As cantigas de Martim de Gĩizo (edição digital) [2004]

July 3, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Poesia trovadoresca galego-portuguesa
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As cantigas de Martim de Gĩizo Martim de Gĩizo [= Tav 93]: Biografia. Pouco podemos dizer deste trovador, que possui basicamente cantigas de amigo: como acontece com outros trovadores, mais uma vez a ausência de patronímico torna difícil uma identificação pessoal. O determinante Gĩizo que faz parte do seu nome, deve de ser algum dos topónimos chamados hoje Ginzo, existentes tanto na Galiza como em Portugal. De facto, tem havido por parte dos estudiosos tentativas de situar a origem do trovador em vários desses lugares. Nas suas cantigas aparece repetidamente a referência a uma ermida dedicada a Santa Cecília, a “ermida do soveral” (1292.3R), onde soveral poderia ser não já apelativo comum mas topónimo. Nos cancioneiros as suas cantigas aparecem na parte que se tem considerado como um (hipotético) «Cancioneiro de jograis galegos»; se a existência dessa compilação chegar a confirmarse, Martim de Gĩizo seria jogral de profissão, e originário de algum lugar da Galiza chamado hoje Ginzo. Obra poética: 8 cc. (núms. 1287-1294), as 7 primeiras de amigo, e a última narrativa: 1) «Como vivo coitada, madre, por meu amigo!» (Ba 1270, V [876]) irR [= Tav 93,3]: núm. 1287. 2) «Se vos prouguer, madr’, hoj’ este dia» (Ba 1271, V [877]) irR [= Tav 93,7]: núm. 1288. 3) «Treides, ai mià madr’, em romaria» (Ba 1272, V [878]) irR [= Tav 93,8]: núm. 1289. 4) «Nom poss’ eu, madre,_ir a Santa Cecia» (Ba 1273, V [879]) irR [= Tav 93,5]: núm. 1290. 5) «Ai vertudes de Santa Cecia!» (Ba 1274, V [880]) irR [= Tav 93,2]: núm. 1291. 6) «Nom mi digades, madre, mal, e irei» (Ba 1275, V [881]) irR [= Tav 93,4]: núm. 1292. 7) «Nunca_eu vi melhor ermida nem mais santa» (Ba 1276, V [882]) irU (r) [= Tav 93,6]: núm. 1293. 8) «A do mui bom parecer» (Ba 1277, V [883]) nR [= Tav 93,1]: núm. 1294. Martim de Gĩizo 1 [= 1287 = Tav 93,3] «Como vivo coitada, madre, por meu amigo!» (Ba 1270, V [876]) [Cantiga de amigo; de refrão. Dirigindo-se à mãe, a rapariga descobre-lhe a sua intensa tristeza, porque acaba de receber do seu amigo notícia de que se vai à guerra contra os mouros, e reza por ele a Santa Cecília]. I

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Como vivo coitada, | madre, por meu amigo!: ca m’ enviou mandado | que se vai no ferido, e por el vivo coitada! Como vivo coitada, | madre, por meu amado!: ca m’ enviou mandado | que se vai no fossado, e por el vivo coitada! Ca m’ enviou mandado | que se vai no ferido, eu a Santa Cecia | de coraçom o digo; e por el vivo coitada! Ca m’ enviou mandado | que se vai no fossado, eu a Santa Cecia | de coraçom o falo; e por el vivo coitada!

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Nota(s): Nas nove passagens das cantigas deste trovador em que ocorre nos manuscritos a forma Cecilia (no sintagma “Santa Cecília”), adopto a leitura Cecia (portanto “Santa Cecia”). Trata-se dos versos seguintes: 1287.8, 11; 1288.3, 10; 1289.2, 11; 1290.1; 1291.1; 1292.16. É uma modificação que, embora insegura, me parece mais provável que a opção de manter a lição dos manuscritos, como fazem todos os editores. Por diversos motivos considero que Cecia devia de ser a forma empregada originariamente pelo trovador, e que a forma Cecília reflectirá uma correcção de influxo culto realizada no curso do processo de transmissão textual. Com efeito, Santa Cecia é forma usada em documentos medievais e que ainda pervive hoje em variantes populares (como Santa Icia ou Santa Ecia ou Santa Cilha). Por outro lado, do ponto de vista interno das cantigas de Martim de Gĩizo, a forma Cecia resulta mais satisfatória do que Cecília para a rima (pois, embora Cecília seja aceitável para rima assoante, nalgumas das passagens em foco parece mais natural esperarmos rima consoante, como em 1288.3) e até para a métrica. Martim de Gĩizo 2 [= 1288 = Tav 93,7] «Se vos prouguer, madr’, hoj’ este dia» (Ba 1271, V [877]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga pede à mãe que lhe permita ir rezar (e chorar) à ermida de Santa Cecília, para aliviar o desejo que sente de falar com o seu amigo ausente]. I 2 4 6 II 8 10 12 III 14 16 18

Se vos prouguer, madr’, hoj’ este dia, irei hoj’ eu [por] fazer oraçom e chorar muit’ em Santa Cecia destes meus olhos e de coraçom, ca moir’ eu, madre, por meu amigo e el morre por falar comigo. Se vos prouguer, madre, desta guisa irei alá miàs candeas queimar, eno meu mant’ e na mià camisa, a Santa Cecia,_ant’ o seu altar, ca moir’ eu, madre, por meu amigo e el morre por falar comigo. Se me leixardes, mià madr’, alá ir, direi-vos ora o que vos farei: punharei sempre já de vos servir, e desta ida mui leda verrei; ca moir’ eu, madre, por meu amigo e el morre por falar comigo. Martim de Gĩizo 3 [= 1289 = Tav 93,8] «Treides, ai mià madr’, em romaria» (Ba 1272, V [878])

[Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga convida a mãe a irem juntas em romaria a Santa Cecília, em acção de graças pelo regresso do amigo]. I

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Treides, ai mià madr’, em romaria orar u chamam Santa Cecia; e, louçãa, irei 2

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ca já i ést’ o que namorei, e, louçãa, irei. E treides migo, madre, de grado, ca meu amig’ é por mi coitado; e, louçãa, irei ca já i ést’ o que namorei, e, louçãa, irei. Orar u chamam Santa Cecia, pois m’ aduss’ o que [eu] bem queria; e, louçãa, irei ca já i ést’ o que namorei, e, louçãa, irei. Ca meu amig’ é por mi coitado; e, pois, eu nom farei seu mandado? E, louçãa, irei ca já i ést’ o que namorei, e, louçãa, irei. Martim de Gĩizo 4 [= 1290 = Tav 93,5] «Nom poss’ eu, madre,_ir a Santa Cecia» (Ba 1273, V [879])

[Cantiga de amigo; de refrão. Dirigindo-se à mãe, a rapariga queixa-se-lhe amargamente de que não lhe permita ir a Santa Cecília encontrar-se com o amigo]. I

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Nom poss’ eu, madre,_ir a Santa Cecia ca me guardades a noit’ e o dia do meu amigo. Nom poss’ eu, madr[e], haver gasalhado ca me nom leixades fazer mandado do meu amigo. Ca me guardades a noit’ e o dia, morrer-vos-ei com aquesta perfia por meu amigo. Ca me nom leixades fazer mandado, morrer-vos-ei com aqueste cuidado por meu amigo. Morrer-vos-ei com aquesta perfia, e, se me leixássedes ir, guarria com meu amigo. Morrer-vos-ei com aqueste cuidado, e, se quiserdes, irei mui de grado com meu amigo.

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Martim de Gĩizo 5 [= 1291 = Tav 93,2] «Ai vertudes de Santa Cecia!» (Ba 1274, V [880]) [Cantiga de amigo; de refrão. Invocando Santa Cecília, a rapariga declara compreender a irritação do seu amigo]. I

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Ai vertudes de Santa Cecia!, que sanhudo que se foi um dia o meu amig’, e tem-se por morto, e, se s’ assanha, nom faz i torto o meu amig’, e tem-se por morto. Ai vertudes de santa ermida!, com gram pesar fez aquesta ida o meu amig’, e tem-se por morto, e, se s’ assanha, nom faz i torto o meu amig’, e tem-se por morto.

Martim de Gĩizo 6 [= 1292 = Tav 93,4] «Nom mi digades, madre, mal, e irei» (Ba 1275, V [881]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga pede à mãe que não a repreenda por ir outra vez à ermida de Santa Cecília, para ver se esta vez vem o amigo apesar de que anteriormente a enganou]. I

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Nom mi digades, madre, | mal, e irei veê-lo sem verdade, | que namorei, na ermida do soveral, u m’ el fez muitas vezes | coitad’ estar, na ermida do soveral. Nom mi digades, madre, | mal se eu for veê-lo sem verdad’ e | o mentidor na ermida do soveral, u m’ el fez muitas vezes | coitad’ estar, na ermida do soveral. Se el nom vem i, madre, | sei que farei: el será sem verdad’ e | eu morrerei na ermida do soveral, u m’ el fez muitas vezes | coitad’ estar, na ermida do soveral. Rog’ eu a Santa Cecia_e | Nostro Senhor que ach’ hoj’ eu i, madr’, o | meu traedor na ermida do soveral, u m’ el fez muitas vezes | coitad’ estar, na ermida do soveral.

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Martim de Gĩizo 7 [= 1293 = Tav 93,6] «Nunca_eu vi melhor ermida nem mais santa» (Ba 1276, V [882]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga parece exprimir satisfação (e agradecimento a Santa Cecília) porque ouve dizer que o seu desleal amigo anda triste por ela]. I 2 4 6

Nunc’ eu vi melhor ermida nem mais santa: o que se de mi enfinge e mi canta disserom-mi que sa coita sempr’ avanta por mi, Deus, a vós grado; e dizem-mi que é coitado por mi, o perjurado.

Nota(s): Aqui aparece em V a nota sobre Martim Codaz: “Martim Codaz esta nom acho pontada”.

Martim de Gĩizo 8 [= 1294 = Tav 93,1] «A do mui bom parecer» (Ba 1277, V [883]) [Cantiga de amigo; de refrão. O poema narra-nos (em terceira pessoa) que a formosa rapariga, para aliviar o seu mal de amores, mandou tocar música de adufe; mas os músicos não eram capazes de levantar-lhe os ânimos]. I

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A do mui bom parecer mandou lo_adufe tanger: “– Louçãa, d’ amores moir’ eu”. A do mui bom semelhar mandou lo_adufe sõar: “– Louçãa, d’ amores moir’ eu”. Mandou lo_adufe tanger, e nom lhi davam lezer: “– Louçãa, d’ amores moir’ eu”. Mandou lo_adufe sõar, [e] nom lhi davam vagar: “– Louçãa, d’ amores moir’ eu”.

Nota(s): Se supomos que no verso do refrão estava originariamente amor em vez de amores, esse verso resultaria heptassílabo agudo, isto é, da mesma medida que todos os outros da cantiga, e portanto a cantiga resultaria isométrica. a

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