As atribuições dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente para controle e efetivação de políticas públicas

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As atribuições dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente para controle e efetivação de políticas públicas André Viana Custódio1 1. Aspectos introdutórios.

A instituição do Direito da Criança e do Adolescente no ordenamento jurídico brasileiro provocou profundas mudanças nas estratégias de planejamento, implementação e controle das políticas públicas para a infância no Brasil. Como resultado de ampla mobilização social, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, instalou um modelo de Estado democrático, social e de direito no qual a dignidade da pessoa humana tornou-se seu princípio basilar. Neste ambiente, o Direito da Criança e do Adolescente foi instituído com base nos princípios da teoria da proteção integral da Organização das Nações Unidas, da qual o art. 277, da Constituição é sua melhor síntese ao estabelecer:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A partir do passo inicial da Constituição Federal produziu-se ao longo dos últimos 25 anos ampla regulamentação do Direito da Criança e do Adolescente consolidando um verdadeiro ramo jurídico constituído por princípios e regras próprios. Atualmente, o Direito da Criança e do Adolescente tem como fontes: regras e princípios oriundos do Direito Internacional dos Direitos Humanos incorporados ao direito interno brasileiro mediante a ratificação de tratados internacionais importantes como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas, dentre outros tratados como as Convenções n. 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho. Além disso, são indispensáveis seus princípios e regras instituídos pela própria Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional regulamentadora, tal como a

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Pós-Doutor em Direito (Universidade de Sevilha/Espanha), Doutor em Direito (Universidade Federal de Santa Catarina), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – da Universidade de Santa Cruz do Sul. Email: [email protected]

Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, sem dúvida, é a norma dos direitos da infância mais conhecida e discutida em todo o país. No entanto, a consolidação no cenário jurídico, político e institucional dos direitos da criança e do adolescente requer a superação de mitos culturais e de melhor aprofundamento teórico por parte dos juristas e da própria sociedade que ainda desconhece seu potencial de transformação social. Ao contrário do que se propaga, o Direito da Criança e do Adolescente não é avançado porque garante muitos direitos, já que apenas amplia o catálogo normativo dos direitos humanos e fundamentais clássicos para que sejam acessíveis também às crianças e aos adolescentes. No entanto, seu potencial avanço é representado pela opção política de não se reduzir a mera declaração textual de direitos fundamentais, pois estabeleceu um Sistema de Garantias de Direitos que impõe um conjunto de responsabilidades e ações para que os direitos proclamados sejam garantidos e efetivados no plano fático. Assim, é equivocada a expressão que indica que o Direito da Criança e do Adolescente não impõe deveres, já que o próprio texto constitucional é expresso ao impor à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes configurando o princípio jurídico da tríplice responsabilidade compartilhada, pois

A proteção, com prioridade absoluta, não é mais obrigação exclusiva da família e do Estado: é um dever social. As crianças e os adolescentes devem ser protegidos em razão de serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (PEREIRA, 2000, p. 14)

Deste modo, para cada direito previsto no catálogo normativo, o Direito da Criança e do Adolescente impõe responsabilidades que devem ser asseguradas de forma compartilhada entre crianças, adolescentes, famílias, Estado e sociedade de forma ampla e universal. Tal universalidade é configurada ao eliminar a expressão “menor”, potencialmente discriminatória e estigmatizante, para adotar o conceito universal de criança e adolescente já no texto constitucional e que posteriormente será regulamentada definindo como criança a pessoa com idade até 12 anos; e adolescente a pessoa com idade entre 12 anos incompletos e 18 anos. Outra decorrência da universalização dos direitos fundamentais é a garantia de que sua aplicação não se restringe apenas a uma parcela da população, mas é aplicável a todos que se encontrem nesta condição geracional.

A regulamentação do Direito da Criança e do Adolescente tem como matriz principal o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que envolve também uma ampla gama de legislações esparsas que tratam, direta e indiretamente, dos direitos de crianças e adolescentes, tais como as legislações no campo da saúde, educação, assistência social, esporte, cultura e lazer. Em síntese, aplicam-se ao Direito da Criança e do Adolescente todos os princípios relativos aos direitos fundamentais e, em razão de sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento que caracteriza crianças e adolescentes adiciona-se princípios constitucionais especiais como o a tríplice responsabilidade compartilhada, a proteção integral garantista, o reconhecimento como sujeito de direitos, a proteção especial contra a violação de direitos e a prioridade absoluta. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu critérios para a definição dos limites e alcance do princípio da prioridade absoluta, no art. 4º, Parágrafo Único, in verbis:

