As cantigas de Pero Moogo (edição digital) [2004]

July 3, 2017 | Autor: J. Montero Santalha | Categoria: Poesia trovadoresca galego-portuguesa
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As cantigas de Pero Moogo Pero Moogo [= Tav 134]: Biografia. A maioria dos estudiosos adoptam Meogo como apelido deste trovador, pois essa é a forma que os mss. trovadorescos parecem oferecer. No entanto, vista a grande quantidade de ocorrências do apelido Moogo nas colecções documentais galego-portuguesas dos séculos XIII-XIV, por um lado, e, por outro, a ausência nelas de Meogo, parece pouco provável que o trovador seja Meogo; ademais, contrariamente ao que alguns investigadores têm afirmado, os mesmos mss. trovadorescos oferecem indícios para a leitura Moogo. Por outra parte, moogo (pronuniciado mo-ó-go, vocábulo grave com ó tónico aberto) é substantivo comum vivo na língua da época trovadoresca, usado repetidamente nas Cantigas de Santa Maria com o significado de ‘monge’, ‘sacerdote’. Nalgumas ocorrências da documentação medieval talvez mantenha ainda esse significado de apelativo comum, especialmente quando vai seguido da preposição de e de um topónimo, com o valor de ‘pároco, abade’ de uma determinada freguesia; por exemplo: “Petrus Moogo de Leirado”. Como sobrenome ou apelido Moogo documenta-se na época trovadoresca aplicado a diversos indivíduos, em território tanto da Galiza como de Portugal: Airas Moogo, Diogo Moogo, Domingos Moogo, Fernando Moogo, Froilám Moogo, Garcia Moogo, Gonçalvo Moogo, João Moogo, Lopo Moogo, Martim Moogo, Miguel Moogo, Pai Moogo, Sancho Moogo, Soeiro Moogo... Entre eles aparecem vários Pe(d)ro (ou em latim Petrus) Moogo; não se pode excluir que algum destes seja o trovador, mas não é possível confirmá-lo. Dado que as cantigas de Pero Moogo aparecem nos cancioneiros dentro do chamado “Cancioneiro de jograis galegos”, tem-se suposto que seria jogral e originário da Galiza, e teria vivido num período que pode ir de meados do século XIII a começos do XIV. Obra poética: 9 cantigas, todas de amigo (cc. 1200-1208): 1) «O meu amig’, a que preito talhei» (Ba 1184, V [789]) iR [= Tav 134,6]: cant. 1200. 2) «Por mui fremosa, que sanhuda_estou» (Ba 1185, V [790]) iR [= Tav 134,7]: cant. 1201. 3) «– Tal vai o meu amigo com amor que lh’ eu dei» (Ba 1186, V [791]) idM [= Tav 134,9]: cant. 1202. 4) «Ai cervos do monte, vim-vos preguntar» (Ba 1187, V [792]) iR [= Tav 134,1]: cant. 1203. 5) «Levou-s’ a [louçãa, levou-s’ a] velida» (Ba 1188, V [793]) nR [= Tav 134,5]: cant. 1204. 6) «Enas verdes ervas» (Ba 1189, V [794]) iR [= Tav 134,3]: cant. 1205. 7) «Preguntar-vos quer’ eu, madre» (Ba 1190, V [795]) iR [= Tav 134,8]: cant. 1206. 8) «Fostes, filha, eno bailar» (Ba 1191, V [796]) iR [= Tav 134,4]: cant. 1207. 9) «– Digades, filha, mià filha velida» (Ba 1192, V [797]) idR [= Tav 134,2]: cant. 1208.

