Educação Profissional: Ciência e Tecnologia Jan-Jun 2007, volume 1, número 2, p. 199-207
As competências na educação profissional brasileira
Artigo
Antonio Sebastião Galdeano, UNIRADIAL
Resumo - Este trabalho é resultado de uma pesquisa que verificou a importância da delimitação de um conceito de competências para a formulação de políticas públicas, no intuito de subsidiar a discussão sobre a formação e a certificação profissional no Brasil. Apresenta-se um breve histórico do surgimento e dos desdobramentos do emprego do termo “competências” no Brasil e no mundo, desde seu surgimento, no período da Guerra Fria, até o presente momento. Especial ênfase é dada à caracterização das três vertentes (produção, educação e mercado de trabalho) que centralizam estas formulações e às concepções de competências defendidas por cada uma dessas vertentes. Pretende-se contribuir para a reflexão e ação de agentes integrados à discussão da educação profissional brasileira.
Palavras-chave: competências, mundo do trabalho, educação profissional, formação e certificação profissional.
Os conceitos de competência, discu-
A pesquisa baseou-se na coleta e aná-
tidos nos diversos segmentos nos quais o
lise de dados bibliográficos. A coleta de
termo é empregado, divergem estrutural-
dados, em grande parte, foi centrada em
mente entre si. Cada ator social empre-
artigos de periódicos, em websites, na le-
ga o conceito na perspectiva que melhor
gislação oficial e em documentos de entida-
se adaptar às suas necessidades, sendo
des nacionais e internacionais, privadas e
extremamente complexo encontrar um
públicas, que, de alguma forma, interferem
conceito comum que permita a utilização
na discussão do conceito de competências e
intersubjetiva do termo pelas diversas
na implantação deste na formação e certifi-
áreas que o empregam. Tentaremos aqui
cação profissional.
demonstrar essa diversidade, apresen-
Dos organismos internacionais, bus-
tando alguns conceitos de competências
cou-se pontos de referência discutidos
utilizados nos meios produtivos, sociais e
no âmbito do Mercosul, por meio das pu-
educacionais.
blicações do Centro Interamericano de
Nosso principal objetivo é demonstrar a
Investigação
e
Documentação
Formação
diversos segmentos em que o tema é dis-
da Organização Internacional do Trabalho
cutido e quais as dificuldades enfrentadas
(OIT). Esses são fóruns em que a discus-
para se chegar a uma concepção comum a
são do tema da formação e certificação pro-
todos esses atores.
fissional se encontra em estágio bastante
Este artigo é fruto da pesquisa re-
Profissional
sobre
extensa gama de definições existentes nos
(CINTERFOR),
e
avançado.
alizada para a confecção da dissertação
Esse quadro teórico nos auxiliou a cons-
de mestrado intitulada Políticas Públicas
truir uma análise do contexto que envolve
de Formação e Certificação Profissional
a discussão, implantação e manutenção de
no Brasil, defendida em agosto de 2005
um sistema de formação e certificação pro-
na UNICID – Universidade Cidade de São
fissional no Brasil.
Paulo, sob orientação da Profa. Dra. Helena Gemignani Peterossi.
Começaremos a discussão pela análise pelo termo competência. Competência
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Artigo
é uma palavra do senso comum, utilizada
3. O processo de aprendizagem é mais fácil
para designar pessoa qualificada para rea-
quando o aluno sabe precisamente o que
lizar algo. Seu antônimo não apenas impli-
se espera dele.
ca a negação dessa capacidade, mas também guarda um sentimento depreciativo,
4. O conhecimento preciso dos resultados também favorece a aprendizagem.
pejorativo, de culpa. Sinaliza mesmo que
5. É mais provável que o aluno faça o que se
a pessoa incompetente estaria fadada ao
espera dele e o que deseja de si próprio,
insucesso e à marginalização nos círculos
se ele tem a responsabilidade das tarefas
produtivos e sociais.
de aprendizagem.