Art. 4º - ... Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

De igual modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente reafirma o princípio constitucional da proteção especial garantista ao prever no art. 5º que:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

No entanto, as mudanças não se restringiram à tutela de direitos fundamentais, pois se assegurou estratégias de efetivação mediante a garantia dos princípios da progressividade dos direitos humanos, segundo o qual uma vez reconhecidos os direitos fundamentais há proteção contra retrocesso e supressão de garantias. Em razão do princípio do reconhecimento da condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento atribuiu-se o status de indisponibilidade dos direitos fundamentais da criança e do adolescente como forma de garantia do interesse superior da criança previsto na Convenção Internacional dos Direitos da Criança.

Contudo, a concretização jurídica das normas especiais destinadas à crianças e adolescentes exigem a participação da sociedade mediante a efetivação dos princípios da democratização e a aproximação das políticas públicas das realidades locais perfazendo a necessidade de que o Sistema de Garantias de Direitos seja constituído de forma descentralizada promovendo a integração operacional do sistema. Este reordenamento introduz ao menos três aspectos inovadores nas políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente envolvendo mudanças de conteúdo, método e de gestão, priorizando a concretização de direitos fundamentais pela via das políticas sociais básicas. (COSTA, 1994, p. 140) O Sistema de Garantias de Direitos constitui-se com forma organizativa de competências e atribuições entre os entes públicos e particulares como forma de garantir a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes. Está estruturado a partir do reconhecimento dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente como órgãos deliberativos e controladores das políticas públicas em todos os níveis e as suas articulações com os Conselhos Tutelares, estes responsáveis pela política de proteção aos direitos da criança e do adolescente e, igualmente, integrados com o sistema de justiça envolvendo Ministério Público, Poder Judiciário e Defensoria Pública. Assim, neste texto será tratado exclusivamente de um dos órgãos do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, denominado Conselho de Direitos que está instituído nos três níveis da federação com a responsabilidade de deliberar e controlar as políticas públicas de atendimento à crianças e adolescentes.

2. Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente são órgãos públicos, vinculados à estrutura administrativa do Poder Executivo, nos três níveis envolvendo União, Estados e Municípios. É considerado típico conselho gestor, com caráter deliberativo e controlador, de todas as políticas públicas relacionadas a crianças e adolescentes e por isso requer uma atuação intersetorial para a consecução de seus objetivos. Os Conselhos, a partir da determinação prevista como diretriz da política de atendimento prevista no art. 88, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, foram criados por leis no respectivo nível federativo. Assim, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) foi instituído pela Lei n. 8.242, de 12 de

outubro de 1991 e, também, os Estados da federação e os municípios criaram seus respectivos Conselhos Estaduais e municipais. Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente foram instituídos a partir do princípio da descentralização com o mérito da aproximação política da realidade social concreta, o que estimula novas relações democráticas e participativas, muitas vezes consideradas como núcleo essencial do processo de construção de políticas públicas. (CUSTÓDIO, 2009, p. 37)

O modelo anterior em nada se assemelhava com esta nova previsão legal. Ao contrário, apoiava-se na centralização das decisões e com a concentração de recursos na esfera federal, que os distribuía entre os diversos programas e Estados da Federação conforme critérios centralmente definidos. O novo modelo substituiu tal verticalidade centralizadora pela horizontalidade, fundamentando-se na descentralização decisória gerencial, na articulação interinstitucional e na participação popular paritária na tomada de decisões, coordenação e controle das ações em todos os níveis. (MARTINS, 2003, p. 55)

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, conforme determina, o referido art. 88, II, são órgãos paritários, sendo assegurada a participação da sociedade civil na sua composição. Deste modo, a metade dos seus membros é composta por representantes governamentais escolhidos e nomeados pelo chefe do Poder Executivo do respectivo nível e a outra metade é escolhida pela sociedade civil, através das suas organizações representativas que poderão instituir espaço público não-estatal próprio, tal como acontece com os denominados Fóruns Permanentes de Entidades NãoGovernamentais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fóruns DCA), que escolhem seus representantes e encaminham para a nomeação para chefe do Poder Executivo do respectivo nível federativo.

