As cantigas de Joám, \"jograr, morador em Leom\" (edição digital) [2004]

July 4, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Poesia trovadoresca galego-portuguesa
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As cantigas de Joám, “jograr, morador em Leom” Joám, jograr, morador em Leom [= Tav 62]: Biografia. Os cancioneiros coloccianos assignam a autoria de duas cantigas a um “Joám, jograr, morador em Leom”. Dos dados incluídos nessa rubrica, é claro o relativo à sua qualidade profissional de jogral, que se pode ademais ver confirmada pelo conteúdo das suas duas composições, por um lado, e, por outro, pela inclusão delas, nos cancioneiros, dentro da série denominada hipoteticamente “Cancioneiro de jograis galegos” (ainda que, por motivos de cronologia, tenhamos que supor que as cantigas do jogral Joám só tardiamente foram integradas nesse conjunto). Mais incerta é a interpretação do dado de índole geográfica (“morador em Leom”): em primeiro lugar, não sabemos se Leom se refere à cidade ou a todo o reino de Leão (que incluía também a Galiza), ao qual há uma alusão expressa na segunda das suas cantigas (“eno seu reino e no de Leom”: 1119.9); e, em segundo lugar, a palavra morador parece sugerir, de modo implícito, que o jogral morava em Leão mas que não era originário dali. Ficamos, pois, na dúvida a respeito da terra em que nasceu. Para a ubicação cronológica do jogral Joám as suas cantigas oferecem pontos de referência relativamente seguros, que o situam como um dos últimos trovadores. A primeira (cant. 1118) é uma cantiga encomiástica do rei Afonso IV de Portugal (que reinou de 1325 a 1357) e inclui outras duas referências pessoais que permitem delimitar mais esse lapso de tempo: uma ao conde Dom Pedro de Barcelos, “que é irmão del-rei” (1118.18), o qual faleceu algo antes que o rei, a saber, em 1354, e outra, mais precisa, ao “ifante Dom Pedro” (1118.12), futuro rei Pedro I de Portugal, que nasceu em 1320, e a quem se alude indicando que “s’ aventura / a um grand’ usso matar” (1118.13-14) e que “sempre cura / d’ el-rei, seu padre, guardar” (1118.15-16), o que pressupõe para o infante Dom Pedro uma idade já não infantil mas pelo menos adolescente (entre 15 e 20 anos, mais ou menos). Destarte, a cantiga dificilmente poderá ser anterior ao ano 1335, quando o infante Dom Pedro tinha 15 anos. A segunda cantiga, um pranto pelo rei Dom Denis, falecido em 7 de janeiro de 1325, não deveu de ser escrita imediatamente depois da sua morte (contrariamente ao que alguns investigadores dão por suposto), mas anos mais tarde. Isso é o que parece deduzir-se do teor geral da cantiga, que supõe que transcorreu já algum tempo desde que Dom Denis desapareceu (especialmente na segunda estrofe e no v. 25). Há ademais nesta cantiga uma alusão ao “seu neto, que o vai semelhar / em fazer feitos de muito bom rei” (1119.30-31). Carolina Michaëlis interpretou-a como uma referência ao rei Afonso XI de Castela e Leão, que era também neto de Dom Denis e que, apesar de que em 1325 tinha só 15 anos, era rei já desde 1314; Menéndez Pidal, prosseguindo nessa mesma ideia, conjecturou que o jogral Joám poderia ter composto o pranto para a festa da declaração da maioridade de Afonso XI em Valladolid em 13 de agosto de 1325 (portanto, vários meses depois do falecimento de Dom Denis). Mas, tendo em vista a cantiga precedente, parece mais fundado concluir que se trata também aqui de uma nova alusão ao infante Dom Pedro, e, nesta hipótese, a louvança do trovador resulta mais explicável se o infante não era já um menino; de maneira que podemos supor também para esta segunda cantiga do jogral Joám uma data próxima à da primeira. Em resumo, o mais razoável é concluir que ambas as cantigas foram compostas numa visita do jogral à corte portuguesa arredor dos anos 1335-1345. Joám deveu de acudir aí repetidamente, pois na cant. 1118 dá a entender que a visita todos os anos (1118.3: “cada ano”). Não é impossível que Joám visitasse essa corte já antes de 1325, em tempos do rei Dom Denis: as louvanças que na cant. 1119 faz à protecção que Dom Denis dava aos jograis podem ser indício de ter ele próprio experiência disso; não é seguro, porém, pois claro está que Joám podia escrever esses versos baseando-se em comentários de colegas de profissão, e não parece sequer provável, pois na outra cantiga (que víamos não devia de ser anterior a 1335) chama-se a si mesmo rapaz (1118.8: “eu som mao rapaz”), o que deve de indicar uma idade ainda juvenil (digamos: arredor dos 20 anos), que resultaria difícil de conciliar com a sua presença na corte