No dicionário Webster da língua ingle-
Notadamente esta proposta de ensino
sa (WEBSTER, 1981, p.63), a definição de
baseado em competências, de 1971, desti-
competência aparece como “qualidade ou
nava-se a reiterar a crença em uma educa-
estado de ser funcionalmente adequado
ção por tarefas, por metas a serem atingidas.
ou ter suficiente conhecimento, julgamen-
Pouco propunha para a formação empírica do
to, habilidades ou força para determinada
aluno, que se dá pela vivência e experimenta-
atividade”. Pode-se dizer que essa definição
ção. Aparentemente, o erro não era facilmen-
aproxima muito o conceito de competência
te tolerado e a disciplina era algo desejável.
de uma abordagem existencialista, em que o
A partir dos anos 80 do século XX, os
sujeito é o portador da qualidade ou estado
serviços de recursos humanos voltaram-se
de ser. O “ser” prevalece sobre o “fazer”.
aos princípios traçados pela metodologia do
Já no dicionário Aurélio (FERREIRA,
Ensino para Competência (NAGEL; RICHMAN,
1975, p. 353), competência aparece como
1976). Na década de 1990, o discurso sobre
“qualidade de quem é capaz de apreciar e
as competências estava disseminado interna-
resolver certo assunto, fazer determina-
cionalmente, conforme aponta Brígido:
da coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade”. Nota-se que essa definição di-
Em
ferencia-se da anteriormente apresentada,
Profissional (CEDEFOP) organizou uma série de
pois ela está muito mais próxima do “saber
seminários para discutir o conceito de compe-
fazer”. É uma definição pragmática.
tência, o que resultou em mais confusão, ainda,
Competências e Educação Profissional
Para aproximar nossa reflexão da dis-
200
1992, o
Centro
Europeu
de
Formação
a respeito do que se concordava em relação ao
cussão educacional, os estudos de Brígido
conceito de competência.
(2001) se mostram oportunos. O autor faz
Um dos poucos pontos de consenso era que exis-
um retrospecto histórico do surgimento do
tia a necessidade urgente de estabelecer medidas
conceito de competências, dizendo que “no
que facilitassem a mobilidade européia, seja em
ano de 1968, B. S. Bloom publicou o artigo
termos de educação ou de emprego.
‘Aprendizagem para o Domínio’, no qual de-
No ano seguinte, tentou esclarecer por que mo-
clarava que 90 a 95% dos alunos têm pos-
tivo, de que modo, e a partir de que situações,
sibilidades de aprender tudo o que lhes for
cada país introduziu o conceito de competência
ensinado, desde que lhes ofereçam condi-
nos debates sobre formação e ensino profissional
ções para isso” (BRÍGIDO, 2001, p.4).
(BRÍGIDO, 2001, p. 12).
Em decorrência dos trabalhos de Bloom, surgiu, na década de 1960, um movimento
Desde então, vários estudiosos passaram
chamado “Ensino baseado em competên-
a discutir o assunto aqui e no exterior. Segundo
cias” (HOWSAN, 1971), que se fundamen-
Afonso Fleury (FLEURY; FLEURY, 2001), as com-
tava em cinco princípios:
petências, no mundo do trabalho, podem ser
1. Toda aprendizagem é individual.
analisadas sob o aspecto de variáveis de input
2. O indivíduo, assim como qualquer sistema,
e variáveis de output. As variáveis de input
é orientado por metas a serem atingidas.
dizem respeito às competências inerentes às
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pessoas, como as características relativas aos
gestão de pessoas no estilo da administração
seus conhecimentos, habilidades e atitudes.
científica e seriada. Outro viés a ser considerado, é a vertente
cias caracterizadas pela realização de tarefas,
dos representantes do mercado de trabalho.
por resultados mensuráveis. Citando a re-
Se nos aproximarmos da reflexão dos traba-
vista Personnel Management (WOODRUFFE,
lhadores, através da análise do documento
1991), Fleury destaca as nuances que alguns
Certificação de Competências Profissionais
autores encontram, na língua inglesa, entre
– Relatos de Algumas Experiências Brasileiras
os termos competency e competence.
