído por cinco painéis a fresco que têm os seguintes títulos: Tentação, Culpa, Crime, Castigo e Expiação. Encontramo-nos perante um caso de fundamentação do Direito civil a partir de um ordenamento divino, tomando como exemplo o “maior crime da humanidade – a morte de Cristo”40 como refere o livrinho publicado aquando da inauguração do Palácio da Justiça do Porto. Partindo da iconografia e da figuração convencionais, os painéis de Martins da Costa são pintados com tonalidades escuras e carregadas que plasmam os sentimentos de culpa, remorso e punição. De um modo geral, as figuras não se individualizam nos rostos e nas atitudes, desenhados uns e outros com linhas vincadas e angulosas que se endurecem em fisionomias de expressão grave, severa ou suplicante, como sucede no painel Castigo, em que Judas se arrepende, depois de haver denunciado Cristo, enquanto no último painel é representado o acto de Judas se enforcar com uma corda, como acto de expiação do seu pecado. No mesmo Pavimento, e relacionando-se também com a temática do castigo, figura na Sala de Audiências do 6º Juízo o baixo-relevo Pelourinho do Porto, esculpido em pedra por Henrique Moreira41, figurando um plebeu amarrado a um Pelourinho, que aqui representa a autoridade municipal, condenado a ser açoitado publicamente. Plasticamente convencional, quer no desenho das figuras quer na representação do espaço cénico, o baixo-relevo de Henrique Moreira grafa, de forma ingénua, as reacções contraditórias que a punição de um plebeu induz nos seus semelhantes. À esquerda, o grupo liderado por uma mulher plebeia que ampara com a mão uma criança, olha de frente o condenado, fazendo o gesto da absolvição. Do lado oposto, o grupo liderado por um juiz que se apoia numa pesada vara simbolizando a justiça, olha de esguelha o condenado, e afasta-se com desprezo, enquanto aquele, de tronco desnudado, se entrega resignadamente ao vexame público, curvando-se, como se demonstrasse (ou fingisse demonstrar) arrependimento. 12

Nesta obra de Henrique Moreira, descobrem-se os traços de um realismo sui generis que, por um lado, se empenha na criação de quadros alusivos a temáticas sociais, mas que, por outro, se dulcifica, banindo a expressão crítica, para em sua vez fazer ressoar sentimentos de piedade cristã, que lembram o neo-realismo italiano e, antes disso, a prosa de Raul Brandão. Nos Passos Perdidos do 3º Pavimento, onde funcionam os 4º e 5º juízos cíveis, figura o mural a fresco que representa a alegoria dos Quatro Novíssimos do Homem, e que é composto pelos seguintes painéis: Morte, Juízo Final, Inferno, Paraíso e Entrega do Decálogo no Sinai. Pintado por Coelho de Figueiredo42, esses cincos painéis repercutem a origem teológica do Direito, a partir de um tema central da escatologia cristã, onde se descreve o destino da alma depois da vida: Morte, Juízo, Inferno e Paraíso, a cuja figuração correspondem os quatro primeiros painéis, citando o quinto a cena da Entrega do Decálogo a Moisés no Monte Sinai, em referência ao Código Divino, princípio e fim da filosofia do Direito. Pintados com expressividade e vigor, usando uma paleta de cores bem contrastadas, os painéis de Coelho de Figueiredo situam-se esteticamente para lá do naturalismo, importando realçar o valor que o desenho assume na invenção da paisagem e na representação das figuras. Um desenho marcado por angulosidades geométricas e fortes modulações de claro-escuro, que acentuam a intensa carga dramática das cenas, como sucede de forma particularmente notória, no ultimo painel, dominado por uma paisagem rochosa e desértica, encimada por uma nuvem escura e densa donde irrompem fulgurantes rios de um azul profundo, que enquadram com terribilitá a revelação do Decálogo a Moisés. No mesmo Pavimento, figura na Sala de Audiências do 5º Juízo Cível o mural a fresco, Assistência à Infância Desvalida Portuense/Profilaxia do Crime, pintado por Júlio Resende43. Única obra de arte do Palácio da Justiça do Porto cuja temática alude à justiça social, o fresco de Júlio Resende é uma pintura de sincera modernidade cuja composição, possuindo por um lado inequívoca estruturação geométrica, rejeita por outro a rigidez da regularidade, e veicula um entendimento poético do espaço pictórico, com as formas e as figuras a combinarem-se ritmicamente numa cadência quase musical, de acordo com um desenho que se reveste por vezes de acentos neo-realistas, e que no centro é regido pela figura do Padre Américo, cujo vulto unifica os registos superior e inferior que à direita e à esquerda se desdobram em afáveis e edificantes quadros de expressiva leitura, enfatizados pelo contraste dos tons azuis e laranjas da paleta de cores, que confere ao fresco irradiante vida. Particularmente conseguido quer no plano formal, quer no plano expressivo, o mural de Júlio Resende repercute a lição de modernidade colhida durante a bolsa europeia do autor, onde na Escola de Belas Artes de Paris pôde estudar a técnica do fresco, tendo assimilado a plástica moderna, sem deixar de exprimir, porém, a sua poética pessoal. Ainda no 3º Pavimento, na Sala de Audiências do 4º Juízo, figura o baixo-relevo Juiz de Fora e Corregedor, de Eduardo Tavares44. Mais desenhado do que esculpido, quase poderia dizerse que se trata de um relevo inciso, cinzelado com expressivo movimento sobre duas placas em forma de estela. Marcado por linhas diagonais e curvilíneas, o seu desenho dinamiza as figuras, retirandolhes a verticalidade hierática e estática da estatuária convencional. Estabelecendo um franco diálogo com o público a quem parecem expressamente dirigir-se, as figuras do Corregedor e do Juiz de Fora, estão representadas por corpos alongados e gestos explícitos e claros, ora passivamente exibindo códigos, ora activamente manifestando as suas deliberações, de tal maneira que as formas e as linhas se alternam em subtis jogos de positivo e negativo, com as capas de ambas as figura a possuírem um rebordo que

