As Bases do estado de exceção norte­americano na “Guerra Global contra o Terror” (“GGcT”): Questionamentos sobre as intervenções e práticas militares no Oriente Médio

June 2, 2017 | Autor: R. Duarte Amaral | Categoria: Terrorism and Counterterrorism, Estado De Exceção
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    Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015   Simpósio de Pós­Graduação em Relações Internacionais do  Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUC­SP)  “Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas”  São Paulo, 09 a 12 de novembro de 2015  ISSN 1984­9265    As Bases do estado de exceção norte­americano na “Guerra Global contra o  Terror” (“GGcT”): Questionamentos sobre as intervenções e práticas militares no  Oriente Médio  Rodrigo Augusto Duarte Amaral1  RESUMO:  Baseado  na  compreensão  conceitual  do  Estado  de  Exceção,  sobretudo  na  abordagem  feita   pelo  italiano  Giorgio  Agamben,  este  trabalho  busca  aplicar  esta  ideia  de  exceção  ao  contexto  de “Guerra Global contra o Terrorismo” (“GGcT”), tendo como  narrativa  as  ações  de  política  externa  de  segurança  dos  Estados  Unidos  da  América  (EUA)  no  Oriente   Médio.  Para  desenvolver  a  análise  deste  objeto:  as  práticas  norte  americanas  na  “GGcT”,  primeiramente  será  estabelecida  uma  definição  do  conceito  de  estado  de  exceção,  tendo  como  pilar  a  percepção  agambeniana  (2003),  derivada  da  acepção   schmittiana  (1922).  Posteriormente,  buscar­se­á  focar  a  análise  do  estado  de  exceção   na  esfera  de  segurança  internacional,  cuja  perspectiva  adotada  será  mais  teórica,  preocupando­se  com  questões  como:  a  ameaça,  o  inimigo, o risco, a  legalidade,  e  outras  variáveis  que  imbricam  numa  concepção  crítica  acerca  do  estado  de  exceção.  Esta  problematização  prévia  servirá  fundamentalmente  para  analisar  a  conjuntura  das  políticas  intervencionistas  norte­americanas  a  partir  da  “GGcT”,  referidas  ao  Oriente  Médio.  Tendo  em  vista  três  elementos que  demonstram estado de exceção no projeto de  “GGcT”,  analisadas  por  meio  dos  seguintes  tópicos:  a)  Tratamento  dos  Prisioneiros  de  Guerra;  b)  Alto  índice  de  morte  de  não  combatentes;  c)  Falta  de  recursos  jurídicos  que  justifiquem  as  ações  intervencionistas.  Ainda,  há  de  se  mencionar  que  esta  pesquisa  buscará  limitar   a  abordagem  das  ações  militares  de  “GGcT”  no  Oriente  Médio  tendo  como  recorte  temporal  o  período  logo  após  a  declaração  da  Guerra  ao  Terror  (18  de  setembro  de  2001)  às  primeiras  ações  políticas  dos  EUA  na  região,  embasando­se  no 

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  Mestrando  do  Programa  de  Pós­graduação  em  Relações   Internacionais  San  Tiago  Dantas  (UNESP,  Unicamp,  PUC­SP).  Graduado  em  Relações  Internacionais   pela  PUC­SP.  Especialista  em  Estudos  de  Conflitos Internacionais,  Estudos de Segurança e Paz. Pesquisador Bolsista: CAPES (Endereço  eletrônico  para contato: [email protected]

questionamento  sobre  a  justificativa  norte­americana  para  as  suas  intervenções  na  região, em nome da segurança.   PALAVRAS­CHAVE:  Estado  de  Exceção;  “Guerra  Global  contra  o  Terror”;  EUA;  Segurança  INTRODUÇÃO:  Em  1997,  o  ​ Project  for  the  New  American century (PNAC)2  preocupava­se com  o  declínio  na  força   das  defesas  da  América,  e  nos  problemas  que  isso  criaria  para  o  exercício  da  liderança  americana  em  todo  o  mundo   e,  em  última  instância,  para  a  preservação  da  paz.  Quando  foi  eleito  no  pleito para a presidência em 2000, George W.  Bush  fez  “campanha  para  a  Casa  Branca  defendendo  um   papel  menos  preceptorial3 ”  (ANDERSON,  2015,  p.  110),  assim  havia  uma  expectativa  de  um  perfil  de  política  externa  de  segurança  e  defesa  nacional  mais   seletiva  e  menos  agressiva.  Entretanto,  após  os  ataques  aos  EUA,  em  seu  próprio território, em setembro de 2001, fomentou­se  um  processo  de  desgaste  da  liderança  norte­americana.  De  modo  que  em  meio  a  um  vazio  de  respostas  no  tocante  da  segurança  nacional  dos  EUA,  já   que  durante  a Guerra  Fria  o  mecanismo  clássico  utilizado  foi  o  de  dissuasão,  neste  novo  momento  esta  estratégia  não  cabia  para  conter  este  novo  inimigo,  assim  a  saída  para  os  EUA  seria  passar por um plano de contenção, não apenas do terror, mas também da deterioração do  seu  poder  não­coercitivo  (MEAD,  2004).  Neste  trabalho  os  méritos  e/ou  os  deméritos  do  governo  Bush  não  serão  analisados,  senão  avaliar  alguns  problemas  do  projeto  de  política  externa  em  segurança  e  defesa,  dos  EUA  governado  por   G.  W.  Bush  desde  a  declaração da “GGcT”.  Desde  Pearl  Harbor,  era  a  primeira  vez  que  o  território  norte­americano  havia  sido  violado  de forma agressiva  (ANDERSON, 2015). Diante deste contexto, o governo  armou  um  enorme  aparato  jurídico­burocrático  para  dar  legitimidade  a  este  projeto  de  “GGcT”,  para  tanto  apelou  para  recursos cuja base de sua aprovação, tanto legal quanto  popular  contava  com  uma  narrativa  de  que  vivia­se  então  um   momento  de  desvio  dos  2

  Inicialmente pensado em  1992,  pelo  Pentágono (Departamento de Defesa norte­americano), o PNAC  foi  estabelecido  na  primavera  de  1997.  Descrição do PNAC no  documento “​ Rebuilding America’s Defenses  Strategy,  Forces  and  Resources:  For  a  New  Century  ­  A  Report  of  The  Project for  the  New  American  Century  September  2000”​ .  Acesso  15/12/2015    3   Nota  de esclarecimento. Aqui o termo utilizado per Perry Anderson se refere a  um papel da Casa Branca  de menor atuação militar. 

padrões  convencionais  da  história  norte­americana,  o  qual  exigia  medidas excepcionais  para  conter   uma  ameaça  eminente  caracterizada  na  figura  dos  grupos  terroristas  internacionais.  Figuradas  não  apenas  pela  Al­Qaeda  (1999),  grupo  mais   conhecido  devido  aos  ataques  aos  EUA  em  setembro  de  2001,  mas  outros  grupos  como  ETA  (1997),  Hamas (1997), Hesbollah (1997), FARC – Fuerzas Armadas Revolucionarias de  Colombia  (1997),  Partido  dos  Trabalhadores do Curdistão (PKK) (1997) 4, entre outros5  (Todos  estes  grupos  referenciados  aqui  já  eram considerados terroristas quando ocorreu  o  incidente  de  11  de  setembro,  antes  da  declaração  da  “Guerra  ao  Terror”),  de maneira  que  o  inimigo  comum  estabelecido  para  ser  combatido  era  o  terrorismo,  enquanto   instituição reconhecida.  A  ideia  se  baseia,  portanto,  na  erradicação  do  terrorismo  enquanto  uma  prática  internacional,   para  tanto  a  necessidade  de  se  eliminar  os   grupos  que  praticam tal forma  de  combate.  O  principal  argumento  para  a  “GGcT”  era  a  necessidade de uma guerra  de  autodefesa,  combate  a  um  inimigo  que  ameaça  a  segurança  nacional  do  civis  norte­americanos  e  seu  território.  O  primeiro  problema  deste  projeto  de  “Guerra  ao  Terror”  está  no  fato  de  o  inimigo ser difuso; existe dificuldade em reconhecer membros  desses  grupos  e  assim,  desarticulá­los.  Devido  a  este  problema,  uma  conseqüência   que  seria  concretizada  era  um  crescimento  nos  “efeitos  colaterais”6  das  guerras  contra  o  terror  (principalmente,  pensando  nas  guerras  do  Afeganistão  [2001]  e  Iraque  [2003]).  Apesar  dessas  dificuldades,  o projeto recebeu apoio político e popular o que fomentou a  possibilidade  de  ampliar  as  escalas  das  políticas  de  defesa  nacional  dos  EUA  por  meio  de intervenções militares que serão descritas adiante.   Lembramos  que  a  proposta  aqui  não  é  fazer  julgamentos  acerca  das  condutas  norte­americanas  na  “guerra  ao  terror”,  mas apresentar quais os recursos utilizados para   o  levantamento  deste  projeto.  O  ferramental  teórico  utilizado  neste  trabalho  para  explicar  como  o  projeto  de  “GGcT”  ganha  legitimidade  é  a  Teoria  do  Estado  de 

