As cantigas de Martim Padrozelos (edição digital) [2004]

July 3, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Poesia trovadoresca galego-portuguesa
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As cantigas de Martim Padrozelos Martim Padrozelos [= Tav 95]: Biografia. Cumpre advertir, antes de nada, que o nome do trovador aparece nos manuscritos trovadorescos (onde ocorre 5 vezes) sempre com a forma “Martim Padrozelos” (nunca com a preposição de nem sob a forma Pedrozelos, variantes injustificadas que têm usado alguns estudiosos). No entanto, a ausência da preposição de não impede que o apelido do trovador proceda de um topónimo, que é com efeito o mais provável. As cantigas de Martim Padrozelos encontram-se incluídas na zona dos cancioneiros coloccianos que tem sido denominada «Cancioneiro de jograis galegos». De acordo com isto, deveria ser jogral e originário da Galiza. Nas suas cantigas de amigo o trovador faz referência repetidamente a um lugar (provavelmente uma ermida ou igreja) chamado São Salvador de Valongo (Valongo: 1255.3; 1257.7, 13; 1258.8; São Salvador: 1256.8; 1257.6, 12, 18; 1259.3; 1261.13; 1262.1). Valongo é topónimo existente tanto na Galiza como em Portugal, mas a identificação de uma igreja ou ermida dedicada a São Salvador nesses lugares não está confirmada. Por outra parte, tem-se intentado identificar o Padrozelos com Pradozelo (escrito habitualmente de maneira incorrecta Praducelo), nome de um lugar da freguesia de São João de Lôuzara, no concelho de Samos, da província de Lugo; e em relação com esse lugar tem-se sugerido que talvez o São Salvador das cantigas seja o que dá nome à freguesia de São Salvador de Omao (pertencente ao concelho de Oíncio), a qual se acha próxima de São João de Lôuzara (e portanto do lugar de Pradozelo), e que foi primitivamente mosteiro; mas não parece que tenha recebido nunca o nome de Valongo, nem sequer que tenha existido um tal topónimo na zona. Existe também um lugar chamado Pradozelos na freguesia de Soane Velho, do concelho de Montederramo (na província de Ourense). Obra poética: 10 cantigas (cc. 1254-1262 [amigo], 1263 [amor]): «Eu, louçãa, enquant’ eu viva for» (Ba 1238, V [843]) iR [= Tav 95,5]: cant. 1254. «Gram sazom há, meu amigo» (Ba 1239, V [844]) irM [= Tav 95,7]: cant. 1255. «– Amig’, havia queixume» (Ba 1240, V [845]) idrRF [= Tav 95,3]: cant. 1256. «Madr’, enviou-vo-lo meu amigo» (Ba 1241, V [846]) irRF [= Tav 95,9]: cant. 1257. «Ai meu amigo, coitada» (Ba 1242, V [847]) irR [= Tav 95,1]: cant. 1258. «Por Deus, que vos nom pês» (Ba 1243, V [848]) irR [= Tav 95,10]: cant. 1259. «Amigas, sejo cuidando» (Ba 1244, V [849]) iR [= Tav 95,2]: cant. 1260. «Fostes-vos vós, meu amigo, daqui» (Ba 1245, V [850]) irR [= Tav 95,6]: cant. 1261. «Id’ hoj’, ai meu amigo, led’ a Sam Salvador» (Ba 1246, V [851]) irR [= Tav 95,8]: cant. 1262. 10 «Deus!, e que cuidei a fazer» (Ba 1247, V [852]) oM [= Tav 95,4]: cant. 1263.

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Martim Padrozelos 1 [= 1254 = Tav 95,5] «Eu, louçãa, enquant’ eu viva for» (Ba 1238, V [843]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga, desiludida porque o seu amigo lhe mentiu, assegura que não quer saber mais nada de amor]. I

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Eu, louçãa, enquant’ eu viva for, nunca já mais creerei per amor, pois que mi mentiu o que namorei: nunca já mais per amor creerei, pois que mi mentiu o que namorei. 1

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E, pois m’ el foi a seu grado mentir, des hoimais me quer’ eu d’ amor partir: pois que mi mentiu o que namorei, nunca já mais per amor creerei, pois que mi mentiu o que namorei. E direi-vos que lhi farei porém: d’ amor nom quero seu mal nem seu bem pois que mi mentiu o que namorei, nunca já mais per amor creerei, pois que mi mentiu o que namorei.

