As astreintes e o \" tiro pela culatra \" : pense bem antes de fixar multa diária...

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As astreintes e o "tiro pela culatra": pense bem antes de fixar multa diária! – Por Tiago Gagliano Pinto Alberto
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Por Tiago Gagliano Pinto Alberto – 09/08/2016
Olá a todos!!!
Michael Sandel, em "O que o dinheiro não compra – Os limites morais do mercado", narra um caso retirado do "Freakonomics" segundo o qual uma multa foi introduzida em uma creche para evitar que os pais se atrasassem para buscar os seus filhos. A expectativa da direção era a de que com a multa os atrasos diminuíssem e, quiçá, acabassem, mas o efeito foi justamente o inverso: os pais, sopesando os custos da multa, a eventual diária de uma babá e os inconvenientes de terem de sair do trabalho para buscar as crianças, optaram, em sua maioria, por deixar incidir a penalidade contra si, com o contraponto de, com isso, obterem um ganho em produtividade em seus trabalhos e terem as crianças bem-cuidadas pela instituição de ensino[1].
O ponto de discussão traduzido no livro é que a monetarização de tudo, ou quase tudo, não é capaz de neutralizar elementos éticos e/ou morais; antes, acaba por direcionar comportamentos. Esse debate não é novo e há muito se faz no campo da economia comportamental, sendo riquíssimo no âmbito da Law and Economics, ou, mais especificamente, Behavior Law and Economics, vertente que se especializou no estudo desse campo de pesquisa. Pode-se dizer mesmo que, independentemente das subdivisões que atualmente se revelam candentes, a interface direito-economia surgiu com enfoques de economia comportamental, a partir do célere artigo de Ronald Coase intitulado "The nature of the firm"[2].
Mas não é exatamente isso que pretendo abordar, senão a correlação das decisões judiciais com as astreintes, já compreendidas e pacificadas como meios coercitivos de estímulo para a adoção de um comportamento determinado pelo provimento decisório.
Nesse campo, não é novidade, ao contrário, por demais batido, que a multa diária se revela o meio mais utilizado em decisões judiciais para compelir o destinatário da ordem a cumpri-la. Conquanto o Código de Processo Civil de 1973 previsse outros meios no artigo 461-A e, atualmente, o Código de Processo Civil de 2015 também os preveja, a multa persiste sendo a mais utilizada[3].
Ocorre que, a exemplo do caso lembrado por Michael Sandel, a multa nem sempre será a melhor medida a ser adotada; por vezes poderá, ao revés de ceifar o comportamento prescrito, provisória ou definitivamente, pela decisão judicial, incrementá-lo justamente à conta da análise de custos e benefícios que poderá ser empreendida pelo destinatário da ordem judicial[4]; ou, em outras situações, gerar prejuízo à sociedade, que em último grau deverá arcar com o seu pagamento quando fixada em desfavor do Poder Público. O Código de Processo Civil de 2015, atento a este ponto, inseriu o inciso IV no artigo 139, segundo o qual ao juiz incumbirá, dirigindo o processo "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas e mandamentais ou sub-rogatórias, necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária."
Repare o leitor que, propositalmente, o CPC não estabeleceu um rol fechado e/ou exemplos de medidas tendentes a gerar o cumprimento da ordem judicial. Ao contrário, preferiu deixar ao alvedrio do juiz a escolha da medida que melhor lhe aprouver, seja em nível de coerção ou sub-rogação, para garantir a efetivação do decidido. É uma regra cujo consequente é aberto mesmo, concedendo competência ao juiz para, conjecturando qual seja, no caso, a medida mais adequada para o cumprimento da ordem, mandar executá-la.
Há, evidentemente, limites que decorrem do ordenamento jurídico, seja o processual, seja o Constitucional, mas, em geral, deverá ser admitido o que de melhor se apresentar em termos fáticos para garantir o cumprimento da ordem no caso concreto. E mais, poderá o juiz se valer de medidas punitivas originariamente previstas para aplicação por órgãos e entidades administrativas para, em ambiente jurisdicional, garantir o cumprimento da ordem judicial.
Assim, ao meu sentir e só para exemplificar alguns casos, poderá o juiz, entre outras possibilidades previstas na legislação vigente, de ofício ou a requerimento:
1) cumular a regra contida no artigo 139, inciso IV do CPC/15 com, por exemplo, os artigos 37 e 38 da Lei nº. 12.529/2011, que disciplina as funções do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para determinar, entre outras penalidades previstas na Lei do CADE: i) a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor (art. 38, inciso III); ii) a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) não seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator, quando a infração estiver relacionada ao uso desse direito; b) não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos etc;
2) cumular a regra contida no artigo 139, inciso IV do CPC/15 com o artigo 7º, incisos XIV, XV e XVI, entre outros, da Lei nº. 9.782/99 (que trata da criação e da competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária), determinando, entre outras medidas: i) a interdição, como medida de vigilância sanitária, dos locais de fabricação, controle, importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; ii) a proibição da fabricação, importação, o armazenamento, a distribuição e a comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde; iii) o cancelamento da autorização de funcionamento e da autorização especial de funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;
3) cumular a regra contida no artigo 139, inciso IV do CPC/15 com o artigo 173, inciso III da Lei nº. 9.472/97 (ANATEL) para, entre outras medidas: suspender temporariamente a execução dos contratos de concessão ou dos atos de permissão, autorização de serviço ou autorização de uso de radiofrequência.
Ao que se pode perceber, ao revés de o CPC/15 limitar a competência jurisdicional, alargou-a, admitindo que, com amparo no direito vigente, o juiz possa, para além de medidas típicas previstas no CPC, emitir pronunciamentos decisórios atípicos para o CPC, ou previstos como de competência de órgãos ou entidades administrativas.
A despeito disso, parece que a multa pecuniária vem sendo ainda a medida de uso preferencial. Não há motivo jurídico para isso e, como se mencionou no início deste artigo, por vezes a astreintes podem levar até mesmo a uma solução oposta àquela que se propugna inicialmente. Assim, a sugestão que ora se faz é a seguinte: ao verificar a necessidade de garantir o cumprimento da decisão judicial, o juiz deverá pensar bem se realmente será o caso de aplicar a multa cominatória; talvez uma medida atípica para o CPC ou até mesmo algumas daquelas previstas em legislação que rege atividades de órgãos ou entidades administrativas seja mais efetiva. Há aporte legal no CPC para isso.
Um grande abraço a todos. Compartilhem a paz!

Notas e Referências:
[1] SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra – os limites morais do mercado. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012, p. 138-139.
[2] Para quem se interessa pelo tema, foi recentemente editada uma obra, denominada "The firm, the Market and the law", com os principais artigos de Ronald Coase. Sugiro fortemente a leitura, em que pese os artigos, isoladamente considerados, possam ser baixados sem custo pela internet.
[3] Não há dados ou pesquisas acadêmicas sobre esta temática, de modo que a afirmação lançada no texto decorre, única e exclusivamente, de apreciação pessoal de casos levados ao exame do Poder Judiciário e a jurisprudência a respeito, inclusive e principalmente a dos Tribunais Superiores.
[4] A propósito desse tema, imprescindível a leitura de Oliver Willianson e a sua compreensão acerca da teoria dos custos da transação; e Douglas North quanto à racionalidade limitada. Há extensa bibliografia sobre o tema, para a qual remeto o leitor.


Tiago Gagliano é. Pós-doutorando na PUC/PR e na Universidad de León/ES. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba


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