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ao mesmo tempo as delimita e as encaixa na superfície plana e circundante das estelas onde as mesmas se encontram inscritas. No 4º Pavimento, na Sala de Audiências da 2ª Vara, figura o painel a fresco Criação da Casa da Relação do Porto - 1583, da autoria do pintor Augusto Gomes45. Pintado com um notável acerto, concertando de forma exemplar abstracção e figuração, o fresco combina com raro equilíbrio linhas horizontais e verticais, figuras sentadas e figuras em pé, pintadas com solenidade e sobriedade, contra um fundo de abstractos padrões geométricos, pintados com tonalidades ocres, cinzentas e violetas que lembram reminiscências dos exercícios neoplasticistas de Theo Van Doesburg. Trata-se de um dos painéis mais emblemáticos do Palácio da Justiça do Porto, tendo uma reprodução sua figurado na capa do Roteiro da Exposição Documental dos 400 Anos da Criação da Casa da Relação do Porto, realizada em 1991. No mesmo Pavimento, situado na Sala de Audiências do 3º Juízo, figura o baixo-relevo Exortação aos Cruzados por D. Pedro Pitões, cinzelado, duramente, no granito, pelo escultor Manuel Pereira da Silva46, apresentando a figura do célebre Bispo do Porto, aqui esculpido de costas junto à Porta de Vandoma, encimada pela imagem da Virgem, a dirigir-se à multidão de cruzados, armados de espada, elmo e cota de malha, repetindo, em três planos sucessivos, a mesma figuração. Esculpido sem profundidade, o relevo parece inspirar-se na escultura românica, sobrepondo figuras inseridas em planos abstractos, à margem da perspectiva monocular. No 5º Pavimento, situado na Sala de Conferências, figura o painel a fresco Fundação do Tribunal do Comércio, pintado por Isolino Vaz47, que homenageia José Ferreira Borges, na sua qualidade de obreiro e mentor do Direito Comercial. Trata-se de uma pintura que pretende recriar um quadro da sociedade liberal e burguesa do Porto de oitocentos, a partir de uma figuração algo teatralizada, que apresenta os homens de negócio do burgo trajados de capas e casacas de tons escuros e fortes, contrastando poderosamente contra um fundo informe, cenograficamente emoldurado por reposteiros e cortinados, à maneira de um palco, ligeiramente elevado sobre um chão de madeira forrado por um tapete ornamentado com equívocos motivos geométricos. Ainda no 5º Pavimento, situado na Sala de Audiências do 2º Juízo, figura o baixo-relevo A Cúria Régia, fundido em bronze policromado, da autoria do escultor Arlindo Rocha48. Desenhado com grande rigor geométrico, nele encontra-se representada, vista de frente, a figura soberana de el-Rei D. Dinis, sentado no trono com a cabeça rodada de perfil, visando seis representantes também pintados de perfil, rígida e solenemente sentados à direita do soberano, sendo que à sua esquerda surge de pé um Corregedor com a Vara da Justiça na mão direita, empunhando um documento selado. Na base, há uma inscrição em Latim. Peça que prima pelo rigor e qualidade de um desenho de marcada composição geométrica, no mesmo a figuração é tratada com especial clareza e sobriedade, quer nos traços extremamente essenciais que definem as feições, os trajes e os espaços, recusando a descrição naturalista, sem deixar de conferir à cena a necessária antiguidade, mas fazendo-o por intermédio de uma gramática formal moderna, particularmente atenta a padrões ornamentais geométricos que cobrem os panejamentos, as madeiras e o plano do fundo, e que conferem à peça o aspecto de uma gravura texturada. No 6º Pavimento, na Sala de Audiências da 1ª Vara, figura o painel a fresco Preito de Lealdade de Egas Moniz, da autoria de Guilherme Camarinha.49 Pintado com inequívoca modernidade, utilizando uma paleta de cores bastante contrastadas, onde alternam e se combinam negros, cinzentos-claros e dourados, o fresco apresenta o lendário episódio de Egas Moniz 14