O funcionamento destes Conselhos deverá se dar nos três níveis federativos (municipal, estadual e federal) e se pautará na ideia de descentralização e participação popular, almejando definir e implantar a política de atendimento e servindo como instância de decisão e controle das iniciativas do Estado e da sociedade civil. (VERONESE, SILVEIRA, 2011, p. 197)

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente como órgãos descentralizados não são dotados de estruturas hierarquizadas, tendo competência para atuar e deliberar as políticas públicas no seu respectivo nível vinculando a administração pública em todas as suas deliberações. Os Conselhos superiores (Nacional e Estaduais) quando deliberam também vinculam seu respectivo nível de atuação e, estas deliberações,

quando aplicáveis tem caráter de recomendação aos níveis inferiores, garantindo assim, a plena autonomia na atuação do Conselho, que de todo modo, estão todos vinculados e condicionados aos princípios e regras do Direito da Criança e do Adolescente. Além da descentralização, o Estatuto da Criança e do Adolescente impõe a diretriz da municipalização do atendimento.

Obedecendo a essa diretriz, os municípios assumiram atribuições antes privativas da União e dos Estados membros. De fato, parcela considerável do Sistema de Garantias de Direitos está sob responsabilidade do município e é necessário fazer com que ele cumpra as suas funções, principalmente pelo desenvolvimento de serviços sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social. (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2012, p. 277)

O poder deliberativo dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente tem força jurídica vinculante obrigando a administração pública a realização das ações determinadas, pois “as deliberações do conselho de direitos caracterizam-se como atos normativos, portanto, obrigatórios, vinculativos de toda a Administração Pública, sem embargo de estarem sujeitos à correção e controle por meio das ações judiciais pertinentes.” (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2012, p. 280) Além do caráter deliberativo em relação às políticas públicas para crianças e adolescentes, os Conselhos detêm papel normativo disciplinador uma vez que suas resoluções podem estabelecer regras administrativas que visam melhor operacionalizar a atuação do Sistema de Garantias de Direitos no âmbito dos Estados e Municípios.

Na ação de deliberar, deve o Conselho ser órgão intelectual, programando a linha de ação do Governo Municipal e demonstrando a ação prática que deve ser adotada. Para isso necessita-se de um estudo real e profundo da situação municipal, verificando os problemas existentes na localidade, com vistas a apresentar ao executivo municipal, planos e estratégias de intervenção. (VERONESE, 2006, p. 68)

Os Conselhos de Direitos também possuem papel de controle e fiscalização das políticas públicas e das entidades de atendimento atuantes no seu campo de competência, podendo estabelecer critérios para o funcionamento e indicadores de controle para a avaliação das políticas públicas destinadas a crianças e adolescentes. Considerando-se estes aspectos gerais, cabe analisar as atribuições específicas dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente que envolvem atividades de planejamento, promoção, mobilização, articulação, controle e fiscalização.

A atribuição mais abrangente do Conselho de Direitos é o planejamento e deliberação sobre as políticas públicas de atendimento à crianças e adolescentes.

Por política de atendimento entende-se o conjunto de ações e programas que, sob a condição de garantir a dignidade da pessoa humana, promovem o bem estar coletivo e atendem demandas específicas, administrando os recursos disponíveis e buscando outros que possam auxiliar na busca constante da projeção dos direitos fundamentais. (ROSSATO; LÉPORE; SANCHES, 2012, p. 271)

Assim, construir uma política de atendimento para crianças e adolescentes requer a organização de planos, programas, projetos, ações e benefícios articulados de modo a atender os direitos fundamentais consagrados no Direito da Criança e do Adolescente. Portanto, esta função é essencialmente intersetorial, pois o atendimento prestado a crianças e adolescentes ocorrem em diversos sistemas de políticas públicas e envolver diversos atores do sistema de garantias de direitos, daí se afirmar que não é possível realizar um planejamento efetivo de políticas para infância sem a devida articulação intersetorial entre os gestores das políticas públicas, rede de atendimento e sistema de garantias de direitos. O Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente deve garantir a construção das políticas públicas de atendimento com base nas linhas de ação previstas no art. 87, do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe:

Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento: I - políticas sociais básicas; II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem; III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão; IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente. VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.