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  As  datas  entre  parênteses  assinaladas  ao  lado  de cada organização indicam o ano em que  entrou na lista  norte americana de Organizações Terroristas Estrangeiras.  5   Recomenda­se  checar  a  lista  elaborada pelo Departamento  de Estado dos EUA, conforme seus critérios,  das Organizações Terroristas Estrangeiras (Foreign Terrorist Organizations – FTO’s). Acesso: 28/07/2015    6   Refere­se  aqui,  sobretudo,  a  morte  e  ferimentos  à  civis  e  prisões  preventivas,  que  serão  temas  explorados mais afundo a frente neste trabalho. 

Exceção,  portanto   se faz importante compreender o que significa um estado de exceção7 , e como ele se expressa na realidade.  1. O ESTADO DE EXCEÇÃO  O  conceito  de  Ordem  na  vida  social implica numa estrutura de conduta  que leve  a  um  resultado  particular  o  qual  promove determinadas metas e valores, podendo variar  de  comunidade  a  comunidade.  Ela  “é  um padrão de atividade humana  que sustenta seus  objetivos  elementares,  primários,  ou  universais” (BULL, 1977, p. 9), com três objetivos  fundamentais,  que  são  expectativas  1) de segurança contra violência 2) de cumprimento  dos  acordos  (das leis, normas, etc.) 3) de estabilidade na posse de propriedade8. Para um  Estado, ordem está vinculada  a capacidade de seus governantes conseguirem estabelecer  o  controle  de  seu  território  e  população  de  forma  organizada,  de  preferência  sem  conflitos  internos,  tendo  o  aceite  de  sua  população.  Porém,  quando  não  se  é  possível  manter  a  ordem  conforme  os  padrões  pacífico­tradicionais,  recorre­se  a  máxima  do  monopólio  do  uso  da  violência  pelo  Estado,  sendo ele o ente legítimo que utiliza da sua  força para reordenar seu espaço.   Ampliando  para  o  sistema   internacional  de  Estados,  a  ordem  internacional  está  ligada  “a um padrão de atividades que sustenta os objetivos elementares ou primários  da  sociedade  de  estados,  ou  sociedade  internacional”  (BULL,  1977,  p.  13).  Às vezes, para  se  manter  a  ordem,  ou  seja,  em  nome  da  ordem,  Estados  recorrem  a  alternativas  não  costumeiras,  não  constitucionais,   ilegais  no  sentido  usual.  Nessas  situações  aplica­se  a  ideia  de  estado  de  exceção,  quando  se utilizam de meios excepcionais  em determinados  contextos  em  prol  de  determinado  fim,  que  exige  tais  medidas,  portanto  quase  num  contexto  de  necessidade.  Vê­se  já  que  a  esfera  legal  é  de  suma  relevância  para  uma  análise  sobre  o  estado  de  exceção,  de  forma  que  existe  uma  relação  próxima  entre  o  ordenamento  jurídico  e  o  estado  de  exceção,  sobretudo  quanto  à  suspensão   da  ordem  jurídica  (AGAMBEN,  2003).  Sobre  a  esfera  jurídica,  Hans  Kelsen  (1920)  preparou  as 

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  Neste  trabalho,  será  referido a Estado de Exceção (com letras maiúsculas), quando se referir ao conceito  e  seu  significado  enquanto  expressão;  e  estado  de  exceção  (em  letras  minúsculas),  quando  se  referir  ao  fato na realidade, ou seja, enquanto fenômeno.  8   Estes  objetivos  foram  traçados  como  base  fundamenta,  por  Bull, para o desenvolvimento do seu  estudo  da ordem na política mundial. 

bases  para  o que ele mais tarde chamaria de uma "teoria pura do direito”9, uma teoria do  direito  a  partir   da  qual  todos  os  elementos  subjetivos  seriam  eliminados,  portanto  uma  concepção   da  autonomia  do  direito.  Portanto,  Kelsen  (1920)  procurava  a  teoria  do  direito  que  seria  universalmente  válida  para  todos  os  tempos  e  todas  as  situações  (STRONG, 2006).  O  Estado  de  Exceção  é  o  conceito  que  clarifica  a  abrangência  do  poder  do  soberano,  sendo  ele  quem  decide  sobre  os  casos  excepcionais  e  sobre  sua  necessidade  (SCHMITT, 1922). Existe um problema quanto à terminologia da palavra que advém do  alemão:  ​ Ausnahmezustand​ .  Além  da  concepção  de  “estado  de  exceção”,  algumas  traduções  identificam  tal  terminologia  como  “estado  de  emergência”  que  se  aproxima  mais  de  uma  conotação  legal  (STRONG,  2006).  Justamente  o  aspecto  das  leis  (ordem  legal)  é  de  suma  relevância  para  a  compreensão  do  estado  de  exceção  enquanto  paradigma  de  governo.  Para  Schmitt  (1922),  os  esforços  constitucionais  liberais devem  estar  submetidos  à  autoridade  soberana,  de  maneira  que  transcende  a  ordem  jurídica  válida  normalmente,   assim,  o  soberano  é  aquele  que  tem  para  si  decidir  sobre  o  estado  de  exceção.  No  caminho  contrário  de  Kelsen  (1920),  Schmitt  afirmava  que  toda  lei  é  uma  lei  situacional,  de  modo  que   o   soberano  garante  e  produz  a  situação  em  sua  totalidade, tendo o monopólio da decisão final (SCHMITT, 1922).  A  ideia  schmittiana  de   Estado  de  Exceção  se  limita  a  qualquer  tipo  de  perturbação   econômica  ou  política  grave  que  exige  a  aplicação  de  medidas  extraordinárias.  Considerando  que  uma  exceção  pressupõe  uma   ordem  constitucional  que  fornece  orientações  sobre  como  enfrentar  crises,  a  fim  de  restabelecer  a  ordem  e  a  estabilidade,  o  estado  de  emergência  não  precisa  ter  uma  ordem  existente  como  um  ponto  de  referência  porque:  ​ necessitas  non  habet  legem10 (SCHWAB, 1970). Como um  teórico  estatista  beligerante  alemão11 ,  defende  que  a  exceção  deve  ser  compreendida  como  um  conceito  geral  da  teoria do estado, não meramente a um constructo de decreto  de  emergência,  ou  estado  de  sítio.  Ainda,  sobre o aspecto legal, afirma que a exceção, a  qual  não  está  codificada  na  ordem  jurídica  existente,  pode no máximo ser caracterizada  9

