As cantigas de Afonso Páez de Brágaa (edição digital) [2004]

July 4, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Cantigas de Amigo
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As cantigas de Afonso Páez de Brágaa Afonso Páez de Brágaa [= Tav 8]: Biografia. Não temos informação biográfica segura sobre este trovador, mas sim alguns indícios. A relação, mais ou menos directa, com a cidade de Braga (na época trovadoresca Brágaa) parece segura pelo seu sobrenome. Com efeito, o topónimo Braga (que procede do lat. Brácara > lat. medieval Brágala > port. med. Brágaa > Braga) é praticamente único na área galego-portuguesa: apenas acho um lugar menor que leva hoje o mesmo nome, na freguesia de Espite, do concelho de Vila Nova de Ourém (perto de Leiria, entre Coimbra e Lisboa), mas dificilmente poderia entrar em consideração neste caso. O sobrenome toponímico “de Brágaa” deve de fazer pois referência a Braga; mas não sabemos se indica simplesmente a procedência pessoal do trovador ou se, pelo contrário, era já nome de família. Outros testemunhos da época trovadoresca assinalam a existência de indivíduos chamados também “de Brágaa”. Assim, no Livro de Linhagens do conde Dom Pedro de Barcelos aparece fugazmente uma “Sancha Martïiz de Brágaa” como molher de um “Pero Salvadôrez d’ Ulgeses”, e indicam-se os vários filhos que este casal teve (49A4: ed. Mattoso, Lisboa 1980, p. 51). Nas Inquirições de 1258 ocorrem outras pessoas também com o mesmo sobrenome, que possuem propriedades na comarca de Guimarães (a uns 25 quilómetros para sudeste de Braga), nomeadamente na freguesia de Fermentões (pertencente hoje ao concelho de Guimarães): entre elas aparecem os filhos dessa Sancha Martïiz de Braga e uma Dona Elvira de Brágaa. Ora, tanto nessa freguesia de Fermentões como na vizinha de Silvares (igualmente pertencente ao concelho de Guimarães) aparece também possuindo bens um Afonso Páez (Inquisitiones 719-720): embora não se assinale neste caso o sobrenome “de Brágaa”, Resende de Oliveira inclina-se a pensar que, vista a concentração de personagens com esse sobrenome nessa área, é possível que se trate do nosso trovador, e que, conseguintemente, todas essas pessoas citadas pertençam a uma mesma linhagem. Essa identificação do trovador poderia achar confirmação na colocação das suas cantigas no primitivo cancioneiro (de que procedem os apógrafos coloccianos que chegaram até nós): por virem seguidas das de dois trovadores da linhagem dos Briteiros (Dom Meém Rodríguez de Briteiros e o seu filho Dom Joám Meéndiz de Briteiros, linhagem originária de Briteiros, entre Braga e Guimarães) e acharem-se todas elas situadas numa zona que não corresponde à divisão nos três grandes géneros (de amor, de amigo e de escárnio), Resende de Oliveira supõe que poderia ter acontecido que as cantigas dos três trovadores entrassem juntas na compilação trovadoresca num momento em que já o substancial da colectânea estivesse conformada, e seria até possível que, por procederem todos da mesma zona, existisse entre eles alguma relação sócio-familiar. Embora ainda hipotética, esta reconstrução da personalidade do trovador resulta coerente, e só nos fica esperar que novos dados documentais venham a confirmá-la no futuro. O patronímico Páez diz-nos que era filho de um Paio. Na cantiga 853 faz referência a uma mulher chamada “Sancha Garcia, / que me fezo tornar ond’ eu ia” (853.6-7), que não pôde ainda ser identificada com segurança.

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Obra poética: 5 cantigas, todas de amor (849-853): «Pois mià senhor de mi nom quer pensar» (Bc 853, V [439]) oM [= Tav 8,5]: núm. 849. «Ai mià senhor, quer’ eu provar» (Bc 854, V [440]) oM [= Tav 8,1]: núm. 850. «A que eu quero gram bem des que a vi» (Bc 855, V [441]) oR [= Tav 8,3]: núm. 851. «Ai mià senhor, sempr’ eu a Deus roguei» (Bc 856, V [442]) oRF [= Tav 8,2]: núm. 852. «Ora_entend’ eu quanto me dizia» (Bc 857, V [443]) e?oM? (incompleta?) [= Tav 8,4]: núm. 853.