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como jogral em tempos de Dom Denis (isto é, pelo menos dez anos antes, quando Joám andaria pelos 10 anos). De resto, apesar dessas preciosas informações pessoais que podemos deduzir tanto da rubrica atributiva como das duas cantigas, a ausência do patronímico nos cancioneiros torna difícil, mais uma vez, a identificação do trovador com indivíduos documentados. Obra poética: 2 cantigas (cc. 1118-1119): 1) «A sa vida seja muita» (Ba 1116, V [707]) M [= Tav 62,1]: cant. 1118. 2) «Os namorados que tr[o]bam d’ amor» (Ba 1117, V [708]) uMF [= Tav 62,2]: cant. 1119.

#Joám, jograr 1 [= 1118 = Tav 62,1] «A sa vida seja muita» (Ba 1116, V [707]) [Cantiga encomiástica; de mestria. Elogio do rei Dom Afonso IV de Portugal (rei de 1325 a 1357), e, aproveitando a ocasião, também do seu filho e sucessor o infante Dom Pedro (rei com o nome de Pedro I de 1357 a 1367), e do seu irmão, o conde Dom Pedro de Barcelos, também trovador]. I 2 4 6 8 II 10 12 14 16 III 18 20 22 24

A sa vida seja muita deste rei de Portugal, que cada_ano mi_há pôr fruita, pero que eu canto mal. E a[r] vou mui confortado da mercee que m’ el faz: el[e] é rei acabado, e eu som mao rapaz. Os reis mouros [e] cristãos mentre viver lh’ hajam medo, que el há mui bem as mãos e o ifante Dom Pedro, seu filho, que s’ aventura a um grand’ usso matar e des i e sempre cura d’ el-rei, seu padre, guardar. E a[r] do conde falemos, que é irmão del-rei, e muito bem del diremos segundo como_apres’ hei: se fosse seu o tesouro que el-rei de França tem, tam bem prata come ouro, daria todo,_a seu sém.

Nota(s): No verso 15, apesar de que ambos os mss. oferecem a leitura que dou no texto (“e des i e sempre cura”), parece-me tanto ou mais provável que a versão original fosse “e, des i, [ha] sempre cura”, pois desse modo resulta mais satisfactória toda a passagem (vv. 13-16): “seu filho, que s’ aventura / a um grand’ usso matar / e, des i, [ha] sempre cura / d’ el-rei, seu padre, guardar”.

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#Joám, jograr 2 [= 1119 = Tav 62,2] «Os namorados que tr[o]bam d’ amor» (Ba 1117, V [708]) [Pranto; de mestria, com finda. Pranto pelo rei Dom Denis (rei de Portugal de 1279 a 1325), com particular atenção à sua faceta de protector do trovadorismo]. I

1 3 5 7

II

8 10 12 14

III

15 17 19 21

IV

22 24 26 28

F

29 31

Os namorados que tr[o]bam d’ amor todos deviam gram doo fazer e nom tomar em si nem-um prazer porque perderom [a]tám bom senhor come_el-rei Dom Denis de Portugal, de que nom pode dizer nem-um mal homem, pero seja posfaçador. Os trobadores que pois ficarom eno seu reino e no de Leom, no de Castela [e] no d’ Aragom, nunca, pois de sa morte, trobarom; e dos jograres vos quero dizer: nunca cobrarom panos nem haver, e o seu bem muito desejarom. Os cavaleiros e cidadãos que deste rei haviam dinheiros, [e] outrossi donas e ’scudeiros, matar-se deviam com sas mãos, porque perderom atám bom senhor, de que posso_eu bem dizer sem pavor que nom ficou [a]tal nos cristãos. E mais vos quero dizer deste rei e dos que del haviam benfazer: deviam-s[e] deste mundo_a perder quand’ el morreu, per quant’ eu vi e sei, ca el foi rei assaz mui prestador, e saboroso_e d’ amor trobador: todo seu bem dizer nom poderei. Mais com tanto me quero conf[o]rtar: em seu neto, que o vai semelhar em fazer feitos de muit[o] bom rei.

Nota(s): Dom Denis faleceu em 7 de janeiro de 1325. Mas, como se explica na biografia do trovador, tudo parece indicar que este pranto foi composto quando havia há já algum tempo (provavelmente vários anos) que Dom Denis morrera.

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