  Refere­se  aqui  a  obra:  Hans  Kelsen  The  Problem   of  Sovereignty  e  the  Theory  of  International  Law  (Tübingen: Mohr, 1920)  10   Expressão  em  Latim  que  designa:   ​ A  necessidade  não  tem  lei​ .  Este  é  um  aforismo  agostiniano (Sto.  Agostinho) que indica a cessação da lei perante a necessidade.   11  Classificação teórica de Schmitt segundo Sinisa Malesevic, em The Sociology of war and Violence  (2011) 

como  um  caso  de  extremo perigo para a existência do Estado. Porém, não pode ser feita  para estar em conformidade com uma lei pré­formada. (SCHMITT, 1922).  O  soberano  é  aquele  que  decide  quando  se  trata  de  uma   situação  emergencial  e  qual  a  melhor  forma  de  se  resolver  esta  situação, sendo ele o mesmo que decide se há a  necessidade  de   suspensão  da  constituição  vigente.  Schmitt  (1922),  versa  sobre  a ordem  legal  embasado  em  dois  elementos  jurídicos  fundamentais:  a  norma  e  a  decisão,  elevando a importância da decisão, que é feita pelo soberano.  Precisamente  uma  filosofia  de  vida  concreta (Realismo) não  deve retirar­se a  relação  entre  exceção  e  o   caso  extremo,  mas  deve  se  interessar  por  ele  ao  mais  alto  grau  de  exceção.  A  exceção  pode  ser  mais  importante   para  ele  (Realismo)  do   que  a  regra,  não  por  causa  de  uma   ironia  romântica  para  o   paradoxo  ,  mas  porque  a gravidade de uma visão  vai além das generalizações  claras  inferidas  a  partir  do  que  normalmente  se  repete.  A  exceção  é  mais  interessante do que a regra. A regra não prova nada;  a exceção confirma tudo:  Ele  não  só  confirma  a  regra,  mas também a sua existência, que  deriva apenas  da   exceção.  Na  exceção,   o  poder  de  vida  real  rompe  a  crosta  de  um   mecanismo que  tornou­se  entorpecido  pela  repetição. 12 (SCHMITT,  1922, p.  15) 

Pode­se  substituir  “uma  filosofia  de  vida  concreta”,  pela  ideia de realismo. Para  o  realismo,  enquanto  filosofia  de  vida  concreta,  a  exceção   é  mais  importante  do  que as  regras,  pois  ela  é   quem  clarifica  a  visão  da  realidade,  para  além  das  situações  normais;  A  realidade  se   torna  embassada  devido  a repetição, de forma que com a exceção tem­se  melhor  a  noção  do  que  compõe  a  realidade.  Portanto  para  Schmitt,  a  exceção  não  apenas  é  uma  ferramenta  do  soberano,  como  tem  uma  substancialidade,  uma  fundamentabilidade, para composição do que é o real.  Walter Benjamin contribui  para o debate crítico acerca  do  Estado de Exceção em  seu último escrito, “Sobre o conceito da história” (1940), da seguinte maneira:  A  tradição   dos  oprimidos  nos  ensina  que  o   “estado   de  exceção”  em  que  vivemos  é  na  verdade  a  regra  geral.  Precisamos  construir  um  conceito  de  história  que  corresponda  a  essa  verdade.  Nesse  momento,  perceberemos  que  nossa  tarefa  é  originar  um  verdadeiro  estado  de  exceção;  com  isso,  nossa  posição  ficará  mais  forte  na  luta  contra  o  fascismo.  Este   se  beneficia  da  circunstância  de  que  seus  adversários  o  enfrentam  em  nome  do  progresso,  considerado  como  uma  norma  histórica.  O  assombro  com  o  fato  de  que  os  episódios  que   vivemos  no  séculos  XX   “ainda”  sejam  possíveis,   não  é  um  assombro  filosófico.  Ele  não   gera  nenhum  conhecimento,  a  não  ser  o  conhecimento  de  que   a  concepção  de  história  da  qual  emana   semelhante   assombro é insustentável. (BENJAMIN, 1942, 8ª tese) 

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 Tradução nossa 

Nessa  alusão  ao  conceito  de  Estado  de  Exceção,  se  faz  fundamental  elucidar  o  contexto  de  Walter  Benjamin.  O  filósofo  alemão  estava  em  plena  Segunda  Guerra  Mundial,  portanto  referia­se  ao  estado  de  exceção   nazista  e ele mesmo seria parte deste  grupo  oprimido  por  este  “excepcionalismo”13,  uma  vez  que  era  judeu  e  se  suicidou  pouco  depois  destes  escritos  referenciados,  em  uma  excursão enquanto fugia  das tropas  nazistas  para  a  França.14  Benjamin  aponta  que  em  nome  do  progresso,  o  fascismo  alemão  utiliza  do  estado  de  exceção  “permanente”  eliminando  aqueles  que  não  correspondem  ao  padrão  estabelecido  pela  eugenia  nazista,  no  intuito  de  estabelecer  uma  “raça  pura”.  Além  disso,  enuncia  espantado como é possível que “em pleno século  XX”  exista  de  um  sistema  como  o  alemão­nazista.  Numa  análise  mais  abrangente,  tem­se  um  Estado  que  clama  pelo  estado  de  exceção  por  meio  de  uma  política  social  racial  de  exclusão,  senão  eliminação,  daqueles  (judeus,  homossexuais,  degenerados,  deficientes, vadios, insanos) que não são da raça “superior” (ariana).  O  recorte  agambeniano  (2003)  é  construído  conforme  as  acepções  de  Carl  Schmitt,  que  já  fora  descrito  anteriormente.  Agamben  salienta  a  falta  de  uma  teoria  do  Estado  de  Exceção  no  direito  público,  sendo  um  genuíno  de  um  problema  jurídico.  A  discussão  proposta  pelo  italiano  leva  em  consideração  que  existe  uma  negação  desta  teoria  que  ele  propõe,  embasada  naquela  ideia  de  que  “a  necessidade  não  tem  lei”  (em  que  se baseia Schmitt),  porém o ​ locus de desequilíbrio do estado de exceção está entre o  direito  público  e  o  fato  político. O estado de exceção assim seria a suspensão da própria  ordem  jurídica  ­  não  é  um  direito  especial,  como  no  caso  do  direito  da  guerra  ­  existindo,  portanto  devido  algum  momento  de crise (política) que muitas vezes reflete a  situações  de  conflito,   confronto,  violência  (como  será  visto  no caso da “GGcT” e como  foi  visto  no  caso  da  Alemanha  nazista).  Enquanto  objeto  de  estudo,  ele  implica  numa  tomada  de  posição  quanto  à  natureza  de  determinado  fenômeno,  seja  política,  ou  jurídica, sobre qual a lógica mais adequada para compreendê­lo (AGAMBEN, 2003).  Enquanto um paradigma de governo, o estado de exceção apresenta outro  dilema  fundamental,  sua  indeterminação  entre  democracia  e  absolutismo.  O  registro  de  13

Cabe ressaltar que nesta pesquisa, a  palavra excepcionalismo será referenciada como sinônimo de estado  de   exceção.  Ela   não  faz  referência  à  excepcionalidade  de  alguém;  frequentemente  o  termo  excepcionalismo  refere­se  ao  excepcionalismo  americano,  na crença  em  que  os  EUA  é  qualitativamente  diferente de outras nações.  14 Informações  retiradas  de  sua  biografia,  disponíveis  online.  Acesso  29/07/2015:    

transformação   dos  regimes  democráticos  devido  à  expansão  progressiva  dos  poderes  executivos  durante  as  guerras  mundiais  evidenciam  as  primeiras  expressões  do  estado  de  exceção.  É  nisso  que  se  baseia  a  crítica  de  Benjamin  (1942)  de  que  o  “estado  de  exceção   tornou­se  a  regra”  (p.227),  no  momento  em  que  fervilhava  a  segunda  guerra  mundial.  “Ele  (estado  de  exceção)  não só se apresenta muito mais como uma técnica de  governo  do  que  como  uma  medida  excepcional,  mas  também  deixa  aparecer  sua  natureza  de  paradigma  constitutivo da ordem jurídica” (AGAMBEN, 2003, p. 18). Uma  vez  que  leis  que  deveriam  ser  promulgadas  diante  das  situações  excepcionais  de  necessidade  e   emergência,  “contradizem  a   hierarquia  entre  lei  e  regulamento,  que   é  a  base  das  constituições  democráticas”  (AGAMBEN,  2003,  p.19),  delegam  ao  poder  executivo  um  poder  que  deveria  ser  responsabilidade  do  legislativo.  O  que  no  limite  é  um  questionamento  ao  papel   do   soberano  (executivo).  Portanto,  averigua­se  uma  conjuntura  de  maior  autonomia  ao  governo,  devido  à  abolição  provisória  daquilo  que  seria  a  distinção  entre  executivo,  legislativo  e  judiciário,  sendo  tendência  a  transformação deste paradigma momentâneo em prática duradoura de governo.15  Enquanto  estado  de  necessidade,  o  estado  de  exceção  se   expressa  incluído  a  ordem  jurídica  como  “‘estado’  da  lei.  O  princípio  de  que  a  necessidade  define  uma  situação  particular  em  que  a  lei  perde  sua  ​ vis  obligandi16 ,  transforma­se  naquele  princípio  em  que  a   necessidade  constitui  o  fundamento  último  e  a  própria  fonte   da  lei”  (AGANBEN,  2003,  p.  43).  É  na  necessidade  que  se  vê o fundamento dos decretos com  força  de  lei,  emanados  pelo  executivo,  suprimindo  a  lei  original  consolidando  num  estado  de  exceção.  Ele,  enquanto  figura  da  necessidade,  é  uma  medida  ilegal,  mas  perfeitamente  jurídica  e  constitucional,  que  se  faz  concreta  a  partir  da  promulgação  de  novas  normas  exigidas  pelo  executivo.  Porém,  sabe­se que a necessidade é um  conceito  subjetivo,  que  se  refere  coligadamente ao objetivo procurado, de forma que necessidade  e exceção são declaradas tais apenas em determinadas circunstâncias.  Agamben  dita  que  Schmitt  via  o  estado   de  exceção  expresso  no  momento  em  que  Estado e direito  mostram  sua diferença, quer dizer “a existência do Estado é a prova 

