As comunidades agropastoris na margem esquerda do Guadiana. 2ª metade do IV aos inícios do II milénio.

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Descrição do Produto

AS COMUNIDADES AGROPASTORIS NA MARGEM ESQUERDA DO GUADIANA

MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série

UNIÃO EUROPEIA

Empresa de Desenvolvimento

EDIA e Infra-Estruturas do Alqueva S.A.

Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

6 MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª série

AS COMUNIDADES AGROPASTORIS NA MARGEM ESQUERDA DO GUADIANA 2.ª metade do IV aos inícios do II milénio AC António Carlos Valera

MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série Estudos Arqueológicos do Alqueva

AS SOCIEDADES AGROPASTORIS NA MARGEM ESQUERDA DO GUADIANA

FICHA TÉCNICA

MEMÓRIAS d’ODIANA - 2.ª Série TÍTULO

AS SOCIEDADES AGROPASTORIS NA MARGEM ESQUERDA DO GUADIANA 2ª metade do IV aos inícios do II milénio AC AUTORES

António Carlos Valera EDIÇÃO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva DRCALEN - Direcção Regional de Cultura do Alentejo COORDENAÇÃO EDITORIAL

António Carlos Silva Frederico Tátá Regala FOTOGRAFIA DA CAPA

Autores DESIGN GRÁFICO

Luisa Castelo dos Reis / VMCdesign PRODUÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

VMCdesign / Ligação Visual TIRAGEM

500 exemplares DEPÓSITO LEGAL

Memórias d’Odiana R 2ª série

356 090/13 FINANCIAMENTO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva INALENTEJO QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional

António Carlos Valera

AS SOCIEDADES AGROPASTORIS NA MARGEM ESQUERDA DO GUADIANA (2ª metade do IV aos inícios do II milénio AC)

Memórias d’Odiana R 2ª série

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ÍNDICE

ÍNDICE

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MEMÓRIA DESCRITIVA

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INTRODUÇÃO

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1. O bloco 5 do plano de minimização 1.1. Enquadramento da acção de minimização 1.2. A base documental 1.3. Breve resumo do estado dos conhecimentos à partida 1.4. Equipa ESPAÇO FÍSICO E IMPACTES DO REGOLFO 2. Caracterização geográfica genérica 2.1. Inventário dos sítios atribuíveis à Pré-História Recente na área de estudo OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS: CARACTERIZAÇÃO, FASEAMENTO E CRONOLOGIA (António Valera) 3. Moinho de Valadares 1 3.1. Localização e caracterização geomorfológica 3.2. Áreas intervencionadas: sequências estratigráficas, faseamentos e cronologias 4. O Mercador 4.1. Localização e caracterização geomorfológica 4.2. Levantamento topográfico e prospecções geofísicas 4.3. Áreas intervencionadas e organização faseada das sequências estratigráficas 5. O Monte do Tosco 1 5.1. Localização e caracterização geomorfológica 5.2. Áreas intervencionadas: sequências estratigráficas, faseamentos e cronologias 6. Os Cerros Verdes 3 6.1. Localização e caracterização geomorfológica 6.2. Áreas intervencionadas: sequências estratigráficas, faseamentos e cronologias 7. A Nova Aldeia da Luz 7.1. Localização e caracterização geomorfológica 7.2. Áreas intervencionadas: sequências estratigráficas, faseamentos e cronologias 7.2.1. O faseamento e as cronologias possíveis

ÍNDICE

Memórias d’Odiana R 2ª série

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OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS TEMÁTICOS Nota prévia a uma compartimentação do estudo de materiais 8. Os Materiais Cerâmicos 8.1. Caracterização morfológica, estilística decorativa e comportamento diacrónico dos artefactos cerâmicos (recipientes, colheres, queijeiras, vasos suporte e discos) 8.1.1. O equipamento cerâmico do povoado do Moinho de Valadares 1 8.1.2. O equipamento cerâmico do povoado do Mercador 8.1.3. O equipamento cerâmico do Monte do Tosco 1 8.1.4. O equipamento cerâmico de Julioa 4 / Luz 20 8.1.5. O equipamento cerâmico dos Cerros Verdes 3 Tabela de Formas 8.1.6. Nota à evolução morfológica dos recipientes ao longo do 3º milénio AC no norte da margem esquerda portuguesa 8.2. Tecnologias de produção cerâmica e exploração de matérias primas nos povoados do Moinho de Valadares e Monte do Tosco 1 8.3. Étude céramologique d’un ensamble de neuf vases campaniformes provenant du site de Monte do Tosco (Portugal) 9. Tecelagem e Pesca: os pesos 9.1. Os elementos de tear 9.2. Os pesos de rede 10. A Pedra Talhada 10.1. Introdução 10.2. Metodologia 10.3. Moinho de Valadares 1 10.4. Mercador 10.5. Monte do Tosco 10.6. Conclusões Gerais 11. A Pedra Polida 12. A Moagem

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13. Metais e Metalurgia 13.1. Metalurgia, metais e as comunidades do 3º milénio AC da margem esquerda do Guadiana 14. Evidências do sagrado e outros artefactos de excepção 14.1. As evidências do sagrado 14.2 . Objectos de adorno ÍNDICE

14.3. Artefactos em osso 14.4. Discos de xisto

DADOS PALEOECONÓMICOS: FAUNAS E SEMENTES 15. Estudo arqueozoológico dos restos faunísticos do povoado calcolítico do Mercador (Mourão) 15.1. Introdução 15.2. Métodos 15.3. Recolha e estado de conservação 15.4. Espécies presentes 15.5. O contributo do estudo arqueozoológico do povoado do Mercador (Mourão) para o conhecimento da exploração dos recursos faunísticos no Calcolítico do Sudoeste Peninsular Caixa 15-1 Chalcolithic animal bones from Mercador, Alentejo: some biometrical considerations 16. Moinho de Valadares, Mourão. Estudo da fauna mamalógica das sondagens 1, 2 e 3 (Campanha de 1999) 16.1. Introdução 16.2. Análise arqueozoológica do material faunístico por sondagem e unidade estratigráfica 16.3. Discussão e resultado Caixa 16-1 Monte do Tosco 1. Faunas recolhidas na campanha de 2000: análise preliminar 17. Faunas malacológicas do povoado do Mercador 17.1. Introdução 17.2 Metodologia 17.3. A fauna malacológica – identificação e caracterização 17.4. As espécies identificadas e o povoado do Mercador

DADOS ANTROPOLÓGICOS 19. Povoado calcolítico do Mercador – Relatório bioantropológico ÍNDICE

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Memórias d’Odiana R 2ª série

18 . Dados sobre elementos vegetais no povoado do Moinho de Valadares 1 18.1. Identificação de um conjunto de carvões vegetais proveniente do sítio do Moinho de Valadares, Mourão 18.2. Impressões vegetais num fragmento cerâmico do sítio arqueológico do Moinho de Valadares (Mourão)

20. Povoado do Moinho de Valadares 1 – Relatório bioantropológico A DINÂMICA SOCIAL 21. Faseamento e cronologia dos contextos em análise 22. Organização social e estratégias de povoamento 22.1. Implantações, arquitecturas, organização espacial intra povoado e dinâmicas de ocupação 22.1.1. As intencionalidades de implantação 22.1.2. Principais construções arquitectónicas 22.1.3. Espacialidades intra povoado e dinâmicas internas de ocupação 22.1.4. A organização económica e níveis de interacção 22.2. Que modelo para o povoamento do 3º milénio AC na margem esquerda? 22.2.1. Hierarquização ou autarcia: a problemática dos fenómenos de agregação 22.2.2. Seria o Guadiana uma fronteira ? 22.3. Calcolítico Final e transição para a Idade do Bronze: a questão campaniforme 22.3.1. O problema das cerâmicas campaniformes 22.4. O problema funerário e a reutilização de contextos residenciais abandonados

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS Anexo I – A rocha gravada de Agualta 7 Anexo II

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ÍNDICE

NOTA EDITORIAL

O presente volume é parte integrante da 2ª Série da coleção “Memórias d’OdianaMonografias Arqueológicas de Alqueva”, uma iniciativa editorial instituída pela EDIA em 1999 para divulgação científica dos resultados do plano de trabalhos arqueológicos de minimização promovidos e financiados por esta entidade, no âmbito das obras do empreendimento de Alqueva. Interrompida desde 2006 após a publicação de 4 monografias, está programada no âmbito desta nova série, a edição de 14 volumes completando, no essencial, a divulgação dos resultados dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos nas margens do Guadiana na fase de construção da Barragem de Alqueva. O presente esforço editorial, só foi possível graças à cooperação estabelecida entre a EDIA e a Direção Regional de Cultura do Alentejo, através de um Protocolo (2010) que criou as condições indispensáveis para a aprovação de uma candidatura aos fundos europeus através do QREN-INALENTEJO, associando as competências e atribuições específicas da DRCALEN, enquanto tutela no âmbito do património cultural, à garantia do financiamento da comparticipação nacional por parte da EDIA, a entidade promotora do empreendimento. EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva) DRCALEN (Direção Regional de Cultura do Alentejo)

NOTA EDITORIAL

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BREVE ANTE SCRIPTUM António Carlos Valera

ANTE SCRIPTUM

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Memórias d’Odiana R 2ª série

A presente monografia foi acabada de escrever e entregue para publicação em 2005. Como é habitual em semelhantes circunstâncias, em que tempo significativo medeia entre a conclusão da escrita e a sua efectiva publicação, existe a possibilidade de se proceder a algumas revisões e actualizações do texto, opção que me foi concedida pelos editores. Assim, fui ponderando as alterações que poderiam ser introduzidas. Se no que respeita aos sítios arqueológicos em concreto, que foram intervencionados no âmbito do Bloco 5 do plano de minimização do regolfo de Alqueva, não há grandes alterações a introduzir (apenas para o sítio da Luz 20, recentes prospecções geofísicas forneceram mais e relevante informação), já no que concerne aos textos de síntese a situação apresenta-se radicalmente distinta. De facto, os últimos cinco anos têm conhecido uma profunda alteração na informação disponível relativamente às comunidades dos 4º, 3º e inícios do 2º milénios, a qual já por várias vezes apelidei de “Revolução Empírica” e que será responsável por uma revisão muito profunda e significativa dos discursos sobre os períodos históricos em questão no Centro-Sul de Portugal e mais concretamente no interior alentejano (Valera et al., 2007; 2009a; Valera et al., no prelo). Um primeiro aspecto será a alteração que se impôs relativamente aos contextos funerários, até então dominados, de forma quase exclusiva, pelas construções integradas no Megalitismo (antas e tholoi) para o Neolítico e Calcolítico e pelas necrópoles de cistas para a 1ª Idade do Bronze. O primeiro sinal do que viria aí foi a intervenção de emergência (2006/2007) no sítio da Sobreira de Cima (Vidigueira), uma necrópole de hipogeus do final do Neolítico, localizada nos contrafortes meridionais da Serra de Portel, a sul da área de estudo abrangida neste trabalho (o extremo norte da margem esquerda portuguesa do Guadiana) (Valera, 2009b). Dois anos mais tarde, o impacte da construção da rede de rega para aproveitamento agrícola da albufeira de Alqueva viria a revelar, no distrito de Beja, uma quantidade extraordinária de contextos funerários em fossa e hipogeus que vão desde o Neolítico Final à Idade do Bronze e que, somados aos contextos equivalentes que a mesma rede de rega foi revelando a sul de Évora, transformam profundamente a nossa percepção do mundo funerário alentejano na Pré-História Recente (Valera et al., no prelo). Onde o megalitismo arquitectónico termina (mas aparentemente com franjas de sobreposição) inicia-se um mundo de enterramento em estruturas negativas escavadas no substrato rochoso. Será neste novo contexto empírico que a área de Mourão terá que ser futuramente revisitada.

Simultaneamente, o desenvolvimento da investigação sobre os recintos de fossos (de que se destacam a investigação programada no Complexo dos Perdigões – Valera et al., 2007; Valera, 2008 Valera e Godinho, 2009; Valera, 2010 – e as intervenções de minimização da rede de rega de Alqueva no Porto torrão), quer ao nível da multiplicação dos contextos conhecidos, quer ao nível da sua abordagem teórica e investigação empírica, tem vindo a proporcionar uma nova percepção das dinâmicas de povoamento e da organização simbólica das paisagens a nível peninsular (veja-se o workshop promovido pela ERA Arqueologia no âmbito do congresso do UISPP, realizado em Lisboa e publicado na revista ERA Arqueologia de 2006). De facto, nos últimos cinco anos o número de recintos de fossos conhecidos no interior alentejano mais do que duplicou. As problemáticas que colocam à investigação são múltiplas e centrais para o conhecimento das comunidades dos 4º e 3º milénios AC e conduzirão à construção de novos e mais plurais discursos sobre este período. E também aqui será necessário voltar a Mourão com outros olhos (até porque os recintos de fossos também começam a aparecer por lá, como sabemos hoje sobre a Luz 20). Actualizar o texto entregue em 2005 sobre o Bloco 5 seria, assim, uma tarefa hercúlea e ingrata, pois implicaria fazer uma síntese sobre informação “em vias de obtenção”, ainda não convenientemente publicada, processada, questionada e pensada. Neste sentido, optei por assumir o texto entregue como aquilo que ele representa, um estádio de investigação sobre uma realidade concreta e relativo ao contexto de conhecimento existente à época, evitando acrescentos e obliterações, que se constituiriam essencialmente como remendos que, mais que remediar, fragilizariam a coerência desse mesmo texto. Este assume-se, assim, como um contributo importante, embora que já em parte datado, para a efervescente dinâmica de investigação da Pré-História Recente que hoje se faz sentir no Sul de Portugal. A sua informação empírica mantém toda a sua actualidade (com excepção do já referido sítio da Luz 20, com novos dados obtidos por prospecção geofísica). Muitas das problemáticas discutidas também, mas a sua envolvente contextual (ou seja, o nosso conhecimento sobre o Neolítico e Calcolítico do interior alentejano) alterou-se profundamente, pelo que muitas das questões debatidas terão que ser repensadas em função do muito que desde então se foi conhecendo e se virá a conhecer nos próximos anos. Mas este não será o momento para essa revisão, a qual fará mais sentido dentro de alguns anos. Circunstância que em nada minimiza a relevância da sua publicação e que apenas sublinha a rapidez com que hoje se opera a mudança, neste caso numa área específica de conhecimento. Ritmo alucinante que nos aconselha a inovar e a adequar os processos de publicação/divulgação, conscientes de que o conhecimento só se cumpre com a sua partilha e consequente contribuição para a geração de novo conhecimento.

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Lisboa, Outubro de 2010

ANTE SCRIPTUM

Referências Bibliográficas Valera, António Carlos, (2008), “Mapeando o Cosmos. Uma abordagem cognitiva aos recintos da Pré-História Recente”, Era Arqueologia, 8, Lisboa, p.112-127. Valera, António Carlos (2009a), “Cosmological bonds and settlement aggregation processes during Late Neolithic and Copper Age in South Portugal”, (Thurston, Tina L. and Salisbury, Roderick B., eds), Reimagining Regional Analyses: The Archaeology of Spatial and Social Dynamics, Newcastle: Cambridge Scholars Publishing. Valera, António Carlos (2009b), “Estratégias de identificação e recursos geológicos: o anfibolito e a necrópole da Sombreira de Cima, Vidigueira”, (A.S. Bettencourt e L. Bacelar Alves, eds.), Dos montes, das pedras, e das águas. Formas de interacção com o espaço natural da pré-história à actualidade, CITCEM/APEQ, p.25-36. Valera, António Carlos (2010), “Construção da temporalidade dos Perdigões: contextos neolíticos da área central”, Apontamentos de Arqueologia e Património, 5, Lisboa, NIA-ERA Arqueologia, p. 19-26. Valera, António Carlos, Lago, M., Duarte, C., Dias, Mª I. e Prudêncio, Mª I. (2007), “Investigação no complexo arqueológico dos Perdigões: ponto da situação de dados e problemas”, Actas do 4º Congresso de Arqueologia Peninsular, Braga, Universidade do Algarve. Valera, António Carlos e Godinho, Ricardo (2009), “A gestão da morte nos Perdigões (Reguengos de Monsaraz): novos dados, novos problemas”, Estudos Arqueológicos de Oeiras, 17, Oeiras, Câmara Municipal, p.371-387. Valera, A.C., Godinho, R., Calvo, E., Moro, F.J., Filipe, V. e Santos, H. (no prelo), “Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches, Serpa)”, Actas do 4º Colóquio Arqueológico de Alqueva, Beja, 2010.

ANTE SCRIPTUM

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INTRODUÇÃO ANTÓNIO CARLOS VALERA

1. O BLOCO 5 DO PLANO DE MINIMIZAÇÃO

1.1. Enquadramento da acção de minimização Apesar da natureza de salvamento arqueológico das acções programadas para o bloco em questão, tornava-se fundamental o seu enquadramento num programa de investigação de objectivos bem definidos, sem o qual os trabalhos decorreriam apenas sob um inócuo enquadramento técnico. A integração dos contextos a intervencionar num conjunto de problemáticas e a sua referenciação teórica impôs-se como forma de proporcionar um questionário orientador dos trabalhos de campo a realizar e de garantir a sua inteligibilidade, conduzindo à produção de efectivo conhecimento sobre uma área do actual território português para a qual, e para o período cronológico em questão, a informação disponível era, à partida, relativamente escassa. Deste modo, foi inicialmente apresentado um projecto intitulado “Neolitização e posterior evolução e complexificação das sociedades agropastoris da bacia média do Guadiana: especificidades da margem esquerda portuguesa”. Este projecto tinha como objectivos genéricos a caracterização e compreensão da estruturação do povoamento e da organização social das comunidades que habitaram aquela região ao longo dos 5º e 3º milénios AC, através da abordagem das suas manifestações domésticas e funerárias, estas últimas enquadradas no fenómeno do megalitismo. Contudo, estes propósitos gerais viram-se condicionados por três ordens de factores, que obrigaram a alterações e reajustamentos:

INTRODUÇÃO

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Memórias d’Odiana R 2ª série

No âmbito do Plano de Minimização de Impactes sobre o Património Arqueológico na área do regolfo de Alqueva, foi criado um bloco (Bloco 5) destinado aos contextos da Pré-História Recente da margem esquerda do Guadiana, concretamente aos localizados nas áreas a afectar nos concelhos de Mourão e Moura. Com o objectivo de participar neste processo, a empresa Era-Arqueologia, S.A. decidiu dinamizar e estimular um conjunto de investigadores com vista à apresentação de uma proposta no concurso aberto pela EDIA, S.A. para seleccionar as equipas que iriam concretizar os trabalhos necessários, enquadradas em projectos de investigação próprios. Ao fim dos dois anos inicialmente previstos para a duração da 1ª Fase das acções de minimização em questão (1998 e 1999), assinalava-se o total cumprimento de todas as obrigações contratuais (com excepção do levantamento das gravuras de Agualta 7, trabalho que se efectuaria durante o mês de Fevereiro de 2000). Contudo, a tardia identificação do sítio do Mercador e a importância científica que o mesmo viria revelar, obrigaram à realização de três adendas ao contrato inicial para a execução de escavações naquele local, o que veio prolongar os trabalhos de campo até ao final de 2002. A 2ª fase do Plano de Minimização, dedicada à sistematização, análise e produção de um discurso de síntese relativo à informação produzida com os trabalhos de campo, decorreu entre Abril de 2003 e Maio de 2005 e deu origem à presente monografia.

R

Primeiro, e logo à partida, colocava-se o problema da distorção da amostra documental face aos objectivos propostos: os sítios a intervencionar foram definidos, naturalmente, não em função de critérios derivados das problemáticas do projecto, mas em função das áreas a afectar pelo regolfo de Alqueva. A dimensão espacial da análise estava, assim, pervertida à partida e teria que ser ponderada de uma forma particularmente cuidadosa. A esta questão voltar-se-á mais adiante, na altura de pensar a dinâmica do povoamento local.

R

Em segundo, colocou-se o problema resultante da própria divisão estabelecida pela EDIA para os sítios da Pré-História Recente a serem intervencionados na margem esquerda. Efectivamente, ao separar os contextos funerários e alguns contextos habitacionais, constituindo outros blocos, acabaria por impor uma restrição ao projecto inicial do Bloco 5, tanto no âmbito cronológico como no âmbito de determinadas variáveis do sistema social global (caso da vertente funerária).

R

Por último, as condicionantes e trajectórias que caracterizaram os trabalhos de campo, assim com a qualidade dos próprios resultados obtidos, factores que, naturalmente, obrigaram a reequacionar problemas e concretizações.

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Assim, o propósito central do projecto manteve-se na generalidade (produção de um discurso interpretativo e explicativo da organização social das comunidades agropastoris locais e sua expressão espacial durante parte da Pré-História Recente), mas as dimensões cronológica e espacial previstas tiveram que sofrer reajustamentos. Inicialmente mais lata (remontando aos momentos da neolitização da região), a tem-

INTRODUÇÃO

poralidade sobre a qual incidiu a investigação foi reduzida em função dos sítios atribuídos ao Bloco 5 e da informação disponibilizada pelos trabalhos de campo. Efectivamente, a quantidade e qualidade dos dados obtidos e o potencial informativo que encerram permitem, essencialmente, um tratamento aprofundado do Calcolítico, tanto no que diz respeito à sua génese, como ao seu desenvolvimento e ocaso, com o arranque da Idade do Bronze. Assim, o Tempo do Projecto inicia-se ainda na 2ª metade do IV milénio AC e termina no início do II milénio AC, o que corresponde, em termos dos esquemas periodizadores tradicionais para o Sudoeste da Península Ibérica, às sociedades agropastoris que se situam entre Neolítico Final/transição para o Calcolítico e o início da Idade do Bronze. Quanto ao Espaço do Projecto, aqui entendido exclusivamente como o espaço referente à base empírica em análise, corresponde genericamente à parte norte da margem esquerda do Guadiana (dentro do actual território português). O seu carácter circunscrito fica a dever-se às limitações impostas pela natureza do trabalho: o processo de minimização apresentava limites geográficos precisos impostos pela área de afectação, o que conduziu a um conhecimento desequilibrado entre contextos situados na área afectada e contextos periféricos. Por outro lado, a própria disparidade, em termos de quantidade e qualidade dos resultados obtidos nos vários sítios trabalhados na 1ª fase do processo de minimização contribuiu para essa redução. Assim, a área abrangida corresponde, essencialmente, à faixa portuguesa da margem esquerda do Guadiana entre as Ribeiras do Alcarrache (que estabelece a fronteira administrativa entre os concelhos de Mourão e de Moura) e de Cuncos (que serve de fronteira com o território espanhol). Nesta área concentram-se a quase

1.2. A base documental De acordo com o contrato celebrado com a EDIA, s.a., foram intervencionados no âmbito do Bloco 5 treze sítios, todos eles considerados como podendo potencialmente corresponder a cronologias neolíticas ou calcolíticas (Quadro 1). Em face dos resultados obtidos, verificou-se que um número significativo dos sítios in-

Nome

Tipo de intervenção

Ano

Tipo de sítio +DELWDW Necrópole de cistas Habitat

Altas Moras 1 Altas Moras 2 Cerros Verdes 3

Sondagens – 81m2 Sondagens – 92m2 Sondagens – 60m2

 1998 1998

Cerros Verdes 4

Sondagens – 50m2

1998

Monte das Candeias 3 Monte da Charneca Porto da Junta Porto Meirinho 1 Serra Brava 3 Cid Almeida

Sondagens – 102m2

1998

Sondagens – 61m2 Sondagem – 12m2 Sondagens – 54m2 Sondagens – 32 m2 Sondagens – 32 m2

  1998  

Escavação em área 145 m2

1999

Moinho Valadares 1

 $JXDOWD Mercador

tervencionados ou não apresentaram vestígios arqueológicos relevantes e minimamente preservados que permitissem sequer uma atribuição cronológica segura, ou revelaram contextos atribuíveis a outros períodos cronológico-culturais. Relativamente a estes últimos, ainda no decurso da 1ª fase foi feita a transferência do sítio de Porto Meirinho 1, no qual se realizaram trabalhos já no âmbito do bloco relativo aos sítios de cronologia paleolítica. Para os sítios de Altas Moras 2, Cerros Verdes 4 e Monte das Candeias 3 foi feita a proposta de integrar o seu estudo no Bloco 9 (Proto-História da Margem Esquerda). A base documental é assim constituída essencialmente por contextos habitacionais intervencionados no âmbito do Bloco 5 que

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Escavação em área 1300 m2

a 2002

2000

Cronologias obtidas

,QGHÀQLGD Idade do Bronze Romano, Neolítico Final / Calcolítico Habitat Bronze Final (?), Idade do Ferro Habitat Idade do Ferro (residualmente outras) ,QGHWHUPLQDGR ,QGHÀQLGD $XVrQFLDGHYHVWtJLRV ,QGHÀQLGD Indeterminado Paleolítico ,QGHWHUPLQDGR ,QGHÀQLGD ,QGHWHUPLQDGR 3Up+LVWyULD LQGHÀQLGR e medieval Habitat Neolítico Final / Calcolítico com reocupação vestigial tardia da Idade do Bronze *UDYXUDV 3URWR+LVWyULR e Períodos Históricos Habitat Calcolítico

Quadro 1 – Sítios intervencionados no âmbito do Bloco 5

INTRODUÇÃO

19

Memórias d’Odiana R 2ª série

totalidade dos sítios que constituem o suporte empírico deste texto, com excepção do sítio de Cerros Verdes 3 (que proporcionou informação de menor qualidade e quantidade) e que se localiza um pouco a sul do Alcarrache.

proporcionaram informação significativa para as problemáticas em questão (Cerros Verdes 3; Moinho de Valadares 1 e Mercador), aos quais se reuniu um outro sítio, intervencionado no âmbito do Bloco 9 (Monte do Tosco 1), cujo espectro cronológico cultural se enquadra sobretudo na lógica de investigação do presente projecto. Mais tarde, já em 2004, foi intervencionado pela ERA Arqueologia S.A. um outro importante contexto no âmbito da minimização do Emparcelamento da Nova Aldeia da Luz, projecto integrante do empreendimento de Alqueva. Tratando-se de um sítio particularmente relevante para as problemáticas tratadas no Bloco 5, a informação que proporcionou foi integrada no presente estudo. Para além destes contextos principais, foi ainda possível reter alguns dados importantes de sítios não intervencionados, mas registados e prospectados durante todo o processo de minimização, do mesmo modo que os resultados dos trabalhos realizados por outras equipas na região (alguns dos quais já publicados ou apresentados publicamente) proporcionaram informação de grande relevância para os objectivos propostos (destacando-se entre estes o povoado fortificado do Porto das Carretas). Sítios acrescentados: Monte do Tosco 1 e Julioa 4 / Luz 20

Memórias d’Odiana R 2ª série

20

As intervenções de campo seguiram os pressupostos teórico-metodológicos de Barker / Harris (Barker, 1989; Harris, 1979) para a escavação e registo, estando os procedimentos específicos desenvolvidos em cada sítio expressos nos vários relatórios entregues à EDIA S.A. e ao Instituto Português de Arqueologia, onde podem ser consultados.

INTRODUÇÃO

1.3. Breve Resumo do estado dos conhecimentos à partida O conhecimento do povoamento da margem esquerda do Guadiana (no actual território português) entre os finais do 4º e os inícios do 2º milénio AC apresentava, à data do início do plano de minimização dos impactes da barragem do Alqueva, fortes desequilíbrios e insuficiências relativamente a áreas periféricas ou a outras zonas do território nacional. Efectivamente, depois de trabalhos mais antigos e pontuais, um primeiro avanço para um estudo sistemático remonta ao início da década de 80 do século passado, quando se inicia um projecto de prospecções entre o Ardila e o Chança (Parreira e Soares, 1980) que viria a revelar uma série de sítios arqueológicos, nomeadamente povoados. Dos vários sítios então referenciados, dois foram objecto de intervenções arqueológicas, ainda que pouco abrangentes: S. Brás (Parreira, 1983) e Igreja de S. Jorge de Vila Verde de Ficalho (Soares, 1996), ambos no concelho de Serpa. O ritmo do projecto seria, contudo, intermitente e viria a decair, tendo os trabalhos na área começado a ter um carácter pontual, frequentemente baseando-se em dados proporcionados por recolhas de superfície. Mais recentemente, e com outros enquadramentos, novos trabalhos de escavação foram efectuados na zona, igualmente no concelho de Serpa. No sítio da Foz do Enxoé realizaram-se três campanhas de escavações em 1995, 1997 e 1998, integradas num projecto de investigação sobre a neolitização do interior alentejano (Diniz, 1999), enquanto que no sítio da Casa Branca 7 (Lopes, Carvalho e Gomes, 1997), face às ameaças de uma exploração de pedra, se efectuou uma intervenção de emergência em 2002. Todos estes trabalhos foram desenvolvidos na área centro/sul da margem esquerda

portuguesa, continuando a zona norte, que corresponde ao concelho de Mourão, muito mal conhecida. O estudo de impacte ambiental do empreendimento de Alqueva acabaria, assim, por proporcionar um novo folgo para investigação da Pré-História Recente na margem esquerda do Guadiana. Numa primeira fase foram identificados uma série de sítios, alguns desde logo sujeitos a sondagens (Soares e Silva, 1992). Com a implementação do projecto da barragem, estes primeiros trabalhos dariam lugar, entre 1998 e 2003, a intervenções sistemáticas e alargadas realizadas no âmbito da 1ª fase do Plano de Minimização dos Impactes, as quais

vieram proporcionar um significativo aprofundamento do conhecimento relativo ao povoamento do período em questão, precisamente na área menos trabalhada, constituindo um case study de referência para a investigação na região e noutras áreas peninsulares.

1.4. Equipa Ao longo dos anos em que decorreram os trabalhos de campo, elaboração de relatórios e produção da síntese monográfica, inúmeras pessoas estiveram envolvidas nas equipas constituídas para o efeito.

Intervenientes nos trabalhos de campo: Coordenadores

António Valera; Miguel Lago; João Albergaria (até 2000) António Valera (de 2001 a 2004)

Direcções de Trabalhos António Valera; Miguel Lago; João Albergaria; Pedro Aldana; Marta Macedo;  GH&DPSR 6DQGUD%UD]XQD6RÀD*RPHV/DUD%DFHODU

 

Técnicos

$OH[DQGUH*RQoDOYHV$OH[DQGUH6DUUD]ROD$QD&DWDULQD/RSHV$QD3DMXHOOR Ana Valente; Bruno Ferreira; Cláudia Manso; Cláudia Romão; Ever Calvo; Inês 0HQGHVGD6LOYD-DYLHU0RUR/~FLD0LJXHO/XtV3LQWR0DIDOGD&DSHOD0*HUWUXGHV %UDQFR0-RmR-DFLQWR0DQXHOD&RHOKR3DXOD*XHGHV3DXOD3HUHLUD Paulo Neves; Pedro Aldana; Ricardo Santos; Sandra Clélia.



Alexandra Marques; Ana Rita Santos; Irina Bicho; Joana Carvalho; João Rebuge; Lucy Evangelista; Mª Teresa Freitas; Páscoa Perdigão; Ricardo Ávila Ribeiro; 6DUD%HUQDUGHV6pUJLR*RPHV

 7RSRJUDÀD

3HGUR%UDJD

Desenhadores

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José Pedro Machado; Tiago Queiroz; Manuela Castro; Renata Almeida (autocad); Maria João Sousa; Carlos Lemos; Luís Camilo Alves; Mafalda Nobre (materiais).

INTRODUÇÃO

Memórias d’Odiana R 2ª série

 $UTXHyORJRV

COORDENAÇÃO DA MONOGRAFIA:

António Carlos Valera – ERA Arqueologia S.A. ESTUDOS E ELABORAÇÃO DE TEXTOS:

António Valera – ERA Arqueologia S.A. Mª Isabel Dias – Instituto Tecnológico e Nuclear Mª Isabel Prudêncio – Instituto Tecnológico e Nuclear Fernando Rocha – Instituto Tecnológico e Nuclear Mª João Jacinto – ERA Arqueologia S.A. Manuela Coelho – ERA Arqueologia S.A. Guirec Querré – CNRS, Laboratoire d’Anthropologie, Rennes Laure Salanova – CNRS, Maison de l’Archéologie et de l’Ethnologie, Nanterre Sérgio Gomes – ERA Arqueologia S.A. Xavier Moro Berraquero – ERA Arqueologia S.A. João Rebuge – ERA Arqueologia S.A. Mª de Fátima Araújo – Instituto Tecnológico e Nuclear Pedro Valério – Instituto Tecnológico e Nuclear Alexandre Gonçalves – ERA Arqueologia S.A. Lucy Shaw Evangelista – ERA Arqueologia S.A. Marta Moreno García – CIPA, Instituto Português de Arqueologia Simon Davis – CIPA, Instituto Português de Arqueologia Mª João Valente – Universidade do Algarve Ana Pajuello – ERA Arqueologia S.A. Paula Queiróz – CIPA, Instituto Português de Arqueologia Win van Leeuwaarden – CIPA, Instituto Português de Arqueologia José Paulo Ruas - CIPA, Instituto Português de Arqueologia

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Álvaro Figueiredo – ERA Arqueologia S.A. Cidália Duarte – CIPA, Instituto Português de Arqueologia Lara Bacelar – ERA Arqueologia S.A.

INTRODUÇÃO

ESPAÇO FÍSICO

&$5$&7(5,=$d®2*(2*5É),&$*(1e5,&$

Barros” (Badajoz/Elvas), onde o traçado este-oeste do rio inflecte para sul, assumindo uma orientação genericamente norte-sul. O espaço assim delimitado apresenta uma forma grosseiramente triangular, balanceado para oeste, sendo a zona da fronteira internacional a que apresenta as cotas mais elevadas (entre os 240 e os 290 metros). De um modo geral, toda esta área é pouco acidentada, com um relevo suave, por vezes ondulante, não existindo (talvez com excepção da colina onde se encontra implantado o castelo de Mourão) pontos com acentuado destaque na paisagem (Fig. 2-2 e 2-3). Figura 2-1 Localização da área de estudo no Sudoeste Peninsular.

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ESPAÇO FÍSICO

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Administrativamente, a área geográfica que constitui a base deste estudo integra-se no concelho de Mourão (distrito de Évora), sendo delimitada a este pela fronteira internacional com Espanha, a sul pela ribeira do Alcarrache (pontualmente ultrapassada), a oeste pelo rio Guadiana e a norte pela ribeira de Cuncos (que funciona também como fronteira internacional). Corresponde ao topo norte da margem esquerda portuguesa do Guadiana, integrando a sua bacia hidrográfica a oeste dos contrafortes ocidentais da Serra Morena (Fig. 2-1). Trata-se da região imediatamente a sul da curva do Guadiana na zona das “Terras de

)LJXUD²2URJUDÀDHKLGURJUDÀDGDiUHDGHHVWXGR

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Apesar desta imagem geral, o significativo encaixe do Guadiana (sobretudo a jusante da antiga ponte de acesso a Mourão), da Ribeira de Cuncos e da Ribeira de Alcarrache, contribuiu também para algum encaixe da rede de drenagem, levando, por vezes, a acentuados fenómenos de embarrancamento das linhas de água. Quanto à zona central desta área, corresponde a uma linha de festo aplanada que divide a área em duas bacias de drenagem. Uma composta por uma série de ribeiras de curso subparalelo que drenam para sul, para a Ribeira do Alcarrache. Outra constituída por uma sequênESPAÇO FÍSICO

cia de ribeiras que se inicia com a de Cuncos e se prolonga até ao Alcarrache, drenando na generalidade para oeste, directamente para o Guadiana (embora essa orientação geral corresponda, no particular, a orientações diversificadas originadas pelo traçado bastante sinuoso que o rio por vezes apresenta). As drenagens são, hoje (pré regolfo da barragem), relativamente rápidas, facto que se relaciona com o encaixe dos principais cursos de água receptores, com os fenómenos de embarrancamento e com a pouca potência de uma parte significativa dos solos, com extensas

)LJXUD²3HUÀVWRSRJUiÀFRV VREUHHOHYDGRV GDSDUWHVXO da área de estudo.

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ESPAÇO FÍSICO

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áreas de afloramento da rocha de base e pouca vegetação, o que diminui a sua capacidade de retenção. Deste modo, muitas das ribeiras (ou de parte significativa do seu curso) apresentam regimes de circulação de água intermitentes nas épocas de chuvas, estando quase sempre secas nos períodos estivais. Apesar de reduzida (abrangendo cerca de 175Km2), a área apresenta alguma diversidade geológica (Perdigão, 1980). A formação que cobre a maior parte deste espaço (Fig. 2-4) corresponde aos xistos (xistos variados: argilosos finos, quartzosos, ardósicos) de idade silúrica (embora se coloque a hipótese de serem mais antigos, remontando ao Ordovício ou Câmbrico – idem). Ainda desta época, ocorrem pontualmente, em pequenas faixas, rochas vulcânicas associadas a xistos e com grande variedade mineral (minerais de albite-oligoclase, calcite, clorite, sericite e minerais opacos). No limite este da grande

mancha de xisto, estabelecendo a fronteira geológica com os depósitos da Formação de Terena, observa-se uma estreita faixa de quartzitos e bancadas de grauvaques, igualmente atribuídos ao Silúrico. A Formação de Terena (Devónico) apresenta-se, precisamente, como uma larga faixa de orientação NO-SE que abrange o limite este da área de estudo, prolongando-se pelo lado espanhol. É caracterizada por uma alternância de xistos (finos, escuros, por vezes ardósicos) e grauvaques. A zona central, correspondendo genericamente à linha de festo aplanada, é abrangida

por uma extensa área de depósitos cenozóicos, de orientação NE-SO, compostos por argilas vermelhas, rosadas ou acastanhadas, cascalheiras com seixos rolados ou angulosos e grés margosos ou calcários, por vezes arcosicos. A noroeste de Mourão, “cortada” pelo Guadiana, ocorre uma mancha eruptiva formada por quartzitos e dioritos de grão médio ou grosseiro (integrando plagioclases, quartzo, biotite, horneblenda e, como elementos acessórios, óxidos de ferro e de titânio, apatite, zircão e alanite). Bordejando este maciço eruptivo, nas zonas de contacto, surgem duas faixas de rochas metamor-

)LJXUD²*HRORJLDGDiUHDGHHVWXGR com implantação dos principais sítios intervencionados da 2ª metade do 4º / 3º milénio AC.

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ESPAÇO FÍSICO

)LJXUD²4XDOLGDGHGRVVRORV VLPSOLÀFDGR  GDiUHDGHHVWXGR 6LPSOLÀFDGRDSDUWLUGD&DUWD de Capacidade de Uso do Solo, 1:50000, 1966 )

Relativamente às aptidões agrícolas dos solos, a natural relação com as vicissitudes geológicas é, aqui, particularmente evidente (cf. Fig. 2-4 com Fig. 2-5). A grande mancha de melhores solos (classes A e B) estende-se ao longo da linha de festo aplanada, sobrepondo-se, quase na íntegra, aos depósitos argilosos cenozóicos. Bordejando esta mancha, sobretudo na sua extremidade SO, observam-se algumas manchas de solos de classe C ou C+D. A outra área com concentração de algumas, pequenas, manchas de solos A ou B e C ocorre precisamente na zona do maciço eruptivo a NO de Mourão e periferia imediata. Toda a restante área, que coincide com a grande mancha dos xistos que domina a geologia local, é composESPAÇO FÍSICO

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fizadas. Uma interior, constituída por corneanas, e outra exterior, composta por xistos mosqueados. Pontuando ocasionalmente o território, nomeadamente junto à antiga aldeia da Luz, existem ainda alguns filões de quartzo, por vezes mineralizados com pirite. Por último, são de destacar os depósitos plistocénicos, compostos por alguns aluviões e terraços do Guadiana. Estes apresentam altitudes relativamente ao leito do rio que variam entre os 5 e 8 m e os 25 e 35 m na zona a norte do maciço eruptivo. No centro deste (S. Pedro) surge o terraço mais extenso (com cerca de 1 Km de extensão), situado entre os 60 e os 90 m acima do leito do rio. São depósitos de areias e de cascalheiras, por vezes com argilas acastanhadas ou avermelhadas.

ta por solos de classe D e sobretudo E, caracterizados por solos esqueléticos e por extensas zonas de afloramento do substrato xistoso. São precisamente estas áreas xistosas e de solos pobres que, com excepção da área do maciço eruptivo, bordejam os vales do Guadiana e do Alcarrache, ou seja, as áreas afectadas pelo regolfo de Alqueva. Face a este quadro físico, a implantação dos principais sítios intervencionados incide nas margens ou a curtas distâncias dos dois cursos de água mais relevantes (Guadiana e Alcarrache). Apenas a Julioa 4 / Luz 20 se localiza claramente numa área mais central, equidistante a ambos. Todavia, temos que ter em consideração a distorção introduzida, pela natureza do trabalho, na análise da distribuição espacial dos sítios. Como já foi referido no ponto 1, os trabalhos de pros-

pecção e inventariação incidiram sobre as áreas a inundar pelo regolfo ou a afectar por outras infraestruturas e reordenamentos associados ao projecto de Alqueva, o que significa que toda a metade oriental da área considerada não foi objecto de trabalhos arqueológicos, mantendo-se o total desconhecimento relativamente a contextos arqueológicos da Pré-História Recente que existia antes do arranque do empreendimento. Tal facto condiciona, de forma particularmente significativa, toda a imagem do povoamento local e tudo o que sobre ele possa ser, de momento, dito. Mas, trabalhando os dados disponíveis, poderemos afirmar que o sítio de Julioa 4 / Luz 20 se diferencia, de uma forma clara, dos restantes no que respeita à sua implantação. Localizado na linha de festo que separa a drenagem directa

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Figura 2-6 – Áreas aproximadas de visibilidade mais imediata a partir dos principais sítios intervencionados: 1- Porto das Carretas; 2- Mercador; 3- Moinho de Valadares 1; 4- Julioa 4 / Luz 20; 5- Monte do Tosco 1.

ESPAÇO FÍSICO

Figura 2-7 – Sítios atribuíveis à Pré-História Recente registados na área de estudo no âmbito do empreendimento de Alqueva.

não sendo muito acentuado (com excepção das elevações de S. Gens e Monsaraz que fecham os horizontes visuais do Porto das Carretas e do Mercador sobre a margem direita e sobre o Vale do Álamo), apresentam um ondulado que é suficiente para estabelecer constrangimentos à visibilidade que se tem a partir destes locais. Naturalmente, o coberto vegetal mais denso que poderemos presumir para as épocas de vida destes agregados habitacionais (note-se que actualmente esta área está fortemente desarborizada seria um factor que reduziria, de uma forma significativa, a visibilidade. Esta situação é particularmente evidente no sítio de Julioa 4 / Luz 20, já que a fraca visibilidade que apresenta para oriente é, em parte, resultado de uma extensa mancha de olival. ESPAÇO FÍSICO

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para o Guadiana da drenagem para o Alcarrache, o sítio está implantado numa superfície aplanada que apresenta as cotas mais elevados da área. Sem aparentes preocupações de carácter defensivo ou de delimitação (situação que, contudo, não pode ser descartada em definitivo, como se discutirá no ponto 19), é o contexto que apresenta um maior domínio visual sobre a paisagem envolvente para ocidente, ou seja, sobre uma parte significativa da área que se estende do sítio até ao Guadiana (Fig. 2-6). Para os restantes sítios, que escolheram pequenos promontórios ou plataformas sobre os principais cursos de água ou relativamente perto destes, as visibilidades imediatas são mais restritas, quer pela topografia encaixada dos rios, quer pelo relevo circundante que,

2.1. Inventário dos sítios atribuíveis à Pré-História Recente na área de estudo Listagem dos sítios atribuíveis à Pré-História Recente registados na área de estudo no âmbito do empreendimento de Alqueva:

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01- Porto das Carretas 02 - Mercador 03 – Hortinho 04 – Monte da Julioa 22 05 – Moinho de Valadares A 06 – Moinho de Valadares 1 / Agualta 7 07 – Julioa 4 / Luz 20 08 – Luz 7 09 – Monte da Ribeira 6 10 – Monte do Tosco 1 11 – Malhada do Mercador 1 12 – Malhada do Mercador 2 13 – Quinta da Fidalga 1 14 – Quinta da Fidalga 2 15 – Quinta da Fidalga 3 16 – Quinta da Fidalga 4 17 – Barca 18 – S. Pedro 2 19 – Fábrica da Celulose 20 – Monte estevais 3 21 – Monte estevais 14 22 – Monte Torrinho Velho 4 23 – Moinho de Valadares 7 24 – Moinho de Valadares 2 25 – Monte da Tojeira 7 26 – Monte da Julioa 15 27 – Monte da Julioa 16 28 – Moinho de Valadres 5 29 – Moinho de Valadares 6 30 – Moinho de Valadares 4 31 – Monte da Julioa 17 32 – Monte da Julioa 8 33 – Monte da Julioa 32 34 – Monte da julioa 18 35 – Monte da Julioa 31

ESPAÇO FÍSICO

36 – Monte da Julioa 9 37 – Monte dos Pássaros 9 38 – Monte da Julioa 7 39 – Monte da Julioa 33 40 – Monte da Julioa 23 41 – Monte dos Pássaros 42 – Monte da Julioa 20 43 – Monte da Julioa 25 44 – Monte da Julioa 30 45 – Monte dos Pássaros 46 – Monte da Courela do Cabeço 1 47 - Montes da Courela do Cabeço 3 48 – Monte da Cerejeira 6 49 – Luz 12 50 – Monte da Charneca 10 51 – Monte da Charneca 3 52 – Monte da Charneca 2 53 – Boavista 1 54 – Monte da Charneca 14 55 – Monte Vila Ruiva 6 56 – Luz 5 57 – Fonte da Silva 7 58 – Fonte da Silva 15 59 – Fonte da Silva 2 60 – Luz 6 61 – Monte Carneiro 1 62 – Monte Carneiro 3 63 – Luz 9 64 – Sra. da Luz 1 65 – Sra. da Luz 3 66 – Monte do Tosco 4 67 – Monte do Conde 4 68 – Alto dos Cílios 1 69 – Monte da Charneca 6

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS: CARACTERIZAÇÃO, FASEAMENTO E CRONOLOGIA

3. MOINHO DE VALADARES 1

3.1. Localização e caracterização geomorfológica Administrativamente o sítio arqueológico do Moinho de Valadares 1 situa-se no Monte da Julioa, pertencente à freguesia de Mourão, concelho de Mourão, distrito de Évora. A coordenação de um ponto de referência colocado no terreno, realizada pela equipa de topografia, proporcionou as seguintes coordenadas nacionais: M-264892,07; P–155452,97; Z-160,61 (CMP, 1:25000, fl 483).1

O sítio está localizado numa plataforma sobranceira ao Rio Guadiana junto ao topo da sua vertente esquerda, de declive bastante acentuado. Nesta área, o rio encontra-se profundamente encaixado (desnível de cerca de 70 m), apresentando uma largura de leito que varia entre os 100 e os 150 m e um traçado sinuoso, situando-se o sítio arqueológico sobre um meandro, o qual, face à progressiva erosão na margem côncava e à deposição mais marcada na margem convexa, teria (não fosse a construção da barragem) tendência a acentuar-se. Localizado numa plataforma que se inicia cerca de 10 metros abaixo do topo da vertente, o sítio encontra-se delimitado a norte, oeste e este por escarpas e declives acentuados que condicionam toda a sua estratégia de implantação. Para este/sudeste, abre-se uma extensa área relativamente aplanada, de relevo suave mas ondulante, entrecortada por pequenas ribeiras subsidiárias do Guadiana. A sua localização implica que a visibilidade (a partir do centro do povoado) seja reduzida, devido ao relevo mais elevado a norte (margem oposta do rio) e ao declive (a sul) em que se encaixa. Apenas para nordeste o horizonte visual se estende até à área da vila de Mourão e fábrica da celulose, aproveitando a “abertura visual” proporcionada pelo

Houve inicialmente um erro na ligação à rede nacional no que respeita à altimetria do ponto gerador do sistema de coordenadas da escavação. Esse erro é de +1,74 metros, pelo que esse valor deve ser subtraído a todas as cotas apresentadas nos planos, cortes e registos de materiais.

1

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

O sítio arqueológico designado por Moinho de Valadares 1, cartografado com o nº 68 no mapa 11 do Quadro Geral de Referência do património arqueológico do regolfo da barragem de Alqueva (Silva, 1996: 100) e correspondendo ao número de inventário 95 463 (483), foi identificado em prospecções realizadas pela EDIA no âmbito do plano de minimização de impactes. Nessas prospecções foram recolhidos à superfície, a meio da vertente, fragmentos de cerâmica de fabrico manual, cerâmica de revestimento, lascas de quartzito, um peso de rede e xisto jaspóide. Em face da situação foi proposta, como medida mitigadora de impactes, a realização de escavações em área, trabalhos que viriam a ser realizados entre Julho e Outubro de 1999 (Valera, 2000a).

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meandro do Guadiana. No entanto, cerca de 10 / 20 metros acima, já no topo da vertente, a visibilidade aumenta consideravelmente, podendo ser observada uma área cujo limite visual é a linha de festo que separa a bacia hidrográfica directa do Guadiana (a noroeste) da bacia hidrográfica da Ribeira do Alcarrache (a sul). Neste horizonte estão compreendidos o povoado Luz 7 (nº 131 no mapa 10 do Quadro Geral de Referência), o marco geodésico dos Montes Altos, o povoado do Monte da Julioa 4 (nº 139 do mapa 10 do Quadro Geral de Referência), o povoado da Fábrica de Celulose (nº 18 no mapa 10 do Quadro de Referência) e inclusivamente o povoado do Hortinho (nº 12 no mapa 10 do Quadro de Referência), que, de um modo geral, marcam os limites visuais para nordeste, este e sul. Para norte e noroeste, a visibilidade continua restrita pelo relevo da Herdade das Pipas, enquanto que para oeste, se domina um troço considerável do vale do Guadiana. A sua implantação discreta torna difícil o seu reconhecimento imediato na paisagem. Porém, o sítio possui nas suas imediações um ponto de referência reconhecível a longa distância: um tor de grandes dimensões. Sendo este visível a partir de Mourão, dos marcos geodésicos Julioa e Montes Altos e, inclusivamente, de Monsaraz, funciona como um verdadeiro marco na paisagem que, dentro de determinados códigos de leitura, poderá ter desempenhado um papel de referência visual e conceptual para a localização do povoado. No que respeita às acessibilidades, estas apenas estão facilitadas por sul e sudeste. A norte, este e a oeste as vertentes apresentam um declive muito acentuado, terminando em escarpa sobre o Guadiana, embora existam caminhos que possibilitam o acesso ao rio a partir do povoado.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Do ponto de vista geológico, o sítio localiza-se na grande mancha de xistos do Silúrico, que sofreram vários episódios de deformação que deram origem a dobramentos sucessivos de amplitude variável, com uma densa rede de fracturas. A plataforma de implantação do povoado é caracterizada e delimitada, precisamente, por grandes áreas de afloramento do substrato rochoso, frequentemente com dobras. Aproximadamente a 3 Km (em linha recta, para sudeste) encontra-se uma área de terras argilosas e cascalheiras. Para norte, a 2,5 Km desenvolve-se uma mancha de rochas eruptivas (quartzodioritos) parcialmente sobreposta por depósitos de terraços fluviais e delimitada por “anéis” de corneanas e xistos mosqueados. Cerca de 2 km para nordeste encontra-se um filão de quartzo. Para sudoeste, a cerca de 3/3,5 Km, junto à aldeia da Luz, encontram-se outros depósitos de terraços fluviais e longos filões de quartzo e dolerito. A presença de granito mais próxima do povoado está registada numa pequena mancha na Herdade das Pipas a cerca de 2 Km para noroeste, na margem direita do Guadiana. Praticamente em toda a zona ocorre uma cobertura de solo residual com espessura muito reduzida (centimétrica), de natureza silto-argilosa, com fragmentos líticos de xisto e de fácies xisto-gravacóide. Observam-se também calhaus rolados dispersos de quartzo e de quartzito. Principalmente nas vertentes que marginam o Guadiana, o maciço rochoso apresenta-se aflorante e sub-aflorante. Nestas áreas ocorrem formações xistentas de cor cinzenta escura, por vezes com leitos quartzosos intercalados.

Figura 3-1 – Localização do Moinho de Valadares 1 &03Á YLVWDGH12HUHSUHVHQWDomR tridimensional da implantação do povoado VREUDQFHLUDDR*XDGLDQD

3.2. Áreas intervencionadas: VHTXrQFLDVHVWUDWLJUiÀFDV faseamentos e cronologias

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

Tendo como objectivo proceder a uma avaliação e caracterização do contexto arqueológico e minimizar o impacte provocado pelo regolfo, foram seleccionadas duas zonas de intervenção (Sectores I e II), realizando-se em cada uma duas sondagens. O Sector I corresponde à área superior e mais aplanada da plataforma sobranceira ao rio Guadiana, cuja existência fazia prever uma possível ocupação central do sítio neste local. Aí foram implantadas duas sondagens. A Sondagem 1 apresenta 4 metros de largura (sentido norte-sul) por 6 metros de comprimento (sentido oeste-este), correspondendo a uma

área de 24 m2, enquanto que a Sondagem 2, de configuração recortada, abrangeu uma área total de 91 m2. O Sector II localiza-se no início do declive da vertente norte, tendo sido abertas igualmente duas sondagens. A Sondagem 3, com 12 metros de comprimento (sentido norte-sul) por 2 metros de largura (sentido oeste-este), corresponde a uma sanja com uma área de 24 m2, a qual visava identificar evidências de ocupação nesta zona de declive mais acentuado, numa área já parcialmente abrangida pelo limite máximo do regolfo da barragem. Quanto à Sondagem 4, com 6 m2, foi localizada a oeste da anterior, com o objectivo de verificar os possíveis limites do povoado a oeste e controlar possíveis impactes ao nível da cota máxima de enchimento do regolfo. A totalidade da área intervencionada foi, assim, de 145 m2 A Sondagem 4 acabaria por não revelar qualquer nível de ocupação ou vestígios de estruturas conservados. Definiram-se quatro camadas sobrepostas, todas com formação por escorrência e sedimentação natural no contexto da evolução da vertente. Deste modo, foi com base no cruzamento das estratigrafias, conjuntos artefactuais e datações obtidas nas sondagens 1, 2 e 3 que se estabeleceu um faseamento para a ocupação deste povoado, o qual será exposto seguindo a sequência do mais antigo para o mais recente.

3.2.1. A Fase 1 (Neolítico Final/Calcolítico Inicial) Correspondendo à fundação e primeira fase de ocupação do povoado, apenas foi identificada nas Sondagens 2 e 3. Na Sondagem 2, este momento inicial de ocupação surge representado pelo solo de ocupação UE 76, depósito que abrangia parte da área central da sondagem e assentava no substrato rochoso xistoso. Previamente ou durante este momento inicial terá sido gravado um conjunto de covinhas no afloramento, imediatamente a NO deste depósito (cf. ponto 14). Num segundo momento é construída uma estrutura circular (Cabana 2), da qual se identificou um troço: o muro UE 28. Este muro assentava sobre o afloramento, sobre o depósito UE 76 e sobre um paleossolo arqueologicamente estéril (UE 50), apresentando várias fiadas de lajes de xisto sobrepostas em “pedra seca“2. O interior desta cabana era preenchido por dois depósitos, ambos encostando ao muro UE 28. O depósito inferior (UE 74), corresponde à fase inicial de utilização da cabana. Escavado em metade da sua área, assentava sobre o solo de ocupação anterior à construção da mesma (UE 76) e envolvia na sua base um aglomerado de lajes de xisto (UE 80), correspondentes a uma eventual estrutura destruída. Era sobre-

Memórias d’Odiana R 2ª série

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2 Este muro poderá correlacionar-se com um aglomerado de pedras (UE49) na sua sequência para sul, facto que não foi possível perceber devido à sobreposição de estruturas posteriores.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Figura 3-2 – Sondagem 2: Fase 1. Planta do muro UE28 da Cabana 2, depósito UE74 e aglomerado pétreo UE80. Fotos: (Em cima) vista do muro UE 28 com o paramento externo arruinado; (em baixo) aspecto do derrube UE 73 desse mesmo paramento (sobreposto pelo muro UE84 da Fase 2).

Figura 3-3 – Aspecto da sequência dos depósitos da Fase 1: UE76 correspondente ao início de ocupação deste espaço; UEs74 e 59 correspondentes à ocupação da Cabana 2, sob o muro da Cabana 1 da Fase 2.

(59) (74)

(76)

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posto por um segundo depósito (UE 59), que encostava igualmente ao muro UE 28 e correspondia ao momento final de utilização da Cabana 2. No seu interface superior apresentava uma mancha de sedimentos argilosos de cor alaranjada e bem compactadas (UE 63), no interior da qual se detectou uma concentração de nódulos de argila, compactada por acção do calor, formando uma superfície aplanada, embora já bastante degradada (UE 64). Estas duas unidades poderão corresponder a uma zona de combustão, embora não se tenham detectado estruturas em pedra ou carvões associados. No seu conjunto, todos estes depósitos forneceram abundantes materiais arqueológicos e alguns restos faunísticos. Pelo lado este da Cabana 2 vai-se depositando, entre espaços do afloramento, a UE 70, enquanto que no exterior oeste se definiram dois depósitos estratigraficamente equivalentes OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

(Ues 83 e 82), os quais correspondem a solos formados durante a fase final da vida daquela estrutura, tendo fornecido materiais arqueológicos, mas em quantidade mais reduzida. Apenas a UE 83 foi escavada integralmente, verificando-se que encostava pelo exterior ao muro da cabana e assentava directamente no substrato rochoso, cobrindo o conjunto de covinhas. Restrito ao recanto sudeste da sondagem, identificou-se um depósito (UE15) que forneceu poucos materiais, mas enquadráveis nesta primeira fase. Este depósito, de formação anterior à construção da estrutura UE 30 (Fase 2), assentava sobre um outro (UE 53), que se revelou um paleossolo arqueologicamente estéril. Ainda pelo exterior SO da Cabana 2, assentando sobre o paleossolo UE 50, identificou-se um conjunto de lajes de xisto alinhadas que poderão corresponder a uma estrutura. Esta rea-

lidade não foi compreendida, uma vez que não foi integralmente exposta por estar coberta por depósitos e estruturas posteriores que não foram desmontadas. Poderá eventualmente, dado o seu posicionamento estratigráfico, corresponder a esta primeira fase de ocupação do sítio. Estes solos exteriores à Cabana 2 foram, após o abandono desta, cobertos por derrubes (UE 73) do lado oeste, com origem no desmoronamento do paramento externo do muro UE 28, e pela formação do depósito UE 62 do lado este, que cobriu a UE 70 e parte da UE 59. A formação destes depósitos poderá ter a ver com um momento de abandono do sítio, como se defenderá adiante. A área abrangida na Sondagem 3 foi também ocupada durante esta primeira fase. Aí foi construído muro UE 33 com lajes de xisto alinhadas lateralmente e algumas colocadas na vertical, o qual tanto poderá corresponder a um troço de cabana, como de uma estrutura de contenção de sedimentos e delimitação de espaço.

Figura 3-4 – (Direita) Aspectos dos dois muros sobrepostos (UE33 em baixo e UE 7 em cima). Pelo interior (direita) o solo de ocupação UE 8 encostando ao muro UE 7 (2º momento de ocupação da área) e à esquerda o depósito UE 29 encostando ao muro UE 33 (1º momento de ocupaçáo da área). (Esquerda) Densidade de fragmentos de cerâmica de revestimento por m2 (total de 7847 fragmentos com um peso de 144,750 Kg)

Pelo seu interior (lado sul) formou-se um depósito que lhe encostava e que corresponderá a um solo de ocupação (UE 22), o qual assentava ou no o substrato rochoso xistoso ou num paleossolo arqueologicamente estéril (UE 48). Durante este primeiro momento de ocupação desta área do povoado, pelo exterior (norte) do muro UE 33, forma-se um depósito (UE 29) em cujo parte superior se acumula uma extraordinária quantidade de cerâmica de revestimento, configurando uma situação de derrube para o exterior de uma parede de ramagens entrelaçadas revestida a argila associada ao muro de xisto. O derrube da parede para o exterior, portanto no sentido do declive da vertente, é demonstrado pela distribuição da densidade de fragmentos de cerâmica de revestimento (cf. Fig. 3-4). Num total de 2149 fragmentos (pesando 21, 350 quilos), verifica-se que no topo da UE 22 (lado interno) a densidade de fragmentos é de 11 por m2, enquanto que no exterior é de 262 por m2.

