As asas de um anjo e Lucíola: a representação da cortesã nacional e francesa.

May 28, 2017 | Autor: Camila Canabarro | Categoria: Literatura Comparada, Estética Literaria, José de Alencar
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As asas de um anjo e Lucíola: a representação da cortesã nacional e francesa Camila Canabarro Resumo: O objetivo deste artigo é identificar e analisar as características físicas e psicológicas escolhidas por Alencar na representação da cortesã no romantismo brasileiro. Alencar foi duramente criticado pela semelhança existente entre a peça As asas de um anjo e o romance Lucíola com os romances franceses Manon Lescaut e La Damme aux Camélias. A partir de um estudo comparativo, vamos identificar e analisar os diálogos intertextuais entre as obras alencarianas e as francesas na construção de uma cortesã com contornos e cores nacionais. Palavras-chave: Lucíola, As asas de um anjo, José de Alencar, estudos comparados, Manot lescaut e La Dame aux camélias. Résumé: Le but de cet article est délimiter les caractéristiques choisies par Alencar pour représenter la femme brésilienne comme une courtisane. Pour atteindre cet objectif, nous allons passer par la discussion de la création et de l'identité littéraire dans Alencar, ce qui a été sévèrement critiqué par la similitude entre la pièce As asas de um anjo et le roman Lucíola avec les romans français Manon Lescaut et La Damme aux Camélias, pour, à partir de cette discussion, trouver les choix de représentation adoptés par lui, dans la construction d'une courtisane avec des formes et des couleurs nationales.

Introdução Se aventurar pelas páginas de Alencar é reencontrar a adolescente que leu Lucíola no ensino médio e se incomodou profundamente ao encontrar uma heroína lastimosa e cheia de culpa, incapaz de reconhecer a própria força de sobrevivência como mulher e órfã, além de bonita, no Rio de Janeiro imperial. Talvez, se eu tivesse tido a oportunidade de conhecer Carolina, heroína cheia de empáfia e desejo de denunciar a hipocrisia da sociedade, eu pudesse descobrir, já naquela época, uma identificação imediata com essas mulheres. No entanto, foi preciso um pouco mais de tempo e de algumas leituras a mais para estar pronta para esmiuçar essas obras em busca dos atributos utilizados por Alencar na construção de suas cortesãs brasileiras. Percorrer o caminho da comparação foi algo extremamente interessante e como se tratavam de duas obras alencarianas, o romance Lucíola e peça teatral As asas de um anjo, bastante criticadas e acusadas de serem imitação de romances franceses, eu optei por começar pela leitura destes, para então, depois de analisa-los, reler as de Alencar em busca do meu objetivo: identificar e analisar as peculiaridades da cortesã nacional. A descoberta desses atributos me surpreendeu não apenas por serem peças de um quebra cabeças que eu não havia sido capaz de ver na minha primeira leitura, mas,

principalmente, por ver ali características presentes no imaginário comum da representação da mulher na nossa sociedade. O que me levou a pensar se a representação literária resultaria das escolhas e imposições feitas às mulheres brasileiras, mas talvez essa inquietação não foi o foco desta pesquisa e não será o deste artigo. Diálogos com os franceses: influência e originalidade Em Literatura Comparada, Sandra Nitrini trabalha os conceitos de influência, imitação e originalidade. Para ela, a influência literária pode ser percebida através das relações de contato entre uma primeira e a segunda obra. Porém, embora o contato entre as obras seja evidente, é possível perceber e analisar as características pessoais de cada autor, suas escolhas e os recursos utilizados durante a sua criação: “A expressão “resultado autônomo” refere-se a uma obra literária produzida com a mesma independência e com os mesmos procedimentos difíceis de analisar, mas fáceis de reconhecer intuitivamente, da obra literária em geral, ostentando personalidade própria, representando a arte literária e as demais características próprias de seu autor, mas na qual se reconhecem, ao mesmo tempo, num grau que pode variar consideravelmente, os indícios de contato entre seu autor e um outro, ou vários outros.” (pág. 127)