(OIT, 2002a), perceberemos uma série de in-
Competency, de acordo com esses auto-
formações que contradizem as expectativas
res, diz respeito a dimensões do comporta-
geradas no âmbito dos escritórios administra-
mento que estão por trás de um desempenho
tivos das empresas que discutem os conceitos
competente. Já competence designa áreas
de gestão por competências. Além do treina-
de trabalho em que a pessoa é competente.
mento e adequação aos postos de trabalho e
Construímos o quadro abaixo, a fim de com-
o acesso aos mesmos, discutem-se as formas
parar essas duas concepções.
de desenvolver competências por meio de um
Ainda no âmbito do mundo do trabalho, é comum entre os profissionais de Recursos
Artigo
Já as variáveis de output seriam competên-
processo calcado na vivência e na formação profissional e educacional do trabalhador:
Humanos a definição de competências proposta por Parry: “Competência é o conjunto
Os saberes necessários ao desempenho profis-
de conhecimentos, habilidades, atitudes que
sional, portanto, são passíveis de se modificarem
afetam a maior parte do trabalho de uma
com o tempo, mas as competências construídas
pessoa, e que se relacionam com o desem-
devem capacitar os trabalhadores para a busca
penho no trabalho; a competência pode ser
de novos conhecimentos, processo pelo qual
mensurada, quando comparada com padrões
novas competências requeridas são desenvolvi-
estabelecidos e desenvolvida por meio de
das. É o princípio básico do aprender a aprender,
treinamento” (PARRY, 1996, p. 50).
que deve permear todo o processo educacional
Esta definição pode ser considerada re-
(OIT, 2002a, p. 21).
ducionista, pois tem como referência, implicitamente, a tarefa e o conjunto de tarefas
Podemos então afirmar que, segundo a
prescritas a um cargo. Neste sentido, a ges-
OIT, as competências decorrem da utilização
tão por competências pode ser considerada
dos saberes desenvolvidos pelo homem para
apenas como a revitalização de uma forma de
o desempenho profissional. Em conseqüência
COMPETENCY
COMPETENCE
Características do indivíduo
Desempenho no cargo/função
Conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes
Resultados, produtos
Input (entradas)
Output (saídas)
Soft (não concreto, não palpável)
Hard (concreto, palpável)
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A. S. GALDEANO
Quadro 1. Comparativo de Termos
201
Artigo
desta prática cotidiana, o trabalhador com-
da navegação diária de um professor, de
petente, por si só, perceberá a necessidade
uma situação de trabalho à outra.
de expandir suas potencialidades e buscará
Conforme Perrenoud (1993), construir
novos conhecimentos que aumentem suas
uma competência significa aprender a iden-
competências em um processo de retroa-
tificar e a encontrar os conhecimentos per-
limentação permanente. Esse processo foi
tinentes de interferência na prática. Nessa
denominado pelo documento da OIT como
perspectiva, os elementos de que necessitam
aprender a aprender.
os professores para atingir a competência
Mundo afora, vários são os atores e as
pedagógica são encontrados, em parte, em
instituições envolvidas no processo que pro-
um processo de formação contínua, que seja
põe a adoção do conceito de educação ba-
caracterizado por uma atitude reflexiva sobre
seada em competências. No caso brasileiro,
a prática e por uma atitude crítica sobre os
algumas
erros e acertos cometidos.
organizações
protagonizam
esta
Competências e Educação Profissional
discussão.
do
apresentado
nessa
síntese
Uma influência significativa, exercida no
das teorias de Perrenoud poderá ser obser-
momento que precedeu a promulgação da Lei
vado nas políticas públicas do Ministério da
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) – lei
Educação (MEC). Mas como afirmamos an-
9.394/96, foram as expressivas contribuições
teriormente, nosso trabalho extrapola o âm-
de Perrenoud. Contudo, não aprofundamos
bito exclusivamente educacional. A fim de
nossa análise sobre este autor, pois a maior
compreendermos a evolução e os desdobra-
parte de suas pesquisas refere-se exclusiva-
mentos do conceito de competências para as
mente ao campo educacional, com ênfase no
políticas públicas de formação e certificação
“fazer docente”. Desse modo, distancia-se
profissional brasileiras, é imprescindível es-
dos objetivos de nosso trabalho, que trata,
tudarmos as três vertentes (ALEXIM; LOPES,
especificamente, da implicação do conceito
2003) que compõem o centro das discussões
de competências nas políticas públicas de for-
sobre o tema:educação, produção e mercado
mação e certificação profissional brasileiras.
de trabalho.