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Este derrube terá marcado o final do primeiro momento de ocupação identificado nesta área. Seguidamente, procedeu-se à reconstrução da estrutura de contenção/delimitação. Para tal é colocada uma camada de terras (UE 32) sobre o topo do muro UE 33 para regularizar a base de assentamento de um novo muro (UE 7). Este assenta sobre essa camada de terra e sobre o topo de uma das lajes verticais da construção do muro mais antigo e teria associada uma nova parede de ramagens revestida a argila. Do lado interior forma-se um novo solo de ocupação (UE 8) sobre o anterior (UE 22), enquanto que pelo exterior se inicia a sedimentação da UE 9. O final deste segundo momento será marcado por novos derrubes, responsáveis pela incorporação no topo da UE 9 de grandes quantidades de cerâmica de revestimento (uma densidade de 436 fragmentos por m2), que também ocorrem no topo do solo de ocupação interior (UE 8), novamente com uma densidade muito menor (72 fragmentos por m2), mas que poderá revelar a existência de alguns derrubes também para o interior. Assim, em ambos os sectores se identificaram dois momentos sequenciais durante a Fase 1: na Sondagem 2 um primeiro depósito de ocupação, seguido da construção e utilização da Cabana 2; na Sondagem 3 com a construção de uma estrutura e ocupação do espaço interno, seguida, após derrube dessa estrutura, de uma reconstrução e continuação de ocupação desse espaço interior. Em ambas as áreas, o final das ocupações desta fase origina o derrube das estruturas sem evidências de reconstrução das mesmas. De um modo geral, a cultura material associada a esta fase não evidencia diferenças significativas entre os seus dois momentos internos em qualquer das sondagens. A cerâmica é caracterizada pelo domínio das taças carena-

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

das e potes mamilados (sendo o prato vestigial), apresentando algumas (muito poucas) decorações plásticas e bordos denteados e linhas incisas ou bandas de impressões horizontais. Os metais e a metalurgia estão ausentes. A indústria lítica talhada é dominada pelo talhe macrolítico sobre seixo e pedra polida é extremamente rara. Quanto aos elementos de moagem, estando presentes, não são muito abundantes. Nos pesos de tear, crescentes e placas estão presentes (em número equivalente na Sondagem 3 e com predomínio dos crescentes na Sondagem 2). O final desta fase é marcado pelo último derrube da estrutura da Sondagem 3 e pelo derrube (não reparado) do paramento externo da Cabana 2 da Sondagem 2, e sobre o qual se irão construir estruturas na fase seguinte, sugerindo um hiato de ocupação do sítio.

3.2.2. A Fase 2 (Calcolítico Pleno) Foi identificada nas Sondagens 1 e 2 do Sector 1, não estando representada na Sondagem 3 (Sector 2). Esta deslocação do espaço da ocupação é outro indicador (para além dos derrubes das estruturas da fase anterior e das alterações abruptas na cultura material) da existência de um período de abandono entre a Fase 1 e a Fase 2. A ocupação da área da Sondagem 1 inicia-se precisamente durante a Fase 2, com a formação do depósito UE 78. Esta realidade foi mal caracterizada, pois a sondagem apenas terá apanhado a sua extremidade oeste, onde encosta ao afloramento parcialmente regularizado através da colocação de lajes de xisto sobrepostas (UE 91). Na sua base observou-se a presença de algumas pedras de xisto de médias dimensões e uma concentração de grandes nódulos de cerâmica de revestimento, alguns em conexão,

tor, forma-se um novo depósito (UE12), o qual forneceu bastante cerâmica manual, indústria lítica talhada e cerâmica de revestimento, com uma particular concentração no recanto sudoeste da sondagem, materiais que tipologicamente não se distinguem dos recolhidos nos níveis anteriores. Parece, assim, definir-se um ambiente, cujo plano estrutural só poderá ser totalmente compreendido com alargamentos da área escavada para norte e este (no sentido de perceber os prolongamentos das UEs 40 e 56). Este ambiente deveria ter um qualquer tipo de estrutura aérea associada, facto que parece ser sugerido pela identificação de três pequenos suportes de postes e pelos densos derrubes de cerâmica de construção exteriores. Duas das estruturas de calços de postes encontram-se integradas no topo da UE 40, uma mais a norte (UE 26) e outra mais a sul (UE 27). Tratam-se de pequenas lajes de xisto cravadas na vertical, formando um espaço em U com uma área interior de cerca de 10 cm2. A outra (UE 92) encontrava-se integrada na UE 20, mas praticamente encostada à UE 40. Pelo exterior oeste, depositaram-se duas camadas (UE 51, configurando um momento de possível derrube de uma estrutura de ramagens revestida a barro, e UE 41), escavadas apenas numa área restrita e prolongando-se pelo interior dos cortes. Estas duas unidades, apesar do espaço reduzido em que foram escavadas, forneceram bastantes materiais, tanto cerâmicos como líticos. A UE 51, ao fornecer num reduzido espaço mais de um milhar de fragmentos de cerâmica de revestimento, poderá corresponder a um momento de derrube de uma parede associada à estrutura UE40. Na Sondagem 2 é construída, nesta fase, a Cabana 1 (muros UE 24 e UE 66). Estas estruturas assentam sob o último solo de ocupação

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

que se prolongavam pelo corte este. Este facto levou a que se tomasse a opção de não escavar a totalidade desta camada no recanto nordeste, uma vez que os blocos de cerâmica de revestimento poderiam corresponder a um derrube estruturado, sendo conveniente que o mesmo fosse exposto e registado em área. Sobrepondo-se a este primeiro momento, identificou-se um segundo, que se estende sobre o afloramento, para oeste. Neste segundo momento são construídas as estruturas UE 40 e UEs 56 / 42, que parecem definir um espaço fechado. Na metade oeste da sondagem definiu-se uma concentração de cascalho grosseiro de xisto, formando uma espécie de alinhamento com orientação SO-NE, prolongando-se para o interior do corte norte (UE 40). A escavação das unidades limítrofes permitiu observar que esta realidade se prolongava em profundidade, assentando sobre o afloramento (UE 55 neste sector), formando uma espécie de “muro” constituído por cascalho grosseiro de xisto, fragmentos de cerâmica de revestimento e um ligante argiloso. No lado este da sondagem definiu-se um aglomerado pouco estruturado de pedras (UE 23) que correspondia à destruição da parte superior de uma estrutura pétrea (UE 56), tipo empedrado compacto, que se desenvolvia imediatamente por baixo e que assentava no depósito UE78. Este empedrado prolongava-se pelo interior dos cortes este e norte, sendo delimitado a oeste por uma sequência de lajes de xisto colocadas em cutelo (UE 42). Esta estrutura parece contactar com o “muro” UE 40. No espaço interior formou-se um solo de ocupação (UE 20) assentando sobre o substrato rochoso (UE 55) ou sobre bolsas de terras amareladas (UE 45), correspondentes a depósitos arqueologicamente estéreis. Sobre este, e cobrindo já toda a área da sondagem na fase final de ocupação e abandono deste sec-

da cabana anterior (UE 59), apresentando uma ligeira contracção do espaço anteriormente ocupado por essa cabana. Trata-se de uma estrutura circular, com cerca de 5 m de diâmetro, a qual apresentava ao centro um buraco de poste estruturado (UE65) por três pequenas pedras de xisto cravadas na vertical na UE59. Este poste central poderia relacionar-se com a sustentação da cobertura. Os muros da cabana foram

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Figura 3-5 – Sector 1: estruturas e solo de ocupação.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

construídos em pedra seca alongada de xisto, apresentando uma altura máxima conservada de cerca de 20/25 cm e a face externa muito destruída (o que impossibilita a determinação da sua espessura, estimada em cerca de 80 cm). As paredes seriam de ramagens entrelaçadas revestidas a argila, como a abundante cerâmica de revestimento parece indiciar. O seu interior era preenchido por um único depósito

Figura 3-6 – Estruturas da Fase 2: muros da Cabana 1 (UEs 24 e 66) e calços de poste central (UE65) assentes sobre o depósito UE59 (correspondente à última fase de utilização da Cabana 2, Fase 1); muro UE 84 e solos associados (UE 72) a oeste; e estrutura UE87 entrando pelo corte este A cheio, estruturas da Fase 3.

(UE19) com cerca de 20cm de espessura, o qual corresponderá ao solo de ocupação da estrutura. A sudoeste da cabana, o derrube UE 73 (derrube do paramento exterior do muro da Cabana 2 da Fase 1) parece ter sido regularizado para a construção do muro UE 84, pertencente a uma estrutura que não é possível compreender na totalidade, dada a destruição da sua extremidade norte e a proximidade dos próprios limites da sondagem.

O muro UE84, de orientação NO-SE, apresenta uma construção em pedra seca, com um comprimento máximo preservado de cerca de 1,70m no paramento oeste, uma altura de 60/70 cm (correspondendo a quatro fiadas conservadas) e uma espessura máxima próxima de 1m na extremidade sul. Assentando numa regularização de um derrube (UE 73) que se apresenta inclinado, a sua configuração em corte parece ser em triângulo, mais larga em cima,

Memórias d’Odiana R 2ª série

46

Figura 3-7 - Derrube UE73 do paramento exterior do muro UE28 da Cabana 2 da Fase 1 e aspecto do muro UE84 assente sobre a regularização (?) desse derrube.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

A cultura material associada a esta fase apresenta alterações significativas relativamente à anterior, sobretudo no que respeita às cerâmicas. Observa-se uma inversão muito significativa na relação taça carenada / prato, tornando-se este uma das morfologias predominantes e as primeiras pouco representativas. A decoração vestigial reduz-se ainda mais e a cerâmica simbólica faz a sua aparição. As evidências de metalurgia surgem também pela primeira vez. A indústria lítica mantém o predomínio quase exclusivo do talhe macrolítico sobre seixo e a pedra polida torna-se ligeiramente mais abundante, embora ao nível da utensilagem de moagem continue a ser pouco significativa. Os pesos de tear mantêm a simultaneidade de placas e crescentes. Esta fase terá terminado num momento de abandono, o qual se materializou na formação de uma série de derrubes: formação dos derrubes UE 54, 36 (com origem na estrutura UE 87), a este da sondagem, e do derrube UE 69 (com origem no muro UE 84) a oeste.

3.2.3. A Fase 3 (reocupação da Idade do Bronze) A terceira fase corresponde a ténues vestígios de uma reocupação do sítio, a qual se encontra materializada eventualmente em duas estruturas, num possível enterramento e num conjunto de materiais tipologicamente tardios. Estas evidências localizam-se todas na Sondagem 2. Num momento em que se encontravam em ruína as estruturas da Fase 2 e se formavam depósitos que envolviam derrubes dessas estruturas e materiais das ocupações anteriores (que resultaram na formação das UEs 10, 11 e 67) foi construído um muro (UE14), do qual sobre-

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

47

Memórias d’Odiana R 2ª série

mais estreita na base, apresentando uma face bem construída e definida apenas do lado oeste. Desse lado, o muro era encostado por um depósito (UE72) incorporando algumas pedras de xisto e escassos materiais e a norte por um outro depósito (UE71), que evidenciava a presença de mais pedras, eventualmente relacionadas com a progressiva erosão do miolo do muro UE28 (Cabana 2, Fase 1) ou com o início do desmoronamento do muro UE84 na sua parte noroeste. Este depósito forneceu igualmente materiais, nomeadamente cerâmicos, mas em escassa quantidade. Entre o muro UE84 e a Cabana 1 formou-se um outro depósito (UE25) e também ele forneceu um número reduzido de materiais. Do lado oposto, a este da Cabana 1, regularizou-se o terreno através da colocação de sedimentos arenosos (UE 68) (eventualmente trazidos de fora do local, de zona próxima do rio ?) contidos por lajes e pedras de xisto (UE 89), as quais poderiam ser a base do muro da cabana, muito destruído nessa área. Após essa regularização foi construída a estrutura UE 87, também ela não completamente compreendida, já que se enfia pelo corte. Do seu lado oeste foi definido um depósito (UE 58), o qual, abrangendo uma área muito reduzida e prolongando-se pelo corte, praticamente não foi escavado. A sul desta estrutura formaram-se, em depressões do afloramento, os depósitos a UE 52 e 38. A sul da Cabana 1 surgiu um aglomerado caótico de grandes pedras de xisto (UE 30), cuja interpretação se apresenta muito condicionada pelas perturbações que sofreu durante a Fase 3 e pelo facto de se prolongar para o interior do corte sul. Poderá corresponder a uma estrutura (eventualmente de tendência circular, que se prolonga para sul / sudeste. Do lado este verificou-se que assentava sobre a UE15 (depósito da Fase 1).

Figura 3-8 0XUR8(DVVHQWHVREUHRVGHUUXEHV HGHSyVLWRVTXHRVHQYROYHP GD)DVHQXPDDOWXUDHPTXHVHFRPHoDDGHÀQLURWRSR da Cabana 1 e respectivo solo de ocupação.

Memórias d’Odiana R 2ª série

48

viveu apenas um pequeno troço intermédio com duas fiadas de altura. Foi construído em pedra seca, com cerca de 70 cm de largura e apresenta uma orientação NE-SO. Tratando-se de um pequeno troço isolado é difícil perceber a que tipo de estrutura corresponderia. Quanto à sua cronologia, tendo em conta que os depósitos que o envolvem e sobrepõem se encontram revolvidos e misturam materiais das fases mais antigas de ocupação com alguns materiais mais recentes, já atribuíveis à Idade do Bronze, a mesma apenas se poderá basear no seu posicionamento estratigráfico, o qual é claramente posterior aos derrubes das estruturas da Fase 2 e ao início da formação das UEs 11 e 10. Por essa razão esta estrutura é associada à reocupação tardia. Situação semelhante se passa com a fossa UE35. Esta fossa foi aberta cortando o depósiOS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

to UE11 (já posterior aos derrubes das estruturas da Fase 2) e os depósitos subjacentes até ao substrato rochoso. Apresentava uma planta ovalada, com um eixo maior de 1,5 m e um menor de 1 m, sendo revestida por lajes de xisto sobrepostas ou verticalizadas. O seu interior era preenchido pela UE34, depósito de pedras de médias e pequenas dimensões embaladas num sedimento cinzento pouco compactado. Este depósito de preenchimento forneceu escassos fragmentos cerâmicos manuais (que não permitem uma atribuição cronológica precisa) e escassos fragmentos de cerâmica de revestimento, assim com alguns restos de talhe de seixos. Face a esta situação, a relação desta estrutura com a reocupação tardia da Idade do Bronze baseia-se, fundamentalmente, no seu posicionamento relativamente à sequência es-

Figura 3-9 – Planta das estruturas da Fase 3: duas fossas e restos de um alinhamento pétreo.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

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tratigráfica. Quanto à sua funcionalidade pouco se pode dizer (estrutura de armazenagem ? sepultura ?). Uma situação melhor definida, em termos da sua atribuição cronológica, foi detectada no recanto sudoeste da sondagem. Trata-se de uma possível fossa (UE93) que entra pelos cortes (pelo que não se conhece a sua configuração) e que, tal como a fossa UE35, corta a estratigrafia a partir da UE11. Era preenchida por dois depósitos. O superior (UE90) correspondia a terras castanhas, muito compactadas, quase sem cascalho de xisto e sem materiais arqueológicos. O inferior (UE13) era composto por terras igualmente cinzentas, mas mais escuras e arenosas, contendo pedras de médias dimensões e algum material arqueológico e osteológico: fragmentos de recipientes cerâmicos com remontagens de tipologia tardia

atribuível à Idade do Bronze (taça de carena média, pode de base plana e bordo denteado, fragmentos de bases planas e objectos metálicos de bronze, mais alguns restos incaracterísticos de talhe de seixos), associados a restos de um crânio e dentes humanos (Cf. ponto 20). Esta situação leva a que se coloque, com alguma propriedade, a possibilidade de se tratar de uma estrutura em fossa de carácter funerário (facto que só poderá ser convenientemente esclarecido com o alargamento das escavações naquela área). Por fim, nos depósitos remexidos que cobrem os derrubes da Fase 2 (UEs 10, 11 e 67) e num dos depósitos de cobertura superficial (UE5) foram registados materiais cerâmicos que, misturados com materiais das ocupações mais antigas, apresentam tipologias tardias enquadráveis na Idade do Bronze.

)LJXUD&RUWHHVWUDWLJUiÀFRGD6RQGDJHP

A possibilidade da frequência do sítio durante épocas históricas fica sugerida por uma estrutura de lareira em fossa (UE21), que corta a estratigrafia da Sondagem 1 até ao substrato rochoso. Esta fossa foi definida logo a partir do momento em que se removeram os solos de cobertura superficial da sondagem (UE, 1 e 6). Era preenchida por dois depósitos. O superior (UE16) continha escassa cerâmica manual e cerâmica de revestimento queimada. O inferior (UE18) apresentava sedimentos arenosos muito escurecidos e com carvões, mas sem quaisquer materiais. Em torno desta estrutura, nos depósitos superficiais, surgiram nódulos de metal de manganês, que poderão ser naturais3. Para os carvões do depósito da base desta estrutura foi obtida uma datação de radiocarbono de 1050±40 BP, com calibração a 2s de 895-1031, reportando esta estrutura para uma reutilização pontual do sítio em época medieval.

3.2.5. Cronologias para o faseamento do Moinho de Valadares 1 No sentido de obter uma referenciação cronológica absoluta para o faseamento do Moinho de Valadares 1 foi enviado para análise um conjunto de oito amostras provenientes de vários contextos correlativos a cada fase. Esta selecção foi muito condicionada pela escassez de materiais datáveis. Das oito amostras, três não tinham cologénio. Uma procurava datar carvões integrados

no depósito UE83 da Sondagem 2, que na leitura apresentada para a estratigrafia se integra na Fase 1. As outras duas corresponderam à tentativa de datar os restos osteológicos humanos, enquadrados na reutilização da Idade do Bronze (Fase 3). Das restantes cinco amostras, a amostra A4, correspondente a carvões integrados na UE29 da Sondagem 3 (Fase 1), forneceu um resultado não compatível com o contexto que se pretendia datar. As outras quatro datas são utilizáveis. A amostra A3 está, como se viu no ponto anterior, relacionada com uma estrutura de lareira, remetendo-a para época medieval. A amostra A2 corresponde a carvões recolhidos no interface da UE67 com a UE71. Esta última unidade está integrada na Fase 2, mas a UE67 corresponde à formação de um depósito que se sobrepõe parcialmente aos derrubes de estruturas abandonadas dessa fase e ao depósito UE71, não totalmente coberto por esses derrubes. A data marca assim um terminus post quem para a formação da UE67, a qual mistura materiais mais antigos com materiais da Idade do Bronze. Poderemos pois assumir que esta datação marcará o início da reutilização tardia do sítio dentro do 2º quartel do 2º milénio AC e que, dada a abrangência de mais de 200 anos do intervalo de desvio padrão, poderá ser mesmo utilizada como referência para essa ocupação, sendo compatível com a tipologia dos materiais cerâmicos e metálicos em presença (Cf. pontos 8 e 13). As restantes duas datas referem-se a carvões e sementes provenientes de contextos

$FRPSRVLomRGHVWHVQyGXORVUHDOL]DGDQR,QVWLWXWR7HFQROyJLFRH1XFOHDUSHOD'RXWRUD)iWLPD$UD~MRGHWHUPLQRXPDQganês, com vestígios de Ferro, Escândio, Potássio, Cálcio, Titânio, Estrôncio, e Zinco, os quais poderão em parte derivar de contaminação a partir dos solos que embalavam os fragmentos.

3

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

51

Memórias d’Odiana R 2ª série

3.2.4. Fase 4 – Vestígios históricos (?)

Amostra

UE

Contexto

Tipo

Lab

Ref. Lab.

Data BP

Cal 1

Cal 2

A2

67/71

Interface

carvões

ITN

Sac-1823

3320±45

1682-1522

1736-1504

A3

18

Lareira

carvões

ITN

Sac-1824

1050±40

978-1020

895-1031

A4

29

Depósito

carvões

Oxford

OxA-11825

2696±30

841-811

902-803

A18

51

Depósito

Sementes

Oxford

OxA-12714

4167±30

2880-2670

2880-2620

A20

71/83

Interface

carvões

Oxford

OxA-12715

3726±29

2200-2030

2210-2030

A5

83

Depósito

carvões

ITN

/ŶƐƵĮĐŝġŶĐŝĂĚĞĐŽůŽŐĠŶŝŽ

A10

31

Depósito

osso humano

Oxford

/ŶƐƵĮĐŝġŶĐŝĂĚĞĐŽůŽŐĠŶŝŽ

A19

31

Depósito

dentes

Oxford

/ŶƐƵĮĐŝġŶĐŝĂĚĞĐŽůŽŐĠŶŝŽ

humanos Tabela 1 – Amostras enviadas para datação por radiocarbono e resultados obtidos.

Memórias d’Odiana R 2ª série

52

integrados na Fase 2 das Sondagens 1 e 2. A mais antiga corresponde a glandes de bolota (Quercus sp.) provenientes da UE51 da Sondagem 1, tendo proporcionado uma data com um intervalo de meados da 1ª metade do 3º milénio AC. A segunda corresponde a carvões de urze branca (Erica arborea) provenientes do interface entre a UE83 (Fase 1) e UE71 (Fase 2) e apresenta resultados enquadráveis no último quartel do 3º milénio AC. As duas datas apresentam um significativo afastamento entre si, embora em termos de faseamento provenham de contextos que, de acordo com a leitura estratigráfica apresentada, se enquadram no início e dentro da Fase 2. A valorização da data mais antiga, como correspondente à vida plena do sítio durante a Fase 2 (primeira metade do 3º milénio AC), poderá ser sustentada fundamentalmente por duas razões: a) a data mais antiga provém de um contexto bem definido e selado, é obtida sobre elementos de vida curta e é concentânea com a cultura material desta fase; b) o contexto de proveniência da amostra mais recente é uma interface de depósitos que contactam e incorporam pedras de derrubes da UE28 e OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

provavelmente já também do muro UE84. As características do depósito UE71, integrando aglomerados de pedras que, devido a alguma inclinação do terreno, se encontravam espalhados por toda a área, criam uma situação contextual que facilita a circulação vertical de elementos. Penso, pois, que a datação mais recente poderá corresponder a um momento (último quartel do 3º milénio) em que o sítio se encontraria já abandonado, encontrando-se as estruturas da Fase 2 (nomeadamente o muro UE84) em início de processo de ruína. Resumindo, cruzando datações absolutas, análise estratigráfica e materiais arqueológicos, poderemos referenciar a ocupação da Fase 2 do Moinho de Valadares dentro da primeira metade (eventualmente com prolongamentos pelo terceiro quartel) do 3º milénio AC. Relativamente à Fase 1 não dispomos de datações absolutas, mas pelo seu posicionamento relativamente à fase seguinte e pela cultura material que evidencia, poderá ser situada na segunda metade do 4º / inícios do 3º milénio AC. Quanto à reocupação da Idade do Bronze, a mesma poderá ser referenciada no segundo quartel do 2º milénio AC.

4. O MERCADOR

O sítio arqueológico do Mercador foi identificado no decurso de 2000, numa fase já tardia do processo de minimização, por elementos da EDIA e da equipa do Bloco 1 do Plano de Minimização do Impacte da Barragem de Alqueva. Em face dos materiais então recolhidos à superfície, foi o mesmo atribuído ao Bloco 5 (Neolítico-Calcolítico), no âmbito do qual, e em adenda aos sítios inicialmente programados, foram realizadas três campanhas de escavações entre 2000 e 2002. Esta intervenção revelou a existência de um importante sítio arqueológico com dois grandes momentos de ocupação: o primeiro atribuível ao Calcolítico e um segundo, de época histórica (aparentemente medieval islâmico). O contexto pré-histórico, apesar de afectado por ocupações do local em períodos históricos e pela agricultura mecanizada actual, apresentava ainda um significativo número de contextos preservados, de inequívoca importância para o estudo das sociedades de pastores e agricultores que, durante a segunda metade do 4º e

3º milénios AC, ocuparam o curso médio do Guadiana. Os contextos históricos identificados correspondem a perturbações dos contextos pré-históricos ou a fossas (tipo silo) escavadas no substrato rochoso. O seu registo foi feito e algumas das fossas foram intervencionados por amostragem, constando o registo dos relatórios entregues à EDIA e aprovados pelo IPA. O estudo dos materiais recolhidos e dos seus contextos de proveniência não foi desenvolvido no âmbito da investigação do Bloco 5, estando essa informação disponível para ser tratada em futuros estudos orientados para os períodos correspondentes.

4.1. Localização e caracterização geomorfológica Administrativamente o sítio arqueológico do Mercador situa-se na exploração agrícola da Herdade do Mercador, pertencente à freguesia de Mourão, concelho de Mourão, distrito

)LJXUD/RFDOL]DomRGR0HUFDGRU &03Á HYLVWDDpUHDMiGHSRLVGRVWUDEDOKRVGHFDPSRWHUPLQDGRVHHPIDVHGHHQFKLPHQWR da albufeira.

Figura 4-2 Vista aérea das áreas intervencionadas no Mercador.

Memórias d’Odiana R 2ª série

54

de Évora (Carta Militar de Portugal, 1:25000, fl. 474). Em termos geográficos, apresenta as seguintes coordenadas nacionais: M-268892.00; P-160938.00; Z-141. O sítio situa-se numa colina alongada de baixa altitude, de vertentes suaves, extensas e de topo aplanado. Os vestígios arqueológicos de superfície distribuem-se por toda a colina, sendo esta ladeada a sudoeste pela Ribeira do Mercador que drena a área no sentido SE – NO. Esta ribeira é subsidiária directa do Guadiana, rio que corre a cerca de 1200 m a noroeste do sítio arqueológico. Apesar de localizado no topo de uma suave colina, a visibilidade do sítio sobre a paisagem é relativamente restrita. Efectivamente, a sul, este e norte o relevo constrange a visibilidade, restringindo-a a uma área periférica. Para oeste, a situação é semelhante, sendo o campo visual uma pouco mais vasto sobre o vale do Guadiana, mas limitado pelas elevações de S.Gens e Monsaraz que, já na margem direita do rio, estabelecem uma barreira visual naquela direcção. O sítio enOS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

contra-se, assim, ao centro numa zona um pouco mais deprimida, que se estende até ao Guadiana, ladeada por relevo com cotas ligeiramente mais elevadas a norte, sul e este. Visto à distância, o local apresenta-se perfeitamente diluído na paisagem envolvente, aparentemente sem estar associado a aspectos geomorfológicos que se destaquem. A partir das elevações de Monsaraz ou S. Gens tem-se a ideia da geomorfologia global da área, caracterizada por um relevo aplanado, embora suavemente ondulado, entrecortado por ribeiras de curso subparalelo subsidiárias directas do Guadiana. Do ponto de vista geológico, e à escala da Carta Geológica de Portugal (C.G.P., fl. 41-A, 1:50000) o sítio localiza-se na grande mancha de xistos do Silúrico, que se apresentam argilosos, finos, físseis, rosados. No local do sítio arqueológico, os xistos apresentam-se muito alterados, normalmente de cor esbranquiçada. Contudo, no conjunto das áreas escavadas observou-se uma realidade mais complexa, que à escala da C.G.P. não aparece registada, tendo-se

corneanas que bordejam o maciço eruptivo de granodioritos de S. Pedro. No que respeita à qualidade dos solos locais, o sítio está implantado numa pequena mancha de classe C, que abrange a colina. Esta, contudo, está envolvida por uma mancha maior de solos de classe (B), que, precisamente, correspondem aos melhores solos existentes na extremidade norte da área de estudo (Cf. ponto 2).

/HYDQWDPHQWRWRSRJUiÀFR e prospecções geofísicas O registo adoptado para as intervenções arqueológicas assentou num sistema de coordenadas devidamente orientado a norte e inserido na rede geodésica nacional. Com base

Figura 4-3 Plano das anomalias registadas nas prospecções geofísicas. $VVHWDVPDUFDPRVÀO}HV as bolas as sondagens de 2000. Alguns dos pontos negros correspondem a fossas SRVWHULRUPHQWHFRQÀUPDGDV no alargamento das áreas escavadas

55

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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observado a presença de substratos argilosos do Paleogénico, com ou sem nódulos carbonatados, assim como uma série de filões, de orientação genérica NE-SO, preenchidos por argilas vermelhas. Estes filões não estão cartografados, mas foram identificados em escavação e nas prospecções geofísicas realizadas na área de implantação do povoado pré-histórico. Na periferia do sítio, a menos de 1 Km na direcção do Guadiana (NO) surgem os primeiros níveis de terraços fluviais, com altitudes de 30/40 metros acima do leito do rio na estiagem. Imediatamente a noroeste seguem-se terraços com altitudes de 5/8 metros e uma mancha de aluviões actuais. A oeste e sudoeste, a escassas centenas de metros do sítio, surgem as duas estreitas faixas paralelas de xistos mosqueados e

nesse referencial foi feito o levantamento topográfico da extremidade ocidental da suave colina onde se implanta o sítio arqueológico (Fig. 4-4). Nessa mesma área, na sequência dos resultados das sondagens diagnóstico efectuadas em 2000 e por parecer do Instituto Português de Arqueologia, foram realizadas prospecções geofísicas (por georadar) abrangendo 1 hectare. Estas prospecções tinham como objectivo obter informação relativamente à localização e densidade de estruturas arqueológicas, de forma a orientar as intervenções futuras. A área prospectada revelou um número elevado de anomalias com continuidade em profundidade (Fig. 4-3). Contudo, os dados disponibilizados pelos trabalhos geofísicos não foram conclusivos, revelando insuficiências e limitações que implicaram fortes constragimentos à sua utilização:

R não permitem, com níveis de fiabilida-

de, distinguir anomalias naturais das de origem antrópica; não se registaram evidências das estruturas positivas que viriam a ser identificadas em escavação; tendo a escavação revelado que umas das estruturas negativas são de época pré-histórica e outras de época histórica, a informação geofísica, não possibilitando um rastreio das cronologias das diferentes anomalias, apresenta uma utilização extremamente limitada.

R R

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Deste modo, a informação utilizável resume-se à confirmação da densidade e dispersão de estruturas negativas pela área prospectada e à “visualização” do prolongamento de filões identificados em escavação ou referenciação de outros não abrangidos pelas intervenções arqueológicas.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

4.3. Áreas intervencionadas e organização faseada GDVVHTXrQFLDVHVWUDWLJUiÀFDV No conjunto das três campanhas foi intervencionada uma área total de 1300m2 (Fig. 4-4). No Sector 1 (englobando a Sondagem 2 aberta em 2000) procedeu-se a uma escavação de um total de 685m2, abrangendo parte da zona central da colina e o início da sua vertente oeste. No Sector 3 procedeu-se igualmente a uma escavação alargada, que atingiu os 153m2, implantada no início da vertente norte da colina. Estas intervenções em área, que alargavam as sondagens diagnóstico realizadas em 2000, visavam a obtenção de informação que permitisse a caracterização do sítio, nomeadamente da sua organização espacial, dinâmica de ocupação e funcionalidades. Com o objectivo primordial de delimitar, de forma aproximada, a área correspondente ao povoado pré-histórico, realizaram-se ainda quatro sanjas no lado este (Sectores 4, 5, 6 e 7, respectivamente com 48m2, 78m2, 51m2 e 60m2), outras quatro na vertente sul (Sectores 8, 9, 10 e 11, respectivamente com 60m2, 53m2, 60m2 e 32m2) e um prolongamento para oeste do Sector 1 (Sanja 12, de 1x20m2). A sequência estratigráfica observada nos vários sectores intervencionados permitiu estabelecer um faseamento com duas grandes etapas: a primeira, subdividida em três fases, corresponde à ocupação pré-histórica (Fases 1, 2 e 3), a segunda às construções e perturbações medievais (Fase 4). Para a ocupação pré-histórica, e dentro do seu faseamento geral em que se consideram três momentos, foi possível estabelecer um sub-faseamento interno para as duas grandes

)LJXUD/HYDQWDPHQWRWRSRJUiÀFRGR0HUFDGRUFRPLPSODQWDomRGDViUHDVHVFDYDGDVHHVWUXWXUDVGHWHFWDGDV

áreas escavadas nos Sectores 1 e 3. As relações estratigráficas permitiram desenvolver este processo interpretativo de forma mais aprofundada no Sector 3, onde se consideraram seis sub-fases. No Sector 1, foram definidas apenas três fases que, por inexistência de relações físicas directas, não abrangem todos os contextos intervencionados naquela área.

8PVXEVWUDWRJHROyJLFRGLYHUVLÀFDGR Apesar de o sítio do Mercador estar cartografado na Carta Geológica de Portugal como estando integrado, na sua totalidade, na grande mancha dos xistos do silúrico, as escavações vieram revelar um substrato geológico mais diversificado e complexo. Efectivamente, em todas a áreas abertas situadas a norte e este da extremidade da suave colina, o substrato não corresponde a xistos. No Sector 3, é composto por nódulos carbonatados de cor esbranquiçada (UE3154), que na metade norte da área escavada aparecem integrados numa matriz de argilas avermelhadas. Nas sanjas abertas a Nascente (Sectores 4 a 7) o substrato era constituído pelas argilas avermelhadas que, nalgumas áreas (caso dos Sectores 4, 5 e 6), ficam mais claras (acastanhadas) nas extremidades este, adquirindo tonalidades mais heterogéneas. No Sector 1 a realidade geológica é mais diversificada. Se na sua extremidade este continuam a aparecer depósitos argilosos de

cor clara (esbranquiçada, castanho claro), estes surgem já intercalados com xistos, que se apresentam muito alterados, argilosos e de coloração esbranquiçada. Para oeste os depósitos argilosos tendem a desaparecer, dando lugar aos xistos, que mantêm as mesmas características. Contudo, estes apresentam uma matriz argilosa de coloração vermelha alaranjada ou esbranquiçada. Nesta área (metade oeste do Sector 1) foram ainda identificados dois filões, de traçado subparalelo e com uma orientação NE-SO. O Filão 4 (UE1216) apresenta uma largura média de 2 metros e foi definido numa extensão de cerca de 30m, sendo preenchido por argilas (UE1217) que apresentavam à superfície (não foram escavadas) uma tonalidade castanha clara (Fig. 4-7); o Filão 1 (UE69) apresenta uma largura de cerca de 1,3 metros e foi definido numa extensão de 6 metros, apresentando a meio um traçado sinuoso. Os enchimentos deste filão foram escavados e eram compostos por dois depósitos de argilas vermelho alaranjadas (UE70) e acastanhadas (UE99) que se revelaram ambos arqueologicamente estéreis. Em três das quatro sanjas abertas na vertente sul da colina (Sectores 8, 9 e 10) foram detectados mais quatro troços de filões (Fig. 4-4). O Filão 2, com orientação NESO, foi identificado nos sectores 10 e 9 (UEs 1109 e 1106), apresentando uma largura média de 4,5 metros. É preenchido por argilas avermelhadas que, no troço em que foram escavadas (UE 1100 no Sector 10), se reve-

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4 No relatório de 2001 a UE314, então ainda não escavada, foi considerada como podendo corresponder igualmente a um depósito geológico, o que as escavações de 2002 viriam a revelar incorrecto.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

)LJXUD²$VSHFWRGDGHSUHVVmR 8( HVFDYDGDQRDÁRUDPHQWR[LVWRVRSUHHQFKLGDSHORGHSyVLWR8(VHQGRYLVtYHOjHVTXHUGD D)RVVD )DVHE SUHHQFKLGDSRUXPGHSyVLWRGHSHGUDVHFHUkPLFDQXPDPDWUL]DUJLORVD 8( eLJXDOPHQWHEHPSHUFHSWtYHO o prolongamento da UE88 sob o muro UE58, construção da Fase 2.

4.3.2. A dinâmica da ocupação pré-histórica: faseamento do Sector 1 No Sector 1 (que reuniu, após alargamento, o Sector 2), foram consideradas duas fases de ocupação. A Fase 1 evidencia dois sub-momentos, definidos a partir da sobreposição de estruturas e depósitos. Esses dois momentos foram designados por Fases 1a e 1b. A Fase 1a aparece registada no quadrante sudoeste da área aberta. Aí identificaram-se duas depressões escavadas no afloramento xistoso, preenchidas por dois depósitos interpretados como solos de ocupação. Mais junto ao centro do sector, foi identificada uma depressão (UE126) escavada no afloramento, apresentando planta alongada, de tendência ovalada e secção convexa, com uma profundidade máxima de cerca de 20cm. Essa depressão era

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laram arqueologicamente estéreis. O troço identificado no Sector 8 (UE 1101), com a mesma espessura, poderá corresponder à sua continuação para noroeste, embora a imagem obtida na geofísica permita colocar a possibilidade de se considerar um outro filão. O Filão 3 (UE1115), com cerca de 2 metros de largura, foi igualmente identificado no Sector 10 (cerca de 7,5 metros a sul do filão 2), apresentando uma orientação sensivelmente E-O e sendo preenchido por argilas avermelhadas (UE1118). Estas características geológicas tornavam disponível no próprio sítio a obtenção de grandes quantidades de argila, utilizável tanto nas construções arquitectónicas, como na produção artesanal de artefactos em cerâmica. Essa exploração poderá estar documentada na Fossa 8, no Sector 3.

preenchida por um único depósito (UE88), o qual apresentava, a meio, uma fossa (Fossa 94) da Fase 1b. O depósito UE88, que forneceu bastante cerâmica fragmentada e alguma indústria lítica talhada, contactava a sul com a UE 60, depósito mais alaranjado, que se sobrepunha ao substrato geológico na área sudoeste do sector. Uma vez que existiam outras fossas abertas nesse depósito, ele não foi integralmente ecavado, não tendo sido possível determinar os limites da depressão UE126 do lado oeste. Na sua metade este, a extremidade desta depressão e respectivo enchimento também não foram totalmente definidos, uma vez que se sobrepunham construções subsequentes (como o muro UE58 e a Fossa 24 – UE83) que não foram desmontadas.

No recanto mais sudoeste, e prolongando-se pelos cortes, foi registado um outro contexto semelhante. Trata-se de uma extremidade de outra depressão (UE128) escavada no substrato de xisto (a planta não foi determinada, mas parece ser mais irregular que a UE126), igualmente pouco profunda (cerca de 15/20 cm), preenchida por um depósito (UE 64), interpretado como um solo de ocupação. Este solo prolonga-se para norte, onde contacta também com a UE60. Não foi integralmente escavado porque nele se identificou uma fossa (que não se prolongava pelo substrato, pelo que a única forma de a preservar era manter o depósito nessa área). Na extremidade escavada, o depósito UE64 era cortado (assim como o afloramento subjacente) pela Fossa 19 e, no seu limite sudeste, pela Fossa 16, ambas cor-

Fossa 16 Fossa 19

(64) (128)

Fossa 20

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)LJXUD²$VSHFWRGDGHSUHVVmRHVFDYDGDQRDÁRUDPHQWR8(HGHSyVLWRTXHDSUHHQFKH 8( 6mRYLVtYHLVDVIRVVDVH TXHFRUWDPHVWHGHSyVLWR HRDÁRUDPHQWRVXEMDFHQWH FRUUHVSRQGHQWHVjVIDVHVVXEVHTXHQWHVGDRFXSDomRSUpKLVWyULFDDVVLPFRPR a Fossa 20, eventualmente relacionável com a Fase 1.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Figura 4-7 – Plano das estruturas e depósitos da Fase 1 (1a e 1b) da metade oeste do Sector 1.

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respondentes a fases seguintes da ocupação pré-histórica do sítio. Entre as duas depressões e a este da depressão UE126 registaram-se dois depósitos, respectivamente a UE60 e a UE104, assentes sobre o susbtrato rochoso e que também são integráveis nesta primeira fase. A Fase 1b corresponde à construção de uma grande estrutura circular (UE58), aos depósitos que lhe estão associados e à abertura e preenchimento de 6 fossas. A estrutura correspondente a um muro de tendência circular truncado, que varia entre 1 e 1,20 m de largura e 7,5 m de comprimento. Apresentava um paramento interno e outro externo construídos com pedras de xisto de médias dimensões, sendo o interior preenchido com pedras de menores dimensões e sedimentos argilosos, entre os quais se contavam alguns bojos de cerâmica manual e alguma cerâmica de revestimento. Não se identificaram restos de grandes derrubes em pedra, pelo que o seu desenvolvimento em altura seria provavelmente em terra. A curvatura que evidencia, e partindo do pressuposto de que esta é regular, sugere um estrutura circular que teria um diâmetro interno de cerca de 14 m. Na extremidade este do muro identificaram-se vestígios de duas lajes de xisto que estariam verticalizadas, dispostas paralelamente, a uma distância de cerca de um metro uma da outra. A laje situada mais a nordeste (UE 106) apresenta uma largura de cerca de 40 cm e dois calços nas extremidades, preenchendo uma fossa de implantação (UE 105) aberta no substrato rochoso. A laje mais a sudoeste (UE 108) apresenta-se mais destruída, verificando-se igualmente a presença de alguns calços de xisto, preenchendo uma fossa de implantação (UE 107) que corta o depósito UE 104 (Fase 1a). Estas duas lajes parecem estruturar um espaço de entrada (virada

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

a sudoeste) da estrutura circular definida pelo muro UE 58. No seu interior, encostando ao paramento, definiu-se um pequeno depósito (UE72) não integralmente escavado, o qual era coberto por um outro (UE49). Este último abrangia uma extensa área do espaço que seria o interior da estrutura e parte do exterior. Correspondia a um depósito alaranjado, muito argiloso, eventualmente relacionado com a desagregação das paredes da estrutura. Aberta no afloramento de xistos, foi identificada uma vala, com um comprimento de 5,5 m e uma largura máxima de 40cm, com uma orientação norte/sul, terminando junto ao que seria o prolongamento do muro UE58. Pelo exterior do muro UE 58, e encostando ao topo do seu paramento exterior, definiu-se um depósito (UE 71) caracterizado por um abundante cascalho de xisto e algumas pedras e uma significativa quantidade de cerâmica manual, indústria lítica talhada e cerâmica de revestimento, bastante queimada. Este era coberto por um outro (UE59), também com cascalho de xisto, cerâmica e cerâmica de revestimento. No que respeita às inúmeras fossas identificadas no Sector 1 (num total de 60), verificou-se que 21 eram de época histórica, relacionáveis com a ocupação medieval do local, 33 eram pré-históricas e 6 de época indeterminada (não foram escavadas). No que respeita às fossas pré-históricas, a sua integração no faseamento proposto é dificultada pelo facto de a grande maioria não apresentar um relacionamento estratigráfico directo com as sequências de depósitos e estruturas que permitiram a construção desse faseamento. Assim, a correlação que se estabeleceu tem por base a comparação das tipologias de materiais do interior das fossas com os provenientes dos depósitos exteriores, a distribuição espacial das fossas, a

)LJXUD²3ODQRHYLVWDVGRPXUR8(HGHSyVLWRGHFDVFDOKR8(TXHOKHHQFRVWDSHORH[WHULRUeLJXDOPHQWHYLVtYHORÀOmRJHROyJLFRSUHHQFKLGRSRUGHSyVLWRVDUJLORVRVDUTXHRORJLFDPHQWH estéreis. (Em baixo à direita) Muro UE58 e escavação parcial do depósito UE71 (Fase 1b), os quais se sobrepõem ao depósito UE88 que preenche a depressão UE126 (Fase 1a).

Fase 1a

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sua tipologia e as relações físicas que algumas apresentavam relativamente a outras realidades estratigráficas. Deste modo, foram relacionadas com a Fase 1 sete fossas (19, 20, 50, 54, 64, 81 e 94). A associação destas fossas a esta fase baseia-se na tipologia das cerâmicas recolhidas no seu interior, semelhantes às dos depósitos exteriores (Cf. ponto 8) e com diferenças relativamente às restantes fossas do sector (consideradas da Fase 2), assim como no posicionamento estratigráfico de algumas delas (Fossas 19, 50, 81 e 94), que cortam os depósitos da sub-fase 1a. No que respeita à tipologia, verifica-se que quatro destas fossas apresentam perfis pouco profundos (entre 10 e 20 cm) e convexos (uma tipologia inexistente nas fossas que foram consideradas da Fase 2). As restantes têm perfis cilíndricos ou sub troncocónicos, mas são também fossas pouco profundas. Quanto à sua distribuição espacial, verifica-se que 6 das 7 fossas consideradas se concentram na extremidade oeste do Sector 1, precisamente junto aos depósitos e à estrutura circular desta fase, com a excepção da Fossa 64, que se localiza OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Fase 1b

na extremidade este. Destas 6, 5 localizar-se-iam fora do espaço abrangido pela estrutura circular e apenas uma estaria no seu interior (fossa 54). Todas as fossas, com excepção de uma, eram preenchidas por detritos (fragmentos cerâmicos, alguma pedra talhada, restos de fauna mamalógica e malacológica). Quanto à Fossa 20, localizada cerca de um metro a sul da depressão UE128, apresentava dimensões muito reduzidas (Comp.30; Larg. 20; Pref.8 cm), estando parcialmente revestida com fragmentos de cerâmica manual, entre os quais um grande fragmento de taça carenada. No seu interior foram registados alguns fragmentos de cerâmica manual, um pequeno recipiente inteiro e alguns ossos de fauna inteiros e outros fracturados. Trata-se, aparentemente, de um depósito intencional, cujas características nada têm de comum com as restantes fossas, podendo corresponder a uma deposição de carácter essencialmente ritual (Cf. ponto 14). Assim, no Sector 1, os contextos relacionados com a Fase 1 concentram-se do lado oeste. Num primeiro momento (Fase 1a)

Figura 4-9 – Fossas da Fase 1. (À esquerda) Depósitos de enchimento da Fossa 54: em cima depósito UE182 com imensa FHUkPLFDIUDJPHQWDGDHHPEDL[RRGHSyVLWRLQWHJUDQGRODMHV de xisto. (À direita, de cima para baixo) Fossas 81, 50 e 64.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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formam-se os depósitos que preenchem duas depressões escavadas no substrato xistoso e espaços envolventes, sendo possível que algumas das três fossas atribuídas à Fase 1 que não evidenciavam relações estratigráficas com outros depósitos (Fossas 20, 54 e 64) possam ter sido abertas nesta altura. Num segundo momento (Fase 1b) verifica-se a edificação de uma grande estrutura circular e a abertura de um conjunto de pelo menos quatro fossas, as quais cortam os depósitos da Fase 1a. Entre as duas sub-fases existe continuidade de ocupação de uma mesma área e continuidade ao nível da cultura material. Esta é caracterizada por um aparelho cerâmico dominado pelos pratos (quase que exclusivamente de bordo espessado), taças (onde dominam as taças de bordo espessado) e potes globulares (alguns dos quais com pegas ma-

milares). As tigelas também têm alguma representatividade, enquanto as restantes morfologias apresentam uma ocorrência pouco significativa ou são simplesmente vestigiais: esféricos, vasos tipo saco, copos e quatro escassos fragmentos de carena, sem reconstituição de forma (Cf. ponto 8). Os pesos de tear são exclusivamente placas. Metais e metalurgias estão ausentes. Quanto à estrutura circular, é interessante analisar as suas possibilidades arquitectónicas e verificar o seu posicionamento relativamente à topografia da colina. De facto, encontra-se situada precisamente na extremidade oeste do eixo central da colina, imediatamente a seguir à curva de nível que lhe define o topo aplanado, virado ao rio. Localiza-se, assim, no ponto de maior destaque e maior visibilidade da colina sobre a área envolvente.

Figura 4-10 - Representação tridimensional de uma hipótese de reconstituição da grande estrutura circular da Fase 1B do Sector 1. Paredes elevadas a 2,5 m e um diâmetro interno estimado 14 m (a partir do troço conservado).

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mensão obrigaria necessariamente à existência de postes para sustentar a cobertura (fosse ela total ou parcial), mas não se registaram quaisquer evidências desses eventuais apoios. Não se tratando de uma cabana, fica a dúvida relativamente à funcionalidade deste pequeno recinto. O armazenamento poderia ser uma possibilidade. Contudo, das fossas intervencionadas que se localizam no que seria a área interior da estrutura, apenas uma poderá ser relacionada com o seu momento de funcionamento. Um cercado para gado poderia ser outra hipótese. Todavia, a implantação intencional na extremidade da colina, no seu ponto de maior visibilidade, parece indiciar a necessidade de criar uma relação entre a construção e a paisagem envolvente, cujo simbolismo se poderá relacionar com a sua funcionalidade ou ser dela autónomo. Quanto à Fase 2, ela parece consubstanciada numa série de fossas, a maioria das quais se concentra no lado este do sector. Do total de 33 fossas pré-históricas identificadas no sector, sete são, como se referiu, relacionáveis com a Fase 1. Das restantes 26 fossas, 14 são associadas à Fase 2 e 12 não foram integralmente escavadas5. Sabemos que são de construção pré-histórica porque os seus depósitos superiores apresentavam materiais exclusivamente pré-históricos, mas como não foram intervencionadas na totalidade e não apresentam relações directas com outros depósitos ou estruturas, não é possível associá-las a qualquer das duas fases definidas para o Sector 1. Toda a área é ainda ponteada por fossas e perturbações realizadas

5 Face aos recursos disponibilizados e ao número elevado de estruturas negativas, foi assumida a escavação integral de 21 fossas. Dessas, 7 foram associadas à Fase 1 e 14 à Fase 2.

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Dela resta apenas um pequeno troço que indicia a sua circularidade, a qual, a confirmar-se, apresentaria um diâmetro interno de cerca de 14 metros. O restante traçado do muro de base parece ter sido desmontado ainda em época pré-histórica, já que os depósitos que preenchiam todo o espaço que teria sido abrangido pela estrutura, apesar de cortados por fossas históricas, apenas forneceram materiais pré-históricos, não se tendo registado a presença de mais pedras que pudessem ser relacionadas com tal construção. Esta situação parece indiciar uma reutilização das pedras noutras edificações mais tardias no próprio sítio ou nas proximidades. Quanto à sua funcionalidade, nada foi recolhido no seu interior que possibilite avançar com qualquer hipótese mais consubstanciada. A sua grande dimensão, quer no diâmetro de 14 m que aparenta ter tido (mesmo que não fosse perfeitamente circular ou a extrapolação feita a partir do troço preservado contenha algum erro, é sempre um diâmetro que ultrapassaria os 10 m), quer da própria largura do muro, não se ajusta ao que é conhecido para as cabanas identificadas localmente no Sector 3, quer nas escavadas nos outros povoados do 3º milénio da margem esquerda, como o vizinho Porto das Carretas (Silva e Soares, 2002), o Moinho de Valadares 1 ou no Monte do Tosco 1, ou mais a norte, no povoado de San Blas (Hurtado, 2002) ou Miguens 3 (Calado, 2002). Estas apresentam paredes mais finas e diâmetros mais pequenos (4 a 6 m a maioria, ou 8 m no caso de San Blás). Não é possível afirmar se a área interna era ou não coberta. A sua di-

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durante a ocupação medieval do sítio, as quais por vezes cortam os depósitos e as estruturas pré-históricas. A diferenciação, em termos de faseamento, das fossas atribuídas a Fase 2 baseia-se nas diferenças estatísticas das tipologias das cerâmicas provenientes do seu interior (Cf. ponto 8) e no seu posicionamento estratigráfico e distribuição espacial. No que respeita às relações estratigráficas, apenas uma fossa se apresenta em contacto directo com depósitos e estruturas da fase anterior. Trata-se da Fossa 24, a qual corta os depósitos UE59 e UE71, que encostavam pelo exterior ao muro UE58 da grande estrutura circular, a qual foi também ligeiramente cortada pela abertura da fossa. Esta fossa apresenta ainda a particularidade de ter sido aberta parte nos xistos e parte nos sedimentos argilosos que preenchiam um dos filões (UE69) que cortam o susbtracto. Esta localização das fossas nas argilas que preenchem os filões já se verificava em parte com a Fossa 50 da Fase 1b (cuja base entrava nas argilas do filão UE1216) e repete-se, mais a norte no mesmo filão, com as Fossas 39, 60 e 61 da Fase 2 (Figs. 4-7 e 4-12). A escolha para localização das fossas nas argilas filoneanas poderá ser relacionada com uma maior facilidade da sua escavação e porque não necessitariam de um revestimento argiloso que algumas das escavadas nos xistos revelaram possuir. Por outro lado, a localização das Fossas 39 e 61 não é compatível, em termos de contemporaneidade, com o funcionamento da grande estrutura circular se esta tivesse a regularidade que indicia o diâmetro de 14 metros, uma vez que ficam numa zona onde passaria a parede. A Fossa 39, que escavada na íntegra revelou um conjunto artefactual integrável na Fase 2, será posterior ao desmonte do muro da estrutura circular. A Fossa 61, não tendo sido aprofundada, tanto poderá ser posterior, como anterior.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Quanto às restantes fossas, aparecem espalhadas por todo o sector, evidenciando uma particular concentração no lado este. Na globalidade, correspondem a várias tipologias e tamanhos: fossas com 1 ou quase 2 metros de profundidade, 2 metros de diâmetro na base, perfil troncocónico com estreitamento da boca; fossas entre 0,3 e 1 metro de profundidade e perfil cilíndrico ou troncocónico; fossas irregulares. Os materiais recolhidos nas fossas da Fase 2 são constituídos maioritariamente por fragmentos cerâmicos e abundância de fauna mamalógica e, com menor representatividade, malacológica e ictiofauna. Destaque, contudo, para dois fragmentos de artefactos metálicos: na Fossa 4 surgiu um fragmento de gume de machado e na Fossa 61 um possível fragmento de talão de machado. Note-se que na Fase 1 não há evidências de metais e metalurgia. No que respeita à cerâmica, embora tipologicamente não existam alterações assinaláveis relativamente à Fase 1, verifica-se que existem diferenças nas frequências relativas de vários tipos (Cf. ponto 8). Essas alterações relacionam-se com um aumento significativo da representatividade dos pratos e uma redução dos potes globulares com ou sem pegas e das taças de bordo espessado. Relativamente à Fase 1, as fossas da Fase 2 apresentam uma maior variedade morfológica e de tamanhos. Esta diversidade, que poderá ir da pequena fossa circular com 40 cm de profundidade à grande fossa com quase 2 metros de profundidade e de largura máxima, corresponderá certamente, a funcionalidades diferentes. O seu preenchimento era composto por detritos e algumas apresentavam um entulhamento final com pedras, que formavam autênticas carapaças pétreas que transcendiam a largura da boca das fossas (Ex: Fossa 24), revelando um encerramento pétreo intencional.

Figura 4-11 - Aspecto do topo da Fossa 24, cortando o muro UE58 e os depósitos da Fase 1 .

No Sector 3, localizado no lado norte da colina, foi identificada uma sequência estratigráfica pré-histórica também fortemente perturbada por fossas medievais. Foram consideradas duas fases, a primeira das quais foi subdividida em cinco subfases exclusivamente com base nas relações estratigráficas entre estruturas e depósitos. O início da ocupação neste Sector (Fase 1a) aparece representado por três depósitos localizados na metade sul da área intervencionada, preenchendo uma ligeira depressão no substrato rochoso, constituído essencialmente por argilas e nódulos carbonatados (Fig. 4-15). Directamente assente sobre o geológico, a UE393 corresponde a um fino depósito de sedimentos cinzentos claros, contendo bastantes nódulos carbonatados com origem no substrato local. Forneceu, sobretudo, cerâmicas manuais. Sobre este primeiro depósito formou-se um ou-

tro (que não o cobria por completo) composto por sedimentos mais argilosos e com cascalho de xisto (UEs 391/392), o qual continha uma grande densidade de materiais arqueológicos, nomeadamente abundante cerâmica, pedra talhada e fauna mamalógica (entre a qual se recolheram duas falanges de cavalo afeiçoadas por polimento – Cf. ponto 15) e alguma malacológica. Finalmente, numa área restrita situada na zona mais central da metade sul do sector, sobre as UEs 391/392, foi definido um terceiro depósito de sedimentos muito argilosos e avermelhados (UE399), o qual forneceu também bastante cerâmica e fauna mamalógica bem preservada. Estes três depósitos sucessivamente formados correspondem à ocupação de uma área relativamente restrita, na qual não foram identificadas estruturas associadas. Contudo, a presença de alguma cerâmica de revestimento integrada nos depósitos e o carácter relativamente restrito da área abrangida, poderão sugerir que o local corresponderia a uma cabana de ramagens entrelaçadas revestida a argila, mas

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

69

Memórias d’Odiana R 2ª série

4.3.3. A dinâmica da ocupação pré-histórica: faseamento do Sector 3

Memórias d’Odiana R 2ª série

70

Figura 4-12 - Aspecto das Fossas 39, 60 e 61, abertas nas argilas GRÀOmR 8( 

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Figura 4-13 – Plano: concentração de Fossas na extremidade este do Sector 1. Fotos (de cima para baixo): fossa pré-histórica nº49 cortada por fossa medieval; fossa pré-histórica nº 1 cortada por IRVVDPHGLHYDO GHSHUÀOWURQFRFyQLFR HVFDYDomRGDVIRVVDVH

Figura 4-14 – Fossas da Fase 2 do Sector 1.

(399)

(391)

(392) )LJXUD3ODQWDÀQDOGR6HFWRU sendo visíveis os depósitos de formação anterior às construções das cabanas.

Figura 4-15 – Vista dos depósito da Fase 1 no Sector 3, sob as estruturas da Fase 2.

sem recurso à utilização de pedra, um pouco à imagem do que se poderá ter verificado nas depressões escavadas no xisto de base do Sector 1. Esta sequência foi obliterada do lado oeste por uma profunda perturbação realizada em época histórica, com a abertura de uma grande “cratera” (UE366) que cortou os contextos pré-históricos, sendo preenchida por dois depósitos (UEs 366 e 323) com abundantes fragmentos de telha de meia cana e cerâmica a torno e por um aglomerado de pedras (UE331) contendo uma grande laje de xisto com duas covinhas gravadas. Associados aos depósitos da Fase 1a, e junto à sua extremidade sul, foram registados dois buracos de poste com calços (UEs 307 e 308), distando cerca de 2 metros entre si. A Fase 1b corresponde à construção e ocupação da Cabana 1 (Fig. 4-17). Esta cabana, de planta circular, era constituída por um muro de embasamento em pedra (UE 324), do qual se preservou apenas o terço sul, com entrada virada a este e uma pequena lareira central em fossa. O troço de muro preservado assenta sobre os depósitos da Fase 1a e foi também ligei-

F C

E

B

74

Memórias d’Odiana R 2ª série

ramente afectado (no seu paramento exterior) pela grande perturbação de época histórica identificada no recanto sudoeste do Sector. Na metade norte assentaria directamente sobre o susbtrato rochoso. O muro de embasamento era constituído por dois paramentos exteriores de pedras de quartzo e xisto de médias com cascalho miúdo a preencher o meio. Nas zonas de pedras de xisto apresentava até três fiadas conservadas. A entrada, virada a este, era estruturada por dois buracos de poste (UEs 372 e 395) preenchidos por calços de pedras de xisto verticalizadas. O espaço entre esses dois buracos é de cerca de 60 cm. Ao centro da cabana identificou-se uma pequena lareira em fossa (UE 311), de planta subcircular com um diâmetro de cerca de 40 cm, preenchida por seixos rolados e alguns fragmentos cerâmicos, entre os quais um fragmento de cadinho (UE 310). Esta estrutura, a manter a regularidade do troço conservado, teria um diâmetro interno de cerca de 6,5 m. No seu interior registaram-se dois solos de ocupação sobrepostos (UEs 302 e 314), os quais se encontravam preser-

A Figura 4-17 – Cabana 1 do Sector 3 (Fase 1b). A: muro UE324; B: carapaça da Fossa 17; C: lareira central; D: Fossa 6; E: Fossa 7; F: Fossa 8; *EXUDFRVGHSRVWHGD entrada.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Fossa medieval

Enchimentos medievais

Enchimentos pré-históricos

Fossa 6

Figura 4-18 – (Esquerda) Vista da Fossa 6, contada na extremidade este por uma fossa histórica medieval. (Direita, de cima para baixo) &RUWHVHVWUDWLJUiÀFRVGDVIRVVDVH

mais escuros (UE349) com uma acentuada concentração de fragmentos cerâmicos (Fig.422). Durante este momento inicial foi aberta e cheia a Fossa 7 e possivelmente a Fossa 8 (embora esta fossa não apresente relações físicas directas com qualquer dos depósitos do interior da cabana, o que dificulta a sua relação com aqueles momentos de ocupação). O depósito superior (UE302) corresponde a um segundo momento de ocupação do interior da cabana e cobria o depósito anterior, a lareira central e a Fossa 7. Foram abertas e OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

75

Memórias d’Odiana R 2ª série

vados apenas na metade sul do perímetro da cabana encostando ao muro de embasamento, e quatro fossas. Três destas fossas (Fossas 6, 7 e 8) localizavam-se na metade norte da cabana e uma (Fossa 17) na metade sul, à esquerda da entrada. O depósito inferior (UE 314), corresponde a um primeiro momento de ocupação da Cabana 1, assentando (tal como o muro) nas unidades da Fase 1a e, a norte, no geológico. Ao centro, envolvia a lareira em fossa e, a sudeste desta, uma macha de sedimentos

Figura 4-19 – Vista do depósito UE384. À direita encosta ao muro da Cabana 1, enquanto à esquerda VHYHULÀFDHVWDU por baixo do muro da Cabana 2, possibilitando determinar a anterioridade GDHGLÀFDomR da primeira relativamente à segunda.