Na peça teatral As asas de anjo e no romance Lucíola, Alencar utilizou o tema da prostituição, já bastante trabalhado na literatura francesa naquele momento, para falar dos vícios e denunciar problemas presentes na sociedade brasileira de sua época. Para isso, o romancista se preocupou em retratar a identidade nacional não apenas na descrição do espaço, mas na elaboração dos personagens, através dos costumes e da linguagem utilizada por elas. Isaura Souza (SOUZA, 2013) destaca a preocupação de Alencar em esboçar cada personagem como pessoas possíveis de se encontrar em qualquer esquina ou praça do Rio de Janeiro: “Alencar procurou introduzir os tipos comuns que encontramos na sociedade para retratar os costumes e problemas morais que a sociedade burguesa do século XIX enfrentava, sem, contudo, esquecer-se de priorizar a nacionalização do teatro brasileiro, através da emulação do projeto realista do teatro francês”. (SOUZA, 2013, pág. 25)

Em O império da Cortesã, De marco (1986) nos fala, ainda no início de suas percepções, do projeto político e cultural de construção de uma nação independente. Projeto esse, que estaria presente nas escolhas e ações maiores de Alencar. Para De Marco, a aspiração maior de Alencar seria o desejo de “inventar um Brasil”, a partir da

criação do princípio de uma literatura nacional, afina “Alencar pensa a elaboração do teatro, da poesia e do romance nacional em detalhes, de maneira particular refletindo sobre a língua, sobre a prosódia, sobre a história do Brasil.” (DE MARCO, 1986, pág.2). É possível perceber em Alencar não apenas o desejo de inventar uma literatura nacional, mas também o desejo de formar um leitor dessa literatura nacional. Um leitor que pudesse ser moralizado e instruído através de suas obras. Para Alencar, a influência francesa, de tão presente, já era parte da cultura brasileira e, portanto, poderia ser utilizada para alcançar o objetivo principal da criação da peça e do romance, que era, segundo o próprio Alencar esclareceria no prólogo da peça, a função moralizadora. As cortesãs francesas e o gosto pelo luxo Em Manon Lescaut, Prévost construiu sua heroína, que dá título à obra, como uma mulher charmosa, ambiciosa e calculista. Desviada do destino imposto pelos conquistador da sua beleza, pois, por onde quer que fosse, atraia os olhares e o interesse dos homens, e, induzida por seu irmão a tomar proveito da atração que exercia, conseguia, em troca de favores sexuais, grandes somas de dinheiro, joias e móveis. Costume esse que a tornou em pouco tempo habituada aos maiores luxos, para quem os gastos exacerbados eram percebidos sempre como ordem de primeira necessidade: Manon tinha um caráter extraordinário. Nunca mulher alguma, na sua posição, teve mmais amor do que ela pelo dinheiro; e, não podia estar tranquila por muito tempo, quando o receio de que lhe faltasse a vinha atormentar.1 (PREVOST, 1731, p. 86)

Ao ser cortejada pelo cavalheiro Des Grieux, Manon correspondeu ao interesse do jovem, e revelou que desejava, já algum tempo, encontrar um amante com o qual pudesse viver um romance que fosse além das trocas de favores. Embora o relacionamento entre Manon e Des Grieux seja retratado como uma paixão alucinada e constante, a cortesã recaia aos antigos hábitos sempre que desejava adquirir coisas que não coubessem no orçamento modesto que o casal mantinha. “Lembrava-me ao mesmo tempo das pequenas compras feitas por Manon, compras que excediam muito as forças das nossas riquezas presentes. Isto parecia denunciar liberalidades de um novo amante.”2 (pág. 40)

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No original: “Manon était une créature d’un caractère extraordinaire. Jamais fille n’eut moins d’attachement qu’elle pour l’argent, mais elle ne pouvait être tranquille un moment, avec la crainte d’en manquer” (pág. 43) 2 “Je rappelais aussi les petites acquisitions de Manon, qui me semblaient surpasser nos richesses presentes. Cela parrissait sentir les libéralités d’un nouvel amant. Et cette confiance qu’elle m’avait marquée pour des ressources qui m’étaient inconnues!” (pág. 18)

Des grieux se dividia entre o drama dilacerado de sentir-se traído e a aceitação resignada dos caprichos de sua amada. E, sempre após as longas cenas de ciúme, ele aceitava, inclusive, fazer parte dos planos de Manon, para conseguir angariar fundos que os permitissem viver por algum tempo uma vida cômoda e luxuosa. ...) e que uma noite, reconhecendo a minha amante no teatro, mas vestida com tão grande luxo que imaginou logo que ela devia tudo isso a algum novo protetor” (pág. 56)

