As cantigas de Nuno Treez (edição digital) [2004]

July 4, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Poesia trovadoresca galego-portuguesa
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As cantigas de Nuno Treez Nuno Treez [= Tav 110]: Biografia. Ao longo da história dos estudos trovadorescos o apelido deste trovador assumiu formas diversas, devido a que nos mss. podem surgir dúvidas a respeito da maiúscula inicial: tem-se vacilado entre ler Treez, Freez, Fdez (= Fernández), Perez. A leitura mais segura é Treez, mas não é claro se o vocábulo deve interpretar-se como agudo (portanto tre-êz) ou grave (trê-ez); parece que deverá ser antes agudo. Treez deve de ser um topónimo. Como as cantigas de Nuno Treez aparecem nos cancioneiros fazendo parte do (hipotético) «Cancioneiro de jograis galegos», podemos conjecturar que seria jogral de profissão, e originário de algum lugar da Galiza. De facto existe hoje na Galiza uma freguesia chamada Trez, pertencente ao concelho de Laça, no sul da província de Ourense. Porém, parece improvável que o trovador proceda dessa zona, visto que nas suas cantigas faz referência à ermida de “Sam Clemenço do Mar”, que obviamente devia achar-se perto do mar (e portanto longe da zona de Laça, que se acha no interior): esta ermida tem-se identificado com a que existe (agora em ruínas) num ilhéu da ria de Pontevedra conhecido popularmente como a ilha do Santo do Mar, situado a poucos metros da costa, frente à praia chamada igualmente do Santo do Mar, pertencente à freguesia de Ardám, no concelho de Marim. Obra poética: 4 cantigas, todas de amigo (cc. 1216-1219): 1) «Des quando vos fostes daqui» (Ba 1200, V [805]) irR [= Tav 110,1]: cant. 1216. 2) «Sam Clemenço do Mar» (Ba 1201, V [806]) irR [= Tav 110,4]: cant. 1217. 3) «Nom vou eu a Sam Clemenço orar, e faço gram razom» (Ba 1202, V [807]) irRF [= Tav 110,3]: cant. 1218. 4) «Estava-m’ em Sam Clemenço, u fora fazer oraçom» (Ba 1203, V [808]) irR [= Tav 110,2]: cant. 1219.

Nuno Treez 1 [= 1216 = Tav 110,1] «Des quando vos fostes daqui» (Ba 1200, V [805]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga declara ao amigo que, desde que ele se foi, ela não fez senão chorar]. I 2 4 6 8

Des quando vos fostes daqui, meu amigo, sem meu prazer, houv’ eu tam gram coita des i qual vos ora quero dizer: que nom fezerom des entom os meus olhos se chorar nom, nem ar quis o meu coraçom que fezessem se chorar nom.

1

II 10 12 14 16 III 18 20 22 24

E des que m’ eu sem vós achei, sol nom me soub’ i conselhar, e mui triste porém fiquei e com coita grand’ e pesar, que nom fezerom des entom os meus olhos se chorar nom, nem ar quis o meu coraçom que fezessem se chorar nom. E fui eu fazer oraçom a Sam Clemenç’, e nom vos vi; e bem des aquela sazom, meu amig’, avẽo-m’ assi: que nom fezerom des entom os meus olhos se chorar nom, nem ar quis o meu coraçom que fezessem se chorar nom.

Nuno Treez 2 [= 1217 = Tav 110,4] «Sam Clemenço do Mar» (Ba 1201, V [806]) [Cantiga de amigo; de refrão. Perante São Clemente a rapariga afirma o seu propósito de vingar-se do amigo]. I

1 3

II

4 6

III

7 9

IV

10 12

Sam Clemenço do Mar, se mi del nom vingar, nom dormirei. Sam Clemenço, senhor, se vingada nom for, nom dormirei. [Se mi del nom vingar, que me faz mal andar, nom dormirei.] Se vingada nom for do fals’ e traedor, nom dormirei.