Memórias d’Odiana R 2ª série

76

progressivamente cheias mais duas fossas no interior da cabana (Fossas 6 e 17, embora, pelos motivos já aduzidos, a Fossa 8 possa eventualmente ser relacionada com este momento). Ao contrário das outras duas, estas fossas apresentavam-se seladas por carapaças pétreas, as quais eram envolvidas e parcialmente cobertas pelo depósito UE302. Pelo exterior da Cabana 1 (Fig. 4-19) formaram-se os depósitos UE384/3012 para sul (cobrindo as unidades da Fase 1a) e UE338 para oeste, ambos encostando ao exterior do muro de embasamento (UE324). Quanto às fossas do interior da Cabana 1, foram escavadas integralmente três: fossas 6, 7 e 8. As três fossas escavadas no interior da cabana revelaram características diferentes. A Fossa 7 apresentava um perfil sub cilíndrico, com cerca de 55 cm de profundidade e uma planta circular com um diâmetro de 70 cm. Era preenchida por vários depósitos, alternados com aglomerados pétreos. Estes depósitos OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

forneceram bastantes fragmentos de cerâmica, fragmentos de pesos de tear e restos faunísticos (fauna mamalógica e malacológica). A menos de um metro para oeste ficava a Fossa 8. Apresentava uma planta ovalada (104 x 90 cm) e um perfil ligeiramente troncocónico invertido. A sua profundidade máxima era de 30 cm. Era preenchida por dois depósitos, ambos constituídos por argilas alaranjadas. O superior (UE 313), mais fino, incorporava algumas pedras e forneceu bastantes fragmentos de cerâmicas, pesos de tear e alguma, escassa, fauna. O segundo, mais espesso, era arqueologicamente estéril, composto por argilas e sem qualquer pedra ou cascalho de xisto. Ao contrário da Fossa 7, cujo conteúdo aponta para sucessivas deposições de detritos, a Fossa 8 poderá, dada a sua pouca profundidade, o seu acentuado comprimento e o facto de ser maioritariamente preenchida por um depósito de argilas, ter funcionado como reservatório de preparação de barro para produção de materiais cerâmicos.

A Fossa 6, integrada no segundo momento de ocupação da Cabana 1, é bastante mais profunda que as anteriores, tendo sido cortada parcialmente por uma outra fossa realizada em época histórica. De planta circular e perfil sub cilíndrico, apresentava 1,6 m de profundidade e 1,2 m de largura. Era preenchida por vários depósitos de sedimentos e pedras até cerca de 1,2 m, sendo os restantes 40 cm colmatados por um enchimento de pedras de xisto e quartzo, que transbordava a boca da fossa, constituindo um autêntico empedrado circular. Os depósitos abaixo de enchimento pétreo forneceram

abundante quantidade de fragmentos cerâmicos e fauna. A Fase 1C corresponde à edificação e ultilização da Cabana 2. O seu carácter posterior à Cabana 1, da qual dista cerca de 2 m para sudeste, é demonstrado pelo facto de assentar parcialmente sobre um depósito (UE384) que encosta ao exterior do muro UE324 daquela outra cabana. A área escavada corresponde à metade norte. Apresenta uma planta circular que teria cerca de 5 m de diâmetro. O seu interior e o muro delimitador foram bastante afectados por perturbações medievais, que abriram profundas

Figura 4-20 – Vista da Cabana 2, das fossas de afectação medieval, da estrutura de combustão sobre a Fossa 74 e da lareira estruturada.

Memórias d’Odiana R 2ª série

78

fossas irregulares que atingiram o substrato rochoso, contando toda a estratigrafia. O muro (UE330), com 70 cm de espessura, era composto por dois paramentos de pedras de médias dimensões de xisto e algumas de quartzo, sendo o interior preenchido com cascalho de xisto e um ligante argiloso. Encontrava-se interrompido em alguns pontos devido às afectações realizadas em época histórica. No interior foi identificado um solo de ocupação (UE352), uma estrutura de lareira em fossa e uma fossa com o topo reutilizado como estrutura de combustão, possivelmente uma fornalha. A lareira, localizada junto ao muro, ficou preservada entre duas grandes fossas de afectação. Era estruturada por uma depressão no depósito anterior à construção da cabana, atingindo o substrato rochoso, preenchida por um depósito de terras castanhas (UE 385) a que se sobrepunha um aglomerado estruturado de fragmentos cerâmicos e alguns seixos rolados (UE356). No lado este, junto ao corte e encostada ao muro UE330, foi identificada a Fossa 74, parcialmente cortada por uma das grandes perturbações históricas. Esta fossa (que não foi escavada, mas cujo enchimento era possível observar no corte provocado pela perturbação) estava preenchida por pedras de xisto e granito de médias dimensões numa matriz de sedimentos castanhos. O topo da fossa era estruturado por dois pequenos muretes de pedras de xisto colocadas de forma paralela (UEs 378 e 379), estando o espaço interior preenchido por sedimentos de cor cinzento escuro e argila cozida e queimada (UE363), sobre a qual se recolheram três pesos de tear inteiros (crescentes). Esta estrutura que encimava a fossa evidenciava claros sinais de acção do fogo, podendo corresponder a uma estrutura de combustão. A Fase 1D corresponde à estruturação do

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

espaço entre as duas cabanas. Aproveitando a proximidade entre estas duas estruturas, o espaço intermédio foi delimitado a oeste, com a construção de dois pequenos muros (UEs 367 e 368), que estruturam uma estreita passagem. Estes muros assentam sobre uma “cama” de cascalho (UE325) que se prolongaria para oeste, mas que foi obliterada por uma grande perturbação histórica, e encostam de forma perpendicular aos muro das Cabanas 1 e 2. Os dois troços apresentam paramentos externos e internos formados por lajes de xisto alongadas, rematados por uma laje em cutelo (no caso do muro UE367) e por uma pedra (no caso do muro UE368), que formam as faces de uma estreita passagem com cerca de 40 cm. A este não se identificou qualquer delimitação deste espaço, no qual foi identificado um depósito (UE329) que forneceu bastantes fragmentos de cerâmica manual e alguma fauna. Em face dos restos preservados das estruturas somos levados a considerar que aqueles dois muros visam proporcionar o aproveitamento do espaço existente entre as duas cabanas. O interior seria, assim, o espaço a este dos dois pequenos muros. Contudo, nada impede que a leitura correcta seja a contrária, isto é, que o espaço delimitado se desenvolvesse para oeste, sobre um pavimento de cascalho intencionalmente colocado (UE325), funcionando o espaço mais apertado entre as duas cabanas como uma espécie de átrio ou corredor de acesso. A grande afectação que se registou, em época medieval, do lado oeste na área abrangida pela escavação não permite confirmar esta hipótese, que se afigura plausível. A funcionalidade do espaço delimitado, seja ele para oeste ou este, não é clara. Do lado este não se registaram estruturas. Os materiais que o depósito UE329 forneceu correspondem essencialmente a detritos de recipientes cerâ-

)LJXUD²$VSHFWRGR6HFWRUQRÀQDOGDVHVFDYDo}HVH)RVVDVVLORQRLQWHULRUGD&DEDQD//DUHLUDFHQWUDOGD&DEDQD 3SRUWDGD&DEDQD'GHSyVLWRVGD)DVHDQWHULRUHVjHGLÀFDomRGDVHVWUXWXUDVHPSHGUD(PXURFRPHQWUDGDTXHGHOLPLWDRHVSDoR entre cabanas (sub-fase 1D); BP1 e 2: buracos de poste relacionados com o aproveitamento do espaço entre as cabana (sub-fase 1D); M: grande perturbação em época histórica que cortou níveis e estruturas pré-históricas; Setas negras: fossas/silos abertos em época histórica.

cie conservada do muro foi estruturado um pequeno nicho, onde foi depositado um conjunto de ossos humanos. A análise antropológica destes restos humanos (Cf. ponto 19) revelou que os mesmos correspondiam a um único indivíduo, de sexo indeterminado. Trata-se de uma deposição secundária de alguns ossos e dentes do esqueleto de um indivíduo imaturo, com idade entre os 14 e 17 anos, que terá vivido (e sobrevivido a) alguns episódios de doença ou subnutrição. A este conjunto de ossos não se associavam inequivocamente quaisquer materiais, embora os sedimentos envolventes tenham fornecido fragmentos de cerâmica manual e ossos de fauna. A datação de radiocarbono realizada sobre o úmero presente no conjunto de ossos

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

79

Memórias d’Odiana R 2ª série

micos e de restos faunísticos. Como hipótese poder-se-á propor um espaço destinado a gado, facto que até poderá ser compatível com as dimensões relativamente apertadas da pequena entrada. A Fase 2 corresponde à realização de uma deposição funerária num momento tardio, sobre derrubes das estruturas de cabana (Fase 1e). No interior da Cabana 1 foram registados, sobre o seu último solo de ocupação (UE302), dois derrubes (UEs 318 e 327) do muro circular de embasamento (Fig. 4-24). O derrube UE 327 encostava ao topo conservado do referido muro, e as pedras apresentavam uma disposição “em escama”, revelando um desmoronamento daquela zona da estrutura. Na zona de contacto do derrube com a superfí-

Figura 4-22 – Plano composto com estruturas de cabana e respectivos depósitos de ocupação e estruturas e depósito do espaço intermédio.

revelou que o indivíduo em questão terá morrido entre 2134-1936 cal AC, correspondendo esta deposição funerária a uma reutilização, efectuada num momento tardio, já na transição para o 2º milénio AC, das ruínas da cabana abandonada. Em termos de cultura material, verifica-se uma permanência dos equipamentos cerâmicos ao longo das várias sub fases definidas, não se registando alterações de relevo (Cf. Ponto 8). Observa-se um predomínio dos pratos (sobretudo os de bordo espessado), seguidos pelas taças (essencialmente taças de bordo simples). Com uma representatividade baixa, mas semelhantes ao longo da sequência estratigráfica estão as tigelas e os potes globulares. Evidências de metalurgia aparecem associadas à Cabana 1 (Fase 1b). Quanto aos pesos de tear, exclusivamente crescentes gros-

)LJXUD²,PDJHPHUHJLVWRJUiÀFRGRVUHVWRVGDGHSRVLomR funerária estruturada no derrube UE327.

seiros, surgem tanto no interior da Cabana 1 como na Cabana 2. Destaque ainda para a presença de falanges de cavalo afeiçoadas por polimento nos depósitos da Fase 1a e na Fase 1e (Cf. Ponto 14).

4.3.4. Tentativas de delimitação da área do povoado: os sectores 4 a 11. Face aos constrangimentos inerentes ao processo de salvamento de Alqueva, neste caso agravadas pela tardia identificação do sítio, optou-se por aplicar uma estratégia de realização de um diagnóstico através sanjas alongadas, realizadas mecanicamente, com o objectivo de determinar as dimensões e os limites aproximados da área do povoado pré-histórico. No total, foram realizadas 9 sanjas, quatro a este na zona

Figura 4-24 – Plano com os derrubes formados após abandono residencial do sector. Círculo marca o local reaproveitado para a deposição funerária.



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rica ao longo da extensão da colina para este (o que a recolha de materiais durante as prospecções da EDIA poderá fazer supor), os limites do núcleo escavado parecem restringir-se à extremidade ocidental do topo da colina, onde a plataforma se estrangula num suave cabeço. De facto, nas sanjas realizadas na vertente sul, apenas na sanja 11, e já perto dos limites do Sector 1, se identificou uma fossa pré-histórica. Acresce que nos sedimentos revolvidos de todas estas sondagens praticamente não se registaram materiais relativos a esse momento de ocupação do sítio. Para sul, também já não se registaram contextos pré-históricos, tendo-se verificado a presença de várias estruturas e depósitos relati-

ZĞĂůŝĚĂĚĞƐƌĞůĞǀĂŶƚĞƐŝĚĞŶƟĮĐĂĚĂƐ ĞƉſƐŝƚŽƐƌĞǀŽůǀŝĚŽƐĂƚĠĂŽŐĞŽůſŐŝĐŽ͘EŽƌĞĐĂŶƚŽƐƵĚŽĞƐƚĞĞŶƚƌĂŶĚŽƉĞůŽĐŽƌƚĞ͕ĨŽƌĂŵ ƌĞŐŝƐƚĂĚŽƐƌĞƐƚŽƐĚĞƵŵĂĞƐƚƌƵƚƵƌĂ͗ƵŵƉŽƐƐşǀĞůĞŶͲĐŚŝŵĞŶƚŽĚĞĨŽƐƐĂ;&ŽƐƐĂϴϯͿ͕ƉƌĞĞŶĐŚŝĚĂ ĐŽŵƉĞĚƌĂƐĚĞŵĠĚŝĂƐĞŐƌĂŶĚĞƐĚŝŵĞŶƐƁĞƐ;hϰϬϭͿ͕ƋƵĞŶĆŽĨŽŝĞƐĐĂǀĂĚŽ͘EĆŽƐƵƌŐŝƌĂŵ ŵĂƚĞƌŝĂŝƐĂƐƐŽĐŝĂĚŽƐƋƵĞĂƉĞƌŵŝƟƐƐĞŵĚĂƚĂƌ͕ƐĞŶĚŽƉŽƌŝƐƐŽĚĞĐƌŽŶŽůŽŐŝĂŝŶĚĞƚĞƌŵŝŶĂĚĂ͘ ŽŶƚĞdžƚŽƐƌĞǀŽůǀŝĚŽƐĂƚĠĂŽŐĞŽůſŐŝĐŽ͘&ŽƌĂŵŝĚĞŶƟĮĐĂĚĂƐĐŝŶĐŽĨŽƐƐĂƐ͕ƚŽĚĂƐĚĞĐƌŽŶŽůŽŐŝĂ ŚŝƐƚſƌŝĐĂ;ĨŽƐƐĂƐϰϭ͕ϰϯ͕ϰϰ͕ϰϲĞϱϴͿ͘ &ŽŝŝĚĞŶƟĮĐĂĚĂƵŵĂĨŽƐƐĂĚĞĐƌŽŶŽůŽŐŝĂŚŝƐƚſƌŝĐĂ;ĨŽƐƐĂϰϮͿ͕ĂďĞƌƚĂŶŽƐƵďƐƚƌĂƚŽĞĐŽďĞƌƚĂ ƉŽƌĚĞƉſƐŝƚŽƐƌĞǀŽůǀŝĚŽƐ͘ &ŽƌĂŵŝĚĞŶƟĮĐĂĚĂƐƐĞƚĞĨŽƐƐĂƐ͕ƚƌġƐĚĞĐƌŽŶŽůŽŐŝĂŚŝƐƚſƌŝĐĂ;ĨŽƐƐĂƐϴϱ͕ϴϳĞϴϵͿĞϰ ĚĞĐƌŽŶŽůŽŐŝĂŝŶĚĞƚĞƌŵŝŶĂĚĂ;ĨŽƐƐĂƐϴϬ͕ϴϰ͕ϴϲĞϴϴͿ͕ƉŽƌŶĆŽƚĞƌĞŵŵĂƚĞƌŝĂŝƐĂƐƐŽĐŝĂĚŽƐ͘ &ŽŝĂŝŶĚĂŝĚĞŶƟĮĐĂĚŽƵŵĚĞƉſƐŝƚŽ͕ŶĆŽĞƐĐĂǀĂĚŽ͕ĐŽŵĂďƵŶĚĂŶƚĞƐĨƌĂŐŵĞŶƚŽƐĚĞƚĞůŚĂ ĚĞŵĞŝĂĐĂŶĂ͕ĐŽŵĚŝŐŝƚĂĕƁĞƐŽŶĚƵůĂĚĂƐ͘ EĂĞdžƚƌĞŵŝĚĂĚĞŶŽƌƚĞĨŽŝŝĚĞŶƟĮĐĂĚŽƵŵĮůĆŽ;ĮůĆŽϮͿƉƌĞĞŶĐŚŝĚŽƉŽƌƵŵĚĞƉſƐŝƚŽĂƌŐŝůŽƐŽ͕ ĐŽŵƵŵĂŽƌŝĞŶƚĂĕĆŽE^K͘KĮůĆŽĂƉƌĞƐĞŶƚĂƵŵĂůĂƌŐƵƌĂĚĞϰͬϱŵĞƚƌŽƐ͘ƐƵůĚĞƐƚĞĮůĆŽ ƌĞŐŝƐƚŽƵͲƐĞƵŵĂĨŽƐƐĂĚĞĐƌŽŶŽůŽŐŝĂŚŝƐƚſƌŝĐĂ;ĨŽƐƐĂϵϬͿ͘ ^ĞŶƐŝǀĞůŵĞŶƚĞĂŵĞŝŽ͕ƐƵƌŐŝƵƵŵŽƵƚƌŽƚƌŽĕŽĚŽĮůĆŽϮŝĚĞŶƟĮĐĂĚŽŶĂƐĂŶũĂϴ͕ĂŐŽƌĂ ĐŽŵƵŵĂŽƌŝĞŶƚĂĕĆŽͲK͘ EŽƚŽƉŽŶŽƌƚĞĨŽŝŝĚĞŶƟĮĐĂĚŽƵŵƚĞƌĐĞŝƌŽƚƌŽĕŽĚŽĮůĆŽϮ͕ƌĞƚŽŵĂŶĚŽĂŽƌŝĞŶƚĂĕĆŽEͲ^K͘ KƐĞƵĞŶĐŚŝŵĞŶƚŽĨŽŝƉĂƌĐŝĂůŵĞŶƚĞĞƐĐĂǀĂĚŽ͕ƌĞǀĞͲůĂŶĚŽͲƐĞĂƌƋƵĞŽůŽŐŝĐĂŵĞŶƚĞĞƐƚĠƌŝů͘ ^ĞŶƐŝǀĞůŵĞŶƚĞĂŵĞŝŽ͕ŝĚĞŶƟĮĐŽƵͲƐĞƵŵŽƵƚƌŽĮůĆŽ;ĮůĆŽϯͿ͕ŵĂŝƐĞƐƚƌĞŝƚŽ;ϮŵͿ͕ ĐŽŵƵŵĂŽƌŝĞŶƚĂĕĆŽͲK͘ EŽƌĞĐĂŶƚŽEKĨŽŝŝĚĞŶƟĮĐĂĚŽƵŵĚĞƉſƐŝƚŽĐƌŽŶŽůŽŐŝĂŝŶĚĞƚĞƌŵŝŶĂĚĂ;ƵŵĂƉŽƐƐşǀĞů ĨŽƐƐĂʹhƐϭϭϭϰĞϭϭϭϲͿĞĂŵĞŝŽƵŵĂĨŽƐƐĂĚĞĐƌŽŶŽͲůŽŐŝĂƉƌĠͲŚŝƐƚſƌŝĐĂ;ĨŽƐƐĂϳϴͿ͕ ŝŶƚĞŐƌĂůŵĞŶƚĞĞƐĐĂǀĂĚĂ͘ &ŽŝŝĚĞŶƟĮĐĂĚŽĂƉĞŶĂƐƵŵƚƌŽĕŽĚŽĮůĆŽϰ͘Ɛ^ŽĐŝĞĚĂĚĞƐŐƌŽWĂƐƚŽƌŝƐŶĂDĂƌŐĞŵ ƐƋƵĞƌĚĂĚŽ'ƵĂĚŝĂŶĂͲůŽĐŽϱĚŽWůĂŶŽĚĞDŝŶŝŵŝnjĂĕĆŽĚĞůƋƵĞǀĂϲϵ

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OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

83

Memórias d’Odiana R 2ª série

de estreitamento do topo da colina e de ligação à plataforma que se estende para nascente, outras quatro na vertente sul e uma prolongando o Sector 1 para oeste. No seu conjunto estas sanjas permitiram evidenciar duas situações. Por um lado confirmou-se a situação registada no Sector 1: o cabeço é cortado por uma série de filões (foram identificados 4) preenchidos por argilas, com uma orientação genérica de NE-SO. Estes filões corresponderão aos alinhamentos de anomalias detectados na geofísica e que apresentam a mesma orientação e localização genérica. Por outro lado, embora nada obste a que existam outros núcleos de ocupação pré-histó-

vos à ocupação histórica do sítio. Para oeste, na sanja 12, também já não se identificaram quaisquer contextos arqueológicos. Deste modo, este núcleo de povoamento terá, no máximo, ultrapassado ligeiramente os 0,5 ha.

4.1.5. Faseamento geral das ocupações pré-históricas do Mercador e cronologia absoluta

Memórias d’Odiana R 2ª série

84

Assim, e em síntese, integrando estes dados num faseamento global do povoado, onde se cruzam dados da estratigrafia e da análise de outros conjuntos artefactuais (cf. Capítulos 8 a 14), conclui-se que uma primeira fase da ocupação do povoado do Mercador surge consubstanciada nas fases 1a e 1b do Sector 1, com uma componente artefactual cerâmica individualizável por um predomínio não muito acentuado dos pratos, presença significativa de taças de bordo espessado e de potes globulares com pegas mamilares e algumas taças carenadas (apesar de escassas). Noutras categorias artefactuais salienta-se a presença exclusiva de pesos placa e ausência de evidências de metalurgia e de metais. Durante esta fase terão sido abertas grandes (mas pouco profundas) depressões no substrato xistoso (fundos de cabana?) colmatados por depósitos com abundância de materiais arqueológicos e, posteriormente, construída da grande estrutura circular, localizada na extremidade da colina, no seu eixo central. Algumas fossas, de pequena profundidade (frequentemente sem atingiram o substrato), são abertas e preenchidas durante esta fase. Esta primeira fase corresponde, portanto, a um período de tempo em que a cultura material mantém características estáveis, onde o espaço ocupado se restringe ao topo da colina, mas onde se observam dois momentos construtivos bem distintos:

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

o primeiro correspondente a depressões escavadas no substrato, as quais poderiam pertencer a estruturas com elevação positiva; o segundo correspondendo à construção da estrutura positiva com embasamento em pedra, de planta aparentemente circular de catorze metros de diâmetro. Numa segunda fase, a ocupação residencial parece centrar-se na Sector 3, onde se observa uma sequência de construções de estruturas positivas circulares e de acrescentos que estruturam espaços exteriores, sendo abertos um conjunto de fossas / silo no Sector 1. As morfologias cerâmicas alteram-se relativamente à Fase 1, mas sobretudo ao nível da representatividade estatística dos diferentes tipos morfológicos, acentuando-se o predomínio do prato e das taças simples e reduzindo-se a representatividade das taças de bordo espessado e dos potes globulares com pegas. Nas restantes categorias artefactuais, as principais alterações consistem no aparecimento dos metais e da metalurgia e numa alteração radical na tipologia dos pesos, agora exclusivamente crescentes e presentes apenas na área das cabanas (Sector 3). Se a área global ocupada por este sítio será um pouco superior a 0,5 ha, o faseamento estabelecido sugere uma área de ocupação mais restrita ao topo da colina na primeira fase, tendo-se alargado ao início da vertente norte, mas com uma diferenciação clara na utilização do espaço, durante a segunda fase de ocupação. Procurou-se obter para este faseamento e respectivas sequências estratigráficas um conjunto de datações que permitissem testá-la e referenciá-la cronologicamente de forma mais precisa. As amostras até hoje submetidas a análise de radiocarbono são de fauna e dos restos osteológicos humanos. Contudo, das dez amostras, apenas três viabilizaram a obtenção de datações, revelando as restantes sete ausência de cologénio (Quadro 4-2).

Nº Amostra

UE

Contexto

Tipo

Lab

A11

327

depósito

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A23

1037

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A24

1039

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fauna

ITN



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Oxford OxA-11981

3664±29

2116-1973

2134-1936

Sac-1933

3790±60

2295-2138

2458-2032

Sac-1900

3720±80

2271-1980

399-1885

Quadro 4-2– Amostras e datações de radiocarbono para o sítio do Mercador

enunciar um cenário em que a deposição funerária é efectuada ainda em fase de utilização / preenchimento das fossas correspondentes a Fase 2 de ocupação do sítio, mas num momento em que a Cabana 1 já estaria desactivada (o que pressuporia que a utilização de pelo menos algumas fossas ultrapassaria a vida daquela estrutura) ou, em contrapartida, pensar um cenário em que o sítio já estaria totalmente desactivado na altura em que o acto funerário foi realizado. A “espessura” dos intervalos de tempo das datações obtidas permite colocar estas duas hipóteses, mas a correlação de probabilidades parece, de facto, sugerir que o acto funerário terá sido ligeiramente mais recente relativamente ao enchimento das duas fossas. Não é possível afirmar inequivocamente que o sítio estaria totalmente abandonado, pois outras estruturas negativas poderiam estar (ou vir a estar) ainda em uso, mas o posicionamento estratigráfico da deposição de restos humanos e o facto de ser provavelmente posterior ao enchimento das duas fossas datadas da Fase 2, sugerem que a deposição ritual poderá coincidir com um momento imediato ao fim da ocupação residencial do sítio e ao entulhamento final das fossas .

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

As datações obtidas referem-se ao contexto funerário identificado sobre os derrubes da Cabana 1 e a duas fossas integradas na Fase 2 de ocupação, correspondendo a momentos integráveis na segunda metade do 3º / inícios do 2º milénio AC, funcionando como um terminus ante quem para os contextos da Fase 1. Um problema de um eventual faseamento interno pode ser levantado com base nas datações obtidas. Concretamente, verifica-se que a deposição funerária apresenta uma datação dos finais do 3º / inícios do 2º milénio AC, cujo intervalo de tempo é totalmente recoberto pela segunda metade do intervalo obtido para a datação da fossa 1 e parcialmente recoberto pelo quarto final do intervalo da datação da fossa 66. Face a estes recobrimentos, e dado o grau de resolução obtido para os desvio padrão nas datações em causa, não é impossível que algumas dezenas de anos separem a deposição funerária e a abertura e colmatação das fossas, o que até será provável, já que as datações das fossas têm um desvio padrão correspondente a um período de cerca de 400 anos e que o da deposição funerária corresponde sensivelmente à segunda metade do período de uma delas e ao último quartel da outra. Assim, poderemos

5. O MONTE DO TOSCO 1

O sítio arqueológico do Monte do Tosco 1, cartografado com o nº 30 no mapa 13 do Quadro Geral de Referência do património arqueológico do regolfo da barragem de Alqueva (Silva, 1996: 153) e correspondendo ao número de inventário 961 107 (492), foi identificado em prospecções realizadas pela EDIA no âmbito do plano de minimização de impactes. Nessas prospecções foram consideradas “três cinturas de muralhas no lado sudoeste da elevação, construídas de pedra de xisto, que nalguns locais conservam visível uma altura de 1m” (idem). À superfície fragmentos de cerâmica manual, percutores e um peso de rede. Em face da situação foi proposta, como medida mitigadora de impactes, a realização de escavações em área, trabalhos que viriam a ser realizados em 1999 e 2000 (Valera, 2000c).

5.1. Localização e caracterização geomorfológica Administrativamente o sítio arqueológico do Monte do Tosco 1 situa-se na exploração agrícola do mesmo nome, pertencente à freguesia da Luz, concelho de Mourão, distrito de Évora. Em termos geográficos, as coordenadas apresentadas no quadro de referência são: M 265297, P 148723, Z 161m (Carta Militar de Portugal, 1:25000, fl. 492). O sítio implanta-se num cabeço alongado, de vertentes com declive relativamente acentuado, sobranceiro à Ribeira de Alcarrache, sobre a qual termina sob a forma de escarpa. Embora este cabeço não se destaque de forma proeminente na paisagem envolvente, de topografia ligeiramente ondulante, a cota do topo permite-lhe ter um domínio visual relativamente extenso. Esta visibilidade de e para o sítio arqueológico é mais extensa para este (alongando-se até à área da necrópole de cistas da Idade do Bronze do Monte da Ribeira 2, a cerca de 3Km) e para norte (limitada pela linha de horizonte de cota

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Figura 5-1 – Localização na CMP e vista do cabeço onde se localiza o povoado a partir de SO.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

mais alta onde se localiza o marco geodésico de Montes Altos). Para sul, a visibilidade prolonga-se um pouco para lá da Ribeira do Alcarrache, condicionada pela linha de cumeada onde se localiza a necrópole de cistas da Idade do Bronze de Altas Moras 2. Pontualmente, através de zonas de maior depressão, a visibilidade estende-se um pouco mais para sul, sendo possível, por exemplo, observar parte da aldeia da Estrela. A acessibilidade ao topo do cabeço apenas está facilitada por noroeste. A este e a oeste as vertentes apresentam um declive relativamente acentuado, enquanto que o lado sul termina em escarpa sobre a Ribeira de Alcarrache, com o afloramento de xisto verticalizado. Do ponto de vista geológico, o sítio localiza-se na grande mancha de xistos do Silúrico, que se apresentam geralmente argilosos e finos, de coloração original cinzenta escura a negra, mas que se podem apresentar avermelhados ou esbranquiçados por alteração (Perdigão, 1980). Embora não apareçam cartografados na carta

Figura 5-2 – Bloco diagrama para implantação do povoado, sobranceira à Ribeira do Alcarrache.

geológica, foi observada no sítio a presença de pequenas intercalações filoneanas de quartzo, tornando disponível aquela matéria-prima no local. Relativamente aos xistos, estes apresentam-se em diferentes estados de alteração. Nas áreas de menor alteração foram abertas pedreiras, em número de 16, que afectaram sobretudo o topo do cabeço e a vertente este.

5.2. Áreas intervencionadas: sequências HVWUDWLJUiÀFDVIDVHDPHQWRV e cronologias O cabeço foi intensamente utilizado como pedreira, tendo sido contabilizadas 16 crateras originadas pela extracção de pedra (numeradas 1 a 16). Tal situação produziu uma profunda alteração da topografia do local, que afectou sobretudo o topo do cabeço e a vertente este, onde o substrato rochoso mais aflorava e se apresentava menos alterado. Ambas as vertentes foram igual-

mente afectadas pela construção de caminhos de acesso às várias áreas de extracção. Terão sido os taludes associados a esses caminhos que induziram a ideia de existência de várias linhas de muralha, situação que não viria a ser totalmente confirmada pelas escavações. A dispersão de materiais à superfície encontrava-se, assim, condicionada por esta afectação, concentrando-se a grande maioria junto dos cortes das pedreiras e dos caminhos. Desta forma, a selecção das áreas para a localização dos sectores a intervencionar teve como critérios principais a cota de enchimento da barragem, os vestígios de eventuais estruturas de delimitação de espaço e a existência de plataformas suficientemente amplas para a instalação de áreas de ocupação. Face a estes critérios, foram seleccionadas as vertentes oeste e sul do cabeço, criando-se quatro sectores de intervenção, numa área total de 231 m2. De forma a obter outras leituras estratigráficas ao longo dos sectores oeste e sul do povoado, foram ainda acertados cortes numa pedreira (Pedreira 1).

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O Sector 1 – Localiza-se na vertente oeste do cabeço, abrangendo uma área que vai desde o topo, junto à Pedreira 2, até meio da vertente. A área intervencionada abrangeu um total de 67 m2. Apresenta uma configuração alongada (numa extensão de 17 m), procurando diagnosticar o comportamento da ocupação do espaço ao longo da vertente e esclarecer duas linhas de ligeiro talude detectadas à superfície do terreno. O Sector 2 – Localiza-se numa plataforma aplanada, junto ao topo do cabeço, no início da vertente sul. Foi aberta uma área de 36 m2 (6 x 6) a uma cota média de 158,5m. A abertura deste sector visava identificar uma possível área

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

habitacional, dado o carácter aplanado da topografia naquele local. O Sector 3 – Localiza-se noutra área aplanada, a uma cota mais baixa (152 m) da vertente sul. Foi aberta uma área 16 m2 (4x4 m), procurando verificar a existência de ocupação nesta plataforma da vertente, situada já numa área afectada pelo limite máximo do regolfo da barragem. O Sector 4 – Localiza-se junto ao Sector 3, numa área de topografia mais inclinada virada a oeste e a uma cota ligeiramente mais baixa (150 m). Situando-se numa zona já totalmente abaixo da linha de cota máxima de enchimento do regolfo da barragem, foi aberta uma área de 112 m2 com o objectivo de compreender o significado de um alinhamento de grandes blocos de pedra que era observável à superfície e que poderia corresponder a uma estrutura de delimitação do espaço. As estratigrafias registadas nos diferentes sectores evidenciaram duas grandes fases de ocupação, uma atribuível ao Calcolítico Pleno e outra já a um momento de transição / inicial da Idade do Bronze.

5.2.1. A Fase 1 (Calcolítico Pleno) Surge referenciada em todos os sectores intervencionados, correspondendo à fundação e vida plena do povoado. No sector 1, este momento está relacionado com o Ambiente 3, definido por dois troços de muro (UEs 9 e 27), que delimitam a oeste e noroeste um espaço interior preenchido por dois depósitos (UEs 7 e 30). Estas estruturas e depósitos assentam directamente no substrato

xistoso ou num depósito argiloso arqueologicamente estéril (UE 14) que se formou em zonas de fractura e irregularidade do substrato. Os troços de muro, interrompidos em cerca de um metro, corresponderão a uma mesma estrutura de delimitação, podendo a interrupção constituir uma abertura, virada a noroeste (zona de acesso ao povoado)6. Os dois troços apresentam uma única fiada de pedras conservada. O troço mais exposto (UE9) tem um paramento interno constituído por pedras de xisto locais de médias dimensões (de formato tendendo para o subquadrangular), enquanto que o paramento externo é composto por blocos de maiores dimensões (de formato subrectangular, alinhados pela face maior), existindo algum cascalho de xisto e sedimento argiloso de permeio. Algumas das pedras do paramento externo encontravam-se partidas e ligeiramente deslocadas no sentido da inclinação da vertente. O muro seria mais alto, já que, encostado pelo exterior e prolongando-se por cerca de dois metros pela vertente, foi registado um potente derrube. Estes troços de muro serviriam de contenção aos depósitos que se formaram no espaço interior durante a sua ocupação, o qual se desenvolvia para este, no sentido do topo do cabeço, formando uma plataforma que apresentava uma ligeira inclinação para oeste. A área interior escavada era maioritariamente abrangida pelo depósito UE7, correspondente a uma camada de terras de cor cinzento escuro, com

muito cascalho de xisto e abundantes materiais arqueológicos, nomeadamente cerâmicas e indústria lítica talhada. O depósito UE30 abrange a parte norte da área escavada, distinguia-se do anterior pela sua coloração mais clara. Na sua extremidade oeste envolvia um depósito de sedimentos argilosos (UE29), com evidências de cozedura, podendo corresponder a uma área de combustão7. No Sector 2 foi parcialmente escavada uma cabana de planta aparentemente circular, com um diâmetro estimado de cerca de 4m (Cabana 2 - Ambiente 2). Foram identificados dois troços de muro (UEs 205 e 209) interrompidos (possivelmente por desmontagem para reutilização das pedras ainda durante a ocupação pré-histórica do sítio). São compostos por uma única fiada (embora em alguns pontos apresentem pedras mais pequenas sobrepostas), sem vestígios de derrubes associados. Os blocos utilizados são de médias e grandes dimensões e encontram-se dispostos em dois alinhamentos, formando um paramento interno e outro externo, com algum cascalho de xisto e sedimento argiloso de permeio. O interior desta estrutura era preenchido por um depósito (UE204) de terras castanho escuras, com cascalho de xisto, que forneceu bastante material cerâmico e lítico8. Pelo exterior, a estrutura era envolvida por três depósitos (UEs 206, 207 e 208) que se encostavam e diferenciavam pelas suas características que, ape-

Embora a extremidade do troço UE27 se apresente degrada, fazendo supor um deslizamento de pedras (que só poderá ser FRQÀUPDGRFRPRDODUJDPHQWRGDiUHDHVFDYDGDSDUDQRURHVWH XPDODMHFRORFDGDHPFXWHORQDH[WUHPLGDGHGRPXUR8( sugere a existência de uma interrupção estruturada. 7 ,QWHUSUHWDomRFRQGLFLRQDGDSHORIDFWRGHQmRWHUVLGRLQWHJUDOPHQWHHVFDYDGDVLWXDomRTXHVHÀFRXDGHYHUDRIDFWR de se localizar sob parte das estruturas e derrubes da Fase 2 não removidas. 8 Este depósito não foi integralmente escavado na primeira campanha, prevendo-se para a segunda campanha a escavação em área de todo o espaço interno da cabana. Tal, contudo, não viria a ser possível, por necessidade de proceder a uma escavação mais alargada do Sector 4 no sentido de perceber as estruturas de delimitação do povoado numa área que seria, ao contrário do Sector 2, directamente afectada pelas águas do regolfo.

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OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Figura 5-3 – Planta dos depósitos UE7/UE30 e alinhamentos pétreos que o delimitam a oeste.Vista aproximada do alinhamento UE9.

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sar de não terem sido integralmente escavados, forneceram igualmente abundante cerâmica manual e alguma indústria lítica talhada. A estrutura e os depósitos que a envolvem pelo interior e exterior eram cobertos por depósitos de escorrência, com abundante cascalho e pedras de xisto (eventualmente relacionadas com a exploração de uma frente da pedreira localizada imediatamente a norte da sondagem. Nesses depósitos de escorrência recolheram–se materiais cerâmicos manuais e indústria lítica OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

talhada, misturados com alguma cerâmica moderna. Entre as cerâmicas manuais destaque para quatro fragmentos de cerâmica campaniforme. No Sector 3, localizado, como já se referiu, numa pequena plataforma a sul do cabeço a uma cota mais baixa e já afectada pelo regolfo da barragem, identificou-se um depósito (UE303) que assentava directamente no substrato xistoso ou numa camada de alteração deste. Este depósito configurou-se como um solo de ocupação e integrava na sua base um aparente alinhamen-

to de pedras, que aproveitava alguns blocos do substrato rochoso e se apresentava interrompido e bastante destruído, não sendo totalmente clara a sua estruturação. O seu troço mais central foi designado por UE304 e o que encosta ao corte oeste por UE305, sendo estas unidades consideradas equivalentes. Os materiais recolhidos correspondem essencialmente a cerâmica manual, resumindo-se a indústria lítica a três pesos de pesca. No recanto SO da sondagem, a sul do alinhamento de pedras UE305, surgiu, na base da camada, uma concentração de pequenos fragmentos de barro de revestimento.

Este solo de ocupação era coberto por uma sequência de depósitos (UEs 300, 301 e 302), correspondentes a momentos de sedimentação pós abandono do sítio e estarão relacionados com escorrências com origem nas áreas mais altas do cabeço, nomeadamente na zona do Sector 2. Os materiais arqueológicos rareiam nos depósitos mais superficiais e vão aumentando em profundidade, sendo constituídos por cerâmica comum manual e alguma indústria lítica talhada. No Sector 4, as realidades estratigráficas poderão ser abordadas em duas secções indivi-

Figura 5-4 – Planta e vista do Sector 2 (Cabana 2 – Ambiente 2).

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dualizáveis: as estruturas de fortificação/delimitação/contenção e a sequência de ocupação da área imediatamente interior abrangida pela escavação. Relativamente às estruturas de fortificação/ delimitação/contenção, a dificuldade de encontrar uma designação única traduz, em grande medida, o carácter plurifuncional que as mesmas terão assumido. Estas estruturas são constituídas por dois troços de muros que correm de forma subparalela com uma orientação SE-NO, apresentando um espaço de permeio que varia entre cerca 50 e 100 centímetros de largura. A estrutura interior (UE404) apresenta 1,20 metros de espessura máxima e assenta ora directamente sobre o substrato rochoso, ora (maioritariamente) numa camada de sedimentos argilosos (UE429), de coloração vermelho alaranjada e muito compacta. Esta camada, que se prolonga pelo espaço do “corredor” inter-muros, serve igualmente de base de assentamento ao muro exterior (UE407), desenvolvendo-se mesmo para além desta estrutura. A face exterior da estrutura UE404 apresenta conservadas duas a três fiadas de pedras sobrepostas. Estas são sempre de dimensões maiores que as pedras que constituem o miolo e a face interna. Contudo, na maioria do troço escavado, as pedras da fiada superior do paramento externo são sempre as de maiores dimensões (superiores às que se observam nas fiadas inferiores desse mesmo paramento). O paramento interior apresentava uma face irregular, só definida na metade oeste do traçado escavado. O paramento externo apresenta alturas conservadas que chegam aos 60 cm, enquanto que internamente não ultrapassam os 30 cm. Esta diferença permite vencer o desnível da vertente e criar um superfície aplanada para o topo da estrutura. As pedras utilizadas não apresentam qualquer tipo de aparelho, sendo aglomeradas por uma matriz

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

argilosa com as características dos sedimentos observados na UE429. A estrutura exterior (UE407), que, como já se referiu, assentava também na UE429 ou pontualmente no afloramento rochoso, corresponde a um muro mais fino (cerca de 1 metro de espessura máxima) e com uma altura conservada menor. Esta, tal como sucede com a estrutura UE404, era maior pelo exterior (atinge os 40 cm) do que pelo interior (não ultrapassa os 20), situação que também se fica a dever à necessidade de um maior número de fiadas de pedras pelo exterior como forma de vencer o declive da vertente. Utiliza pedras de médias dimensões, igualmente sem aparelho e aglomeradas com o recurso ao mesmo tipo de sedimento argiloso. As pedras de grandes dimensões foram raramente utilizadas, registando-se apenas na extremidade sudeste e (uma) na zona onde se observou a existência de uma abertura (porta ?). Ao longo do seu traçado, o muro apresenta várias patologias, resultado de deslizamentos (responsáveis inclusivamente pelo traçado sinuoso que o muro apresenta a meio do seu trajecto) e de fracturas longitudinais e transversais em várias pedras. As matérias primas utilizadas na construção de ambas as estruturas é local, sendo maioritariamente constituídas por rochas xistosas. O recurso ao quartzo, que existe localmente em filão, é pontual. O “corredor” definido por estes dois muros subparalelos apresentava-se preenchido por sedimentos argilosos vermelho-alaranjados (UE409), idênticos aos da UE429. Esta unidade, que forneceu apenas alguns fragmentos de cerâmica e apenas na sua parte superior, preenchia o espaço inter muros, a norte encostando a meio da face externa da UE404 e a sul ao topo conservado da UE407. Em escavação, os sedimentos desta unidade não se distinguem dos da UE429, tendo sido individualizados apenas porque os da

Figura 5-5 – Vista das estruturas muradas do Sector 4: à direita a UE404 e à esquerda a UE407.

Encostando pelo exterior da UE407 observou-se um extenso depósito de terras argilosas, de cor avermelhada, incorporando algumas pedras de médias dimensões (UE419). Na área mais a oeste observava-se já o afloramento do substrato rochoso, sobre o qual estes depósitos assentam. Forneceram algum material arqueológico, mas em reduzida quantidade, sempre na sua parte superior. Esta unidade não foi integralmente escavada em toda a área que abrangia, tendo sido feito um corte na fiada de quadrados 300/667, 668, 669, 670, que atingiu o substrato rochoso. No corte realizado, verificava-se que estes sedimentos argilosos eram idênticos aos sedimentos em que assentavam as duas estruturas amuralhadas (UEs 404 e 407) e aos que preenchiam o “corredor” entre estas duas estruturas. Observou-se, ainda, que este depósito incorporava pedras de médias dimensões apenas junto à face externa da UE407 e

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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UE429 subjazem às referidas estruturas e os da UE409 lhes encostam. Relativamente à possível porta detectada na estrutura UE407, esta localiza-se sensivelmente a meio da metade oeste do troço, sendo constituída por uma abertura (UE431) que interrompe perpendicularmente o muro UE407. Apresenta um largura de cerca de 60 cm, sendo estruturada do lado oeste por uma pedra colocada lateralmente (e fracturada na extremidade sul) e do lado este por uma grande pedra subrectangular. Esta abertura permitiria a entrada do exterior para o “corredor” inter muros. Nessa zona de entrada, na ligação à área do “corredor”, foram detectados restos de carvões concentrados e argila queimada. Integrados no topo da UE429. Em determinado momento essa abertura no muro UE407 foi encerrada através da colocação algumas pedras (UE430), algumas das quais fincadas na vertical.

que nas zonas mais afastadas apenas embalava algum cascalho de xisto. A leitura que se propõe para as realidades estratigráficas relacionadas com as estruturas de fortificação/delimitação/contenção é a seguinte: R Aproveitando a presença local de sedimentos argilosos, resultado de alterações dos xistos (facto que foi possível observar no corte da Pedreira 1), ou depositando esses sedimentos em áreas em que aflorava o substrato rochoso, criou-se uma superfície (UE429), ligeiramente inclinada no sentido da vertente (sul, nesta área) para receber as estruturas. Como os sedimentos são idênticos, é impossível dizer o que existiria já na área e o que teria sido colocado por acção humana. Apenas de notar que nestes sedimentos de base (tanto no interior, como no “corredor” inter-estruturas ou no exterior destas), nunca se registaram materiais arqueológicos. A construção das estruturas datará do início de ocupação desta área do povoado, que, de acordo com o registo dos solos de ocupação identificados pelo interior, corresponde à fase de fundação e vida plena do sítio.

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R Sobre estes sedimentos construíram-se as estruturas UE404 e 407. É impossível dizer qual foi construída primeiro, devendo a sua edificação ser considerada como simultânea, no sentido de que ambos os troços parecem pertencer a um mesmo momento de planeamento e construção. O espaço entre as duas estruturas foi depois preenchido pelo mesmo tipo de sedimentos argilosos (UE409), que encostavam à face externa da UE404 (até cerca de metade da sua altura) e ao topo conservado da face interna da UE407. Estes sedimentos nunca chegam a cobrir esta estrutura exterior. R A construção da estrutura interior UE404

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

foi em grande medida edificada com a finalidade de servir de estrutura de contenção para a criação de uma plataforma aplanada artificial sobre a qual se desenvolveram as ocupações de carácter residencial. As realidades estratigráficas que serviram de base ao início de ocupação do espaço interior encostam àquela estrutura. Na extremidade este o encosto verifica-se mesmo ao nível do topo da estrutura UE404, o que forma um superfície continuada (sem definição de uma face interna) até às grandes pedras que estabelecem o limite externo da estrutura. R A inexistência de derrubes significativos associados à estrutura UE404 sugere que a mesma não teria um desenvolvimento em altura, pelo menos em pedra. Esta situação parece reforçada pelo facto de sedimentos correspondentes a solos de ocupação chegarem a sobrepor parcialmente partes desta estrutura. Assim, a sua principal função seria a de contenção e estruturação de uma plataforma numa área em que a vertente do cabeço apresentava já um significativo declive. A possibilidade de existir algum desenvolvimento vertical realizado em terra, cuja degradação teria resultado no preenchimento do espaço do “corredor” inter muros com sedimentos argilosos (UE409) não é de excluir na totalidade. Contudo a inexistência de vestígios destes sedimentos sobre a estrutura, nem de vestígios de derrubes internos ou externos sobre a UE407, tornam esta hipótese pouco provável. R Pelo contrário, à estrutura UE407 encontram-se associados, pelo exterior, dois momentos de derrube: um derrube de elementos pétreos (UE417) e, sob este, um outro constituído por sedimentos argilosos e algumas pedras (UE419). Estes derrubes e o seu posicionamento estratigráfico sugerem que o muro

R Inicialmente existiu uma passagem aberta no muro exterior (UE431), que em determinada altura foi intencionalmente fechada (UE430). R No seu conjunto, estas estruturas parecem ter desempenhado funções múltiplas. Para além dos simbolismos e efeitos psicológicos inerentes a qualquer estrutura positiva, estas construções delimitam o espaço habitado (note-se que fora delas não se detectaram vestígios de ocupação), estabelecendo uma compartimentação e uma organização física do espaço ao mesmo tempo que funcionam como estruturas de contenção para a criação de uma plataforma aplanada e se constituem como uma barreira protectora. Pelo interior foram identificados dois momentos de ocupação, ambos integráveis na Fase 1 do sítio. Documentando o mais recente (Fase 1b), foi identificada uma estrutura tipo muro (UE412), com uma configuração de tendência circular, que se prolongava para sul, terminando sem remate definido perto da estrutura de contenção UE404 (Fig. 5-6 e 5-7). O topo deste muro era constituída por duas fiadas principais de pedras de médias dimensões, verificando-se que a fiada exterior (lado oeste) era constituída por pedras colocadas perpendicularmente, enquanto as pedras da fiada interior (lado este) surgem sobretudo colocadas longitudinalmente ou aproveitando grandes blocos. Os espaços

existentes entre as duas fiadas eram preenchidos por pedras de pequenas dimensões e por um ligante argiloso. A área aberta não permitiu abranger a totalidade da estrutura, mas a configuração do troço de muro definido parece corresponder a uma estrutura de planta provavelmente de tendência circular. Esta estrutura seria aberta a sul, uma vez que nessa área não se detectaram vestígios da mesma. A ocupação/utilização do seu espaço interior, designado por Ambiente 4, revelou duas subfases de ocupação estratigraficamente diferenciáveis, mas que proporcionaram o mesmo tipo de materiais. Uma fase terminal foi definida pela UE413 (Fig. 5-6), depósito de terras cinzentas com cascalho grosseiro de xisto. No recanto nordeste, esta camada encostava a parte de um possível lajeado, composto por lajes pequenas dimensões (UE435). Esta estrutura entra pelo corte, não tendo sido compreendida. Uma vez removida a UE413, definiram-se duas realidades distintas na área interior da estrutura UE412 (Fig. 5-7). Desenvolvendose paralelamente à estrutura do muro UE412, mantendo a mesma tendência circular e prolongando-se até ao corte este, definiu-se a UE421, caracterizada por uma aglomeração de pedras de xisto e seixos rolados, numa matriz de terras cinzentas. Nela foram recolhidos bastantes materiais arqueológicos, nomeadamente fragmentos de recipientes cerâmicos quebrados in situ e restos de fauna. Esta unidade formava, assim, uma espécie de anel pelo interior da estrutura UE412. Este depósito de planta sub circular delimitava uma área central, preenchida por um outro depósito (UE420) que forneceu bastante menos materiais arqueológicos do que os registados na UE421. Trata-se de uma situação de difícil interpretação, podendo uma das hipótese ser a de que a formação da UE421 corresponderia a uma acção intencional de “lateralização” de detritos,

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

UE407 se desenvolveria mais em altura: em pedra até determinado ponto e, a partir daí, em terra. A degradação desta estrutura terá começado pelo derrube da parte em terra e de algumas pedras (dando origem ao derrube inferior (UE419), a que se terá seguido o derrube de parte da estrutura em pedra, dando origem ao derrube superior (UE417).

Figura 5-6 Sector 4, plano 1. Visíveis os derrubes no interior e exterior das de delimitação do espaço.

Figura 5-7 Sector 4, plano 2. Solos de ocupação mais recentes relacionados com o Ambiente 4. Entrada encerrada na estrutura UE407.

Figura 5-8 Sector 4, plano 3. Solos de ocupação GDEDVHGDHVWUDWLJUDÀD interna e entrada desobstruída na estrutura UE407.

Figura 5-9 Ambiente 4. Visíveis o muro UE412 e os depósitos UE421 e UE420.

no Ambiente 4 e UE418. Do lado este da área escavada, verificava-se que a UE418 encostava à UE427, um depósito de terras cinzento claro, que forneceu alguns, poucos, materiais arqueológicos. Parecem corresponder a depósitos que se formam durante a vida do povoado, podendo ser considerados estratigraficamente correlativos da ocupação do Ambiente 4. Removidos os depósitos correspondentes à ocupação do Ambiente 4 e os depósitos exteriores correlativos, expôs-se uma nova realidade, que viria a configurar-se como o primeiro momento (Fase 1a) de ocupação do espaço interior às estruturas de fortificação/delimitação/contenção (Fig. 5-8) e anterior ao Ambiente 4. Na zona central, sob as UEs 420, 421 e 418, definiu-se a UE425, enquanto que a oeste do muro UE412 se definiu a UE422. O contacto entre estas duas unidades não é totalmente perceptível, já que se situa, em grande parte, OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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que seriam encostados às paredes da estrutura UE412, deixando “limpa” uma área mais central. A sul da estrutura UE412 e ao longo de espaço que mediava entre a área que foi definida como “interior” e a estrutura UE404, definiu-se a UE418, depósito que viria a proporcionar uma grande quantidade de materiais arqueológicos. Localizada na área em que o Ambiente 4 se abre para sul, este depósito parece estar intimamente relacionado com a ocupação interior daquela estrutura, o que é igualmente sugerido por algumas remontagens de fragmentos cerâmicos. Tratar-se-ia, assim, de uma provável acumulação de detritos com origem na ocupação daquele espaço. Pelo exterior, do lado oeste, identificaram-se dois depósitos (UE423 e UE414) que forneceram materiais arqueológicos compostos por fragmentos cerâmicos, alguma indústria lítica e fauna, mas em menor quantidade que

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sob o muro UE412. Serão, muito possivelmente unidades equivalentes, constituídas por sedimentos alaranjados, muito argilosos e bem compactados, distinguindo-se entre si apenas pelo facto de a UE422 apresentar uma maior concentração de cascalho de xisto. A UE422, que forneceu algum espólio arqueológico (sobretudo cerâmico), encostava ao topo da estrutura UE404 e assentava sobre as UEs 406 e 432, já estéreis. A UE425 forneceu mais materiais arqueológicos e envolvia restos de um troço de muro (UE433), em mau estado de conservação, que aparentava ser constituído por duas fiadas paralelas de pedras de médias dimensões. A sua orientação é SONE. No quadrado 300/677, no topo da UE425, definiu-se a UE424, unidade composta por um aglomerado de pedras e sedimentos muito argilosos e compactados, com uma concentração de seixos e ossos e alguns carvões. Poderá corresponder a vestígios de uma eventual estrutura de combustão. Para sul, a UE425 encostava à estrutura UE404 e para este terminava na fiada de quadrados 303, sobre a UE406, na qual assentava. A UEs 422 e 425 e o troço de muro UE433 assentavam na UE406, correspondente a um espesso depósito (espessura aumenta para sul e para oeste) de sedimentos argilosos, castanho alaranjados e arqueologicamente estéreis. Sendo possível que na parte inferior existissem bolsas depositadas naturalmente, a maioria destes sedimentos, que encostam às UEs 404, 432 e 431, são de deposição antrópica com vista ao nivelamento do declive do terreno, de forma a criar uma plataforma de ocupação. A sua parte superior foi decapada e depois optou-se por sondar até à rocha de base ao longo de duas fiadas de quadrados perpendiculares (fiadas 677 e 300). Esta opção teve a ver com o facto de a decapagem evidenciar o carácter arqueologica-

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

mente estéril dos depósitos e o facto de a sua total remoção por em risco a conservação das estruturas postas a descoberto. As sondagens até à rocha possibilitaram verificar que esta unidade mantém as mesmas características até à base e que os sedimentos não só encostam à estrutura UE404 como parecem prolongar-se por baixo desta. Esta situação permite considerá-los equivalentes aos da UE429, definida no espaço entre muros. Pelo interior, contudo, este depósito argiloso bem compactado, apenas encosta directamente na estrutura UE404 na zona central (fiadas 300 e 301). Para oeste e para leste o contacto com a estrutura UE404 é intermediado por empedrados de pedra de médias e reduzidas dimensões que se estendem ao longo da estrutura. Do lado oeste o empedrado (UE432) encosta à face interna da estrutura UE404, a uma cota ligeiramente abaixo do topo conservado da mesma, enquanto que do lado leste o empedrado (UE431) encosta ao topo da referida estrutura, não permitindo mesmo uma definição da seu limite interno. Estes empedrados poderão ter tido a função de drenagem, já que o depósito UE406 se encontra ligeiramente inclinado no sentido dos mesmos. O carácter argiloso do depósito faz com que ele apresente um comportamento específico no que respeita à absorção de água: uma parte superficial da camada acumula água, mas esta não é absorvida em profundidade, o que confere ao depósito um carácter impermeável. Isto tornava necessário criar, na zona de contacto com a estrutura UE404, condições de drenagem, que os empedrados poderiam desempenhar. O carácter de impermeabilização da UE406 poderá ter sido responsável por específicas condições de circulação e concentração de água nos solos sobrejacentes. Estas poderão permitir explicar uma situação observada em inúmeros artefactos re-

Fase 1a – Após a deposição de uma primeira camada argilosa e a construção das estruturas de contenção/delimitação/fortificação, pelo lado interior (norte) continuaram a depositar-se os mesmos sedimentos argilosos, em maior espessura para sul e para oeste, de modo a nivelar o terreno. No contacto com a estrutura UE404, são colocados empedrados (UEs 431 e 432), interpretados como estruturas de drenagem das águas que escorreriam pela superfície dos depósitos argilosos, que apresentam características pouco permeáveis. Este nivelamento atinge o topo da estrutura UE404 do lado leste, fincando alguns centímetros abaixo no lado oeste. Criou-se assim um socalco nivelador do declive do terreno, originando uma plataforma, ligeiramente inclinada a sul, que serviu de suporte à ocupação deste espaço. A edificação destas estruturas corresponderá ao início de ocupação do povoado. Fase 1b - Um primeiro momento de ocupação que surge consubstanciado nos solos de ocupação UEs 422 e 425 e por vestígios de duas eventuais estruturas: UEs 424 (lareira ?) e 433 (muro ?). Este primeiro momento de ocupação deste espaço, imediatamente subsequente à construção das estruturas e do socalco, integra-se num momento pleno do Calcolítico. Um segundo momento de ocupação, correspondendo à edificação da estrutura UE412 e à criação do Ambiente 4. Neste Ambiente definira-se dois sub-momentos de ocupação:

um, inicial, consubstanciado nas UEs 421 e 420 e outro, posterior, relacionado com as UEs 413 e 435. Pelo exterior sul deste ambiente, mas possivelmente relacionado directamente com ele, formou-se o depósito UE418. Durante esta fase, depositam-se, a oeste, as unidades 414 e 423 e a leste a unidade 427. Com base na cultura material, esta fase enquadra-se igualmente num momento pleno do Calcolítico regional. Estas realidades foram depois cobertas por depósitos formados no âmbito da evolução da vertente (existindo restos de um possível muro, UE428, muito degradado, eventualmente relacionável com a última fase de ocupação do Ambiente 4), que forneceram materiais cerâmicos rolados. Com a construção de um caminho de acesso a pedreiras, algumas das pedras da estrutura UE404 que afloravam à superfície, foram removidas.

5.2.1. Fase 2 (reocupação da transição/ /início da Idade do Bronze) A segunda fase de ocupação está consubstanciada no Ambiente 1, o qual corresponde a uma cabana de planta circular localizada no Sector 1 (Cabana 1). É definida por um muro (UE10), o qual na extremidade este assenta directamente no substrato rochoso, e a oeste se sobrepõe às UEs 7 e 30 que pertencem à Fase 1 de ocupação desta área do povoado, atribuível ao Calcolítico Pleno. Esta estrutura, que entra pelo corte sul, tem um diâmetro máximo estimado de cerca de 5m. O muro apresenta seis fiadas de pedras conservadas em altura no quadrante este, que se vão reduzindo para oeste até à fiada de base, tendo todo o quadrante oeste desmoronado e desaparecido devido à inclinação do terreno. É construído na sua maioria por lajes e pedras de

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

colhidos naquele sector: é muito frequente os materiais arqueológicos, tanto cerâmicas como pedra, apresentarem a face de deposição inferior coberta por concreções. Resumindo a leitura e faseamento apresentados para a sequência estratigráfica do Sector 4:

xisto, tendencialmente colocadas em duas fiadas concêntricas, mas também foram utilizadas algumas pedras de quartzo. Como matriz aglutinante foi usada terra, que se apresenta bem compactada e bastante argilosa. Sobre a cobertura os dados são pouco claros. Verificou-se a ausência de cerâmica de revestimento, mas não é de excluir a hipótese de que um dos derrubes argilosos (UE13) que se sobrepunha aos depósitos de ocupação do interior desta estrutura possa estar relacionado com a construção em terra da parte superior da estrutura.