Para Perrenoud (1999), a noção de com-
Discutiremos o papel delas, bem como
petência designa a capacidade de mobilizar
das instituições que as representam, na po-
diversos recursos cognitivos para enfrentar
larização dos rumos desta discussão. A se-
um tipo de situação. Essa definição insiste em
guir, temos as vertentes e suas instituições
quatro aspectos:
representativas:
1. As competências não são saberes, savoir-
1. educação: a Organização das Nações
faire ou atitudes, mas mobilizam, inte-
Unidas para a Educação, a Ciência e a
gram e orquestram tais recursos;
Cultura (UNESCO), em conjunto com o
2. Essa mobilização só é pertinente em situação singular, mesmo que se possa tratá-
Ministério da Educação (MEC); 2. produção:
a International
Organization
la em analogias com outras situações já
for Standardization (ISO), em parceria
encontradas;
com o Instituto Nacional de Metrologia,
3. O exercício da competência passa por op-
Normalização
e
Qualidade
Industrial
erações mentais complexas, subentendi-
(INMETRO), e a Associação Brasileira
das por esquemas de pensamento que
de Normas Técnicas (ABNT), em con-
permitem determinar (mais ou menos
junto com as associações e sindicatos
consciente e rapidamente) e realizar, de modo mais ou menos eficaz, uma ação relativamente adaptada à situação; 4. As competências profissionais constroemse em formação, mas, também, ao sabor
202
Muito
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patronais; 3. mercado de trabalho: a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em parceria com Ministério do Trabalho e
cias já existentes, elaborando os principais crité-
classe e sindicatos de trabalhadores.
rios para a elaboração de normas de certificação
Para se entender a dificuldade em de-
de pessoal (ALEXIM; LOPES, 2003, p. 6).
Artigo
Emprego (MTE) e as associações de
limitar um conceito comum para o termo competências, basta elencar algumas das
De posse destas referências, começamos
instituições nacionais e internacionais que,
a compreender a intrincada rede de relacio-
de alguma forma, mantêm uma interface
namentos e interesses políticos e econômicos
com esta discussão. Como referências para
que compõem a discussão acerca das compe-
a elaboração deste estudo, foram consulta-
tências. Na descrição de competências feita
dos: o modelo inglês de gestão e certifica-
pelo Inmetro, ficam patentes a necessidade
ção de competências, o National Vocation
e o interesse da empresa brasileira em parti-
Qualifications (NVQ); o mexicano, Consejo de
cipar do comércio mundial. Para tanto, assi-
Normalización y Certificación de Competência
milar os padrões globalizados de qualidade é
Laboral (CONOCER); além das orientações
imprescindível. Daí a necessidade de se esta-
do Centro Interamericano de Investigação e
belecerem normas em âmbito nacional, em
Documentação sobre Formação Profissional
conformidade com as já existentes no mer-
para a América Latina e Caribe (CINTERFOR)
cado externo, que assegurem a padronização
e da OIT. Destacam-se ainda as normas da
e a competitividade do produto nacional no
ISO, que tem empreendido esforços para nor-
mercado global.
malizar a certificação de pessoas. O Ministério
Para o MEC, no que concerne à legislação
do Trabalho e Emprego também participa ati-
específica da Educação Profissional, regula-
vamente deste fórum de discussão, no âm-
mentada a partir de 1997 pelo Decreto 2.208
bito da Classificação Brasileira de Ocupações
(revogado pelo Decreto 5.154/04), o conceito
(CBO), que, reformulada e publicada a partir
de competências adotado é igual àquele apre-
de 2002, oferece um bom quadro referencial
sentado no Parecer CNE/CEB 16/99, no qual
à discussão. Também o Conselho Nacional de
“entende-se por competência profissional a
Metrologia, Normalização e Certificação da
capacidade de articular, mobilizar e colocar
Qualidade (CONMETRO) e, mais recentemen-
em ação valores, conhecimentos e habilida-
te, o INMETRO integram-se na construção
des necessários para o desempenho eficiente
deste sistema, como órgãos credenciadores
e eficaz de atividades requeridas pela nature-
dos Organismos de Certificação de Pessoal
za do trabalho” (BRASIL, 1999).