Manon é retratada como uma mulher cheia de vida e de charmes. Seus encantos a tornam irresistível aos olhos dos ricos senhores, que não hesitavam em dispensar grandes somas de dinheiro pelo direito de conviver alguns dias com a moça. Porém, os planos, quase sempre bem arquitetados da cortesã calculista eram sempre no sentido de permanecer ao lado de seus amantes apenas o tempo suficiente para adquirir o dinheiro ou as joias necessários para, logo em seguida, partir em fuga com o seu cavalheiro Des Grieux: “Deixar-lhe-ei todos os seus móveis, são dele; mas levarei, porque é de justiça, todas as joias e perto de sessenta mil francos que lhe arranquei...” (pág. 33)

O casal praticava as subtrações movidos por uma espécie de insensatez quase infantil. O desejo de Manon, mais do que de Des Grieux, era de aproveitar todos os prazeres que a existência pudesse lhe proporcionar. Todos os mimos, todos os luxos possíveis de uma vida despreocupada com o futuro, afinal, “A economia não era a primeira virtude de Manon, nem tampouco a minha... (pág. 34) Dummas Fils construiu uma cortesã ainda mais elegante e opulenta que Manon, pois, Marguerite, que teve uma infância humilde, no meio rural, depois de adulta passou a ostentar uma vida absolutamente suntuosa. Marguerite vive em um apartamento deslumbrante, cercada de brilhantes e de obras de arte de várias partes do mundo, além de tecidos, roupas e móveis requintados. “O mobiliário era magnífico. Móveis de madeira rosa, de jacarandá ou de acaju, vasos de Sèvres e da China, estatuetas de porcelana da Saxônia, cetim, veludos e rendas. Não faltava nada... Sobre uma grande mesa encostada à parede – uma mesa de três pés de largura por seis de 3

comprimento – brilhavam todos os tesouros de Aucoe e de Odiot. Uma coleção magnífica, e

nenhum daqueles milhares de objetos, se necessários à toalete de uma mulher como aquela em cuja habitação estávamos4.” (DUMMAS FILS, 1848, pág. 05)

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Le mobilier était superbe. Meubles de bois de rose et de Boule, vases de Sèvres et de Chine, statuettes de Saxe, satin, velour et dentele, rien n’y manquait... Sus une grande table, adossée au mur, table de trois

A cortesã de Dummas, no entanto, não desfrutava do luxo com o mesmo gosto que Manon. Margueritte flutuava entre o deleite quase histérico e a triste resignação de saber que não gozaria de uma longa vida, pois ela já era tuberculosa. O proveito escandaloso de cada baile, em cada noite, serve como uma compensação pela certeza do breve porvir. Porém, essa vida de noites desregradas e prazerosas tem um alto custo, sendo preciso, para sustentar seus caprichos, administrar a presença de vários amantes por vez. Marguerite gasta mais de cem mil francos por ano, tem muitas dívidas. O duque envialhe o que ela pede, mas nem sempre Marguerite ousa pedir a ele tudo o que precisa. É necessário que ela não rompa com o conde, que rende a ela no mínimo uma dezena de mil francos por ano. (…) Mas como o senhor gostaria que as mulheres fáceis de Paris mantivessem o nível de vida que levam se não tendo três ou quatro amantes ao mesmo tempo? Não há fortuna, por mais considerável que seja, que possa, sozinha, financiar as despesas de uma mulher como Marguerite. (p.65)

Marguerite encarna a prostituição de uma forma crua e traz à tona toda a dureza e perversidade mercadológica. Na sua representação, é possível perceber uma mulher que se torna escrava do luxo, e que, ao concluir que não há outra saída para a sua condição, entrega sua frágil saúde em pequenas doses. Ela vive o luxo não como uma necessidade, mas como um remédio para a dor da sua condição irreparável. A avareza da cortesã brasileira. Aqui, na minha leitura, encontra-se a primeira característica fundamental na diferenciação entre as cortesãs alencarianas e as cortesãs francesas. Alencar construiu a personalidade de suas cortesãs dentro do seu projeto moralizador e nacionalista. O que leva essas mulheres a uma vida degradante e desregrada não é, necessariamente, o gosto puro pelo luxo e ostentação: tanto Lúcia quanto Carolina são levadas à condição de cortesãs por acontecimentos alheios à vontade delas. Lúcia se prostitui a primeira vez em troca de dinheiro para salvar a família, que sofre de febre amarela. Depois de se pieds de large sur six de long, brillaient tous les trésors d’Aucoc et d’Odiot. C’était là une magnifique collection, si nécessaires à la toilette d’une femme comme celle chez qui nous étions...(pág 17) 4