A UE17 corresponde a um solo de ocupação que preenche o interior da Cabana 1, sendo composta por terras castanhas (escuras quando húmidas), que incorporavam uma série de realidades estratigráficas. Em determinado momento de sedimentação do solo de ocupação UE17 foi construído um outro alinhamento de lajes de xisto (UE16) com duas fiadas sobrepostas, apresentando uma orientação NO-SE. Compartimenta o espaço interior da cabana, sendo a sua funcionalidade difícil de estabelecer.

Figura 5-10 – Plantas da Cabana 1 (Ambiente 1): à esquerda ao nível do topo da UE17; à direita, ao nível da base da UE17.

utilizados como termoacumuladores) no interior da estrutura UE23 e de alguns fragmentos cerâmicos apresentando sinais de sujeição ao fogo. Uma segunda possibilidade será estas estruturas terem funcionado como apoio a armazenagem, hipótese baseada no facto de nas proximidades surgirem fragmentos de grandes recipientes de colo estrangulado. No espaço imediatamente a oeste destas estruturas e penetrando pelo corte sul da sondagem, identificou-se uma bolsa de sedimentos argilosos, de textura fina e cor amarelada/ alaranjada, praticamente sem cascalho de xisto (UE28). Este depósito preenchia uma depressão (fossa ?) feita na camada sobre a qual assenta a ocupação do Ambiente 1. Esta depressão, de configuração ovalada, foi designada por UE31. A UE28 forneceu várias dezenas de fragmentos cerâmicos, entre os quais cerâmica campaniforme, dois pingos de fundição e, na sua base, um punhal de lingueta. Pelo exterior norte, encostava ao muro UE10 uma camada de terras argilosas, de cor cinzento clara (UE26), sem cascalho de xisto, que forneceu um número considerável de sementes de taxon ainda não identificado e bastantes materiais arqueológicos, sobretudo cerâmicos. Após o abandono desta cabana iniciou-se um processo de ruína, documentado por níveis de derrubes sobre os depósitos de ocupação. Um primeiro corresponde à UE13, camada de terras alaranjadas, muito compactas e com abundantes fragmentos de xisto, que se restringia à parte este do espaço interno da cabana, assentando no solo UE17. Encostava ao muro UE10, estendendo-se até cerca de um metro deste, para oeste. Forneceu alguma cerâmica manual, mas em escasso número. Configurase como um primeiro momento de derrube, relativamente restrito. Poderá, eventualmente,

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

Na sua base, na metade norte da Cabana 1, o solo UE17 assentava numa espécie de “pavimento” pouco estruturado constituído por lajes e cascalho de xisto (UE21). Esta unidade é limitada a oeste pela construção de um alinhamento de lajes de xisto (UE20), com a orientação norte – sul, alinhamento esse que serviu de contenção aos solos de ocupação. Efectivamente a UE17 só se prolonga mais para oeste nas extremidades daquele alinhamento, onde progressivamente se vai desvanecendo devido à inclinação do terreno. Na extremidade este da Cabana 1, junto ao corte sul da sondagem, surgiam duas estruturas geminadas. Estas estruturas, que encostam ao muro da cabana, correspondem a duas “fossas” estruturadas. A localizada mais a SE (UE19) apresenta uma configuração semicircular, ligeiramente escavada nos sedimentos, delimitada por blocos de xisto colocados lateralmente e inclinados para o interior que é forrado por lajes de xisto ardósico. As terras que preenchiam o interior desta estrutura foram designadas por UE18, embora apresentassem as mesmas características pedológicas da UE17. No seu interior foram recolhidos alguns (poucos) materiais cerâmicos. Anexada a esta estrutura, definia-se uma outra (UE23), estruturalmente semelhante, mas aberta a este. Esta estrutura aproveitava uma depressão existente no substrato rochoso, que lhe servia de base. Era preenchida pela UE22, que forneceu alguns materiais arqueológicos, nomeadamente fragmentos de dois recipientes de grandes dimensões que proporcionaram remontagens significativas. A interpretação destas estruturas é problemática, podendo ter funcionado como estruturas de combustão. Embora o seu interior não tenha proporcionado carvões, registou-se a presença de vários seixos rolados (frequentemente

corresponder a derrubes de um elemento estrutural construído em terra, eventualmente parte do próprio muro ou uma cobertura. Um segundo momento de derrube corresponde à UE6, a qual tem origem na desagregação das partes superiores do muro UE10. Era constituído por terras castanhas, por vezes com bolsas de terras mais escurecidas e abundantes fragmentos de pedras de xisto. Este derrube forneceu, ao longo de toda a sua espessura, material cerâmico (com alguns fragmentos campaniformes) e lítico. Na sua base, na zona

de contacto com uma unidade inferior (UE13), identificou-se uma concentração de inúmeros fragmentos de um grande recipiente Pelo exterior, nos quadrantes este e norte, o muro UE10 era encostado por um outro derrube de pedras, muito mais denso que o observado no interior e com pedras de maiores dimensões (UE24), que não foi integralmente escavado. Contudo, nas áreas onde foi levantado, observou-se que este aglomerado caótico de pedras teria, para além de pedras provenientes do muro UE10, pedras com outra origem.

Figura 5-11 – Derrubes internos e externos ao Ambinte 1: à esquerda o depósito argiloso UE13; à direita o derrube UE6 no interior da cabana e UE 24 pelo exterior.

Figura 5-12 – Corte sul da área da Cabana 1 do Sector 1.

de recipientes campaniformes, de vários artefactos metálicos e de vestígios de metalurgia. A totalidade dos recipientes campaniformes recolhidos neste sector provêm deste espaço, sendo a maioria proveniente dos solos de ocupação preservados. Apenas quatro fragmentos foram registados no interior do derrube UE6, facto que poderá ter a ver com processos tafonómicos ocorridos durante o processo de ruína. Nos restantes sectores não se registaram evidências de ocupação durante esta fase. Apenas se recolheram alguns, poucos, fragmentos campaniformes nos níveis superficiais do Sector 2 e do Sector 4. Alguns destes fragmentos encontravam-se erodidos, sendo a sua presença na área mais baixa do povoado relacionável com processos tafonómicos e de evolução das vertentes do cabeço. OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

Na parte mais a este, as pedras eram de maiores dimensões e encontravam-se cravadas a grande profundidade e muito verticalizadas. Corresponderão a derrubes com origem em eventuais estruturas existentes uns metros mais acima, no ponto mais alto do cabeço, área que foi completamente obliterada por uma pedreira, cujos limites se situam a menos de 1 metro da extremidade leste da sondagem. Estes derrubes, mais intensos, abateram-se de encontro ao muro UE10, provocando-lhe uma patologia (forte inclinação para o interior) no seu troço mais a leste. Na área escavada a norte da Cabana 1 verificou-se que o derrube UE24 assentava no depósito UE26. O conjunto de materiais recolhidos na Cabana 1 aponta para um momento tardio, já integrável no momento de transição / início da Idade do Bronze, destacando-se a presença

5.2.2. Faseamento geral e cronologia para o Monte do Tosco 1

está documentada estratigraficamente apenas no Sector 1, com a construção de uma cabana circular (Cabana 1) e solos de ocupação associados. Os materiais provenientes desta estrutura são dominados pela presença de cerâmica campaniforme incisa e por materiais metálicos e evidências de metalurgia. Nos restantes sectores não há vestígios estratigraficamente conservadas desta reocupação, com excepção de alguns fragmentos de recipientes campaniformes nos depósitos superficiais de escorrência dos Sectores 2 e 4. Os restos orgânicos datáveis provenientes de contextos seguros foram muito escassos, resumindo-se exclusivamente a restos de fauna mamalógica. Com o objectivo de obter datações absolutas, foi reunido um conjunto de amostras que visavam referenciar cronologicamente as duas fases de ocupação. Para a Fase 2 apenas se dispunha de um escasso número de pequenos fragmentos de osso provenientes da UE17, solo de ocupação da Cabana 1. Tentou-se a datação por AMS no laboratório de Oxford, mas os ossos não apresentavam cologénio suficiente. Quanto à Fase 1, atribuída a um momento pleno do Calcolítico, verificou-se uma situação semelhante: todos os ossos enviados como amostra (a Oxford e o ITN de Sacavém) revelaram igual ausência de cologénio. Deste modo, foi impossível obter datações absolutas de radiocarbono para qualquer contexto deste sítio arqueológico.

Os contexto intervencionados permitem definir dois grandes momento de ocupação deste sítio. Um primeiro, presente em todos os sectores, corresponderá, com base na cultura material registada, a um momento pleno do Calcolítico. Foram referenciadas três áreas de natureza residencial (ambientes 2, 3 e 4), constituídos por cabanas de socos de pedra de tendência circular (para o ambiente 2, do Sector 1, a circularidade da estrutura pétrea que o delimita não é totalmente clara) e uma estrutura delimitadora de um recinto, que terá tido múltiplas funções: para além de delimitar, protegeria e funcionaria com contenção de sedimentos, viabilizando a criação de uma plataforma em socalco na zona do Sector 4. Os materiais são maioritariamente constituídos por fragmentos de recipientes cerâmicos, dominados pelo prato. Estão presentes pesos de tear (em reduzido número), uma indústria lítica relativamente escassa onde se destacam as pontas de seta e os pesos de rede, alguns artefactos metálicos em cobre e evidências ténues de metalurgia (cadinhos e pingos de fundição), contas cerâmicas tubulares e restos de fauna. Um segundo momento corresponde a uma reocupação que poderá ser atribuída à transição / início da Idade do Bronze. Esta reocupação

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Memórias d’Odiana R 2ª série

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Quadro 5-1 – Amostras enviadas para datação por radiocarbono.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Ref. Lab.

Data BP

Cal 1

Cal 2

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6. OS CERROS VERDES 3 O sítio arqueológico designado por Cerros Verdes 3, cartografado com o nº 165 no mapa 12 do Quadro Geral de Referência do património arqueológico do regolfo da barragem de Alqueva (Silva, 1996: 141) e correspondendo ao número de inventário 961316 (491), foi identificado nas prospecções realizadas no âmbito do Estudo de Impacte Ambiental do Empreendimento do Alqueva (Silva, 1986). No relatório efectuado (idem), o sítio é atribuído ao período Neo/Calcolítico com base em vestígios recolhidos à superfície: cerâmica manual e lascas de quartzito. Em face desta situação, e como medida de minimização, foi proposta a realização de sondagens arqueológicas, tendo o sítio sido integrado no Bloco 5. Estes trabalhos viriam a ser realizados nos meses de Junho e Setembro de 1998.

Figura 6-1 – Localização na CMP e vista do cabeço onde se situa o povoado.

6.1. Localização e caracterização geomorfológica O sítio localiza-se, do ponto de vista administrativo, na freguesia da Póvoa, concelho de Moura, no distrito de Beja. Em termos geográficos, as coordenadas nacionais do ponto de referência implantado no terreno são: M-261980,28; P-143492,42; Z-169,26 (CMP, 1:25000, fl. 491). Ficará, depois do enchimento da albufeira da barragem de Alqueva, transformado numa pequena ilha. O local enquadra-se numa paisagem crescentemente irregular e sinuosa, que se estende para sul da Ribeira do Alcarrache. Os cabeços, pouco destacados, sucedem-se de forma monótona, proporcionando um ondulado de elevações e pequenos vales, bem encaixados pela erosão provocada pelos cursos de água subsidiários do Guadiana. O cabeço em que foi implantado o povoado destaca-se por ser dos mais altos da área e por se encontrar na transição entre terras mais baixas que se estendem para norte e as mais irregulares e elevadas que se prolongam a partir dele, controlando uma zona de travessia do Guadiana, do qual dista menos de 1km.

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O cabeço apresenta vertentes com inclinação acentuada, sobretudo a norte e este. O seu topo apresenta uma plataforma aplanada e alongada no sentido norte / sul. Em termos de visibilidade é um ponto privilegiado, já que para todos os lados a linha do horizonte é distante ou muito distante; desse modo as condições de controlo e domínio de paisagem são boas. Destaca-se a excepcional vista para norte / NO, sobre o vale do Guadiana e a foz do Alcarrache. Do ponto de vista geológico, o cabeço corresponde a um terraço fluvial Q2 (50 a 70 m) envolvido pelos xistos do Silúrico (CGP, fl. 40D, Portel, esc. 1:50000).

6.2. Áreas intervencionadas: sequências HVWUDWLJUiÀFDVIDVHDPHQWRV e cronologias

Memórias d’Odiana R 2ª série

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De forma a abarcar uma área relativamente alargada da plataforma do topo do cabeço, foram abertas quatro sondagens abrangendo uma área total de 60 m2: a Sondagem 1 com 9 m2, a Sondagem 2 com 27 m2, a Sondagem 3 com 16 m2 e a Sondagem 4 com 8 m2. A Sondagem 1, localizada na zona sul da plataforma, revelou apenas um único depósito, revolvido pela lavoura, o qual assentava directamente sobre o substrato geológico. Em termos arqueológicos e para além da total ausência de contextos preservados, refira-se a recolha de um OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

escasso número de fragmentos de cerâmica manual e de outros a torno, entre os quais um fragmento de terra sigillata Clara D, com cronologia oscilando entre o séc. IV e meados do séc. V. Situação idêntica foi registada nas Sondagem 3, localizada na parte norte do cabeço, e em parte da Sondagem 4 localizada na zona central da plataforma. Nesta última, no seu canto SE, o depósito de superfície revolvido cobria um troço de muro (Muro 5). Os materiais recolhidos corresponderam a fragmentos de cerâmica de cronologia romana. A Sondagem 2, situada igualmente na área mais central do cabeço, foi a que forneceu mais informação. Removido o depósito superficial revolvido, identificaram-se quatro troços de muro: muros 1 e 2 de um compartimento rectangular e muros 3 e 4 que formavam um outro ângulo recto, eventualmente de outro compartimento. A estes muros encostavam três depósitos (UE’s 3, 4 e 5) ainda com sinais de revolvimento e que forneceram materiais de cronologia romana e outros de cronologia pré-histórica. A remoção da UE 4 revelou que este depósito assentava directamente no susbtracto geológico, enquanto a UE 3 cobria depósitos muito compactados e com grande quantidade de seixos (UE`s 11 e 12) ou muito granulosos (UE 10) arqueologicamente estéreis e que assentavam já sobre o geológico. A oeste do Muro 1, a UE 5 cobria um outro depósito (UE 17) que forneceu materiais

mesmo do início do 2º. Contudo, nos depósitos revolvidos, nomeadamente no superficial (o qual forneceu o maior número de materiais cerâmicos pré-históricos, misturados com materiais romanos) as taças carenadas aparecem com uma representatividade equivalente à dos pratos, estando também representados potes mamilados, taças de bordo espessado e pesos de tear (um crescente e uma placa). Estes materiais poderão sugerir a existência de ocupações de momentos iniciais ou plenos do Calcolítico, das quais não foram detectados contextos preservados. Devido aos contextos romanos que evidenciava, o sítio seria também intervencionado no âmbito do Bloco 12, dedicado aos contextos desta cronologia da margem esquerda do Guadiana. Apesar dos esforços desenvolvidos pela ERA Arqueologia S.A. para se proceder a uma abordagem integrada deste sítio, tal não foi possível, não estando ainda disponíveis os dados relativos às ocupações pré-históricas do local que eventualmente tenham resultado das intervenções realizados no referido bloco. Figura 6-3 Aspecto da Sondagem 2, sendo visíveis os muros de cronologia romana e, em primeiro plano, o topo dos aglomerados pétreos e depósitos preservados de cronologia calcolítica

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

exclusivamente pré-históricos e encostava a aglomerados de lajes de xisto (UE’s 16 e 18) que corresponderão a derrubes de uma eventual estrutura, entre os quais se recolheram também materiais cerâmicos exclusivamente pré-históricos. A UE 17 cobria o substrato geológico enquanto os aglomerados pétreos, não removidos, eram delimitados a oeste por um outro depósito que entrava pelo corte (UE 19) e que não foi escavado. Em face destes resultados, ficou patente que os Cerros Verdes 3 evidenciavam dois grandes momentos de ocupação, um mais recente de cronologia romana e outro mais antigo de cronologia Calcolítica. Quanto à ocupação pré-histórica, verifica-se que os contextos preservados correspondem a uma área muito restrita, tendo fornecido um número relativamente escasso de materiais. Aí, a presença de pratos, ausência de taças carenadas e potes mamilados, a ocorrência de um recipiente campaniforme liso e de uma ponta de seta metálica poderão sugerir um momento tardio dentro do 3º milénio AC ou até

7. JULIOA 4 / LUZ 20 Julioa 4 e Luz 20 foram referenciados como dois sítios distintos. O primeiro encontra-se cartografado com o nº 139 no mapa 11 do Quadro Geral de Referência do património arqueológico do regolfo da barragem de Alqueva (Silva, 1996: 108) e corresponde ao número de inventário 95482 (483). Aí, refere-se o aparecimento à superfície de cerâmica manual, percutores, instrumentos de pedra polida, fragmentos de mós em granito e instrumentos líticos talhados sobre seixos, espalhados por uma área de 300 m2. O segundo, localizado a cerca de 300m para NE do primeiro, surge referenciado como achado isolado (frag. de dormente de mó manual) no Estudo de Impacte Ambiental do Emparcelamento Rural da Luz, tendo o número de referência 2312 (Lança, Martinho e Perdigão, 2003: 289). Situando-se fora da área abrangida pelo regolfo, estes sítios não foram intervencionados no âmbito do Bloco 5, mas sim no da mi-

nimização do emparcelamento rural da nova aldeia da Luz. Contudo, a sua importância para a rede de povoamento estudada no Bloco 5 justifica a sua integração aqui, optando-se, em face dos resultados obtidos, por considerar os dois contextos como duas áreas de um mesmo sítio.

7.1. Localização e caracterização geomorfológica O sítio da Julioa 4 / Luz 20 localiza-se, do ponto de vista administrativo, na Herdade da Julioa, freguesia da Luz, concelho de Mourão, no distrito de Évora. Em termos geográficos, as coordenadas nacionais do ponto de referência implantado no terreno são de M-268053; P-153371; Z-178,77 para a Julioa 4 e de M-268291; P-153580; Z-171.87 para a Luz 20 (CMP, 1:25000, fl.).

Figura 7-1 – Bloco diagrama da implantação do sítio de Julioa 4 / Luz 20, localizando-se também o sítio de Moinho de Valadares 1 (à esquerda).

Figura 7-2 – (Em cima) Vista a partir da área de Julioa 4 para (NE), sobre a área da Luz 20. (Em baixo) Área da Luz 20, vendo-se ao fundo R*XDGLDQD MiFRPRUHJROIRFKHLRDXPDFRWDGHFHUFDGHP  HDHOHYDomRGH0RQVDUD]HDOWRGH6*HQV

vale do Guadiana. Contudo, alguns metros para sul atinge-se a linha de festo, a qual proporciona uma domínio visual mais vasto do território envolvente. O substrato geológico, na área que corresponde genericamente à linha de festo aplanada, é constituído por uma extensa mancha de depósitos cenozóicos, de orientação NE-SO, compostos por argilas vermelhas, rosadas ou acastanhadas, cascalheiras com seixos rolados ou angulosos e grés margosos ou calcários, por vezes arcosicos. Esta mancha é envolvida por uma formação que cobre a maior parte do concelho de Mourão e que corresponde aos xistos (xistos variados: argilosos finos, quartzosos, ardósicos) de idade silúrica. Relativamente às aptidões agrícolas dos solos, a natural relação com as vicissitudes geoOS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

Situado na linha de festo aplanada entre o Alcarrache e o Guadiana, o Monte Julioa 4 encontra-se localizado precisamente num dos seus pontos mais altos (a uma cota média de 178 metros), local onde está implantado o marco geodésico com o mesmo nome. A sua localização proporciona-lhe um extenso domínio visual sobre a paisagem, que se estende para oeste até ao Guadiana, para sul até à elevação do marco dos Montes Altos e para norte até Mourão. Quanto à Luz 20, localiza-se a cerca de 300m para nordeste do marco geodésico da Julioa , implantando-se numa ligeira bacia que marca o início de um suave vale, junto à linha de festo que termina na zona do referido marco. O campo de visibilidade a partir deste ponto é mais restrito, abrindo-se na direcção noroeste, através do pequeno vale, atingindo o

lógicas é, aqui, particularmente evidente. A grande mancha de melhores solos (classes A e B ou B+C) estende-se ao longo da linha de festo, sobrepondo-se, quase na íntegra, aos depósitos argilosos cenozóicos. Bordejando esta mancha, sobretudo na sua extremidade SO, observam-se algumas manchas de solos de classe C ou C+D. Toda a restante área, que coincide com a grande mancha dos xistos que domina a geologia local, é composta por solos de classe D e sobretudo E, caracterizados por solos esqueléticos e por extensas zonas de afloramento do substrato xistoso. Desta forma, o sítio situa-se num dos locais com maior controlo visual sobre o território da margem esquerda entre Mourão e o Alcarrache, na zona de solos com melhor aptidão agrícola.

7.2. Áreas intervencionadas: HVWUDWLJUDÀDVIDVHDPHQWRV e cronologias9

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Na área de Julioa 4 foram inicialmente realizadas três sondagens de 2x5m cada, sendo posteriormente a Sondagem 3 alargada para 101,5 m2, o que perfez um total de 121,5 m2 escavados. Nas Sondagens 1 e 2 não se detectaram contextos arqueológicos preservados, estando os depósitos revolvidos até ao substrato. Já na Sondagem 3, apesar do forte revolvimento provocado pela argricultura mecanizada cujas marcas atingiram o topo do substrato, foi ainda possível identificar um conjunto de estruturas e depósitos relativamente preservados. Assim, na Sondagem 3 depósito de superfície (UE300) era constituído por terras

escuras, pouco compactas e heterogéneas. Esta heterogeneidade deve-se ao facto de terem sido identificados nódulos de argila vermelha acinzentada e manchas de sedimento amarelo avermelhado, ou seja, vestígios dos depósitos subjacentes. Forneceu uma mó manual (dormente), um fragmento de instrumento de pedra polida e cerâmica manual. Subjacente à UE300 identificou-se um outro depósito (UE301), igualmente revolvido, de terras amarelo avermelhadas muito heterogéneas, as quais cobriam um depósito de enchimento de uma vala recente aberta para o plantio de uma oliveira, o topo de depósitos de enchimento de fossas, alguns dos quais se encontravam remexidos, e, na maior parte da área, o substrato de base ou depósitos geológicos arqueologicamente estéreis. Sob estes depósitos revolvidos foram identificadas seis fossas escavadas no substrato, sendo que uma delas (a fossa 2) poderá corresponder a duas que se sobrepuseram parcialmente, e uma possível estrutura de combustão (Estrutura 4). A Estrutura 4 correspondia a uma ligeira depressão pouco profunda no substrato com cerca de 2m de diâmetro, de forma subcircular, preenchida por uma abundante concentração de calhaus de quartzo, muitos dos quais termoclastos (273 termoclastos, proporcionando remontagens, e 421 fragmentos) alguns carvões e, pontualmente, bojos de cerâmica manual e pedra talhada. Os calhaus eram envolvidos por uma matriz de sedimentos arenosos de cor castanho escuro. Ainda que diferente dos exemplos de lareiras conhecidas para este período cronológico, as quais apresentam características formais diferentes da realidade agora descrita,

Os trabalhos de campo foram dirigidos por Manuela Coelho e António Valera (Coelho e Valera, 2004a e 2004b).

9

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Figura 7-3 – Fossas 2, 1 e 5 (à esquerda com os enchimentos, à direita de pois de escavadas).

(cerca de 40 cm), apresentando um perfil em U com uma reentrância na base. A maioria apresentava apenas um depósito de enchimento, onde se registavam fragmentos de lajes de xisto e alguns materiais arqueológicos (fragmentos cerâmicos, alguma pedra talhada, pedra polida, discos de xisto ou fragmentos de elementos de OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

a presença de termoclastos com remontagem e carvões apontam para que se tratasse de uma estrutura de combustão. As fossas, com excepção da 7, correspondiam a depressões subcirculares pouco profundas (não superiores a 25 cm) e de perfil em U aberto. Apenas a fossa 7 era mais profunda

)LJXUD²3ODQRHVWUXWXUDVLGHQWLÀFDGDVHP-XOLRDHUHVSHFWLYRVHQFKLPHQWRV3RUPHQRUGDIRVVDYHQGRVHRQtYHOGHEDVHHQHJUHFLGR por acção do fogo e um machado de pedra polida depositado sobre o mesmo.

Figura 7-5 - Plano 2: estruturas negativas escavadas e vista da área HVFDYDGDQRÀQDOGRVWUDEDOKRV

)LJXUD²&RUWHVHVWUDWLJUiÀFRVGDVHVWUXWXUDVQHJDWLYDVHVFDYDGDV

trumentos de pedra polida; um segundo de características idênticas ao primeiro, mas com lajes de xisto de maior tamanho, também dispostas na horizontal em plano circular. Duas destas lajes correspondiam a “testos” de forma circular (com arestas boleadas por afeiçoamento) e outras duas, de maiores dimensões, apresentavam covinhas (uma delas gravada bifacialmente). Finalmente, a fossa 7 (8 no relatório dos trabalhos arqueológicos, Coelho e Valera, 2004a)

117

Figura 7-7 – Estruturas negativas detectadas na Sondagem 1: fossa circular e possível fosso.

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

moagem). No caso da fossa 2 o seu enchimento era encimado por uma concentração de grandes lajes de xisto (UE309), dispostas na horizontal e sobrepostas, selando a estrutura. A fossa 1 apresentava dois enchimentos: um primeiro constituído por lajes de xisto de média dimensão dispostas na horizontal, numerosos calhaus de quartzo, a maioria com indícios de rolamento, um movente, um disco de xisto, uma bigorna e vários instrumentos e/ou fragmentos de ins-

Figura 7-8 Sondagem 2: “piso” de argila cozida (fase 2), troços de muro sobrepostos e derrube associado (fase 1).

Memórias d’Odiana R 2ª série

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apresentava três depósitos de enchimento. Os dois depósitos inferiores apresentavam um sedimento castanho muito escuro, sendo que no da base o sedimento se apresentava mais enegrecido, evidenciando a realização de fogo no interior desta estrutura. Em ambos foram identificados registos de pedra polida, cerâmica queimada e barro cozido, estes dois últimos tipos artefactuais em grande quantidade. Esta fossa apresentava, ainda, uma laje de xisto em cutelo a revestir a parede, situação que também se verificava na fossa 5 e que poderá sugerir que em algum momento da sua utilização estas fossas tivessem as paredes revestidas a xisto. OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Na área de Luz 20, de acordo com o que foi estabelecido pela EDIA, procedeu-se à realização de duas sondagens arqueológicas mecânicas com um total de 28 m², perpendiculares à zona correspondente à abertura de um futuro caminho rural junto a uma vala da rede de rega (cujo acompanhamento arqueológico permitiu a recolha de mós manuais e uma laje com mais de trinta covinhas), e duas sondagens manuais de diagnóstico de 10 m² cada, numa área onde apareciam à superfície elevadas quantidades de materiais arqueológicos e lajes de xisto (naturalmente exógenas ao contexto geológico local).

Na sondagem 1, os depósitos superiores apresentavam-se revolvidos pela agricultura mecanizada, observando-se que as marcas de “ripper” atingiam o substrato rochoso, formando uma malha quadriculada. O depósito do topo da estratigrafia (UE100) caracterizava-se por sedimento castanho escuro, solto e heterogéneo contendo ocasionais lajes, fragmentos de laje e cascalho de xisto. Neste depósito foram identificados materiais arqueológicos de cronologia pré-histórica, mas também de cronologia recente. Sobrepunhase ao depósito UE101, que foi individualizado por apresentar grande concentração de lajes de xisto, ainda que estas se encontrassem envoltas em sedimento solto e se apresentassem de forma aleatória, sem qualquer organização ou estruturação, denunciando forte afectação e remeximento a esta cota. Os materiais arqueológicos identificados, contudo, eram exclusivamente de cronologia pré-histórica. Finalmente o depósito UE102 apre-

sentava um sedimento castanho alaranjado muito compactado e argiloso, continuando a aparecer lajes e cascalho de xisto com disposição aleatória e de forma abundante. Sob este último depósito revolvido identificou-se o substrato rochoso e um conjuntos de estruturas negativas (e respectivos enchimentos) nele escavadas. Sensivelmente a meio da sondagem, junto ao corte este e prolongando-se para o interior deste, foi identificada uma fossa subcircular, preenchida no topo por um depósito de sedimentos castanho escuro, argilosos e compactos, com inclusão de pequenas e médias lajes de xisto dispostas sem organização aparente e vários fragmentos de cerâmica manual. Envolvendo esta fossa pelo lado oeste, foi definida outra estrutura negativa, aparentemente de tipo fosso. A sul da fossa apresenta cerca de um metro de largura, sendo preenchida

Figura 7-9 (VWUXWXUDQHJDWLYD WLSRIRVVR" SUHHQFKLGDSRUODMHV GH[LVWRÀQFDGDVQDYHUWLFDOLGHQWLÀFDGDQD6RQGDJHP

Figura 7-10 – Localização das áreas sondadas em Julioa 4 e Luz 20 e manchas de distribuição dos materiais de superfície.

Memórias d’Odiana R 2ª série

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OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

lor. Esta estrutura era envolvida por um outro depósito (UE204) de sedimentos argilosos castanho amarelados com cascalho de xisto, ainda afectados pelo “ripper”. O recanto NO não foi escavado para conservar a estrutura em argila cozida (para ser compreendida em área através de um eventual alargamento da sondagem), verificando-se que na restante área do depósito UE204 encostava à face ocidental de um muro feito com lajes de xisto (UEs206/208) e que cobria o que se afigura como um derrube (que também não foi escavado) associado a essa estrutura positiva. O muro, que corresponde a um momento anterior à estrutura de argila, apresentava uma orientação NO-SE e prolongava-se pelos cortes este e norte. As lajes encontravam-se justapostas no sentido do comprimento do muro, o qual a sul parece revelar um momento de reformulação ou reparação, distinguindo-se um paramento na base (UE208) que parece ser sobreposto pela sequência de fiadas do troço UE206. Na parte sul da sondagem esta estrutura aparece mais danificada, com dois derrubes associados (UEs209 e 212), e podendo estar relacionada com outro alinhamento (UE210), mas cujo estado de conservação e a área restrita em que foi definido não permitem uma leitura mais afirmativa. Quanto às sondagens mecânicas, na sondagem 4 apenas se registou, sob os níveis revolvidos de superfície, um depósito muito restrito com uma concentração de cerâmica manual e algum cascalho de xisto (UE401) que assentava no substrato rochoso. Já na sondagem 5, e igualmente sob os depósitos revolvidos até ao substrato, identificou-se a estrutura negativa rectilínea (possível fosso) com cerca de um metro de largura e que atravessava a sondagem no sentido este-oeste, prolongando-se pelos cortes. O seu interior era preenchido por um de-

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

por um depósito de sedimento castanho escuro, compacto e argiloso, com fragmentos de cascalho de xisto, seixos de quartzito e presença frequente de bojos de cerâmica manual. A estrutura parece curvar para norte junto ao corte oeste da sondagem e novamente para este, parecendo envolver a fossa. Esta situação não é totalmente clara, já que junto ao corte oeste, se denotam duas grandes concentrações de lajes de xisto (UEs109 e 110) bem cravadas nos sedimentos que preenchem a estrutura. Estas concentrações de lajes diferenciavam-se do restante depósito de enchimento de topo do fosso, podendo corresponder à colmatação de estruturas posteriores que foram abertas naquele enchimento. A não escavação dos depósitos de preenchimento destas estruturas negativas e o não alargamento da sondagem impossibilitaram a caracterização convenientemente das estruturas detectadas, a sua relação e o seu espectro cronológico (com base nos materiais que foram recolhidos no topo dos enchimentos, apenas poderemos referenciar o final da sua colmatação). Na Sondagem 2 a situação dos depósitos superficiais era semelhante à da Sondagem 1, apresentando-se também bastante revolvidos, mas com uma maior abundância de lajes de xisto. Sob estes depósitos fortemente revolvidos foi identificado um conjunto de depósitos e estruturas relativamente preservadas que, pelas relações estratigráficas que evidenciam, revelam dois momentos de ocupação. O momento mais recente corresponde a um “pavimento” de argila cozida estalada (UE202), eventualmente correspondente a uma superfície de lareira, que se localizava no recanto NO da sondagem, entrando pelos cortes. Assentava num depósito (UE203) de sedimento argiloso e compactado, de cor avermelhada, igualmente restrito a esse recanto, cujas características sugerem a sua sujeição à acção do ca-

Memórias d’Odiana R 2ª série

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pósito argiloso muito compacto (UE501) com uma concentração de lajes de xisto de média e grande dimensão, grande parte delas fincadas na vertical e dispostas com orientação geral da estrutura (este-oeste). O topo da estrutura foi afectado e remexido, observando-se as marcas de “ripper” de orientação norte-sul que a atravessavam, deslocando e partindo algumas lajes. Foram identificados entre os elementos pétreos alguns fragmentos de cerâmica manual. Em face dos resultados do diagnóstico, tendo em conta a importância dos contextos preservados identificados e o facto de não terem sido escavados, foi proposto o alargamento das áreas sondadas e a escavação dos depósitos não intervencionados para caracterização das estruturas registadas, assim como a demarcação da parcela de terreno em causa (destinada ao plantio de vinha) como reserva arqueológica. Esta última proposta foi adoptada pela EDIA, que, contudo, decidiu não prolongar os trabalhos para uma caracterização adequada dos contextos em presença (que o IPA terá aceite, apesar da aprovação do relatório que continha as medidas de minimização acima referidas). Deste modo, a informação disponível para a área de Luz 20 é bastante parcelar. Sabemo-nos em presença de importantes contextos, onde estão presentes estruturas positivas em xisto (por vezes recorrendo a grandes lajes tipo estela) e estruturas negativas de tipo fossa e de tipo fosso estreito. A não escavação dos depósitos de enchimento impede uma correcta referenciação cronológica e cultural destas estruturas bem como a sua caracterização estrutural e funcional. Simultaneamente com os trabalhos de escavação foi feita a lavra de todos os terrenos envolventes às áreas escavadas da Julioa 4 e parcela de terreno da Luz 20, preparando-os para o plantio de vinha. Em face desta situação,

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

foram feitas prospecções que, embora não estivessem previstas nos trabalhos adjudicados à ERA Arqueologia S.A., revelaram importantes dados para a interpretação e correlação destas duas áreas. Assim, nos terrenos envolventes recentemente lavrados observavam-se, como que a pontuar o espaço, pequenos aglomerados de lajes de xisto, aos quais surgem associados materiais arqueológicos como mós, cerâmicas manuais e materiais líticos (entre os quais uma ponta de seta de base côncava e machados). A sul da Luz 20, a cerca de 100m, foi detectado à superfície um alinhamento de lajes de xisto (sem materiais associados), com uma orientação SE-NO e um comprimento de mais de 100 m, tendo as lajes visíveis sido coordenadas. Todos os materiais arqueológicos foram georeferenciados. A sua distribuição espacial (Figura 7-10) permite duas observações: a área de ocupação de Luz 20 é bastante superior à parcela reservada estando o resto já lavrado à altura do início das sondagens diagnóstico; as manchas de distribuição permitem colocar a hipótese de estarmos perante um único sítio, de grandes dimensões, eventualmente com vários núcleos, que ocupava uma vasta área do topo aplanado da linha de festo. Os trabalhos de minimização efectuados revelam-se, assim, insuficientes para uma cabal avaliação e caracterização deste importante contexto, sugerindo numa série de possibilidades que, podendo ser exploradas como hipóteses no presente texto, apenas poderão ser esclarecidas com a realização de mais trabalhos arqueológicos no local. A importância do sítio no contexto do povoamento local durante o 3º milénio AC justifica-os e, apesar de grande parte do terreno estar lavrado para plantio de vinha e apenas uma pequena parcela em reserva arqueológica, a existência de estruturas negativas permite-os.

Na área de Julioa 4 só é possível considerar para todas estruturas identificadas uma fase global de ocupação, já que não existem relações estratigráficas directas entre elas e os materiais registados apresentam grande homogeneidade. No que respeita à cronologia, apenas se podem avançar propostas baseadas na análise da cultura material, nomeadamente nas características morfológicas do equipamento cerâmico. A presença de uma percentagem significativa de pratos, inclusivamente de bordo espessado, de taças simples ou de bordo espessado, associadas a recipientes esféricos/globulares e taças carenadas, sugere uma cronologia dentro do Calcolítico regional, integrável nos finais do 4º / 1ª metade do 3º milénio AC. Para a área da Luz 20, face aos dados disponíveis e, sobretudo, perante o facto de não se terem escavado os depósitos conservados do interior das estruturas negativas ou os associados às estruturas positivas, avançar com

propostas de faseamento e cronologias é problemático e arriscado. De acordo com os dados da Sondagem 2, pelo menos dois momentos de ocupação podem ser considerados para este espaço, um relacionado com os muros ali identificados e outro com a construção e utilização de um piso de lareira (?) envolto por um depósito que se sobrepunha a um aparente derrube associado à estrutura positiva em pedra. Contudo, nada podemos dizer sobre a relação entre essas estruturas e as estruturas negativas detectadas nas Sondagens 1 e 5 ou sobre a relação destas entre si. Quanto à cronologia, uma vez que os depósitos conservados apenas foram definidos e decapados, poderemos utilizar somente os materiais registados nos contextos revolvidos e no topo dos preservados, mais concretamente as cerâmicas. Estas reproduzem a imagem do conjunto observado em Julioa 4, sugerindo uma situação de contemporaneidade que reforça a ideia de podermos estar em presença de dois núcleos de ocupação de um único sítio de grande dimensão e complexidade.

123

OS CONTEXTOS INTERVENCIONADOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

7.2.1. O faseamento e as cronologias possíveis

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

António Carlos Valera, Mª Isabel Dias, Mª Isabel Prudêncio, Fernando Rocha, Manuela Coelho, Mª João Jacinto, Sérgio Gomes, Alexandre Gonçalves, Lucy Show Evangelista, Javier Moro Berraquero, João Rebuge , Guirec Querré, Laure Salanova, Mª de Fátima Araújo, Pedro Valério

127$35e9,$$80$&203$57,0(17$d®2'2(678'2'(0$7(5,$,6 António Carlos Valera

variar com o contexto, tanto em termos diacrónicos como espaciais. A variabilidade deriva da possível atribuição de sentidos diferentes, relacionáveis com a significação geral de cada contexto, mas também da relação que se estabelece entre os vários objectos que o constituem e entre as várias acções que nele se praticam. Diria que a relação entre objecto e contexto é muito semelhante à relação recursiva que Giddens estabelece para a relação entre sujeito e estrutura: o objecto retira sentido do contexto ao mesmo tempo que contribui para a formação e sentido desse contexto. E o mesmo se passa com as acções. Por outro lado, o espaço está imbuído de tempo, ou seja, é dinâmico. Rapoport conceptualizou bem esta situação ao propor a organização do espaço em cenários estruturados em sistemas, com três categorias de elementos (fixos, semi fixos e móveis), concluindo que o conhecimento da natureza das acções depende do conhecimento do cenário, ou seja, do contexto em que estas ocorrem (Rapoport, 1990), mas também da relação entre acções (que Rapoport designa por actividades) e seus significados. O contexto é, assim, um cenário complexo, que envolve a relação entre elementos fixos, elementos semi-móveis, elementos móveis e sistemas de acções que nele decorrem. No caso da Arqueologia, a consciência da existência e da intervenção dos três últimos é particularmente importante, uma vez que, mantendo-se os fixos, a alteração conjunta ou isolada dos restantes modifica o cenário, logo a natureza do contexto. Ora os arqueólogos funcionam muitas vezes

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

127

Memórias d’Odiana R 2ª série

Os capítulos que se seguem correspondem ao estudo de conjuntos de materiais dos diferentes povoados em questão, agrupados pelas categorias em que tradicionalmente são divididos: recipientes cerâmicos, pedra polida, elementos de tear, pedra talhada, etc. Esta é uma abordagem sem dúvida conservadora, que a arqueologia pós processualista vem sistematicamente criticando. A ideia base dessa crítica, elevada a axioma, é a de que o contexto faz o objecto e a acção. De facto, primeiro chamou-se a atenção para a plurifuncionalidade dos objectos, que em contextos diferentes podem ser usados em tarefas e de modos diferentes. Seguidamente alerta-se para o facto de que o objecto pode não só ter funções múltiplas, como ter sentidos igualmente variáveis com o contexto, mesmo mantendo a mesma funcionalidade. Finalmente, assume-se que as próprias acções humanas em que os objectos participam, podem assumir significados complexos e diferenciados em função dos contextos. Estas ideias, difundidas nos últimos trinta anos, têm conduzido à crítica de uma série de dicotomias e compartimentações, entre as quais se destaca, precisamente, a realizada sobre os conjuntos artefactuais durante o seu estudo. O argumento é parcelar, mas óbvio e a meu ver irrefutável. Na sua relação com os objectos o Homem atribui-lhes sentidos, ou seja, funções e significados, quando não mesmo os anima, atribuindo-lhes poderes de acção e intenções. Esses sentidos não são uma propriedade fixa do objecto (como a matéria-prima ou a forma), mas são uma atribuição contingente, passível de

Memórias d’Odiana R 2ª série

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apenas com cenários que chamaria de cumulativos: elementos fixos e acumulações de elementos semi-móveis e móveis que, tendo funcionado em momentos diferentes para acções diferentes, se constituíram como contextos distintos. Da mesma forma, os sistemas de actividades ocorrem, não num cenário, mas num sistema de cenários que incluem áreas muito mais abrangentes, que devem ser descobertas através de uma progressiva contextualização e não delimitadas a priori (idem). Por outras palavras, os contextos também têm os seus contextos. Utilizei esta proposta teórica para a interpretação de uma área do Castro de Santiago (Valera, 1997) como um espaço multifuncional, correspondendo à ausência de uma segregação espacial de actividades no interior do recinto. Sublinhava então, que um dos aspectos invisíveis no registo arqueológico é o uso sequencial diferenciado de uma mesma área por grupos distintos (na idade, sexo, etc. Kent, 1990a) e que as actividades tanto se organizam no espaço, como no tempo, podendo originar sequências de contextos num mesmo espaço. Esta complexidade hermenêutica do uso e significado do espaço, das acções que nele se praticam e dos objectos que por ele circulam, entendidos como entidades em permanente interacção com os indivíduos, conduziu alguns autores a sublinhar que o estudo tradicional por categorias artefactuais origina uma descontextualização ao promover a análise separada de objectos que “viveram” juntos ( Jones, 2002), quebrando as conexões de sentido que, contextualmente, existiriam entre os mesmos. Esta tónica nos contextos de utilização e sentido, contudo, não inviabiliza, a meu ver, a importância de um estudo dos conjuntos artefactuais por categorias de objectos. A abordagem mais tradicional justifica-se porque incide sobre aspectos distintos e complementares à

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

perspectiva contextual. Aponta a questões de tecnologia, exploração de recursos, padronizações da produção e significados cronológicos e culturais dessas padronizações, actividades e funcionalidades, questões igualmente centrais para definição e interpretação de contextos. Acresce que uma abordagem contextual sólida requer contextos bem preservados, em que as associações artefactuais sejam seguras, situações que nem sempre estão presentes em sítios residenciais. Estes tendem a corresponder a palimpsestos, onde espaços são sucessivamente reutilizados. A maioria dos artefactos aparecem sob a forma de fragmentos integrados de maneira mais ou menos dispersa em depósitos formados durante as fases de ocupação e abandono, sendo raros os contextos com deposições primárias ou áreas de actividade bem preservadas. No caso concreto dos sítios intervencionados, as situações variam, e se algumas abordagens contextuais podem ser feitas à escala do micro-espaço (cabana, fossa, etc.) outras apenas permitem uma abordagem à escala do sítio. Assim, as problemáticas relativas ao significado e sentido que emerge dos contextos, definidos a diferentes escalas, serão focadas no ponto 22, enquadradas na análise da organização espacial dos vários sítios e do povoamento do território em questão.

8. OS MATERIAIS CERÂMICOS

8.1. Caracterização morfológica, estilística decorativa e comportamento diacrónico dos artefactos cerâmicos UHFLSLHQWHVFROKHUHVTXHLMHLUDV vasos suporte e discos) António Carlos Valera Mª João Jacinto Manuela Coelho

De entre os vários conjuntos de artefactos cerâmicos, apenas os recipientes, pelo elevado número em que ocorrem em todos os contextos, permitiram a realização de estudos tipológicos estatisticamente sustentáveis e relevantes. Para a construção das tipologias que sintetizam e organizam os vários conjuntos em análise, foi utilizada como base a tabela já existente para as cerâmicas do povoado dos Perdigões (Valera, 1998a), a qual traduz um processo classificador e organizador do universo dos recipientes cerâmicos em taxa, estabelecidos a partir de critérios intrínsecos quase que exclusivamente de natureza morfológica. Aspectos tecnológicos foram tratados separadamente (embora de forma cruzada com a morfologia e com a estilística decorativa), através de estudos arqueométricos, enquanto que a decoração foi utilizada com critério de classificação tipológica diferenciador nas cerâmicas campaniformes. Critérios de natureza funcional, porque extrínsecos e, portanto, facilmente variáveis com o contextos, não estão contemplados nesta organização taxonómica. A construção de um esquema taxonómico pode variar na metodologia de abordagem, partindo da definição apriorística de um conjunto OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

Globalmente, a análise da cerâmica dos povoados intervencionados incidiu sobre os materiais provenientes de depósitos não perturbados e significativos para a interpretação estratigráfica. O estudo aparece dividido em dois sub-capítulos, um correspondente a estudos tipológicos da morfologia e decoração dos recipientes e de outros artefactos cerâmicos (com excepção dos pesos de tear, tratados num capítulo próprio) e outro relativo às questões de tecnologia de produção e exploração de recursos. O estudo tipológico empreendido teve como objectivo caracterizar morfologicamente e em termos de estilística decorativa o equipamento cerâmico dos vários povoados, analisar o seu comportamento diacrónico, possibilitar o seu cruzamento com outras categorias artefactuais, inferir de possíveis funcionalidades, tradições culturais e níveis de interacção, assim como proceder a uma integração geral local no que à componente cerâmica respeita. As análises estatísticas assentam em conjuntos de unidades estratigráficas, agrupadas com base em fases definidas a partir da análise estratigráfica (e permitindo a sua afinação através do seu cruzamento com a análise artefactual), em áreas espaciais diferenciadas (ex. sectores) ou estruturas (ex. silos, cabanas, etc.). Quanto à abordagem tecnológica, foram levados a cabo estudos arqueométricos orientados para a determinação de estratégias de exploração de recursos, caracterização das tecnologias de produção, identificação de produções locais / importações, comportamento diacrónico e sincrónico destas variáveis em alguns dos povoados estudados e sua integração local e regional.

de tipos com que organizamos o universo em análise ou procurando, nesse universo, padrões utilizáveis como critério de ordenação. Se nesta última abordagem o quadro obtido será mais autónomo e revelador de lógicas internas àquele universo, na primeira obtemos um resultado em que a interferência organizadora é mais marcante e impositiva relativamente à realidade em apreço. O caminho seguido aqui é intermédio. Ao partir de uma proposta classificadora já elaborada, complementando-a e adaptando-a às realidades específicas proporcionadas pelos sítios da margem esquerda, pretendeu-se compatibilizar e facilitar o estabelecimento de relações entre os vários conjuntos em estudo e os provenientes do complexo arqueológico dos Perdigões, o qual se considera como contexto incontornável no tratamento das problemáticas relativas à rede de povoamento da margem esquerda.

8.1.1. O equipamento cerâmico do povoado do Moinho de Valadares 1 O conjunto estudado corresponde a materiais provenientes de contextos de ocupação

Memórias d’Odiana R 2ª série

130

*UiÀFR Distribuição dos tipos de morfologias de recipientes cerâmicos (com percentagens superiores a 2%) na Fase 1 (sub-fases 1a e 1b das Sondagens 2 e 3).

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

das Sondagens 1, 2 e 3, considerados não revolvidos. A sua apresentação segue o faseamento apresentado no ponto 3.

8.1.1.1. Recipientes da Fase 1

A Fase 1 de ocupação do Moinho de Valadares 1 foi identificada nas Sondagens 2 e 3, evidenciando dois momentos estratigraficamente diferenciáveis em ambas as sondagens (1a e 1b). O conjunto de recipientes (num total de 5139 fragmentos cerâmicos, foram reconstituídos graficamente 582 recipientes, correspondendo a 80% dos bordos recolhidos nos contextos considerados nesta fase) apresenta-se relativamente homogéneo, quer na comparação das duas sondagens, quer nos dois momentos definidos estratigraficamente. Predominam as tigelas e os potes globulares (26% dos quais apresentam pegas ou mamilos), com percentagens entre os 20% e 24%. Apenas no depósito UE76, que corresponde à Fase 1a da Sondagem 2 se verifica uma variação na representatividade destas morfologias, com as tigelas a atingirem os 46%, à custa de uma descida da representatividade das peças mais fechadas, como são os

*UiÀFR Distribuição dos tipos de morfologias de recipientes cerâmicos na Fase 2 (depósitos de ocupação das sondagens 1 e 2).

*UiÀFR(YROXomR das morfologias cerâmicas entre a fase 1 e a fase 2 do Moinho de Valadares 1

drados, se equivalem) surgem com percentagens entre 2% e 8%. Os recipientes de tipo saco e de colo cilíndrico estragulado têm percentagens entre 1% e 7%. Com carácter de excepção, surge um recipiente de bordo invertido plano. 131

8.1.1.2. Recipientes da Fase 2

A Fase 2 corresponde a uma reocupação do sítio, após uma provável fase de abandono (Cf. ponto 3), em que existirá uma ligeira deslocação da área ocupada. Assim, os depóOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

globulares (17%) e os esféricos. Tal situação poderá ficar, eventualmente, a dever-se à reduzida área em que este depósito foi escavado. Seguem-se as taças carenadas, que mantêm uma grande regularidade entre os 11% e os 16% e os esféricos, que na Sondagem 3 apresentam valores mais elevados (17% e 13%) que na Sondagem 2 (7% e 10%). As taças, maioritariamente de bordo simples, surgem com representatividades entre 6% e 11%, vendo o seu número aumentar significativamente na fase 1b da Sondagem 2 (22%), enquanto que os pratos (em que bordos lisos e espessados, com e sem almen-

Memórias d’Odiana R 2ª série

132

sitos e estruturas desta fase foram identificados nas Sondagens 1 e 2, e correspondem à construção de uma série de estruturas de cariz doméstico, de que se destaca a Cabana 1 (Sondagem 2). O conjunto cerâmico (num total de 4892 fragmentos cerâmicos, foram reconstituídos graficamente 301 recipientes, correspondendo a 82% dos bordos recolhidos nos contextos analisados nesta fase) apresenta alterações relativamente à fase anterior, não tanto no que respeita às tipologias presentes, mas essencialmente à sua correlação estatística. Nos depósitos da Sondagem 1 predomina agora o prato (dominantemente de bordo espessado, com e sem almendrados) com 28%, seguido das taças com 24% (com ligeiro predomínio das de bordo liso sobre as de bordo espessado). Com representatividades em torno aos 15% surgem as tigelas, os esféricos e os potes globulares. As taças carenadas juntam-se aos recipientes tipo saco e de colo cilíndrico estrangulado, apresentando valores abaixo dos 2%. A situação é semelhante no solo de ocupação da Cabana 1 (UE19). Aí pratos (predominantemente de bordo espessado), taças (essencialmente de bordo simples) e esféricos dominam com valores em torno aos 21%, mantendo-se os potes globulares e as tigelas na casa dos 15% e as restantes morfologias (incluindo as taças carenadas) abaixo dos 5%. Deste modo, fica patente que a principal evolução do equipamento cerâmico entre as duas fases de ocupação plena do povoado se traduz numa alteração da percentagem relativa das principais morfologias, onde a um predomínio das taças carenadas, tigelas e potes globulares (com ou sem pegas mamilares), se sucede um domínio dos partos e das taças, seguidos pelas tigelas, esféricos e potes globulares.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

8.1.1.3. Recipientes da Fase 3 (Idade do Bronze)

A Fase 3 corresponde a um momento tardio de reocupação (ou simplesmente reutilização de espaços) do sítio já em ruína, durante a Idade do Bronze, datado da 1ª metade do 2ª milénio AC (Cf. ponto 3) Os escassos materiais cerâmicos que podem ser relacionados com esta fase foram recolhidos no depósito inferior (UE13) de uma fossa parcialmente escavada, onde se associavam a restos de um crânio humano (contexto funerário) e nos depósitos mais superficiais revolvidos, nomeadamente nas UEs 5, 10, 11 e 67. Aí morfologias de características tardias e inexistentes nos contextos preservados das fases anteriores, surgiam misturados com materiais característicos das ocupações calcolíticas. Não sendo de excluir a possibilidade de que algumas das morfologias de tradição calcolítica (como por exemplo o prato), que se prolongam pela Idade do Bronze, pudessem estar associadas a esta reocupação tardia, o carácter de revolvimento e mistura dos depósitos superficiais naturalmente não permite essa seriação, pelo que apenas foram contemplados os recipientes que morfologicamente se diferenciam das cerâmicas do 3º milénio. No depósito UE13, foram registados fragmentos de um pote da base plana e bordo denteado (forma 26), vários fragmentos de uma base plana com remontagem (forma 27) e fragmentos de uma grande taça de carena média com colo estrangulado e bordo ligeiramente exvertido (forma 23). Nos depósitos mais superficiais revolvidos, foram registadas uma taça tipo atalaia, um bordo de taça de carena média e bordo exvertido, uma tigela de carena baixa esbatida, uma taça de carena baixa exbatida e bordo ligeiramente exvertido, um bojo de pote de colo estrangulado e um bojo de taça de carena média e colo estrangulado.

Técnicas

Fase 1

Fase 2

Revolvidos

Impressa

4

4

2

Incisa

8

4

3

Mista (Imp e Inc)

1

0

1

Imp. incrustada

0

1

1

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Sondagens

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1 133

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

Quadro 8-1 – Técnicas e motivos decorativos das cerâmicas do Moinho de Valadares 1 (Vem a contabilização de um bordo denteado do contexto da UE 13 - Idade do Bronze)

8.1.1.4. Cerâmicas decoradas do Moinho de Valadares 1

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Foram identificadas decorações em 51 fragmentos cerâmicos. Relativamente aos períodos de ocupação plena do povoado (Fases 1 e 2), observa-se um quadro global de grande escassez, com percentagens inferiores a 1% do total de fragmentos cerâmicos em ambas as fases. Uma das decorações mais vulgares é a decoração plástica. Esta divide-se em dois grandes conjuntos: decorações plásticas à base de mamilos e à base de cordões. A primeira corresponde sobretudo à aplicação de mamilos sobre as carenas das taças carenadas, existindo apenas dois recipientes com uma fiada de pequenas pastilhas aplicadas junto ao bordo. Relativamente aos cordões, estes são horizontais paralelos ao bordo, por vezes denteados, ou ondulados. Estes motivos, ausentes na Sondagem 1, ocorrem na Sondagem 2 e na Sondagem 3, concentrando-se na Fase 1 (os cordões denteados só ocorrem nesta fase). O dentear dos bordos também foi registado, tanto em bordos simples como num bordo em aba. Esta técnica decorativa, presente nas Fases 1 e 2, ocorre também no bordo de um pote de base plana recolhido no contexto da UE 13, atribuível à reocupação tardia do sítio (Fase 3). Com representatividade semelhante surgem as cerâmicas incisas e impressas, sendo a sua conjugação menos frequente. Entre as cerâmicas incisas, destacam-se as organizações à base de linhas ou caneluras horizontais e verticais. As decorações impressas são essencialmente compostas por impressões formando linhas paralelas ao bordo ou pelo já referido dentear do bordo. Em dois fragmentos as impressões surgem preenchidas com pasta branca. Estes dois fragmentos, juntamente com um outro com decoração incisa, poderão ser interpretados no

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âmbito da tradicionalmente designada cerâmica simbólica. Um dos fragmentos apresenta pontos impressos preenchidos a pasta branca. O reduzido tamanho do fragmento não permite uma reconstituição do motivo e da organização, mas é provável que se trate de um motivo geométrico (triângulo) preenchido com pontos. Um segundo fragmento, igualmente de reduzidas dimensões, apresenta linhas de impressões em meia lua preenchidas a pasta branca. Este motivo e as organizações que com ele se concebem, normalmente bandas metopadas ou não, não têm sido considerados como parte integrante da “Cerâmica Simbólica”. Contudo é um motivo que na região surge associado num mesmo recipiente ao triângulo preenchido a ponteado incrustado a pasta branca no povoado dos Perdigões (Valera, 1998a), ou contextualmente associado a cerâmica com decoração simbólica na Anta Grande do Olival da Pega (Leisner e Leisner, 1985). O terceiro fragmento em questão apresenta decoração incisa de linhas arqueadas paralelas, que, apesar das fracturas não permitirem uma leitura completa da organização, parecem corresponder aos motivos zigzagueantes tradicionalmente interpretados como representando as “pinturas ou tatuagens faciais da Deusa Mãe”. Estes fragmentos são todos provenientes da Sondagem 2, da Fase 2 e dos depósitos revolvidos superiores. Como caso único surge um fragmento de bojo com impressões de sementes de cevada no interior (Cf. ponto 18). A sua integração como motivo decorativo poderá ser questionável, podendo apenas corresponder a elementos integrados na pasta com uma função técnica. Mas uma eventual intenção decorativa não deverá ser descartada. Por último, foram recolhidos 8 fragmentos almagrados, cobrindo as várias sondagens e as várias fases definidas. A sua referenciação como cerâmicas decoradas é, contudo, questionável

Figura 8-1 Recipientes cerâmicos da Fase 1: taças carenadas e recipientes fechados com pegas mamilares.

ção exclusivamente pelo interior com decoração incisa e se considerarmos a cerâmica almagrada e as impressões vegetais. Em igual número surgem recipientes com almagre interno e externo. Assim, como principais linhas de força, verifica-se o carácter vestigial da decoração, que, ainda assim, decresce da Fase 1 para a Fase 2. As aplicações plásticas predominam na Fase 1, embora se prolonguem pela Fase 2; as impressas e incisas apresentam-se equivalentes entre as duas fases; a decoração simbólica está ausente na Fase 1.

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Memórias d’Odiana R 2ª série

(pelo que não estão incluídos no quadro 1), embora alguns autores a consideram como tal (enquanto outros consideram tratar-se sobretudo de um procedimento técnico). Relativamente à localização das decorações, devido à grande fragmentação dos fragmentos decorados, optou-se por apenas considerar a sua localização em termos de interior/exterior dos recipientes, não se considerando o carácter mais ou menos abrangente. Assim, verificou-se que a totalidade dos fragmentos apresentam a decoração no exterior, existindo 6 com decora-

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Figura 8-2 – Recipientes cerâmicos da Fase 1. 3 a 6 decorações denteadas; 10 e 12 decorações impressas; 5, 6 e 11 decorações plásticas; 4, 7,8 e 9 decorações incisas.

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OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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)LJXUD²5HFLSLHQWHVFHUkPLFRVSUDWRVHÀQDOGD)DVHUHVWDQWHVGD)DVH

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Figura 8-4 – Recipientes cerâmicos da Fase 2. 4 com decoração incisa interna; 3 com acabamento almagrado.

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Memórias d’Odiana R 2ª série

139 )LJXUD²&HUkPLFDVGD)DVHHFRDGRUHVHVXSRUWHGLVFRERMRFRPLPSUHVV}HV de sementes de cevada; 8. bordo denteado; 9. decoração plástica; 10, 11, 12, 13 e 16 decorações incisas; 14 e 15. decoração “simbólica”.

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Figura 8-6 – Recipientes cerâmicos da Fase 3: 2, 3, 5 e 6 provenientes da UE13, depósito da fossa onde se recolheram ossos humanos.