Pero Moogo 1 [= 1200 = Tav 134,6] «O meu amig’, a que preito talhei» (Ba 1184, V [789]) [Cantiga de amigo; de refrão. Dirigindo-se à mãe, a rapariga diz-lhe que tem estabelecido um encontro com o amigo na fonte dos cervos, mas parece que a mãe não lho permite]. I

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II

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O meu amig’, a que preito talhei, com vosso medo, madre, mentir-lh’-ei; e, se nom for, assanhar-s’-á. Talhei-lh’ eu preito de o ir veer ena fonte_u os cervos vam bever; e, se nom for, assanhar-s’-á. 1

III

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IV

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E nom hei eu de lhi mentir sabor, mais [a] mentir-lh’ hei com vosso pavor; e, se nom for, assanhar-s’-á. De lhi mentir nem-um sabor nom hei: com vosso med’ a mentir-lh’ haverei; e, se nom for, assanhar-s’-á.

Nota(s): Verso 5: O confronto deste verso (“ena fonte_u os cervos vam bever”) com o segundo verso do refrão da cantiga seguinte (1201.4R: “a-la font’ u os cervos vam bever”) sugere duas cousas: 1) Que aqui poderíamos editar também “font’ u”, com elisão (em vez de “fonte_u”, com sinalefa); seria talvez até preferível, pois é sabido que na língua poética medieval, contrariamente ao que acontece na língua culta moderna, o procedimento normal neste tipo de encontros vocálicos intervocabulares era a elisão e não a sinalefa; mas, na dúvida, opto por conservar a representação da sinalefa, por fidelidade aos mss. 2) Que na cantiga seguinte, em vez do castelhanismo a-la quiçá deveríamos ler, como aqui aparece, ena: é um problema ainda não resolvido o deste género de castelhanismos (a-la, al), que talvez tenha a sua explicação no processo de transmissão textual destes textos. Verso 8: Falta uma sílaba no verso. O paralelismo com o v. 12 (“com vosso med’ a mentirlh’ haverei”), da estrofe seguinte, sugere intercalarmos a preposição a também aqui, com o que fica completo o número de sílabas. Uma solução alternativa –menos justificada, segundo creio– seria a de intercalar o pronome eu depois de hei: “mais mentir-lh’ hei [eu] com vosso pavor”.

Pero Moogo 2 [= 1201 = Tav 134,7] «Por mui fremosa, que sanhuda_estou» (Ba 1185, V [790]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga (em monólogo, ao que parece) expressa o seu descontentamento porque o amigo lhe mandou dizer que se encontrariam na fonte dos cervos]. I 2 4 II 6 8 III 10 12

Por mui fremosa, que sanhuda_estou a meu amigo, que me demandou que o foss’ eu veer a-la font’ u os cervos vam bever! Nom faç’ eu torto de mi lh’ assanhar, por s’ atrever el de me demandar que o foss’ eu veer a-la font’ u os cervos vam bever. Afeito me tem já por sandia, que el nom vem, mas [mandad’] envia que o foss’ eu veer a-la font’ u os cervos vam bever.

Nota(s): Verso 4: Veja-se o comentário a respeito do verso 5 da cantiga precedente (cant. 1200).

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Pero Moogo 3 [= 1202 = Tav 134,9] «– Tal vai o meu amigo com amor que lh’ eu dei» (Ba 1186, V [791]) [Cantiga de amigo; de mestria. Em diálogo com a mãe, a rapariga compara o amor do seu amigo com um cervo ferido; a mãe adverte-lhe que, como ela sabe por experiência, pode tratar-se de um amor interessado]. I 2

– Tal vai o meu amigo, | com amor que lh’ eu dei, come cervo ferido | de monteiro del-rei.

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Tal vai o meu amigo, | madre, com meu amor, come cervo ferido | de monteiro maior.

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E, se el vai ferido, | irá morrer al mar: si fará meu amigo | se eu del nom pensar.

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– E guardade-vos, filha, | ca já m’ eu atal vi que se fez [mui] coitado | por guaanhar de mi.

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E guardade-vos, filha, | ca já m’ eu vi atal que se fez mui coitado | por de mim guaanhar.