Margueritte dépense plus de cent mille francs pan an; elle a beucoup de dettes. Le duc lui envoie ce qu’elle lui demande, mais elle n’ose pas toujours lui demander tout ce don’t elle a besoin. Il ne faut pas qu’elle se brouille avec le comte qui lui fait une dizaine de mille francs par an au moins. (…) Comment voudriez-vous que les femmes entretenues de Paris fissent pour soutenir le train qu’elles mènent, si ells n’avaient pas trois ou quatre amants à la fois? Il n’y a pas de fortune, si considérable qu’elle soit, qui puisse subvenir seule aux dépenses d’une femme comme Marguerite. (pág.147)

tornar órfã, e com uma irmã menor sob os seus cuidados, Lúcia encontra na prostituição o único meio de sobrevivência para as duas. Já Carolina sequer tomou a iniciativa de levar uma vida de cortesã. No momento em que a moça era induzida por Ribeiro a abandonar sua família em troca de uma vida de luxos e prazeres, chega Luís, seu primo, que encarna a voz da razão e do bom senso, e alerta a moça do perigo dessa escolha. Ela, no entanto, estava dividida entre uma possiblidade e outra quando escuta a voz da sua mãe lhe chamando e então desmaia. Nesse momento, Ribeiro aproveita a oportunidade e foge com Carolina nos braços. Aparentemente, Alencar fez a escolha de inocentar, de algum modo, as suas cortesãs. Como se elas não tivessem o interesse declarado pela vida de luxo e prazeres, mas tivessem sido levadas a isso por força das circunstâncias. As cortesãs de Alencar sentem mais culpa do que prazer com o dinheiro arranjado na vida desregrada. Assim, ao invés de esbanjar o dinheiro com roupas e joias, elas o guardam, na esperança de, um dia, poderem viver em outra condição. De acordo com os princípios do teatro realista, Carolina divide os bens entre ela e “a alma”, uma outra parte de si mesma, parte essa que se mantém pura, mesmo em meio à perdição: CAROLINA: Pois creia; todas essas minhas joias, todo esse luxo e riqueza, que me fascinaram, e que hoje possuo, não os estimo senão por uma razão... Não sei, mas como o dinheiro é tudo, fiz uma coisa; dividi o que eu tinha e o que viesse a ter com a minha alma. Voltava de uma ceia onde tinha me divertido muito; metia dentro desta caixa todo o dinheiro que possuía... As minhas joias, depois de usadas uma vez, se escondiam aqui dentro. (pág. 43)

É possível verificar avareza semelhante à de Carolina em tudo o que rodeia Lúcia: suas vestes, seus costumes e até mesmo sua casa: “poucos minutos depois subia as escadas de Lúcia, e entrava numa bela sala decorada e mobiliada com mais elegância do que riqueza.” (pág. 21)

A avareza de Lúcia é antiga conhecida dos seus ex-amantes, esse costume é percebido por eles como mais uma de suas excentricidades, que contribui sobremaneira para torna-la ainda mais incompreensível: Também eu duvidei por muito tempo, mas tive a prova. Há aqui um Sr. Jacinto que fez sociedade com ela, tudo o que lhe dão, até roupas, é imediatamente reduzido a dinheiro. Lúcia deve ter por aí em casa do Gomes ou do Souto seus trinta a quarenta contos. (pág. 37)

Fiel às características do romantismo, a protagonista do romance carrega, orgulhosa, essa percepção de si mesma. É como se, desta forma, Alencar pudesse

desculpa-la, em parte, por sua escolha de vida desregrada, tornando-a, assim, mais humana e próxima do leitor. - Hão de lhe ter dito já que sou muito avarenta. Não lhe enganaram, não! Sou; gosto de esconder assim o meu tesouro; de fazer tinir docemente as minhas moedas; de conta-las uma a uma até perder a soma; de embriagar-me como agora na contemplação de meu ouro, e estremecer só com a ideia de perdê-lo! (pág. 74)