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Vários outros materiais cerâmicos foram registados. Cinco fragmentos de colheres, estando presentes dois fragmentos de cabos alongados, um cabo desenvolvido com arranque da pá (aparentemente de concavidade profunda), um fragmento de pá ovalada ou elipsoidal com cabo arredondado pouco saliente (apenas sugerido) e um fragmento de pá de concavidade acentuada e arranque de cabo. Relativamente aos cinchos/coadores, foi recolhido um número total de sete peças individualizáveis, seis provenientes da Sondagem 2 e um da Sondagem 3. Na Sondagem 2, ocorrem logo desde o início da sequência estratigráfica, com dois registos na Fase 1, estando presentes até ao final do processo de sedimentação. Na Sondagem 3, o único exemplar corresponde à Fase 1. Do ponto de vista das morfologias, numa análise sumária é possível considerar três grupos: R Morfologia de tendência cilíndrica com paredes multiperfuradas, provavelmente correspondendo a peças de dupla abertura, características normalmente associadas à produção de queijo (três exemplares). R Morfologias de tendência globular ou esférica, com paredes multiperfuradas, possivelmente com base convexa (perfurada ou não). Esta morfologia adapta-se mais a funções de coador ou incenerador do que à produção de queijo (dois exemplares). R Morfologias de tipo taça rasa ou colherão com pega, multiperfuradas no fundo, cuja funcionalidade se adapta à de coadores (dois exemplares).

Foram registados dois fragmentos de asa, ambos provenientes dos níveis mais profundos da Sondagem 2 (UE 76 e UE 83), correspondentes à Fase 1. As asas são extremamente raras em contextos da 2ª metade do IV e III milénio. Contudo, alguns casos são conhecidos, como no povoado do Torrão (Lago, informação pessoal) ou na Foz do Enxoé (Diniz, 1999). Ainda em cerâmica surgiram dois pequenos discos (Fase 2), elaborados sobre fragmentos de bojo, desbastados e polidos na zona de fractura, de forma a tomarem uma configuração discoidal. Estas peças, cuja funcionalidade é desconhecida apesar das sugestões feitas por alguns autores, nomeadamente de que poderiam tratar-se de peças de jogo ou elementos compósitos de adereços, encontram paralelos locais em peças recolhidas à superfície no Povoado dos Perdigões (Valera, 1998a: 100), no Povoado do Monte do Tosco 1 (Valera, 1999b) e na Anta 1 de Vale Carneiro (Leisner e Leisner, 1985: est.XII). Finalmente, destaque para um “vaso suporte” de corpo subcilíndrico, com ligeiro estrangulamento a meio, recolhido nos depósitos superiores revolvidos da Sondagem 2.

8.1.1.6. Nota sobre o equipamento cerâmico da ocupação plena do Moinho de Valadares 1

Para a fase plena de vida do sítio, os conjuntos artefactuais registados apontam para um momento de formação do Calcolítico do sudoeste. Tradicionalmente valorizada na abordagem da transição Neolítico Final/Calcolítico, a relação entre taça carenada/recipientes mamilados e os pratos vem confirmar a inadequação da perspectiva que apresentava esta relação como uma substituição abrupta, evidenciando antes,

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8.1.1.5. Coadores, colheres, suportes e discos cerâmicos

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em contextos de convivência destas morfologias, uma situação de substituição progressiva em termos de representatividade relativa. No contexto da transição Neolítico Final / Calcolítico, ao primeiro fazem-se corresponder contextos onde a taça carenada, associada aos recipientes globulares com pegas ou mamilos, estaria sempre bem representada, sendo os pratos ausentes ou vestigiais (o de bordo almendrado estaria sempre ausente). Este momento estaria representado na fase IIa de Papa Uvas, datado pelo radiocarbono do intervalo de 3938-3356 cal AC (Martín de la Cruz, 1986b), no Torrão (Lago e Albergaria, 2001), na Igreja Velha de S. Jorge de Serpa, datado do intervalo de 3376-3034 (Soares, 1996), Marco dos Albardeiros (Soares e Silva, 1992), Torre do Esporão (Gonçalves, 1990-91; Gonçalves e Sousa, 1997), Fosso 1 do Porto Torrão (Valera e Filipe, 2004) ou na Foz do Enxoé (Diniz, 1999). Com o arranque do Calcolítico observar-se-á uma significativa redução das taças carenadas e recipientes mamilados e uma ascenção dos pratos (com o aparecimento do bordo almendrado). Esta fase estará documentada na fase IV de Papa Uvas, datada por três datas do intervalo de 3364 – 2879 e por uma data com o intervalo 2875 – 2492 (Martín de la Cruz, 1986b), na fase 1 do Monte da Tumba, com várias datações entre 3655 - 2665 (Silva e Soares, 1987; Soares e Cabral, 1987), na Sala nº 1, datada de 3502 – 2910 (Gonçalves, 1987), Torre do Esporão (Gonçalves, 199091) ou Perdigões (Valera, 1998a), contextos onde se pode observar a associação de elementos definidores do Neolítico Final e Calcolítico Pleno do Sudoeste. Num momento já pleno do Calcolítico, o prato dominaria, com grande variedade de morfologias de bordo, sendo a taça carenada inexistente ou reduzida a uma expressão míni-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

ma, situação que se verifica em Santa Vitória (Dias, 1996), Fase 1 do Monte do Tosco (Cf. ponto 8.1.3), Três Moinhos (Soares, 1992), Moncarxa (Soares e Silva, 1992), Cerros Verdes 3 (Lago, 1998), Fosso 2 do Porto Torrão (Valera e Filipe, 2004) ou Estrutura 2 do Monte Novo dos Albardeiros, datado de 2886 – 2460 (Gonçalves, 1994). Neste esquema, de estrutura essencialmente histórico-culturalista, que assume que a relação de determinadas morfologias e categorias artefactuais pode expressar uma cronologia passível de ser reconhecida e utilizada para uma ancoragem de sítios e respectivas ocupações/ utilizações no tempo linear (ainda que de forma pouco precisa), os conjuntos cerâmicos proporcionados pela ocupação plena do Moinho de Valadares sugerem que o sítio terá tido origem num momento de transição ou, segundo a terminologia de alguns autores, num momento inicial de formação do Calcolítico do Sudoeste (Gonzalez Cordero, 1993). Podemos, assim, assumir uma cronologia possivelmente ainda da segunda metade do 4º milénio AC para a instalação de comunidades humanas no Moinho de Valadares (Fase 1), tendo-se a ocupação plena prolongado pela primeira metade/terceiro quartel do 3º milénio AC (Fase 2), para a qual existem contextos datados pelo radiocarbono (Cf. ponto 3.2.5).

8.1.2. O equipamento cerâmico do povoado do Mercador

Os materiais estudados são provenientes dos depósitos preservados dos Sectores 1 e 3 e dos depósitos de preenchimento das fossas pré-históricas escavadas em ambas as áreas. A sua apresentação é feita por sector, seguindo os respectivos faseamentos apresentados no ponto 4.

8.1.2.1. Recipientes do Sector 1

No Sector 1, a análise da sequência estratigráfica cruzada com o estudo da componente artefactual (nomeadamente dos recipientes cerâmicos), permitiu a definição de dois grandes momentos, registados como Fases 1 e 2. Por sua vez, na Fase 1, a partir das relações estratigráficas de sobreposição, definiram-se duas sub-fases (1a e 1b). A componente cerâmica dos depósitos da fase 1a (depósitos que se sobrepunham ao substrato xistoso - UEs 60 e 104 – ou preenchiam depressões nele escavadas – Ues 64 e 88) foi caracterizada a partir de uma amostra 172 recipientes que permitiram reconstituição gráfica, correspondente a 84,3% de um total de 204 bordos. Morfologicamente, este conjunto é dominado pelos pratos (quase que exclusivamente de bordo espessado internamente e biespessado, sendo os almendrados pouco representativos) com 34%, seguidos pelas taças (onde dominam as taças de bordo espessado) e potes globulares, respectivamente com 24% e 22%. Entre estes últimos, cerca de ¼ (8 exemplares) apresenta pegas mamilares (a que se poderão acrescentar

mais 5 bojos com aquele tipo de pegas). As tigelas também têm uma presença significativa (16%). As restantes morfologias apresentam uma representatividade pouco significativa ou são simplesmente vestigiais: esféricos com 1,7%, tipo saco com 1,2%, copos e colo cilíndrico estrangulado com 0,6% cada. De referir a presença de quatro fragmentos de carena, sem reconstituição de forma. Para a Fase 1b (depósitos UEs 59, 61 e 71 associados à grande estrutura circular definida pelo troço de muro UE 58 e que estratigraficamente são posteriores aos da Fase 1a) verifica-se, através da análise do Gráfico 8-4, um ligeiro aumento da representatividade dos pratos (passam para 40%) e uma descida da presença de tigelas (7%). Mas apesar destas alterações, a imagem global do comportamento estatístico das morfologias mantém-se, apresentando as taças (onde o domínio das de bordo espessado se acentua) e os potes globulares (onde cerca de ¼ mantém a presença de pegas mamilares a que se juntam mais 8 bojos) percentagens praticamente idênticas. Entre as presenças vestigiais, registem-se as taças carenadas e os esféricos (com 1,8%) e os tipo saco (com 0,6%).

*UiÀFR'LVWULEXLomRGRVWLSRVGHPRUIRORJLDVGHUHFLSLHQWHVFHUkPLFRV FRPSHUFHQWDJHQVVXSHULRUHVD  nas sub-fases 1a e 1b do Sector 1.

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Assim, se do ponto de vista estratigráfico estes dois momentos são perfeitamente diferenciáveis, em termos da componente cerâmica que os caracteriza (assim como de outras categorias artefactuais, como a presença exclusiva de pesos placa ou a ausência de evidências de metalurgia) revelam uma grande homogeneidade. Quanto às inúmeras fossas identificadas e escavadas neste sector, o seu enquadramento num faseamento do sector foi bastante dificultado pela ausência de relações estratigráficas físicas entre a maioria destas estruturas negativas e os depósitos e estruturas que possibilitaram a definição das sub-fases 1a e 1b (Cf. ponto 4.3.2). A sua integração no referido faseamento ficou, assim, dependente da informação proporcionada pelos materiais que cada uma continha. Contudo um número significativo de fossas forneceu conjuntos de materiais demasiado escassos para que a sua valoração estatística tivesse qualquer consistência. Deste modo, na tentativa de estabelecer uma relação entre as estruturas e depósitos de ocupação e as fossas/silo tomaram-se em conta as relações estratigráficas físicas existentes em 5 casos e os resultados da análise de materiais cerâmicos provenientes de fossas, sempre que o número de peças graficamente reconstituíveis apresentava um número superior a 25 e correspondia a uma percentagem de reconstituição superior 50% (15 casos). Relativamente às fossas que mantinham relações físicas com os depósitos ou estruturas verificou-se que as Fossas 19,50, 81 e 94 cortavam depósitos da Fase 1a, sendo-lhe posteriores. Quanto à Fossa 24, cortava depósitos e o muro UE 58 pertencentes à Fase 1b. Pelo seu posicionamento estratigráfico, revelava uma outra fase, mais recente (designada por Fase 2), mas o escasso número de materiais que forne-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

ceu não permitiu usá-la como termo de comparação para outras fossas. Quanto à análise morfológica dos fragmentos de recipientes cerâmicos provenientes das fossas que proporcionaram um número estatisticamente significativo (Gráfico 8-5), os seus resultados possibilitaram a diferenciação de dois conjuntos, os quais permitem correlacionar 11 fossas isoladas com o faseamento do sector. Comparando os dois grupos definidos, observa-se que o Grupo 2 apresenta um escalonamento globalmente bem definido e genericamente constante. Aí os pratos são quase sempre maioritários. As excepções são as Fossas 61 e 35 onde surgem em segundo lugar, mas com percentagens de cerca de 40%, muito próximas das taças que aí dominam. No conjunto, os pratos surgem sempre com percentagens entre os 39% e os 50%, sendo a excepção a Fossa 65, onde atingem os 72%. O comportamento estatístico das taças situa-se num patamar abaixo, entre os 22% e os 34%, sendo as excepções as duas fossas em que as taças ultrapassam ligeiramente os pratos acima dos 40% e também a Fossa 65, onde a subida percentual dos pratos corresponde uma abrupta baixa de representatividade das taças. No que respeita aos subtipos das taças, regista-se um claro predomínio das taças de bordo simples (75% entre o total de taças, contra 25% de taças de bordo espessado). Igualmente patamares abaixo e muito bem definidos, seguem-se as tigelas entre os 12% e os 19%, os potes globulares com ou sem pega entre os 0% e os 10% e os esféricos entre os 0% e os 4%. As taças carenadas são sempre ausentes ou vestigiais. Quanto ao Grupo 1, na generalidade, as morfologias mais significativas surgem com representatividades mais aproximadas entre si (situação de que é paradigma a Fossa 94 e à

*UiÀFR'LVWULEXLomRGRVWLSRVGHPRUIRORJLDVGHUHFLSLHQWHVFHUkPLFRV HVWDWLVWLFDPHQWHVLJQLÀFDWLYRV QDVIRVVDVGR6HFWRU TXHDSUHVHQWDPDPRVWUDVVXSHULRUHVDUHFLSLHQWHVUHFRQVWLWXtYHLVJUDÀFDPHQWHHSHUFHQWDJHQVGHUHFRQVWLWXLomRVXSHULRUHVD

As diferenças que se podem observar entre os dois grupos (estando na fronteira, as Fossas 50 e 54 foram integradas no 1º grupo respectivamente pela representatividade do tipo 7 – potes globulares na primeira e pela maior representatividade das taças de bordo espessado e taças carenadas na segunda) parecem poder ser assumidas como representando uma diferenciação cronológica entre respectivas fossas. Comparando os dois grupos de morfologias provenientes das fossas com os estabelecidos para os depósitos que definiram as fases 1 a e 1b deste sector, observa-se que o comportamento estatístico dos potes globulares é genericamente o mesmo nos depósitos e nas fossas do grupo 1, que as taças de bordo espessado se aproximam da alta percentagem que registam naqueles depósitos, que as percentagens de representatividade dos pratos (agora dominados pelo bordo simples, embora os espessados, com pouca frequência dos almendrados, também estejam bem representados), abaixo dos 40%, aproximam estes conjuntos, enquanto que nas fossas do grupo 2 os pratos apresentam per-

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Memórias d’Odiana R 2ª série

qual fogem apenas as Fossas 50 e 54). Observa-se que os pratos, com excepção da Fossa 54, surgem sempre com percentagens mais baixas que no grupo 2, onde são dominantes, sendo que em duas fossas (81 e 94) são respectivamente apenas a 4ª e a 3ª morfologia. Revelando um padrão de representatividade igualmente distinto, os potes globulares com ou sem pegas mamilares apresentam percentagens entre os 10% e 26%, contra os 0% a 10% verificados no grupo 1. Situação semelhante é igualmente registada nas tigelas, com percentagens sempre superiores às do grupo 2 (excepção feita às Fossas 50 e 54). Sublinhe-se ainda que na Fossa 81, onde os pratos apresentam a sua menor representatividade, as taças carenadas atingem a sua maior percentagem (22%). Por outro lado, se nas taças não há uma clara diferenciação estatísticas entre estes dois grupos, nos subtipos verifica-se que 42% correspondem a taças de bordo espessado no grupo 1 contra os 25% do grupo 2 e que, embora sempre com baixa representatividade, as taças carenadas têm maior incidência no grupo 1.

centagens globalmente acima dos 40%, o potes globulares nunca ultrapassam os 10% e as taças de bordo espessado apenas atingem os 25%. Assim, é possível propor uma associação das fossas do grupo 1 à Fase 1 da sequência estratigráfica do Sector 1 e, dentro desta, à sub-fase 1b, já que, das 6 fossas deste grupo, 4 cortam os depósitos da fase 1a (Fossas 19, 50, 81 e 94). Note-se ainda, que três destas fossas apresentam perfis pouco profundos e convexos (uma tipologia inexistentes nas fossas do grupo 2), que as restantes são também fossas pouco profundas e que, com a excepção da Fossa 64, todas se concentram na extremidade oeste do Sector 1, onde se localizam os depósitos da Fase 1. As fossas do grupo 2 corresponderão, por sua vez, à Fase 2 do Sector 1, sendo que, como se verá de seguida, as morfologias do seu equipamento cerâmico apresentam um comportamento estatisticamente idêntico ao registado no Sector 3. Quanto à decoração, é vestigial, tendo-se registado apenas dois exemplares, ambos da Fase 1b. Um corresponde a um pequeno vaso (tipo copo) apresentando um par de pequenos mamilos e um terceiro junto à fractura (possível segundo par). O outro é um esférico, apresentando uma canelura sob o bordo e, abaixo desta, elementos de organização decorativa simbólica: traços semi-circulares representando as designadas tatuagens faciais, encimadas por dois possíveis mamilos representando os olhos, os quais se destacaram da parede da peça, deixando as marcas da aplicação (Cf. Capítulo 14).

Memórias d’Odiana R 2ª série

146

8.1.2.2. Os recipientes do Sector 3

Provenientes da sequência estratigráfica registada no Sector 3 (Cf. ponto 4.3.3), foram contabilizados 714 bordos, dos quais 512 (71,7%) permitiram atribuição de forma. Ten-

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do em conta o número de recipientes reconstituídos graficamente por fase, a maioria provém das fases 1a (144) e 1b (209) deste sector, correspondentes respectivamente aos depósitos anteriores à construção da Cabana 1 e aos correlativos da sua ocupação. Nas fases seguintes o número de fragmentos com forma reconstituída diminui: 57 na fase 1c (ocupação da Cabana 2), 46 na fase 1d (ocupação dos espaço entre as duas cabanas) e 56 na fase 1e (derrubes no final da ocupação desta área do povoado. A redução observada nos depósitos de ocupação da Cabana 2 poderá ser justificada com o facto de apenas metade da área interna da cabana ter sido escavada e, mesmo essa, se encontrar afectada por perturbações históricas com uma abrangência significativa. Quanto à redução observada nas fases 1d e 1e, poderá ser eventualmente relacionada com uma diminuição da intensidade de ocupação, prévia, mas próxima, ao seu abandono como área residencial. Contudo, apesar desta redução da amostra em termos absolutos, verifica-se que a percentagem de fragmentos que permitem reconstituição gráfica é semelhante nas várias fases, variando entre os 66% e os 80%, centrando-se entre os 70% e os 76%. Da mesma forma, observa-se que o peso relativo das morfologias identificadas não apresenta variações significativas ao longo do faseamento proposto para a estratigrafia. De um modo geral (Gráfico 8-6), observa-se um predomínio dos pratos (onde os bordos simples, espessados internamente – poucos almendrados – e biespessados se equivalem), que apresentam uma percentagem média em torno aos 40%, seguidos pelas taças, cuja média ronda os 37%. Em termos de subtipos, verifica-se que os pratos de bordo espessado (internamente, externamente e biespessado) são claramente dominantes no conjunto dos pratos em prati-

camente em todas as fases (acima dos 70 %), apresentando uma representatividade equivalente com os pratos de bordo simples apenas na fase 1c (Cabana 2). Entre as taças regista-se um predomínio, também claro, do subtipo 2.1 (taças de bordo simples, com 73% no total das taças). Com uma representatividade semelhante ao longo da sequência estratigráfica (em torno aos 10%) estão as tigelas e os potes globulares (estes últimos com oscilações um pouco mais acentuadas). Os esféricos e um vaso de corpo subcilíndrico estrangulado têm uma presença vestigial. O último, associado à Fase 1b (UE384), evidencia uma decoração penteada em bandas, não sendo de excluir a possibilidade de ter um perfil acampanulado. É o único re-

cipiente decorado do recuperado em contexto preservado neste sector. Referência, contudo, para um fragmento de prato de bordo espessado com decoração com traços brunidos no interior proveniente dos depósitos revolvidos mais superficiais. Finalmente, referiram-se dois outros aspectos: o primeiro corresponde à quase ausência de recipientes com pegas mamilares (apenas dois recipientes tipo potes globulares e mais dois bojos); o segundo corresponde à igualmente escassa presença de carenas (8 fragmentos de bojo). Relativamente ao comportamento estatístico das cerâmicas provenientes das fossas 6, 7 e 8, as quais se encontram no interior da Cabana

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1, a cuja ocupação foram estratigraficamente associadas, verificam-se algumas diferenças na Fossa 6, onde as tigelas atingem maior representatividade, e na Fossa 8, onde os pratos apresentam uma percentagem mais baixa. Contudo, estas diferenças relativamente à imagem global proporcionada pelo Sector 3 pode ser explicada pelo número reduzido da amostra proporcionada por cada uma destas fossas (27 e 13 fragmentos), apesar das percentagens de reconstituição serem igualmente elevadas. Como que confirmando esta hipótese, observa-se na Fossa 7, que apresenta uma amostra superior, um comportamento estatístico semelhante, quer ao geral do Sector, quer ao da fase de ocupação da Cabana 1 (fase 1b). Comparando o comportamento estatístico das morfologias cerâmicas entre sectores, verifica-se que existe uma afinidade entre os resultados obtidos para a estratigrafia do Sector 3 e o segundo grupo de fossas definido no Sector 1 e um afastamento destes relativamente aos depósitos das fases 1a e 1b do Sector 1. Assim, e em síntese, integrando estes dados num faseamento global do povoado, onde se cruzam dados da estratigrafia e da análise de outros conjuntos artefactuais, conclui-se que uma primeira fase da ocupação do povoado do Mercador surge consubstanciada nas fases 1a e 1b do Sector 1, com uma componente artefactual cerâmica individualizável por um predomínio não muito acentuado dos pratos, presença significativa de taças de bordo espessado e de potes globulares com pegas mamilares e algumas taças carenadas (apesar de escassas). Noutras categorias artefactuais salienta-se a presença exclusiva de pesos placa e ausência de evidências de metalurgia e de metais. Num segundo momento, a ocupação residencial parece centrar-se na Sector 3, sendo abertos um conjunto de fossas / silo no Sector 1. As mor-

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fologias cerâmicas alteram-se, mas sobretudo ao nível da representatividade estatística dos diferentes tipos morfológicos, acentuando-se o predomínio do prato e das taças simples e reduzindo-se a representatividade das taças de bordo espessado e dos potes globulares com pegas. Nas restantes categorias artefactuais, as principais alterações consistem no aparecimento dos metais e da metalurgia e numa alteração radical na tipologia dos pesos, agora exclusivamente crescentes.

8.1.2.3. As cerâmicas decoradas

A decoração da cerâmica no Mercador é extremamente rara, resumindo-se a três fragmentos. Um corresponde a um pequeno vaso (copo ?) apresentando um par de pequenos mamilos e um terceiro junto à fractura (possível segundo par). Outro corresponde a esferóide, onde, abaixo de uma canelura sob o bordo, se observam traços semi-circulares, eventualmente representando as tatuagens faciais da iconografia mágico religiosa calcolítica, encimadas por dois possíveis mamilos representando os olhos, os quais se destacaram da parede da peça, deixando as marcas da aplicação. Trata-se de decorações conectáveis com o sagrado (Cf. ponto 14), provenientes do segundo momento de ocupação da Fase 1 (Sector 1). O terceiro recipiente decorado (fragmento de bordo e colo ligeiramente estrangulado, apresenta bandas penteadas ligeiramente onduladas paralelas ao bordo. Foi recolhido no Sector 3, nos depósitos que se formaram entre as duas cabanas. Trata-se de um motivo decorativo residual na região, surgindo num fragmento no Monte do Tosco 1, em dois fragmentos no povoado dos Perdigões, um fragmento no povoado do Moinho Novo de Baixo 1, no Alandroal (Calado,

2002), no vizinho povoado de San Blás (Hurtado, 2004), dois (um em cada fase) no Porto das Carretas (Silva e Soares, 2005) e outro no povoado do Pombal em Monforte (Boaventura, 2001). A sua raridade é contrastante com a vizinha região das Terras de Barros na Extremadura, onde este tipo de decorações ocorre com mais frequência (Las Cabrerizas II, Cerro de la Horca II, La Pijotilla), datadas da 1ª metade do 3º milénio AC (Hurtado e Amores, 1982; Hurtado, 1995a). Aí aparecem em clara associação

com as pastilhas repuxadas, decoração que do lado português apenas está referenciada nos Perdigões. De um modo geral, a presença de decorações penteadas na bacia do médio Guadiana tem sido interpretada como um influência estilística setentrional (Hurtado, 1995b, Valera, 1998), já que o Centro/Norte de Portugal e na Meseta Norte são áreas onde estas decorações são muito comuns, chegando mesmo a ser dominantes e com grandes percentagens no final do Calcolítico no Norte de Portugal e na Beira Alta (Valera, 1998a).

Figura 8-7 – Recipientes decorados do Mercador.

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Figura 8-8 – Pratos de bordo espessado.

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151 Figura 8-9 – Prato de bordo simples (1); tigela fechada (2); pratos de bordo espessado (3, 5 e 6) e taças de bordo espessado (4 e 7).

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Figura 8-10 – Taças de bordo espessado.

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Figura 8-11 – Taças carenadas.

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Figura 8-12 – Recipientes esféricos e de colo trococónico, com bordo simples ou espessado e com ou sem pega mamilar.

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Figura 8-13 – Pequena tigela (1); tigela com carena baixa saliente (2); copo troncocónico de base convexa (3); globular achatado (4); recipiente fundo de paredes rectas e bordo espessado (5); tigelas (6 a 8).

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As colheres registadas, num total de seis exemplares, foram todas recolhidas no Sector 1: duas provenientes de um depósito da Fase 1a, outras duas de depósitos da Fase 1b, uma da Fossa 66 e outra de proveniência desconhecida. Apenas uma se encontrava inteira, sendo que nas restantes as pás não se apresentavam preservadas. Relativamente ao tamanho, estão presentes pequenas colheres que alcançam apenas os 7 cm de comprimento, assim como as colheres de média/grande dimensão, sugeridas pelos grandes cabos recolhidos (que, por si só, alcançam também os 7 cm de comprimento). Ao nível da morfologia, estão presentes as pequenas colheres de pá oval ou elipsoidal com cabo pontiagudo e pouco desenvolvido, onde a concavidade da pá é pouco profunda; colheres de cabo pouco desenvolvido com uma concavidade (pouco profunda) ao longo do seu comprimento; colheres de cabo desenvolvido em comprimento e largura (achatado), de ponta arredondada e nervura central. Quanto aos recipientes tradicionalmente designados como queijeiras, apenas se registram dois fragmentos de bojo com perfurações múltiplas que não permitem reconstituição de forma, um proveniente de níveis superficiais revolvidos e outro da Fase 1 a do Sector 3 (Fase 2 de ocupação do povoado). Ainda em cerâmica foram identificados dois fragmentos de bojo reaproveitados, de arestas intencionalmente boleadas, que sugerem uma forma circular e apresentam espessuras de cerca de 1,3 cm. Pelo seu tamanho (diâmetros mínimos de cerca de 6,3 cm), não se enquadram no conjunto de discos muitas vezes comparados às peças tipo “jogo de damas”. A sua funcionalidade não é facilmente demons-

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trável, sendo por vezes associados a jogos ou, os maiores, a tampas. Sendo peças com frequências baixas, ocorrem com alguma vulgaridade em contextos calcolíticos.

8.1.3. O equipamento cerâmico do Monte do Tosco 1

O conjunto de materiais estudados abrange os contextos preservados da Fase 1 de ocupação, nos Sectores 1, 2 e 4, e o contexto de reocupação da Fase 2 (Cabana 1 e depósitos associados, Sector 1). Acrescentaram-se ainda, ao conjunto artefactual associado à Cabana 1 alguns fragmentos de campaniformes registados nos depósitos de escorrência dos Sectores 2 e 4.

8.1.3.1. Recipientes da Fase 1

A Fase 1 de ocupação do Monte do Tosco 1, atribuível ao Calcolítico Pleno, foi identificada em todos os sectores intervencionados. Para a análise foram seleccionados os materiais provenientes das unidades representativas dessa fase nos Sectores 1, 2 e 4: UEs 7 e 30 do Sector 1; UEs 204, 206, 207 e 208 do Sector 2; UEs 422 e 425 da Fase 1a e 427, 423, 421, 420, 418 e 413 da Fase 1b do Sector 4. No total a mostra correspondia a 1001 fragmentos, dos quais 727 permitiram reconstituição gráfica total ou parcial e a respectiva classificação morfológica (73%). Globalmente, o conjunto é caracterizado por um predomínio claro das formas abertas e baixas, dominando as taças (38%), seguidas dos pratos (predomina o bordo simples, seguido do espessado, sendo o almendrado raro) e das tigelas com percentagens muito próximas (respectivamente 25% e 23%). As formas mais

)LJXUD²)UDJPHQWRGHREMHFWR cerâmico com caneluras raiadas e pequenas perfurações (1); base GHREMHFWRFHUkPLFRFRPSHUIXUDomR FHQWUDO  REMHFWRFHUkPLFR troncocónico sem fundo (vaso suporte ?) (3); colheres (4 e 5).

cerca de 50% são de bordo simples distribuindo-se os restantes pelas diversas morfologias de espessamento do bordo, com particular destaque para os espessados internamente (almendrados incluídos) e bi-espessados. Nas taças, 75% correspondem a taças simples, sendo as variantes com espessamento relativamente pouco representativas (percentagens abaixo dos 8%). As tigelas nota-se um predomínio das li-

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fechadas estão representadas pelos recipientes de tendência globular (11%) e esférica (2%). Com carácter vestigial (menos de 0,5%) surgem recipientes com colo alto ligeiramente estrangulado, recipientes de carena média/baixa e colo alto, tipo saco, um mini vaso e uma taça carenada. Em termos de subtipos das formas mais representativas, verifica-se que entre os pratos

*UiÀFR²'LVWULEXLomR dos tipos de morfologias dos recipientes da Fase 1.

*UiÀFR'LVWULEXLomR dos tipos de morfologias dos recipientes da Fase 1 por Sector.

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geiramente fechadas (60%) sobre as abertas de bordo simples. Nos globulares dominam as formas de bordo simples (81%) sobre as que apresentam colo. Quando analisado por sector (e dentro do Sector 4 pelas duas sub-fases definidas – Cf. ponto 5) o conjunto cerâmico não apresenta variações significativas, aparecendo os vários grupos tipológicos com representatividades muito semelhantes (Gráfico 8-9).

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A decoração é rara (7 casos). Domina a técnica da incisão com ou sem preenchimento a pasta branca e, num caso, a conjugação da incisão com a impressão. Quanto às organizações decorativas, apenas são perceptíveis em três casos: um bordo com incisões paralelas horizontais; um bordo com decoração penteada; um recipiente carenado decorado com triângulos preenchidos por impressões a punção a topo;. Os triângulos são obtidos

através do desenho de uma faixa central em zig-zag, definida por duas linhas quebradas incisas. Numa das extremidades a organização decorativa é terminada por uma linha incisa vertical, o que revela que a organização não cobria a totalidade do vaso. Esta decoração integra-se nas organizações globalmente designadas como cerâmica simbólica. Um outro fragmento apresenta triângulos incisos com

preenchimento a ponteado e decoração incisa pentada. Nos restantes casos, os elementos decorativos presentes correspondem a caneluras incisas, isoladas ou várias em paralelo, tanto com uma disposição horizontal como vertical. Em dois casos apresentam preenchimento a pasta branca. As caneluras incisas surgem igualmente num fundo (possível motivo raiado).

Figura 8-15 – Pratos de bordo simples e espessado.

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Figura 8-16 – Pratos de bordo simples e espessado (1 a 5); carena (6); pequena tigela (7); taças (8 e 9); vaso de paredes rectas e bordo exvertido.

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Figura 8-17 – Tigelas e taças.

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Figura 8-18 – Esféricos / globulares simples e achatados e tigela (4).

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Figura 8-19 – Vasos de carena média/baixa e colo alto (1 e 2); decoração com triângulos incisos preenchidos a ponteado (3); decoração simbólica abrangente (4) .

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8.1.3.2. Recipientes da Fase 2

Como anteriormente foi descrito (cf. ponto 5), a Fase 2 corresponde a uma reocupação tardia do sítio, num momento atribuível já Idade do Bronze, onde a ocupação se parece restringir ao topo do cabeço. Deste modo, os conjuntos artefactuais que resultam desta ocupação são provenientes, na sua esmagadora maioria, da Cabana 1 e depósitos associados do Sector 1, aos quais se juntam alguns fragmentos recolhidos em depósitos superficiais de escorrência do Sector 2 (igualmente na zona de topo do cabeço) e , também em contextos superficiais e de escorrência, quatro fragmentos campaniformes recolhidos abaixo na vertente, na plataforma do Sector 4. No total, e sem contabilizar os sete recipientes campaniformes recolhidos

*UiÀFR Distribuição dos tipos de morfologias dos recipientes da Fase 1 e da Fase 2.

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nos contextos de escorrências dos Sectores 2 e 4, contabilizaram-se 159 fragmentos, dos quais 114 permitiram classificação tipológica. Do ponto de vista tipológico, e quando se comparam os conjuntos cerâmicos da Fase 1 com o conjunto proporcionado pelo contexto da Cabana 1 e depósitos associados, verifica-se que, na globalidade, o fundo morfológico da fase calcolítica se mantém, sublinhando-se uma redução na representatividade de pratos (mantendo-se o predomínio do bordo simples) e taças, facto que se poderá ficar a dever ao reduzido número da amostra (Gráfico 8-10). A grande diferença é, sem dúvida, a presença de cerâmica campaniforme, ausente na Fase 1 de ocupação. Também ausentes na Fase 1, os grandes recipientes de colo estrangulado fazem o seu aparecimento, embora resumindo-se a três exemplares.

*UiÀFR Distribuição comparada dos tipos de morfologias dos recipientes da Fase 1, da UE26 e do interior da Cabana 1.

dem a pequenas taças em calote, muito finas e com bom acabamento. Trata-se de peças lisas iguais às taças em calote com decoração campaniforme que surgem no mesmo contexto, as quais foram, para efeitos de análise, contabilizadas como campaniformes. Como adiante se desenvolverá, é comum a presença de pequenas taças em calote lisas em contextos do campaniforme inciso de tipo Ciempozuelos. Assim, o que se verifica é que é o conjunto de recipientes do interior da cabana que, na sua globalidade, se afasta morfologicamente do fundo comum calcolítico. Os do depósito do exterior norte (UE26) não. Esta situação poderá sair reforçada se pensarmos que a ocupação do espaço interior da cabana e as fossas que ali foram abertas nos depósitos anteriores poderão ter remobilizado alguns materiais da ocupação mais antiga. OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Todavia, aprofundando a análise e distinguindo, na Fase 2, os materiais cerâmicos provenientes do interior da Cabana 1 dos materiais provenientes do depósito UE26, que lhe encostava pelo exterior norte, observa-se (Gráfico 8-11) que a representatividade morfológica da componente cerâmica do depósito exterior se aproxima bastante do aparelho morfológico da Fase 1 e que o conjunto proveniente do interior da Cabana 1 se afasta. De facto, no depósito exterior não foram recolhidos campaniformes, nem grandes vasos de colo estrangulado. Por outro lado, no conjunto do interior da cabana os pratos baixam ainda mais. As taças baixam igualmente de forma significativa. Ao nível deste tipo, as diferenças ainda são mais assinaláveis, uma vez que a maioria dos recipientes dos cerca de 20% com que esta morfologia está representada no interior da cabana correspon-

O estudo da cerâmica permite, assim, levantar a questão de se o depósito UE26 corresponderá efectivamente à Fase 2 de ocupação. O seu posicionamento estratigráfico, encostando pelo exterior ao muro da Cabana 1 até à sua segunda fiada de pedras, sugere que a sua formação é posterior à sua construção (Cf. Fig. 5-10) e que terá ocorrido ao longo da ocupação desta. Todavia, a parte escavada deste depósito foi bastante restrita. Do lado este não foi escavado, porque era sobreposto por um derrube de pedras não desmontado. Do lado oeste (sentido da erosão da vertente) esbatia-se até desaparecer. Para norte entrava pelo corte, pelo que apenas foi escavado no pequeno corredor formado entre o muro da Cabana 1 e o corte norte, numa área de 1x4 metros. Não é de excluir a possibilidade de, para a edificação da Cabana 1, sobretudo para a regularização de uma superfície ligeiramente inclinada, os depósitos anteriores tenham sido ligeiramente cortados no lado este do assentamento do muro. Nesta situação (que poderá ser futuramente confirmada com alargamentos da área escavada para norte) seria o muro a encostar a um interface de corte deste depósito e não o contrário. A ser assim, o depósito UE26 seria integrável ainda na fase calcolítica (Fase 1), o que estaria em concordância com a homogeneidade observada entre os respectivos conjuntos cerâmicos (diga-se que na UE26 não há, praticamente, outro tipo de materiais), enquanto que

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os contextos preservados da reocupação tardia se restringiriam ao interior da Cabana 1, revelando um significativo distanciamento morfológico e estilístico ao nível do aparelho cerâmico, dominado pela cerâmica campaniforme decorada e lisa, a que contextualmente se juntam outras diferenças ao nível da componente metalúrgica (Cf. ponto 13). 8.1.3.2.1. Os recipientes campaniformes

Na globalidade, foi registado um conjunto de fragmentos que permitiu individualizar um total de 40 recipientes campaniformes. A grande maioria é proveniente do contexto da Cabana 1 (Ambiente 1): fragmentos de 33 recipientes provêm desse contexto, tendo 28 sido registados nos solos de ocupação da cabana (UE 17) e 5 no depósito de derrubes que o cobria (UE 6); os restantes são provenientes de depósitos superficiais de escorrência do Sector 2 (fragmentos de 4 recipientes na UE 203) e do Sector 4 (fragmentos de três recipientes distribuídos pela superfície e UEs 402, 411 e 416). Trata-se de um conjunto que pelas morfologias, organizações e técnicas decorativas presentes, assim como pela sua associação a metais (nomeadamente a um punhal de lingueta – cf. ponto 13) e à produção metalúrgica, se integra plenamente no complexo de Ciempozuelos (Harrison, 1977).

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Quadro 8-2– Morfologias presentes entre os recipientes campaniformes reconstituíveis do Monte do Tosco 1.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Entre os 40 recipientes foi possível estimar uma atribuição morfológica a 21, estando presentes três tipos (vasos acampanulados, caçoilas e pequenas taças em calote) com uma representatividade estatística equivalente (Quadro 8-2). Uma ressalva é, contudo, necessária. Como se referirá a seguir, alguns recipientes acampanulados e uma caçoila apresentam-se lisos, tendo, devido à sua diferenciação morfológica,

sido contabilizados como recipientes campaniformes. Todavia, o mesmo procedimento não foi seguido para as taças em calote. No contexto da Cabana 1, nomeadamente na UE 17, são inúmeras as pequenas taças em calote lisas (Fig. 8-22). A sua não contabilização como recipientes campaniformes fica, naturalmente, a dever-se ao facto de corresponderem a uma morfologia simples de longa tradição, não apresentado aspectos morfológicos ou decora-

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Figura 8-21 – Cerâmicas lisas da Fase 2 (interior da Cabana 1).

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Figura 8-22 – Taças em calote lisas e com decoração campaniforme (interior da Cabana 1).

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Figura 8-23 – Cerâmica campaniforme incisa. Caçoilas e fundos. (2) níveis revolvidos do Sector 3; (8) níveis de escorrência do Sector 4. Restantes do interior da Cabana 1.

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Figura 8-24 – Cerâmica campaniforme incisa. (12) superfície do Sector 4; restantes do interior da Cabana 1.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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172 Figura 8-25 – Cerâmica campaniforme incisa e lisa. (2 e 3) níveis de escorrência do Sector 2; restantes do interior da Cabana 1.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

A – Organização à base de bandas de linhas incisas paralelas ao bordo, por vezes delimitadas por duas linhas paralelas unidas por pequenos traços perpendiculares (A4). B – Organização abrangente de tendência horizontal. É essencialmente caracterizada por bandas de finas linhas paralelas, intercalando

com uma ou mais linhas quebradas formadas por traços incisos diagonais, que por vezes chegam mesmo a cruzar-se ligeiramente. Ocorrem métopas de traços pendentes a partir do bordo (B6). Num caso (B13) abaixo da sequência de linhas horizontais e quebradas, sai, perpendicularmente, um triângulo preenchido sucessivamente por triângulos mais pequenos, com um eixo central marcado. Os triângulos pendentes distribuem-se aparentemente de forma regular pelo recipiente, tendo os seus vértices convergentes para a base. Nalgumas peças, pelo interior e junto ao bordo, podem ocorrer, em número variável, as referidas linhas quebradas zigzagueantes (B11 e B12). Alguns fragmentos apresentam preenchimento a pasta branca. É a organização mais comum. C – É composta por bandas de finas linhas paralelas delimitando uma faixa quebrada. Dois exemplares apresentam preenchimento a pasta branca. Numa situação (C1) a faixa é preenchida por traços, ficando os triângulos que se formam exteriormente em branco. Noutro caso (C2) verifica-se o inverso, ficando a faixa lisa e os triângulos preenchidos por traços. Estes contudo não seriam visíveis já que a área dos triângulos seria totalmente revestida a pasta branca. Esta peça, no interior junto ao bordo apresenta o mesmo tipo de faixa quebrada, mas preenchida internamente por traços como a de C1. D – Organização à base de linhas horizontais (nalguns casos com traços perpendiculares de permeio), intercalando com bandas recticuladas ou lisas e, num caso, com linhas quebradas (D7). Em duas situações ocorre o motivo de métopas de traços pendentes do bordo, que se verifica também na organização A. Da mesma forma, pode ocorrer a decoração interior junto ao bordo, composta por linhas quebradas, assim

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tivos que possibilitem a sua classificação como campaniformes. Contudo, como se verificou, a percentagem de taças em calote com decoração campaniforme é equivalente às duas restantes morfologias no contexto da Cabana 1, pelo que a associação contextual observada poderá justificar que se incluam as restantes taças em calote lisas no âmbito do “conjunto campaniforme” tal como se fez com os recipientes acampanulados e caçoila lisos. De facto, a presença de taças em calote lisas (por vezes com omphalos) é relativamente comum em associações artefactuias do complexo de Ciempozuelos. Deste modo, se integrarmos as pequenas taças em calote lisas da Cabana 1 na “associação campaniforme” desse contexto o número global de recipientes subiria consideravelmente e as taças em calote passariam a ser a morfologia mais representada (uma das características do complexo de Ciempozuelos – Harrison, 1977: 18, 61). Surgem ainda 3 fragmentos de fundo não relacionáveis com qualquer dos recipientes individualizados. Um desses fundos apresenta um pequeno omphalos. Dos 40 recipientes, 35 apresentam decoração, sendo 5 lisos (não contabilizando as taças em calote lisas). A técnica dominante é a incisão, sendo a impressão vestigial (punção a topo num recipiente). O recurso ao preenchimento ou revestimento a pasta branca é vulgar. Quanto às organizações decorativas, estas poderão ser sistematizadas em sete grupos:

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Figura 8-26 – Tabela das organizações decorativas dos campaniformes do Monte do Tosco 1.

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E – Corresponde a um fragmento decorado com bandas de traços incisos separadas por (pelo menos) uma banda preenchida por pontos impressos. F – Organização não identificável, devido ao reduzido tamanho do fragmento. Apresenta uma linha quebrada e uma banda de traços paralelos verticais. G – Corresponde à decoração dos fundos, podendo, portanto, estar correlacionada com uma ou mais das organizações anteriores. Trata-se de organizações em cruz, cujos braços são obtidos através de bandas de várias linhas incisas (num caso, um dos espaços intermédios é preenchido por pequenos traços perpendiculares). A cruz é envolvida por uma circunferência estabelecida por uma banda de linhas concêntricas. Num caso, o centro da cruz é marcado por um omphalos. Em alguns casos a decoração incisa ficaria totalmente tapada pela pasta branca, não se observando alguns dos elementos primários. É o caso do fragmento com triângulos preenchidos por traços (C2), em que estes depois de aplicada a pasta deixariam de ser ver, apresentando-se

a área dos triângulos completamente branca. Estes traços, mais do que elementos decorativos, funcionariam como técnica de preparação da superfície a preencher com pasta branca, para esta agarrar melhor, técnica utilizada noutros períodos com outros elementos primários e motivos (ex: o boquique).

'LVFRVHTXHLMHLUDV

Provenientes dos depósitos da Fase 1, foram recolhidos dois pequenos discos elaborados sobre fragmentos de bojo de recipientes cerâmicos No Sector 1 registaram-se vários fragmentos de queijeiras, correspondendo a um número mínimo de três peças. Duas surgem na UE 7, depósito da ocupação da Fase 1, e uma surge integrada no depósito de ocupação da Fase 2, no interior da Cabana 1.

8.1.4. O equipamento cerâmico de Julioa 4/ /Luz 20 No sítio de Julioa 4/Luz 20 a amostra cerâmica analisada permitiu a reconstituição morfológica, total ou parcial, de 282 recipientes. Verifica-se uma discrepância significativa

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Figura 8-27 4XHLMHLUDHFRQWDV "  em cerâmica.

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como o preenchimento a pasta branca. É a segunda organização mais comum.

*UiÀFR Morfologias dos recipientes cerâmicos da Julioa 4, Luz 20 e total das duas áreas (em %).

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entre o total de formas atribuídas na Julioa 4, apenas 43, relativamente às 239 provenientes de Luz 20. Note-se, contudo, que a área escavada na Julioa 4 foi superior à da Luz 20 e que nesta última área os depósitos que preenchiam as estruturas negativas ficaram por intervencionar. Na Luz 20, o aparelho cerâmico é dominado por taças, seguidas pelos potes globulares com e sem pegas mamilares, pratos (predomínio dos biespessados, seguidos dos espessados internamente – raros almendrados – e simples) e taças carenadas, todos com percentagens próximas. Tigelas esféricos e vasos tipo saco completam a variedade morfológica com um representatividade mais baixa (Gráfico 8-12). Em termos de subtipos, as taças de bordo espessado (no conjunto das suas variantes) predominam ligeiramente sobre as de bordo simples, o mesmo acontecendo com os pratos de bordo espessado. Já na Julioa 4, apesar da variabilidade morfológica ser a mesma, o predomínio de taças e pratos é bem mais evidente, reduzindo-se a OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

percentagem das taças carenadas e dos potes globulares para níveis semelhantes aos das tigelas e esféricos e continuando os recipientes tipo saco com uma presença vestigial. Numa análise do conjunto das morfologias registadas nas duas áreas, verifica-se que o comportamento estatístico global é muito semelhante ao que se regista na Luz 20, mantendo o conjunto da Julioa 4 as divergência que já apresentava relativamente àquela outra área. Tal poderá ficar a dever-se à diferença numérica da amostra de formas reconstituíveis entre os dois locais: sendo a amostra de Luz 20 quase seis vezes maior é natural que os resultados globais sejam próximos dos desta área. A decoração não foi registada em nenhum dos conjuntos cerâmicos. Quanto às diferenças no comportamento estatístico das morfologias dos recipientes entre as duas áreas, estas poderão ter várias leituras. Podem ficar a dever-se ao facto de a amostra de Julioa 4 ser bastantes reduzida; podem resultar do facto das áreas intervencionadas em Luz 20 serem mais reduzidas e os depósitos que

Figura 8-28 – Cerâmicas da Luz 20. Taça de bordo espessado internamente (1); recipientes globulares com pegas mamilares (4 e 5); taças carenadas (3, 6 e 7); colher (2).

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Figura 8-29 – Cerâmicas da Julioa 4. Pratos de bordo espessado (1 e 2); taças de bordo espessado (3, 4 e 6); taça carenada (5); pote globular/tipo saco com pega mamilar.

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8.1.5. O equipamento cerâmico dos Cerros Verdes 3 Os materiais cerâmicos da ocupação pré-histórica dos Cerros Verdes 3 apresentam problemas de contextualização, já descritos no ponto 6, que dificultam a sua avaliação. O único depósito conservado escavado, a UE17, forneceu apenas 13 formas reconstituíveis: três pratos (bordo simples e espessado), uma taça, oito tigelas e um recipiente acampanulado liso (note-se que neste depósito foi igualmente recolhida uma ponta de cobre). A presença de um campaniforme liso (associado à ponta metálica), a ausência de morfologias como taças carenadas ou potes globulares com pegas mamilares sugerem a existência de uma ocupação tardia, de transição para ou já dentro do 2º milénio AC.

Todavia, nos depósitos revolvidos, e misturados com materiais da ocupação romana, o panorama global é diferente: 17 pratos; 11 taças (3 com bordo espessado internamente); 15 taças carenadas (ou fragmentos de carenas); 13 tigelas; 4 esféricos; 3 potes globulares mamilados; dois recipientes de bordo espessado internamente; um recipientes de bordo invertido com furo de suspensão; 1 fragmento de bordo com decoração impressa. A este conjunto juntam-se alguns fragmentos de pesos placa e crescentes. Este grupo de materiais evidencia existência de uma ocupação mais antiga, com um conjunto de cerâmicas onde a taça carenada ainda se apresenta bem representada (ao nível dos pratos), lembrando os situações observadas na Julioa 4/Luz 20. Assim, e apesar do problemas de associação contextual e preservação registados, os materiais cerâmicos dos Cerros Verdes 3 apontam para a existência de pelo menos dois momentos distintos de ocupação, um que poderíamos referenciar num Calcolítico Inicial/Pleno e outro na transição/início da Idade do Bronze, associado a materiais conectáveis com o fenómeno campaniforme.

8.1.6. Nota à evolução morfológica dos recipientes cerâmicos ao longo do 3º milénio AC no norte da margem HVTXHUGDSRUWXJXHVDGR*XDGLDQD Em face do exposto e tomando na globalidade a produção cerâmica presente nos sítios intervencionados no âmbito do Bloco 5, verifica-se que esta se integra perfeitamente no quadro conhecido para os finais do 4º e 3º milénios AC no sudoeste Peninsular. Trata-se de um aparelho cerâmico que morfologicamente apresenta alguma monotonia, com predomínio cla-

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preenchiam as estruturas negativas não terem sido escavados; podem corresponder a diferenças funcionais entre as duas áreas; podem, finalmente, corresponder a diferenças cronológicas de ocupação dos dois espaços. A simultaneidade da redução de taças carenadas e potes globulares com ou sem pega com o aumento significativo da representatividade dos pratos poderá reforçar esta última hipótese. Lembre-se que essa tendência foi igualmente observada no vizinho povoado do Moinho de Valadares entre a Fase 1 e a Fase 2 (Cf. ponto 8.1.1). Contudo, o carácter bastante incompleto dos trabalhos até ao momento realizados na Luz 20 e o reduzido número da amostra de Julioa 4 aconselham a prudência na avaliação da diferenciação na representatividade estatística destas morfologias. Para além dos recipientes, registou-se ainda a presença de uma colher em cerâmica na Luz 20.

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Figura 8-30 – Pratos de bordo simples e espessado.

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Figura 8-31 – Taças e taças carenadas.

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)LJXUD*OREXODUHVHYDVRVWLSRVDFRFRPHVHPSHJDVPDPLODUHV

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Figura 8-33 – Taças de bordo espessado (1 a 3); tigelas (4 a 6); vaso acampanulado liso (7); bordo com decoração impressa (8).

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dŝƉŽϮ Taças

dŝƉŽϯ dĂĕĂƐĐĂƌĞŶĂĚĂƐ                dŝƉŽϰ Tigelas

dŝƉŽϱ ƐĨĠƌŝĐŽƐ dŝƉŽϲ ĐŚĂƚĂĚŽƐ dŝƉŽϳ Globulares

&ŽƌŵĂƐĂďĞƌƚĂƐ͕ŵƵŝƚŽƉŽƵĐŽƉƌŽĨƵŶĚĂƐ;/ƉϮϬͿ 1.1WƌĂƚŽƐĚĞďŽƌĚŽƐŝŵƉůĞƐ͗/ĂсϭϬϬĞ/ƉϮϬ 1.2WƌĂƚŽƐĚĞďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽŝŶƚĞƌŶĂŵĞŶƚĞ͗/ĂϭϬϬĞ/ƉϮϬ͘ϭ͘ϮĂͲďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽƐŝŵƉůĞƐ͖  ϭ͘ϮďďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽĂůŵĞŶĚƌĂĚŽ͘ ϭ͘ϯWƌĂƚŽƐĚĞďŽƌĚŽďŝͲĞƐƉĞƐƐĂĚŽ͗/ĂϭϬϬĞ/ƉϮϬ ϭ͘ϰWƌĂƚŽƐĚĞďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽĞdžƚĞƌŶĂŵĞŶƚĞ͗/ĂсϭϬϬĞ/ƉϮϬ ϭ͘ϲWƌĂƚŽĚĞďĂƐĞƉůĂŶĂ͗/ĂϭϬϬĞ/ƉϮϬ ϭ͘ϳWƌĂƚŽĚĞďŽƌĚŽŝŶǀĞƌƟĚŽ͗/ĂϭϬϬĞ/ƉϮϬ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐĂďĞƌƚŽƐŽƵůŝŐĞŝƌĂŵĞŶƚĞĨĞĐŚĂĚŽƐ͕ĚĞƉŽƵĐĂƉƌŽĨƵŶĚŝĚĂĚĞ;Ϯϭ/ƉϰϱͿ 2.1dĂĕĂƐĂďĞƌƚĂƐĚĞďŽƌĚŽƐŝŵƉůĞƐ͗/ĂсϭϬϬĞϮϭ/Ɖϰϱ 2.2dĂĕĂƐĂďĞƌƚĂƐĚĞďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽŝŶƚĞƌŶĂŵĞŶƚĞ͗/ĂϭϬϬĞϮϭ/Ɖϰϱ Ϯ͘ϯdĂĕĂƐĂďĞƌƚĂƐĚĞďŽƌĚŽďŝͲĞƐƉĞƐƐĂĚŽ͗/ĂϭϬϬĞϮϭ/Ɖϰϱ Ϯ͘ϰdĂĕĂƐĂďĞƌƚĂƐĚĞďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽĞdžƚĞƌŶĂŵĞŶƚĞ͗/ĂсϭϬϬĞϮϭ/Ɖϰϱ 2.5dĂĕĂƐĨĞĐŚĂĚĂƐ͗/ĂфϭϬϬĞϮϭ/Ɖϰϱ Ϯ͘ϲdĂĕĂƐĚĞďĂƐĞƉůĂŶĂ͗/ĂϭϬϬĞϮϭ/Ɖϰϱ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐƉŽƵĐŽƉƌŽĨƵŶĚŽƐ;ϭϬ/ƉϰϬͿ͕ĐŽŵƉŽƐƚŽƐƉŽƌƵŵĂďĂƐĞĞŵĐĂͲůŽƚĞĞƐĨĠƌŝĐĂŽƵĂƉůĂŶĂĚĂ ĞƉŽƌƵŵĐŽƌƉŽƚƌŽŶĐŽĐſŶŝĐŽ͕ƌŽŵďŽŝĚĂůŽƵŚŝƉĞƌͲďŽůŽŝĚĞ͘ ϯ͘ϭdĂĕĂƐĐĂƌĞŶĂĚĂƐĚĞĐŽƌƉŽƌŽŵďŽŝĚĂů ĂͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵƵŝƚŽďĂŝdžĂ;/ŚĐϮϱͿ ďͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂďĂŝdžĂ;Ϯϲф/ŚĐфϰϱͿ ĐͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵĠĚŝĂ;ϰϲф/ŚĐфϱϱͿ ĚͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂĂůƚĂ;ϱϲф/ŚĐфϳϱͿ ĞͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵƵŝƚŽĂůƚĂ;/ŚĐϳϲͿ ϯ͘ϮdĂĕĂƐĐĂƌĞŶĂĚĂƐĚĞĐŽƌƉŽƚƌŽŶĐŽĐſŶŝĐŽ ĂͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵƵŝƚŽďĂŝdžĂ;/ŚĐϮϱͿ ďͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂďĂŝdžĂ;Ϯϲф/ŚĐфϰϱͿ ĐͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵĠĚŝĂ;ϰϲф/ŚĐфϱϱͿ ĚͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂĂůƚĂ;ϱϲф/ŚĐфϳϱͿ ĞͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵƵŝƚŽĂůƚĂ;/ŚĐϳϲͿ ϯ͘ϯdĂĕĂƐĐĂƌĞŶĂĚĂƐĚĞĐŽƌƉŽŚŝƉĞƌďŽůſŝĚĞ ĂͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵƵŝƚŽďĂŝdžĂ;/ŚĐϮϱͿ ďͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂďĂŝdžĂ;Ϯϲф/ŚĐфϰϱͿ ĐͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵĠĚŝĂ;ϰϲф/ŚĐфϱϱͿ ĚͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂĂůƚĂ;ϱϲф/ŚĐфϳϱͿ ĞͿĐŽŵĐĂƌĞŶĂŵƵŝƚŽĂůƚĂ;/ŚĐϳϲͿ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐĂďĞƌƚŽƐŽƵĨĞĐŚĂĚŽƐ͕ĚĞĐŽŶĮŐƵƌĂĕƁĞƐăďĂƐĞĚĂĞƐĨĞƌĂĞĚĂĞůŝƉƐĞ ϰ͘ϭdŝŐĞůĂƐĂďĞƌƚĂƐƉŽƵĐŽƉƌŽĨƵŶĚĂƐͬƌĂƐĂƐ͗ϵϴ/ĂϭϬϬĞϰϲ/Ɖϲϵ ϰ͘ϮdŝŐĞůĂƐĨƵŶĚĂƐ͗ϵϳ/ĂϭϬϬĞ/ƉϳϬ ϰ͘ϯdŝŐĞůĂƐĨĞĐŚĂĚĂƐ͗ϵϬ/ĂфϵϳĞϱϱ/Ɖϲϴ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐĚĞĐŽƌƉŽĞƐĨĠƌŝĐŽ͕ĐŽŵşŶĚŝĐĞƐƐƵƉĞƌŝŽƌĞƐĂϰ͘ϯ 5.1^ŝŵƉůĞƐ ϱ͘ϯŽŵĐŽůŽŽƵĞƐďŽĕŽĚĞĐŽůŽ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐĨĞĐŚĂĚŽƐĐŽŵŵŽƌĨŽůŽŐŝĂƐăďĂƐĞĚĂĞůŝƉƐĞ ϲ͘ϭ^ŝŵƉůĞƐ ϲ͘ϮĞĐŽůŽĞƐďŽĕĂĚŽ sĂƐŽƐĚĞĐŽƌƉŽŐůŽďƵůĂƌ͕ĐŽŵŽƵƐĞŵĐŽůŽ͘KƐƌĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐƐĞŵĐŽůŽĂƉƌĞͲƐĞŶƚĂŵ͕ƉŽƌǀĞnjĞƐ͕ ƉĞŐĂƐĚĞŽƌĞůŚĂƐͬŵĂŵŝůĂƌĞƐ ϳ͘ϭ^ŝŵƉůĞƐ