Martim Padrozelos 2 [= 1255 = Tav 95,7] «Gram sazom há, meu amigo» (Ba 1239, V [844]) [Cantiga de amigo; de mestria. A rapariga declara ao amigo o desejo que sentiu dele durante todo o tempo em que ela não o pôde ver, por ter-se ele ausentado]. I

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Gram sazom há, meu amigo, que vos vós de mi partistes em Valong’, e nom m’ ar vistes, nem ar houv’ eu depois migo de nulha rem gasalhado; mais nunca tam desejado d’ amiga fostes, amigo. Nem vos dirá nunca molher que verdade queira dizer, nem vós nom podedes saber nunca per outrem, se Deus quer ou se eu verdad’ hei migo, que nunca vistes amigo tam desejado de molher. Pero houvestes amiga a que quisestes mui gram bem, a mim vos tornade porém se achardes quem vos diga senom assi com’ eu digo: que nunca vissem amigo tam desejado d’ amiga.

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Martim Padrozelos 3 [= 1256 = Tav 95,3] «– Amig’, havia queixume» (Ba 1240, V [845]) [Cantiga de amigo; de refrão, com finda. Diálogo entre a rapariga e o amigo: ela, disposta agora a perdoar-lhe, manifesta-lhe as queixas que dele tinha; ele roga-lhe que não as tome em conta]. I 2 4 6 II 8 10 12 III

– Amig’, havia queixume de vós e quero-mi_o perder, pois veéstes a meu poder. – Ai mià senhor e meu lume, se de mi queixum’ havedes, por Deus, que o melhoredes. – Tant’ era vossa queixosa que jurei em Sam Salvador que nunca vos fezess’ amor. – Ai mià senhor mui fremosa, se de mi queixum’ havedes, por Deus, que o melhoredes.

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– Amig’, em poder sodes meu se m’ eu de vós quiser vingar; mais quero-mi vos perdoar. – Ai senhor, por al vos rog’ eu: se de mi queixum’ havedes, por Deus, que o melhoredes;

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de mim, que mal dia naci, senhor, se vo-lo mereci.

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Martim Padrozelos 4 [= 1257 = Tav 95,9] «Madr’, enviou-vo-lo meu amigo» (Ba 1241, V [846]) [Cantiga de amigo; de refrão, com finda. Dirigindo-se à mãe, a rapariga assegura-lhe que não quer ver o amigo e que nunca o amou]. I 2 4 6 II 8 10 12

Madr’, enviou-vo-lo meu amigo [ho]je dizer que vos veeria: se ousass’, e, par Santa Maria, se o vós ante falardes migo, se el vir vós nem mi per meu grado, Sam Salvador mi seja irado de Valongo. Pero sospeitada sõo de vós ca lhi quero gram bem, nunca lho quix pois naci, e porém se [o] creverdes, madre loada, se el vir vós nem mi per meu grado, Sam Salvador mi seja irado 3

III

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de Valongo. Ca se foi el daqui sem meu mandad’ e nom me quis veer, e ora manda-vos preito trager que vos veja, por tal que veja mi: se el vir vós nem mi per meu grado, Sam Salvador mi seja irado

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E sei bem que nom é tam ousado que vos el veja sem vosso grado.

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Martim Padrozelos 5 [= 1258 = Tav 95,1] «Ai meu amigo, coitada» (Ba 1242, V [847]) [Cantiga de amigo; de refrão. Dirigindo-se ao amigo, a rapariga declara-lhe o seu desejo de vê-lo logo e falar com ele]. I 2 4 6 II 8 10 12 III 14 16 18

Ai meu amigo, coitada vivo porque vos nom vejo; e, pois vos tanto desejo, em grave dia foi nada se vos cedo, meu amigo, nom faço prazer e digo. Pois que o cendal venci de parecer em Valongo, se m’ ora de vós alongo, em grave dia naci se vos cedo, meu amigo, nom faço prazer e digo. Por quantas vezes pesar vos fiz de[s] que vos amei, algũa vez vos farei prazer, e Deus nom m’ ampar se vos cedo, meu amigo, nom faço prazer e digo.

Martim Padrozelos 6 [= 1259 = Tav 95,10] «Por Deus, que vos nom pês» (Ba 1243, V [848]) [Cantiga de amigo; de refrão. Dirigindo-se à mãe, a rapariga expressa o seu desejo de ir a São Salvador (de Valongo), confiada na própria formosura]. I 2 4 6

Por Deus, que vos nom pês, mià madr’ e mià senhor, d’ ir a Sam Salvador; ca, se hoj’ i vam três fremosas, eu serei a ũa, be-no sei. 4

II 8 10 12 III 14 16 18

Por fazer oraçom, quer’ hoj’ eu alá ir; e, por vos nom mentir, se hoj’ i duas som fremosas, eu serei a ũa, be-no sei. I é meu amig’, ai madr’, e i-lo-ei ver por lhi fazer prazer; se hoj’ i ũa vai fremosa, eu serei a ũa, be-no sei.