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  Da  página  20­38,  Agamben  (2003), exemplifica como o estado de exceção se desenvolveu em diversos  contextos  (França,  Alemanha,  Suiça,  Inglaterra,  EUA).  Recomenda­se  ler  o  trecho  para  aprofundar  as  expressões do excepcionalismo como paradigma na política desses governos.  16  Obrigatoriedade – Força de lei (Tradução nossa). 

indubitável  de  sua  superioridade  em  relação  à  validade   da  norma  jurídica”17  (SCHMITT,  1922,  p.12).  Isso  é  o  que  caracteriza ao estado de exceção existir enquanto  figura da ditadura soberana.  O  contexto  no  qual  estes pensadores aludiram ao conceito de Estado de Exceção  é  fundamental  para  se  conceber  a  forma  como   entendem seu significado político. Outra  variável  essencial  é  a  forma  como  compreendem  sua  visão  do  papel  do  Estado  e  de  como  se  constitui  o  ambiente  do  internacional.  O  paradigma  político­ideológico  liberal  democrata  é  o  predominante  na ordem ocidental hodierna, desta forma se faz necessário  aplicar o fenômeno do estado de exceção inserido neste contexto.  2. QUESTIONAMENTOS  DO  ESTADO  DE  EXCEÇÃO  NA  SEGURANÇA  INTERNACIONAL: QUANDO A EXCEÇÃO SE TORNA REGRA.  O  argumento  político  do  soberano  que  recorre  ao  estado  de  exceção  como  necessidade,  advoga  pela  emergência  de  alguma  situação  que  põe  em  risco  a  ordem  vigente,  portanto  diante   de  uma  ameaça.  Tal  conjuntura  normalmente  se  refere  a  uma  subárea  específica  das  relações  internacionais,  a  saber:  a  segurança.  Quer  dizer,  diante  de  uma  situação  fora  do  padrão  que  põe  em  perigo  a  ordem  de  um   Estado  soberano  (conforme  o  entendimento  schmittiano),  seu  governo  recorre  ao  estado de exceção, que  substitui,  ou  melhor,  suspende  a  ordem  judiciária  vigente  em  nome  da  segurança  e  integridade  do  Estado   e  sua  população.  Há  de  se  ressalvar  que  tal  Estado  deve  ter  a  capacidade  de  poder  recorrer  ao  estado  de  exceção,  referindo­se  ao  seu   grau  de  poder  soberano.  O  estado  de  exceção se transformou numa ferramenta bastante utilizada desde as  grandes  guerras  (primeira  e  segunda  Guerra  Mundial)  (AGAMBEN,  2003),  mas  no  cerne  da  ordem  internacional  vigente  posterior  a  Guerra  Fria, o estado de exceção pode  ser  visto  sob  um  olhar  peculiar.  Sob  o  aspecto  político­ideológico,  considera­se  usualmente a “vitória” liberal/capitalista sobre o comunismo (talvez a maior vertente em  oposição  a  esta  ordem)  o  que  acarretou  a  um  sentimento  eufórico  do  “Ocidente”  que  consistia  na  “fé  teológica  numa  economia  em  que  os  recursos  eram  alocados  inteiramente  pelo   mercado  sem  qualquer  restrição,  em  condições  de  competição  ilimitada,  [...]  produzir  o  máximo  de  bens  e  serviços,  [...]  de  felicidade,  único   tipo  de   17

 Tradução nossa 

sociedade  que  mereceria  o  nome  de  ‘liberdade’”  (HOBSBAWM,  1994).  Assim  se  caracterizava  os  primeiros  momentos  após  a  “consolidação”  do  capitalismo  liberal  no  início  da  década  de  1990,  nessa  esperança  de  que  o  livre­mercado,  a  livre­iniciativa,  a  “mão  invisível”  (do  mercado)  pudesse  significar  no  “fim  da  história”  (FUKUYAMA,  1992)  de fato. Neste contexto em diante, talvez a característica mais forte do liberalismo  enquanto  ordem  preponderante  do  sistema  internacional  “ocidental”  é  a  liberdade  enquanto  um  valor  universal.  Entretanto,  parece  que  este  valor­chave  é constantemente  colocado  submisso  a  outro  valor:   a  segurança  (NEOCLEOUS,  2007),  como  será  visto  adiante.  Tendo  como  base  a  sugestão  de  que  as  tentativas  de  desenvolver   políticas  “radicais”  de  segurança  são  exageradas,  assume­se  então  que  a  solução  é  debater  criticamente o conceito de segurança (NEOCLEOUS, 2007), entendendo seus limites.  Mesmo  Hobsbawm  (1994) criticava a impossibilidade de uma sociedade de puro  laissez­faire​ ,18  os  próprios  países  que  já  tinham  essa  perspectiva  como  ideologia  político­econômica   são  incapazes  de  seguir  rigidamente  um  sistema  liberal,  quanto  menos  os  países  de  raízes   socialistas,  que  passaram  por  um  processo  de  reestruturação  política  e  econômica.  A  primeira  ideia  a  qual  Mark  Neocleous  (2007)  se  refere  como  mito  do  liberalismo  é  de  que  sociedades  democráticas  buscam  um  equilíbrio  entre  liberdade  e  segurança,  sendo  que  às  vezes  o  Estado  democrático  é  forçado  a  limitar  as  liberdades  civis.  Esse  balanço  seria  um  dispositivo  retórico,  o  qual  se  deve  olhar  cautelosamente.   Neocleous  (2007)  interpreta  nas  bases  teóricas  ​ de  John  Locke19,  o  argumento  acerca  da  defesa  de  um  espaço  para  o  exercício  de  uma  ação  rápida  e  flexível  fora  dos  limites  legais  colocadas  no  Estado,   sendo  que  por  mais  que  o  pacto  social  (materializado  na  constituição  nacional  de  cada  Estado)  restrinja  ou  obrigue,  comande  ou  proíba  ações  específicas,  há  uma  necessidade  superior  de  que  o  Estado  haja  fora  destes  limites  em  prol  do  bem­estar  das  pessoas.  Assim,  Neocleous  (2007)  indica  que  existem  demasiadas  ocasiões em que o executivo não procede adequadamente conforme  o  legislativo,  sob  a  égide  de  que  seu  procedimento  é  lento  ou  pela sua insuficiência em  determinadas  questões.  Isso  implica  na  elevação  de  um  conceito  aplicado  não  pelo  liberalismo,  cuja  lógica  reside  na  “​ Raison  ​ d’Etat​ ”  que  permite  ao  Estado  agir  como  18

  Expressão  símbolo  da  economia  liberal,  que  implica nessa  forma  de  livre  mercado, sem  interferência  estatal, somente regulamentos pontuais para garantir o direito de propriedade.  19  Neocleous se refere à obra lockeana: Two Treatises of Government (1690). 