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dŝƉŽϭ Pratos

dŝƉŽϴ dŝƉŽ^ĂĐŽ dŝƉŽϵ sĂƐŽĚĞĐĂƌĞŶĂ média/alta dŝƉŽϭϬ dŝŐĞůĂĚĞĐĂƌĞŶĂ média/baixa

dŝƉŽϭϮ “Copos” dŝƉŽϭϯ Vasos de ƉĂƌĞĚĞƐƌĞĐƚĂƐ dŝƉŽϭϱ Mini-vasos dŝƉŽϭϳ Vasos ĐĂŵƉĂŶŝĨŽƌŵĞƐ

dŝƉŽϭϴ Vasos suportes dŝƉŽϮϭ Tambor

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ϳ͘ϮĞďŽĐĂĂĐŚĂƚĂĚĂĞďŽƌĚŽĞƐƉĞƐƐĂĚŽ ϳ͘ϯĞĐŽůŽ sĂƐŽƐƟƉŽƐĂĐŽ͕ĚĞĐŽƌƉŽƐƵƉĞƌŝŽƌƚƌŽŶĐŽĐſŶŝĐŽ;ƉĂƌĞĚĞƐƌĞĞŶƚƌĂŶƚĞƐͿ 8.1 Tipo saco 8.2^ŽďƌĞƵŵĂďĂƐĞŚĞŵŝĞůŝƉƐŽŝĚĂůĚĞƚĞŶĚġŶĐŝĂĂƉůĂŶĂĚĂ͘ ĞďĂƐĞƉƌŽǀĂǀĞůŵĞŶƚĞĞŵĐĂůŽƚĞĞƐĨĠƌŝĐĂ͕ƐĞƉĂƌĂĚĂĚĞƵŵĐŽƌƉŽƚƌŽŶĐŽͲĐſŶŝĐŽƉŽƌƵŵĂĐĂƌĞŶĂ͕ ĚĞůŽĐĂůŝnjĂĕĆŽŵĠĚŝĂĂůƚĂ͘ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞĚĞĨƵŶĚŽĞŵĐĂůŽƚĞ͕ƐĞƉĂƌĂĚŽĚĞƵŵĐŽƌƉŽƚƌŽŶĐŽĐſŶŝĐŽƉŽƌƵŵĂĐĂƌĞŶĂ͕ĚĞůŽĐĂůŝnjĂĕĆŽ ŵĠĚŝĂͬďĂŝdžĂ͘ŝƐƟŶŐƵĞŵͲƐĞĐůĂƌĂŵĞŶƚĞĚĂƐƚĂͲĕĂƐĐĂƌĞŶĂĚĂƐƉĞůŽƐĞƵŵĂŝŽƌşŶĚŝĐĞĚĞƉƌŽĨƵŶĚŝĚĂĚĞ ;/ƉхϰϬͿ ϭϬ͘ϭZĞĐŝƉŝĞŶƚĞĚĞĐĂƌĞŶĂŵĠĚŝĂ ϭϬ͘ϮZĞĐŝƉŝĞŶƚĞĚĞĐĂƌĞŶĂďĂŝdžĂ ͞ŽƉŽƐ͟ƚƌŽŶĐŽĐſŶŝĐŽƐŽƵĐŝůşŶĚƌŝĐŽƐĞďĂƐĞĂƉůĂŶĂĚĂŽƵůŝŐĞŝƌĂŵĞŶƚĞĐŽŶǀĞdžĂ͘ sĂƐŽƐĚĞĐŽƌƉŽĐŝůşŶĚƌŝĐŽŽƵƐƵďĐŝůşŶĚƌŝĐŽ ϭϯ͘ϭŽŵůĄďŝŽĞdžǀĞƌƟĚŽ ϭϯ͘ϮŽŵůĄďŝŽĞĐŽƌƉŽĐŝůşŶĚƌŝĐŽ sĂƐŽƐĐƵũĂĚŝĨĞƌĞŶĐŝĂĕĆŽƐĞďĂƐĞŝĂĞƐƐĞŶĐŝĂůŵĞŶƚĞŶŽƚĂŵĂŶŚŽĞŶĆŽŶĂĨŽƌŵĂ͘ ƐŵŽƌĨŽůŽŐŝĂƐƐĆŽǀĂƌŝĂĚĂƐ͘sŽůƵŵĞϱϬ͘ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞƐƋƵĞƐĞĚŝƐƟŶŐƵĞŵƉĞůĂƐƵĂĐŽŶĮŐƵƌĂĕĆŽĂĐĂŵƉĂŶĂĚĂĞƋƵĞƌĞĐĞďĞƌĂŵŽƵŶĆŽĚĞĐŽƌĂĕĆŽ ƚƌĂĚŝĐŝŽŶĂůŵĞŶƚĞĂƐƐŽĐŝĂĚĂĂŽĨĞͲŶſŵĞŶŽĐĂŵƉĂŶŝĨŽƌŵĞŽƵŽƵƚƌĂƐŵŽƌĨŽůŽŐŝĂƐĐŽŵĚĞĐŽƌĂĕĆŽ ĐĂŵƉĂŶŝĨŽƌŵĞ͘ ϭϳ͘ϭdĂĕĂƐĞŵĐĂůŽƚĞ ϭϳ͘ϮĂĕŽŝůĂƐ ϭϳ͘ϯĐĂŵƉĂŶƵůĂĚŽƐ KďũĞĐƚŽƐĐĞƌąŵŝĐŽƐƚƵďƵůĂƌĞƐ͕ĐŝůşŶĚƌŝĐŽƐŽƵƐƵďĐŝůşŶĚƌŝĐŽƐ;ĐŽŵĞƐƚƌĂŶŐƵůĂŵĞŶƚŽĂŵĞŝŽͿ͘ ĚĞŶŽŵŝŶĂĕĆŽŝŵƉůŝĐĂũĄƵŵĐƌŝƚĠƌŝŽĚĞĨƵŶĐŝŽŶĂůŝĚĂĚĞ͕ƋƵĞůŚĞĠƚƌĂĚŝĐŝŽŶĂůŵĞŶƚĞĂƚƌŝďƵşĚŽ͘ ZĞĐŝƉŝĞŶƚĞĐŽŵďŽƌĚŽƐŝŶǀĞƌƟĚŽƐ͘

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OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

igualmente a desaparecer. Uma datação de radiocarbono para esta segunda fase aponta para o 2º quartel do 3º milénio AC e outra para o último quartel, que, pelo posicionamento estratigráfico, poderá eventualmente marcar o fim desta ocupação. Na Julioa 4/Luz 20 verifica-se uma situação semelhante, mas com uma expressão horizontal em vez de vertical. Se na área de Luz 20, onde dominam as taças de bordo simples e espessado, se verifica que pratos, taças carenadas e globulares com ou sem pegas apresentam uma representatividade semelhante (entre os 15 e os 20%), já na área de Julioa 4 os pratos aproximam-se das taças com valores acima dos 30%, reduzindo-se as taças carenadas e os globulares para valores abaixo dos 10%. O significado desta variação é difícil de estabelecer com precisão pelas razões já aduzidas (Cf. ponto 8.1.4), mas uma das explicações possíveis pode passar pela diacronia da ocupação daquele espaço. Metais e metalurgia não foram registados, mas as limitações da intervenção na Luz 20 aconselham cautelas relativamente a este ponto. No Sector 1 do Mercador, que corresponderá à sua fase mais antiga de ocupação, os pratos dominam com percentagens entre os 30 e os 40%. As taças carenadas são vestigiais e as formas fechadas são claramente minoritárias, mas os globulares / tipo saco com pegas mamiladas atingem percentagens acima do 20%, ficando ao mesmo nível das taças simples e de bordo espessado. Num segundo momento de ocupação do sítio, que corresponde à ocupação do Sector 3 e à abertura de inúmeras fossas tipo silo no Sector 1, os pratos aumentam para percentagem entre os 40 e os 50% e as taças para perto dos 40%, enquanto as taças carenadas desaparecem totalmente e os globulares baixam genericamente para baixo dos 10%. Datações de radiocarbono para duas fossas apontam para

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ro das formas abertas e rasas, alguns recipientes de grandes dimensões para armazenamento e um raro recurso à decoração. Estamos, assim, perante uma produção cerâmica cuja concepção está profundamente enraizada e condicionada por uma tradição regional que se manifesta numa significativa padronização formal, onde não se detectam traços que apontem para significativas aportações estilísticas exteriores. Nota-se, contudo, uma evolução interna, já reconhecida noutros contextos regionais, tanto no território português como espanhol. Esta evolução, ao nível das morfologias, manifesta-se essencialmente na progressiva substituição das taças carenadas pelos pratos (onde os bordos almendrados nunca são muito significativos) e taças simples (progressiva redução também das taças de bordo espessado) e na redução das formas fechadas, nomeadamente dos potes globulares ou tipo saco com pegas mamilares. Localmente, esta evolução está bem documentada estratigraficamente no Moinho de Valadares 1 nas Fases 1 e 2. Na primeira fase predominam tigelas e globulares com ou sem pegas, tendo as taças carenadas representações entre os 10 e os 15%. Os pratos já ocorrem, mas com percentagens entre os 2 e os 8%. Na segunda Fase, e após um possível abandono temporário do sítio (Cf. ponto 3.2.2), observa-se uma significativa inversão da relação entre taças carenadas e pratos, passando as primeiras para percentagens abaixo dos 5% e subindo os segundos para percentagens em torno aos 23%. Assiste-se igualmente a uma redução das morfologias fechadas de tipo saco ou globular com pegas e a um aumento das taças (sobretudo de bordo simples). Neste sítio, esta alteração coincide com o aparecimento das primeiras evidências de metalurgia e da decoração simbólica, enquanto motivos decorativos da primeira fase (caso da decoração plástica e denteada) tendem

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a 2ª metade do 3º milénio para esta segunda Fase de ocupação. É também nesta segunda fase de ocupação que surgem as evidências de metalurgia e a presença de metais. Na primeira fase de ocupação do povoado do Monte do Tosco, dominam as taças (predominantemente de bordo simples) com cerca de 38%, seguidas dos pratos e tigelas com cerca de 25%. As taças carenadas estão ausentes e as formas fechadas são pouco representativas, atingindo os globulares uma vez mais percentagens em torno aos 10%. No que respeita à decoração, esta é sempre rara, com percentagens abaixo dos 0,5%. Na primeira fase do Moinho de Valadares ocorrem decorações impressas, incisas e plásticas que se reduzem na segunda fase, onde pela primeira vez se regista a decoração simbólica. Esta está igualmente presente no Mercador (ocupação do Sector 1) e no Monte do Tosco, onde surgem também raros fragmentos com decoração incisa. Entre estes destacam-se dois fragmentos (um no Mercador e outro no Monte do Tosco) com decoração incisa penteada. Esta será o único “toque” estilístico de expressão exterior ao círculo cultural local e regional presente no aparelho cerâmico destas comunidades. Presentes na zona de Badajoz e da alta Estremadura portuguesa, estas decorações são características do Centro/norte de Portugal e Meseta norte, sendo raras na região do Guadiana em estudo (presentes nos Perdigões, Moinho Novo de Baixo 1, Mercador Monte do Tosco e San Blás) e sempre com presença numérica frequentemente reduzida à unidade no caso dos sítios portugueses. Assim, na primeira ocupação do Moinho de Valadares, que se utilizarmos a datação mais antiga da Fase 2 como terminus ante quem corresponderá ao final do 4º / início do 3º milénio AC, os pratos já estão presentes, mas ainda de

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forma vestigial, tendo as taças carenadas e as formas fechadas uma importância significativa. No segundo quartel do 3º milénio esta situação está alterada e o prato e as taças (com uma grande variedade de soluções estilísticas para os bordos) dominam os aparelhos cerâmicos, reduzindo significativamente a representatividade das formas fechadas (concretamente de esféricos, globulares e tipo saco). Esta transição, que na segunda metade do milénio estará concluída com o total desaparecimento das taças carenadas e a redução da expressão das morfologias fechadas, não é abrupta e contextos como o Moinho de Valadares, Julioa 4/Luz 20 ou mesmo a primeira fase do Mercador parecem demonstrar o carácter gradual da evolução morfológica, cujos eventuais significados serão debatidos mais à frente. Será com o fenómeno campaniforme, no Porto das Carretas (2ª ocupação – Silva e Soares, 2002) e na 2ª fase do Monte do Tosco (e eventualmente nos Cerros Verdes 3), que se poderão observar mais algumas transformações nesta tradição de produção cerâmica, tanto ao nível morfológico como ao nível da exploração de matérias primas (como os estudos arqueométricos realizados sugerem – ver ponto 8.2). Nestes dois sítios, o campaniforme surge associado a reocupações com construção de cabanas circulares. No caso do Porto das Carretas, trata-se do estilo internacional que, para além da decoração, trás duas novas morfologias: o recipiente acampanulado e a caçoila. Não estão ainda disponíveis as informações relativas aos contextos em que estas cerâmicas aparecem, pelo que não sabemos qual a representatividade que as morfologias do fundo calcolítico mantêm, mas nota preliminar publicada refere que além do desaparecimento da taça carenada (exclusiva da primeira fase de ocupação do sítio) e do aparecimento dos campaniformes (exclusi-

8.2. Tecnologias de produção cerâmica e exploração de matérias primas nos Povoados do moinho de valadares 1 e monte do tosco 1 Mª Isabel Dias António Carlos Valera Mª Isabel Prudêncio Fernando Rocha

Tradicionalmente, o estudo das tecnologias de produção cerâmica tem sido feito a partir de análises macroscópicas ou do recurso a binoculares sobre as superfícies dos fragmentos cerâmicos. O advento das abordagens arqueo-

métricas, no sentido da aplicação de métodos físicos e químicos na resolução de problemas arqueológicos, que se verificou com a Nova Arqueologia, teria um primeiro impacto no estudo de cerâmicas antigas em Portugal durante a década de oitenta do século passado. Na altura, contudo, os estudos realizados centraram-se essencialmente em materiais e problemas relativos ao período romano, tendo-se realizado apenas um estudo sobre materiais pré-históricos, mais concretamente sobre os materiais campaniformes do povoado do Porto Torrão, em Ferreira do Alentejo (Cabral, et. al., 1988). A partir de meados da década de noventa, a constituição do núcleo de Património e Ciência no Instituto Tecnológico e Nuclear, a assinatura de um protocolo de colaboração entre aquela instituição e o Instituto Português de Arqueologia, no qual se procurava assegurar o desenvolvimento da componente de estudos arqueométricos associados aos projectos aprovados no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos, assim como uma cada vez maior receptividade do meio arqueológico português ao trabalho em equipa e à colaboração integrada com outras área do saber, permitiram um salto significativo no número e na qualidade dos projectos que integravam estudos arqueométricos de cerâmicas. Com estes desenvolvimentos, os estudos relativos a materiais e problemáticas da Pré-História Recente ganharam, pela primeira vez, significativo relevo, e através de um enquadramento das abordagens arqueométricas na própria concepção dos projectos, têm produzido resultados de grande interesse que ajudam a vencer pessimismos relativos ao interesse e potencialidades da aplicação destas metodologias de análise a cerâmicas pré-históricas. Dois projectos, já com várias publicações e apresentações em congressos, têm vindo a destacar-se: um relativo a uma rede de povoamento na Beira

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

189

Memórias d’Odiana R 2ª série

vos da segunda) “o repertório cerâmico não sofre grandes variações em termos qualitativos ao longo da sequência estratigráfica” (Idem). Já no Monte do Tosco estamos perante um conjunto de campaniformes incisos de estilística Ciepozuelos. Para além do recipiente acampanulado surge também a caiçoila e, no mesmo contexto, grandes recipientes de colo estrangulado e provável base plana (surgiram fragmentos de uma grande base plana – Figura 8-21: 3), os quais se fazem acompanhar de morfologias comuns, que se mantêm: pratos, embora de forma pouco representativa, assim como as taças, tigelas e recipientes esféricos globulares. Na reocupação tardia do Moinho de Valadares, provavelmente de carácter funerário, atribuível ao terceiro quartel do 2º milénio AC, estão já presentes novas morfologias características da Idade do Bronze: caso de uma taça tipo Atalaia, taças de carena média e baixa, potes de base plana. A natureza do contexto e as perturbações a que foi sujeito não permitem, contudo, avaliar eventuais prolongamentos de morfologias tradicionais.

Memórias d’Odiana R 2ª série

190

Alta, onde materiais de quatro povoados do 3º milénio AC e de barreiros locais têm vindo a ser estudados (Dias, et. al. 2000; Dias, et. al. 2002; Dias, et. al. no prelo); outro relativo ao povoado dos Perdigões (Dias, et. al. 2005) e que, dada a proximidade e importância que aquele povoado tem relativamente à área aqui em estudo, será aqui utilizado como termo de comparação. Neste contexto, os estudos arqueométricos de cerâmicas foram desde o início integrados no projecto pensado para o Bloco 5, tendo-se definido um questionário relevante, apurado ao longo do processo, que orientou a investigação neste particular. Assim, como objectivos genéricos estabeleceu-se: a caracterização das tecnologias de produção cerâmica entre os finais do 4º e inícios do 2º milénio AC na área em estudo; a identificação de fontes de matéria prima e caracterização das estratégias de exploração dos recursos; a determinação de continuidades e descontinuidades tecnológicas entre os diferentes sítios e os diferentes períodos identificados; a inferência de importações ou produções locais de arquétipos supra-regionais, com particular destaque para as problemáticas em torno do fenómeno campaniforme. Na impossibilidade, por restrições financeiras, de proceder ao estudo de conjuntos de amostras de todos os povoados estudados, optou-se por seleccionar dois conjuntos de materiais do Moinho de Valadares 1 e Monte do Tosco 1, uma vez que juntos apresentavam estratigrafias que cobriam toda a sequência cronológica dos finais do 4ª à primeira metade do 2º milénio AC, assim como um conjunto de amostras de argilas locais, às quais se reuniram as amostras recolhidas para estudos similares realizados no âmbito dos projectos dos Blocos 9 e 10 da minimização de Alqueva e do projecto de investigação em curso no povoado dos Perdigões.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

8.2.1. Amostragem A amostragem efectuada teve como critérios base o respectivo contexto estratigráfico / cronologia e a tipologia associada, seleccionando-se apenas amostras de recipientes com reconstituição morfológica. No Moinho de Valadares amostraram-se cerâmicas representativas das várias tipologias identificadas, correspondendo, em termos do faseamento cronológico do sítio, a 42 % de cerâmicas do Neolítico Final – Calcolítico Inicial (Fase 1), 47 % do Calcolítico (Fase 2) e 11 % da Idade do Bronze (Fase 3) (Quadro 8-3). Para o Monte do Tosco 1, a amostragem das pastas cerâmicas incidiu nos dois grandes momentos de ocupação (50 % do Calcolítico - Fase 1; 50 % da Idade do Bronze – Fase 2) (Quadro 8-4). Para identificação de potenciais fontes de matérias-primas, procedeu-se a trabalho de campo na região, tendo-se amostrado os materiais argilosos derivados da alteração dos principais contextos geológicos regionais: quartzodioritos, dioritos e gabros associados, xistos com metabasitos, vulcanitos, xistos, doleritos (filoneanos), bem como argilas dos depósitos Terciários.

8.2.2. Métodos A composição química das cerâmicas e das argilas foi obtida pelo método instrumental de análise por activação neutrónica, utilizando-se o Reactor Português de Investigação (Sacavém) como fonte de neutrões. Os materiais de referência usados foram o GSD-9 (sedimento) e o GSS-1 (solo) do “Institute of Geophysical and Geochemical Prospecting”

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Quadro 8-3 – Cerâmicas do Moinho de Valadares seleccionadas para análises química e mineralógica

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

191

Memórias d’Odiana R 2ª série





Memórias d’Odiana R 2ª série

192

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(*) Caracterização química por Análise por Activação Neutrónica

(**) Caracterização mineralógica por Difracção de Raios-X

Quadro 8-4 - Cerâmicas do Monte do Tosco 1 seleccionadas para análises química e mineralógica.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

8.2.3. Materiais argilosos derivados da alteração dos principais contextos geológicos regionais Para a identificação de fontes de matéria-prima e a caracterização das estratégias de exploração dos recursos, efectuou-se trabalho de campo a nível local / regional, com a identificação e amostragem de materiais argilosos derivados da alteração dos principais contextos geológicos regionais: quartzodioritos, dioritos e gabros associados, xistos com metabasitos, vulcanitos, xistos, doleritos (filoneanos), e argilas dos depósitos terciários. A análise estatística efectuada, tendo como variáveis os elementos químicos, revela dois grandes grupos de argilas: os derivados da alteração dos quartzodioritos (QD), dos dioritos e gabros associados (DG), dos vulcanitos (V) e dos xistos com metabasitos (XCM); e os derivados da alteração dos xistos e os dos depósitos de argilas terciárias (Gráficos 8-12 e 8-13). Como se pode observar no gráfico 8-13, é nítida a diferenciação de materiais, existindo por um lado materiais mais ácidos, associados às amostras de xistos (grupo 1) e mais básicos relacionados com as amostras de quartzodioritos, dioritos e gabros associados e xistos com metabasitos (grupo 2). Realce-se o caso das amostras do Paleogénico (grupo 3), mais carbonatadas e com teores mais baixos de Fe, Sc, Cr, Co e TR.

8.2.4. A Produção Cerâmica do Moinho de Valadares 1 A composição química das pastas de cerâmicas do Moinho de Valadares 1 permitiu diferenciar conjuntos de cerâmicas com particularidades específicas, evidenciados com a aplicação de métodos estatísticos e de relações entre elementos.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

193

Memórias d’Odiana R 2ª série

(IGGE). As amostras e os padrões foram irradiados com um fluxo de 4.4 x 1012 n cm-2 s-1 durante dois minutos (irradiação curta) e durante sete horas (irradiação longa). Esta análise permitiu a obtenção dos teores dos seguintes elementos maiores e traço: Na, K, Fe, Sc, Cr, Mn, Co, Zn, Ga, As, Br, Rb, Zr, Sb, Cs, Ba, La, Ce, Nd, Sm, Eu, Tb, Dy, Yb, Lu, Hf, Ta, W, Th, U. Detalhes relativos ao método encontram-se publicados em Prudêncio et al., 1986. Tendo como variáveis as concentrações obtidas para elementos químicos seleccionados (pouco alteráveis nos processos de manufactura, cozedura, uso e pós-deposicionais), utilizaram-se métodos de análise estatística multivariada, particularmente a análise factorial por componentes principais e a análise de grupos, recorrendo-se nesta última ao método hierárquico aglomerativo UPGMA (Unweighted pair-group average), usando como coeficiente de semelhança o coeficiente de correlação de Pearson ou a distância Euclideana, e ao método “K-means clustering”. O tratamento estatístico foi efectuado recorrendo-se ao programa Statistica (StatSoft, Inc., 2003; STATISTICA data analysis software system, version 6). A composição mineralógica de cerâmicas e argilas foi obtida por difracção de raios-X. A amostra total foi preparada como agregado não orientado, e a fracção 30%). La porosité est élevée. La granulométrie est continue avec une nette dominance des gros grains. Les minéraux dominants sont:

ŶǑůĂďŽ

Memórias d’Odiana R 2ª série

204

R Le quartz; R Le micas blanc muscovite, dont de nombreuses tablettes visibles en surface; R Des grains de feldspath potassique, de l´orthose. Les autres éléments sont accessoires. Quelques grains de chamotte. Les grains noirs visibles sur les cassures correspondent à des minéraux opaques (oxydes de fer ?). Des fragments végétaux calcinés sont observés en particulies une section transversale de tige dans lequel se trouve de l’argile. Des rares fragments d’os de couleur rouge orangé sont disséminés dans la pâte. Du point de vue minéralogique et pétrographique, le type de roche à l’origine des éléments constituants la pâte correspond un granitoïde. On remarquera cependant l’absence apparente de plagioclase. On peut mettre en évidence la présence de filonets secondaires d’argile contenant de la biotite, sans doute correspondant au milieu d’enfouissement du tesson.

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1

Relatório preliminar entregue em Maio de 2004.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Tableau 8-6 - caractéristiques typologiques et techno-typologiques des vases campaniformes étudiés

L371 – MT2 La surface externe de la paroi a été lissée. Elle est de couleur marron foncé comme la surface interne également lissée. Le dégraissant est affleurant sur les deux faces. ur la cassure, on remarque une petite frange externe brune puis rossée puis beige avec des petite zones noires

restantes riches en matière organique surtout autour de certains grains. Le dégraissant est assez abondant. Les grains sont de granulométrie hétérogène avec une dominante de grains moyens. Il existe cependant quelques gros éléments. Le forme des grains est à tendance arrondie. Les principaux éléments figurés observés au microscope sont: R R R R R R

l’amphibole verte pléochroïque; une hornblende; du feldspath potassique; de l’orthose; des fragments de plagioclase; du quartz.

Les fragments de rochesvisibles sont constitués de schistes et de micaschistes. Les minéraux opaques, déjà visibles à la loupe binoculaire sont assez abondants. Les éléments accessoires sont la chamotte en faibles quantitté ainsi que quelques grains d’une amphibole incolore. On remarquera l’absence de micas. OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

Technique et matière décorative Une des caractérisques remarquables de ce tesson est la présence de décors incisés incrustés d’une matière blanche dont nous avons pu déterminé la nature, la lame mince ayant été réalisé perpendiculaire à deux incisions. Il s’avère que la matière blanche correspond à des fragments d’os broyés, fragments qui vraisemblablement fixé à l’aide d’un liant apparemment pas minéral et sans doute organique, ce qui reste à démontrer. On peut également remarquer la présence d’une fine couche d’argile entre la pâte elle-même et les incrustations. Il s’agit probablement d’un fin engobe qui a été mis avant la pose des incrustations.

Figure 8-57 - vue générale de la pâte. Sont visibles: le quartz, la muscovite la chamotte et quelques grains de feldspath. On remarquera la partie rougeâtre en haut à gauche qui FRUUHVSRQGjXQÀORQDUJLOHX[ secondaire (MT01, L370, LN/LP, largeur 3mm).

Figure 8-58 - section tranversale G·XQGpFRULQFLVp/HVLQFUXVWDWLRQV blanches correspondent à un remplisVDJHjO·DLGHG·RVEUR\pLVRWURSHHQ lumiére polarisée (MT01, L370; LN/LP, largeur 1.mm).

Figure 8-59 - section tranversale deux lignes de décor incisé. Comme sur les précédents, les incrustations EODQFKHVjEDVHG·RVEUR\pDSSDUDLVVHQW DLQVLTX·XQQLYHDXSOXVÀQ correspondant à un engobe posé sur la pâte plus grossière (MT01, L370, LN/LP, largeur 3 mm).

Memórias d’Odiana R 2ª série

206

Comme pour la précédente céramique, le protolithe correspond à une roche plutonique de type granitoïde. Toutefois, il se caractérise par la présence d’une amphibole verte. Enfin, on notera également des traces d’incrustations blanches dans les décors incisés. Ici encore, il s’agit probablement d’os. L372 – MT3 Le fragment étudié est petit. La couleur du tesson est orange que ce soit sur sa face exOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

terne qu’interne. Son âme est de couleur beige. Cependant, le tesson a été très abîmé par les pinces lors du prélèvement. Les franges orange brique sont assez développées avec une âme foncée, de couleur marron avec des grains noirs riches en matière organique. Le dégraissant est assez fin. Il est en quantité moyenne à peu abondant. La granulométrie est continue avec une majorité de grains anguleux. On relève la présence de quelques gros grains. Le dégraissant est constitué de grains

translucides, du quartz, ainsi que des grains blancs: des feldspaths. Ceux ci sont représentés d’une part par de l’orthose perthitique en quantité assez importante ainsi que des grains de plagioclase. Des cristaux de hornblende sont également présents mais en proportion moins importante que dans le précédent échantillon. A ces minéraux se rajoutent des fragments de schiste noir ainsi que des grains de chamotte rougeâtre déjà visibles à la loupe binoculaire. Des minéraux opaques ainsi que quelques tablettes de muscovite complètent le cortè minéralogique de cette pâte. Là encore, c’est une roche granitoïde riche en felspath potassique qui constitue le dégraissant de cette céramique, avec une proportion sans doute élevée de fer étant donnée sa couleur. Des incrustations blanches à beiges ont été observées dans les incisions du décors. Des traces de fragments d’os ont été mis en évidence par microscopie.

L373 – MT4 La surface externe du tesson est rainurée et de couleur marron foncé. La couleur interne est aussi de cette couleur. Cependant, sur la section du tesson, on peut remarquer la présence que ce soit à l’intérieur ou à l’intérieur de la paroi et sous cette couleur marron, d’une fine frange rouge délimitant une âme de couleur très foncée marron-noir. La pâte plus compacte que l’échantillon précédent (L372-MT3) avec porosité plus faible. Elle est três fortemente structurée, ce qui se traduit par une orientation préférentielle des minéraux et autres éléments figurés dans la pâte. La matrice argileuse est phylliteuse et polarise dans les teintes jaunes. Le dégraissant est abondant. Les grains sont de taille très variée avec une nette prédominance des gros grains. Les éléments qui composent le dégraissant sont les suivants: le feldspath potassique souvent en gros grain, le

Figure 8-60 - aspect générale de la pâte, on notera la présence de grains verts de hornblende (MT02, L371, LN/LP, largeur 3 mm).

Figure 8-61 - aspect générale de la pâte avec égalemant quelques grains de hornblende (MT03, L372, LP, largeur 3 mm).

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

207

Figure 8-62 - aspect générale de la pâte assez grossière et phylliteuse. Un fragment de grès ferrugineux est visible en haut à gauche (MT04, L372, LN/LP, largeur 3 mm).

Memórias d’Odiana R 2ª série

208

quartz, le plagioclase. Des fragments de roches: d’une part des fragments de granitoïdes associant les trois précédents minéraux et d’autre part, des fragments de grès ferrugineux, parfois en gros éléments qui apparaissent macroscopiquement en noir violacé. Les minéraux opaques sont assez abondants. La biotite est présente en faible quantité. Là encore pour cet échantillon, la composante granitoïde est marquée mais ici associée à une fraction d’origine sédimentaire constituée de grès ferrugineux. Il n’apparaît pas d’incrustation sur ce tesson. L374 – MT5 Le vase dont est issu le tesson est caractérisé par une pâte noire très homogène puisque sa couleur est la même que ce soit sur ses faces extérieure et intérieure que dans la masse. La porosité de la pâte est faible, sa structure est isotrope sans orientation préférentielle. Le dégraissant est peu abondant. Il est constitué en majorité de grains fins plutôt anguleux ainsi que de quelques gros grains à tendance arrondie. Les composants de ce dégraissant sont le quartz, dominant, la chamotte ainsi que des fragments de schiste noir et de grès. On notera dans ce cas, la dominance de la fraction d’origine sédimentaire dans la pâte. Quelques minéraux acessoires peuvent être

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

associés à des roches magmatiques bien qu’ils puissent être d’origine détritique vu leur faible abondance. Il s’agit de plagioclase et un trace de pyroxène dont la présence reste à confirmer. Les minéraux opaques sont également à signaler ainsi que des traces de végétaux calcinés. Un dépôt secondaire d’argile rouge et de concrétions foncées s’est fixé dans la porosité de la pâte. Il n’a pas été observé d’incrustation dans les motifs du décor. L375 – MT6 Ce tesson présente des faces abîmées (altération, utilisation ?). Sa couleur externe est orange, la face interne est beige. La cassure fait apparaître une âme gris-noir avec petits tâches noires, âme bordée de part et d’autre par une fine frange de couleur beige située directement sous la surface. Le dégraissant est peu abondant. Les grains sont en majorité fins, la granulométrie est continue des fractions fines, plutôt anguleuses aux moyennes avec une tendance arrondie pour les plus gros grains. Les éléments figurés sont le quartz, des fragments de grès dont certains ferrugineux. Quelques grains d’orthose perthitique et de grains de chamotte sont visibles. Les minéraux accessoires sont la muscovite, les minéraux opaques, l’épidote (pistachite), la tourmaline. Les tâches noires correspondent soit aux

L376 – MT7 La céramique possède une surface externe orange avec des incrustations blanches dans les décors incisés. Sa surface interne est beige clair. La section présente une âme gris-noir. Une fine frange beige est visible sur le côté interne, une orange sur le côté externe. La pâte se différence nettement de cell des autres céramiques. Elle est fine avec un dégraissant peu abondant et bien classé. Les grains sont à tendance arrondie. La porosité de la pâte est faible. A la loupe, on observe des fines couches d’oxydation en surface. Le dégraissant est largement dominé par le quartz. Quelques grains de chamotte sont mis en évidence. Des fragments de roches, schiste et grès, complète l’assemblage. La muscovite et des traces de végétaux calcinés développant une auréole noire sont visibles occasionnellement. Comme pour le premier tesson (L370 – MT01 – vase 749), la section de la lame mince permet d’observer en détail la technique décorative. La matière blanche est constitué d’os broyé lié avec une matière indéterminée, sans doute organique. L377 – MT8 Ce tesson est proche de l’échantillon L374 – MT5 par son aspect général: pâte noire à grise dans la masse et en surface. Le dégraissant assez abondant est composé de grains fins. Quelques gros fragments sont visibles à l’œil nu. La pâte est très compacte et isotrope. La porosité très faible. C’est le quartz qui est le principal minéral du dégraissant. Un feldspath potassique, de l’orthose en l’occurrence, est présente sous for-

me une forme perthitique. On notera la présence de quelques grains deplagioclase ainsi que de fragments de micaschistes. Les minéraux accessoires sont la muscovite et la tourmaline. A noter également la présence d’un grain automorphe de zircon ainsi qu’un grain de quartz présentant des inclusions aciculaires et en gerbe de rutile. Enfin, la présence d’incrustations blanches dans les incisions sont à relever avec également de l’os broyé comme matière blanche. L378 – MT9 Ce dernier tesson est de couleur orange clair mat. Cette couleur est surface externe et interne ainsi que sur l’ensemble de la section. Les surfaces extérieure et intérieure sont lissées mais les grains de dégraissant affleurent. La pâte est assez compacte à faible porosité. Le dégraissant est moyennement abondant. Il est composé de chamotte, de quartz, de grès, ferrugineux ou non, d’orthose perthitique, de plagioclase et de micaschiste. Les minéraux accessoires sont la hornblende verte, la muscovite et les minéraux opaques. Enfim, on relèvera la présence de quelques petits fragments d’os disséminés dans la pâte. Aucune incrustation blanche n’apparaît sur ce tesson.

*URXSHVGHFRPSRVLWLRQHWWHFKQRORJLH Les neuf échantillons étudiés montrent une certaine hétérogénéité dans la composition de leur dégraissant. Trois groupes peuvent être distinguês en fonction des éléments figurés. Le premier correspond aus trois tessons don’t le protolithe correspond à des roches granitoïdes plus ou moins riches en plagioclase ou en hornblende (MT01, MT02, MT03).

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

grès ferrugineux, soit aux traces de végétaux carbonisés en noir brillant. Aucune incrustation n’est visible.

Le second groupe est dominé par la chamotte associée à des éléments plutôt d’origine sédimentaire tels que des grès ou schistes (MT05, MT07). Enfin, dans le dernier groupe se trouvent les céramiques dont les pâtes mixtes rassemblent à la fois des éléments plutôt granitoïdes et des éléments sédimentaires (MT04, MT06, MT08 et MT09). Pour ce qui est des dégraissants ajoutés ou non, une grande partie des terres contiennent de la chamotte en proportions variables suivant les échantillons, ce qui correspond çà un dégraissant volontairement ajouté par l’Homme. Au point de vue cuisson, on peut voir que les conditions oxydo-réductrices sont variables suivant les échantillons. Une oxydation au moins en fin de cuisson donne une couleur rouge caractéristique ce qui est le cas pour les vases MT03, MT06 et MT07 alors que la couleur marron, brune ou grise est plutôt compatible avec une cuisson des vases en atmosphère réductrice.

Pour ce qui est des incrustations, nous avons pu mettre en évidence que la matière blanche est constitué d’os pilé lié vraisemblablement avec une matière organique. Etant donnée la differénce de couleur pour la céramique MT01 entre les fragments d’os contenu dans la pâte et donc ayant subi la cuisson du vase, ils sont alors nettement rouges, et ceux observés dans les incisions, ils sont alors parfaitement blancs et nets, il est probable que les incrustions ont été possées après cuisson. De plus, toujours pout le vase MT01, on aura mis en évidence la pose d’un engobe avant décor. Efin, on ne fait pas de corrélation entre la couleur des vases et la présence ou non de décors incrustés. Reste établir les relations entre la géologie du site et la composition des tessons ainsi que croiser les résultats pétrographiques avec les analyses chimiques qui ont été pratiquées sur les mêmes tessons par activation neutronique au centre de Sacavém (Portugal).

)LJXUH² *DXFKH DVSHFWJpQpUDOH de la pâte (MT05, L374, LP, largeur 3 mm); (Droit) aspect générale de la pâte contenant du quartz, de la chamotte et des fragment de grès (MT06, L375, LP, largeur 3 mm).

)LJXUH² *DXFKH VHFWLRQ WUDQVYHUVDOHGHVLOORQG·XQGpFRULQFLVp DYHFVRQFRPEOHPHQWG·RVEUR\p donnant une couleur blanche (MT08, L377, LN, largeur 1 mm); (Droit) aspect générale de la pâte riche en particulier en grains de chamotte et des fragment de grès (MT09, L378, LP, largeur 3 mm).

Memórias d’Odiana R 2ª série

210

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

7(&(/$*(0(3(6&$263(626 Sérgio Gomes

Neste ponto procede-se à abordagem de um conjunto artefactual relacionado com a actividade têxtil. Assim, a questão que se coloca ao objecto de estudo passa pela sua interpretação enquanto índice de uma determinada tarefa, sendo que a sua descrição e classificação foi operacionalizada no sentido de tentar responder a essa questão, ou seja, cada artefacto foi entendido como a objectivação material de uma série de estratégias adoptadas pelas sociedades em estudo na transformação dos recursos disponíveis em produtos têxteis. Todavia, refira-se que a tecnicidade de um dado artefacto decorre obviamente do contexto em que se procede à sua utilização, sendo que as questões de eficácia dependem de um leque de solicitações decorrentes da relação entre artefacto e contexto. Embora estes aspectos não sejam desenvolvidos neste estudo, a sua consideração é pertinente na medida em que suporta a ideia que a “imagem” que se produz de qualquer artefacto ou realidade arqueológica decorre do ponto de vista adoptado. Os artefactos em estudo são entendidos enquanto “utensílios” de uma cadeia operatória muito ampla, admitindo-se que os seus aspectos morfológicos podem ser equacionados enquanto índices de distintas tarefas e técni-

cas. Assim, numa primeira análise, é de referir a existência de duas categorias de artefactos que remetem para tarefas distintas: – “cossoiros” - artefactos de argila de morfologia globular com uma perfuração central associados à fiação; – “elementos de tear” – nesta categoria são consideradas placas e paralelepipédicos de argila de dimensões, morfologia e número/ disposição de perfurações variáveis e crescentes de argila com uma perfuração em cada extremidade de morfologia e dimensões variáveis associados à tecelagem. No caso dos “cossoiros”, a tarefa “fiação” encontrar-se-ia associada a uma técnica de produção de fio através de um fuso, sendo que a função destes artefactos seria a de equilibrar o fuso e imprimir velocidade ao movimento de rotação do instrumento através do qual se enrolam as fibras e se produz o fio. Todavia, os artefactos considerados “elementos de tear” apresentam morfologias muito distintas que poderão ser interpretadas enquanto índices da existência de diferentes técnicas de tecer. Desta forma, procede-se inicialmente à caracterização da amostra em função dos seus aspectos morfológicos para posteriormente problematizar a sua associação a técnicas de tecer. A análise incidiu sobre os conjuntos do Moinho de Valadares 1, Mercador, Monte do Tosco 1 e Cerros Verdes 32.

2 2VPDWHULDLVGH-XOLRD/X]QmRIRUDPDTXLLQWHJUDGRVXPDYH]TXHHVWHWUDEDOKRMiHVWDYDFRQFOXtGRDTXDQGRGD LQWHUYHQomRQDTXHOHVtWLRDTXDOFRPRMiVHUHIHULXIRLSRVWHULRUjVLQWHUYHQo}HVUHDOL]DGDVQRkPELWRGR%ORFR

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

211

Memórias d’Odiana R 2ª série

9.1. Os elementos de tear

9.1.1. Caracterização morfológica A caracterização morfológica dos artefactos foi dificultada pelo facto de se tratar quase sempre de fragmentos sem remontagem. Esta situação condicionou decisivamente a consideração e hierarquização dos itens descritivos para a criação de um Tipo morfológico, nomeadamente no que diz respeito ao peso e aos índices de alongamento, espessura e altura. Assim, optou-se por sistematizar a amostra nas seguintes categorias morfológicas: crescentes de secção circular (CSC – 60 registos) , crescentes achatados (CA – 82 registos) e placas (Pl – 84 registos). No âmbito destas categorias procedeu-se à criação de grupos em função de variáveis que pudessem ser analisadas em todos os elementos. Todavia, é de referir a existência de dois elementos que se destacam das anteriores categorias morfológicas pelo seu carácter “robusto” (Quadro 9-1). Com efeito, apesar de apresentarem contornos semelhantes aos das outras categorias, optou-se pela sua individualização por apresentarem uma espessura maior relativamente aos outros elementos. Esta opção prende-se com o objectivo de tentar organizar a amostra no sentido da criação de grupos de artefactos morfologicamente semelhantes para, posteriormente, serem problematizados em função das técnicas de tecelagem convencionalmente atribuídas às sociedades em estudo.

Memórias d’Odiana R 2ª série

212

9.1.1.1. Crescentes de secção circular

No âmbito desta categoria morfológica apenas foi possível registar a espessura dos artefactos, tendo-se identificado um intervalo de 9 a 25 mm (Gráfico 9-1). Assim, no sentido de

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

criar grupos que representassem a variabilidade da espessura no âmbito desta categoria morfológica, optou-se por considerar dois grupos: o Grupo A diz respeito a elementos que apresentam uma espessura igual ou inferior a 15 mm e o Grupo B superior a 15 mm. Assim, considerando-se esta divisão constata-se que nos crescentes de secção circular é mais frequente uma espessura superior a 15 mm (39 elementos), sendo que espessuras inferiores a este valor foram registadas apenas em 21 elementos.

9.1.1.2 Crescentes Achatados

Nesta categoria de contorno optou-se por considerar variabilidade da largura e da espessura no sentido de sistematizar a amostra. Deste modo, optou-se por dividir, numa primeira etapa, os elementos em função da sua largura e depois, dentro destes grupos, foram considerados dois grupos de espessuras. Passa-se, deste modo, à caracterização de cada um dos grupos, procedendo-se à identificação dos grupos através de um conjunto de duas letras, no qual a primeira corresponde à largura e a segunda à espessura: – CA-AA: crescente achatado de secção sub-rectangular ou sub-elíptica achatada com uma largura compreendida entre 10 e 15 mm e espessura entre 7e 9 mm; – CA-AB: crescente achatado de secção sub-rectangular ou sub-elíptica achatada com uma largura entre 10 e 15 mm e espessura entre 10 e 12 mm; – CA-BA: crescente achatado de secção sub-rectangular ou sub-elíptica achatada com uma largura compreendida entre 16 e 28 mm e espessura entre 7 e 12 mm; – CA-BB: crescente achatado de secção sub-rectangular ou sub-elíptica com uma lar-

gura entre 16 e 28 mm e espessura entre 13 e 18 mm; Da análise da distribuição dos fragmentos pela classificação efectuada refira-se que: - os exemplares com uma largura superior a 15 mm (grupo de largura B) são mais frequentes (79%); – os grupos de espessuras considerados dentro de cada grupo de largura têm uma expressão numérica idêntica; – o intervalo dos valores das espessuras do grupo de largura A corresponde ao intervalo definido para o CA – BA tornando-se, deste modo, o intervalo de espessuras mais frequente ( 62%).

– o predomínio do grupo PL – BAB; – o grupo de espessura/largura BA é o mais frequente; – a elevada frequência do intervalo de espessuras B; – a reduzida expressão do intervalo de espessuras C; – a homogeneidade das larguras dos elementos do grupo de espessuras A; – no grupo de espessura B, o grupo de largura A apresenta uma frequência mais elevada que o grupo B; – no grupo de espessura C, os intervalos de largura têm uma frequência idêntica; – o grupo B de perfurações é mais frequente, estando presente em todos os grupos à excepção do CC (o mais largo e espesso); – a diferença entre o grupo de perfurações B e C diminui nos tipos mais largos; – o índice de ocorrência do tipo de perfurações C é maior no tipo de largura C.

9.1.1.3. Placas

No âmbito das placas optou-se por criar grupos que considerassem na sua formulação as variáveis espessura, largura e n.º/disposição das perfurações. Assim, procedeu-se inicialmente à criação de intervalos de espessuras que, posteriormente, foram divididos em intervalos de largura e, dentro destes, consideradas as perfurações. Da correlação entre estas três variáveis resulta um grupo que é identificado por três letras em que a primeira corresponde ao intervalo de espessura, a segunda à largura e a terceira às perfurações. A organização da amostra em função dos intervalos anteriormente apresentados permitiu constatar algumas linhas de força relativamente à sua composição:

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Quadro 9-1

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

213

Memórias d’Odiana R 2ª série



Apesar destas particularidades é de reforçar que as variáveis e os intervalos considerados apresentam um grande leque combinações e consequentemente um elevado número de grupos que, em última análise são uma forma de representar o conjunto artefactual em estudo. Todavia, convém questionar acerca da representatividade desses grupos relativamente às técnicas de tecelagem, isto é, de que forma podem ser interpretados esses grupos ou séries de artefactos enquanto indicadores técnicos, ou seja, qual a relevância técnica das diferenças morfológicas identificadas.

*UiÀFR

9.1.2. Distribuição dos artefactos pelas estações em estudo Moinho de Valadares trata-se da estação com o maior número de registos de elementos de tear, sendo de destacar que a amostra é constituída fundamentalmente por placas e crescentes achatados. No âmbito destas duas categorias morfológicas destaca-se a maior frequência do intervalo de largura B dos crescentes achatados e do grupo BAB das placas. A sua presença nas diferentes áreas faz-se notar fundamentalmente nos Sectores 1 e 2, sendo esporádica a sua ocorrência no Sec-

Memórias d’Odiana R 2ª série

214

*UiÀFR

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

tor 3. Na distribuição das categorias pelas Fases de Ocupação é de realçar a simultaneidade de utilização dos crescentes achatados e das placas. No Mercador a situação é substancialmente diferente da do Moinho de Valadares, tanto ao nível da composição da amostra como na distribuição dos artefactos. Apesar de se registar igualmente a presença de placas, denota-se uma maior frequência de exemplares mais largos e com perfurações do grupo 2+?; ao nível dos crescentes, a situação é contrária à do Moinho de Valadares estando presentes quase exclusivamente os secção circular. Além destes aspectos é de destacar a presença dos elementos “robustos” apresentados anteriormente (Quadro 9-1). Nesta estação foi também registada a ocorrência de dois cossoiros. Na distribuição destes artefactos pelas áreas intervencionadas constata-se que os crescentes de secção circular ocorrem exclusivamente no Sector 3 ao contrário das placas e morfologias excepcionais que ocorrem apenas no Sector 1. Esta diferenciação espacial, correlacionada com os dados da análise das morfologias cerâmicas, pode ser interpretada como um indicador cronológico, surgindo as placas na fase mais antiga de ocupação (Sector 1) e os crescentes nos contextos residenciais da segunda fase (Sector 3). Alguns autores (Silva e Soares, 1976-77) admitem a anterioridade das placas relativamente aos crescentes. Neste caso será possível reconhecer o Sector 1 como representando uma das primeiras áreas de ocupação. Todavia, acerca da questão cronológica que se levanta sobre estas duas categorias morfológicas é de referir que no Porto Torrão (Ferreira do Alentejo) (Valera e Filipe, 2004) se constata que no enchimento do Fosso 2 as placas apresentam uma situação estratigráfica que remete para um manuseamento

Espessura

Largura

Perfurações

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Quadro 9-2

*UiÀFR

(17 e 3 registos, respectivamente), tendo-se registado em ambas a ocorrência de placas e de crescentes de secção circular (embora no Monte do Tosco as placas sejam apenas 2). Todavia, não é possível admitir que a menor frequência destes artefactos seja sintomática de uma menor importância das tarefas que lhes estão associadas, sendo de considerar que a natureza das intervenções em cada estação e, simultaneamente, que a prática da tecelagem tem expressões materiais distintas, algumas não recuperáveis no registo arqueológico.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

mais tardio relativamente aos crescentes. Desta forma, vincular a problemática da morfologia dos elementos tear em estudo a uma questão exclusivamente cronológica afigura-se redutor, uma vez que, independentemente de anterioridade de uns relativamente a outros, são elementos que coexistem no período em estudo e que podem remeter para outro tipo de problemáticas. O Monte do Tosco e os Cerros Verdes apresentam uma ocorrência reduzida de pesos de tear quando comparados com as estações anteriores

9.1.3. Técnicas de Tecelagem

vamente à trama. Deste modo, ao girar os fios vão-se enrolando produzindo uma corda que, imobilizada pelo passo da trama entre cada giro, cria um tecido por justaposição de cordas paralelas. A rotação das placas pode ser de um quarto, meia ou um terço de volta consoante o número de perfurações (4, 2 ou três, respectivamente). A instalação deste mecanismo pode variar; as extremidades dos fios podem estar atadas a um rolo preso à cinta do executor, a estacas cravadas no chão ou em conexão com um tear vertical (cujo funcionamento é apresentado mais adiante). O resultado final é um tecido alongado (porque a técnica não permite o desenvolvimento em largura) e torcido, cuja resistência e decoração se define pelo número e tipo de placas, pela distribuição dos fios pelos orifícios e pelo tipo e coloração da matéria-prima utilizada. Estes tecidos alongados poderiam servir como aplicações no rebordo de tecidos maiores, como pressupõe a presença deste tipo de tear no tear vertical de pesos.

9.1.3.1. Tipos de Teares

No âmbito dos teares atribuídos habitualmente às sociedades em estudo e nos quais se pode supor a utilização do conjunto artefactual em análise é de destacar os seguintes: – Tear de Placas O elemento fundamental deste tipo de tear é a placa. Este elemento tem, necessariamente, de ser feito de um material duro e possuir furos nas suas extremidades. O contorno, dimensão e número de perfurações pode variar; todavia, a espessura tem necessariamente de ser reduzida. Os elementos de uma série têm de ser relativamente homogéneos, por forma a evitar distorções durante a execução do tecido, e adequados ao seu manuseamento. A placa é o elemento responsável pela dinâmica da urdidura, sendo que a sua rotação provoca a torção dos fios e consequentemente a alternância da posição da série de fios relati-



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DŽŝŶŚŽĚĞsĂůĂĚĂƌĞƐ &ĂƐĞϭ

Memórias d’Odiana R 2ª série

216

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Cerros Verdes 3

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Quadro 9-3 – Relação dos pesos por sítio e fase.

– Tear de Grade A célula de base neste mecanismo trata-se de uma série de placas finas perfuradas, colocadas paralelamente entre si e fixadas nas extremidades por outras placas que as unem e fixam. A sua instalação pode ser efectuada nos mesmos esquemas que o tear de placas à excepção da sua aplicação no tear vertical. A peça acima descrita separa os fios da urdidura (uns passam pelos orifícios e outros pelo meio das placas) e a sua movimentação alternada em sentido ascendente e descendente permite lançar a trama pelas diferentes séries de fios. O resultado é um tecido liso de dimensões semelhantes às dos produzidos pelos teares de placas. este tear comporta uma variante com liço, ou seja, uma série de fios é atada a um pau cujo

3

movimento assegura a alternância nas séries da urdidura. Esta variante apresenta mais vantagens, nomeadamente a possibilidade da sua ampliação longitudinal e consequente produção de tecidos largos. Assim, no âmbito destes três mecanismos é de referir que os elementos de tear em estudo desenvolvem duas relações relativamente às séries da urdida; enquanto no primeiro caso a rotação das placas é o movimento responsável pela sua alternância, no tear vertical de pesos a sua função é apenas a de pressionar os fios, sendo que a sua alternância se faz através do liço. Considerando-se que no primeiro caso a eficácia deste mecanismo depende da estabilidade da série de placas, sendo que a selecção da série seja condicionada pelas semelhanças morfológicas dos seus elementos, a série de pesos do tear vertical pode assumir morfologias diversas desde que o seu peso e perfurações esteja adequado aos fios que pressionam. Com efeito, a série de placas num tear de placas é mais condicionadora do resultado final que a série de pesos num tear vertical. Todavia, refira-se que “os tecelões, pelo menos aqueles que por todo o lado e em todos os tempos trabalharam para a elite social, são maravilhosamente pacientes e hábeis e os seus teares muitas vezes pouco têm a ver com os seus produtos” (Leroi Gourhan, 1984: 204205). Considerando-se a destreza do “técnico”, qualquer hipótese que se coloque ao manuseamento de um artefacto em determinada tarefa decorre apenas de uma esfera de possibilidades que o investigador projecta no seu objecto de estudo.

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– Tear Vertical de pesos O tear vertical de pesos pré-histórico assemelha-se ao actual. Com efeito, é constituído por duas traves verticais (fincadas no chão e separadas3 entre si) com um grampo na sua extremidade superior, que serve de suporte à trave horizontal onde estão atados os fios da urdidura cuja tensão é assegurada pelos pesos. As séries e alternância dos fios da urdidura são asseguradas pelo liço, sendo que, este mecanismo pode suportar mais que duas séries de fios através da integração de mais liços e mais pesos de tear. À medida que o trabalho progride, o tecido já produzido pode ser enrolado na trave, onde estão atados os fios da urdidura permitindo um tecido de grandes dimensões independentemente da altura do tear.

9.1.3.2. Teares e grupos de artefactos: tentativa de articulação

Interpretando os artefactos em estudo enquanto instrumentos de um sistema técnico em que se procede à transformação de matérias primas em produtos têxteis, convém realçar algumas das relações que esses instrumentos estabelecem com os outros elementos desse sistema. Na Figura 5 estão representadas de uma forma simplificada algumas dessas relações. A selecção de um instrumento decorre de um leque de solicitações muito vasto que, numa visão mecânica, é polarizado pelos recursos disponíveis e pelo produto que se pretende realizar, sendo que a estratégia adoptada decorre igualmente da destreza técnica em resolver as tensões criadas entre estes dois pólos. Desta forma, a adequabilidade e a aplicação de um artefacto a determinada tarefa é decorrente da virtualidade que o técnico lhe reconhece e que, em última análise, leva à sua integração nas estratégias de transformação dos recursos disponíveis nos produtos desejados. Desta forma, procede-se à associação dos grupos morfológicos formulados às técnicas de tecelagem apresentadas anteriormente.

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– Placas e paralelepipédicos Dadas as características morfológicas das placas estudadas parece de todo pertinente associá-las ao tear de placas. Com efeito, a multiplicidade de variantes formais que as placas inerentes a esta técnica permitem não levanta qualquer óbice a esta interpretação. É de realçar que as lacas com duas perfurações (1 + 1) são mais abundantes, facto que pode ser sintomático de uma espécie de especialização na utilização desta variante técnica. Ainda que esta interpretação seja válida, a variabilidade formal das placas pode ser

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indício de várias utilizações destes artefactos. Com efeito, numa primeira análise, tanto o tear vertical de pesos como o tear de grade podem comportar artefactos com este tipo de contorno. Todavia, esta associação é discutível e condicionada a determinados grupos. Com efeito, no âmbito do conjunto das placas menos espessas e menos largas pode supor-se a sua utilização no tear de grades. Porém, refira-se que apesar da bibliografia consultada apresentar apenas placas com uma perfuração central, a aplicação das placas estudadas a este mecanismo parece viável. Com efeito, a presença dos dois orifícios não altera o mecanismo, mas o resultado final é um tecido com uma trama diferente da produzida pelas placas com um único orifício. Na utilização das placas no tear vertical de pesos, seria de considerar a preponderante utilização dos grupos de largura e espessura maiores, porque parecem os únicos a atingirem um peso suficiente para esticar os fios da urdidura. Mesmo assim, parecem ser mais adequados à execução de tecidos de fibras finas que exigiriam pouca pressão para serem esticadas. Quanto à utilização de exemplares com diferentes perfurações é de colocar a hipótese de poder estar conectada com a realização de tecidos com diferentes tramas, sendo que a utilização simultânea das perfurações de cada extremidade permite a criação automática de duas séries de fios. No âmbito do tear vertical de pesos é de supor também a utilização do Achado N.º 664 do Povoado do Mercador estando a sua robustez associada a um maior número de fios (ou de fibras mais resistentes) que teria de pressionar. A este propósito, saliente-se uma vez mais que a série de pesos de um tear vertical pode apresentar uma grande variedade de morfologias, viabilizando uma utilização conjunta das várias categorias consideradas. Simultaneamente, é

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– Crescentes Os crescentes achatados ou de secção circular constituem os tipos morfológicos cuja conexão com as técnicas de tecelagem é mais difícil de perceber. A propósito da ocorrência de crescentes na Pré-História do Norte de Itália, E. Barber refere que “we begin to find heavy conical and cylindrical loom weights already in the Square-Mouthed Pottery Culture (...) roughtly in the 5th millennium. Althought this culture is replaced by the quite different Lazozza Culture (connected with Switzerland and Rhone Valley),

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de considerar a utilização de objectos que, não tendo sido reconhecidos enquanto artefactos, servissem igualmente para pressionar os fios da urdidura (pedras, por exemplo), sendo que a sua inserção neste estudo alteraria substancialmente a imagem que se está a produzir da tecelagem. Todavia, refira-se que a consideração deste aspecto, longe de remeter a pesquisa para o relativismo, apenas serve para reforçar o seu carácter de exercício acerca das possibilidades de aplicação técnica de artefactos nos quais se reconhece determinada tarefa.

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the conical weights continue, but are joined by quantities of weights shaped like crescents with a hole at each tip. Unfortunately I can discover no more exact evidence for looms, or anything tying the crescent weights to textiles. I can only add that this is a strong warp-weighted loom territory later, so that we are probably not far in assuming that loom’s presence at this time” (Barber, 1992, p. 1000). A utilização posterior dos crescentes relativamente aos outros elementos de tear é também defendida na Pré-História do Sul de Portugal (Alentejo e Algarve). Com efeito, alguns autores defendem, que num primeiro momento, a actividade têxtil é perceptível pela presença exclusiva de placas que, num segundo momento, são acompanhadas pelos crescentes (Silva e Soares, 1976-77). Todavia, outros autores contestam esta interpretação argumentando “que as placas alentejanas pertencem a outro grupo cultural, (...), abandonando-se a ideia de uma unidade técnica mesmo que momentânea para constatar desde um primeiro momento a diversidade cultural.”(Diniz, 1994:139). Embora não se vá proceder a uma exaustiva apresentação de cada uma das posições e subsequente discussão, é de se considerar dois aspectos: por um lado, Tavares da Silva defende uma descontinuidade artefactual que comporta uma complexificação nas técnicas de tecelagem; Mariana Diniz apresenta uma ideia de “grupo cultural” baseada na coerência da variabilidade formal a uma ampla escala de análise. Todavia, sem querer optar por uma ou outra posição, refira-se a situação verificada em La Pena del Aguila (Munogalindo, Avila – Meseta Norte) onde se registaram vários elementos relacionados com a actividade têxtil. Nesta estação, nos níveis mais antigos (de filiação neolítica), aparecem placas de duas perfurações que são acompanhadas

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nos níveis mais recentes (calcolíticos) pelos crescentes (Rollán 1996, 36 e 137). Assim, o material em estudo parece fazer parte de um universo artefactual com uma grande amplitude geográfica onde hipoteticamente seriam utilizadas inicialmente placas de duas perfurações (Neolítico?), seguindo-se um momento de variabilidade formal individualizável pela presença dos crescentes. Independentemente do tipo de explicação que se perfilhe para a explicação da ocorrência destes artefactos, a associação entre crescentes e placas de duas perfurações permite considerar uma relação evolutiva de carácter morfológico entre estas duas categorias de artefactos. Comparando-se os crescentes achatados com índice de abertura reduzido com as placas de duas perfurações menos largas é de referir a sua grande semelhança, sendo que a distinção se opera exclusivamente em função do contorno. É a partir deste facto que se coloca agora uma hipótese para a utilização dos crescentes no âmbito das técnicas conhecidas para a Pré-História. As placas podem estar associadas ao tear de placas, ao tear de grade e, eventualmente, ao tear vertical de pesos, ou seja, pressupõe-se já o domínio da criação automática de duas séries de fios através da utilização das duas perfurações e da criação da alternância dessas séries através do liço. Neste ambiente técnico é de referir que os crescentes apresentam uma morfologia que, dando continuidade às técnicas de tecer com placas de duas perfurações, é mais adequada à sua utilização num tear vertical de pesos. Com efeito, uma vez colocados perpendicularmente à trave que segura a urdidura permitem uma maior aproximação entre os fios e, consequentemente, um tecido mais resistente. Esta disposição permite ainda a colocação de uma trave na horizontal junto a estes elementos que, não só assegura uma maior coesão do conjunto,

como também reforça a tensão provocada nos fios permitindo uma utilização de um maior leque de fibras. Neste sentido, é de realçar que esta trave não poderia ser colocada numa série constituída por placas porque inviabilizava a função do liço; pelo contrário, a curvatura dos crescentes permite que as peças subam e desçam sem interferir na alternância dos fios da urdidura. este hipotético cenário não inviabiliza a utilização dos crescentes noutras técnicas de tecer. Com efeito, a similitude morfológica entre alguns crescentes achatados e placas de duas perfurações pode ser tomada como índice da sua utilização nas mesmas técnicas, ou seja, apesar das diferenças morfológicas, os artefactos em estudo remetem para uma forte associação entre si e, simultaneamente, para o mesmo leque de possibilidades de manuseamento técnico.