a entregar-se a si e à sua família ao rei Afonso VII de Castela e Leão, que sentado no trono, acompanhado do estandarte com as armas reais, o escuta, rodeado de uma teoria de guardas armados trajados de negro, que um reposteiro, em parte, oculta, figurando ainda um Bispo, trajado de dalmática branca e casula dourada. Formalmente próximo da figuração neo-realista, repercutindo traços de Cândido Portinari, particularmente visíveis no grupo de Egas Moniz, cujo desenho lembra o S. Francisco do painel de azulejos da Igreja de S. Francisco, em Pampulha, o mural de Camarinha destacase pela profusão de motivos ornamentais geométricos em ziguezague presentes no chão, no reposteiro nas armas, na casula do Bispo e na espada do Rei, conferindo assim uma grande unidade e coerência a um desenho que, por outro lado, não deixa de reflectir também a importância de que se revestiu a técnica da tapeçaria no trabalho do autor. Também no 6º Pavimento, na Sala de Audiências do 1º Juízo Cível, figura o painel cerâmico policromado A Criação da Casa dos Vinte e Quatro, da autoria de Fernando Fernandes50, painel esse encomendado ao artista, em 1958, mas que por não ter então agradado, viria a ser assente no local, apenas em 1971. Concebido como um relevo cerâmico possuidor de forte e contrastada policromia, o painel de Fernando Fernandes é uma nota dissonante no contexto do programa iconográfico e artístico do Palácio da Justiça do Porto, em virtude do radicalismo expressionista com que o autor molda, ou melhor, distorce, a figuração, patenteando uma estética da deformação que questionava, se não impedia, a intenção governamental de sacralizar os espaços destinados ao exercício da Justiça, aproximando-se perigosamente do expresssionismo alemão de entre as duas guerras, logo classificado, e censurado, pelos Nazis, como Arte Degenerada. Não sendo uma obra particularmente bem conseguida no plano formal, vale a mesma, no entanto, pela ousadia que nela se patenteia de assumir para si a dissonância, reivindicando a liberdade de ir contra os pressupostos de um programa artístico elaborado, supervisionado e executado, unilateralmente, pelos organismos do Poder instituído, apesar de com isso aparecer hoje como o “Patinho Feio” do programa artístico do Palácio da Justiça. Mas tal como na historinha do Patinho Feio, a beleza nunca é um valor absoluto, dependendo, invariavelmente, do ponto de vista a partir da qual a mesma é julgada esteticamente, sendo que, neste caso, o juízo possa ser diferente consoante se olha a obra a partir do ponto de vista de um Programa Artístico unilateralmente definido, ou do ponto de vista da defesa do primado da liberdade de criação artística e do direito correlativo de o artista interpretar, expressar ou questionar, livremente, os fundamentos desse mesmo Programa. Serve esta última obra, para justamente voltarmos ao princípio e com Aby Warburg considerarmos que aquilo que efectivamente importa para a escrita de uma História da Arte actual e actuante, é analisar as obras de arte tendo em vista a obtenção de um entendimento global, esclarecido pela compreensão do Programa Artístico dentro do qual as mesmas devem ser inseridas, prevalecendo assim o propósito de captar o sentido integral das obras de arte, sobre o intuito de as julgar esteticamente. Há aqui, pois, uma sentença de Salomão que não é fácil de pronunciar, e por isso a decisão mais sábia, como muitas vezes ocorre, é a de defender, justamente, a suspensão do juízo.

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Notas: 1

SERRÃO, Victor, Metodologias da História da Arte: novos caminhos e bases teórico-conceptuais, In, Conferência promovida pela Associação Portuguesa de Historiadores da Arte e pelo Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa 30 de Maio de 2008, Texto Policopiado, p. 1. 2

Iconografia: Estudo do tema das obras de arte; Icononímia: Estudo do contexto em que se inserem as obras de arte; Iconologia: Estudo do significado das obras de arte 3 Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, Palácio da Justiça do Porto, Ficha de Inventário do IPA, nº PT011312150245 4

O discurso é proferido na presença do Presidente da República, Contra-Almirante Américo Tomás, como passa a ser norma na inauguração de Palácios da Justiça e Tribunais, após a sua tomada de posse, em 1958.

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Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança

6

Boletim do Ministério da Justiça, nº 110, Novembro de 1961, p. 11.

7

LIMA, Rodrigues, Memória Descritiva e Justificativa, In, Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, Palácio da Justiça do Porto, Ficha de Inventário do IPA, nº PT011312150245. 8

Idem, ibidem.

9

Preferimos utilizar a expressão programa artístico do que programa decorativo com que normalmente se refere na documentação oficial e nalguma literatura especializada o conjunto das obras de arte ali presente.

10

Boletim do Ministério da Justiça, nº 110, Novembro de 1961, p. 11

11

Idem, pp. 11-12.

12

Idem, p. 12

13

Idem, ibidem

14

Apud, NUNES, António Manuel, Espaços e Imagens da Justiça no Estado Novo. Templos da Justiça e Arte Judiciaria, Minerva, 2003, Coimbra, p. 198. 15

NUNES, António Manuel, Imagens da Justiça …, pp. 63-64

16 Palácio da Justiça de Lisboa, Obras de Arte, 30 de Dezembro de 1967, Pasta: Arquitectos Januário Godinho e Andresen. Documentação presente no Arquivo Geral dos Tribunais, S. João da Talha, Loures. 17

Apud, NUNES, António Manuel, Imagens da Justiça …, p. 201

18

Natural de Lisboa, Leopoldo de Almeida (1898-1975) estudou na Escola de Belas Artes de Lisboa, tendo sido aluno de Simões de Almeida (Sobrinho). Foi pensionista do Estado em Paris e Roma, e leccionou na Escola de Belas Artes de Lisboa a disciplina de Desenho e Escultura. Com extensa obra de estatuária pública espalhada pelo País, nas ex-Colónias e mesmo no estrangeiro, recebeu vários prémios e condecorações, tendo a sua participação sido marcante nas Exposições do Estado Novo, nomeadamente na Exposição do Mundo Português, para a qual modelou algumas das estátuas mais emblemáticas. Como sendo A Soberania, frente ao Pavilhão dos Portugueses no Mundo.