deve  para  se  manter,  o  que  curiosamente  é  antitético   as  bases   epistemológicas  liberais,  aproximando­se  das  noções  de base realista, se forem consideradas enquanto teorias das  Relações  Internacionais.  Tal  afirmação  se  assenta  nos  fundamentos  de  cada uma destas  correntes  teóricas,  já  que  o  liberalismo,  conforme  já  dito  aqui,  consagra  a liberdade, no  estado  de  direito  (KELSEN,  1920),  na  democracia,  no  livre­mercado,  enquanto  o  realismo se fundamenta na ​ Raison  d’etat​ , na necessidade do Estado, no Estado enquanto  ator  principal,  a  função  do  poder  para  garantir  a  sobrevivência  do  Estado,  e  a  anarquia  internacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005).  O  risco,  a  ameaça,  a  insegurança,  são  razões  pelas  quais  uma  apelação  excepcional  se  faz  vigorada,  mas  também  são  condições  básicas  para  a  existência  humana  (BECK,  2008).  Afinal,  num  contexto  cuja  manutenção  da  segurança  denota­se  ameaçada  o  Estado  recorre  ao  que  lhe  for  preciso,   inclusive teria legitimidade para agir  mesmo  que  fora  das  regras  tradicionais  para  conter  ou  eliminar  tal ameaça. Para Ulrich  Beck  (2008),  o  “excepcionalismo”  se  concretiza  na  antecipação  globalizada  de  uma  ameaça  global,  e  é  na  linguagem  do  risco  que  se  instaura  uma   sociedade  de  risco  mundial,  aquela  que  acredita  na  necessidade da exceção, normalmente apresentada pelo   soberano.  Ou  seja,  “o  risco  tem  a  ‘força  destrutiva  da  guerra’”.  A  linguagem  de risco é  contagiosa  e  transforma  as  formas  de  desigualdade  social.  “Enquanto  a miséria social é  hierárquica  o  novo  risco  é  democrático,  também  afeta  aos  ricos  e  poderosos,  é  sentida  em  todas  as  áreas”  20  (BECK,  2008, p.25). O  risco é sentido por todos, funciona como a  ferramenta legitimadora para um projeto excepcional.  Na  complexidade  empírica  da  atividade  política  dos  Estados,  nota­se  que  momentos  de  "emergência",  ou  "exceção"  são  freqüentes,  o  que  permite  o  questionamento,  até  que  ponto   a  exceção  não  seria  a  regra?  Esta  questão  permite  ponderar  algumas  reflexões  importantes  sobre  se  a  “guerra  ao   terror”  é,  ou  não,  um  exemplo  hodierno  de  estado  de  exceção.  De  um  lado,  se  levarmos  em  consideração  o  fato  de  os  EUA  terem   desenvolvido  artifícios legais domésticos, como o ​ US Patriot Act  (2001)21​ ,  além  de  memorandos   que  buscavam  legitimar  a  “Guerra  ao  terror”22, 

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 Tradução Nossa    Ato  Patriota  dos  EUA  (Tradução  Nossa),  promulgado  pelo  senado  dos  EUA no  dia  26 de  outubro de  2001. Acesso 15/08/2015    22   Recomenda­se  a  visualização  dos  pareceres  e  memorandos  dos  juristas  e  políticos norte­americanos.  Acesso 15/08/2015   21

poderíamos  rechaçar  a  tese  da  “GGcT”  ser  uma  expressão  atual  do  estado  de  exceção.  Porém,  ou  outro  lado,  se  levarmos  em  consideração  as  práticas  e  ações  militares,  as  prisões  de  “suspeitos  de  terrorismo”,  o  número  alto  de  mortes  de  não­combatentes  e  o  distanciamento  da  justificativa  à  “GGcT”  em  comparação  com  os  limites  do  Direito  Internacional  Humanitário,  seria  possível  reconsiderar  a  “Guerra  ao  terror”  enquanto  expressão  no  século  XXI  do  estado  de  exceção.  Aprofundaremos  este  argumento  a  diante.  Desta  forma,  considerando  as  práticas militares norte­americanas no contexto de  “Guerra   ao  terror”,  temos  que  a  expressão  hodierna  mais  latente  acerca  do  estado  de  exceção   é  a  “GGcT”.  Nela  os  EUA  apelaram  para  um  projeto  que  visava  eliminar  a  ameaça  global  do  terrorismo,  ou  seja,  qualquer  grupo  que  praticasse  o  terror  estava  no  raio  de  visão  norte­americano  para  arcar  com  aquilo  que  propunha  extinção  desta  ameaça  a  integridade  não  apenas  dos  americanos,  do  mundo  todo.  A  expressão  legal  deste  projeto  norte  americano se faz real com o ​ US Patriot Act (2001), que determina as  condições  legais  acerca  do  combate  ao  terrorismo  enquanto  mecanismo  de  defesa  e  seurança  nacional.  Ainda,  vale  ressaltar  que  tal  “excepcionalismo”  não  se  restringe  aos  EUA,  no  Reino  Unido,  por  exemplo,  também  se  compactua  com  este  projeto  de  “GGcT”, legalizado por meio do ​ UK Anti­terrorism, Crime and Security Act ​ (2001)23 .  3. PROJETO EXCEPCIONAL: A “GUERRA GLOBAL CONTRA O TERROR”.  O  projeto  de  “Guerra  ao  Terror”  iniciado  pelos  EUA  fora   iniciado  ​ de  ​ facto  em  20  de  setembro  de  2001,  quando  G.   W.  Bush   declarou  em  seu  discurso  ao  Congresso  norte  americano   que  “a  Guerra  ao  Terror  inicia  com  a  [destruição  da]  Al­Qaeda,  mas  não  termina  aí,   ela  não  acabará  até  todos  os  grupos  terroristas  de  alcance  global  seja  encontrado,  impedido   e  derrotado”,  além de ressaltar que esta  guerra também tem como  inimigo  qualquer  Estado  que  apóia  grupos terroristas24. Posteriormente, alcançou outras  fronteiras  internacionais,  tornando­se  numa  “GGcT”,  tão  logo  se  elevou  como  uma 

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  Ato  Antiterrorismo,  crime  e  de  segurança do Reino Unido (Tradução Nossa), promulgado no dia 19  de  novembro de 2001. Acesso ao documento oficial: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2001/24/contents  24   Tradução  nossa.  Discurso  disponível  online.  Acesso  05/08/2015   

pauta  importante  da  Organização  das  Nações  Unidas  (ONU),  sobretudo  a  partir  de  2006, quando estabeleceu uma estratégia própria contra o terrorismo. 25  Antes  de  tudo,  há  de  se  ressalvar  que  as  nomenclaturas,  “Guerra   ao  Terror”,  ou  “GGcT”,  são   questionáveis  em  termos  conceituais.  O  terrorismo  é  uma  prática,  uma  ferramenta,  forma  de  fazer  uso  da  violência,   de  maneira  que  é  /  pode  ser  utilizado  por  Estados,  organizações,  pessoas,  exércitos  que  aplicam  esta  tática  no  intuito  de  enfraquecer  seu  inimigo  (WARDLAW,  1982).  Inclusive,  é  um  fenômeno  que  antecede  o  ocorrido  em  11/09  de  2001,  mas  que  ganhou  caráter  internacional  e  importância  nos  temas  de  segurança  internacional  com  tais  ataques  aos  EUA.  O  terrorismo  ao  qual  se  refere  à  “GGcT”  norte  americana,  consiste  numa  concepção  bem  “específica”  do  fenômeno,  buscam­se   eliminar  grupos  não­estatais “terroristas” e atingir Estados que os  apóiem,  como  já  caracterizado.  Diante  disso,  já  se  inicia  o  questionamento  acerca  do  alvo  norte americano, sobretudo de quem são os inimigos dos EUA, assim configurando  qual  o  alvo  real  da  “GGcT”.  A  terminologia  utilizada  generaliza  quem  é  o  inimigo,  o  que dificulta a identificação do mesmo, bem como a estratégia para combatê­lo.  Conforme  fora  apresentado  anteriormente,  a  “Guerra   ao  Terror”  tem  as  características  de  um  projeto  excepcional,  de  maneira  que  todos  os  autores  (pós­2001)  utilizados  aqui  como  base  teórica  para  discussão  do  conceito  de  Estado de Exceção, ou  os  questionamentos  do  “excepcionalismo”  na  segurança  internacional,  utilizam  do  exemplo  da  “Guerra  ao  Terror”  para  configurar,  ou demonstrar, uma expressão atual de  estado  de  exceção  (AGAMBEN,  2003;  NEOCLEOUS,  2007;  BECK,  2008;  MANN,  2003).  Neste contexto do primeiro governo G. W. Bush é viável ao menos caracterizar o  relacionamento  dos  EUA  com  a  grande  região  do  Oriente  Médio  em  três  vieses:  a)  Relação  EUA  e   Israel,  de  aliança  e  parceria,  sendo  o  país  mais  próximo  dos  EUA  na  Região;  b)  Relação  EUA   e  Iraque,  um  país  do  “eixo  do  mal”26 ,  sendo  inimigo  norte  americano  na  “GGcT”;  c)  Relação  EUA  e  Afeganistão,  que  desde  2001  mantinha  um  status​  de inimigo norte americano, fora o primeiro alvo da “GGcT”  (MANN, 2003).  