9.1.4. Considerações Finais A amostra em estudo apresenta-se morfologicamente muito diversificada, sendo que a organização dessa diversidade fez-se com o objectivo da criação de grupos morfológicos a partir dos quais fosse possível reconhecer uma associação a distintas técnicas de tecer. Na

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Figura 9-2

formulação dessas associações foi possível reconhecer que os mesmos artefactos poderiam ser manuseados nas diferentes técnicas consideradas consoante a natureza da matéria-prima utilizada, sendo esta a única conclusão possível. Não existindo uma especialização na associação entre artefacto/técnica de tecer, a variabilidade morfológica pode decorrer de uma associação matéria-prima/utensílio/produto, isto é, numa esfera de possibilidades, o produto desejado seria o elemento polarizador de uma série de selecções que determinaria o manuseamento de um dado utensílio, deste modo, a coexistência das diferentes categorias morfológicas poderia ser interpretada apenas enquanto indicadora de produções distintas. Outro aspecto relacionado com a variabilidade morfológica dos elementos de tear prende-se ao facto de apresentar uma forte coesão no âmbito peninsular. Efectivamente, a uma escala mais ampla existe um grupo artefactual, constituído maioritariamente por placas sub-rectangulares alongadas de duas perfurações e crescentes, situado no Sudoeste Peninsular com ramificações para a Meseta Norte. Dentro deste grupo artefactual pode supor-se uma evolução de carácter morfológico eventualmente associada a um aperfeiçoamento técnico que leva ao aparecimento dos crescentes. Ainda que esta hipótese não tenha uma expressão arqueológica significativa, faz sentido num raciocínio baseado na crescente complexidade das técnicas de tecer utilizadas durante a Pré-História. Ainda que não se tenha procedido a um levantamento exaustivo das várias estações em que ocorrem elementos de tear, é de assinalar que, na bibliografia consultada apenas numa estação foi registada uma antiguidade das placas relativamente aos crescentes. Entre as estações em estudo é de referir que apenas no Sector 1 do Povoado do Mercador foi identificada esta rela-

Figura 9-3 – Figura 6 Hipótese de utilização dos crescentes num tear vertical de pesos

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ção; todavia, nos restantes sítios, a distribuição pelas Fases de Ocupação das diferentes áreas intervencionadas revelou o contrário. Considerando-se a variabilidade morfológica e a multiplicidade de técnicas que estes artefactos comportam, a actividade têxtil assume uma pluralidade de situações que torna os dados da abordagem arqueológica numa múltipla e perplexa narrativa. Os elementos de tear permitem ousar hipóteses, seguir pistas, mas sem pretender o esgotamento da temática, a apropriação completa de uma actividade, e da forma como ela está articulada com a comunidade ou o cenário em que se insere. O estudo da utilização destes artefactos revelou um carácter circunstancial; não existe uma oficina têxtil, um determinado espaço em que a manufactura se especialize. Ainda que determinados ambientes remetam para a existência de mecanismos, a ocorrência destes artefactos em várias áreas dos povoados remete para uma práOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

tica incipiente da tecelagem, mas disseminada e presente no quotidiano das comunidades.

9.2. Os pesos de rede $SUHVHQWDomRGR&RQMXQWR$UWHIDFWXDO Os “pesos de rede” são calhaus rolados talhados (entalhes laterias) em faces opostos sendo utilizados para exercer pressão sobre redes, fios ou armadilhas utilizados na pesca. Para a caracterização do conjunto artefactual adoptou-se a classificação proposta por D. Domingos Pinho de Brandão e Arq.º Fernando Lanhas (Brandão e Lanhas, 1971), ou seja, são considerados os seguintes aspectos: 1. o tamanho dos pesos; 2. a posição dos cortes e entalhes relativamente aos eixos longitudinal e transversal;

3. natureza dos entalhes e cortes e da técnica de execução. No âmbito do tamanho, os autores defiram três séries em função do comprimento do eixo longitudinal: Pequeno (P) – inferior a 7 cm, Médio (M) entre 7 a 10 cm e Grande (G) maior de 10 cm. Quanto à posição dos cortes ou entalhes apenas foi identificado o Tipo I - nos

bordos opostos dos calhaus oblongos, segundo o eixo transversal” (Brandão e Lanhas, 1971: 585). Quanto à natureza, foram identificados os tipos A, B, C e D (de uma sequência que se prolonga até ao K) tendo-se criado os tipos L e M: A - “Lascamento com negativos inclinados, atingindo, em cada bordo, as duas faces. Geralmente o primeiro golpe ou percussão, em

Figura 9-4 – Pesos e cossoiros de tear do Mercador: 1 a 5 Sector 1; 6 a 8 Sector 3.

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Figura 9-5 – Pesos e cossoiros do povoado do Mercador

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cada bordo, é mais forte e o lascamento correspondente, mais profundo e extenso. Os golpes em sentido contrário, incidindo sobre as extremidades ou arestas das zonas já lascadas pelos golpes anteriores, são, frequentemente, mais leves e, por conseguinte, as falhas de pedra correspondentes são menos acentuadas. Pode haver golpes complementares, alguns praticamente retoques, para afundamentos ou maior extensão da linha ou curva dos entalhes, em ordem a uma melhor fixação dos fios envolventes. B - Lascamento com negativos inclinados, atingindo, num dos bordos as duas faces, e, no bordo oposto, uma só face. Aos golpes princi-

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pais podem juntar-se, neste como nos tipos seguintes, golpes secundários, complementares e retoques. (...) C - Lascamento com negativos inclinados, atingindo, em cada bordo uma só face, no sentido oposto: bordos opostos e faces opostas. Por vezes, pequenos retoques leves, de sentido oposto numa ou em ambas as arestas. D - Lascamento com negativos inclinados, atingindo em cada bordo uma só face, e, em ambos os bordos, a mesma face. Por vezes pequenos retoques, leves, de sentido oposto, numa ou em ambas as arestas.” (Brandão e Lanhas,1971: 586 e 587)

M - lascamento bifacial em apenas um dos bordos. O cruzamento das séries de tamanho e tipos de disposição e natureza do entalhe resultou na formulação de 15 grupos4. A representatividade de cada Tipo é a seguinte (Gráfico 1): O conjunto caracteriza-se pela frequente ocorrência de elementos de pequeno e médio tamanho. A disposição dos entalhes é sempre a mesma e, quanto à sua natureza, é de referir que ocorrem apenas 6 dos 13 tipos considerados por Brandão e Lanhas. Os tipos de entalhe A e D são os mais comuns, sendo que a frequência do D aumenta significativamente na série de tamanho Pequeno. Quanto aos grupos mais frequentes destacam-se o MIA, o PIA e o PID, ou seja, seixos rolados com um eixo longitudinal inferiores a 10 cm e com entalhes em cada um dos lados. A matéria-prima utilizada na execução destes artefactos são os seixos rolados de rio. Todavia, denota-se uma selecção caracterizada pela utilização maioritária de seixos de quartzito e de algumas placas de xisto. É de realçar a influência da matéria prima nos valores obtidos para o Peso e o Índice de Espessura; com efeito, os pesos executados sobre placas de xisto roladas são mais leves e com um índice de espessura maior.

9.2.2. Distribuição dos artefactos pelas estações em estudo Esta categoria de artefactos registou-se apenas no Monte do Tosco (45 unidades) e no

Moinho de Valadares (11 unidades). Alguns surgiram dispersos à superfície, na área entre este último sítio e a Nova Aldeia da Luz. A composição da amostra proveniente do Monte do Tosco reproduz a composição do universo de artefactos em estudo. Com efeito, está patente uma profusa variabilidade tipológica (estão presentes 13 dos 15 tipos identificados), sendo que, se mantêm as relações existentes entre o índice de ocorrência das séries de tamanho, matéria-prima utilizada e tipos de entalhe. Nesta estação é de destacar a elevada ocorrência destes artefactos na UE 7 (Sector 1), numa área de apenas 4m2. Com efeito, neste solo de ocupação do Ambiente 3 foram exumadas 15 unidades (predominando a dimensão Média e o entalhe A), sendo de destacar a sua associação a um elevado número de seixos rolados. As restantes unidades distribuem-se pelas diferentes áreas da estação. No Moinho de Valadares quase todos os materiais são provenientes ou da Fase 2 ou de níveis mais superficiais revolvidos. Apenas um exemplar ocorre em depósitos da Fase 1. Constata-se, tal como no Monte do Tosco, uma maior ocorrência de exemplares de tamanho Médio e Pequeno. Todavia, no que diz respeito ao tipo de entalhe, é de referir uma maior presença dos Tipos C e D, a reduzida frequência do Tipo A e a ausência dos Tipos B, L e M. Quanto à matéria-prima utilizada, são utilizados exclusivamente seixos de quartzito. A distribuição destes artefactos não apresenta qualquer especificidade. Apesar destes artefactos apresentarem uma presença significativa apenas no Monte do Tosco, é de considerar a importância que a pes-

4 Os tipos encontram-se designados por três letras: a primeira diz respeito ao tamanho, a segunda à disposição dos entalhes e a terceira ao tipo de entalhes.

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L - lascamento unifacial em apenas um dos bordos ;

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ca poderá ter assumido nestes povoados. Com efeito, “dada a escolha do local para a implantação do povoado, em estreita relação com o Guadiana, a exploração de recursos aquáticos fluviais quase se impunha às comunidades que se estabeleceram no Moinho de Valadares. Efectivamente, a presença de pouco mais de uma dezena de pesos de rede, elaborados sobre seixo, demonstra a utilização desses recursos imediatos do povoado. Dado o seu número aparentemente reduzido, poderíamos ser tentados a daí extrair conclusões sobre a intensa actividade. Contudo, o facto de a mesma decorrer no rio, junto do qual as “artes” poderiam ser guardadas, e recorrentes perdas que a sua utilização implicaria, aconselham cautela, devendo a pesca ser, provavelmente mais importante na economia destas populações, do que a simples dezena de pesos poderá fazer pensar.” (Valera, 1999a, p. 108). Os dados do povoado do Mercador, onde curiosamente não ocorrem estas peças, confirmam a exploração de recursos aquáticos locais (uma espinha de peixe na Fossa 1 e a presença de fauna malacológica – Cf. ponto 17). Com efeito, a importância da pesca não pode ser inferida como a de algumas actividades que decorrem em espaços dentro do povoado, sendo a frequência com que os artefactos que a OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

materializam utilizada como um elemento que define a sua importância na economia doméstica. No caso da exploração de recursos aquáticos, e tendo em conta o ambiente em que se processam, a avaliação da sua importância deve ter mais em consideração a existência de recursos naturais que a permitam do que a sua expressão em artefactos. A propósito da diferente ocorrência dos artefactos nos dois povoados referidos, é de assinalar que, no Monte do Tosco, ignorando-se o Ambiente 3 (nomeadamente a UE 7), não só diminui significativamente o número de peças da amostra como a distribuição do material assemelha-se à do Moinho de Valadares. Com efeito, as diferenças entre os dois povoados acentuam-se devido ao facto de ter sido escavada uma área no Monte do Tosco onde os artefactos que materializam a pesca se encontram em destaque. Todavia, é de referir que a sua presença no Ambiente 3 pode remeter para a outro tipo de tarefas. Partindo da opinião de alguns autores que defendem diferentes utilizações destes artefactos consoante o contexto em que se inserem (Brandão e Lanhas, 1971: 582), estes artefactos podem estar dentro do povoado para a sua utilização como pesos de tear, pedras de arremesso para a caça, para ataque... Relativamente à sua

*UiÀFR

execução da rede, como também, posteriormente, seriam partes integrantes do resultado final. No que diz respeito à tipologia dos artefactos, denota-se uma ligeira variação no tipo de entalhe praticado nos dois povoados apresentados. Todavia, tendo em conta a série de tamanhos, denota-se uma total coincidência na selecção dos tamanhos pequenos e médios. Esta semelhança deve ser mais enfatizada que a diferença no tipo de entalhes, devido à função que estas peças desempenham. Com efeito, independentemente do tipo de técnica em que estejam a ser utilizadas, a sua função é sempre de afundar, sendo, desta forma, mais importantes as suas dimensões que o tipo de entalhe. Tendo em conta este último aspecto, ainda que os 15 grupos considerados remetam para uma profusa variabilidade, deve-se ter em consideração que ela acarreta uma homogeneização tecnológica considerável. Com efeito, a elevada frequência de pesos de dimensão Pequena e Média pode ser sintomática de uma partilha de técnicas e de condições naturais definidas pelo nicho ecológico em que se encontram os diferentes povoados, estando as diferenças de entalhe associadas a uma esfera cultural em que a individualização da comunidade se processa a vários níveis.

9.2.3. Contexto técnico de utilização Os pesos de rede comportam um sistema de relações inerentes a uma actividade cuja longa prática obriga a considerar uma grande variabilidade de cenários onde ocorre. Com efeito, os pesos de rede inserem-se num universo tecnológico caracterizado pela variabilidade de técnicas de exploração dos recursos aquáticos. Tendo como ponto de partida a pesca artesanal, tenta-se caracterizar sumariamente as hipotéticas estratégias utilizadas pelas comunidades desta área do Guadiana.

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utilização como pesos de tear, é de referir a sua associação espacial a crescentes e placas na UE 7; caso seja essa a sua utilização neste povoado, refira-se que existem mais elementos de tear nos outros povoados que neste. Esta inversão de frequências no tipo de artefactos estaria relacionada com uma preferência da comunidade do Monte do Tosco por pesos de pedra. É de assinalar que este cenário contribuiria para tornar ainda mais complexa a variabilidade formal presente nos elementos de tear. Todavia, tendo em conta a disponibilidade dos recursos aquáticos é de fazer prevalecer a interpretação destes artefactos como pesos de rede e tentar levantar outra hipótese relativamente às actividades que se processavam no Ambiente 3. Equacionando as restantes actividades presentes em função da pesca, a concentração de seixos e a presença da tecelagem podem indiciar uma configuração de actividades em que o objectivo final seria a criação de uma rede de pesca. A este propósito refira-se a adequação da cestaria de saltos, que pode ser incluída no universo da tecelagem e na execução de redes de pesca. Assim, o elevado número de pesos de rede nesta área do povoado pode estar associada a um ambiente doméstico onde se procederia ao talhe de seixos rolados com o objectivo de produzir pesos que seriam utilizados, não só para auxiliar na

Os pesos de rede em estudo são interpretados como parte integrante das redes de pesca (“sinkers” na Figura 1), permitindo a sua verticalização através da tensão que exercem em conjunto com a acção de placas de madeira que permitem que a parte superior flutue. Este tipo de pesca exige a existência de barcos a partir dos quais as redes são lançadas, sendo que consoante o seu tamanho e o número de barcos disponível pode ser praticada de várias formas: rede esticada, ficando os peixes presos nos buracos da rede; o cerco, lançamento de uma grande rede com o recurso a vários barcos; arrastão, após o lançamento da rede é arrastada. Os pesos poderiam também ser aplicados em canas de pesca, com o objectivo de afundar a linha a uma profundidade onde haja mais peixe. A sua utilização também poderia passar pela sua inserção em armadilhas (engenhos feitos de vime que tinham como principal finalidade prender o peixe dentro de si) desempenhando também a função de as afundar.

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Figura 9-8 – Pesos de rede do Monte do Tosco 1 (esquerda) e Moinho de Valadares 1 (direita)

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Em associação com estas artes encontra-se a caniçada, isto é, a construção de uma estrutura semelhante a uma barragem com o objectivo de condicionar a circulação do peixe aumentando a eficácia das estratégias anteriores. Considerando-se a existência desta estratégia para o período em estudo é de salientar que a abordagem da pesca não pode ser realizada apenas com base no material exumado nas estações arqueológicas intervencionadas. Com efeito, inserida num conjunto de actividades relacionadas com a negociação e exploração dos recursos do meio aquático, a sua dinâmica processa-se numa escala que ultrapassa as fronteiras do povoado, remetendo para as estratégias de povoamento de grupos de comunidades que têm de partilhar o mesmo nicho ecológico. Desta forma, os estudo efectuado não é mais do que uma pequena parcela de um universo amplo e cuja abordagem passa obrigatoriamente pela consideração de múltiplas variáveis que estão fora do âmbito deste estudo.

10. A PEDRA TALHADA DO MOINHO DE VALADARES, MERCADOR E MONTE DO TOSCO Javier Moro Berraquero

O presente capítulo é dedicado ao estudo do material lítico dos sítios de Moinho de Valadares 1, Monte do Tosco 1 e Mercador, cronologicamente enquadráveis no Calcolítico. Trata-se de contextos intervencionados arqueologicamente no âmbito dos trabalhos de minimização patrimonial da área do regolfo da barragem do Alqueva e, portanto, localizados no contexto da bacia do curso médio do Guadiana. No que se refere aos líticos, estes correspondem a conjuntos industriais macrolíticos ou, mais concretamente, a um conjunto caracterizado pela exploração e configuração quase exclusiva de seixos rolados de rio, em quartzito. O seu estatuto definido quanto a espaço-tempo adquire relevância – como se verá – por se tratar de cadeias operatórias. Estas, por se encontrarem pouco estudadas nas escavações arqueológicas de sítios de cronologia calcolítica e por se tratar de conjuntos de traços técnicos simples, portanto tecnologicamente pouco alteradas ao longo do tempo, mantiveram aberta uma discussão teórica que entronca no controverso conceito de Languedocense. Sem que possamos deter-nos em excesso neste ponto, cabe mencionar que a discussão sobre o Languedocense se manteve aberta cerca de meio século, desde que foi definido por Breuil como uma indústria pós Acheulense, produto de uma degeneração industrial. Esta discussão manteve-se tanto em termos conceptuais como cronológicos (Raposo e Silva, 1980/81). Des-

de então, com o desenrolar de novos estudos e investigações a par do desenvolvimento de metodologias para o estudo dos conjuntos artefactuais, tem-se observado uma progressiva aproximação da sua cronologia às cronologias pós paleolíticas e da Pré-história recente. A raiz desta problemática parece residir na origem do conceito Languedocense, que surge na primeira metade do século passado a partir de uma caracterização muito ambígua de materiais procedentes de prospecções em terraços fluviais, recolhidos maioritariamente à superfície ou, mais pontualmente em cortes, mas em qualquer dos casos descontextualizados; produto de uma metodologia por seriação de patinas que, se ofereciam algum tipo de conclusões, eram de um nível de resolução muito baixo. O estudo tipológico destes conjuntos de coerência interna já de si problemática, baseado em critérios formais com o uso e abuso do “fóssil director”, unidos ao uso pouco preciso de conceitos como Cultura, Civilização ou Indústria, aplicados a um discurso interpretativo sobre evidências que não permitem dar resposta a essas perguntas, avivou uma polémica estéril, que durou até aos nossos dias. No que concerne a contextos estritamente calcolíticos, deparamo-nos com uma realidade observável inclusive na bibliografia mais recente: a atenção reservada ao estudo de conjuntos artefactuais líticos reduz-se aos conjuntos laminares sobre sílex, pois, por regra geral, a análise dos materiais resultantes de escavações arqueológicas centra-se no material cerâmico, reduzindo a atenção dispensada ao material lítico a

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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10.1. Introdução

breves resenhas. Não queremos com isto dizer que não existam trabalhos que abordem o estudo dos conjuntos de líticos sobre seixos rolados; porém são insuficientes. Assim, é possível reconhecer nos conjuntos artefactuais líticos dos sítios em estudo que, em primeiro lugar, correspondem a uma preferência integrada em determinadas condições ambientais e, por último, a uma tradição que pode “percorrer a arqueologia” em centenas de milhares de anos, sendo que ambas as realidades são indissociáveis.

10.2. Metodologia Na busca da verdade enfrentamos o problema da sua intangibilidade, uma vez que a verdade é um conceito de ordem moral e a interrogação sobre a verdade é uma demanda

Figura 9-9 - Rede de pesca (Stewart, 1977, p. 86)

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racional. Assim, o passar dos séculos, apesar do silêncio da resposta, levou-nos a fixar a nossa atenção na formulação da pergunta, num empenho absurdo mas belo. O mesmo empenho nas suas formulações compromete o conhecimento histórico por meio da metodologia, num esforço objectivo por alcançar essa verdade, e cujo resultado não é mais que um reflexo formal da verdade, constituído pela ideologia e a matéria objecto de estudo. A confusão gerada com o conceito Languedocense parte, possivelmente, de uma metodologia inadequada, mas justificada tendo em conta o momento histórico da sua formulação. O problema radica na perpetuação desse conceito como fundamento da discussão e, pior ainda, da sua conversão como meio de apreensão à finalidade última do conhecimento, convertendo-se numa ideia aculturada (Kuhn, 1962), que leva à errática dos esforços da investigação. A metodologia converte-se então num elemento essencial na formação do conhecimento que temos do passado, dado que constituí respostas às perguntas que ordena. Neste sentido, o Sistema Lógico Analítico (S.L.A.), que pretendemos aplicar, supõe um modelo de formulação que difere substancialmente dos modelos prévios fundados em maior ou menor medida em “sistematizações tipológicas”, modelos formalistas que marcaram o termo Languedocense. O S.L.A. é um modelo de análise desenvolvido a partir das linhas mestras marcadas pelo Sistema Analítico de Laplace por E. Carbonell, R. Mora y Guilbaud ou J. Airvaux (Carbonell, Guilbaud y Mora, 1985), (Airvaux, 1985) y (Carbonell et al., 1999). Este modelo teórico poderia definir-se como Marxista, ainda que o seu carácter e desenvolvimento sistémico entronque no estruturalismo, um estruturalismo que salva, pela sua projecção histórica mar-

– Base Natural (Bn): todo o material lítico que não apresenta evidências de ter tomado parte dos suportes explorados ou configurados para a produção instrumental. – Base Negativa (BN): Base natural submetida a transformação pelo seu uso ou inclusão dentro de um processo de talhe, o que resulta numa perda de volume, assim como uma perda da sua morfologia original. – Base Positiva (BP): Massa de volume desprendida no processo de talhe. Dentro da sequência de talhe, numa sequência temporal, diríamos que duas Bases naturais (Bn) ao interactuar, geram uma Base Negativa de Primeira Geração (BN1G) em que o suporte funcione como matriz, onde ficam marcados os negativos e Bases Positivas de Primeira Geração (BP1G), que são os objectos desprendidos da matriz. A repetição desta sequência gere a acção

sobre uma BP1G, uma nova BN, desta vez Base Negativa de Segunda Geração (BN2G) e Bases Positivas de Segunda Geração (BP2G) nos objectos desprendidos e assim sucessivamente. Estas categorias ficam enquadradas na sequência de talhe dentro de cada Unidade Operativa Técnica (U.O.T.) consoante correspondam a uma acção de configuração ou exploração e, dependendo desta, teremos BN1GE e BN2GE ou BN1CG e BN2CG. Entende-se por exploração, a acção dirigida para obter uma Base Natural – suportes para serem configurados; e por configuração, a acção dirigida à definição de um suporte como ferramenta. Assim, teríamos Temas Operativos Técnicos Directos (T.O.T.D.), aquelas estratégias orientadas à configuração directa da Base Negativa e Temas Operativos Técnicos Indirectos (T.O.T.I.), aquelas estratégias orientadas para a obtenção mais ou menos estandardizada de suportes de uma Base Negativa para serem configurados. O conjunto de T.O.T. constitui o corpo de uma Cadeia Operativa Técnica (C.O.T.), “actividades com um princípio e um fim definidos previamente à sua execução” (Carbonell et al., 1995); o conjunto de C.O.T. encaminhado à interacção com o meio por parte de um grupo, denominar-se-á Sistema Operativo Técnico (S.O.T.); e todo o “esquema operativo hierarquizante” fica englobado pela Unidade Ecosocial, que constitui o “conjunto de relações entre os sistemas produtivos de uma comunidade e do seu redor” (Carbonell, et al., 1995). O modelo de análise parte de uma desconstrução dos materiais categorizados em atributos, entendendo-se estes últimos, como “um carácter logicamente irredutível de dois ou mais estados, actuando como uma variável independente dentro de um marco de referência específico” (Clarke, 1984); e sua quantificação e estudo estatístico que permitirá detectar mode-

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xista, o perigo de se converter numa ideologia formalista que privilegia os elementos estáticos da realidade. Um aspecto que o identifica com a leitura estruturalista que fazem do próprio Marx estruturalistas marxistas como M. Godelier. Estudam-se os materiais líticos com base na dialéctica que lhes dá origem, a própria interacção de dois elementos líticos, entendendo-os dentro de um processo pelo qual se transforma um material obtido do meio natural. Entende-se que todo o elemento que intervém neste processo manifesta variações físicas consistentes, fundamentalmente na perda de volume, que transforma a sua singularidade em sequência: a sua qualidade de se desenvolver numa acção, num lugar e num tempo determinado do dito processo. Daqui resultam as categorias estruturais que são a base substancial da série de conceitos hierarquizados que formam o sistema (Carbonell, et al., 1985):

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los de regularidade cuja associação evidencia os métodos de elaboração e uso do instrumental lítico, entendendo-se que “todo o artefacto, sem excepção, reflecte um comportamento necessário para a sua fabricação e outro para seu uso” (Clarke, D.L., 1984). Os atributos considerados no estudo dos artefactos correspondem a caracteres Contextuais (Unidade Estratigráfica, Fase, Localização, Número de Identificação), Naturais (Natureza Petrográfica e Peso), Morfológicos (Largura, Altura, Espessura, Índice de Largura, Índice de Espessura, Perímetro Total e Perímetro do Gume) e Técnicos (Delineação do Gume, Ângulo do Gume, Modos de Retoque...)5. A quantificação e o estudo estatístico dos diferentes atributos conduzirá à definição de modelos de regularidade, tanto nos seus aspectos morfotécnicos como morfopotenciais e morfofuncionais, que, relacionados entre si, permitirão destacar diferentes T.O.T., estratégias de exploração e configuração que se organizaram graficamente numa matriz morfotécnica, o “instrumento analítico processual em que se representa de uma forma icónica da análise de um registo arqueológico desde a perspectiva do sistema lógico-analítico” (Carbonell et al., 1992). O estudo morfotécnico do material corresponde à consideração dos caracteres técnicos que este manifesta na morfologia dos materiais como consequência do processo de transformação, enquanto o morfopotencial e morfofuncional demonstram fenómenos mentais como propósitos e preferências, mostrando o primeiro a capacidade teórica de intervenção da morfologia, seus potenciais, e o segundo o modo real em que o objecto foi elaborado6.

A exposição dos resultados articular-se-á do seguinte modo, atendendo individualmente a cada sítio: primeiro a Gestão da Matéria-Prima, seguido da apresentação estatística das diferentes Categorias Estruturais, abordando num terceiro ponto, os Sistemas Técnicos de Produção, na sua exploração e configuração, terminando com as matrizes morfogenéticas. Depois do desenvolvimento individual de cada jazida concluir-se-á com uma síntese de projecção histórica no seu contexto regional.

10.3. Moinho de Valadares 1 *HVWmRGD0DWpULD3ULPD

A localização do sítio do Moinho de Valadares 1 próximo ao rio Guadiana, na sua vertente esquerda, limitado por cursos de água subsidiários, apresenta-se como um elemento essencial na compreensão do seu conjunto artefactual lítico. Os depósitos fluviais conservados e suspensos nesta zona, com níveis de grande potência de seixos rolados sobre o substrato de xisto, foram a fonte de matéria-prima maioritária deste povoado, realizada sobre quartzito7. Como já foi visto anteriormente, nas proximidades do sítio (num raio de 3 km) encontra-se a matéria-prima que abasteceu o povoado para elaborar a sua utensilagem: “O povoado encontra-se aproximadamente a 3 km (em linha recta, para sudeste) de uma área de terras argilosas e cascalheiras. Para norte, a 2,5 km, desenvolve-se uma mancha de rochas eruptivas (quartzodioritos) parcialmente sobreposta por terraços fluviais e delimitada por “anéis” de

A aplicação de alguns atributos é particular a algumas das categorias estruturais (ver anexo). este aspecto de análise será abordado parcialmente dado que no estudo se consideraram as marcas de uso somente observáveis macroscopicamente e não as características diversas destas, só observáveis ao microscópio. 7 GRPDWHULDOGHWUtWLFRTXHWUDQVSRUWDR*XDGLDQDpTXDUW]LWR 5 6

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8 9

10.3.2. Distribuição das Categorias Estruturais

Bases Naturais Conforme a definição já adiantada na Metodologia, consideram-se nesta categoria todos aqueles elementos líticos que evidenciam o uso pelo homem mediante marcas ou estigmas e que, ainda que formando parte do processo de talhe, não são suportes de exploração ou configuração. Não estão contemplados todos aqueles elementos líticos que, presentes no contexto antrópico, não apresentam evidências físicas do seu uso em qualquer actividade humana, mesmo que esta pudesse ter ocorrido. Da totalidade do espólio recuperado existem 245 Bn, destas 231 são fragmentos ou seixos rolados fracturados e afectados pela exposição continuada a altas temperaturas, 13 são fragmentos ou seixos rolados usados para percussão no processo de talhe e 1 é um fragmento de seixo rolado usado como suporte dormente na percussão8. Sobre as primeiras e mais abundantes, comprovou-se uma concentração muito significativa na UE 19 (50 fragmentos), UE 59 (21 fragmentos) e UE 46 (33 fragmentos): as UEs 19 e 59 foram interpretadas como solos de ocupação no interior das cabanas e definidos como ambientes específicos, onde se comprovou a presença de abundante material cerâmico e lítico, bem como fauna e algum carvão, e a UE 46, como um depósito de vertente acumulado durante a vida do povoado. As Bn relacionadas com o processo de talhe, ao contrário das anteriores, foram incluídas nas percentagens gerais relativas às categorias estruturais por estarem dentro da análise tecnológica. No entanto, dado o seu número ser pouco representativo9 e se apresentarem na

Bigorna (PTXDOTXHUFDVRRQ~PHURGHHOHPHQWRVpFRHUHQWHFRPRFRQMXQWR

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corneanas e xistos com manchas escuras. Cerca de 2 km para nordeste encontram-se outros depósitos de terraços fluviais e longos filões de quartzo e dolerito. A presença de granito mais próxima do povoado está registada numa pequena mancha na Herdade das Pipas a cerca de 2 km para noroeste, na margem esquerda do Guadiana” (Valera, 1999). Assim, aproximadamente 95% do espólio é realizado em quartzito e só 5% se reparte entre o quartzo, o xisto, o xisto jaspóide e o sílex. Enquanto que o primeiro se obtém maioritariamente de pequenos e grandes seixos rolados (entre 5 e 19 cm de comprimento e 3 a 12 de largura), o quartzo obtém-se ou de seixos rolados muito pequenos (de 5 cm), ou de quartzo procedente dos filões existentes no substrato de xisto. Esta circunstância não varia se atendermos às diferentes fases definidas para a jazida (Cf. ponto 4), já que as percentagens se mantêm sem variações significativas. O uso maioritário de quartzito justifica-se por ser o material disponível mais favorável para o talhe, que se encontra em grande quantidade e com volumes e tamanhos muito variados, ao contrário do quartzo que, para além de ter uma fractura mais irregular, só pode ser explorado para a obtenção de pequenas lascas, dadas as pequenas dimensões dos suportes. Finalmente, o xisto e o xisto jaspóide, apesar da abundância ou acessibilidade no território envolvente (sobretudo no caso do primeiro), devido à sua fragilidade a amostra reduz-se a poucas pontas de seta (possivelmente votivas) e alguns fragmentos retocados (suportes abandonados para pontas de seta). O único elemento em sílex presente no espólio procede de um seixo rolado muito pequeno com entalhe, que pode ser um elemento isolado, transportado pelo rio.

maioria, fracturadas (54%), as possibilidades que oferecem a um estudo estatístico são muito limitadas e reduzem-se ao observar que nas Bn mais achatadas e largas as marcas de percussão distribuem-se nas zonas mais angulosas correspondentes ao seu perímetro sagital.

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Bases Negativas de Primeira Geração de Exploração A representação das BN1GE, na totalidade do espólio, é de 4,6% (21), uma presença muito reduzida, ainda que significativa, já que é o primeiro indicador de uma Cadeia Operativa orientada para a obtenção de utensílios por meio de T.O.T.D.. Sem considerar os fragmentos, a dimensão média das BN1GE é de 6,3 x 5,4 x 3,4 cm, sendo a dimensão máxima de 8,2 x 6,5 x 5,5 cm e a dimensão mínima de 4,8 x 4 x 2,8 cm. É de salientar, em primeiro lugar, as percentagens de BN1GE realizadas sobre quartzo, que correspondem a 23,8% (5) do total, em contraposição aos 76,2% (15) das de quartzito, o que pressupõe uma anomalia relativamente ao resto das categorias, onde o quartzo está muito pouco representado. Este desequilíbrio na presença de quartzo, entre esta categoria e as restantes, explica-se pelo uso desta matéria-prima para os T.O.T.I. e não para os T.O.T.D., circunstância que não se verifica no caso do quartzito, onde a estratégia de produção se realiza por ambas, ainda que, principalmente por T.O.T.D.. 85,8% dos casos trata-se de núcleos não esgotados, sem planos de percussão preparados e que respondem a uma estratégia de exploração muito elementar. Estão presentes as BN1GE multipolares com 19% (4), as BN1GE unipolares com 14,3%(3) e as BN1GE bipolares com 14,3% (3), correspondendo o resto da percentagem a fragmentos de núcleos e indeterminados.

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Bases Positivas de Primeira Geração As BP1G são todos aqueles volumes de massa desprendidos de uma matriz (BN1G) como consequência de um talhe e que não têm evidências de uso ou que não foram explorados posteriormente para sua configuração e uso. A sua representação dentro do conjunto industrial é de 52,7% (241) – uma percentagem de elementos brutos ou residuais muito importante, uma vez que 74,2% (176) desta categoria é parcialmente cortical e 23% (55) é cortical, o que confirma a exploração das Bn “in situ”. Assim, a ausência de BP internas, explica-se pela simplicidade das estratégias de exploração e configuração, observável tanto nas BN1GE, como vimos anteriormente, como nas BN1GC, como veremos. Quanto à morfometria, as suas medidas médias são de 4,77 x 3,58 x 1,4 cm, sendo que, atendendo aos seus índices de largura e espessura, supõe um baixo índice de largura, 75,9 e um também baixo índice de espessura, 30,6. Trata-se então de formatos pouco largos e pouco espessos, não se observando variações significativas nas diferentes fases do sítio. Em 60,9% (145) dos casos, o bolbo é reduzido ou imperceptível e em 72,9% (173) tem um talão cortical, o que indica precisão e controlo em relação de forças entre as massas de impacto e uma ausência de necessidade em estratégias elaboradas para a exploração das Bn, tanto pelas características morfológicas naturais dos seixos rolados, como pelas exigências inerentes da sua finalidade. Muito significativa é a percentagem das BP originadas pelo continuado reavivamento das BN1GC, visíveis na superfície dorsal junto a alguns vestígios de uso procedentes da extracção, marcas maioritariamente de percussão. A sua representação percentual sobre o total de BP é 17% (41).

Bases Positivas de Primeira Geração de Configuração É a categoria mais representativa do conjunto artefactual, com 18,2% (83), dado que a sua configuração supõe um maior número de extracções que, somadas às originadas a partir do reavivamento dos gumes, resultam numa quantidade semelhante às BP e BN2G. Este facto, sugere que a estratégia de exploração se focaliza nos Temas Operativos Técnicos Directos de grande e médio formato, aproveitando-se os resíduos como ferramentas de formato mais pequeno, tão eventuais como eficazes. A dimensão média dos artefactos é de 8,45 x 6,81 x 3,56 cm, com um Índice de Largura de 81,9 e um Índice de Espessura de 42,53, o que supõe, em termos gerais, formatos de grande tamanho, pouco largos e pouco espessos. Se bem que se deva destacar o número também significativo de BN1GC de tamanho médio, pouco espessas e de configuração elaborada. A isto junta-se a progressiva diminuição no Índice de Espessura observada na primeira fase do sítio com 52,76 e na segunda fase com 32,91, que em qualquer caso se deve considerar com os receios evidentes, dada a

10

falta de espectro suficiente. O perímetro total é de 25,2 cm e o perímetro das unidades potenciais é de 9,54 cm, o que pressupõe que a unidade potencial do perímetro total da peça é, em média, de 2/5. As unidades potenciais, exclusivamente diedros, correspondem a 65,4% (53) de unifaciais e 34,5% (28) de bifaciais com um ângulo médio de 70º, com a seguinte distribuição: 90º com 7,6% (5). As marcas de uso e o grau de desgaste não existem em 15,5% (10) dos casos, em 53% (30) são marcadas e em 30,3% (20) chegam a ter o gume massacrado. Atendendo à relação entre as variáveis do ângulo dos gumes, o volume das peças e o grau de desgaste, comprova-se que quanto maior o volume das peças e maior ângulo, maior é o seu grau de desgaste. A localização dos gumes é frontal em 64,8% (35) dos casos, frontal-lateral em 14,8% (8), lateral em 12,9% (7) e periférico em 7,4% (4); a delineação dos gumes é convexa em 52,8% (37) dos casos, rectilínea em 28,5% (20), sinuosa em 7,1% (5), irregular em 10,1% (7) e côncava em 0,7% (1). Destaca-se o facto de que só em 30,3% (24) das BN1GC se observaram retalhes ou retoque, sendo maioritária a configuração a partir de uma série de configurações e o seu posterior reavivamento antes do seu desgaste. Bases Negativas de Segunda Geração de Configuração (BN2GC) No conjunto artefactual estas correspondem a 21,4% (98) dos casos se considerarmos as marcas de uso, reduzindo-se a 7,06% (33)

'HQRPLQDGRSRUFULWpULRVIRUPDLVFRPR´JRPRGHODUDQMDµ

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A morfologia mais frequente entre as BP é aquela que a um potencial recto diedro se contrapõe um dorso cortical convexo, algo mais espesso, próximo ao ângulo recto em relação ao plano sagital da peça, variando o eixo de extracção da peça, que não segue um padrão de regularidade, ainda que se possa destacar o eixo de extracção que procura o paralelo com a unidade potencial10.

Quadro 10-1 – Distribuição   das categorias estruturais por fase

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se só contemplarmos os elementos retocados – destas 92,7% (89) são em quartzito e 4,1% em quartzo11. A dimensão média das BN2GC é de 5,08 x 3,73 x 1,44 cm; o seu Índice de Alargamento é de 75,1 e o Índice de Espessura de 28,6%, confirmando, portanto, produtos pouco espessos, relação semelhante com as observadas no caso das BP. Em 33,3% (32) dos casos, as BN2GC são corticais e em 59,3% (57) parcialmente corti-

cais, proporção esta também semelhante às das BP e, que se explica pela estratégia de produção que se reflecte tanto nas BN1GE como nas categorias anteriores. O bolbo apresenta-se reduzido em 56,25% das BP e os talões são maioritariamente corticais, 72,9% (70) e lisos, 11,4% (11), não existindo exemplos de talões facetados que impliquem uma preparação elaborada dos planos de percussão.

236

2SWRXVHSRUVHFRQVLGHUDUQHVWDFDWHJRULDDTXHODV%3TXHDLQGDQmRWHQGRVLGRFRQÀJXUDGDVDSUHVHQWDPPDUFDV GHXVRVDEHQGRWRGDYLDTXHQRSURFHVVRGHWDOKHHVWHJUXSRÀFDIRUDGHVWDFDWHJRULD$VUD]}HVSDUDHVWHSURFHGLPHQWR enfatizam o facto de que não só a actuação sobre os elementos, mas também, a ausência da mesma, evidencia-se a eleição GDHVWUDWpJLDGHH[SORUDomRHGHÀQLomRDWpRXVRGHIHUUDPHQWDV&RQVLGHURXVHSRUWDQWRTXHDLQFOXVmRQHVWDFDWHJRULD HVWDYDMXVWLÀFDGDMiTXHDHYLGrQFLDPDWHULDOGRVHXXVRMiRGHQXQFLDYDDSHVDUGDHOHLomRGH´QmRFRQÀJXUDomRµGDV SRWHQFLDOLGDGHVREVHUYDGDVHHVFROKLGDVSDUDRLQVWUXPHQWR QmRVHVXEPHWHDXPDFRQÀJXUDomR WUDQVIRUPDomR GD%3 mas a dita transformação é lhe atribuída com posterioridade, como consequência de uma eleição e sua utilização).

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Uma vez exposta a distribuição estatística das categorias e seus atributos mais importantes, abordamos a análise do Sistema Técnico de Produção, que compreende toda actividade do homem dirigida para a transformação de uma matéria-prima, num elemento com novas qualidades ou potenciais para interactuar com o meio. Neste caso, o processo de transformação da pedra como matéria-prima em ferramentas para satisfazer diversas necessidades. São duas as estratégias dentro do sistema técnico de produção lítica: os Temas Operativos Técnicos Directos, estratégia direccionada até à configuração do próprio suporte BN1G e os Temas Operativos Técnicos Indirectos, nos quais o objectivo é, a partir de um suporte BN1G, a obtenção de produtos BP1G a configurar (BN2G) ou não para uso como ferramentas, ou entrar numa nova série de exploração e configuração. Por conseguinte, podemos dizer que o estudo dos T.O.T.I. é o estudo da exploração, enquanto que a configuração requer o estudo tanto dos T.O.T.D como dos T.O.T.I. 10.3.3.1. Exploração

A análise da exploração dentro de uma Cadeia Operativa, supõe o estudo dos diferentes T.O.T.I definidos, pelo menos parcialmente, por alguma das suas Unidades Operativas. Os T.O.T.I. presentes no sítio de Moinho de Valadares caracterizam-se por serem estratégias de exploração tecnicamente simples na elaboração dos produtos finais. 10.3.3.1.1. T. O. T. I. Unipolar

Encontra-se maioritariamente representado na cadeia operativa lítica do sítio em estudo.

Efectua-se em quartzito, sobre Bn elipsóides com maior ou menor tendência rectangular, aproveitando-se como plano de percussão cortical a face com o plano horizontal de maior extensão e mais regular, sem que exista uma preparação prévia. A intervenção de forças para a exploração é realizada por uma percussão directa que procura ângulos abruptos ou simples, procurando nas fases iniciais de exploração, ângulos simples, quando o extremo distal da Bn carece de um volume suficiente. Esta preferência origina produtos potenciais iniciais amplos distais, com um gume agudo e convexo, cujos planos de interacção são por um lado, o dorsal cortical e o ventral, sendo funcionalizados de forma causal, sem necessidade de se proceder à sua configuração. A exploração da Bn continua com uma configuração alternada dos pontos de impacto de forma ziguezagueante em disposição adjacente relativamente às faces das BP, obtendo-se em cada série das BP semicirculares, que deixam num dos seus lados um amplo gume normalmente rectilíneo e no lateral oposto um talão cortical grosso semicircular. Como resultado deste procedimento, a face dorsal das BP apresenta a soma dos negativos das extracções prévias, em regra geral no paralelo com o gume, e o eixo de simetria da peça é com frequência perpendicular ao eixo de extracção. Esta estratégia de exploração é denominada como T.O.T.I. Longitudinal Unipolar Massivo Recorrente. Nesta cadeia operativa é possível observar a presença de um T.O.T.I. Periférico Unipolar Adjacente realizado também em quartzito, sobre Bn possivelmente de grande largura e espessura, aproveitando-se como plano de percussão cortical a face com o plano horizontal de maior extensão e mais regular, sem que exista uma preparação prévia ou, em todo o caso, como se documentou entre as BN1GC, apro-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Memórias d’Odiana R 2ª série

10.3.3. Sistemas Técnicos de Produção

veitando-se uma fractura natural prévia. A exploração é periférica a partir de único plano de percussão, que envolve a peça com uma série de levantamentos de grande amplitude e ângulo simples, que evita a perda excessiva de massa e da obtenção de BP demasiado espessas), alternando com séries de levantamentos de menor amplitude.

10.3.3.1.2. T. O. T. I. Bipolar

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É um T.O.T.I. ocasional, realizado sobre Bn de quartzito, seixos rolados fluviais elipsoidais de um volume maior, mais grossos, que exigem uma exploração em ambas as faces, tanto pelo plano mais horizontal e regular, como por outra face convexa. O resultado são BP que podem apresentar uma morfologia variada e vários potenciais, em muitos casos similares ao T.O.T.I. Longitudinal Massivo Recorrente; o facto de as suas faces dorsais apresentarem três negativos de extracção, um deles numa extremidade, é normalmente indicativo de que nos encontramos perante um T.O.T.I. Bipolar Oposto. Localizaram-se dois BN1GE e algumas BP com as características anteriormente mencionadas. No entanto, as BN1GE localizadas, encontram-se numa última fase de exploração e poderiam muito bem tratar-se da última fase de exploração, incluindo de um T.O.T.I. Longitudinal Massivo Recorrente. Trata-se de uma estratégia de exploração que parte dos mesmos pressupostos e os seus produtos resultantes são similares, o que torna a sua definição complexa. Esta estratégia de exploração está também presente na produção de BN2GC como as pontas de seta sobre xisto, já que a mesma estrutura laminar desta matéria-prima exige uma exploração numa única direcção, de preferência explorada

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bipolarmente, mediante levantamentos opostos sucessivos. Estão presentes na cadeia operativa BP que indicam esta possibilidade, ainda que não se tenha contabilizado nenhuma BN1GE.

10.3.3.1.3. T. O. T. I. Multipolar

Incluem-se neste grupo todos aqueles BN1GE que apresentam mais de duas superfícies de exploração e que adaptam a sua estratégia de exploração ao progresso morfológico da peça sem nenhum esquema pré-estabelecido. Encontramo-los documentados na cadeia operativa do Moinho de Valadares sobre quartzo e quartzito por BN1GE, ainda que não existam BP ou BN2GC que se possam atribuir a este grupo com segurança, já que os produtos resultantes desta estratégia de exploração são muito variáveis. De qualquer forma, em todos os exemplos presentes sobre quartzito, o grau de aproveitamento é baixo, ao contrário dos exemplos documentados sobre quartzo.

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A sequência de configuração consiste da definição da morfologia e do potencial ou potenciais, tanto sobre um suporte Bn directamente (T.O.T.D.), como sobre produtos resultantes da sequência de exploração (T.O.T.I.). Os critérios de definição das diferentes estratégias de configuração. A sua classificação partirá da distinção do Tema Operativo Técnico a que pertencem, seja Directo ou Indirecto, atendendo-se, como critério para sua ordenação, às dimensões dos produtos configurados, segundo os parâmetros analíticos baseados no modo de pressão dos utensílios (Plana & Rando, in Carbonell et al., 1995).

A. Formato Mediano – Um primeiro grupo caracteriza-se por morfologias originais pouco largas (Ia=80,8), de tamanho médio, com um único potencial diedro em que a extremidade distal ou proximal, configurando um gume com uma única série de grandes levantamentos unifaciais (excepcionalmente bifaciais), de ângulo agudo e delineação continua, rectilíneo ou convexo, produzindo-se diedros cuja secção sagital é assimétrica. Partindo desta mesma estratégia encontra-se uma configuração bifacial mais elaborada a partir de três séries de levantamentos de menor amplitude progressiva, que define potenciais diedros de gumes ligeiramente convexos no extremo proximal, em morfologias pouco espessas (Ie: 31,6), de onde existe uma grande diferença de largura entre o extremo distal e proximal; 9-3-4. – Um segundo grupo caracterizado por morfologias sub-circulares (Ia: 90,25), muito pouco espessas (Ie: 29), de tamanho mediano, com um potencial diedro, unifacial e periférico que supõe mais de ¾ partes da periferia; configurando a partir de uma série de levantamentos

abruptos ou duas séries de levantamentos: uma primeira série simples e uma segunda abrupta, definindo ambas uma delineação denticular do gume. Detectaram-se casos em que selecção dos suportes pouco espessos motivaram o aproveitamento de Bn de fractura natural longitudinal; 4-3. – O terceiro grupo caracteriza-se pela Configuração periférica a partir de um único potencial diedro unifacial de extensão periférica, que envolve a peça com uma série de levantamentos de grande amplitude e ângulo simples, que pode seguir-se, em alguns casos, de uma série de levantamentos de menor amplitude conservando a sua extremidade cortical. A morfologia resultante é alargada (Ia: 72,6) e relativamente espessa (Ie: 56,3). Tal é semelhante ao caso do grupo anterior, a preferência de suportes pouco espessos motivou a selecção de Bn com fractura natural longitudinal; 4-3. – O quarto grupo que se caracteriza pela definição de um potencial diedro unifacial, lateral, com duas séries de levantamento que configuram o gume ligeiramente convexo (num caso de delineação denticular) e com uma morfologia de tamanho médio, mais alargado (Ia: 73,5) e de pouca espessura (Ie: 39,5); 2. – Por último, um grupo formado por utensílios, de médio formato, morfologia alargada (Ia: 75,5) e uma espessura média (Ie: 50), com duas unidades potenciais diedros, unifaciais, uma distal e outra lateral; realizados por uma série de levantamentos amplos e abruptos, que configuram gumes de delineação regularizada, ligeiramente convexos no potencial lateral e convexo no distal, conservando a corticalidade do lateral oposto e o extremo proximal para a preensão da peça; 2.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

239

Memórias d’Odiana R 2ª série

Configuração dos T. O. T. D. A configuração directa de Bn, seleccionadas entre seixos rolados fluviais de quartzito, é uma estratégia muito representada dentro da cadeia operatória do sítio em estudo, tanto por BN1CG, como por BP; destina-se à obtenção de produtos maioritariamente de médio e grande formato, com potenciais diedros, mediante uma sequência de configuração, na sua maioria, com uma única série de levantamentos. Foi possível determinar uma série de grupos, atendendo a uma selecção inicial do suporte, selecção e adequação dos potenciais e a relação com a morfologia de peças a estes.

– Entre os diversos materiais encontramos com um caso de morfologia de formato médio, pouco alargada (Ia: 93) e pouco espessa (Ie: 25), que apresenta um potencial diedro distal realizado a partir de uma série de levantamentos profundos e planos, longitudinais à morfologia da peça e duas extracções oblíquas ao eixo morfológico em ambos os extremos do potencial, a modo de entalhe, resultando um gume central reduzido e convexo; 1. B. Grande formato – Um primeiro grupo sobre seixos rolados de morfologia muito espessa (Ie: 46,3; Ia: 68,5), com potenciais unifaciais ou bifaciais de delineações variadas (convexas, rectilíneas e irregulares) e ângulos muito abertos, configurados a partir de extracção de grande amplitude. Apresentam um gume normalmente massacrado por um uso continuado; 10. – Um segundo grupo sobre seixos rolados de grandes dimensões de morfologia variada que apresenta potenciais unifaciais de gumes de menor dimensão e ângulos agudos; 5. – Um terceiro grupo sobre seixos rolados de grandes dimensões, de morfologias espessas também variadas, mas que apresentam vários potenciais configurados nos laterais de forma alternada; 4.

Memórias d’Odiana R 2ª série

240

– Por último, um grupo pouco definido e de caracteres diversos que compartem o facto de apresentar um potencial configurado sobre grandes formatos; 8. Pelo exposto, deparamo-nos com uma selecção de morfologias naturais determinadas com vista a economizar os gestos técnicos para obter o produto útil final, de tal forma

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

que a configuração dos potenciais não requer, em nenhum momento, de uma preparação prévia do suporte que se adapta em cada circunstância aos perfis que a morfologia natural oferece, centrando-se a configuração em definir gumes úteis sobre os ditos perfis. Destaca-se, portanto, a simplicidade técnica, em regra geral, com uma série de extracções de média e grande amplitude que apesar de poderem resultar num número reduzido e concentrar-se somente no gume, não implicam uma grande perda de volume, nem uma variação substancial na morfologia original, como já havia referido. No caso concreto dos suportes configurados sobre grande formato, observa-se que a série inicial de configuração, seguindo-se o reavivamento do gume, que é muito abundante tanto na sua representação de BN1GC, como nas BP estudadas. Não existem potenciais triedros na amostra. No entanto, observa-se o uso intensivo de diedros, aproveitando a extremidade do potencial diedro num ângulo da peça, que supõe em definitivo a convergência de três pequenos planos: os dois planos rectos do potencial diedro e um cortical ligeiramente convexo. Configuração dos T. O. T. I. Configuração dos T.O.T.I. na cadeia operativa aqui em estudo orienta-se para a obtenção de utensílios de médio e pequeno tamanho, a partir da selecção de potenciais BP que não requerem transformação ou, pelo menos, requerem uma transformação mínima. Foi possível determinar uma série de grupos atendendo aos critérios apontados anteriormente na selecção inicial do suporte, selecção e adequação dos potenciais e da relação com a morfologia de peça.



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– Uma variante a partir do grupo anterior são os suportes que sobre a extremidade lateral de um potencial distal apresentam um entalhe amplo; 3.

– Um quarto grupo formado por BP de pequeno formato, parcialmente corticais e espessas, procedentes dos T.O.T.I. unipolares longitudinais, a partir dos suportes de tendência semicircular que apresentam um lateral rectilíneo espesso não cortical e, no lateral oposto, uma frente cortical semicircular mais espessa que forma um potencial diedro de ângulo abrupto que apresenta retoques marginais e marcas de uso; 5.

– Um terceiro grupo seria formado pelas BP corticais iniciais que não apresentam um

– Um quinto grupo de BP de pequeno formato e morfologia diversa que apresenta um

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

241

Memórias d’Odiana R 2ª série

– Um primeiro grupo foi caracterizado pela selecção de BP corticais da extremidade inicial dos seixos rolados, de pequeno e médio formato, suportes cuja extremidade distal desenvolve um potencial diedro largo com um gume agudo e ligeiramente convexo, que apresentam frequentemente marcas de uso e/ou retoques isolados, marginais e simples, enquanto que na extremidade proximal apresentam um dorso cortical e espesso, apto para a preensão do utensílio; 13.

potencial diedro configurado a partir de retoques denticulados; 6. – Um grupo formado pelos BN2GC a partir de BP de xisto muito pouco espessos, com retoque parcial escalariforme marginal num caso e retoque plano remontante noutro; 2. – Finalmente, um grupo numeroso de BP de morfologia diversa, de pequeno e médio tamanho com gumes diedros que apresentam retoques isolados, que se configuram como frentes abruptos, como frente simples; 12 + 6.

10.3.1. Análise Morfofuncional

Memórias d’Odiana R 2ª série

242

Neste ponto pretende-se uma aproximação à função dos utensílios líticos, isto é, o modo como o dito objecto está pensado para ser utilizado e em algum dos casos, o seu uso, o modo como o dito objecto foi utilizado. Atender-se-á à morfologia dos utensílios, à forma definitiva em que nos chegou depois de serem transformados no processo técnico de produção e modificados no processo de funcionamento. Consideraram-se uma série de variáveis morfológicas observáveis macroscopicamente, como: o modo de configuração das unidades potenciais, a relação situacional das unidades potenciais com respeito à morfologia da peça, o volume e geometria geral da peça e das características das marcas de uso macroscópicas. Portanto, esta análise é, consequentemente, um avanço preliminar em que se analisa a função, sem que permita abordar a discussão do uso concreto que lhe foi atribuído, conclusão esta a que só se pode chegar mediante um estudo pormenorizado e microscópico dos vestígios de uso. As categorias consideradas nesta análise serão as BN1GC e as BN2G, ainda sem considerar o seu volume total, devido à discrimi-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

nação prévia daquelas unidades cujo modo de ser utilizado a partir dos parâmetros indicados que ofereciam sérias dúvidas, ou por não serem parâmetros suficientemente significativos, ou por estarem fracturados. Assim a percentagem de peças consideradas é de 56,6 % sobre o total: 102 peças em 180. Atendendo à acção realizada com peças líticas, ou seja, o modo em que foram utilizadas, temos: – Cortar, consiste em separar ou dividir uma superfície ou objecto mediante a acção de sulcar sob pressão num movimento longitudinal com um objecto cortante. O efeito consegue-se mediante a relação da pressão exercida pelo gume cortante e o movimento bidireccional do objecto activo. Esta acção requer gumes vivos, muito agudos, sem retoques ou apenas com retoques simples marginais, com trajectos amplos e delineação preferencialmente rectilínea ou ligeiramente convexa, não precisando de grande volume. Trata-se de uma acção presente numa percentagem maioritária entre os utensílios: 41, 3%. A estratégia de obtenção destes utensílios viabiliza-se unicamente através dos T.O.T.I., sendo o grosso das morfologias das BP obtidas das “explorações” unipolares aptas para cortar, seja directamente, ou depois de uma configuração mínima. – Truncar, que consiste em separar ou dividir um objecto mediante a acção de rachar por golpe com um objecto cortante. O efeito consegue-se por meio da força exercida pela massa do objecto cortante com o gume no extremo num movimento na vertical do objecto a dividir. Esta acção requer uma grande massa do objecto activo, já que o resultado da operação depende mais da relação massa-movimento

– Percutir, consiste na acção de golpear um objecto com outro de maior ou menor volume. A sua função de golpe, ainda que possa necessitar de diferente grau de precisão, não requer normalmente uma transformação prévia do suporte original, seixos rolados fluviais que em todo o caso proporcionam volumes e morfologias variadas. Porém, no conjunto estudado observa-se uma possível reutilização do uso paralelo das BN1GC, configuradas inicialmente para a acção de truncar, possivelmente, daí o massacre dos gumes. No conjunto estudado, existem um máximo de 32,7% (34) de utensílios que em algum momento poderiam funcionar como percutores, se bem que a configuração do suporte se deva a uma função inicial dirigida à acção de truncar, no entanto, entre os suportes que não foram explorados temos um total de 13 Bn funcionando como percutores. – Raspar, consiste em raspar com um objecto com gume numa superfície para eliminar ou rebaixar a superfície do outro objecto ou material. O efeito que se consegue mediante a relação da pressão exercida pelo gume de deli-

neação convexa e de ângulo preferencialmente abrupto e o movimento unidireccional do objecto activo, dispondo-se o gume em posição transversal em relação ao movimento. Obtiveram-se utensílios para serem utilizados deste modo, tanto de entre os T.O.T.I. como dos T.O.T.D.. Procedente dos T.O.T.I. Unipolares longitudinais, os utensílios são de pequeno formato, parcialmente corticais e espessos, com uma morfologia de tendência semicircular que apresenta um lateral rectilíneo, espesso, não cortical e no lateral oposto uma frente cortical semicircular mais espesso que forma um potencial diedro de ângulo abrupto que apresenta retoques marginais e marcas de uso, no entanto, os utensílios configurados nos T.O.T.D., de formato médio, apresentam uma morfologia e uma configuração variada, em que predominam os gumes agudos de uma assimetria sagital que apresentam um plano de diedro alinhado com o plano das BN1G horizontal. – Serrar, consiste em separar ou dividir uma superfície ou um objecto mediante a acção de fender sob pressão num movimento longitudinal com um objecto de gume dentado; portanto, o efeito consegue-se pela acção conjunta pelo gume dentado e um movimento bidireccional. Na cadeia operatória lítica em estudo estão presentes utensílios preparados para serem utilizados deste modo a partir tanto dos T.O.T.I., como dos T.O.T.D. Os rasgos comuns que apresentam são um potencial diedro configurado mediante retoque denticular, com gumes rectílineos ou ligeiramente convexos. – Perfurar, consiste em atravessar um objecto ou superfície com um objecto com gume pungente mediante pressão ou projecção. No caso da cadeia operatória em estudo estão

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

243

Memórias d’Odiana R 2ª série

que gume-movimento, o gume sendo necessário para rachar deve ter um ângulo superior a 40º aproximadamente, de outro modo, a resistência nula do gume à violência do golpe tornaria a operação inviável. Existe uma percentagem maioritária de utensílios dirigidos a esta acção, 37,5 %, todos eles realizados a partir de T.O.T.D., sobre grandes volumes, só numa percentagem mínima destes se pode definir a acção de truncar por separado da acção de percutir, dado o grau de massacre que apresentavam gumes na maioria dos casos, evidenciavam tanto o uso para truncar como, em segunda instância, para percutir.

presentes dois exemplos de projécteis perfurantes em duas pontas de seta realizadas sobre xisto, que de qualquer maneira, dadas as suas características físicas oferecem dúvidas da sua efectividade como tais e apresentam a possibilidade de poder tratar-se de elementos votivos. Ainda que a totalidade das estratégias de exploração entre os T.O.T Indirectos estejam presentes em todos os seus temas operativos, a verdade é que no caso do T.O.T.I Multipolar e o Bipolar, existe uma indeterminação no que respeita às BN2G, já que não existe entre elas nenhuma que possa atribuir exclusivamente a este T.O.T.I, dado que entre as possíveis, todas partilham características com as BP procedentes dos T.O.T.I. Unipolares. Não obstante, tanto num caso como no outro o T.O.T.I deve considerar-se completo. Por outro lado, é possível que os T.O.T.I. Unipolares em determinadas ocasiões se tenham desenvolvido a partir da exploração do instrumento resultante de um T.O.T.D. excluído, ou vice-versa, circunstância em si mesma dificilmente comprovável para além da constatação dos utensílios com marcas de uso com morfologias de características mais próximas ao resultado de uma exploração, que para o seu uso. Este facto

é altamente provável dado que na realidade os gestos técnicos e o progresso da transformação morfológica no processo da produção dos T.O.T.D. e T.O.T.I são idênticos nas estratégias que são maioritárias. Em geral, a cadeia operativa lítica de Moinho de Valadares funda a sua economia de produção nos T.O.T. directos, ou seja, aqueles dirigidos à configuração em primeira instância dos suportes de seixos rolados fluviais para a realização de instrumentos. Com os mesmos procedimentos técnicos em ambos os T.O.T., os produtos resultantes dos T.O.T.D. são susceptíveis de uma maior variabilidade morfotécnica e morfopotencial e, portanto, resulta de uma estratégia de produção mais versá-



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Quadro 10-3 – Utensílios por categoria funcional

Memórias d’Odiana R 2ª série

244

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OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Bases Naturais Conforme a definição já adiantada na metodologia, consideram-se nesta categoria todos aqueles elementos líticos que evidenciam um uso humano mediante marcas ou

Bases Negativas de Primeira Geração de Exploração A representação das BN1GE, na totalidade do espólio, é de 10,34% (12), encontrando-se portanto uma percentagem significativa.