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O Cristo-Rei de Almada é a mais alta (28 metros), mas sendo construída em betão, não entra neste cômputo.

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Natural de Lisboa, Euclides Vaz (1916-1991) estudou na Escola de Belas Artes de Lisboa, tendo sido aluno de Simões de Almeida (Sobrinho). Foi um dos escultores com maior número de obras implantadas em Tribunais do País, colaborando com regularidade nas grandes Obras Públicas, comparecendo às Exposições do SPN/SNI, tendo recebido o prémio Soares dos Reis, em 1949. 21

Natural de Moçâmedes, Salvador Barata Feyo (1902-1990) estudou no Colégio Militar e na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi aluno de Simões de Almeida (Sobrinho), obtendo o diploma de escultura em 1923. Esteve em Itália como bolseiro do Instituto de Alta Cultura, em 1933. Foi professor de Escultura na ESBAP, entre 1949 e 1972, e Director Interino do Museu Nacional de Soares dos Reis, entre 1950 e 1960, tendo ainda sido Conservador Adjunto dos Museus e Palácios Nacionais e Membro da Academia Nacional de Belas Artes. Participou em inúmeras exposições, no País, como o 1º Salão do Independentes, 1930; Exposição do Mundo Português, 1940; SNI, vários anos; FCG, 1957; Magnas da ESBAP, todas; Exposição Retrospectiva, MNSR, Porto, 1982, assim como no estrangeiro, como na II Bienal de S. Paulo, 1951; XXV Bienal de Veneza; Museu Rodin, 3ª Exposição internacional, 1966 e 4ª internacional, 1971; Exposições Internacionais de Paris, 1937; Nova Iorque, 1939; e Bruxelas, 1958. Recebeu os seguintes prémios: Mestre Manuel Pereira, SNI, 1945 e

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1951; Grande Prémio de Escultura, FCB, 1957; Grande Prémio de Escultura da Expo 58 de Bruxelas; 1º Lugar no 3º Concurso ao Monumento ao Infante D. Henrique, Sagres, ("Mar Novo", projecto não realizado, 1957); Prémio do SNI, 1960; Oficial da Ordem de Sant'Iago da Espada; Cavaleiro de Mérito das Belas Artes de Pietro Vannuci, Perusia. 22

MATOS, Lúcia Almeida, Salvador Barata Feyo, In, Museu Barata Feyo, 2004, Caldas da Rainha, p. 18.

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Apud, MATOS, Lúcia Almeida, Op. Cit., p. 3

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Natural de Vila Nova de Gaia, José Fernandes de Sousa Caldas (1894-1965) estudou na Academia Portuense de Belas Artes, tendo sido aluno de Teixeira Lopes, José de Brito e Marques de Oliveira. Autor de vários Monumentos aos Mortos da Grande Guerra e de estatuária de feição novecentista, foi Director da Escola de Artes Decorativas de Soares dos Reis, tendo participado em exposições do SPN/SNI, onde recebeu o Prémio Teixeira Lopes, em 1947. Com escassas obras implantadas em Tribunais do Pais, além da estátua de João das Regras, unicamente assina uma Justiça implantada na fachada do tribunal de Viana do Castelo 25

Natural de Lisboa, António Lagoa Henriques (1923- ), estudou na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi aluno de Leopoldo de Almeida, e na Escola de Belas Artes do Porto, para onde se mudou, a fim de seguir as aulas de Barata Feyo. Entre 1954 e 1956, foi bolseiro do Instituto de Alta Cultura, tendo visitado Itália, Inglaterra, Grécia e Egipto. Participou em várias exposições no País, como as Exposições Gerais de Artes Plásticas, entre 1946-1956, assim como na FCG, em 1957, na SNBA, em 1972 e 1978. Recebeu os prémios 1ª Medalha da SNBA e 1º e 2º Prémios Soares dos Reis, 1954, Teixeira Lopes. 26 Natural da Figueira da Foz, Gustavo Bastos (1928- ) estudou na Escola de Belas Artes do Porto, onde foi aluno de Barata Feyo, tendo obtido o diploma de escultura em 1955, e passado a leccionar ai a partir de 1958. Em 1956 obteve o Prémio Soares dos Reis do SNI. Tem obra nas Câmaras de Matosinhos, Póvoa de Varzim, Porto, no Palácios de Justiça do Porto, Lisboa, Mirandela, Tondela, Alijó; na Caixa Geral de Depósitos, Porto; Pousada de Bragança e figuras escultóricas em vários locais da cidade do Porto - Ponte da Arrábida. Participou em exposições em Exposições INDIVIDUAIS: 1968 – Galeria Alvarez, Porto; Galeria Diário de Notícias, Lisboa. - COLECTIVAS: / 1949 e 1951 - Exposições Gerais de Artes Plásticas, SNBA, Lisboa / 1951-1967 - Exposições Magnas da ESBAP / 1955 – Exposição Internacional de Artes Plásticas, Póvoa de Varzim / 1957 e 1961 - I e II Exposições de Artes Plásticas da FCG / 1958 - Salão dos Artistas de Hoje, Lisboa / 1985. 27

PORTELA, Artur, Salazarismo e Artes Plásticas, JNICT, Biblioteca Breve, 1982, Lisboa.

