Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015 Simpósio de PósGraduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUCSP) “Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas” São Paulo, 09 a 12 de novembro de 2015 ISSN 19849265 As Bases do estado de exceção norteamericano na “Guerra Global contra o Terror” (“GGcT”): Questionamentos sobre as intervenções e práticas militares no Oriente Médio Rodrigo Augusto Duarte Amaral1 RESUMO: Baseado na compreensão conceitual do Estado de Exceção, sobretudo na abordagem feita pelo italiano Giorgio Agamben, este trabalho busca aplicar esta ideia de exceção ao contexto de “Guerra Global contra o Terrorismo” (“GGcT”), tendo como narrativa as ações de política externa de segurança dos Estados Unidos da América (EUA) no Oriente Médio. Para desenvolver a análise deste objeto: as práticas norte americanas na “GGcT”, primeiramente será estabelecida uma definição do conceito de estado de exceção, tendo como pilar a percepção agambeniana (2003), derivada da acepção schmittiana (1922). Posteriormente, buscarseá focar a análise do estado de exceção na esfera de segurança internacional, cuja perspectiva adotada será mais teórica, preocupandose com questões como: a ameaça, o inimigo, o risco, a legalidade, e outras variáveis que imbricam numa concepção crítica acerca do estado de exceção. Esta problematização prévia servirá fundamentalmente para analisar a conjuntura das políticas intervencionistas norteamericanas a partir da “GGcT”, referidas ao Oriente Médio. Tendo em vista três elementos que demonstram estado de exceção no projeto de “GGcT”, analisadas por meio dos seguintes tópicos: a) Tratamento dos Prisioneiros de Guerra; b) Alto índice de morte de não combatentes; c) Falta de recursos jurídicos que justifiquem as ações intervencionistas. Ainda, há de se mencionar que esta pesquisa buscará limitar a abordagem das ações militares de “GGcT” no Oriente Médio tendo como recorte temporal o período logo após a declaração da Guerra ao Terror (18 de setembro de 2001) às primeiras ações políticas dos EUA na região, embasandose no
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Mestrando do Programa de Pósgraduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, Unicamp, PUCSP). Graduado em Relações Internacionais pela PUCSP. Especialista em Estudos de Conflitos Internacionais, Estudos de Segurança e Paz. Pesquisador Bolsista: CAPES (Endereço eletrônico para contato:
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questionamento sobre a justificativa norteamericana para as suas intervenções na região, em nome da segurança. PALAVRASCHAVE: Estado de Exceção; “Guerra Global contra o Terror”; EUA; Segurança INTRODUÇÃO: Em 1997, o Project for the New American century (PNAC)2 preocupavase com o declínio na força das defesas da América, e nos problemas que isso criaria para o exercício da liderança americana em todo o mundo e, em última instância, para a preservação da paz. Quando foi eleito no pleito para a presidência em 2000, George W. Bush fez “campanha para a Casa Branca defendendo um papel menos preceptorial3 ” (ANDERSON, 2015, p. 110), assim havia uma expectativa de um perfil de política externa de segurança e defesa nacional mais seletiva e menos agressiva. Entretanto, após os ataques aos EUA, em seu próprio território, em setembro de 2001, fomentouse um processo de desgaste da liderança norteamericana. De modo que em meio a um vazio de respostas no tocante da segurança nacional dos EUA, já que durante a Guerra Fria o mecanismo clássico utilizado foi o de dissuasão, neste novo momento esta estratégia não cabia para conter este novo inimigo, assim a saída para os EUA seria passar por um plano de contenção, não apenas do terror, mas também da deterioração do seu poder nãocoercitivo (MEAD, 2004). Neste trabalho os méritos e/ou os deméritos do governo Bush não serão analisados, senão avaliar alguns problemas do projeto de política externa em segurança e defesa, dos EUA governado por G. W. Bush desde a declaração da “GGcT”. Desde Pearl Harbor, era a primeira vez que o território norteamericano havia sido violado de forma agressiva (ANDERSON, 2015). Diante deste contexto, o governo armou um enorme aparato jurídicoburocrático para dar legitimidade a este projeto de “GGcT”, para tanto apelou para recursos cuja base de sua aprovação, tanto legal quanto popular contava com uma narrativa de que viviase então um momento de desvio dos 2
Inicialmente pensado em 1992, pelo Pentágono (Departamento de Defesa norteamericano), o PNAC foi estabelecido na primavera de 1997. Descrição do PNAC no documento “ Rebuilding America’s Defenses Strategy, Forces and Resources: For a New Century A Report of The Project for the New American Century September 2000” . Acesso 15/12/2015 3 Nota de esclarecimento. Aqui o termo utilizado per Perry Anderson se refere a um papel da Casa Branca de menor atuação militar.
padrões convencionais da história norteamericana, o qual exigia medidas excepcionais para conter uma ameaça eminente caracterizada na figura dos grupos terroristas internacionais. Figuradas não apenas pela AlQaeda (1999), grupo mais conhecido devido aos ataques aos EUA em setembro de 2001, mas outros grupos como ETA (1997), Hamas (1997), Hesbollah (1997), FARC – Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (1997), Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) (1997) 4, entre outros5 (Todos estes grupos referenciados aqui já eram considerados terroristas quando ocorreu o incidente de 11 de setembro, antes da declaração da “Guerra ao Terror”), de maneira que o inimigo comum estabelecido para ser combatido era o terrorismo, enquanto instituição reconhecida. A ideia se baseia, portanto, na erradicação do terrorismo enquanto uma prática internacional, para tanto a necessidade de se eliminar os grupos que praticam tal forma de combate. O principal argumento para a “GGcT” era a necessidade de uma guerra de autodefesa, combate a um inimigo que ameaça a segurança nacional do civis norteamericanos e seu território. O primeiro problema deste projeto de “Guerra ao Terror” está no fato de o inimigo ser difuso; existe dificuldade em reconhecer membros desses grupos e assim, desarticulálos. Devido a este problema, uma conseqüência que seria concretizada era um crescimento nos “efeitos colaterais”6 das guerras contra o terror (principalmente, pensando nas guerras do Afeganistão [2001] e Iraque [2003]). Apesar dessas dificuldades, o projeto recebeu apoio político e popular o que fomentou a possibilidade de ampliar as escalas das políticas de defesa nacional dos EUA por meio de intervenções militares que serão descritas adiante. Lembramos que a proposta aqui não é fazer julgamentos acerca das condutas norteamericanas na “guerra ao terror”, mas apresentar quais os recursos utilizados para o levantamento deste projeto. O ferramental teórico utilizado neste trabalho para explicar como o projeto de “GGcT” ganha legitimidade é a Teoria do Estado de
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As datas entre parênteses assinaladas ao lado de cada organização indicam o ano em que entrou na lista norte americana de Organizações Terroristas Estrangeiras. 5 Recomendase checar a lista elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA, conforme seus critérios, das Organizações Terroristas Estrangeiras (Foreign Terrorist Organizations – FTO’s). Acesso: 28/07/2015 6 Referese aqui, sobretudo, a morte e ferimentos à civis e prisões preventivas, que serão temas explorados mais afundo a frente neste trabalho.
