AS \" CIDADES DA CANA \" NO TRIÂNGULO MINEIRO (BRASIL): PARA UMA DISCUSSÃO DAS IMPLICAÇÕES TERRITORIAIS DO AGRONEGÓCIO E DE SEUS NEXOS URBANOS

May 19, 2017 | Autor: Mirlei Pereira | Categoria: Triângulo Mineiro, Agronegócio, cidades da cana, setor sucroenergético
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AS “CIDADES DA CANA” NO TRIÂNGULO MINEIRO (BRASIL): PARA UMA DISCUSSÃO DAS IMPLICAÇÕES TERRITORIAIS DO AGRONEGÓCIO E DE SEUS NEXOS URBANOS 1 Eixo temático: Globalización, integración y dinámicas territoriales Mirlei Fachini Vicente Pereira Professor Adjunto, Instituto de Geografia, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil [email protected] No Brasil, são freqüentes e conhecidos os estudos que avaliam os prejuízos sociais e ambientais da prática capitalista da agricultura canavieira, que historicamente resultou em processos de concentração fundiária ou subordinação de proprietários de terra, superexploração da força de trabalho empregada no corte, impactos ambientais de máxima ordem, etc. No entanto, poucas são as análises voltadas para a compreensão dos aspectos resultantes do setor sucroenergético no meio urbano. Especialmente em municípios cujas sedes são pequenas (cidades com reduzido efetivo populacional), e que conhecem significativa especialização territorial produtiva, o cultivo da cana e as atividades industriais para a produção de açúcar e etanol acabam por gerar extrema dependência econômica e situações de vulnerabilidade, quando a economia urbana é monofuncional. A preocupação de nosso estudo é, fundamentalmente, compreender os significados das transformações socioespaciais decorrentes da expansão e fortalecimento das atividades sucroenergéticas (plantio de cana-de-açúcar e seu processamento industrial para a produção de açúcares, etanol e eletricidade), na redefinição da dinâmica territorial da região Triângulo Mineiro (estado de Minas Gerais, Brasil), visando avaliar particularmente os contextos de especialização e de vulnerabilidade que se afirmam num conjunto significativo de pequenas cidades, que estamos denominando como “cidades da cana”. Em outras palavras, visamos, a partir de um debate caro à geografia econômica e regional, avaliar as transformações e a nova feição regional a partir das cidades que mais se solidarizam às atividades do setor sucroenergético, tendo em vista a crescente expansão da atividade no Triângulo Mineiro, nas duas últimas décadas. Variando entre 4 mil e 18 mil habitantes, os pequenos núcleos caracterizados como “cidades da cana” na região do Triângulo Mineiro possuem usinas sucroenergéticas instaladas, predomínio de cana-de-açúcar nas atividades da lavoura temporária, núcleos urbanos em geral precários e com índices de pobreza significativos. Sem dúvida, o que arriscamos denominar como “cidades da cana” constitui, no Triângulo Mineiro, uma situação geográfica importante para revelar as dinâmicas do uso do território pelas atividades do setor sucroenergético e a complexidade da questão agrária atual, tendo em vista que também o espaço das cidades acaba por acolher as desigualdades sociais geradas pelas atividades do agronegócio. Palavras-chave: Nexos campo-cidade; Agronegócio; Setor sucroenergético. Introdução O Brasil é até os dias atuais o maior produtor mundial de cana-de-açúcar e sem dúvida um país que, também historicamente, possui no que hoje denominamos setor sucroenergético uma importante atividade no conjunto da economia do país, bem como significativa fonte de produção de energia a partir da cana, seja para a produção de açúcar (consumo humano ou industrial) ou para a de etanol (combustível). No ano de 2013, foram produzidas no país pouco mais de 768 milhões de toneladas de cana (IBGE-PAM, 2015) (o que significa cerca de 4 toneladas por habitante).

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O texto resulta de pesquisa realizada no Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil, com auxílio financeiro do CNPq (408752/2013-0) e FAPEMIG (01797-14).