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  Para  mais  informações,  recomenda­se  acessar   o  documento:  UNITED  NATIONS,   Uniting  against  Terrorism:  recommendations  fora  a  global  counter­terrorism  strategy  2006.  Acesso  25/08/2015  <   http://www.un.org/en/terrorism/strategy­counter­terrorism.shtml>  26   “​ Axis  of  Evil​ ”,  forma  como  Bush  em  seu  governo  se referiu  ao Iraque,  Coreia  do  Norte  e  Irã.  Países  considerados como ​ rogue states​ , ou Estado pária. 

Os  elementos  da  “GGcT”  norte  americana  no  Oriente   médio,   sobretudo  Afeganistão  (2001)  e  Iraque  (2003),  que  evidenciam  seu  caráter  de  estado  de  exceção  que  serão  explorados  e  descritos  posteriormente  são:  a)  Tratamento  dos  Prisioneiros de  Guerra;  b)  Alto  índice  de  morte  de  não  combatentes;  c)  Falta  de  recursos  jurídicos  que  justifiquem  as  ações  intervencionistas  conforme  o  Direito  Internacional.  Antes,   vale  ressaltar  que  tais  elementos  estariam  afrontando  os  limites  estabelecidos  pelas  normas  do Direito Internacional Humanitário (DIH)27.  a. PRISIONEIROS DE “GUERRA”:  Agamben,  no  início  da  obra  “Estado  de  Exceção”,  para  figurar  o  significado  “biopolítico  do  estado  de  exceção  como  estrutura  original  em  que  o direito inclui em si  o  vivente  por  meio  de   sua  própria  suspensão”  (2003,  p.  14),  utiliza  como  exemplo  o  caso  norte­americano  da  “Guerra  ao  Terror”.  O  ‘​ military  ​ order’28  que  autorizava  a  detenção  indefinida,  e  os  processos  perante  as  comissões  militares,  dos  não  cidadãos  norte­americanos  suspeitos  de  envolvimento  em  atividades  terroristas.  Antes  mesmo,  o  US  Patriot  Act  permitia  ao  procurador­geral  manter preso qualquer estrangeiro suspeito  de atividades que colocassem a segurança nacional dos EUA em perigo.  O  exemplo  dado  por  Agamben  indica  o  “excepcionalismo”  sob  as  normas  de  Prisioneiro  de  Guerra,  determinadas  de  acordo  com  as  normas  da  Convenção  de  Genebra.  No  caso, os prisioneiros “suspeitos” de terrorismo não gozavam do estatuto de  Prisioner  ​ of  ​ War​ .29  Diversas  críticas  são  feitas  aos  EUA  sobre  a  forma  como  tratam os  prisioneiros  supostamente  terroristas,  não  apenas  pela  legalidade  do  ato  de  prisão,  portanto  se  a  prisão  destes  “terroristas”  foram  justas,  mas  também  acerca  da  forma  como  são  tratados  nas  prisões específicas a eles. Talvez o caso mais  emblemático seja o  da  Baía  de  Guantánamo,  originalmente  uma  base  naval  do  país,  onde  se  encontra  o  maior  complexo  penitenciário  destinado  aos  combatentes  internacionais  detidos   pelas  forças  militares  norte  americanas.  Lá,  desde  2002,  todos  os  combatentes  detidos  nas  ações  militares   de  “GGcT”  eram  presos,  mantidos  e  “entrevistados”  para  informações  militares.  Dentre   os  crimes  cometidos  no  complexo  de  Guantánamo,  estão:  ​ transporte  27

  É  recomendado  olhar  as  normas  do  DIH  disponíveis  no  site  da  Cruz  Vermelha.  Acesso  05/08/2015    28   Ordem  militar  (tradução  nossa),  promulgada  pelo  então presidente  dos  EUA, George  W.  Bush, no dia  13 de novembro de 2001.  29  Convenção de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra de 12 de Agosto de 1949. 

dos  detentos  em  jaulas,  abuso  sexual  cometido  por  médicos,  variados  tipos  de  torturas,  espancamentos brutais, desrespeito às práticas religiosas e detenção de crianças30 .   Não  apenas  em  Guantánamo,  mas  os  EUA  mantêm  sob  tutela  da  Agência  Central  de  Inteligência  (sigla em inglês, CIA), outras redes penitenciárias menores resto  do  mundo,  sobretudo  em  países cuja prática de tortura não é proibida, nas proximidades  das  regiões  conflitantes. Essas redes  são conhecidas como ​ Black ​ sites​ , a existência delas  eram  negadas   pelo  governo  norte  americano,  até  6  de  setembro  2006,  quando  Bush em  discurso  assume  discretamente  as  práticas  aos  detentos e que existem outros complexos  de  detenção.  Sob  a  égide  de  que  tais  informações  e  operações  não  poderiam  ser  reveladas,  pois  ofereceriam  aos inimigos, vantagens que seriam usadas contra os EUA e  seus  aliados  (aqueles  que  permitem  o  espaço  para  os  ​ Black  sites​ )  e  que  são  estes  programas que salvam milhares de pessoas inocentes.31   b. BAIXAS E FERIMENTOS AOS NÃO­COMBATENTES:  Outro  elemento  acerca  da  “excepcionalidade”  do  programa  de  “GGcT”,  está  no  “efeito  colateral”  dos  ataques  efetuados  por  ambos  os lados dos conflitos consequentes.  Um  número  alto  de  morte de não­combatentes apresenta um problema perante ao ​ Jus in  Bello32​ ,  estabelecido  pelas  normas  do  DIH.  Primeiramente,  deve­se  conceber  que  combatentes  são  soldados  que  uma  vez  iniciada  uma  guerra,  está  sujeito  a  ataques  conforme as convenções de guerra (menos se feridos, ou capturados) (WALZER, 1977),  porém  essa  concepção  já  se abrange atualmente a outros. Os não­combatentes são todos  aqueles  que  não  são   combatentes,  portanto  civis  e  soldados  impossibilitados  do  ato  de  combate (feridos, ou presos).   Nos  conflitos  gerados  pela  “GGcT”,  existe  um  problema  peculiar  sobre  as  normas  durante  a  guerra,  no  caso  tem­se  forças  tradicionais,  referindo­se  ao  exército  norte­americano,  e  forças  não  tradicionais,  referindo­se  aos  combatentes  irregulares,  aqueles  nominados  pelos  norte  americanos  de  “terroristas”  e  ainda  “soldados  30

  Recomenda­se  a  leitura  do  relatório  da  “Anistia  Internacional”:  GUANTÁNAMO:  A  DECADE  OF  DAMAGE  TO  HUMAN  RIGHTS,  que  relata  os  crimes  cometidos  no  campo  de   detenção.  Acesso  18/08/2015    31   Discurso  completo  de   G.   W.  Bush  disponível  online.  Acesso   em  07/08/2015     32   Justiça  na  Guerra  (Tradução  Nossa),  conforme  Walzer  (1977),  o  termo  se  refere  às  práticas  justas  durante  um  conflito  internacional,  sobre  o  cumprimento,  ou  a   violação,  das  normas  costumeiras  e   positivas de combate.  