Exceção, portanto se faz importante compreender o que significa um estado de exceção7 , e como ele se expressa na realidade. 1. O ESTADO DE EXCEÇÃO O conceito de Ordem na vida social implica numa estrutura de conduta que leve a um resultado particular o qual promove determinadas metas e valores, podendo variar de comunidade a comunidade. Ela “é um padrão de atividade humana que sustenta seus objetivos elementares, primários, ou universais” (BULL, 1977, p. 9), com três objetivos fundamentais, que são expectativas 1) de segurança contra violência 2) de cumprimento dos acordos (das leis, normas, etc.) 3) de estabilidade na posse de propriedade8. Para um Estado, ordem está vinculada a capacidade de seus governantes conseguirem estabelecer o controle de seu território e população de forma organizada, de preferência sem conflitos internos, tendo o aceite de sua população. Porém, quando não se é possível manter a ordem conforme os padrões pacíficotradicionais, recorrese a máxima do monopólio do uso da violência pelo Estado, sendo ele o ente legítimo que utiliza da sua força para reordenar seu espaço. Ampliando para o sistema internacional de Estados, a ordem internacional está ligada “a um padrão de atividades que sustenta os objetivos elementares ou primários da sociedade de estados, ou sociedade internacional” (BULL, 1977, p. 13). Às vezes, para se manter a ordem, ou seja, em nome da ordem, Estados recorrem a alternativas não costumeiras, não constitucionais, ilegais no sentido usual. Nessas situações aplicase a ideia de estado de exceção, quando se utilizam de meios excepcionais em determinados contextos em prol de determinado fim, que exige tais medidas, portanto quase num contexto de necessidade. Vêse já que a esfera legal é de suma relevância para uma análise sobre o estado de exceção, de forma que existe uma relação próxima entre o ordenamento jurídico e o estado de exceção, sobretudo quanto à suspensão da ordem jurídica (AGAMBEN, 2003). Sobre a esfera jurídica, Hans Kelsen (1920) preparou as
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Neste trabalho, será referido a Estado de Exceção (com letras maiúsculas), quando se referir ao conceito e seu significado enquanto expressão; e estado de exceção (em letras minúsculas), quando se referir ao fato na realidade, ou seja, enquanto fenômeno. 8 Estes objetivos foram traçados como base fundamenta, por Bull, para o desenvolvimento do seu estudo da ordem na política mundial.
bases para o que ele mais tarde chamaria de uma "teoria pura do direito”9, uma teoria do direito a partir da qual todos os elementos subjetivos seriam eliminados, portanto uma concepção da autonomia do direito. Portanto, Kelsen (1920) procurava a teoria do direito que seria universalmente válida para todos os tempos e todas as situações (STRONG, 2006). O Estado de Exceção é o conceito que clarifica a abrangência do poder do soberano, sendo ele quem decide sobre os casos excepcionais e sobre sua necessidade (SCHMITT, 1922). Existe um problema quanto à terminologia da palavra que advém do alemão: Ausnahmezustand . Além da concepção de “estado de exceção”, algumas traduções identificam tal terminologia como “estado de emergência” que se aproxima mais de uma conotação legal (STRONG, 2006). Justamente o aspecto das leis (ordem legal) é de suma relevância para a compreensão do estado de exceção enquanto paradigma de governo. Para Schmitt (1922), os esforços constitucionais liberais devem estar submetidos à autoridade soberana, de maneira que transcende a ordem jurídica válida normalmente, assim, o soberano é aquele que tem para si decidir sobre o estado de exceção. No caminho contrário de Kelsen (1920), Schmitt afirmava que toda lei é uma lei situacional, de modo que o soberano garante e produz a situação em sua totalidade, tendo o monopólio da decisão final (SCHMITT, 1922). A ideia schmittiana de Estado de Exceção se limita a qualquer tipo de perturbação econômica ou política grave que exige a aplicação de medidas extraordinárias. Considerando que uma exceção pressupõe uma ordem constitucional que fornece orientações sobre como enfrentar crises, a fim de restabelecer a ordem e a estabilidade, o estado de emergência não precisa ter uma ordem existente como um ponto de referência porque: necessitas non habet legem10 (SCHWAB, 1970). Como um teórico estatista beligerante alemão11 , defende que a exceção deve ser compreendida como um conceito geral da teoria do estado, não meramente a um constructo de decreto de emergência, ou estado de sítio. Ainda, sobre o aspecto legal, afirma que a exceção, a qual não está codificada na ordem jurídica existente, pode no máximo ser caracterizada 9
Referese aqui a obra: Hans Kelsen The Problem of Sovereignty e the Theory of International Law (Tübingen: Mohr, 1920) 10 Expressão em Latim que designa: A necessidade não tem lei . Este é um aforismo agostiniano (Sto. Agostinho) que indica a cessação da lei perante a necessidade. 11 Classificação teórica de Schmitt segundo Sinisa Malesevic, em The Sociology of war and Violence (2011)
como um caso de extremo perigo para a existência do Estado. Porém, não pode ser feita para estar em conformidade com uma lei préformada. (SCHMITT, 1922). O soberano é aquele que decide quando se trata de uma situação emergencial e qual a melhor forma de se resolver esta situação, sendo ele o mesmo que decide se há a necessidade de suspensão da constituição vigente. Schmitt (1922), versa sobre a ordem legal embasado em dois elementos jurídicos fundamentais: a norma e a decisão, elevando a importância da decisão, que é feita pelo soberano. Precisamente uma filosofia de vida concreta (Realismo) não deve retirarse a relação entre exceção e o caso extremo, mas deve se interessar por ele ao mais alto grau de exceção. A exceção pode ser mais importante para ele (Realismo) do que a regra, não por causa de uma ironia romântica para o paradoxo , mas porque a gravidade de uma visão vai além das generalizações claras inferidas a partir do que normalmente se repete. A exceção é mais interessante do que a regra. A regra não prova nada; a exceção confirma tudo: Ele não só confirma a regra, mas também a sua existência, que deriva apenas da exceção. Na exceção, o poder de vida real rompe a crosta de um mecanismo que tornouse entorpecido pela repetição. 12 (SCHMITT, 1922, p. 15)