II

III

IV

V

Nota(s): À vista da clara estrutura paralelística que a composição apresenta nos dois pares de estrofes do início e do fim, surpreende que a estrofe terceira fique isolada, sem par. Poderíamos, pois, conjecturar que falta uma estrofe, entre a terceira e a quarta, que seria paralela da terceira; podemos supor, nessa hipótese, que fosse algo assim: E, se el vai ferido, | al mar irá morrer: si fará meu amigo | se eu nom pensar del. Seria possível, com efeito, que fosse essa a estrutura original, estropiada por descuido de algum copista. No entanto, não devemos excluir a possibilidade de uma estrutura simétrica, por assim dizer “circular”, com dois pares de estrofes paralelas nas duas margens e uma estrofe isolada no centro da cantiga.

Pero Moogo 4 [= 1203 = Tav 134,1] «Ai cervos do monte, vim-vos preguntar» (Ba 1187, V [792]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga apostrofa os cervos do monte, coitada porque o seu amigo se foi]. I

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Ai cervos do monte, | vim-vos preguntar: foi-s’ o meu amig’, e, | se alá tardar, que farei, velida? Ai cervos do monte, | vim-vo-lo dizer: foi-s’ o meu amig’, | e querria saber que farei, velida?

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Nota(s): O refrão apresenta-se nos mss. como “que farei, velidas?” A forma plural velidas parece dar a entender que a rapariga, que no início da cantiga apostrofava os cervos do monte, se dirige agora às suas amigas. Esta surpreendente mudança de interlocutores suscitou nos editores diversas atitudes: quer modificaram cervos para cervas entendendo que existia aí uma falta contra a lógica do discurso, quer admitiram o texto dos mss., supondo bem que tivesse uma certa independência do resto da cantiga (e mesmo talvez fosse anterior a ela), bem que respondesse a uma “falta de lógica” explicável no nível literário. Pela minha parte, creio, como Rip Cohen, que o confronto com outras expressões similares em cantigas de amigo sugere que a forma original do refrão devia de ser “que farei, velida?”, isto é, ‘que farei eu, formosa?’

Pero Moogo 5 [= 1204 = Tav 134,5] «Levou-s’ a [louçãa, levou-s’ a] velida» (Ba 1188, V [793]) [Cantiga narrativa; de refrão. Logo de levantar-se, uma moça vai lavar a cabeça na fonte]. I

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Levou-s’ a [louçãa, | levou-s’ a] velida; vai lavar cabelos | na fontãa fria, leda dos amores, | dos amores leda. Levou-s’ a [velida, | levou-s’ a] louçãa: vai lavar cabelos | na fria fontãa, leda dos amores, | dos amores leda. Vai lavar cabelos | na fontãa fria; passou seu amigo, | que lhi bem queria; leda dos amores, | dos amores leda. Vai lavar cabelos | na fria fontãa; passa seu amigo, | que a muit’ amava; leda dos amores, | dos amores leda. Passa seu amigo, | que lhi bem queria; o cervo do monte | a áugua volvia; leda dos amores, | dos amores leda. Passa seu amigo | que a muit’ amava; o cervo do monte | volvia a áugua; leda dos amores, | dos amores leda.

Nota(s): Como se tem assinalado repetidamente, existe uma óbvia semelhança entre a presente cantiga de Pero Moogo e a cant. 586, «Levantou-s’ a velida», de Dom Denis. Mais difícil é determinar se essa semelhança delata dependência de uma delas com respeito à outra, ou se ambas partem de um fundo popular. Em caso de existir dependência, não é seguro quem depende de quem: as opiniões ao respeito discrepam; pela minha parte, inclino-me a pensar que deve de ser Dom Denis o imitador. Sobre o género literário a que a composição pertence, deve-se aplicar também a ela o que foi comentado da de Dom Denis: vem sendo habitualmente classificada como cantiga de amigo, por razão da atmosfera geral que nela se respira; mas, visto que aqui fala um observador neutral (e não a rapariga protagonista, que formulará em primeira pessoa o mesmo feito na cantiga 4

seguinte, 1205), resulta mais exacto classificar a composição com a denominação genérica de “cantiga narrativa”. Os versos iniciais das duas primeiras estrofes (= vv. 1 e 4) aparecem hipométricos nos mss., de modo que deveu de existir aí um erro no processo de transmissão textual. Não é fácil determinar como seriam originariamente; adopto a versão conjectural que vem sendo tradicional, mas é possível que tenha razão Rip Cohen propondo aí uma formulação textual mais próxima da cantiga de Dom Denis antes citada.