Nota(s): Note-se como o refrão varia levemente na derradeira estrofe: o plural fremosas converte-se aqui no singular fremosa. Na verdade, o ms. (V, único para essa terceira estrofe, por lacuna do outro ms., B) apresenta também aqui o plural fremosas; porém, como o plural resulta mais difícil de explicar dentro do contexto, os editores adoptam a forma singular, sem que por isso o verso em foco deixe de fazer parte do refrão. Abundam na nossa poesia trovadoresca os casos semelhantes de leve variação no refrão entre uma estrofe e outra, mas é inseguro até que ponto essa variação procede dos autores ou dos copistas.

Martim Padrozelos 7 [= 1260 = Tav 95,2] «Amigas, sejo cuidando» (Ba 1244, V [849]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga manifesta às suas amigas a angústia em que vive porque o seu amigo tarda]. I 2 4 6 II 8 10 12

Amigas, sejo cuidando no meu amigo, porque nom vem, e sal-m’ este coraçom e estes olhos chorando, que me nom pode guarir rem de morte se cedo nom vem. E ando maravilhada porque tanto tarda, se é viv’ e sab’ ém, per bõa fé, ca viv’ hoj’ eu tam coitada que me nom pode guarir rem de morte se cedo nom vem.

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Martim Padrozelos 8 [= 1261 = Tav 95,6] «Fostes-vos vós, meu amigo, daqui» (Ba 1245, V [850]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga, que estava ofendida porque o amigo se fora sem dizer-lhe nada, declara-lhe que agora acedeu a vê-lo por mesura]. I 2 4 6 II 8 10 12 III 14 16 18

Fostes-vos vós, meu amigo, daqui sem meu mandad’, e nulha rem falar mi nom quisestes; mais hoj’ ao_entrar, se por mesura nom fosse de mi, se vos eu vira nom mi venha bem nunca de Deus nem donde m’ hoje vem. Ca vos fostes sem meu mandad’, e sei que mi pesava mui de coraçom; e, meu amigo, Deus nom mi perdom, se por mesura nom fosse que hei, se vos eu vira nom mi venha bem nunca de Deus nem donde m’ hoje vem. Sam Salvador sabe que assi é, ca vos fostes mui sem o meu prazer; e, quando m’ hoje veéstes veer, se por mesura nom foss’, a-la-fé, se vos eu vira nom mi venha bem nunca de Deus nem donde m’ hoje vem.

Martim Padrozelos 9 [= 1262 = Tav 95,8] «Id’ hoj', ai meu amigo, led’ a Sam Salvador» (Ba 1246, V [851]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga convida o amigo a ir a São Salvador (de Valongo), já que espera poder livrarse da vigilância com que vive]. I 2 4 II 6 8 III 10 12

Id’ hoj’, ai meu amigo, | led’ a Sam Salvador; eu vosco irei leda, | e, pois eu vosco for, mui leda_irei, amigo, e vós ledo comigo. Pero sõo guardada, | todavia quer’ ir convosc’, ai meu amigo, | se mi_a guarda nom vir: mui leda_irei, amigo, e vós ledo comigo. Pero sõo guardada, | todavia irei convosc’, ai meu amigo, | se a guarda nom hei: mui leda_irei, amigo, e vós ledo comigo.

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Martim Padrozelos 10 [= 1263 = Tav 95,4] «Deus!, e que cuidei a fazer» (Ba 1247, V [852]) [Cantiga de amor; de mestria. Dirigindo-se aos amigos, o trovador manifesta-se arrependido de ter-se alongado da terra da sua amada]. I

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Deus!, e que cuidei a fazer quando m’ eu da terra quitei u mià senhor vi? Baratei mal porque o fui cometer, ca sei que nom posso guarir, per nulha rem, se a nom vir. Deus!, e que cuidei a fazer? Sandec’, e devia perder, amigos, porquanto provei de m’ end’ alongar; e direi-vos mais: nom-no posso sofrer, e cuido sempre tornar i; e fiz, porquanto m’ ém parti, sandec’, e devia perder o corpo, ca nom outr’ haver. Tod’ aquesto eu mi_o busquei mui bem, e lazerá-lo-ei, ca sei ca nom posso viver polo que fiz, e assi é, que perderei, per bõa fé, o corpo, ca nom outr’ haver. Quem me poderia valer senom Deus? –a que rogarei que me guise d’ ir, e irei ced’, u a vi, po-la veer, ca nom sei al tam muit’ amar; e se mi_El esto nom guisar, quem me poderia valer?

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