Podese substituir “uma filosofia de vida concreta”, pela ideia de realismo. Para o realismo, enquanto filosofia de vida concreta, a exceção é mais importante do que as regras, pois ela é quem clarifica a visão da realidade, para além das situações normais; A realidade se torna embassada devido a repetição, de forma que com a exceção temse melhor a noção do que compõe a realidade. Portanto para Schmitt, a exceção não apenas é uma ferramenta do soberano, como tem uma substancialidade, uma fundamentabilidade, para composição do que é o real. Walter Benjamin contribui para o debate crítico acerca do Estado de Exceção em seu último escrito, “Sobre o conceito da história” (1940), da seguinte maneira: A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica. O assombro com o fato de que os episódios que vivemos no séculos XX “ainda” sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história da qual emana semelhante assombro é insustentável. (BENJAMIN, 1942, 8ª tese)
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Tradução nossa
Nessa alusão ao conceito de Estado de Exceção, se faz fundamental elucidar o contexto de Walter Benjamin. O filósofo alemão estava em plena Segunda Guerra Mundial, portanto referiase ao estado de exceção nazista e ele mesmo seria parte deste grupo oprimido por este “excepcionalismo”13, uma vez que era judeu e se suicidou pouco depois destes escritos referenciados, em uma excursão enquanto fugia das tropas nazistas para a França.14 Benjamin aponta que em nome do progresso, o fascismo alemão utiliza do estado de exceção “permanente” eliminando aqueles que não correspondem ao padrão estabelecido pela eugenia nazista, no intuito de estabelecer uma “raça pura”. Além disso, enuncia espantado como é possível que “em pleno século XX” exista de um sistema como o alemãonazista. Numa análise mais abrangente, temse um Estado que clama pelo estado de exceção por meio de uma política social racial de exclusão, senão eliminação, daqueles (judeus, homossexuais, degenerados, deficientes, vadios, insanos) que não são da raça “superior” (ariana). O recorte agambeniano (2003) é construído conforme as acepções de Carl Schmitt, que já fora descrito anteriormente. Agamben salienta a falta de uma teoria do Estado de Exceção no direito público, sendo um genuíno de um problema jurídico. A discussão proposta pelo italiano leva em consideração que existe uma negação desta teoria que ele propõe, embasada naquela ideia de que “a necessidade não tem lei” (em que se baseia Schmitt), porém o locus de desequilíbrio do estado de exceção está entre o direito público e o fato político. O estado de exceção assim seria a suspensão da própria ordem jurídica não é um direito especial, como no caso do direito da guerra existindo, portanto devido algum momento de crise (política) que muitas vezes reflete a situações de conflito, confronto, violência (como será visto no caso da “GGcT” e como foi visto no caso da Alemanha nazista). Enquanto objeto de estudo, ele implica numa tomada de posição quanto à natureza de determinado fenômeno, seja política, ou jurídica, sobre qual a lógica mais adequada para compreendêlo (AGAMBEN, 2003). Enquanto um paradigma de governo, o estado de exceção apresenta outro dilema fundamental, sua indeterminação entre democracia e absolutismo. O registro de 13
Cabe ressaltar que nesta pesquisa, a palavra excepcionalismo será referenciada como sinônimo de estado de exceção. Ela não faz referência à excepcionalidade de alguém; frequentemente o termo excepcionalismo referese ao excepcionalismo americano, na crença em que os EUA é qualitativamente diferente de outras nações. 14 Informações retiradas de sua biografia, disponíveis online. Acesso 29/07/2015:
transformação dos regimes democráticos devido à expansão progressiva dos poderes executivos durante as guerras mundiais evidenciam as primeiras expressões do estado de exceção. É nisso que se baseia a crítica de Benjamin (1942) de que o “estado de exceção tornouse a regra” (p.227), no momento em que fervilhava a segunda guerra mundial. “Ele (estado de exceção) não só se apresenta muito mais como uma técnica de governo do que como uma medida excepcional, mas também deixa aparecer sua natureza de paradigma constitutivo da ordem jurídica” (AGAMBEN, 2003, p. 18). Uma vez que leis que deveriam ser promulgadas diante das situações excepcionais de necessidade e emergência, “contradizem a hierarquia entre lei e regulamento, que é a base das constituições democráticas” (AGAMBEN, 2003, p.19), delegam ao poder executivo um poder que deveria ser responsabilidade do legislativo. O que no limite é um questionamento ao papel do soberano (executivo). Portanto, averiguase uma conjuntura de maior autonomia ao governo, devido à abolição provisória daquilo que seria a distinção entre executivo, legislativo e judiciário, sendo tendência a transformação deste paradigma momentâneo em prática duradoura de governo.15 Enquanto estado de necessidade, o estado de exceção se expressa incluído a ordem jurídica como “‘estado’ da lei. O princípio de que a necessidade define uma situação particular em que a lei perde sua vis obligandi16 , transformase naquele princípio em que a necessidade constitui o fundamento último e a própria fonte da lei” (AGANBEN, 2003, p. 43). É na necessidade que se vê o fundamento dos decretos com força de lei, emanados pelo executivo, suprimindo a lei original consolidando num estado de exceção. Ele, enquanto figura da necessidade, é uma medida ilegal, mas perfeitamente jurídica e constitucional, que se faz concreta a partir da promulgação de novas normas exigidas pelo executivo. Porém, sabese que a necessidade é um conceito subjetivo, que se refere coligadamente ao objetivo procurado, de forma que necessidade e exceção são declaradas tais apenas em determinadas circunstâncias. Agamben dita que Schmitt via o estado de exceção expresso no momento em que Estado e direito mostram sua diferença, quer dizer “a existência do Estado é a prova
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Da página 2038, Agamben (2003), exemplifica como o estado de exceção se desenvolveu em diversos contextos (França, Alemanha, Suiça, Inglaterra, EUA). Recomendase ler o trecho para aprofundar as expressões do excepcionalismo como paradigma na política desses governos. 16 Obrigatoriedade – Força de lei (Tradução nossa).