particulares”,  que  são  funcionários  de  empresas  militares  privadas  (EMP’s)  de  segurança,  como   soldados   comuns,  mas  com  vínculo  empregatício  com  empresas  particulares  (SINGER,  2011).  Tais  adendos  configuram  uma  realidade  nova  aos  conflitos  provenientes  da  “GGcT”,  que  tornam insuficientes e confusas as definições  de  quem  são  os  combatentes,  consequentemente  também  às  delimitações  legais  tradicionais  sobre  imunidade  dos  não­combatentes.  A  tática  terrorista  enquanto  prática  política paramenta­se em ações pontuais e práticas de  combate não convencionais, o que  implica  em, por vezes, atingir seus alvos,  sejam combatentes ou civis, no intuito de criar  um  efeito  psicológico  (medo)  em  seu  inimigo  (MOGHADAM,  2006).  Em  grande  medida,  por  não  obterem  recursos  bélicos  de  alta  tecnologia,  recorrem  por  táticas  ofensivas  de  camuflagem  no  meio  de  civis,  uma  vez  que  o  ambiente  do  terrorismo  normalmente é urbano (MOGHADAM, 2006).    Consequentemente,  na  prática  contra­terrorista,  combater  este  tipo  de  inimigo  envolve  maior  dificuldade  em  identificar  seu  alvo,  do  que  em  um  conflito  interestatal  regular.  Além  disso,  a  imprudência  em  ataques  contra­terror  levam  a  atingir  não­combatentes,  de   modo  que  é  necessária  bastante  precisão  já  que  os  ambientes  de  conflito são urbanos.   Um  comandante  político,  ou  militar,  não  pode  ter  a  intenção  de  matar  não­combatentes  ao  lançar  um  ataque  militar,  nem  usar  a  morte  de  não  combatentes para  alcançar  objetivos  militares.  Há  uma  série  de situações, no   entanto,   na  qual  um  comandante  militar  pode  ter  como alvo  uma  instalação  utilizada  para  fins  militares,  sabendo  que  não­combatentes  também  são  susceptíveis  de  ser   mortos.  Isso  porque  a  unidade  está  localizada  dentro  de  uma área civil ou porque é uma instalação de dupla utilização. Nestes casos, a  doutrina  do  Duplo­Efeito  (Double­effect   doctrine)  entra  em   jogo.   Dê  um  duplo  efeito sustenta que  as  lesões  não­combatentes são justificáveis, mesmo  que  eles  estão  previstos,  desde  que  não  ­combatants  não  são  os  objetos  de  ataque.  O  problema  com  a  doutrina  do  duplo  efeito  é  que  nas  mãos  de  um  determinado  militar,  ou  líder  político,  qualquer  ato  ­  não  importa  quais  os  custos  para  os  não­combatentes  ­  poderia  ser  justificada  e  qualquer  dano  a  não­combatentes  dispensados  ​ como  dano  colateral  não  intencional   (BELLAMY, 2005)33. 

  O  princípio  do  ​ Double­Efect  é  uma  forma  de  se  justificar  ataques  que  eventualmente  podem  atingir  não­combatentes,  também  pode  ser  compreendido  como  efeito  colateral,  termo  utilizado  por  militares  para  explicar  ferimentos  ou  mortes  em  não­combatentes  e   danos  de  propriedades  (RHEM,  2003).  No  limite,  é  uma  forma  de 

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 Tradução nossa 

“excepcionalismo”  dentro  de  um  conflito,  no  caso  da  “GGcT”,  justificando  que  fortuitamente civis são atingidos nas ações militares contra o terror.  Enumera­se  que   em  pouco  mais  de  dez  anos  de  invasão  Anglo­americana  no  Iraque  ao  menos  117  mil  não­combatentes  foram  mortos,  conforme  trabalho  de  dados  elaborado pela organização ​ Iraq Body Count34​ .  c. INTERVENÇÕES “ILEGAIS” E INÚTEIS:  Em  uma  crítica  ferrenha  à  forma  como  os  EUA  encaminhava  a  “GGcT”,  Michael  Mann  (2003)  aponta  erros  na  estratégia  norte  americana  contra  o  terrorismo.  Primeiramente,  não  distinguiam  o  terrorismo  nacional,  do  terrorismo  internacional.  De   forma  que,  o  terrorista  nacional  associa­se  ao  papel  desempenhado  por  um  combatente  da  liberdade,  atua  de  fato  como  um  guerrilheiro35,  ocultos  e  protegidos  em meio ao seu  povo.  Já  os  terroristas  internacionais  seriam  aqueles  que  ultrapassam  essa  fronteira  e  atacam Estados estrangeiros identificados como aliados do seu inimigo. Essa indistinção  leva  a  outro  problema,  a  confusão,  ou  ofuscamento  da  linha  que  divide  terrorismo  e  resistência  nacional.  Ainda  salienta  para  outra  falha  da  “GGcT”  que  era  condenar  as  atrocidades  dos  grupos  terroristas,  mas  perdoar  atrocidades  de  terrorismo  de  Estado  de  alguns  de  seus  aliados  (como  o  caso  Israelense  na  “guerra”  à  Palestina).  Daqui  se  podem  considerar  as   concepções  do  DIH  acerca   das  intervenções  militares  e  sua  legalidade.  No  DIH,  determina­se  que  o  direito  dos  Estados  de  usar  a  força  deve  vir  no  âmbito da Carta das  Nações Unidas, especificamente no seu Capítulo VII ("Ação no que  diz  respeito  às  ameaças  à  paz,  ruptura  da  paz   e  atos  de  agressão")  e  capítulo  VIII  ("acordos  regionais").  É  importante  sobressaltar  que  quanto  às  intervenções,  o  DIH  procura  caracterizar  legalmente  aquelas  de  caráter  humanitário,  porém  sobre  intervenções  militares,  estabelece­se  que  tais  intervenções  por  parte  da  comunidade  internacional   em  resposta  a  graves,  e  de grande escala, violações do direito humanitário  internacional   ou   dos  direitos  humanos   são  aceitáveis,  dentro  dos  limites colocados pela  Carta da ONU e convenções internacionais de guerra (sobretudo, Haia e Genebra).    Mais  informações   disponíveis  no   endereço  eletrônico  da   organização  ​ Iraq  Body  Count  Acesso  08/08/2015   35   Guerrilheiro,  ou  Partisan,  conforme a compreensão schmittiana  deste combatente. Na obra: SCHMITT,  Carl.  ​ Teoría  Del  Guerrillero:  Observaciones  al  Concepto  de   lo  Político​ .  Traducción  Denes  Martos.  1963.  34

O  problema  das  intervenções  norte  ​ americanas  praticadas  em  nome  da  “GGcT”  está  na  sua  incoerência  enquanto  estratégia  militar.  No  país,  a  intervenção  no  Afeganistão  (2001)  teve  apoio  popular  e  governista,  pois  era  justificada  como  autodefesa,  ou  contra  ataque  militar  devido  os  eventos  do  11  de  setembro,  porém  o  mesmo  não  ocorreu  quanto  o  mesmo  no  Iraque  (2003),  sendo  bastante  controverso  na  esfera  político­burocrática36 .  A  justificativa  da  invasão  ao  Iraque era para impedir que o  país  ampliasse  seu  suposto  arsenal  de   armas  e  permitir  que  grupos  terroristas  as  utilizassem  contra  os  EUA,  tal  suposição  advinha  da  recusa  do  então  líder  Saddam  Hussein  as  inspeções  da  ONU  sobre   programas  armamentistas.  Além  disso,  outro  pretexto  para  a  invasão  era  poder  “libertar”  o  povo  iraquiano  da  liderança  de  Saddam  Hussein.  Como  guerra  preventiva,  a  guerra  ao  Iraque  tinha  como   cartada  a  suposição  errônea  de  que  o  país  portava  e  produzia  armas  de  destruição  em  massa,  pois  isso  não  fora  comprovado  (MEAD,  2004).  Uma intervenção já é em sim uma exceção a regra, só  sendo  legitimas  se  para  “auxiliar  movimentos  separatistas  (desde  que  eles  tenham   demonstrado seu caráter  representativo), para contrabalançar intervenções anteriores por  parte  de  outras  potências  e  para  salvar  povos  ameaçados  de  massacre”  (WALZER,  1977,  p.  184),  o  que  não  foi  o  caso  dos  EUA  na  “GGcT”,  mesmo  se  considerarmos  o  caráter   de  libertação  nacional  do  líder  Saddam,  já  que  aparentemente  não  tinha  um  grupo que requisitasse da ajuda norte­americana.  Ainda  sobre  o  “excepcionalismo”  das  ações  de  “GGcT”  norte   americanos,  uma  característica  fundamental  é  que  as  ações  político­militares  táticas,  são  praticadas  sob  um  véu  sigiloso  que  esconde  métodos  e  informações  acerca  do programa  militar contra  o  terror.  Além  do  mais,  é  importante  salientar  que  a  “GGcT”  é um programa que move  gastos  militares  faraônicos.  Daqui  se  levanta  informações sobre quanto se movimentou,  até  aqui,  todo  o  aparato  bélico­militar,  que  envolve  este  projeto  de  segurança  excepcional,  nesses  últimos  (quase)  15  anos.  Segundo  o  estudo  feito  pela  especialista 