Desde o período colonial ocupando vastos espaços do que hoje corresponde a região Nordeste, para, mais tarde, expandir-se também em vastas porções territoriais dos atuais estados do Rio de Janeiro e São Paulo, o plantio de cana-de-açúcar se afirma como importante atividade produtiva no campo e se instala, a partir de meados do século XX, de modo privilegiado no Sudeste do país. Na década de 1970, quando a técnica permite o largo emprego do etanol como combustível automotivo, o estado brasileiro impulsiona o setor a partir de um conjunto de políticas comumente conhecidas como PróÁlcool, possibilitando a expansão da produção e do uso de tal combustível em boa parte da frota de veículos produzidos no país, o que resulta em expansão dos cultivos e do parque industrial do setor, também no Sudeste brasileiro (especialmente no estado de São Paulo). Assim, e reconhecendo os anos 1970 como década que inaugura um novo período para as atividades sucroenergéticas no Brasil, é que o estado de Minas Gerais conhece uma expansão mais significativa da produção, que a partir de então ocorre em molde industrial e voltado também para a produção de álcool combustível. A década de 1970 também marca a modernização da produção agropecuária que torna a região do Triângulo Mineiro, porção oeste de Minas Gerais, a mais moderna região agropecuária do estado, a partir da inserção de culturas como a soja, o café e a cana-de-açúcar (PESSÔA, 2006). Nesta região, após os esforços iniciais de homogeneização do território empreendidos nos anos 1960 e sobretudo 1970 para viabilizar a expansão da agricultura moderna, o esforço seguinte foi o de “integração”, quando investimentos privados encontram situações de inserção e concorrência em mercados tornados receptivos ao capital (BRANDÃO, 2007, p.75-76). É assim que já na década de 1970 o Triângulo Mineiro recebe grandes projetos de investimentos, como é o caso de algumas grandes plantas industriais para a produção de derivados da cana, especialmente oriundos do estado de São Paulo. Tal condição nos remete a pensar que o processo de integração é também a responsável, no dizer de Carlos Brandão (2007, p.81-82), pela produção de uma “hierarquia” territorial, onde são ampliadas as relações entre regiões dominantes e regiões subordinadas, sendo que, no caso das regiões subordinadas, como a própria denominação indica, falta-lhes autonomia de decisão, “gravitando” entorno dos interesses das regiões ou países do centro do capitalismo. Em outras palavras, e para utilizarmos uma proposição de Milton Santos (1996), trata-se de um acontecer hierárquico, que produz uma situação de comando e de obediência entre lugares e agentes, no mais das vezes distantes, de onde emergem e entram em confronto diferentes razões ou ordens de uso do território, ora globais, ora locais (SANTOS, 1996), já que nenhuma impera ou se realiza por completo sobre todo o território. A virada de século inaugura um novo período e expressa uma nova situação para o setor sucroenergético, bem como de todo o agronegócio brasileiro. Para o setor sucroenergético, e especialmente após compromissos assumidos por diversos países para a redução da emissão de gases do efeito estufa (o Protocolo de Quioto, no fim dos anos 1990), surgem perspectivas de ampliação da produção visando o mercado externo (agora especialmente para o etanol), o que reforça a produção nacional e insere novos agentes econômicos no setor, inclusive sob o comando de capitais externos. O resultado direto é a expansão significativa da produção nacional de cana-deaçúcar (praticamente dobrando entre 2005 e 2010), com fortalecimento do setor sucroenergético e ampliação das exportações de derivados de cana. O Triângulo Mineiro, assim como outras regiões do domínio de cerrados no Brasil Central, conhece significativa expansão dos cultivos (Tabela 1), com inserção de novas unidades produtivas. O município de Uberaba é o maior produtor da região e em 2013 ocupa a segunda posição entre os maiores produtores de cana-de-açúcar do Brasil (5,7 milhões de toneladas) (IBGE, 2014).

Tabela 1: Cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, no Estado de Minas Gerais (MG) e na região Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (TM/AP) 1990-2013 Área Plantada (hectares) Brasil MG 1990 4.322.299 301.710 1995 4.638.281 267.571 2000 4.879.841 292.571 2005 5.815.151 349.112 2010 9.164.756 746.527 2013 10.223.043 896.582 Fonte: IBGE-PAM Organizado pelo autor.