indubitável de sua superioridade em relação à validade da norma jurídica”17 (SCHMITT, 1922, p.12). Isso é o que caracteriza ao estado de exceção existir enquanto figura da ditadura soberana. O contexto no qual estes pensadores aludiram ao conceito de Estado de Exceção é fundamental para se conceber a forma como entendem seu significado político. Outra variável essencial é a forma como compreendem sua visão do papel do Estado e de como se constitui o ambiente do internacional. O paradigma políticoideológico liberal democrata é o predominante na ordem ocidental hodierna, desta forma se faz necessário aplicar o fenômeno do estado de exceção inserido neste contexto. 2. QUESTIONAMENTOS DO ESTADO DE EXCEÇÃO NA SEGURANÇA INTERNACIONAL: QUANDO A EXCEÇÃO SE TORNA REGRA. O argumento político do soberano que recorre ao estado de exceção como necessidade, advoga pela emergência de alguma situação que põe em risco a ordem vigente, portanto diante de uma ameaça. Tal conjuntura normalmente se refere a uma subárea específica das relações internacionais, a saber: a segurança. Quer dizer, diante de uma situação fora do padrão que põe em perigo a ordem de um Estado soberano (conforme o entendimento schmittiano), seu governo recorre ao estado de exceção, que substitui, ou melhor, suspende a ordem judiciária vigente em nome da segurança e integridade do Estado e sua população. Há de se ressalvar que tal Estado deve ter a capacidade de poder recorrer ao estado de exceção, referindose ao seu grau de poder soberano. O estado de exceção se transformou numa ferramenta bastante utilizada desde as grandes guerras (primeira e segunda Guerra Mundial) (AGAMBEN, 2003), mas no cerne da ordem internacional vigente posterior a Guerra Fria, o estado de exceção pode ser visto sob um olhar peculiar. Sob o aspecto políticoideológico, considerase usualmente a “vitória” liberal/capitalista sobre o comunismo (talvez a maior vertente em oposição a esta ordem) o que acarretou a um sentimento eufórico do “Ocidente” que consistia na “fé teológica numa economia em que os recursos eram alocados inteiramente pelo mercado sem qualquer restrição, em condições de competição ilimitada, [...] produzir o máximo de bens e serviços, [...] de felicidade, único tipo de 17
Tradução nossa
sociedade que mereceria o nome de ‘liberdade’” (HOBSBAWM, 1994). Assim se caracterizava os primeiros momentos após a “consolidação” do capitalismo liberal no início da década de 1990, nessa esperança de que o livremercado, a livreiniciativa, a “mão invisível” (do mercado) pudesse significar no “fim da história” (FUKUYAMA, 1992) de fato. Neste contexto em diante, talvez a característica mais forte do liberalismo enquanto ordem preponderante do sistema internacional “ocidental” é a liberdade enquanto um valor universal. Entretanto, parece que este valorchave é constantemente colocado submisso a outro valor: a segurança (NEOCLEOUS, 2007), como será visto adiante. Tendo como base a sugestão de que as tentativas de desenvolver políticas “radicais” de segurança são exageradas, assumese então que a solução é debater criticamente o conceito de segurança (NEOCLEOUS, 2007), entendendo seus limites. Mesmo Hobsbawm (1994) criticava a impossibilidade de uma sociedade de puro laissezfaire ,18 os próprios países que já tinham essa perspectiva como ideologia políticoeconômica são incapazes de seguir rigidamente um sistema liberal, quanto menos os países de raízes socialistas, que passaram por um processo de reestruturação política e econômica. A primeira ideia a qual Mark Neocleous (2007) se refere como mito do liberalismo é de que sociedades democráticas buscam um equilíbrio entre liberdade e segurança, sendo que às vezes o Estado democrático é forçado a limitar as liberdades civis. Esse balanço seria um dispositivo retórico, o qual se deve olhar cautelosamente. Neocleous (2007) interpreta nas bases teóricas de John Locke19, o argumento acerca da defesa de um espaço para o exercício de uma ação rápida e flexível fora dos limites legais colocadas no Estado, sendo que por mais que o pacto social (materializado na constituição nacional de cada Estado) restrinja ou obrigue, comande ou proíba ações específicas, há uma necessidade superior de que o Estado haja fora destes limites em prol do bemestar das pessoas. Assim, Neocleous (2007) indica que existem demasiadas ocasiões em que o executivo não procede adequadamente conforme o legislativo, sob a égide de que seu procedimento é lento ou pela sua insuficiência em determinadas questões. Isso implica na elevação de um conceito aplicado não pelo liberalismo, cuja lógica reside na “ Raison d’Etat ” que permite ao Estado agir como 18
Expressão símbolo da economia liberal, que implica nessa forma de livre mercado, sem interferência estatal, somente regulamentos pontuais para garantir o direito de propriedade. 19 Neocleous se refere à obra lockeana: Two Treatises of Government (1690).