(OPCs)1 e das Organizações Certificadoras Credenciadas (OCCs) : 2
O mesmo documento, no intuito de elucidar o uso da terminologia adotada, complementa:
terreno da certificação profissional foi a sua in-
O conhecimento é entendido como o que muitos
corporação pelo Instituto Nacional de Metrologia,
denominam simplesmente saber. A habilidade re-
Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO).
fere-se ao saber fazer relacionado com a prática
De fato, tendo-se encerrado o projeto OIT-MTE,
do trabalho, transcendendo a mera ação moto-
esse órgão público tem atuado como catalisador
ra. O valor se expressa no saber ser, na atitu-
dos interesses e energias dirigidos à certifica-
de relacionada com o julgamento da pertinência
ção de pessoas. O Inmetro criou uma Comissão
da ação, com a qualidade do trabalho, a ética do
Técnica com funções de consulta e assessora-
comportamento, a convivência participativa e so-
mento, reunindo as principais representações
lidária e outros atributos humanos, tais como a
pertinentes, que tem funcionado como suporte
iniciativa e a criatividade (BRASIL, 1999).
A. S. GALDEANO
Recentemente, o fato de maior expressão no
para novas iniciativas e reforço para as experiên-
O conceito de competências profissionais 1 Norma Inmetro nº NIT-Dicro – 004. 2 Norma ISO/IEC nº 17024/02.
da OIT refere-se àquelas adquiridas no exercí-
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203
Artigo
cio da experiência profissional: “Um profissio-
certificação de terceira parte. O documento
nal é competente quando é reconhecidamen-
ainda traz toda a nomenclatura adotada pela
te bom em sua prática profissional. Implica a
OIT sobre o tema certificação e avaliação de
aceitação de uma avaliação positiva por parte
competências, incluindo itens referentes à ava-
de seu entorno social” (OIT, 2002b).
liação, constituição de conselhos certificadores,
Este conceito é encontrado no material
credenciamento de instituições, entre outros.
denominado Certificação de Competências Profissionais – Glossário de Termos Técnicos
ConClusões
(OIT, 2002b), que contribui para a reflexão
Podemos aqui estruturar uma compara-
sobre a certificação, propriamente dita, mas
ção preliminar entre os conceitos de compe-
que também delimita uma série bastante
tências propostos pelas vertentes produção,
grande de termos sobre a discussão: com-
educação e mercado de trabalho. É perceptí-
petência, competências básicas, competên-
vel o sutil viés ideológico que permeia o dis-
cias específicas, competências essenciais,
curso de cada um dos atores citados no qua-
competências gerais, competências profis-
dro a seguir. O Inmetro destaca e valoriza as
sionais, competências tácitas, competências
qualificações; o MEC ressalta valores, conhe-
transversais. De modo semelhante, delimita
cimentos e habilidades inerentes aos sujeitos
uma série de outras propostas interligadas ao
alvos da ação formativa; e a OIT, represen-
tema. Aborda mais especificamente a certi-
tante do mundo do trabalho, busca promover
ficação, como certificação de competências,
a fusão entre as tendências educacionais e a
certificação de competências profissionais,
produção.
certificação ocupacional, certificação de pes-
O quadro 2 apresenta uma comparação
soas, certificação profissional, certificação de
entre as definições de competências para as
primeira parte, certificação de segunda parte,
três vertentes citadas anteriormente:
Quadro 2. Definição de competências
“É a aptidão de uma empresa ou de um colaborador para atender a um determinado INMETRO
requisito, aplicando de maneira efetiva o seu respectivo acervo de qualificações“ (CARVALHO, 2004, p.1).
Competências e Educação Profissional
“...entende-se por competência profissional a capacidade de articular, mobilizar MEC
e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho” (BRASIL, 1999). “Capacidade de articular e mobilizar condições intelectuais e emocionais em termos de conhecimentos, habilidades, atitudes e práticas, necessários para o desempenho de uma determinada função ou atividade, de maneira eficiente,
OIT
eficaz e criativa, conforme a natureza do trabalho. Capacidade produtiva de um indivíduo que se define e mede-se em termos de desempenho real e demonstrado em determinado contexto de trabalho, e que resulta não apenas da instrução, mas em grande medida, da experiência em situações concretas de exercício ocupacional” (OIT, 2002b).