28 Jaime Martins Barata (1899-1970) nasceu no Alto Alentejo, perto de Nisa. Estudou no liceu de Portalegre e já na Capital interessou-se pelas artes, desde cedo tendo-se dedicado à pintura a par da sua actividade como professor de Matemática e de Desenho. Assíduo frequentador da SNBA, Martins Barata ilustrou revistas com o ABC, ABCzinho e Notícias Ilustrado, onde trabalhou como fotojornalista e ilustrador. Em 1940, a convite de Cottinelli Telmo de quem era amigo pessoal pintou uma série de painéis sobre História de Portugal para figurarem na Exposição do Mundo Português, de que desenhou também o selo comemorativo. A partir de 1947, tornou-se consultor artístico dos CTT’s, tendo desenhado inúmeros selos. A partir desse ano, Martins Barata abandonou o ensino, e passou a dedicar-se à pintura em grande escala, interessando-se pela aprendizagem da técnica do fresco, com o seu primeiro fresco a ser pintado na Basílica de Stº Eugénio em Roma, enquadrando a imagem de Nª Srª de Fátima, esculpida por Leopoldo de Almeida. Martins Barata desde cedo se interessou pelo estudo da História, e nos últimos anos de vida dedicou-se a reunir em livro as suas pesquisas sobre as embarcações portuguesas na transição do séc. XIV para o séc. XV, chegando mesmo a participar no Congresso de História Náutica realizado em Coimbra em 1968, onde apresentou a comunicação “O Navio «São Gabriel» e as Naus Manuelinas” que se encontra publicada na Revista da Universidade de Coimbra, Vol. XXIV. 29

ZURARA, Gomes Eannes, Crónica de El-Rei Dom João I, Cap. XXXIV

30 Iluminura de Jean Wavrin, In, Chronique de France et d'Angleterre, Séc. XV. Arquivo Histórico Municipal do Porto 31 Dordio Gomes (1890-1976) nasceu em Arraiolos e morreu no Porto. Estudou na Escola de Belas-Artes de Lisboa, e foi bolseiro em Paris, para onde partiu, em 1910, com o escultor Francisco Franco. Entre 1921 e 1926, visitou vários países europeus, tendo estudado a pintura renascentista italiana. Em Paris, contactou com a obra de Paul Cézanne, que marcou fortemente a sua produção inicial. Participou juntamente com os artistas Henrique Franco, Alfredo Miguéis, Francisco Franco e Diogo de Macedo, na exposição dos Cinco Independentes, levada a cabo na Sociedade Nacional de Belas-Artes, em 1923, tendo desenvolvido uma reconhecida actividade docente na Escola de Belas-Artes do Porto, a partir de 1933. Tematicamente, a paisagem alentejana dominou a sua pintura, a partir de meados da década de 20. Paralelamente, desenvolveu o género do retrato, para além de outras temáticas de que são exemplo as pinturas murais

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do Café Rialto (hoje integradas no edifício do BCP), da Livraria Tavares Martins e da Igreja de Nª Srª da Conceição, no Porto. Foram-lhe atribuídas numerosas distinções, das quais se destacam os prémios Columbano (1938) e António Carneiro (1945), ambos atribuídos pelo Secretariado de Propaganda Nacional, a que se juntará, em 1967, o honroso prémio de pintura da Fundação Calouste Gulbenkian. 32

Definição na Encyclopedia Britannica: “Sella curulis- um género de cadeira reservada na antiga Roma para uso dos mais altos dignitários do governo, parecida com um banco de dobrar com pernas curvas. Feita de marfim, com ou sem braços, o seu nome provavelmente derivou de carro (currus) no qual um magistrado era transportado ate ao local do julgamento; desde cedo serviu de como um banco de julgamento. Subsequentemente tornou-se um símbolo de administração dos altos magistrados (“curule”), ou governadores, incluindo cônsul, pretor, curule edil, ditador, mestre dos cavalos, censor, e mais tarde, o Imperador.” 33 Não cabe aqui discutir a complexa problemática que envolve a questão da definição do que é, e não é, arte pública, importando apenas referir que como já mostrou Helena Catarina Lebre Elias, logo em 1928, num artigo publicado na Seara Nova, o arquitecto Paulino Montez, defendia a criação de uma “arte pública nacional que levasse as multidões, do presente, a retemperar a sua alma no passado”. Vide ELIAS, Helena Catarina da Silva Lebre, Arte Pública e Instituições do Estado Novo. Arte Pública das Administrações Central e Local do Estado Novo em Lisboa: Sistemas de Encomenda da CML e do MOPTC/MOP (1938-1960), Tese de Doutoramento, Facultat de Belles Arts, Universitat de Barcelona, Texto Policopiado, p. 58 34

Natural de Coimbra, Severo Portela Júnior (1898-1985) cursou escultura na Escola de Belas Artes de Lisboa, onde foi aluno de Simões de Almeida (Sobrinho). Depois de casar, mudou-se, nos Anos 20, para Almodôvar, e começou a praticar uma pintura de género, de feição folclórica, cujo quadro Músicos de Aldeia lhe haveria de render o prémio Rocha Cabral, em 1930. Ainda antes de terminar a década, Severo Portela foi bolseiro em Itália pelo Instituto de Alta Cultura, para onde se deslocou a fim de estudar a técnica de pintura a fresco, que viria a utilizar na decoração da Sala de S. Vicente, do Pavilhão de Honra de Lisboa, inserido na Exposição do Mundo Português, em 1940, onde o pintor viria a ser condecorado com o oficialato da Ordem de Cristo, iniciando uma fecunda e longa carreira de colaboração em “programas decorativos” nas Obras Públicas do Estado Novo, nomeadamente na decoração de Palácios da Justiça, onde esta presente com nove obras de arte, sendo a seguir a Guilherme Camarinha e Martins Barata o artista com maior número de obras de arte judiciária 35