deve para se manter, o que curiosamente é antitético as bases epistemológicas liberais, aproximandose das noções de base realista, se forem consideradas enquanto teorias das Relações Internacionais. Tal afirmação se assenta nos fundamentos de cada uma destas correntes teóricas, já que o liberalismo, conforme já dito aqui, consagra a liberdade, no estado de direito (KELSEN, 1920), na democracia, no livremercado, enquanto o realismo se fundamenta na Raison d’etat , na necessidade do Estado, no Estado enquanto ator principal, a função do poder para garantir a sobrevivência do Estado, e a anarquia internacional (NOGUEIRA; MESSARI, 2005). O risco, a ameaça, a insegurança, são razões pelas quais uma apelação excepcional se faz vigorada, mas também são condições básicas para a existência humana (BECK, 2008). Afinal, num contexto cuja manutenção da segurança denotase ameaçada o Estado recorre ao que lhe for preciso, inclusive teria legitimidade para agir mesmo que fora das regras tradicionais para conter ou eliminar tal ameaça. Para Ulrich Beck (2008), o “excepcionalismo” se concretiza na antecipação globalizada de uma ameaça global, e é na linguagem do risco que se instaura uma sociedade de risco mundial, aquela que acredita na necessidade da exceção, normalmente apresentada pelo soberano. Ou seja, “o risco tem a ‘força destrutiva da guerra’”. A linguagem de risco é contagiosa e transforma as formas de desigualdade social. “Enquanto a miséria social é hierárquica o novo risco é democrático, também afeta aos ricos e poderosos, é sentida em todas as áreas” 20 (BECK, 2008, p.25). O risco é sentido por todos, funciona como a ferramenta legitimadora para um projeto excepcional. Na complexidade empírica da atividade política dos Estados, notase que momentos de "emergência", ou "exceção" são freqüentes, o que permite o questionamento, até que ponto a exceção não seria a regra? Esta questão permite ponderar algumas reflexões importantes sobre se a “guerra ao terror” é, ou não, um exemplo hodierno de estado de exceção. De um lado, se levarmos em consideração o fato de os EUA terem desenvolvido artifícios legais domésticos, como o US Patriot Act (2001)21 , além de memorandos que buscavam legitimar a “Guerra ao terror”22,
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Tradução Nossa Ato Patriota dos EUA (Tradução Nossa), promulgado pelo senado dos EUA no dia 26 de outubro de 2001. Acesso 15/08/2015 22 Recomendase a visualização dos pareceres e memorandos dos juristas e políticos norteamericanos. Acesso 15/08/2015 21
poderíamos rechaçar a tese da “GGcT” ser uma expressão atual do estado de exceção. Porém, ou outro lado, se levarmos em consideração as práticas e ações militares, as prisões de “suspeitos de terrorismo”, o número alto de mortes de nãocombatentes e o distanciamento da justificativa à “GGcT” em comparação com os limites do Direito Internacional Humanitário, seria possível reconsiderar a “Guerra ao terror” enquanto expressão no século XXI do estado de exceção. Aprofundaremos este argumento a diante. Desta forma, considerando as práticas militares norteamericanas no contexto de “Guerra ao terror”, temos que a expressão hodierna mais latente acerca do estado de exceção é a “GGcT”. Nela os EUA apelaram para um projeto que visava eliminar a ameaça global do terrorismo, ou seja, qualquer grupo que praticasse o terror estava no raio de visão norteamericano para arcar com aquilo que propunha extinção desta ameaça a integridade não apenas dos americanos, do mundo todo. A expressão legal deste projeto norte americano se faz real com o US Patriot Act (2001), que determina as condições legais acerca do combate ao terrorismo enquanto mecanismo de defesa e seurança nacional. Ainda, vale ressaltar que tal “excepcionalismo” não se restringe aos EUA, no Reino Unido, por exemplo, também se compactua com este projeto de “GGcT”, legalizado por meio do UK Antiterrorism, Crime and Security Act (2001)23 . 3. PROJETO EXCEPCIONAL: A “GUERRA GLOBAL CONTRA O TERROR”. O projeto de “Guerra ao Terror” iniciado pelos EUA fora iniciado de facto em 20 de setembro de 2001, quando G. W. Bush declarou em seu discurso ao Congresso norte americano que “a Guerra ao Terror inicia com a [destruição da] AlQaeda, mas não termina aí, ela não acabará até todos os grupos terroristas de alcance global seja encontrado, impedido e derrotado”, além de ressaltar que esta guerra também tem como inimigo qualquer Estado que apóia grupos terroristas24. Posteriormente, alcançou outras fronteiras internacionais, tornandose numa “GGcT”, tão logo se elevou como uma
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Ato Antiterrorismo, crime e de segurança do Reino Unido (Tradução Nossa), promulgado no dia 19 de novembro de 2001. Acesso ao documento oficial: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2001/24/contents 24 Tradução nossa. Discurso disponível online. Acesso 05/08/2015
pauta importante da Organização das Nações Unidas (ONU), sobretudo a partir de 2006, quando estabeleceu uma estratégia própria contra o terrorismo. 25 Antes de tudo, há de se ressalvar que as nomenclaturas, “Guerra ao Terror”, ou “GGcT”, são questionáveis em termos conceituais. O terrorismo é uma prática, uma ferramenta, forma de fazer uso da violência, de maneira que é / pode ser utilizado por Estados, organizações, pessoas, exércitos que aplicam esta tática no intuito de enfraquecer seu inimigo (WARDLAW, 1982). Inclusive, é um fenômeno que antecede o ocorrido em 11/09 de 2001, mas que ganhou caráter internacional e importância nos temas de segurança internacional com tais ataques aos EUA. O terrorismo ao qual se refere à “GGcT” norte americana, consiste numa concepção bem “específica” do fenômeno, buscamse eliminar grupos nãoestatais “terroristas” e atingir Estados que os apóiem, como já caracterizado. Diante disso, já se inicia o questionamento acerca do alvo norte americano, sobretudo de quem são os inimigos dos EUA, assim configurando qual o alvo real da “GGcT”. A terminologia utilizada generaliza quem é o inimigo, o que dificulta a identificação do mesmo, bem como a estratégia para combatêlo. Conforme fora apresentado anteriormente, a “Guerra ao Terror” tem as características de um projeto excepcional, de maneira que todos os autores (pós2001) utilizados aqui como base teórica para discussão do conceito de Estado de Exceção, ou os questionamentos do “excepcionalismo” na segurança internacional, utilizam do exemplo da “Guerra ao Terror” para configurar, ou demonstrar, uma expressão atual de estado de exceção (AGAMBEN, 2003; NEOCLEOUS, 2007; BECK, 2008; MANN, 2003). Neste contexto do primeiro governo G. W. Bush é viável ao menos caracterizar o relacionamento dos EUA com a grande região do Oriente Médio em três vieses: a) Relação EUA e Israel, de aliança e parceria, sendo o país mais próximo dos EUA na Região; b) Relação EUA e Iraque, um país do “eixo do mal”26 , sendo inimigo norte americano na “GGcT”; c) Relação EUA e Afeganistão, que desde 2001 mantinha um status de inimigo norte americano, fora o primeiro alvo da “GGcT” (MANN, 2003).