Ano

Quantidade Produzida (toneladas) TM/AP 103.862 92.575 126.500 176.791 492.440 580.946

Brasil 262.674.150 303.699.497 326.121.011 422.956.646 717.463.793 768.090.444

MG 17.533.368 16.726.400 18.706.313 25.386.038 60.603.247 71.619.149

TM/AP 7.332.891 6.856.624 10.076.488 14.459.650 42.415.800 48.884.937

O agronegócio brasileiro, de modo geral, encontra a partir do ano 2000 novas circunstâncias que asseguram um surpreendente crescimento da produção de commodities, viabilizando a ampliação da acumulação de grandes tradings do setor, processo este que Delgado (2012, p.94) reconhece como um novo “pacto de economia política do agronegócio”, onde se associam o grande capital agroindustrial e a grande propriedade fundiária, para a realização de uma estratégia econômica de capital financeiro com amplo apoio do Estado. Tal pacto de poder, arquitetado no governo de Fernando Henrique Cardoso e sustentado pelos governos Lula e Dilma Roussef, se estabelece numa conjuntura de mercado externo favorável às commodities agrícolas e minerais (com desvalorização do Real no final dos anos 1990), amplo esforço estatal para dotar o território com as infraestruturas necessárias à viabilidade da produção competitiva e de uma pesquisa (via Embrapa) alinhada às demandas das multinacionais que controlam a produção/comercialização de gêneros oriundos do agronegócio, bem como melhor planejamento e maior provisão de crédito rural através dos planos safra (DELGADO, 2012, p.94). Esta postura se assenta na aposta de manter o equilíbrio ou gerar superávits na balança comercial a partir da exportação de gêneros primários, cuja produção tem valor quadruplicado entre os anos 1990 e 2000, acompanhada de conseqüente reprimarização da pauta exportadora do país; projeto este que, no entanto, e partir do final da primeira década de 2000, apresenta claros limites de sustentação, tornando inviável tal aposta para o equilíbrio da balança comercial (DELGADO, 2012, p.94-95). Este processo será claramente percebido no contexto de Minas Gerais e aciona particularmente o Triângulo Mineiro, refletindo a modernização e um uso agrícola mais intenso do território (especialmente no caso da cana), ainda que com significativas variações em cada cultura. Do modo como o processo ganha concretude no Triângulo Mineiro, podemos reconhecer uma dinâmica territorial que se aproxima daquilo que Elias (2011, 2013) têm denominado como regiões produtivas do agronegócio, ou, ainda, daquilo que Castillo (2008, 2009, 2011) e Castillo e Frederico (2010) denominam como espaços ou regiões competitivas agrícolas. Trata-se de atividade e consequente especialização territorial que ocorrem no Triângulo Mineiro já há algumas décadas, mas que, no entanto, conhecem períodos prenhes de lógicas diferentes, ganhando novos contornos e nova dinâmica no atual período de globalização. Ocupando as melhores terras, a expansão recente das atividades sucroenergéticas gera uma valorização fundiária que por vezes inviabiliza a permanência de outras atividades (especialmente a tradicional pecuária leiteira, realizada muitas vezes em terras arrendadas), cria mecanismos de sujeição dos proprietários de terra (vitimas dos esquemas perversos de arrendamento), e acaba por criar um situação de vulnerabilidade territorial que também produz nexos urbanos, alcançando os espaços das cidades. Assim, prevalece a lógica das commodities, que subordina os produtores às ações das grandes empresas (CASTILLO, 2011, p.5) que, em última instância, resulta em situações de uso corporativo do território. Mas a produção do setor sucroenergético não ocorre de forma homogênea no Triângulo Mineiro, permitindo reconhecermos espaços que são mais intensamente usados na produção agrícola e também pontualmente acionados para o processamento industrial. Reconhecemos, conforme