2

Nuno Treez 3 [= 1218 = Tav 110,3] «Nom vou eu a Sam Clemenço orar, e faço gram razom» (Ba 1202, V [807]) [Cantiga de amigo; de refrão, com dupla finda. A rapariga manifesta o seu desgosto com São Clemente, visto que não lhe traz o seu amigo apesar das repetidas súplicas dela]. I 2 4 II 6 8 III 10 12 IV 14 16 F1

18 20

F2

22 24

Nom vou eu a Sam Clemenço | orar, e faço gram razom, ca el nom mi tolhe_a coita | que trago no meu coraçom: n[o]m mi_aduz o meu amigo, pero lho rog’ e lho digo. Nom vou eu a Sam Clemenço, | nem el nom se nembra de mi, nem mi_aduz o meu amigo, | que sempr’ amei, des que o vi: n[o]m mi_aduz o meu amigo, pero lho rog’ e lho digo. Ca se el m’ [i] adussesse | o que me faz pẽad’ andar, nunca tantos estadaes | arderam ant’ o seu altar: n[o]m mi_aduz o meu amigo, pero lho rog’ e lho digo. Ca se el m’ [i] adussesse | o por que eu moiro d’ amor, nunca tantos estadaes | arderam ant’ o meu senhor: n[o]m mi_aduz o meu amigo, pero lho rog’ e lho digo. Pois eu e[m] mià voontade de o nom veer som bem fis, que porrei, par caridade, ant’ el?: candeas de Paris? Em mi tolher meu amigo filhou comigo perfia; por end’ arderá, vos digo, ant’ el lume de bogia.

Nota(s): No v. 6 talvez deveríamos ler n[o]m em vez de nem, modificando então a pontuação do fim do verso precedente: “nem el nom se nembra de mi: / n[o]m mi_aduz o meu amigo”. As razões que me levam a decidir-me por estruturar as duas últimas estrofes como findas são as seguintes: 1) a existência de rima regular, que obriga a estabelecer versos curtos, diferentemente do que acontece nas outras estrofes, onde a rima determina que os versos são longos; 2) a falta de correspondência paralelística com as restantes estrofes da cantiga, assim no aspecto formal como no que diz respeito ao conteúdo semântico; 3) a coincidência da rima igo do refrão em dois versos (vv. 21, 23); 4) a distribuição gráfica dos mss. em versos curtos, pois nas outras estrofes indica-se que os versos são longos; 5) a oportunidade de finda à vista do pensamento conclusivo da rapariga.

3

Nuno Treez 4 [= 1219 = Tav 110,2] «Estava-m’ em Sam Clemenço, u fora fazer oraçom» (Ba 1203, V [808]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga conta como estando em São Clemente lhe chegou a feliz notícia de que o seu amigo estava a ponto de chegar ali]. I

1 3

II

4 6

III

7 9

IV

10 12

V

13 15

VI

16 18

Estava-m’ em Sam Clemenço, | u fora fazer oraçom, e disse-mi_o mandadeiro, | que mi prougue de coraçom: “– Agora verrá aqui voss’ amigo”. Estava-m’ em Sam Clemenço, | u fora candeas queimar, e disse-mi_o mandadeiro: | “– Fremosa de bom semelhar, agora verrá aqui voss’ amigo”. Estava-m’ em Sam Clemenço, | u fora oraçom fazer, e disse-mi_o mandadeiro: | “– Fremosa de bom parecer, agora verrá aqui voss’ amigo”. E disse-mi_o mandadeiro, | que mi prougue de coraçom, porque viu que me prazia, | ar disse-mi_outra vez entom: “– Agora verrá aqui voss’ amigo”. E disse-mi_o mandadeiro: | “– Fremosa de bom semelhar”; porque viu que me prazia, | ar começou-me a falar: “– Agora verrá aqui voss’ amigo”. E disse-mi_o mandadeiro: | “– Fremosa de bom parecer”; porque viu que me prazia, | ar começou-me a dizer: “– Agora verrá aqui voss’ amigo”.

Nota(s): Em ambos os mss. a a estrofe que dou como quarta aparece como derradeira (isto é, como sexta); mas a ordem das rimas exige que seja efectivamente quarta para que dessarte resultem simétricas as rimas das três estrofes primeiras (om, ar, êr) com as das três últimas.

4

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