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Para mais informações, recomendase acessar o documento: UNITED NATIONS, Uniting against Terrorism: recommendations fora a global counterterrorism strategy 2006. Acesso 25/08/2015 < http://www.un.org/en/terrorism/strategycounterterrorism.shtml> 26 “ Axis of Evil ”, forma como Bush em seu governo se referiu ao Iraque, Coreia do Norte e Irã. Países considerados como rogue states , ou Estado pária.
Os elementos da “GGcT” norte americana no Oriente médio, sobretudo Afeganistão (2001) e Iraque (2003), que evidenciam seu caráter de estado de exceção que serão explorados e descritos posteriormente são: a) Tratamento dos Prisioneiros de Guerra; b) Alto índice de morte de não combatentes; c) Falta de recursos jurídicos que justifiquem as ações intervencionistas conforme o Direito Internacional. Antes, vale ressaltar que tais elementos estariam afrontando os limites estabelecidos pelas normas do Direito Internacional Humanitário (DIH)27. a. PRISIONEIROS DE “GUERRA”: Agamben, no início da obra “Estado de Exceção”, para figurar o significado “biopolítico do estado de exceção como estrutura original em que o direito inclui em si o vivente por meio de sua própria suspensão” (2003, p. 14), utiliza como exemplo o caso norteamericano da “Guerra ao Terror”. O ‘ military order’28 que autorizava a detenção indefinida, e os processos perante as comissões militares, dos não cidadãos norteamericanos suspeitos de envolvimento em atividades terroristas. Antes mesmo, o US Patriot Act permitia ao procuradorgeral manter preso qualquer estrangeiro suspeito de atividades que colocassem a segurança nacional dos EUA em perigo. O exemplo dado por Agamben indica o “excepcionalismo” sob as normas de Prisioneiro de Guerra, determinadas de acordo com as normas da Convenção de Genebra. No caso, os prisioneiros “suspeitos” de terrorismo não gozavam do estatuto de Prisioner of War .29 Diversas críticas são feitas aos EUA sobre a forma como tratam os prisioneiros supostamente terroristas, não apenas pela legalidade do ato de prisão, portanto se a prisão destes “terroristas” foram justas, mas também acerca da forma como são tratados nas prisões específicas a eles. Talvez o caso mais emblemático seja o da Baía de Guantánamo, originalmente uma base naval do país, onde se encontra o maior complexo penitenciário destinado aos combatentes internacionais detidos pelas forças militares norte americanas. Lá, desde 2002, todos os combatentes detidos nas ações militares de “GGcT” eram presos, mantidos e “entrevistados” para informações militares. Dentre os crimes cometidos no complexo de Guantánamo, estão: transporte 27
É recomendado olhar as normas do DIH disponíveis no site da Cruz Vermelha. Acesso 05/08/2015 28 Ordem militar (tradução nossa), promulgada pelo então presidente dos EUA, George W. Bush, no dia 13 de novembro de 2001. 29 Convenção de Genebra relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra de 12 de Agosto de 1949.
dos detentos em jaulas, abuso sexual cometido por médicos, variados tipos de torturas, espancamentos brutais, desrespeito às práticas religiosas e detenção de crianças30 . Não apenas em Guantánamo, mas os EUA mantêm sob tutela da Agência Central de Inteligência (sigla em inglês, CIA), outras redes penitenciárias menores resto do mundo, sobretudo em países cuja prática de tortura não é proibida, nas proximidades das regiões conflitantes. Essas redes são conhecidas como Black sites , a existência delas eram negadas pelo governo norte americano, até 6 de setembro 2006, quando Bush em discurso assume discretamente as práticas aos detentos e que existem outros complexos de detenção. Sob a égide de que tais informações e operações não poderiam ser reveladas, pois ofereceriam aos inimigos, vantagens que seriam usadas contra os EUA e seus aliados (aqueles que permitem o espaço para os Black sites ) e que são estes programas que salvam milhares de pessoas inocentes.31 b. BAIXAS E FERIMENTOS AOS NÃOCOMBATENTES: Outro elemento acerca da “excepcionalidade” do programa de “GGcT”, está no “efeito colateral” dos ataques efetuados por ambos os lados dos conflitos consequentes. Um número alto de morte de nãocombatentes apresenta um problema perante ao Jus in Bello32 , estabelecido pelas normas do DIH. Primeiramente, devese conceber que combatentes são soldados que uma vez iniciada uma guerra, está sujeito a ataques conforme as convenções de guerra (menos se feridos, ou capturados) (WALZER, 1977), porém essa concepção já se abrange atualmente a outros. Os nãocombatentes são todos aqueles que não são combatentes, portanto civis e soldados impossibilitados do ato de combate (feridos, ou presos). Nos conflitos gerados pela “GGcT”, existe um problema peculiar sobre as normas durante a guerra, no caso temse forças tradicionais, referindose ao exército norteamericano, e forças não tradicionais, referindose aos combatentes irregulares, aqueles nominados pelos norte americanos de “terroristas” e ainda “soldados 30
Recomendase a leitura do relatório da “Anistia Internacional”: GUANTÁNAMO: A DECADE OF DAMAGE TO HUMAN RIGHTS, que relata os crimes cometidos no campo de detenção. Acesso 18/08/2015 31 Discurso completo de G. W. Bush disponível online. Acesso em 07/08/2015 32 Justiça na Guerra (Tradução Nossa), conforme Walzer (1977), o termo se refere às práticas justas durante um conflito internacional, sobre o cumprimento, ou a violação, das normas costumeiras e positivas de combate.