fizeram Vargas e Michelotto (2011), a existência de verdadeiros “municípios canavieiros”, alguns dedicando-se a produção de cana e derivados desde meados do século XX, outros desde os anos 1970/1980, com empreendimentos resultantes da expansão promovida pelos incentivos do PróÁlcool, e ainda outros cuja situação de especialização ou um acionamento para a produção resulta da última vaga de expansão dos cultivos (anos 2000). Em vários destes municípios que mais se solidarizam com a produção de cana-de-açúcar, ocorre extrema dependência das atividades urbanas frente ao setor sucroenergético, o que de certo modo justifica a denominação que formulamos – são verdadeiras “cidades da cana”, porque nelas a base da economia e das atividades que animam o meio urbano são fundamentalmente ligadas ao setor. As cidades da cana no Triângulo Mineiro Tomando como ponto de partida o contexto exposto, nossa intenção é apresentar o fenômeno que, ainda em hipótese, estamos denominando como “cidades da cana”, tendo como espaço de referência o Triângulo Mineiro. Correndo o risco inerente a toda e qualquer classificação que pretende alcançar algum grau de generalidade, ainda que para o nosso caso, e como já salientamos, o universo pesquisado seja apenas o do Triângulo Mineiro, arriscamos denominar “cidades da cana” os núcleos urbanos que apresentam o seguinte conjunto de características territoriais: 1) São pequenos núcleos urbanos, em geral pouco populosos (no caso do Triângulo Mineiro variando entre 04 e 18 mil habitantes), que possuem uma ou mais usinas sucroenergéticas em área territorial municipal (com usinas próximas ou não da área urbana); 2) Tais núcleos estão inseridos em municípios com amplo predomínio da cultura da cana em sua área territorial, quando comparada ao conjunto dos outros cultivos agrícolas (tanto os temporários quanto os permanentes), gerando paisagens monótonas que na última década ganham espaço no Triângulo Mineiro; e 3) Na maioria dos casos, tais núcleos possuem economia predominantemente pautada na atividade agropecuária (setor primário) ou industrial (um setor secundário resultante no mais das vezes exclusiva ou significativamente das atividades sucroenergéticas). Ainda como características marcantes, tais núcleos urbanos, no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba, sofrem em geral com a escassez de infraestrutura e serviços básicos, alguns deles ainda hoje (em tempos de mecanização dos cultivos) com considerável contingente de população trabalhadora de origem migrante (sobretudo da região Nordeste, mas também do norte de Minas Gerais). A partir de um levantamento de dados (principalmente secundários), dentre as sedes urbanas dos municípios que mais se destacam na produção de cana e derivados na região, exemplificam potencialmente tal situação as cidades de Araporã, Campo Florido, Capinópolis, Carneirinho, Conceição das Alagoas, Conquista, Delta, Itapagipe, Limeira do Oeste, Pirajuba e Santa Vitória, como pode ser observado na figura a seguir (Figura 1). Esta condição das “cidades da cana” implica em reconhecermos exatamente as situações de maior dependência e mesmo de vulnerabilidade a que se expõem esses centros. Ainda que não sejam os maiores produtores de cana-de-açúcar da região, os municípios que sediam estas cidades com pequena população e uma economia muito pouco diversificada acaba se tornando reféns da atividade. São cidades locais, na acepção tomada por Santos (1982, 1993), que desempenham normalmente apenas funções básicas e muito diretas para o consumo mais ordinário de uma população de tamanho reduzido. Ao mesmo tempo, são verdadeiras cidades econômicas, cuja especialização funcional e dependência do setor acabam por criar poucas condições para o surgimento de novas atividades. Há normalmente poucas alternativas de trabalho no campo (muitas vezes ocupado em boa parte pelas lavouras de cana, em uma estrutura fundiárias também normalmente concentrada), faltam políticas públicas que viabilizem novas atividades no campo ou nas cidades, o que revela certa confluência de interesses entre poder público e a manutenção das atividades do setor sucroenergético, aparentemente eleito como alternativa única ou privilegiada de “desenvolvimento”.

Figura 1. As “cidades da cana” no Triângulo Mineiro.

Assim, há forte especialização do trabalho, onde parte significativa da população é empregada nas atividades do setor sucroenergético, resultando mais uma vez numa situação de significativa dependência do setor. Se o campo moderno e tecnificado é responsável por um volume pouco significativo de emprego (cana e grãos colhidos mecanicamente), a população, cada vez mais concentrada nas cidades, acaba muitas vezes tendo no trabalho industrial do setor ou nas atividades próprias do circuito inferior (pequenos comércios e serviços não especializados) as únicas alternativas de trabalho (para além, também, dos cargos públicos municipais). No Triângulo Mineiro, tais núcleos tornam-se “cidades da cana” a partir de drásticas reconfigurações territoriais, quando a região passa a atender de forma mais direta os reclamos de uma divisão do trabalho voltada ao mercado crescente do etanol e demais derivados da cana. Se podemos reconhecê-las por características comuns no período atual, é importante frisar que a emergência do que estamos denominando de “cidades da cana” não resulta de um movimento sincrônico – há cidades cuja feição descrita resulta da instalação de usinas sucroenergéticas há várias décadas (anos 1970 e mesmo unidades ainda mais antigas), enquanto que municípios, tomados por um discurso recente e seduzidos por um efeito de modernização aparente (PEREIRA, 2006) se solidarizam à expansão do cultivo da cana e conhecem a instalação de usinas muito recentemente (décadas de 1990 e 2000). Avaliando a vulnerabilidade territorial em regiões competitivas do etanol, Camelini (2011 reconhece um conjunto de aspectos, ponderando pesos e circunstâncias territoriais, que tornariam os municípios mais propensos a tal vulnerabilidade. Acreditamos que, no Triângulo Mineiro, os municípios mais vulneráveis ao problema da expansão e mesmo da especialização resultantes das atividades sucroenergéticas compõem um conjunto significativo, e várias cidades acabam por confiar seu “desenvolvimento” às atividades do setor. Esta é a nossa principal preocupação de estudo, ou seja, como reconhecer os limites do desenvolvimento a partir das atividades do setor?