DUARTE, Marco Daniel, Do Estado Novo ao 25 de Abril. Excurso pela estética e ideologia dos painéis pintados da Cidade Universitária de Coimbra, In, @pha.Boletim nº 4, Actas do III Congresso Internacional da APHA, Associação Portuguesa de Historiadores da Arte, Porto, 2004, p. 11 36

Natural do Porto, Amândio Silva (1923-2000) foi aluno de Acácio Lino e de Dordio Gomes, e, além de pintor e professor, foi também desenhador, gravador, litógrafo, designer, ilustrador, caricaturista, tapecista, ceramista, cenógrafo, escultor, fotógrafo e poeta. Elemento fundador do grupo “Independentes”, a sua carreira artística haveria de conhecer diferentes fases, que se estenderam desde o figurativo puro até à estilização abstracta, detendo-se longamente em temáticas de pendor neo-realista. No plano cívico, Amândio Silva foi decisivo na criação e orientação da Associação Divulgadora da Casa-Museu de Abel Salazar, bem como da divulgação da vida e obra do Prof. Agostinho da Silva. 37 A história conta que doze damas inglesas tinham sido acusadas por doze cavaleiros ingleses de falta de virtude, honra e nobreza. As damas insultadas pediram aos seus parentes que as defendessem, mas a reputação dos difamantes, de grandes guerreiros, esmoreceu qualquer vontade de defender a honra das senhoras, por parte das respectivas famílias. As damas apelaram, então, ao Duque de Lencastre, sogro do rei de Portugal (D. João I), para que as ajudasse a encontrar defensores para o pleito. O Duque de Lencastre solicitou a ajuda dos portugueses, pois conhecia as qualidades cavaleirescas deste povo, quando andara em guerra na Península Ibérica. O pedido foi, imediatamente, aceite pelos doze cavaleiros, que se propuseram a partir, o mais cedo possível, em defesa das damas inglesas. O navio que transportou os doze portugueses partiu do Porto, no entanto, um dos cavaleiros, D. Álvaro Gonçalves Coutinho, o Magriço, decidiu ir por terra, para ter oportunidade de alcançar grandes glórias e fama, e juntar-se, mais tarde, aos companheiros. No dia do combate, em Inglaterra, os cavaleiros portugueses, quando se alinharam perante os doze cavaleiros ingleses, reparam na desigualdade entre os dois partidos, pois Magriço ainda não tinha chegado. Estava a justa para iniciar-se, quando a população começou a produzir grande burburinho pela aproximação do Magriço, que se juntava, então, aos companheiros. Primeiro combateram a cavalo e, depois, a pé, terminando a contenda com a vitória dos Portugueses que, perante a sociedade inglesa, recuperaram a honra e a nobreza das damas. Os valorosos Portugueses ficaram, a partir daquele momento, conhecidos como os Doze de Inglaterra. (Fonte: Infopedia) 38

Natural do Porto, Adelino José Jordão de Sousa Felgueiras (1930- ) estudou na Escola de Belas Artes do Porto, tendo obtido o diploma em 1958. Integrado no grupo da Academia e Galeria Alvarez, fundada por Jaime Isidoro em 1954, Sousa Felgueiras participou em varias exposições organizadas por esta galeria, no

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Porto, Penafiel, Povoa do Varzim e Amarante, a partir de 1955, sendo incontornável a importância desta Galeria para a difusão da Arte Contemporânea em Portugal. Com escasso número de obras de arte implantadas em Tribunais, além da tapeçaria do Porto, Sousa Felgueiras assina unicamente no Tribunal de Castro Daire o fresco Factos relacionados com a Vila de Castro Daire, de 1971, colocado na Sala de Audiências. 39

João Martins da Costa frequentou a Escola de Belas Artes do Porto, tendo integrado o grupo dos “Independentes”, até 1950, e a partir de 1954 integrou-se no grupo da Academia e Galeria Alvarez. Com escasso número de obras de arte implantadas em Tribunais, além do fresco do Porto, Martins da Costa assina unicamente no Tribunal de Montalegre o fresco Alegoria às gentes das Terras do Barroso na sua luta constante e heróica na defesa da Pátria, da Comunidade e da Família, de 1971, colocado na Sala de Audiências.