particulares”, que são funcionários de empresas militares privadas (EMP’s) de segurança, como soldados comuns, mas com vínculo empregatício com empresas particulares (SINGER, 2011). Tais adendos configuram uma realidade nova aos conflitos provenientes da “GGcT”, que tornam insuficientes e confusas as definições de quem são os combatentes, consequentemente também às delimitações legais tradicionais sobre imunidade dos nãocombatentes. A tática terrorista enquanto prática política paramentase em ações pontuais e práticas de combate não convencionais, o que implica em, por vezes, atingir seus alvos, sejam combatentes ou civis, no intuito de criar um efeito psicológico (medo) em seu inimigo (MOGHADAM, 2006). Em grande medida, por não obterem recursos bélicos de alta tecnologia, recorrem por táticas ofensivas de camuflagem no meio de civis, uma vez que o ambiente do terrorismo normalmente é urbano (MOGHADAM, 2006). Consequentemente, na prática contraterrorista, combater este tipo de inimigo envolve maior dificuldade em identificar seu alvo, do que em um conflito interestatal regular. Além disso, a imprudência em ataques contraterror levam a atingir nãocombatentes, de modo que é necessária bastante precisão já que os ambientes de conflito são urbanos. Um comandante político, ou militar, não pode ter a intenção de matar nãocombatentes ao lançar um ataque militar, nem usar a morte de não combatentes para alcançar objetivos militares. Há uma série de situações, no entanto, na qual um comandante militar pode ter como alvo uma instalação utilizada para fins militares, sabendo que nãocombatentes também são susceptíveis de ser mortos. Isso porque a unidade está localizada dentro de uma área civil ou porque é uma instalação de dupla utilização. Nestes casos, a doutrina do DuploEfeito (Doubleeffect doctrine) entra em jogo. Dê um duplo efeito sustenta que as lesões nãocombatentes são justificáveis, mesmo que eles estão previstos, desde que não combatants não são os objetos de ataque. O problema com a doutrina do duplo efeito é que nas mãos de um determinado militar, ou líder político, qualquer ato não importa quais os custos para os nãocombatentes poderia ser justificada e qualquer dano a nãocombatentes dispensados como dano colateral não intencional (BELLAMY, 2005)33.
O princípio do DoubleEfect é uma forma de se justificar ataques que eventualmente podem atingir nãocombatentes, também pode ser compreendido como efeito colateral, termo utilizado por militares para explicar ferimentos ou mortes em nãocombatentes e danos de propriedades (RHEM, 2003). No limite, é uma forma de
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Tradução nossa
“excepcionalismo” dentro de um conflito, no caso da “GGcT”, justificando que fortuitamente civis são atingidos nas ações militares contra o terror. Enumerase que em pouco mais de dez anos de invasão Angloamericana no Iraque ao menos 117 mil nãocombatentes foram mortos, conforme trabalho de dados elaborado pela organização Iraq Body Count34 . c. INTERVENÇÕES “ILEGAIS” E INÚTEIS: Em uma crítica ferrenha à forma como os EUA encaminhava a “GGcT”, Michael Mann (2003) aponta erros na estratégia norte americana contra o terrorismo. Primeiramente, não distinguiam o terrorismo nacional, do terrorismo internacional. De forma que, o terrorista nacional associase ao papel desempenhado por um combatente da liberdade, atua de fato como um guerrilheiro35, ocultos e protegidos em meio ao seu povo. Já os terroristas internacionais seriam aqueles que ultrapassam essa fronteira e atacam Estados estrangeiros identificados como aliados do seu inimigo. Essa indistinção leva a outro problema, a confusão, ou ofuscamento da linha que divide terrorismo e resistência nacional. Ainda salienta para outra falha da “GGcT” que era condenar as atrocidades dos grupos terroristas, mas perdoar atrocidades de terrorismo de Estado de alguns de seus aliados (como o caso Israelense na “guerra” à Palestina). Daqui se podem considerar as concepções do DIH acerca das intervenções militares e sua legalidade. No DIH, determinase que o direito dos Estados de usar a força deve vir no âmbito da Carta das Nações Unidas, especificamente no seu Capítulo VII ("Ação no que diz respeito às ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão") e capítulo VIII ("acordos regionais"). É importante sobressaltar que quanto às intervenções, o DIH procura caracterizar legalmente aquelas de caráter humanitário, porém sobre intervenções militares, estabelecese que tais intervenções por parte da comunidade internacional em resposta a graves, e de grande escala, violações do direito humanitário internacional ou dos direitos humanos são aceitáveis, dentro dos limites colocados pela Carta da ONU e convenções internacionais de guerra (sobretudo, Haia e Genebra). Mais informações disponíveis no endereço eletrônico da organização Iraq Body Count Acesso 08/08/2015 35 Guerrilheiro, ou Partisan, conforme a compreensão schmittiana deste combatente. Na obra: SCHMITT, Carl. Teoría Del Guerrillero: Observaciones al Concepto de lo Político . Traducción Denes Martos. 1963. 34
O problema das intervenções norte americanas praticadas em nome da “GGcT” está na sua incoerência enquanto estratégia militar. No país, a intervenção no Afeganistão (2001) teve apoio popular e governista, pois era justificada como autodefesa, ou contra ataque militar devido os eventos do 11 de setembro, porém o mesmo não ocorreu quanto o mesmo no Iraque (2003), sendo bastante controverso na esfera políticoburocrática36 . A justificativa da invasão ao Iraque era para impedir que o país ampliasse seu suposto arsenal de armas e permitir que grupos terroristas as utilizassem contra os EUA, tal suposição advinha da recusa do então líder Saddam Hussein as inspeções da ONU sobre programas armamentistas. Além disso, outro pretexto para a invasão era poder “libertar” o povo iraquiano da liderança de Saddam Hussein. Como guerra preventiva, a guerra ao Iraque tinha como cartada a suposição errônea de que o país portava e produzia armas de destruição em massa, pois isso não fora comprovado (MEAD, 2004). Uma intervenção já é em sim uma exceção a regra, só sendo legitimas se para “auxiliar movimentos separatistas (desde que eles tenham demonstrado seu caráter representativo), para contrabalançar intervenções anteriores por parte de outras potências e para salvar povos ameaçados de massacre” (WALZER, 1977, p. 184), o que não foi o caso dos EUA na “GGcT”, mesmo se considerarmos o caráter de libertação nacional do líder Saddam, já que aparentemente não tinha um grupo que requisitasse da ajuda norteamericana. Ainda sobre o “excepcionalismo” das ações de “GGcT” norte americanos, uma característica fundamental é que as ações políticomilitares táticas, são praticadas sob um véu sigiloso que esconde métodos e informações acerca do programa militar contra o terror. Além do mais, é importante salientar que a “GGcT” é um programa que move gastos militares faraônicos. Daqui se levanta informações sobre quanto se movimentou, até aqui, todo o aparato bélicomilitar, que envolve este projeto de segurança excepcional, nesses últimos (quase) 15 anos. Segundo o estudo feito pela especialista