204
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idade a ingressarem no mercado de trabalho
diversidade conceitual que permeia esta dis-
ainda na idade escolar. Boa parte deles acaba
cussão sobre as competências. As definições
abandonando os estudos e dedicando-se ao
apresentadas nos fazem refletir criticamente
subemprego ou à mendicância. Isso resul-
sobre as concretas possibilidades do sistema
ta em uma enorme massa de trabalhadores
educacional em atender a tão diversa gama
analfabetos ou semi-alfabetizados:
Artigo
Esse quadro comparativo demonstra a
de reflexões que, por sua vez, exigem providências pontuais para a questão da formação
Estão
e certificação profissional baseada em com-
org os resultados do 3º Indicador Nacional de
petências no cenário educacional vigente.
Analfabetismo Funcional – Um diagnóstico para
disponíveis
em
www.acaoeducativa.
A discussão sobre as competências é
a inclusão social pela educação, iniciativa de
multifacetada. Não há formas concretas, dis-
Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro.
cutidas até o presente momento, que per-
O levantamento de 2003 avaliou habilidades e
mitam ao Brasil organizar um sistema único
práticas de leitura de jovens e adultos na vida
de certificação, conforme vem tentando o
cotidiana. Comparados aos percentuais de anal-
MEC, o Inmetro e o Ministério do Trabalho e
fabetismo funcional de 2001, não houve mudan-
Emprego (MTE).
ça significativa: o analfabetismo absoluto caiu de
Cada vertente desenvolve ações isola-
9% para 8%. O teste identificou 30% da popu-
das, o que torna cada vez mais difícil conci-
lação com reduzidas habilidades de leitura: são
liar estes esforços em uma única direção. Em
capazes apenas de localizar informações simples
2005, discutiu-se a construção de um modelo
em enunciados com uma só frase. Outros 37%
de certificação para o setor metal-mecânico
conseguem localizar uma informação em textos
e da construção civil – esses modelos de cer-
curtos, o que poderia ser considerado um nível
tificação encontram-se em estágio de expe-
básico de alfabetização. Em 2001, esses índices
rimentação, sem dados concretos sobre sua
eram de 31% e 34%, respectivamente. Em 2003,
viabilidade e efetividade para o mercado e
25% dos brasileiros de 15 a 64 anos demons-
para o trabalhador.
tram habilidades plenas de leitura e escrita. O
Por outro lado, chama a atenção de estu-
diferencial no desempenho se ampliou de 4 para
diosos do tema o desaparecimento do termo
8 pontos em favor das mulheres, que têm mais
competências das publicações e documentos
interesse que os homens pela leitura, ainda que
governamentais publicados a partir de 2004.
41% da população nunca tenha freqüentado bi-
Será este um sinal do esgotamento desta pro-
bliotecas (AÇÃO EDUCATIVA, 2003, p. 2).
posta e do surgimento de um novo paradigma Exemplos e modelos de formação e cer-
No Brasil, a educação fundamental, por
tificação, que pretendem minimizar as defici-
si só, já se coloca como um problema mal re-
ências deste cenário, são trazidos da Europa
solvido. Dados apontam que a população bra-
e da América do Norte, de países que já
sileira economicamente ativa tem, em média,
possuem seus sistemas de formação e cer-
cinco anos e meio de escolaridade – esse fato
tificação regulamentados desde a década de
caracteriza o contingente e a qualificação
1990. Não há dúvidas sobre a qualidade des-
básica de nossa força de trabalho. Nos EUA,
sas contribuições, contudo temos de conside-
a média é 14 anos; no Japão, 17 anos; na
rar a enorme diferença entre a cultura desses
Europa, em torno de 12 anos. Não estamos
povos, dimensões geográficas e nível de de-
considerando aqui a qualidade do ensino.
senvolvimento socioeconômico dessas regi-
Existe uma correlação direta entre esco-
A. S. GALDEANO
para a Educação Profissional?