Também impõe-se como desafio fazer a articulação entre os diversos conselhos setoriais para a construção de políticas públicas integradas e articuladas visando otimizar

forças, recursos, capacidades e habilidades dos gestores e operadores garantindo assim maior eficácia e efetividade das políticas públicas. A articulação intersetorial tem previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente e foi fortalecida com as modificações incluídas pela Lei n. 13.010, de 26 de junho de 2014, ao incluir o Art. 70-A, que dispõe:

Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e na execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e de adolescentes, tendo como principais ações: I - a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos; II - a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, com os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e com as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente; III - a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação e assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente; IV - o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente; V - a inclusão, nas políticas públicas, de ações que visem a garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, e de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo; VI - a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e a elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social e de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Cabe ao Conselho construir e manter diagnóstico atualizado sobre a situação de crianças e adolescentes no âmbito do seu território mediante a sistematização dos dados oficiais disponíveis e a coleta de dados qualitativos, no qual a participação da comunidade, famílias, crianças e adolescentes é fundamental para se garantir um diagnóstico com precisão necessária para subsidiar o planejamento e controle das políticas públicas de atendimento. Além disso, a existência de diagnóstico sobre a situação de crianças e adolescentes no território é pressuposto para que os Conselhos possam elaborar, executar e avaliar os Planos Decenais de Direitos Humanos de Crianças e Adolescente, que devem contém

diretrizes, objetivos, metas, estratégias, prazos e recursos capazes de garantir o atendimento integral à crianças e adolescentes. Os Planos Decenais de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes necessariamente devem ser discutidos nas Conferências de Direitos da Criança e do Adolescente que são trienais e constituem-se em espaço de debate público e reflexão sobre a capacidade de atendimento das políticas públicas e de construção de estratégias para garantir a efetivação integral dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. É atribuição dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente organizar as Conferências convocando a comunidade, famílias, crianças e adolescentes para avaliar as ações realizadas e discutir as estratégias e metas para o triênio seguinte de forma participativa e comunitária. Os Planos Decenais dos Direitos da Criança e do Adolescente expressam o compromisso intersetorial das políticas públicas de atendimento e a integração das ações dos órgãos do Sistema de Garantiras de Direitos e da Rede de Atendimento, envolve assim a articulação e análise dos planos setoriais das demais políticas públicas que envolvam crianças e adolescentes como educação, saúde, assistência social, cultura, esporte, bem como, os planos específicos de atendimento, tais como, os planos de prevenção e erradicação do trabalho infantil, pelo fim da violência e exploração sexual, convivência familiar e comunitária, atendimento socioeducativo dentre outros. A partir da identificação das principais vulnerabilidades que afetam crianças e adolescentes cabe aos Conselhos de Direitos construir estratégias integradas de atendimento e prevenção para proteger crianças e adolescentes das violações de direitos mais recorrentes. A Resolução n. 171, de 04 de dezembro de 2014, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente estabelece parâmetros para discussão, formulação e deliberação dos planos decenais dos direitos humanos da criança e do adolescente em âmbito estadual, distrital e municipal, em conformidade com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, dentre os quais a instituição de Comissão Intersetorial para discussão e elaboração do Plano Decenal composta por representantes do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Tutelar, Conselhos setoriais, em especial de políticas sociais, tais como educação, saúde, assistência social, esporte, cultura e lazer, órgãos públicos e gestores de políticas públicas, fóruns dos direitos da criança e do Adolescente e organizações da sociedade civil. Em seu art. 5º estabelece:

Art. 5º Compete ao Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente: I – aprovar e deliberar o respectivo plano decenal dos direitos humanos de crianças e adolescentes; II – apoiar e articular a implementação das ações do plano decenal dos direitos humanos de crianças e adolescentes; III – articular com os órgãos do Poder Executivo e Legislativo visando à inserção de ações constantes do plano decenal dos direitos da criança e do adolescente no plano plurianual e na lei orçamentária; IV – definir instrumentos de avaliação e monitoramento da implementação do plano decenal dos direitos humanos de crianças e adolescentes; e V – encaminhar o respectivo plano decenal dos direitos humanos de crianças e adolescentes ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Parágrafo único. Compete aos Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente estimular e apoiar os Conselhos municipais para o cumprimento desta Resolução.

O Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente também é responsável pela deliberação dos recursos dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA) elaborando o Plano Aplicação de acordo com as diretrizes estabelecidas no Plano Decenal dos Direitos Humanos da Criança e do Adolescente. Além disso, deve fiscalizar a aplicação dos recursos do FIA e verificar seu uso de acordo com as normas específicas para o uso e aplicação de recursos públicos. O art. 260, do Estatuto da Criança e do Adolescente e suas alterações promovidas pela Lei n. 12.594, de 18 de janeiro de 2012, estabelecem os critérios para as doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, limites de dedução do imposto de renda para pessoas físicas e jurídicas, bem como critérios de controle e aplicação dos recursos na operacionalização do sistema, destacando-se que os recursos do FIA não se destinam à política de atendimento direto à crianças e adolescentes, mas primordialmente ao planejamento, capacitação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, bem como, mobilização em prol dos direitos da criança e do adolescente. O Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente deve promover e estimular a capacitação permanente e continuada os operadores do Sistema de Garantias de Direitos e da Rede de Atendimento, pois a qualidade das políticas públicas depende necessariamente da qualificação dos profissionais e do estimulo permanente na ampliação dos conhecimentos e experiências. A garantia e concretização dos direitos de crianças e adolescentes requer um processo amplo de mobilização e articulação no âmbito da sociedade civil, comunidade, rede de atendimento e órgãos do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente.