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Importante lembrar que havia um conjunto de críticos tanto na aprovação da invasão do Iraque, como durante a ocupação do território iraquiano, por parte da sociedade civil norteamericana e inglesa, como de setores específicos políticos. Além disso, inicialmente a ONU, por meio do Conselho de Segurança (CS), não aprovou a invasão ao Iraque (março de 2003), apenas dois meses após houve aprovação do CS, mas não será desenvolvido aqui as razões deste cenário. Recomendase a leitura do texto que explora esta temática: David Scheffer, “The Security Council and the international Law on Military Occupations” (2008), contido no livro The United Nations Security Council and War: The Evolution of Thought and Practice since 1945 Editado por: Vaughan Lowe; Adam Roberts; Jennifer Welsh; Dominik Zaum
em políticas de defesa e seus custos, Amy Belasco (2014), aponta que somando os custos diretos da guerra ao Iraque, Afeganistão e outras operações globais contra o terror, desde o 11/09/2001, foram de 1.6 trilhões de dólares. Agora, segundo a professora da Universidade de Boston, Neta C. Crawford (2014) incluindo os custos futuros, sem acrescentar alguma mudança futura que poderá ocorrer, prevêse que serão mais 2.15 trilhões de dólares em gastos até 2054. Além disso, Crawford (2014) afirma que as guerras no Iraque e no Afeganistão e outros gastos militares, não apenas da “GGcT”, custaram e vai custar cerca de US $ 4,5 trilhões, incluindo os cuidados aos veteranos futuros e à solicitação do Presidente para ano fiscal de 2015, novamente, sem considerar possiveis mudanças de perspectivas nas estratéfias de defesa e segurança dos EUA.37 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desta forma, propôsse aqui analisar os aspectos do estado de exceção relacionando o com os conceitos de soberania (SCHMITT, 1922), ordem (BULL, 1977), legalidade (KELSEN, 1920), tendo em foco o projeto norteamericano de “Guerra Global contra o Terror” como expressão hodierna do estado de exceção. Deixando de lado questões de interesse (econômico, comercial, político) e morais (de certo ou errado), em termos de eficácia do projeto da “GGcT” é importante ressaltar que desde a declaração da “Guerra ao Terror”, 36 organizações terroristas entraram na lista do Departamento de Estado dos EUA e apenas 5 foram desalistadas. Se o projeto excepcional da “GGcT” visa desmontar tais grupos, em termos de realizações está sendo ineficaz, já são quase 15 anos que este programa foi iniciado. Ao se relembrar da passagem dita por Walter Benjamin, o alemão afirma a permanência do estado de exceção nazista, que por meio da eugenia nazista aplicava uma política social racial de exclusão. Porém, o caso alemão não é o único que clama pelo estado de exceção. Na suas devidas proporções de impactos e sequelas, assim como no caso do nazismo alemão, o estado de exceção norteamericano na “Guerra ao
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Para mais informações acerca dos gastos militares dos EUA na “GGcT”, recomendase ler o relatório de Amy Belasco, “The Cost of Iraq, Afghanistan, and Other Global War on Terror Operations Since 9/11”, de 2014. E o levantamento da professora Neta Crawford da Universidade de Boston, “U.S. Costs of Wars Through 2014: $4.4 Trillion and Counting Summary Of Costs for the U.S. Wars In Iraq, Afghanistan And Pakistan”, também de 2014.
terror” também tem em si uma lógica de práticas não convencionais e efeitos colaterais por um bem maior. Percebemos que a função do soberano, como monopolizador da declaração de um estado de exceção, se fez conforme as acepções schmittianas. Porém, há ressalvas. No caso, a superação do paradigma legal e consolidação da prática do executivo norte americano, se expressa por meio da forma como são tratados os prisioneiros suspeitos de terrorismo, o alto índice de morte de não combatentes, e a falta de recursos jurídicos, com relação ao DIH, que justifiquem as ações intervencionistas, sobretudo no Iraque (2003). Se por um lado, os EUA se armaram com aparatos jurídicos domésticos que tornariam o projeto de “Guerra ao terror” legal aos olhos nacionais, preocupandose em legitimar perante aos olhos internacionais. As práticas e ações militares provam como os EUA sobrepuseram as “medidas necessárias” em detrimento das convenções internacionais (mesmo não sendo signatários), ou seja, suspenderamna. Sobre os questionamentos do estado de exceção em Segurança Internacional, assumese que a ordem ocidental vigente é a liberaldemocracia, entretanto seus valores, em tese, deveriam afastar qualquer possibilidade de estado de exceção, o que não ocorre. Se esta ordem políticoideológica dá preferência à liberdade enquanto valor fundamental, mostrase que, às vezes (em situações extremas / necessárias), há o predomínio da segurança (inter)nacional enquanto valor primordial. Ora, Marx aludia à concepção de que a segurança seria o supremo conceito social da sociedade civil (burguesa), pois toda sociedade existe para garantir a conservação da sua pessoa, seus direitos e propriedade. Assim, a segurança é o que certifica à sociedade civil seu egoísmo (MARX, 1843). Sendo assim, no caso da “GGcT” o estado de exceção se mostra mais como uma ferramenta de poder em nome da segurança dos EUA, não obrigatoriamente de necessidade para manutenção da ordem estatal, conforme conceituado no início do presente trabalho. BIBLIOGRAFIA: AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção . Tradução de Iraci D. Poleti. 2ª Edição. São Paulo. 2004. Original 2003.
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