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#Afonso Páez de Brágaa 1 [= 849 = Tav 8,5] «Pois mià senhor de mi nom quer pensar» (Bc 853, V [439]) [Cantiga de amor; de mestria. O trovador, desiludido porque a sua amada não faz caso dele, propõe-se achar outra que lhe preste atenção, ainda que ele sabe bem que nunca a poderá amar tanto]. I

1 3 5 7

II

8 10 12 14

III

15 17 19 21

IV

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Pois mià senhor de mi nom quer pensar, nem gradecer-mi quanto a servi, nom me quer’ eu porém desemparar, ca mi_acharei eu quem mi faça_assi; ca sei eu bem que nunca mi_a falir há quem eu sêrvia, se podér servir, mais nom que eu tam muito possa_amar com’ ela. Pero nom poss’ [eu] estar que nom sêrvia já outra des aqui, que veja ela ca poss’ eu achar quem [eu] sêrvia, e que lhi nom menti; se eu nom moiro, farei-lho_eu oir ca sêrvio_eu outr’ (e nom por mi_o gracir!), e que am’ ela muit’ a seu pesar. E, como s’ end’ [el]a queir’ assanhar, nom vos dirá que tolher pod’ a mi nem-um bem que ela possa osmar que dela houvesse, des que naci; e, quando m’ eu dela_houver a partir, todo [mi] filhe quanto x’ ela vir que dela hei, se o quiser filhar. E filhará log’ i, a meu cuidar, afám e coita que maior nom vi; pero ela, que nunca soub’ amar, nom saberia conselh’ haver i; e, quando s’ end’ ela quiser cousir ou lho alguém ousar dizer, guarir poderia per sol nom s’ ém queixar.

Nota(s): Versos 6-7: Outra leitura também possível (que é a que outros editores adoptam) seria: “nunca mi_há falir / a quem eu sêrvia”. Mas este trovador usa o verbo servir sem preposição a (assim nos versos 8, 11, 12 da presente cantiga), e, por outra parte, parece preferir usar o verbo haver com preposição (“ca vos hei pois a rogar”: 850.11; “A provar haverei eu se poderei”: 851.6; mas também o usa alguma vez sem preposição: “sei de mi como_há seer”: 850.10).

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#Afonso Páez de Brágaa 2 [= 850 = Tav 8,1] «Ai mià senhor, quer’ eu provar» (Bc 854, V [440]) [Cantiga de amor; de mestria. Dirigindo-se à amada, o trovador declara que está decidido a fazer uma nova tentativa de viver sem ela, mas reconhece que sabe de antemão que fracassará mais uma vez]. I

1 3 5 7

II

8 10 12 14

III

15 17 19 21

Ai mià senhor, quer’ eu provar se poderei sem vós viver, e veerei se hei poder d’ algüa vez sem vós morar, pero sei o que mi_averrá, ca mil vezes o provei já e nunca o pud’ acabar. Pero quero-o começar, e forçar i meu conhocer; e sei de mi como_há seer, e ca vos hei pois a rogar, e quam pouco mi durará mià sanha,_e quam bem mi será se vos posso desensanhar escontra mi, que vos pesar nunca fiz nem cuid’ a fazer, mais sei-vos tam gram bem querer que vos faz contra mi queixar; e, pois mi Deus poder nom dá que vos desame,_assi m’ hei já vosc’ a perder, por vos amar.

#Afonso Páez de Brágaa 3 [= 851 = Tav 8,3] «A que eu quero gram bem des que a vi» (Bc 855, V [441]) [Cantiga de amor; de refrão, com finda. O trovador expõe a situação penosa em que o faz viver o amor, que o levará à morte]. I

1 3 5

II

6

10

A provar haverei eu se poderei guarir se-na ir veer, pero bem sei que o nom hei de fazer; e desto xi m’ atou morte, sem poder que haja_eu d’ end’ al fazer.

11

Pero nunca lh’ eu cousa [nom] mereci

8

III

A que eu quero gram bem des que a vi, e que amo (Deu-lo sabe!) mais ca mi, me faz em coita viver; e desto xi m’ atou morte, sem poder que haja_eu d’ end’ al fazer.

3

13 15 IV

16

per que me mate, ventura me faz i sem seu grado bem querer; e desto xi m’ atou morte, sem poder que haja_eu d’ end’ al fazer.

20

Nunca tal ventura vistes qual eu hei contra ela, que servi sempr’ e amei, po-lo nom ousar dizer; e desto xi m’ atou morte, sem poder que haja_eu d’ end’ al fazer.

22

Por coita mi pod’ homem esto contar, por sandice nom quem vir seu semelhar.

18

F

#Afonso Páez de Brágaa 4 [= 852 = Tav 8,2] «Ai mià senhor, sempr’ eu a Deus roguei» (Bc 856, V [442]) [Cantiga de amor; de refrão, com finda. Dirigindo-se à sua amada, o trovador manifesta que, desde que a viu, não pode deixar de pensar nela, o que lhe produz ao mesmo tempo dor e consolo]. I 2 4 6 II 8 10 12 III

Ai mià senhor, sempr’ eu a Deus roguei que vos visse, e nunca al pedi; e, pois vos vi, log’ i tanto cuidei que nom era cuidado pera mi; mais nom poss’ eu meu coraçom forçar que nom cuide com’ el quiser cuidar. E, mià senhor, por Deus rogar-vos-ei, come senhor que am’ e que servi, que vos nom pês d’ em vós cuidar, ca m’ hei at[a]n[t]o bem, e mais nom atend’ i; mais nom poss’ eu meu coraçom forçar que nom cuide com’ el quiser cuidar.