Como pensar possibilidades outras de desenvolvimento social aos municípios e cidades muito acionados pela atividade no Triângulo Mineiro? Um exemplo: a cidade de Delta A cidade de Delta, localizada na divisa de Minas Gerais com o estado de São Paulo (distante cerca de 30 km da cidade de Uberaba) nos parece um exemplo dos mais expressivos da situação das cidades da cana na região. Trata-se da sede de um município desmembrado de Uberaba em 1995, composto por uma área que recebeu uma das mais antigas usinas sucroenergéticas do Triângulo Mineiro (em funcionamento desde meados do século XX, segundo informações colhidas em trabalho de campo). A usina foi adquirida no início dos anos 1990 pelo grupo alagoano Carlos Lyra e, em 2012, a partir de um rearranjo do grupo, a unidade passa a compor o grupo Delta Sucroenergia (com unidades em Delta, Conceição das Alagoas e Conquista). O município, que no ano de 2010 contava com pouco mais de 8 mil habitantes (IBGE, 2014), conhece crescimento significativo de sua população após a emancipação municipal em 1995. Nesta cidade, cuja economia é extremamente dependente da atividade sucroenergética, em que pese sua população possuir PIB per capita de cerca de R$ 34 mil (para o ano de 2010), também possuía, no mesmo ano, uma população de baixa renda equivalente a 27,9% do total dos habitantes, o que significa que este percentual, quase um terço dos habitantes, possuía rendimentos menores do que ½ salário mínino (8% da população sobrevivia com menos de ¼ do salário mínino em 2010) (DATASUS, 2015). Ainda tomando o ano de 2010 como referência, as exportações municipais, que residem quase completamente naquilo que é comercializado pela usina (99,9% para o ano, com exportação exclusivamente de açúcar de cana) contabilizou quase a metade de todo o Produto Interno Bruto Municipal (cerca de R$ 134 milhões exportados, frente a um PIB de R$ 272,3 milhões) (IBGE, 2014; SECEX, 2014). Ainda que as ações do setor sejam controladas por um grupo nacional, tratase de um exemplo emblemático de orientação da produção para o mercado externo e, em última instância, de um uso do território sob o comando de um mercado distante. Ainda que a usina adquira a cana produzida em outros municípios (especialmente Uberaba), a área municipal de Delta destinada aos cultivos temporários (quase a totalidade da área utilizada na agricultura) é praticamente tomada pela cana, lavoura esta que ocupou no ano de 2013 cerca de 40% de toda a área territorial do município (4 mil hectares plantados com cana) (IBGE, 2014). Em boa parte da área restante existem pastagens dedicadas à criação de bovinos e algum cultivo de soja e milho. A história recente Delta é marcada pela significativa migração de mão-de-obra para o corte da cana, ainda que o grupo Delta Sucroenergia divulgue recentemente a total mecanização da colheita. Em todo o Triângulo, a colheita da cana realizada desde os anos 1970 sempre foi marcada pela participação expressiva de trabalhadores oriundos principalmente da região Nordeste do país. Em Delta, apenas dentre os migrantes nordestinos contabilizados como moradores no município nos Censos Demográficos, eram quase 500 no ano 2000 e mais de 2600 uma década depois. Um terço da população do município era oriunda do Nordeste em 2010, e mais de um terço desses migrantes nordestinos eram homens, o que expressa a migração de trabalhadores rurais para o corte (IBGE, Censo Demográfico 2010). Dados recentes do CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, apontam o peso do setor sucroenergético na definição do trabalho no município. No ano de 2013, os empregos gerados estão diretamente ligados ao trabalho ou da usina ou do próprio plantio da cana-de-açúcar. O maior volume de contratações é exatamente o de profissionais como trabalhadores da cultura da cana (trabalho temporário e com remuneração pouco maior do que a do salário mínimo (menos de R$700,00). O conjunto de trabalhadores com registro em carteira empregados no município (dados de dezembro de 2013), como não poderia deixar de ser, são os diretamente ligados ao setor, seja para as funções ligadas ao cultivo (trabalhadores da