A cortesã brasileira: uma mulher que não pede e um abismo que nunca se enche Nos dois romances franceses, o momento em que as cortesãs fazem pedidos aos seus amados é descrito de forma bastante natural, e eles se desdobram com a finalidade de atender todos os desejos delas. Para Manon, os anseios luxuosos eram parte da sua natureza desde que chegara à capital, de modo que, ela os demonstrava sem receios ao seu amante, e ele se empenhava sobremaneira para atendê-los. Manon tinha a paixão dos prazeres e eu estava louco por ela. A todos os momentos, surgiam novas ocasiões de despesa, e longe de a censurar pelas somas que ela gastava com profusão, era eu o primeiro a adivinhar-lhe os pensamentos e a ir ao encontro dos seus menores desejos. 5 (pág.70)

Marquerite, no entanto, levava seus desejos ao amante de um modo mais modesto. Quando ela decide passar o verão no campo com Armand, ela o faz com a ideia de experimentar uma rotina mais simples do que a que ela então levava na capital. No entanto, logo que seus amigos tomam conhecimento da sua partida, a casa se torna sempre cheia e as refeições permanecem cercadas do mesmo luxo de outrora, com a diferença da ausência dos outros amantes ajudando a financiar a vida desregrada da cortesã. Então, ela que não costumava pedir dinheiro ao amante, começa a ter fazê-lo. Porém, ao perceber que essa rotina é insustentável aos recursos de Armand, ela desperta e repensa o modo de viva de que levara até então. Porém, o prazer que Marguerite experimentava ao receber suas amigas se amainou um pouco frente às despesas que esse prazer acarretava e, sobretudo, frente à necessidade de às vezes me pedir dinheiro.6

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“Manon était passionée pour le plaisir; je l’étais pour elle. Il nous naisait, à tous moments, de nouvelles occasions de dépense; et loin de regretter les sommes qu’elle employait quelquefois avec profusion, je fus le premier à lui procurer tout ce que je croyais proper à lui plaire” (pág.35) 6 Cependent le plaisir qu’éprouvait Marguerite à recevoir ses amies se calma un peu devant les dépenses auxquelles ce plaisir l’entraînait, et surtout devant la necessite où elle était quelquefois de me demander de l’aergent. (pág.198)

Aqui, neste prisma, Alencar inicia a demarcação da força da personalidade das suas cortesãs, pois uma das características mais demonstradas, no romance e na peça, é o fato de que Carolina e Lúcia são incapazes de pedir o que quer que seja aos seus amantes, se contentando friamente com o que recebem: -Não lhe pede nada, nem sequer doces em tempo de festa, ou sorvetes quando está no teatro. Nunca a vi bordar em malhas transparentes um desses desejos disfarçados que as mulheres iscam à generosidade de seus apaixonados. Se indagam do seu gosto a respeito de algum objeto que lhe destinam, desconversa e não responde; aceita friamente o que lhe dão, e nada mais. (ALENCAR, ANO, pág.35)

Em As asa de um anjo, este aspecto é ressaltado quando Pinheiro pede a Carolina que ela lhe restitua parte das joias que ele lhe deu, para que ele possa quitar uma promessa de dote aceita no passado. Ela, no entanto, se recusa a lhe devolver, argumentando que não lhe pedira nada. CAROLINA: Ah! Vem pedir? PINHEIRO: Admira-se! CAROLINA: Como nunca pedi, estranho sempre que me pedem.

Alencar coloca o sucesso dos negócios de suas cortesãs como consequência dessa excentricidade de não pedir nada, fato que causava uma espécie de estranhamento e admiração nos homens que partilhavam da intimidade delas. Mas esse desinteresse de Lúcia é um cálculo, e um cálculo muito fino. Uma mulher que pede marca o preço de sua gratidão ou do seu amor; a mulher que não pede é um abismo que nunca se enche! Tenho experiência dessas coisas. ( pág. 37 )

A sensualidade nacional revelada através do corpo O ponto que mais me chamou atenção, de início, na leitura dos romances franceses foi a ausência de sensualidade nos relatos. Ficava muito claro a personalidade forte e os anseios mimados das cortesãs francesas e a frieza das relações. A descrição do corpo é sempre etérea e distante, e os momentos de contato físico frios ou quase inexistentes. Na leitura dos textos de Alencar, a sensualidade salta aos olhos. Uma sensualidade construída, que não apenas diferencia como caracteriza os ares nacionais.