18

E, se eu fosse_emperador ou rei, era muito de mi_avïir assi de vós, senhor, com’ eu depois cuidei; e vejo bem que lazerarei i, mais nom poss’ eu meu coraçom forçar que nom cuide com’ el quiser cuidar.

20

Pero que m’ eu i hei a l[a]zerar, sabor m’ hei eu no que m’ el faz cuidar.

14 16

F

4

#Afonso Páez de Brágaa 5 [= 853 = Tav 8,4] «Ora_entend’ eu quanto me dizia» (Bc 857, V [443]) [Cantiga de amor burlesca (?); monostrófica (?). Talvez ironicamente, o trovador reconhece agora que tinha razão a sua amada quando lhe dizia que ele chegaria a agradecer-lhe amá-la sem ser correspondido]. I

1 3 5 7

Ora_entend’ eu quanto me dizia a mià senhor ca era guisado: ca inda lh’ eu muito graceria o de que lhi nunca_houvera grado, po-la amar e servir doado, como fez ora Sancha Garcia, que me fezo tornar ond’ eu ia.

Nota(s): Os cancioneiros só nos transmitiram uma estrofe desta composição; porém tudo faz pensar que seria mais longa: em primeiro lugar o sentido –que agora se torna algo incerto–, mas também a apresentação no cancioneiro B. Neste códice a cantiga está copiada na coluna b do fólio 180r, e a seguir fica nela espaço em branco para aproximadamente duas estrofes. (Depois há ainda muito mais em branco: todo o verso do mesmo fólio 180 e, ademais, os fólios 181 e 182 completos; logo aparecem as cantigas de Dom Meém Rodríguez de Briteiros e do seu filho Dom Joám Meéndiz de Briteiros. O copista de V não costuma deixar espaços em branco; por isso, também neste caso a presente cantiga aparece seguida imediatamente das cantigas dos Briteiros). Já Nunes, que a inclui na sua edição das cantigas de amor (núm. 130, pág. 268), advertia: “Cantiga talvez incompleta, pois se compõe de uma única estrofe” (pág. 268, nota II). Ao possuirmos uma única estrofe, não podemos saber se a composição era de mestria ou de refrão (no suposto de que fosse mais longa, como parece). Também o género a que a cantiga pertence é inseguro: ainda que parece situar-se inicialmente no campo da cantiga de amor, logo parece deselvolver-se em tom burlesco ou jocoso, nomeadamente com a alusão nominal a Sancha Garcia, de modo que teremos de englobá-la no subgénero que se tem denominado “escárnio de amor”, uma categoria que comparte características das cantigas de amor e das cantigas de escárnio. É possível que tenha acontecido que, quando se confeccionou a colectânea trovadoresca, as cantigas de Afonso Páez de Brágaa chegassem juntas num bloco, e que os organizadores tencionassem introduzir neste lugar as suas cantigas de amor, mas que depois de copiar a primeira estrofe da presente cantiga caíssem na conta de que era antes de escárnio; isso explicaria que interrompessem a transcrição do seu texto, com a ideia de incluir a composição entre as cantigas de escárnio. Mas é conjectura que não se pode confirmar; de facto, no resto do cancioneiro não aparecem outros textos deste trovador. Como foi antes indicado, Nunes considerou-a de amor. Lapa não a incluiu na edição das cantigas de escárnio. Sim o faz Graça Videira Lopes (núm. 81, p. 116), advertindo com acerto que “parece fazer parte daquelas composições jocosas, na fronteira entre lirismo e sátira”. Versos 1-2: O sentido é: “Agora compreendo eu que era acertado quanto a minha amada me dizia’. Verso 3: No verso 3 Graça Videira Lopes edita: “c’ ainda”; mas na língua trovadoresca a partícula ca não costumava elidir a sua vogal. Neste caso, ademais, os mesmos manuscritos parecem confirmar esse facto, pois apresentam ambos “ca inda”, com espaço de separação entre ca e inda, o que indica que essa devia de ser também a grafia do exemplar. Versos 3-5: O sentido é: ‘que ainda eu lhe agradeceria o que nunca lhe tinha agradecido: amá-la e servi-la em vão’. 5

Verso 6: Não sabemos quem era a Sancha Garcia aqui citada. A sua identificação ajudaria seguramente a conformar a biografia de Afonso Páez de Brágaa, e quiçá também a precisar melhor a intenção do autor.

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