Pero Moogo 6 [= 1205 = Tav 134,3] «Enas verdes ervas» (Ba 1189, V [794]) [Cantiga de amigo; de refrão. A rapariga, dirigindo-se ao amigo, conta como lavou e adornou a cabeça na fonte dos cervos]. I

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VII 19 21 VIII 22 24

Enas verdes ervas vi andá-las cervas, meu amigo. Enos verdes prados vi os cervos bravos, meu amigo. E, com sabor delas, lavei miàs garcetas, meu amigo. E, com sabor delos, lavei meus cabelos, meu amigo. Des que los lavei, d’ ouro los liei, meu amigo. Des que las lavara, d’ ouro las liara, meu amigo. D’ ouro los liei, e vos asperei, meu amigo. D’ ouro las liara, e vos asperava, meu amigo.

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Pero Moogo 7 [= 1206 = Tav 134,8] «Preguntar-vos quer’ eu, madre» (Ba 1190, V [795]) [Cantiga de amigo; de refrão. Dirigindo-se à mãe, a rapariga pergunta-se se o seu amigo se atreverá a falar com ela em presença da mãe na fonte dos cervos]. I 2 4 II 6 8 III 10 12

Preguntar-vos quer’ eu, madre, que mi digades verdade: se ousará meu amigo ante vós falar comigo? Pois eu mig’ hei seu mandado, querria saber de grado se ousará meu amigo ante vós falar comigo. Irei, mià madre,_a-la fonte u vam os cervos do monte: se ousará meu amigo ante vós falar comigo?

Pero Moogo 8 [= 1207 = Tav 134,4] «Fostes, filha, eno bailar» (Ba 1191, V [796]) [Cantiga de amigo; de refrão. A mãe repreende a rapariga porque estropiou a roupa no baile]. I

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Fostes, filha, eno bailar e rompestes i o brial. Poi-lo cervo i vem, esta fonte seguide-a bem, poi-lo cervo i vem. Fostes, filha, eno loir e rompestes i o vestir. Poi-lo cervo i vem, esta fonte seguide-a bem, poi-lo cervo i vem. E rompestes i o brial, que fezestes a meu pesar. Poi-lo cervo i vem, esta fonte seguide-a bem, poi-lo cervo i vem. E rompestes i o vestir, [e] fezestes pesar [a] mim. Poi-lo cervo i vem, esta fonte seguide-a bem, poi-lo cervo i vem.

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Pero Moogo 9 [= 1208 = Tav 134,2] «– Digades, filha, mià filha velida» (Ba 1192, V [797]) [Cantiga de amigo; de refrão. Diálogo entre a mãe e a rapariga sobre a demora desta na fonte]. I

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– Digades, filha, | mià filha velida: porque tardastes | na fontãa fria? – Os amores hei. – Digades, filha, | mià filha louçãa: porque tardastes | na fria fontãa? – Os amores hei. Tardei, mià madre, | na fontãa fria: cervos do monte | a áugua volviam. Os amores hei. Tardei, mià madre, | na fria fontãa: cervos do monte | volviam a áugua: Os amores hei. – Mentir, mià filha, | mentir por amigo!: nunca vi cervo | que volvess’ o rio. – Os amores hei. – Mentir, mià filha, | mentir por amado!: nunca vi cervo | que volvess’ o alto. – Os amores hei.

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