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  Importante  lembrar  que  havia  um  conjunto de  críticos  tanto  na  aprovação  da  invasão  do Iraque, como  durante  a  ocupação  do  território  iraquiano,  por  parte  da  sociedade  civil  norte­americana  e  inglesa, como  de   setores   específicos  políticos.  Além  disso,  inicialmente  a  ONU,  por  meio  do  Conselho  de  Segurança   (CS),  não  aprovou  a  invasão  ao Iraque (março de 2003), apenas dois meses após houve aprovação do  CS,  mas  não será  desenvolvido  aqui as razões deste cenário. Recomenda­se a leitura do texto que explora esta   temática:  David  Scheffer,  “The   Security  Council  and  the  international  Law  on  Military  Occupations”  (2008),  contido  no  livro  The  United  Nations  Security  Council  and War:  The  Evolution  of Thought  and  Practice since 1945 Editado por: Vaughan Lowe; Adam Roberts; Jennifer Welsh; Dominik Zaum 

em  políticas  de  defesa  e  seus  custos,  Amy  Belasco  (2014),  aponta  que  somando  os  custos  diretos  da  guerra   ao  Iraque,  Afeganistão  e  outras  operações  globais  contra  o  terror,  desde  o  11/09/2001,  foram  de  1.6  trilhões  de  dólares.  Agora,  segundo  a  professora  da  Universidade  de  Boston,  Neta  C.  Crawford  (2014)  incluindo  os  custos  futuros,  sem  acrescentar  alguma  mudança futura que poderá ocorrer, prevê­se que serão  mais  2.15  trilhões  de  dólares   em  gastos  até  2054.  Além  disso,  Crawford  (2014)  afirma  que  as  guerras   no   Iraque  e  no  Afeganistão  e  outros  gastos  militares,  não  apenas   da  “GGcT”,  custaram  e  vai  custar  cerca  de  US  $  4,5  trilhões,  incluindo   os  cuidados  aos  veteranos  futuros  e  à  solicitação  do  Presidente para ano fiscal de 2015, novamente, sem  considerar  possiveis  mudanças  de  perspectivas nas estratéfias de defesa e segurança dos  EUA.37  CONSIDERAÇÕES FINAIS  Desta  forma,  propôs­se  aqui  analisar  os  aspectos  do  estado  de  exceção  relacionando  o  com  os  conceitos  de  soberania  (SCHMITT,  1922),  ordem  (BULL,  1977),  legalidade  (KELSEN,  1920),  tendo  em  foco  o  projeto  norte­americano  de  “Guerra   Global  contra  o  Terror”  como  expressão  hodierna  do  estado  de  exceção.  Deixando  de  lado  questões  de  interesse  (econômico,  comercial,  político)  e  morais  (de  certo  ou errado), em termos de eficácia do projeto da  “GGcT” é importante ressaltar que   desde  a  declaração  da  “Guerra  ao  Terror”,  36  organizações  terroristas  entraram  na lista  do  Departamento  de  Estado  dos   EUA  e  apenas  5  foram  desalistadas.  Se  o  projeto  excepcional  da   “GGcT”  visa  desmontar  tais  grupos,  em  termos  de  realizações  está  sendo ineficaz, já são quase 15 anos que este programa foi iniciado.  Ao  se  relembrar  da  passagem  dita  por  Walter  Benjamin,  o  alemão  afirma  a  permanência  do  estado  de  exceção  nazista,  que  por  meio  da  eugenia  nazista  aplicava  uma  política  social  racial  de  exclusão.  Porém,  o  caso  alemão  não  é  o  único  que  clama  pelo  estado  de  exceção.  Na  suas  devidas  proporções  de  impactos  e  sequelas,  assim  como  no  caso  do  nazismo  alemão,  o  estado  de  exceção  norte­americano  na  “Guerra  ao 

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  Para mais  informações acerca  dos  gastos  militares  dos EUA  na “GGcT”,  recomenda­se  ler  o relatório  de   Amy  Belasco,  “The  Cost  of  Iraq,  Afghanistan,  and  Other  Global  War  on  Terror  Operations  Since  9/11”,  de  2014.  E o  levantamento  da professora  Neta  Crawford  da  Universidade  de Boston, “U.S. Costs  of  Wars  Through  2014:  $4.4  Trillion   and  Counting  Summary  Of  Costs  for  the  U.S.  Wars   In  Iraq,  Afghanistan And Pakistan”, também de 2014. 

terror”  também  tem  em  si  uma  lógica  de  práticas  não convencionais  e efeitos colaterais  por  um  bem  maior.  Percebemos  que  a  função  do  soberano,  como  monopolizador  da  declaração  de  um  estado  de  exceção,  se  fez  conforme as acepções schmittianas. Porém,  há  ressalvas.  No  caso,  a  superação  do  paradigma  legal  e  consolidação  da  prática  do  executivo  norte  americano,  se  expressa  por  meio  da  forma  como  são  tratados  os  prisioneiros  suspeitos  de terrorismo, o alto índice de morte de não combatentes, e a falta  de  recursos  jurídicos,  com  relação  ao  DIH,  que  justifiquem  as  ações   intervencionistas,  sobretudo no Iraque (2003).  Se  por  um  lado,  os  EUA  se  armaram  com  aparatos  jurídicos  domésticos  que  tornariam  o  projeto   de  “Guerra  ao  terror” legal aos olhos nacionais, preocupando­se em  legitimar  perante  aos  olhos  internacionais.  As  práticas  e  ações  militares  provam  como  os  EUA  sobrepuseram  as  “medidas  necessárias”  em  detrimento  das  convenções  internacionais (mesmo não sendo signatários), ou seja, suspenderam­na.   Sobre  os  questionamentos  do  estado  de  exceção  em  Segurança  Internacional,  assume­se que a ordem ocidental vigente é a liberal­democracia, entretanto seus valores,  em  tese,  deveriam  afastar  qualquer  possibilidade  de  estado  de  exceção,  o  que  não  ocorre.  Se  esta  ordem  político­ideológica  dá  preferência   à  liberdade  enquanto  valor  fundamental,  mostra­se  que,  às  vezes  (em  situações  extremas  /  necessárias),  há  o  predomínio  da  segurança  (inter)nacional  enquanto  valor  primordial.  Ora,  Marx aludia à  concepção   de  que  a  segurança  seria  o  supremo  conceito  social  da  sociedade  civil  (burguesa),  pois  toda  sociedade  existe  para  garantir  a  conservação  da  sua  pessoa,  seus  direitos  e  propriedade.   Assim,  a   segurança  é  o  que  certifica  à  sociedade  civil  seu  egoísmo  (MARX,  1843).  Sendo  assim,  no  caso  da  “GGcT”  o  estado  de  exceção  se  mostra  mais  como  uma  ferramenta  de  poder  em  nome  da  segurança  dos  EUA,  não  obrigatoriamente  de  necessidade  para  manutenção  da  ordem  estatal,  conforme  conceituado no início do presente trabalho.    BIBLIOGRAFIA:  AGAMBEN,  Giorgio.  ​ Estado  de  Exceção​ .  Tradução  de  Iraci  D.  Poleti.  2ª Edição. São  Paulo. 2004. Original 2003. 

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