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Palácio da Justiça. Porto MCMLXI, Bertrand Editores, Porto, s/p

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Natural de Avintes, Vila Nova de Gaia, Henrique Moreira (1890-1979) estudou na Academia Portuense de Belas Artes, onde foi aluno de Teixeira Lopes, tendo terminado o curso em 1912. Abriu atelier de escultura no Porto, onde desenvolveu profícuo trabalho como estatuário, tendo sido autor de inúmeros monumentos e estátuas novecentistas, tanto de carácter comemorativo, marcados por apreciável realismo como sucede com a série de Monumentos aos Mortos da Grande Guerra, como de carácter ornamental, marcados por um moderada estilização art-déco. Eminentemente figurativa, sua produção desenvolveu-se sempre dentro dos processos de um academismo despretensioso, marcado por singeleza e ingenuidade, e distinguindo-se, assim, das grandes referências historicistas da monumentalidade do Estado Novo. Premiado, em 1929, com a Medalha de Ouro da Exposição Ibero-Americana de Sevilha, Henrique Moreira recebeu ainda o Prémio da SNBA em 1916, 1917 e 1935, a que se acrescentará mais tarde o Prémio Soares dos Reis, em 1965, e a medalha de ouro da cidade do Porto, em 1968. Está representado no Museu de Soares dos Reis, Porto; Museu de Amadeo de Souza Cardoso, Amarante; Museu do Abade Baçal, Bragança; Museu de José Malhoa, Caldas da Rainha; Museu Dr. Santos Rocha, Figueira da Foz; Museu de Ovar.

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António Coelho de Figueiredo entrou para a Escola de Belas Artes do Porto em 1928, tendo obtido o diploma de pintura em 1937. Professor da Escola de Artes Decorativas de Soares dos Reis, Coelho de Figueiredo integrou-se, nos anos 40, no grupo os “Independentes”, tendo participado em várias exposições então realizadas. Com várias de obras de arte implantadas em Tribunais, além do fresco do Porto, Coelho de Figueiredo assinou frescos, vitrais e baixos-relevos no Tribunal de Fafe, vitrais, no Tribunal de Alijo, Baixosrelevos, painéis cerâmicos, estátuas, vitrais e um fresco no Tribunal de Moura e ainda vitrais e um fresco, no Tribunal de Viana do Castelo. 43

Natural do Porto, Júlio Martins Resende da Silva Dias (1917- ), começou a sua actividade artística como ilustrador, tendo publicado trabalhos na imprensa diária a partir de 1930. Em 1937, matriculou-se na EBAP, onde foi aluno de Dordio Gomes. Nos anos 40, ajudou a criar juntamente com Fernando Lanhas o Grupo dos Independentes, que organizou ao longo da década várias exposições no Porto, assim como no Norte e Centro do País. Em 1945 o pintor esteve em Madrid a estudar a pintura de Goya, donde colheu a lição do expressionismo que viria a marcar indelevelmente a sua obra. Em 1946 e 47, esteve como bolseiro em Paris, onde frequentou a École e ali estudou a técnica do fresco, tendo ainda viajado pela Europa. Em 1949, iniciou a actividade docente, como professor no Ensino Técnico, transitando a partir de 1958, para a ESBAP, onde leccionou a cadeira de Pintura. A partir dos anos cinquenta, passou a interessar-se pela pintura mural que praticou com diferentes técnicas e suportes, como sendo painéis a fresco, painéis cerâmicos, mosaico, tapeçaria e vitral, marcados por acentuado cromatismo, fruto das suas deslocações ao Brasil. Em 1956, ganhou o primeiro prémio do concurso para o Monumento de Sagres, juntamente com Barata Feyo e João Andresen, tendo colaborado no projecto Mar Novo, com um mosaico policromado monumental aludindo aos Descobrimentos Portugueses. Em 1971, visitou o Brasil. Encontra-se representado em várias colecções públicas e privadas, destacando-se o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado e o Museu de Arte Moderna de S. Paulo. Recebeu os prémios Armando Basto (1949 e 1952), Souza Cardoso (1949); Especial da I Bienal de S. Paulo (1951); 2º Prémio de pintura da Fundação Calouste Gulbenkian (1957). Em 1997, criou a fundação “O Lugar do Desenho”, onde se expõem os seus desenhos (cerca de 2000), a par de outras propostas. 44

Natural de S. João da Pesqueira, Eduardo Tavares (1918-1991), começou por trabalhar na oficina de um escultor de madeira em Santa Cruz do Bispo, Matosinhos. Por volta de 1937, passou a trabalhar no atelier do escultor Teixeira Lopes, sendo recomendado por este para admissão no Curso Especial de Escultura da Escola de Belas do Porto, onde ingressa no ano seguinte. Em 1940, é considerado o melhor aluno da escola, recebendo o Prémio do Rotary Club. Em 1941 recebe a bolsa Ventura Terra. Em 1942, matricula-se no Curso Superior de Escultura, que finaliza em 1945, com 19 valores. Em 1949, frequenta a Escola de Belas Artes de Paris, onde desenvolverá o seu gosto pela escultura académica, e pela figuração. De volta a Portugal, passa a leccionar no ensino técnico. Em 1957, são introduzidas disciplinas tecnológicas de Escultura no plano curricular da ESBAP, onde Eduardo Tavares será professor entre 1960 até 1985. Em 1995, a Faculdade de