O corpo aparece como demonstração real do que se passa no interior de seus personagens e a aura sensual que gira em torno do corpo e das ações das cortesãs brasileiras as tornam irresistíveis, passeando próximo do diabólico e do imaterial. Em As asas de um anjo, a experiência do prazer da vida noturna é relatada através das sensações das sensações físicas, e o corpo aparece como um personagem a parte. CAROLINA: ...É assim que eu compreendo o amor e a vida. Na companhia de alguns amigos, vendo o vinho espumar nos copos e sentindo o sangue ferver nas veias. Os olhares queimam como fogo; os seios palpitam, a alma bebe o prazer por todos os poros. (pág.17)

Em Lucíola, o contato físico entre os amantes é revelado com detalhes sensoriais e a percepção da realidade é narrada com gestos e sensações que colocam também o corpo em primeiro plano. Passei-lhe o braço pela cintura e apertei-a ao peito: Eu estava sentado, ela em pé; Meus lábios encontraram naturalmente o seu colo e se embeberam sequiosos na covinha que formavam nascendo os dois seios modestamente ocultos pela cambraia. (pág. 28)

A descrição de Lúcia revela uma sensualidade inebriante que coloca a realidade como dúvida diante das sensações experimentadas, capazes que passar uma noção de vertigem que leva o leitor a passear entre o concreto e o místico. O rosto cândido e diáfano, que tanto me impressionou à doce claridade da lua, se transformara completamente: tinha agora uns toques ardentes e um fulgor estranho que o iluminava. Os lábios finos e delicados pareciam túmidos dos desejos que incubavam. Havia um abismo de sensualidade nas asas transparentes das narinas que tremiam com o anélito do respiro curto e sibilante, e também nos fogos surdos que incendiavam a pupila negra. (pág. 30)

A representação de Lúcia alcança sua singularidade, sobretudo, na experiência corporal. O corpo que fala e revela ao mundo todas as sensações complexas e inimagináveis a uma mulher na sua posição: Há mulheres gastas, máquinas do prazer que vendem, autômatos só movidos por molas de ouro. Mas Lúcia sentia; sentia sim com tal acrimônia e desespero, que o prazer a estorcia em câimbras pungentes. Seu olhar queimava; e às vezes parecia que ela ia estrangular-me nos seus braços, ou asfixiar-me com seus beijos. (pág. 31)

Considerações finais As cortesãs criadas por Alencar, tiveram, inicialmente, a função moralizadora de revelar através do vício e da degradação o caminho a não ser seguido, o exemplo do que a sociedade não aceita e não perdoa. Com Carolina, ele buscou a reinserção dessa mulher marginal na sociedade, através do casamento, mas a peça foi censurada e duramente criticada, deixando claro o posicionamento reacionário da sociedade da época que nega possibilidades de mudanças uma mulher. Depois de ter sua peça teatral censurada, para Lúcia, o único desfecho possível, como ao das cortesãs francesas, mesmo é a punição através da morte. A morte, assim, funciona como grande punição e alerta para a impossibilidade de inclusão de prostitutas no corpo social vigente. No entanto, as cortesã de Alencar alcançaram um espaço que foi além da sua função moralizadora inicial. Mesmo sendo influenciado pelas personagens francesas, Alencar ofereceu, com maestria, traços, cores e atributos nacionais para as suas cortesãs, trilhando assim os primeiros passos da representação feminina na literatura brasileira. Referências Bibliográficas ALENCAR, José de. Lucíola. Porto Alegre: L&PM, 2014. ALENCAR, José de. As asas de um anjo. In: Teatro completo, v. 2. Rio de Janeiro: STN, 1977. DUMAS FILS, Alexandre. La Dame aux Camélias. Paris: Éditions Gallimard, 1974. PRÉVOST, Abbé. Manon Lescaut. Estados Unidos da América: Createspace, 2012. DE MARCO, Valéria. O império da cortesã: Lucíola, um perfil de Alencar. São Paulo: Martins Fontes, 1986. SOUZA, Isaura. A influência do realismo teatral francês na escrita dramatúrgica de José de Alencar e a Crítica de Machado de Assis sobre o teatro alencariano. 2013. NASCENTES, Zama Caixeta. Teatro e Romance em José de Alencar: As asas de um anjo e Lucíola. NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: História, teoria e Crítica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015.

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