A mobilização constitui-se em estratégia para o empoderamento de crianças e adolescentes, mas também para disseminar conhecimentos mais profundos sobre a situação da infância nos territórios e as políticas públicas que são asseguradas no sistema brasileiro. Além disso, as estratégias de mobilização devem envolver além dos gestores, autoridades públicas e profissionais; as famílias e a comunidade como forma de ampliar o espectro de proteção e responsabilidade local com a infância. Nas relações com o Conselho Tutelar compete ao Conselho de Direitos compete conduzir o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, instituir corregedoria ou comissão processante de caráter administrativo para apurar violação dos deveres funcionais dos Conselheiros Tutelares. Os Conselhos de Direitos têm a atribuição de registrar as entidades de atendimento e os programas governamentais de atendimento à crianças e adolescentes atuantes no seu território. O art. 91 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que:

Art. 91. As entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade. § 1º Será negado o registro à entidade que: a) não ofereça instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança; b) não apresente plano de trabalho compatível com os princípios desta Lei; c) esteja irregularmente constituída; d) tenha em seus quadros pessoas inidôneas. e) não se adequar ou deixar de cumprir as resoluções e deliberações relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis. § 2o O registro terá validade máxima de 4 (quatro) anos, cabendo ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, periodicamente, reavaliar o cabimento de sua renovação, observado o disposto no § 1 odeste artigo.

Em complemento a esta regra geral que impõe aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente a obrigação de registrar as entidades de atendimento à crianças e adolescentes e a inscrever os programas de atendimento executados pelo poder público, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente emitiu a Resolução n. 164, de 09 de abril de 2014, que estabeleceu critérios para o registro e fiscalização das entidades sem fins lucrativos e a inscrição de programas governamentais de atendimento que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional. Para a plena realização das políticas públicas e garantia do princípio da prioridade absoluta é indispensável que a elaboração do orçamento público seja acompanhada pelos

Conselhos de Direitos que podem contribuir na sua definição garantindo assim os recursos necessário para a universalização das políticas de atendimento à crianças e adolescentes. CONCLUSÕES

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, passados 25 anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, já estão instituídos em todos os níveis, consolidando as ações no âmbito do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente. Embora ainda não sejam popularmente conhecidos, como acontece com os Conselhos Tutelares, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente têm contribuído de maneira expressiva para o controle das políticas públicas para a infância. A opção jurídica por atribuir caráter deliberativo e vinculante as suas decisões, bem como. a garantia da participação popular na gestão das políticas públicas proporcionam maior empoderamento da comunidade e amplia as possibilidades de controle social descentralizado. Coloca-se como desafio o aprofundamento das práticas de articulação intersetorial entre os órgãos integrantes do sistema de garantias de direitos e a rede de atendimento como etapa necessária para garantir melhor efetivação dos Planos Decenais de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes para que estes sejam capazes de integrar as ações entre os diversos conselhos gestores setoriais e aperfeiçoar os planos de proteção especial à crianças e adolescentes. No entanto, não será possível a plena concretização de direitos fundamentais sem que os Conselhos de Direitos instituam a prática de manter diagnósticos precisos e atualizados sobre a situação da infância nos diversos níveis da federação, isso porque a invisibilidade das variadas formas de exploração e exclusão social são obstáculos concretos ao enraizamento das políticas públicas de atendimento. Por fim, resta destacar a importância do fortalecimento dos Fundos da Criança e do Adolescente; a garantia de planos de capacitação e formação continuada dos operadores do sistema de garantias de direitos e da rede de atendimento; a mobilização da comunidade para a preservação e garantia dos direitos já assegurados que constantemente sofrem o risco de retrocesso dado o perfil conservador e autoritário dos administradores públicos e parlamentares brasileiros, bem como, a qualificação das relações com o Conselho Tutelar e as entidades e programas de atendimento, buscando

assim atingir o princípio fundamental orientador do sistema fundado no princípio humanístico da proteção integral.

REFERÊNCIAS

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