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Belas Artes do Porto realizou uma exposição de homenagem a Eduardo Tavares, a única individual do escultor. Grande parte da sua obra pode ser vista no Museu Eduardo Tavares em São João da Pesqueira. 45 Natural de Matosinhos, Augusto Gomes (1910-1978) estudou com os professores Acácio Lino, José de Brito e Joaquim Lopes, tendo concluído o curso de pintura na Escola de Belas Artes do Porto com 19 valores onde passou a leccionar, a partir de 1939, e até 1944, data em que abandonou o ensino, para se dedicar, por inteiro, à actividade artística. De profunda inspiração humanista, a pintura de Augusto Gomes é influenciada tematicamente pelos muralistas mexicanos, Rivera e Orozco, assim como pelos brasileiros Portinari e Cavalcanti, tendo desenvolvido uma pintura de temática social, marcadamente preocupada com o tema da vida dos pescadores e gentes dos mar, que pintou com uma 46 Natural do Porto, Manuel Pereira da Silva (1920-2003) ingressou na EBAP em 1939, onde foi aluno de Acácio Lino e de Rodolfo Pinto do Couto, tendo obtido o diploma de escultor em 1943, em que a tese final foi uma estátua de Nuno Álvares Pereira, que recebeu a classificação de 18 valores. Integrou-se no Grupo dos Independentes, tendo participado na II Exposição Independente que se realizou em 1944, no Coliseu do Porto. Em 1946 e 1947, esteve em Paris, onde frequentou a École. Recebeu os prémios “Teixeira Lopes” e “Soares dos Reis” do SPN-SNI, no início dos anos 40. Mais recentemente, em 2000, recebeu a Medalha de Mérito Cultural da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia. Foi professor do Ensino Secundário entre 1949 e 1991. 47

Natural de Vila Nova de Gaia, Isolino Vaz (1922-1992) ingressou na EBAP em 1943, tendo concluído o curso em 1956, com a classificação de 19 valores, mediante a pintura Emigrantes como tese final. Foi professor na Escola de Artes Decorativas de Soares dos Reis, e colaborou com trabalhos de ilustração em várias revistas e livros. Participou em inúmeras exposições colectivas e individuais. Recebeu os prémios Marques de Oliveira, (Desenho) do SNI e a 2ª Medalha de ouro da SNBA, em 1954, e a 3ª Medalha da SNBA (pintura a óleo), em 1957. Recusou o convite para participar no V Salão dos “Novíssimos”, organizado pelo SNI, em 1963. Foi maratonista aos 50 anos, e tem obra pública em várias igrejas e câmaras municipais do País.

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Natural do Porto, Arlindo Rocha (1921-1999) estudou na EBAP, tendo concluído o curso em 1945, onde foi aluno de Acácio Lino e Rodolfo Pinto do Couto. Ainda estudante ajudou a formar o Grupo dos Independentes, tendo participado em várias Exposições, nos anos de 1943 e 1944 e 1945. Em 1952, fez um esboço para o concurso do Monumento ao Prisioneiro Político Desconhecido, organizado pelo Institute of Contemporary Art de Londres, que não chega a entregar. Em 1953, recebe uma bolsa de estudo do Instituto de Alta Cultura para estudar escultura em Itália. Em 1954, recebe bolsa da FCG para visitar a Grécia e o Egipto. No ano seguinte, concorreu com Nadir Afonso ao Concurso para o Monumento ao Infante D. Henrique em Sagres. Foi premiado com a Medalha de Ouro da Exposição Universal de Bruxelas, em 1958. Recebeu o Prémio do Salão dos Novíssimos de 1959 e o Prémio de Arte Moderna de Viana do Castelo. Tem obra pública em vários edifícios e espaços público de Portugal e do Estrangeiro, nomeadamente em Tribunais e Palácios da Justiça. 49 Natural de Vila Nova de Gaia, Guilherme Camarinha (1912-1994) estudou na EBAP, onde foi aluno de Acácio Lino, José de Brito e Joaquim Lopes, tendo concluído o curso Superior de Pintura, em 1939, com apresentação da tese final “Infamação de Cristo” que mereceu a classificação de 20 valores. Pertenceu, juntamente com Augusto Gomes, ao Grupo + Além, que nos anos 30 foi criado na EBAP contra o ensino conservador marcado ainda pelo Naturalismo. Expôs no Salão Silva Porto, em 1929 e 1931. Entre 1959 e 1963 foi professor da ESBAP, tendo participado nas Exposições Magnas então realizadas. A partir de 1940, interessase em particular pela tapeçaria, tendo realizado numerosos cartões para a Manufactura de Tapeçaria de Portalegre, para colocação em edifícios públicos. Participou nas duas primeiras bienais internacionais de Tapeçaria de Lausanne, e na exposição de Tapeçaria e Vidro de Estugarda, em 1966. Recebeu em 1936, o Prémio Souza Cardoso, do SPN-SNI. Participou na Exposição Internacional de Paris, em 1937, com um painel para o pavilhão de Portugal. Obteve o 2º Prémio da I Exposição de Artes Plásticas da FCG, em 1957, e em 1967 ganhou o Prémio Nacional de Tapeçaria. Em 2003, realizou-se uma Exposição Retrospectiva da sua obra no Museu Nacional de Soares dos Reis. 50 Natural de Braga, Fernando da Silva Fernandes (1924-1992) começou por frequentar o curso industrial de entalhador na Escola de Bartolomeu dos Mártires que concluiu com 14 valores. Em 1942 matriculou-se no curso Especial de Pintura da EBAP, tendo mudado para o curso Especial de Escultura em 1945, que conclui em 1948. No ano seguinte, inscreveu-se no curso Superior de Escultura que concluiu em 1953 com a apresentação da Tese “A Lógica e o Silogismo”, que foi a primeira escultura abstracta apresentada em provas académicas em Portugal, tendo obtido a classificação de 19 valores. Após a conclusão do curso, foi bolseiro do IAC e da FCG, tendo frequentado a Escola de Belas Artes de Paris e a Slade School of Art de Londres. Representou Portugal na II e V Bienais de Arte Moderna de S. Paulo, em 1953 e 1959.

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