cultura da cana, apontadores de produção, motoristas, etc.) ou para o trabalho industrial (alimentador de linha de produção, mecânicos de máquinas, soldadores, caldeireiros, etc.). A economia urbana, para além da atividade industrial, resume-se a poucas atividades de um terciário em sua maior parte composto por um circuito inferior da economia urbana (SANTOS, 2004). São pequenos estabelecimentos de comércio e serviços que abastecem a população com os bens de consumo e atividades essenciais, sendo a aquisição de bens duráveis e serviços especializados muitas vezes realizados em Uberaba. O próprio comércio é muito ritmado pelo trabalho na usina, ganhando maior movimento em período de safra. Não oferecendo vantagens comparativas capazes de atrair outro tipo de trabalho, a economia urbana é, assim, atrofiada e muito dependente do dinheiro que circula em função do setor sucroenergético. A arrecadação municipal é incapaz de solver as demandas sociais e os problemas ambientais oriundos da atividade, tornando a cidade refém de sua especialização produtiva e imersa numa situação de instabilidade territorial (SILVEIRA, 2002). Considerações finais O caso da expansão recente dos cultivos da cana-de-açúcar e das atividades do setor sucroenergético no Brasil e, particularmente, no Triângulo Mineiro, exemplifica uma situação de instabilidade e de vulnerabilidade do território própria das condições de submissão do país à produção de commodities. É uma clara condição de “região do fazer” (SANTOS, 1993; SANTOS; SILVEIRA, 2001), que se estabelece no Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba já nos anos 1970/1980 e que se aprofunda com a expansão das atividades do setor nos anos 2000. Ao que tudo indica, o país de modo geral (ou ao menos os que detém o comando político e a força para definir projetos) e particularmente um conjunto numeroso de regiões e municípios são, cada um a seu modo, vítimas de um uso corporativo que garante a acumulação ampliada de agentes do setor sucroenergético e do mesmo modo são como que seduzidos por um efeito aparente de modernização (PEREIRA, 2006) muito atrelado as possibilidades de “ganhos” com a expansão do setor sucroenergético. Assim, municípios e cidades tornam-se reféns de uma política que garante a expansão das atividades do setor, com claros prejuízos para as classes mais pobres, que realizam trabalho em geral mal remunerado e habitam espaços que, no caso do que estamos chamando de “cidades da cana”, são muito regulados pelo setor sucroenergético e em geral carentes das infraestruturas básicas para a garantia de boas condições materiais de vida. Assim, e em que pese um conjunto mais extenso de problemas relacionados ao setor (subordinação de produtores/fornecedores e de proprietários de terra, concentração fundiária, exploração da força de trabalho, impactos ambientais de grandes dimensões, etc.), o que arriscamos denominar como cidades da cana constitui, no Triângulo Mineiro, uma situação geográfica importante para revelar a política de um uso corporativo do território pelo setor sucroenergético também a partir de nexos urbanos. Nas palavras de Milton Santos, A gestão do território, a regulação do território, são cada vez menos possíveis pelas instâncias ditas políticas e passam a ser exercidas pelas instâncias econômicas. O que acontece é que hoje a economia se realiza pela política. Não é a economia que ocupa hoje a posição central; é a política exercida pelos agentes econômicos hegemônicos (SANTOS, 1999, p.21).

Confiar o desenvolvimento da região e destas pequenas cidades às práticas do agronegócio, da forma como ele se realiza hoje, é um exercício puro de abstração (RIBEIRO, 2005), praticado pelo Estado, pelas empresas e pelas classes que tiram proveito da situação estabelecida. Nestas circunstâncias, como esperar alguma mudança em termos de distribuição de renda, melhoria das condições materiais de vida ou a emancipação social da população nestas cidades?

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