ões e o caso brasileiro.
laridade e renda. As famílias que constituem
Adaptar e aproveitar os referenciais des-
os 50% mais pobres da população brasileira,
ses modelos são os grandes desafios impos-
em geral, incentivam seus filhos menores de
tos às instituições de nosso país. A adaptação
Edu Pro: C e T, Brasília, 1(2): p. 199-207, Jan-Jun, 2007
205
e o aproveitamento dos referenciais desses
Artigo
modelos a nossa realidade é o grande desafio para as instituições de nosso país. Guy Le Boterf (2003) tem defendido a teoria da “profissionalização”, em substituição ao uso do termo “competências”. Segundo o referido autor, a partir da mobilização de três níveis diferentes da realidade (os recursos, as competências e o profissionalismo) expressase a “profissionalização” do trabalhador. São muitas perguntas, muitas dúvidas, mas certo é que ainda há um extenso caminho a trilhar para que consigamos estabelecer um parâmetro comum para esta discussão.
referênCiAs BiBliográfiCAs
AÇÃO EDUCATIVA. Analfabetismo funcional mantém-se no nível de 2001. Boletim mensal Informação em Rede, São Paulo, ano VII, n. 59, p. 2, out. 2003. ALEXIM, J. C.; LOPES, C. L. E. A certificação profissional revisitada. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 29, n. 03, set.-dez. 2003. Disponível em: Acesso em: 22 fev. 2004. BRASIL. Decreto 2208/97. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União, 18 abr. 1997.
Competências e Educação Profissional
______. Decreto 5154/04. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Brasília: DOU, 26 jul. 2004. ______. Lei Federal 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: DOU, 23 dez. 1996. ______. Lei n. 9933/99. Dispõe sobre as competências do CONMETRO e do Inmetro – Institui a Taxa de Serviços Metrológicos, e dá outras providências. Brasília, DOU, 21 dez. 1999.
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aNToNIo seBasTIÃo GalDeaNo é mestre em educação, professor universitário e gestor do campus Moóca da UniRadial. Participou da construção do programa Aprender a Aprender da SERT – São Paulo, em companhia do professor Francisco Aparecido Cordão e da professora Sílvia Manfredi no ano de 1996, gestão do Secretário de Estado Walter Barelli. E-mail:
[email protected]
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Edu Pro: C e T, Brasília, 1(2): p. 199-207, Jan-Jun, 2007
The competences in the brazilian professional education
Artigo
aBsTRacT - This article is the result of a research that verified the importance of the delimitation of a concept of competences for the development of public policies, with the intention of basing the quarrel about the formation and professional certification in Brazil. A historical briefing of the sprouting and unfolding of the term “competences” in Brazil and the world is presented, since its sprouting, in the cold war period, until the present moment. Special emphasis is given to the characterization of the three slopes (production, educational and of the market of work) which centralize these formulations and the conceptions of competence defended by each of these slopes. This work intends to contribute to the reflection and action of agents integrated in the quarrel of the Brazilian Professional Education.
KeY WoRDs: competences, world of the work, professional education, formation and professional certification.
Las competencias en la educación profesional brasileña ResumeN - Este trabajo es resultado de una pesquisa que averiguó la importancia de la delimitación de un concepto de competencias para la formulación de políticas públicas, en la intención de subsidiar a la discusión sobre la formación y certificación profesional en Brasil. Se presenta un breve histórico del surgimiento y de los desdoblamientos al empleo del termo “competencias” en Brasil y en el mundo, desde su surgimiento, en el período de Guerra Fría, hasta el presente momento. Especial importancia es dada a la caracterización de las tres vertientes (producción, educación y mercado de trabajo) que centralizan estas formulaciones y a las concepciones de competencias defendidas por cada una de esas vertientes. Se pretende contribuir para la reflexión y acción de agentes integrados a la discusión de Educación Profesional brasileña.
PalaBRas clave: competencias, mundo de trabajo, educación profesional, formación y certificación profesional.
Recebido: 22.09.2006 | Primeira decisão editorial: 22.02.2007 | Aceito: 28.05.2007
CoMo
fAzer referênCiA A este Artigo
(PAdrão ABnt)
A. S. GALDEANO
GALDEANO, Antonio Sebastião. As competências na educação profissional brasileira. Educação Profissional: Ciência e Tecnologia, Brasília, v. 1, n. 2, p. 199-207, jan./jun. 2007.
Edu Pro: C e T, Brasília, 1(2): p. 199-207, Jan-Jun, 2007
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