10.4. Mercador *HVWmRGD0DWpULD3ULPD

12

Bigorna

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

245

Memórias d’Odiana R 2ª série

10.4.1.1. Distribuição das categorias estruturais

estigmas, e que, ainda que fazendo parte do processo de talhe, não são suportes de exploração ou configuração. Não foram contemplados todos aqueles elementos líticos que, presentes em contexto antrópico, não apresentam evidências físicas do seu uso em qualquer actividade humana, mas que ainda assim pudesse ter ocorrido. No total, do espólio recuperado, 173 Bn das 159 são fragmentos ou seixos rolados fracturados e manchados pela exposição continuada a altas temperaturas; 19 elementos de moagem, dos quais 3 são Bn usadas como percutores e 2 são Bn usadas como suporte dormente na percussão12. Sobre as primeiras e mais abundantes, importa referir que a sua abundância se deve à existência de contextos de habitação nos quais o lume e o uso do fogo, em geral, requer o uso de seixos rolados pela sua capacidade de reter o calor; para a dita função utilizavam-se não somente materiais reconhecidos expressamente para o dito uso, mas também BN1GE configuradas ou exploradas que eram reaproveitadas, dos quais se encontraram vários exemplos frequentemente fragmentados. Do resto das Bn destacamos o reaproveitamento de elementos de moagem que formam um grupo muito definido, maioritariamente realizado sobre diorito, nas quais existem vestígios muito marcados de desgaste por fricção em todo o perímetro das peças de morfologia sub-circular ou elipsoidal.

til. Os T.O.T.I. complementam os anteriores numa série de instrumentais que são inviáveis por configuração directa, pelos seus requesitos morfopotenciais e carácter sumamente efémero e que, portanto, requerem estandardização, como é o caso dos utensílios cortantes. Observa-se, pois, uma cadeia operatória lítica perfeitamente conseguida, na qual se alcançam altos níveis de retroalimentação e portanto se economiza a energia empregue. Uma cadeia operativa na qual as estratégias de produção estão adaptadas à matéria-prima e às morfologias naturais das proximidades e aplicação minoritária, complementar e especializada de técnicas mais desenvolvidas sobre as outras matérias-primas que requerem outras soluções. O mesmo será dizer que a aplicação simples e efectiva das estratégias de exploração e configuração unipolar que permitem o aproveitamento ou reaproveitamento dos suportes de seixos rolados fluviais e emprego da configuração do retoque plano ou escaliforme que aportam o instrumental complementar sobre outra matéria-prima do entorno, como o xisto.

Quadro 10-4 Cadeia operativa do Moinho de Valadares 1.

Memórias d’Odiana R 2ª série

246

Sem considerar os fragmentos, a dimensão média das BN1GE é de 7,5 x 6,1 x 3,9 cm, sendo a dimensão máxima 11,4 x 7,2 x 4,1 cm e a dimensão mínima 5,2 x 5,1 x 1,1 cm. A matéria-prima empregada é exclusivamente o quartzito, circunstância esta que supõe um feito discordante, se tivermos em conta que existem BP e BN2G exploradas e configuradas sobre outros materiais como o quartzo e o xisto jaspóide, especialmente no caso dos T.O.T.I. sobre pontas de seta que são realizadas sobre estes dois últimos materiais. Apenas em 33,3% (4) dos casos, a BN1GE se encontra esgotada ou muito explorada, sem que esta circunstância coincida com uma estratégia específica de exploração. Em 83,3% (10) o plano de percussão é cortical e não preparado, correspondendo a uma estratégia de exploração muito elementar. Estão presentes as BN1GE unipolares em 58,3% (7) dos casos, as BN1GE bipolares apresentam-se em 16,6% (2), correspondendo o resto da percentagem a fragmentos de núcleos e indeterminados 25% (3).

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Bases Positivas de Primeira Geração A sua representação dentro do conjunto industrial é de 16,38% (19), uma percentagem de elementos brutos ou residuais muito importante que, a juntar a isto 47,37% (9) desta categoria é cortical e 42,1% (8) parcialmente cortical, nos confirma a exploração das Bn “in situ” e, para além desta circunstância, explicam a simplicidade das estratégias de exploração e configuração, observável tanto nas BN1GE como nas BN1GC. Quanto à sua morfometria, as suas medidas médias são 4,4 x 3,5 x 1,3 cm, o que atendendo ao seu índice de largura e espessura, supõe um baixo índice de largura com 57,9% e um índice de espessura também baixo (30,12). Trata-se portanto de formatos pouco largos e pouco espessos, não se observando variações significativas nas diferentes fases do sítio. No que respeita aos bolbos, 68,4% (13) são reduzidos ou imperceptíveis e 68,4% (13) tem um talão cortical, o que indica, por um lado precisão e controlo na relação de forças entre as massas que chocam e, por outro, ausência

marcadas ou chegam a ter o gume massacrado. Se tivermos em conta a relação entre as variáveis do ângulo dos gumes, o volume das peças e o grau de desgaste, comprova-se que quanto maior é o volume de peças e o ângulo, maior é o grau de desgaste dos mesmos. A localização dos gumes é frontal em 68,6% (24) dos casos, frontal-lateral em 20% (7), lateral em 5,7% (2) e periférico em 5,7% (2), a delimitação dos gumes é convexa em 64,9% (24) dos casos, rectilínea em 16,2% (6), sinuosa em 8,1% (3), côncavo em 8,1% (3) e irregular em 2,7% (1). De destacar o facto de apenas 34,2% (13) das BN1GC apresentarem retalhe ou retoque, sendo maioritária a configuração a partir de uma única série de configuração e o seu posterior reavivamento antes do seu desgaste, 65,7% (25) com retoque ou retalhe.

Bases Negativas de Primeira Geração de Configuração Trata-se da categoria mais representativa dentro do conjunto artefactual, 42,24% (49). A dimensão média dos artefactos é de 9,9 x 7,3 x 4,2 cm, com um índice de largura de 74,9 e um índice de espessura de 42,3, o que em termos gerais supõe formatos de grande tamanho, pouco largos e espessos. O perímetro total é de 29,3 cm e o perímetro das unidades potenciais é de 9,6 cm o que supõe que a unidade potencial sobre o perímetro total da peça seja de 1/3 como média. Relativamente às unidades potenciais, são exclusivamente diedros, unifaciais em 68,5% (22) dos casos e bifaciais em 31,25% (10), o ângulo médio de 73º, sendo a distribuição a seguinte: 90º. As marcas de uso e o grau de desgaste não se verificam em 14,3% (5) dos casos, em 31,4% (11) são marcadas e em 54,3% (19) são muito

Bases Negativas de Segunda Geração de Configuração (BN2GC) Consideram-se como BN2G 31,03% (25+8+3) se considerarmos as BP com marcas de uso, reduzindo este valor para 18,5% (15+8+3) se contemplarmos apenas os elementos retocados; dos quais, 1% são de quartzito e 1% em quartzo. As BN2GC apresentam como dimensões médias 5 x 4 x 1,6 cm, o seu índice de largura é 80,62 e o índice de espessura 42,35, originando

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Quadro 10-5 Representatividade das categorias estruturais

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

247

Memórias d’Odiana R 2ª série

da necessidade de estratégias elaboradas para a exploração das Bn, tanto pelas características morfológicas naturais dos seixos rolados, como pelas exigências da sua finalidade. A percentagem das BP originadas pelo continuo reavivamento das BN1GC é de 21% (4) manifestando na superfície dorsal, junto de algum dos gumes, vestígios de uso precedentes à extracção, marcas maioritariamente de percussão. À semelhança dos casos anteriormente estudados, a morfologia mais repetida entre as BP é aquela que a um potencial recto diedro se contrapõe um dorso cortical convexo, mais espesso, próximo do ângulo recto relativamente ao plano sagital da peça, variando o eixo de extracção da peça, que não segue um padrão de regularidade, ainda que possa destacar-se aquele eixo de extracção que procura o paralelo com a unidade potencial.

portanto produtos muito pouco largos e pouco espessos, relações similares às observadas no caso das BP. O valor de 33,3% (6) das BN2GC são corticais e 61,1% (11) parcialmente corticais, proporção que é também similar nas BP, e que se explica pela estratégia de produção que se reflecte tanto nas BN1GE, como nas categorias anteriores. Das BP, 66,6% (14) possui um bolbo reduzido, os talões são maioritariamente corticais em 68,2% (15) dos casos e lisos em 31,8% (7), não existindo exemplos de talões facetados que impliquem uma preparação elaborada dos planos de percussão.

10.4.2. Sistemas Técnicos de Produção 10.4.2.1. Exploração

Os T.O.T.I. presentes no sítio do Mercador caracterizam-se, tal como os do Moinho de Valadares, por serem estratégias de exploração tecnicamente simples na exploração dos produtos finais.

10.4.2.1.1. T.O.T.I. Unipolar

Memórias d’Odiana R 2ª série

248

À semelhança dos sítios anteriormente estudados, estes T.O.T.I. apresentam-se maioritariamente representados na cadeia operativa lítica do sítio em estudo, encontrando-se exemplos em todas as categorias. Elaboradas em quartzito, sobre Bn elipsoidais com maior ou menor tendência rectangular, aproveitando-se como plano de percussão cortical a face com o plano horizontal de maior extensão e mais regular, sem que exista uma preparação prévia. A interacção de forças para a explora-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

ção é realizada por uma percussão directa que procura ângulos abruptos ou simples, procurando nas fases iniciais de exploração ângulos simples, quando o extremo distal da Bn carece de um volume suficiente. Esta preferência possibilita logo nos produtos iniciais largos, potenciais distais, com um gume agudo e convexo, cujos planos de interacção são, por um lado o dorsal cortical e o ventral, sendo funcionalizados sem necessidade de se proceder à sua configuração. A exploração da Bn continua com uma configuração alternada dos pontos de impacto de modo ziguezagueante, em disposição adjacente relativamente às faces das BP, obtendo-se em cada série de BP semi-circulares que deixam num dos seus lados um amplo gume, normalmente rectilíneo e, no lateral oposto, um talão cortical grosso semicircular. Como resultado deste procedimento, a fase dorsal das BP apresenta a soma dos negativos das extracções prévias, em regra geral no paralelo com o gume, e o eixo de simetria da peça é com frequência perpendicular ao eixo de extracção. Esta estratégia de exploração é denominada como T.O.T.I. Longitudinal Unipolar Massivo Recorrente que é maioritária no sítio. Existe também um exemplo entre as BN1GE de exploração do T.O.T.I. Periférico Unipolar Adjacente realizado também em quartzito, sobre Bn originalmente de maior largura e espessura, aproveitando-se como plano de percussão cortical da face com o plano horizontal de maior extensão e mais regular, sem que exista uma preparação prévia ou, em todo o caso, como foi documentado pelas BN1GC, aproveitando uma fractura natural prévia. A exploração é periférica a partir de um único plano de percussão que envolve a peça com uma série de levantamentos de grande amplitude e ângulo simples (que evita

10.4.2.1.2. T.O.T.I. Bipolar

Localizaram-se dois BN1GE porém não se definiu nenhuma entre as BP com as características anteriormente assinaladas. Trata-se de uma estratégia de exploração que parte dos mesmos pressupostos e os seus produtos resultantes são similares, o que torna a sua definição complexa. Tal como se destacará no caso do Monte Tosco, esta categoria de exploração está também presente na produção de BN2GC como as pontas de seta em xisto (7, sendo 3 de base recta e 3 de base côncava), ainda que não se tenha detectado nenhum exemplo de suporte ou BN1GE. Não obstante a estrutura laminar desta matéria-prima exige uma exploração numa única direcção, preferencialmente explorada bipolarmente mediante levantamentos opostos sucessivos.

10.4.2.1.3. T.O.T.I. Multipolar

Não se localizaram nenhuns exemplos de BN1GE pertencente a este T.O.T.I.. &RQÀJXUDomR

Passaremos agora a analisar os critérios de definição das diferentes estratégias de configuração. Distinguiremos el T.O.T. a que pertencem utilizando como critério para sua ordenação as dimensões dos produtos configurados, segundo os parâmetros analíticos baseados no modo de pressão dos utensílios (Plana & Rando, in Carbonel et al., 1994).

Configuração nos T.O.T.D. Deparamo-nos novamente com uma cadeia operativa lítica na qual a configuração directa de Bn seleccionadas entre os seixos rolados fluviais de quartzito é uma estratégia que corresponde a modelos técnicos simples, com uma representação similar de produtos configurados ao T.O.T.I.. Dentro da cadeia operativa do sítio, à semelhança dos casos estudados anteriormente, as BN1GC apresentam uma estratégia dirigida para a obtenção de produtos maioritariamente de médio e grande formato, com potenciais diedros, maioritariamente, mediante uma sequência de configuração com uma única série de levantamentos. Em todo o caso a Cadeia Operativa Lítica do Mercador destaca-se por uma menor padronização, maior simplicidade técnica e uma consequente menor variedade de objectos configurados. Conforme os critérios anteriores, atendendo à selecção inicial de suporte, selecção e adequação dos potenciais e a relação com a morfologia da peça destes, os grupos definidos reduzem-se a formato médio e grande. Configuração nos T.O.T.I. Como no caso dos T.O.T.D., encontramo-nos perante um conjunto pouco padronizado, o que reunido ao número reduzido de elementos que o compõem, impossibilita a eleboração de grupos por estratégia de configuração. Não obstante, apesar disso podem destacar-se alguns elementos nesse sentido, que respondem a modelos já observados no sítio anterior: – É o caso do grupo formado pelas BP, que sendo provenientes de um T.O.T.I. Unipolar Massivo Recorrente, aproveitam a morfologia resultante formada por um potencial

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

249

Memórias d’Odiana R 2ª série

a perda excessiva de massa e a obtenção de BP demasiado espessas), alternando com séries de levantamentos de menor amplitude.

diedro amplo, fio agudo, ao qual se aplica uma série de retoques marginais, ao qual se opõe um talão cortical, convexo mas espesso. – As BP iniciais obtidas a partir do T.O.T.I. Unipolar Massivo Recorrente, corticais, com uma morfologia conformada por um potencial diedro formado pelo córtex e face interna, oposto a um talão cortical mais espesso, também são aproveitadas para uso com o fio vivo ou sujeito a uma ligeira configuração mediante a aplicação de uma série de retoques marginais. – Por último, surgem algumas BP de morfologia variada, mas que proporcionam um potencial que é configurado mediante retoque denticular aplicado sobre parte do diedro.

10.4.3. Conclusões

Memórias d’Odiana R 2ª série

250

Sendo um conjunto muito reduzido, de apenas 116 peças líticas, a caracterização dos T.O.T a partir das diversas categorias foi muito condicionada. Esta circunstância somada ao facto de nos confrontarmos com uma Cadeia Operativa Lítica maioritariamente de técnica simples e pouco padronizada, dificultou o estabelecimento de padrões técnicos de exploração e configuração que foram claramente definidos como expressão dos diversos T.O.T.. A Cadeia Operativa Lítica realiza-se maioritariamente em quartzito (material disponível nas proximidades do sítio), com excepção dos T.O.T. laminar e pontas de seta, que são exploradas e configuradas sobre xisto e sílex, circunstância que no caso dos T.O.T. laminares parecem indicar uma procedência externa de produtos já formatados. Em geral, a produção realiza-se por igual a partir de T.O.T.D. e T.O.T.I.; os primeiros para obtenção de supor-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

tes configurados de médio e grande tamanho e os segundos para a obtenção de suportes configurados de pequeno tamanho. Tal como nos restantes conjuntos estudados, o T.O.T.I. Unipolar é o que está mais representado na Cadeia Operativa, encontrando-se completo em todas as categorias. O T.O.T.I. Bipolar é usado mais ocasionalmente e nunca se encontra representado entre as BP, nem de maneira definível entre as BN2G. Finalmente o T.O.T.I. Multipolar é de uso provável, segundo se depreende das características de algumas BP ou BN2G, que em qualquer caso podem pertencer a tempos concretos e desligados do resto dos T.O.T.. Os T.O.T.D. encontram-se tanto entre as BN1G como entre as BP, como exemplos de reavivamento. Não se encontram padronizados e respondem a esquemas adaptados à morfologia particular de cada Bn, a partir de uma configuração mínima de uma série muito limitada de extracções.

10.5. Monte Tosco *HVWmRGD0DWpULDSULPD 10.5.1.1. Distribuição das Categorias Estruturais

Encontramo-nos perante um conjunto muito reduzido que não supera os 153 elementos, número que, se descriminarmos as Bn, categoria que se situa fora da exploração propriamente dita, se reduz para 125. Este facto limitou os objectivos planeados para o estudo da cadeia operativa lítica deste sítio. Bases Naturais No todo, o espólio recuperado é de 28 Bn, do qual menos de 10 Bn têm características próprias de possíveis elementos utilizados em

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moagem e 18 Bn são fragmentos ou cantos rolados, usados para a percussão no processo de talhe. Não se tendo encontrado nenhum fragmento de seixo com marcas de ter sido exposto a altas temperaturas por qualquer actividade humana, até porque nos contextos escavados não se localizava actividade humana que requeresse a conjunção do fogo e da pedra. Todavia, no processo de escavação, o critério de discriminação só considerava os estigmas ou sinais de um uso directo de interacção entre Bn.

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Quadro 10-7 Representatividade das categorias estruturais

Bases Negativas de Primeira Geração de Exploração A representação das BN1GE, na totalidade do espólio, é de 5,9% (9), uma quantidade escassamente representativa sobre o todo, se nos detivermos nas suas características técnicas pouco elaboradas. Deparámo-nos com a dificuldade de definir as cadeias operativas líticas com um número muito pequeno de exemplos com um indicador tão importante como este. A dimensão média das BN1GE é de 5,48 x 4,46 x 2,89 cm, sendo a dimensão máxima de 8,1 x 7,1 x 6,9 cm e a dimensão mínima 3,5 x 2,5 x 1,9 cm. A representação percentual segundo as matérias-primas distribui-se do seguinte modo: em primeiro lugar, a percentagem de BN1GE realizadas em quartzito é de 33,3% (3) do total, face a 33,3% (3) de quartzo e 22,2% (2) de xisto jaspóide. Mais uma vez, este equilíbrio entre o quartzo e o quartzito destaca-se pelo facto manifesto de que essa mesma situação não se produz entre as BP e BN2G, onde existe uma quantidade muito superior de elementos sobre quartzito. Em todo o caso, devemos considerar, à semelhança do caso de Moinho de Valadares, a produção de BN1GC em quartzito como a origem da percentagem maioritária de BP e BN2GE, pela importância prioritária das estratégias de produção em quartzito, fundadas em T.O.T.D. sobre os T.O.T.I.. A existência de BN1GE em xisto estão relacionadas com o T.O.T.I. direccionado para a obtenção de pontas de seta, sendo dos exemplos bastante prováveis14 da dita produção.

13 'HQWURGDFDWHJRUtDGH%1*GLVWLQJXLUDPVHDTXHOHVHOHPHQWRVSHUWHQFHQWHVDR727,GHVWLQDGRjREWHQomRGHSRQWDV de seta, do resto de elementos. 14 ([LVWHXPDGLÀFXOGDGHPDQLIHVWDSDUDGHWHUPLQDUFRPVHJXUDQoDDV%1*GH[LVWRGDGDVDVFDUDFWHUtVWLFDVGDVXDH[SORração, seguindo a sua fácil extracção laminar.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

251

Memórias d’Odiana R 2ª série

 

A percentagem maioritária de BN1GE em quartzo e quartzito são pouco explorados, sem planos de percussão preparado e respondem a uma estratégia de exploração muito elementar. Não se definiram os T.O.T.I. diferenciados, à excepção de um exemplo de T.O.T.I. Bipolar. Bases Positivas de Primeira Geração As BP1G são todos aqueles volumes de massa desprendidos de uma matriz (BN1G) como consequência de um talhe, que não têm evidências de uso ou que não foram explorados posteriormente para a sua configuração e uso. A sua representação no conjunto industrial é de 17% (26), uma percentagem de elementos brutos ou residuais coerentes com o conjunto de todas as categorias. De todos eles, 50% (13) são de quartzito, 23% (6) de quartzo, 11,5% (3) em xisto e 3,8% (1) em xisto jaspóide. Sobre o grau de corticalidade: 26,9% (7) desta categoria interna e 46,1% (12) são parcialmente corticais e 15,4% (4) corticais. No que respeita à sua morfometria, as suas medidas são de 4,16 x 3,16 x 0,92 cm, o que, atendendo ao seu índice de largura e espessura, supõe um baixo índice de largura, 77,08% e um índice de espessura também baixo, 25,57%,

Quadro 10-6 Cadeia operativa do Mercador.

Memórias d’Odiana R 2ª série

252

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

tratando-se portanto de formatos pouco largos e muito espessos. Relativamente aos bolbos, 92,3% (24) destes apresenta dimensões reduzidas ou são mesmo imperceptíveis, sendo que 50% (13) tem um talão cortical e os restantes indeterminados e não se definindo talões preparados, à semelhança do sucedido no caso de Moinhos de Valadares. Indica por um lado precisão e controlo na relação de forças entre as massas que chocam e uma ausência de necessidade de estratégias elaboradas para a exploração das Bn, tanto pelas características morfológicas naturais de seixos rolados, como pelas exigências devidas à sua finalidade. Está presente em dois elementos das BP originadas pelo continuado reavivamento das BN1GC, que manifestam na superfície dorsal, junto a algum dos gumes, vestígios de uso precedentes da extracção, marcas maioritariamente de percussão. A sua representação percentual sobre o total das BP é um verdadeiro testemunho. Bases Negativas de Primeira Geração de Configuração No conjunto do espólio, esta é uma categoria muito presente, apresentando-se como 13,7% (21) do total. A sua presença, é indicati-

va da importância do T.O.T.D. para a produção de utensílios de médio e grande formato. A dimensão média dos artefactos é de 11,53 x 7,71 x 3,8 cm, com um índice de largura de 71,28 e de espessura de 66,6, o que em termos gerais supõe formatos de grande dimensão, pouco largos e espessos. O perímetro total médio é de 31,86 cm e o perímetro médio das unidades potenciais é de 16,54 cm, o que pressupõe que a unidade potencial sobre o perímetro total da peça se aproxima da metade. No que respeita às unidades potenciais, trata-se exclusivamente de diedros, unifaces em 72,2% (13) e bifaces em 27,8% (5) dos casos; o ângulo médio de 77,6º, sendo a distribuição a seguinte: 90º 6,25% (1). As marcas de uso e o grau de desgaste não surgem em 33,3% (4), em 50% (6) são marcadas e em 16,7% (2) chegam a ter o gume marcado. Ao contrário do que sucede no Moinho de Valadares, não se verificou relação entre as variáveis do ângulo dos gumes, o volume das peças e o grau de desgaste. Pelo que devemos ter em conta o escasso número de elementos considerados. A localização dos gumes é frontal em 33,3% (4) dos casos, frontal lateral em 41,6% (5), lateral em 16,7% (2) e periférico em 8,3% (1), a sua delimitação é convexa em 83,3% (10) dos casos e rectilínea em 16,7% (2). No sentido de regularizar a frente do potencial da peça, verificamos que 58,3% (7) das BN1GC apresentam retoque ou mesmo um novo talhe.

Bases Negativas de Segunda Geração de Configuração (BN2GC) No conjunto artefactual encontramos 45,1% (29+35+4), se considerarmos as BP com marcas de uso, reduzindo-se este número para 32,50% (29+16+4) se calcularmos apenas os elementos retocados. A gestão da matéria-prima distribui-se da seguinte forma: se excluirmos do calculo os T.O.T.I. de pontas de seta e laminares: 55,89% (19) de BN2G são de quartzito e 20,59 (7) em quartzo15, 20,59% (7) xisto jaspóide, percentagens que variam consideravelmente se considerarmos BN2G dos T.O.T.I. de pontas de seta e laminares, que são exclusivamente explorados em xisto jaspóide ou sílex. A dimensão média das BN2GC é de 4,72 x 3,52 x 1,21 cm; o seu índice de largura é de 75,01 e o índice de espessura 25,59, evidenciando portanto produtos pouco largos e pouco espessos, relações similares às observadas no caso das BP. 28,58% (10) das BN2GC são corticais, 42,86% (15) parcialmente corticais e 28,58% (10) não apresentam cortéx, proporção que sendo similar às contabilizadas para as BP, varia levemente na relação existente entre corticais e não corticais. No que se refere ao bolbo, 74,28% (26) das BP apresentam-no reduzido ou imperceptível; e os talões definidos são maioritariamente corticais, 94,7% (16), encontrando-se apenas 5,3% (1) lisos, não existindo exemplos de talões face253

2SWiPRVSRUFRQVLGHUDUQHVWDFDWHJRUtDDTXHODV%3TXHHPERUDQmRWHQKDPVLGRFRQÀJXUDGDVDSUHVHQWDYDPPDUFDV de uso, ainda que atendendo ao processo de talhe este grupo se situasse fora desta categoría. As razões para este procedimento estão relacionadas com o facto de se considerar que não é apenas a actuação sobre os elementos, mas também DDXVrQFLDGDPHVPDHYLGHQFLDPVHSHODHOHLomRGDHVWUDWpJLDGHH[SORUDomRHGHÀQLomREHPFRPRRXVRGDVIHUUDPHQWDV&RQVLGHURXVHSRUWDQWRTXHDLQFOXVmRQDFDWHJRUtDHVWDYDMXVWLÀFDGDXPDYH]TXHDHYLGrQFLDPDWHULDOGRVHXXVR GHQXQFLDYDDSHVDUGDHOHLomRGH´QmRFRQÀJXUDomRµDVSRWHQFLDOLGDGHVREVHUYDGDVHHVFROKLGDVSDUDRLQVWUXPHQWRQmRVH VXEPHWHDXPDFRQÀJXUDomR WUDQVIRUPDomR GD%3PDVDGLWDWUDQVIRUPDomRVXUJHQDSRVWHULGDGHFRPRFRQVHTXrQFLDGH uma eleição e sua utilização.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Memórias d’Odiana R 2ª série

15

tados que impliquem uma preparação elaborada dos planos de percussão. Uma menção particular merecem as quatro BN2G procedentes de T.O.T.I. laminares, três deles efectuados em sílex. Trata-se de três BN2G laminares de secção triangular e uma trapezoidal, todas fracturadas, duas intencionalmente por percussão ou flexão, sendo dois fragmentos mesiais e um completo de talão liso; configurados mediante retoques rectilíneos inversos, em 50% (2), rectilíneo alternativo em 25% (1) e rectilíneo directo em 25% (1), com retoque semi-abrupto, total de amplitude marginal curto em 75% (3).

10.5.2.1.2. T.O.T.I. Bipolar

Localizou-se um exemplo destes T.O.T.I., entre as BN1GE, em quartzito e outro em xisto. Este último caso parece ser um exemplo representativo da técnica de exploração dirigida para a obtenção das BN2GC de pontas de seta sobre xisto, das quais existem abundantes exemplos neste conjunto. Pelas características próprias do xisto, este exige uma exploração numa única direcção, preferencialmente trabalhada bipolarmente, mediante levantamentos opostos sucessivos. Estão presentes na cadeia operativa BP que indicam esta possibilidade, apesar de não se ter contabilizado nenhuma BN1GE.

10.5.2. Sistemas Técnicos de Produção 10.5.2.1.3. T.O.T.I. Multipolar

Neste caso encontramo-nos perante um conjunto muito reduzido, onde observamos um grande contraste entre T.O.T. de diferente desenvolvimento quantitativo e complexidade técnica. Esta circunstância determinará o grau de definição que se pode extrair de cada T.O.T..

10.5.2.1. Exploração 10.5.2.1.1. T.O.T.I. Unipolar

Memórias d’Odiana R 2ª série

254

Pertencentes a este T.O.T. detectaram-se unicamente casos entre as BP e BN2G, apesar de não se ter podido definir com clareza nenhum elemento na categoria de BN1GE, sendo apenas o caso das BN1GE no seu início de exploração. Não obstante, devia ter sido um T.O.T.I. bem presente na cadeia operativa, não apenas pelos exemplos existentes entre os produtos, mas também porque requer os mesmos tempos técnicos que os exemplos, estes sim, mais numerosos dos T.O.T.D. de médio e grande formato.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Incluem-se neste grupo todas aquelas BN1GE que apresentam mais de duas superfícies de exploração e que adaptam a sua estratégia de exploração ao processo morfológico da peça, sem nenhum esquema pré-estabelecido. Está documentado na cadeia operativa do Monte Tosco em quartzo e quartzito por BN1GE, ainda que não existam BP ou BN2GC que se possam agregar seguramente a este grupo, já que os produtos resultantes desta estratégia de exploração são muito variáveis. No caso concreto dos exemplos presentes em quartzito, o grau de aproveitamento é baixo, ao contrário dos exemplos documentados em quartzo.

10.5.2.1.4. T.O.T.I. Laminar

Registaram-se BN2G pertencentes a este T.O.T.I., mas não BN1GE, o que nos leva a pensar numa procedência alógena dos elementos já formalizados.

O TOTI para a obtenção de pontas de seta é o T.O.T. mais claramente definido no sítio, encontrando-se completo em todos as etapas da sua execução, tanto Bn, como possíveis BN1GE, assim como um abundante exemplo das BN2GC. A sua produção destaca-se no conjunto artefactual, não só pelo facto de se encontrar completo, mas também por expressar o alto grau de capacidade técnica desta comunidade.

&RQÀJXUDomR

A sua classificação partirá da distinção do Tema Operativo Técnico a que pertencem, seja Directo ou Indirecto, atendendo-se como critério para a sua ordenação as dimensões dos produtos configurados, segundo os parâmetros analíticos baseados no modo de preensão dos utensílios (Plana y Rando, in Carbonell et al., 1995).

 

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Configuração nos T.O.T.D. A configuração directa de Bn seleccionadas entre os seixos rodados fluviais de quartzito é uma estratégia muito representada na cadeia operativa do sítio em estudo, tanto por BN1GC, como por BP, destina-se à obtenção de produtos maioritariamente de médio e grande formato, com potenciais diedros, mediante uma sequência de configuração, maioritariamente com uma única série de levantamentos. Foi possível determinar uma série de grupos atendendo à selecção inicial do suporte, selecção e adequação dos potenciais e a relação com a morfologia da peça destes. A. Formato Médio - Um primeiro grupo caracteriza-se por morfologia originais pouco largas (Ia.: 67,5), de médio tamanho, com um único potencial diedro no extremo distal ou proximal, configurando um gume com uma única série de grandes levantamentos unifaciais de ângulo agudo e delineação contínua, rectilíneo ou convexo, produzindo diedros cuja secção sagital é assimétrica. Sendo pouca a espessura das peças (Ie: 38,2) e onde existe uma grande diferença de largura entre o extremo distal e proximal; 2. – Um grupo formado por utensílios de médio formato, morfologia alargada (Ia: 67,3) e espessura média (Ie: 53,25), com duas unidades potenciais diedros, unifaciais, uma distal e outra lateral, realizados por uma série de levantamentos amplos e abruptos, que configuram gumes de delimitação regularizada, ligeiramente convexos no potencial lateral e convexo no distal, conservando a corticalidade lateral oposta e o extremo proximal para a preensão da peça; 2. – Um terceiro grupo caracteriza-se pela definição de um potencial diedro unifacial, la-

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

255

Memórias d’Odiana R 2ª série

10.5.2.1.5. T.O.T.I. de pontas de seta

teral, com duas séries de levantamento que configuram um gume ligeiramente convexo (num caso de delineação denticular) e com uma morfologia de tamanho médio, mais largo (Ia: 35,7) e pouco espesso (Ie: 11,9); 1. B. Formato Grande - O único grupo sobre grandes seixos rolados de morfologia pouco espessa e pouco larga (Ia: 65,85; Ie: 33,32), com potenciais unifaciais ou bifaciais de delineações variadas (convexas, rectilíneas e irregulares) e ângulo muito aberto, configurados a partir de extracções de grande amplitude. Apresentam, normalmente, um gume massacrado pelo uso continuado.

Memórias d’Odiana R 2ª série

256

Ainda que a mostra seja mais reduzida no conjunto estudado anteriormente e, portanto, a variabilidade menor, encontramo-nos de novo perante uma mesma estratégia de exploração em geral, e em particular na configuração mediante T.O.T.D.. Uma selecção de morfologias naturais determinadas com vista a economizar os gestos técnicos para obter o produto útil final, de tal forma que a configuração dos potenciais não requer em nenhum momento uma preparação prévia do suporte que se adapta em cada circunstância aos perfis que a morfologia natural oferece, centrando-se a configuração na obtenção do potencial diedro. Destaca-se portanto a simplicidade técnica, em regra geral, com uma única série de extracções de média e grande amplitude, que por ser um número reduzido e concentrar-se apenas no potencial, não implicam uma grande perda de volume, nem uma variação substancial na morfologia original, como já se disse anteriormente. Configuração nos T.O.T.I. Foi possível determinar uma série de grupos atendendo aos critérios já apurados com

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

anterioridade de selecção inicial do suporte, selecção e adequação dos potenciais e a relação com a morfologia da peça destes. O T.O.T.I. para a obtenção de pontas de seta é, como se disse, o T.O.T. mais claramente definido no sítio, encontrando-se completa em todos os tempos da sua execução. Registaram-se 29 BN2GC (pontas de seta) plenamente executadas, bem como 9 BN2GC que são pequenas lascas retocadas que no processo de configuração são descartadas e, finalmente, 2 Bn com uma alta probabilidade de ser uma realidade BN1Ge. Deste conjunto chegaram-nos completas 21 BN2GC e fracturadas em alto grau 8: 1 com fractura proximal; 1 com fractura mesial; 4 com fracturas distal e 2 com fractura mesial e proximal. A matéria-prima utilizada para a sua produção reduz-se ao xisto jaspóide, (21) e ao xisto (8), não se encontrando nenhum elemento produzido em sílex. Dez são de base recta, nove de base côncava, duas de base triangular e uma de base bicôncava. A grande maioria destes utensílios é proveniente dos contextos da fase de ocupação calcolítica. Contudo cinco foram registados no ambiente da Cabana 1 da segunda fase de ocupação. A medida média das pontas de seta é 3,24 x 1,94 x 0,39 cm, observando-se que as realizadas sobre xisto são sensivelmente maiores e menos espessas 3,35 x 2 x 0,33 cm, e as executadas em xisto jaspóide têm 3,2 x 1,92 x 0,41 cm, sendo que esta diferença é extensível à altura relativa ao arco que forma a concavidade das bases das peças em algumas delas, que se desenvolvem mais no caso do xisto jaspóide, 21 cm, relativamente aos ,15 cm do xisto. Esta circunstância indica as características próprias a ambas as matérias-primas, que são, a maior fragilidade do xisto relativamente ao xisto jaspóide, o que impediria uma menos dimensão na execução das peças e uma menor tendência à

– Um primeiro grupo de BP de pequeno formato e morfologia diversa que apresentam um potencial diedro configurado a partir de retoques denticulares. 6 exemplares. – Um segundo grupo caracterizado pela selecção de BP corticais de extremo inicial dos seixos rolados, de pequeno e médio formato, suportes cujo extremo distal desenvolve um potencial diedro largo, com um gume aguçado e ligeiramente convexo que apresentam frequentemente marcas de uso e/ou retoques isolados, marginais e simples, ainda que no extremo proximal apresentam um dorso cortical e espesso que é apto para a preensão do utensílio. 2 exemplares. – Por último, um grupo muito numeroso que não obedece a critério único, mas devemos aproveitar os diferentes potenciais em BP cortical ou parcialmente cortical, de morfologia diversa, de pequeno e médio tamanho, com gumes diedros que apresentam retoques isolados, que configuram quer frentes escarpadas, quer simples; 10 exemplares.

10.5.3 Conclusões Em primeiro lugar devemos ter presente o escasso volume de elementos líticos recolhidos, 125, o que permitiu caracterizar de maneira genérica, mas não permitiu distinguir e caracterizar as Cadeias Operativas Líticas, no que se refere a grupos standartizados na exploração e configuração. Devemos considerar, em geral, a cadeia operativa como completa, à excepção

dos T.O.T.I. laminar, sendo este o caso em que a soma de extracções das BN1G, por um lado e o conjunto BP e BN2G, por outro, precipita uma cifra muito equilibrada. A cadeia operativa lítica foi realizada fundamentalmente em quartzito, ainda que com um uso muito especializado do xisto jaspóide e do sílex nos T.O.T.I. de pontas de seta, elaboradas sobre estas matérias-primas, possivelmente disponíveis nas proximidades, nos detritos aluvionares. Também se encontra o sílex no T.O.T.I. laminar, ainda que neste caso haveria que considerar-se a sua proveniência alógena. O modelo de exploração na Cadeia Operativa Lítica de Monte Tosco encontra-se claramente definido unicamente no caso dos T.O.T.I. de pontas de seta. Deste T.O.T. documentaram-se todos os tempos técnicos já que se registaram exemplos de todas as categorias. Não é o caso do resto dos T.O.T.I., de que se têm escassos exemplos entre BN1GE, as BP e BN2G. No caso concreto do T.O.T.I. laminar, de que se registaram BN2G mas não BN1GE, é muito possível que perante uma importação do sítio dos elementos já configurados. No que respeita ao T.O.T.D., trata-se de um T.O.T. muito utilizado dentro da Cadeia Operativa, ainda que se encontre pouco estandartizado. Caracteriza-se pela configuração exclusiva de diedros de diversas morfologias em quartzito, de formatos médios e grandes, variando o ângulo daqueles consoante a natureza original do seixo. Não foram definidos grupos padronizados de configuração distal do diedro, grupo que só é numeroso no tipo de cadeias operativas líticas. Podemos afirmar, portanto, que a cadeia operativa lítica do Monte Tosco se estrutura para a exploração de T.O.T.I., fundamentalmente para a produção de pontas de seta, no que se empregaram técnicas elaboradas de

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

257

Memórias d’Odiana R 2ª série

fractura laminar do xisto jaspóide, o que permite resistir à pressão com uma fractura concóide, ao contrário do xisto que fractura por lâminas, o que coadjuva a menor espessura das primeiras.

Quadro 10-9 Cadeia operatória Monte do Tosco 1.

configuração de elementos de pequenos formatos, e para formas menos estandardizada e mediante o emprego de gestos técnicos mais simples, ou seja, para exploração e configuração de carácter imediato de formatos muito variados, no âmbito de uma economia baseada na matéria-prima útil disponível em quartzito, através dos seixos fluviais. Não se registou um espectro suficientemente amplo que possibilitasse a observação, na repetição de modelos nos diferentes T.O.T., do grau de desenvolvimento da Cadeia Operativa Lítica na exploração da sua primeira fonte de matéria-prima como é o quartzito. No entanto, é possível afirmar que, à semelhança do caso de Moinho de Valadares, este se encontrava plenamente desenvolvido.

10.6. Conclusões gerais

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Iniciámos este trabalho com uma pequena introdução na qual se expunha sucintamente a velha problemática terminológica do “languedocense” , vinculada de forma equívoca a “cultura” ou “indústria”; expusemos também a extensa recorrência cronológica das assim denominadas indústrias macrolíticas, desde

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o Peleolítico Inferior ao Postpaleolítico. Por último, sublinhámos como a dita discussão se encontra muito ligada também às Cadeias Operativas Líticas da Idade do Cobre, onde encontramos as ditas indústrias macrolíticas em conjunção, não só de diferentes temas operativos líticos, mas também com outras evidências tangíveis que ampliam o espectro que pode englobar o termo cultura numa cronologia mais definida. Com estas questões de partida iniciámos o estudo dos conjuntos líticos recuperados no curso das diferentes intervenções arqueológicas realizadas nos povoados calcolíticos do Moinho de Valadares 1, Monte do Tosco 1 e Mercador, localizados no troço médio do Guadiana. A partir da análise dos materiais líticos provenientes dos ditos três povoados foi possível determinar as características das suas Cadeias Operativas Líticas, com maior ou menor grau de definição por meio dos seus Temas Operativos Líticos, desde a eleição da matéria-prima, passando pela sua transformação e função, que não uso. Mais além daquelas variáveis que podem introduzir certo grau de distorção, como são fundamentalmente a superfície de intervenção, as características funcionais da área

sença significativa de T.O.T.D. Unipolar Adjacente, a unipolariedade maioritária na configuração dos T.O.T.D. e a presença incompleta ou ausência de T.O.T.I. laminares.

R Na gestão da matéria-prima, que nos três casos estudados é quase exclusivamente realizada sobre quartzito procedente dos terraços fluviais do Guadiana; somando-se, em escassas ocasiões, o quartzo procedente dos filões existentes no substrato xistoso e o próprio xisto para um tema operativo específico como o que é orientado para a obtenção de pontas de seta. Nos três casos estudados, os escassos elementos fabricados em sílex, que pertencem a Temas Operativos Líticos incompletos nos sítios, procedem muito possivelmente de intercâmbio com o exterior. R O Sistema Técnico de Produção, no qual se observa em todos os casos um equilíbrio entre os Temas Operativos Técnicos Líticos Directos e Indirectos

R Quanto às suas potencialidades de uso, no que foi possível extrair dos casos de valor estatístico significativos, constatou-se a presença/ausência de traços morfo-funcionais característicos, a partir do qual se pode afirmar a existência da maior parte de traços morfo-funcionais nos três sítios estudados. Assim, atendendo aos resultados do Moinho de Valadares 1 é possível apontar o amplo espectro morfo-funcional da Cadeia Operativa Lítica tanto nos T.O.T.D. como nos T.O.T.I.

R No Sistema Técnico de Produção, observa-se em todos os casos um equilíbrio entre os Temas Operativos Técnicos Líticos Directos e Indirectos, em que a obtenção de utensílios sobre quartzito mediante processos simples preferencialmente bipolares tanto na exploração como configuração apresenta um amplo leque de funções potenciais, salientando-se, no caso dos Temas Operativos Indirectos, a escassez e a marginalidade do retoque para a configuração (maioritariamente simples ainda que com uma presença significativa do retoque denticular) de suportes que são usados maioritariamente em bruto sobre fios vivos. R Entre os Temas Operativos Líticos, nos quais se observam: a predominância do T.O.T.D. Unipolar Masivo Recorrente, a pre-

Assim, se bem que existe uma diversidade morfológica final ostensiva nos conjuntos, existe, também, uma relação muito estreita entre determinadas morfologias dos suportes nos seus diferentes tempos de exploração e as estratégias de configuração, que permitem individualizar padrões. Como mencionado no capítulo da metodologia estas estratégias de configuração mostram modelos intencionais que implicam a selecção da morfologia inicial (Bn), a eleição de uma estratégia de exploração adequada e a aplicação de uma estratégia de configuração específica para cada caso, ou seja, uma premeditação, uma intencionalidade. Esta intencionalidade é difícil de definir no caso dos conjuntos macrolíticos como os estudados, devido à sua simplicidade técnica e à reduzida quantidade de material. Estes traços comuns são possíveis de rastrear noutros conjuntos estudados de povoados Calcolíticos, apesar da falta de estudos de conjuntos macrolíticos sobre quartzito provenientes das muitas intervenções realizadas neste período, em contraste com as indústrias

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do povoado objecto de estudo, assim como a metodologia empregue, é possível afirmar a existência de elementos comuns entre as três Cadeias Operativas Líticas.

foliáceas laminares sobre sílex. Existe um horizonte comum em todo o curso do Guadiana (principal e subsidiário) ao longo do Alentejo português e da Estremadura espanhola que, com excepção das oficinas de talhe e dos contextos funerários, mantém características comuns muito dependentes do diferente acesso à matéria-prima, devido às características geológicas e à unidade geomorfológica sobre a qual se estende esta rede de povoados. No Alentejo, para além dos povoados objecto deste estudo, existem referências tangenciais em publicações aos materiais líticos de alguns outros sítios: ƒ O Povoado de Três Moinhos, no concelho de Beja, situado num esporão pouco elevado sobre o Guadiana, muito próximo a sul dos terraços do rio, onde, segundo o autor (Soares, 1992), abundam os seixos rolados de quartzito, matéria-prima utilizada para muito do repertório macrolítico. Para além das lâminas de sílex e das pontas de seta, surgem numerosos seixos talhados de quartzito e se indica que o talhe se assemelha ao Languedocense, ainda que sem certeza e em menor número que noutros sítios da região.

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ƒ O Povoado do Porto das Carretas, uma pequena fortificação Calcolítica (< 1Ht), situado sobre um terraço do Guadiana que avança num pequeno esporão sobre o rio. Os autores (Silva e Soares, 2002) afirmam que o espólio lítico é pouco numeroso, a indústria lítica sobre sílex é rara e algumas lâminas teriam mesmo chegado ao povoado já manufacturadas, destacando-se a continuação da componente tradicional regional da produção de artefactos expeditos a partir de seixos rolados, de morfo-tecnologia muito elementar, que remonta ao Epipaleolítico.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

ƒ O povoado da Sala nº 1, situado num cabeço de 129m de altitude, junto à margem do rio Guadiana, cuja indústria lítica se caracteriza pela abundância de seixos rolados talhados, muitos com a chamada técnica Languedocense e relativa escassez das indústrias sobre lâminas (Gonçalves, 1987) Na Extrenadura espanhola, no curso norte do Guadiana, encontram-se outros sítios contemporâneos aos estudados, identificados e estudados através de dados de prospecções: R El Lobo, povoado situado a 500m do curso do Guadiana, no limite fronteiriço com o Alentejo e que foi escavado por Lucio Molina Lemos. O autor assinala a existência de uma indústria lítica obtida a partir de seixos rolados de quatrzito, matéria prima abundante no lugar, destacando no conjunto de seixos talhados os Choppers ou Chopping tools, discos realizados sobre seixo aplanado e talhados em toda a periferia, assim como “discos” com parte do rebordo reservado, assinalando-se, apesar de tudo, a abundância e variedade de lascas (Lemos, 1980). R Comida de Meriendas, próximo da margem do Rio Guadiana, localizado e estudado a partir de uma prospecção na qual se localizou um conjunto formado por 28 elementos líticos em quartzito, no qual as lascas são maioritárias, de talão liso quando se conservam, semi descorticado (12 casos) e internas (9 casos). Também se mencionam 5 lascas das denominadas “gomo de laranja”. Conclui-se que maioritariamente são lascas grandes e pequenas com tendência para serem largas. Finalmente é mencionado um seixo unifacial de fio lateral convergente, com mais de três extracções e de pouca espessura e um núcleo centripeto com preparação periférica total (Enríquez Navascués, 1990).

R O povoado de Araya, objecto de escavação, onde foram registados 17 objectos líticos maioritariamente em sílex, dos quais 10 eram lascas. Mencionavam-se, ainda, quatro fragmentos de facas de sílex, trapezoidais e sem retoque, um furador sobre lâmina de sílex e uma ponta de flecha em quartzo de base ligeiramente côncava (Enríquez Navascués, 1990). Estes sítios mencionados monstram-nos traços comuns aos conjuntos que aqui foram

objecto de estudo, à excepção do último mencionado. São elementos de conexão o recurso maioritário ao quartzito como matéria-prima, a presença significativa dos T.O.T.D. de médio e grande formato, a unipolaridade dos T.O.T.I., assim como aspectos mais concretos como são as morfologias específicas nos casos das BP ou BN2G, suportes de tendência semicircular que apresentam uma lateral rectilínea, aguda ou espessa não cortical e, na lateral oposta, uma frente cortical semicircular mais espessa, que forma um potencial diedro de ângulo abrupto, denominadas por lascas tipo “gomo de laranja”; as BN1GC, morfologias subcirculares muito pouco espessas, com um potencial diedro, de talhe unifacial e periférico que abrange mais de ¾ partes da periferia e denominadas na bibliografia como “discos”; ou as BN1GC sobre seixos achatados. Assim, para uma integração regional dos estudos aqui realizados, não é possível ir mais além dos traços coincidentes, dada a falta de estudos publicados de forma mais ampla sobre as Cadeias Operativas Líticas.

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R Los Olivales, povoado localizado a partir de uma prospecção, no qual foram recolhidos 27 objectos líticos, dos quais 22 estavam realizados em quartzito, sendo o resto fabricados sobre sílex e quartzo. Do conjunto de 20 peças a maioria eram lascas internas e de talão liso, de tamanho pequeno e com tendência para serem largas. O resto do conjunto era composto por núcleos centriptos, três seixos trabalhados unifacialmente com fio lateral simples, um denticulado e um furador (Enríquez Navascués, 1990).

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11. A PEDRA POLIDA António Carlos Valera

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Na Pré-História ibérica, os utensílios de pedra polida foram produzidos e utilizados durante cerca de 5000 anos, entre os inícios do Neolítico (dentro do 6º milénio AC) e o final da Idade do Bronze (primeiro quartel do 1º milénio AC). O seu aparecimento coincidiu com o arranque de um período de profundas transformações no modo de vida das comunidades humanas implicando novas formas de relacionamento com o território e novas percepções da paisagem, na medida em que a capacidade transformadora e domesticadora do Homem sobre a Natureza vai aumentando. Mas as novas formas de vida trazem consigo novas actividades e estas estimulam a produção de utensilagens adaptadas às novas necessidades. A pedra polida vai progressivamente diversificando-se, dando origem uma diversidade artefactual, mas fundamentalmente relacionada com o trabalho da madeira e da terra: machados, enxós, escopros, goivas, cunhas, martelos, etc. As novas actividades pastoris e agrícolas obrigavam à desflorestação para a obtenção de pastos e campos de cultivo. O revolvimento das terras para a sementeira impunha novos utensílios e o arado só faz o seu aparecimento numa fase mais adiantada do processo. Por outro lado, o desenvolvimento das arquitecturas megalíticas funerárias e não funerárias e o carácter monumental que adquirem, fazem da madeira uma matéria prima acessória essencial para estas comunidades. A utensilagem lítica polida, especialmente desenvolvida para estas tarefas, irá ganhar, desta forma, uma especial preponderância nos conjuntos artefactuais, sobretudo a partir do 4º milénio AC. OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Do ponto de vista tecnológico, os utensílios de pedra polida representaram uma dupla inovação: a) o recurso a novas matérias-primas: rochas magmáticas e metamórficas, de textura fina e fibrosa (doleritos, anfibolitos, fibrolites, etc., embora noutras áreas europeias se continuem utilizar igualmente rochas sedimentares, como o sílex, para a produção de utensílios de pedra polida), privilegiadas pela sua dureza, pelo seu fácil polimento que, por sua vez, reforça a resistência à lascagem. b) a utilização da técnica de polimento para o acabamento. Efectivamente, se na maioria dos casos os utensílios de pedra polida são esboçados através de técnicas de talhe, o acabamento das superfícies é feito por picotagem e polimento. A importância simbólica que estes artefactos adquiriram para as comunidades pré-históricas neolíticas encontra-se atestada pelo facto de serem integrados nos conjuntos artefactuais utilizados como oferendas nos rituais funerários praticados nas sepulturas megalíticas, que começam a ser construídas no actual território português provavelmente ainda no 5º milénio AC. Até ao final do Neolítico, os artefactos de pedra polida vão aumentando a sua representatividade nos contextos funerários, frequência que começa a decrescer a partir do 3º milénio AC, período em que os artefactos de pedra polida atingem, talvez, o apogeu da sua utilização. A sua presença é sobretudo vulgar em contextos

talões pontiagudos. A partir do Neolítico Final e durante o Calcolítico, embora continuem a ocorrer peças com aquelas características, a utensilagem em pedra polida mostra agora uma tendência para artefactos de maiores dimensões, de secção rectangular, quadrangular ou trapezoidal e polimento de tendência restrita, muitas vezes apenas ao gume. A imagem global proporcionada pela pedra polida dos vários contextos trabalhados enquadra-se plenamente nesta tendência (Cf. Anexo II-2), com excepção do tamanho, já que as peças de maiores dimensões são relativamente escassas e do machado de gnaisse do Mercador, o qual apresenta polimento integral e uma secção transversal ovalada. Em termos da diversidade de utensílios, estão presentes machados (25 que representam 41% da globalidade das peças dos vários sítios), enxós (10 - 16,4%), martelos (13 - 21,3%), cunhas (2 - 3,3%, correspondendo a dois exemplares registados na Fase 1 do Moinho de Valadares), formões (4 - 6,6%) e indeterminados (7 - 11,5%). De notar a ausência de goivas, reforçando a ideia de que estas peças surgem sobretudo em contextos mais antigos, na fase inicial do megalitismo. No que respeita às ocorrências em cada um dos contextos intervencionados, verifica-se uma maior concentração no sítio de Julioa 4/Luz 20 (um total de 33 artefactos, representando 45,7% da globalidade): 14 (19,4%) na Julioa 4 e 19 (26,3%) na Luz 20 (aos quais se juntarão os materiais recuperados em prospecções na posse da EDIA). O vizinho Moinho de Valadares 1 forneceu 25 peças (29,8%) e o Mercador 13 (18%). Já no Monte do Tosco apenas foram registadas 5 (6,9%) e nenhuma nos Cerros Verdes 3. A maior representatividade da pedra polida na Julioa 4/Luz 20 é reforçada igualmente pelo número elevado de polidores ali registados: 21 na totalidade, contra apenas 2 no Moinho de

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de natureza habitacional, tornando-se menos frequentes ou mesmo ausentes nos contextos funerários, sinal de eventuais alterações da sua carga simbólica. O advento da Idade do Bronze, a partir dos finais do 3º trás consigo a progressiva decadência da produção e utilização destes artefactos. Embora ainda continuem a aparecer em contextos do final da Idade do Bronze, são cada vez menos representativos entre as utensilagens das comunidades do 2º milénio AC, configurando um ocaso tecnológico ainda mal explicado e compreendido. A utensilagem lítica de pedra polida registada nos povoados da margem esquerda estudados no âmbito do Bloco 5 corresponde, assim, ao momento do seu apogeu de produção e utilização pelas comunidades da Pré-História Recente. Globalmente, para a sua produção recorreu-se quase que exclusivamente ao anfibolito como matéria prima. Apenas um pequeno machado proveniente do Mercador é elaborado sobre gnaisse e um formão da Luz 20 sobre xisto. Em termos de tecnologia de produção, está atestada na região a sequência operativa identificada e bem documentada na região de Fornos de Algodres (Beira Alta), em sítios como o Castro de Santiago e Malhada (Valera, 1997), segundo a qual são elaborados previamente blocos (que funcionam como lingotes), depois afeiçoados por talhe e finalmente acabados por picotagem e polimento. Na margem esquerda do Guadiana as evidências de produção local são mais escassas, mas estão presentes: ocorrência de blocos de matéria prima, de “lingotes”, esboços talhados e polidores. Tipologicamente, tem-se vindo a definir um quadro genérico, e a pesquisa mais recente ainda não o contradisse, em que as peças mais antigas apresentam uma tendência para um polimento integral, secções circulares ou ovais e

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objectos para reciclagem. Esta situação, comum nos utensílios de pedra polida, obriga a alguma ponderação na valorização da correlação entre as várias categorias de artefactos e do número presente em cada contexto, já que estes materiais, devido ao seu elevado potencial de reciclagem, são particularmente visados por processos de curação, quer durante, quer após a vida dos sítios. Estes processos de curação e de reciclagem, para além de prolongarem a vida das peças, conduzem também, frequentemente, à sua transformação tipológica, sendo transfor-

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OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Figura 11-2 - Martelo (?) boleado e enxó do Monte do Tosco.

madas noutras peças: será o caso da maioria dos martelos, que, pelos restos de polimento que apresentam, revelam que seriam anteriormente peças com gume; ou o caso de uma peça do Moinhos de Valadares reutilizada como bigorna (Fig. 11-1). Relativamente aos contextos em que aparecem dentro de cada um dos sítios, a maioria dos casos ocorrem dispersos em solos de ocupação, em depósitos revolvidos ou à superfície dos vários sítios intervencionados. Será, contudo, interessante assinalar algumas situações contextuais específicas no Mercador e na Julioa 4.

Figura 11-3 – Pedra polida do povoado do Mercador. (À direita) Fragmento distal de enxó; gume de machado, com fractura retocada; fragmento distal de machado. (À esquerda) polidor de face de utilização dupla; machado de gnaisse; martelo de “gume aplanado).

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OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Figura 11-4 – Pedra polida da Luz 20. (À direita) Machado e 3 formões. (À esquerda) polidor; duas enxós; machado; 3 formões.

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Figura 11-5 – Pedra polida da Julioa 4. Machados, enxós e polidores. De notar, no canto superior esquerdo da primeira IRWRJUDÀDXPHVERoRGHHQ[y

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No Mercador, as peças fracturadas tanto ocorrem dispersas pelos solos de ocupação identificados, como dentro de fossas. A única peça inteira, um martelo “de gume aplanado” foi igualmente recolhido dentro de uma fossa da Fase 1 (fossa 50 Sector 1). Situação semelhante ocorre no Julioa 4. Aí, foram recolhidos artefactos de pedra polida nas fossas 1, 3 e 7. Nas fossas 1 e 3 registou-se um artefacto em cada. Na Fossa 7, para além de fragmentos de 3 peças, surgem dois artefactos inteiros, um dos quais depositado no topo de um nível de base enegrecido pela acção do fogo, mas sem evidências de sujeição ao fogo (ponto 7, fig. 7- 4). Uma situação semelhante foi igualmente documentada no habitat do Ameal (Beira Alta) atribuível ao Neolítico Final regional. Aí, numa fossa associada a uma cabana, registou-se a deOS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

posição de um enxó na base, onde se concentravam restos de madeira carbonizada, e outra no topo, numa caixa térmica de lareira que reaproveitou a boca da fossa depois de cheia. O estado inteiro e aparentemente “novo” das peças, levou o autor a falar de consagração ritual (Senna-Martinez, 1995/1996). A possibilidade de um interpretação na esfera do simbólico para os contextos descritos no Mercador e na Julioa 4 será discutida mais à frente, nos pontos 14 e 22.

$02$*(0 João Rebuge

formação disponível é ainda preliminar (Silva e Soares, 2002; Silva e Soares, 2005): os elementos de moagem serão na ordem da meia centena, estando representados de forma equitativa em ambas as fases. As possibilidades de uma análise faseada temporalmente e de distribuição espacial dos elementos de mó em cada um dos sítios encontra-se dificultada pelos seus contextos de recuperação. Na sua grande maioria, os materiais de moagem foram recuperados nos níveis superficiais de cada uma das estações arqueológicas. Exemplo disto é o sítio do Monte da Julioa 4/ Luz 20 com o maior número de registos, superior à totalidade dos elementos de mó dos restantes sítios. Num total de noventa elementos de moagem apenas um dormente foi registado numa unidade estratigráfica que não se trata de um depósito de superfície. No Moinho de Valadares, caso em que surgem mais elementos de mó contextualizados em momentos do processo de estratificação do sítio, não é possível proceder, devido ao seu reduzido número e à longa perduração do sítio, a um estudo mais preciso da actividade de moagem no interior desta estação arqueológica. Partindo desta breve síntese dos materiais recuperados e dos seus contextos é possível colocar algumas questões pertinentes para o estudo da moagem no âmbito deste trabalho: quais os produtos que seriam moídos; qual a relação entre a implantação dos sítios, a qualidade dos solos na sua envolvência e o número de elementos de mó recuperados em cada um dos contextos; que possibilidades de contemporaneidade ou não entre sítios e da sua concomitante inter OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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A análise dos elementos de moagem recuperados nas intervenções arqueológicas programadas para o plano de minimização do Bloco 5, no âmbito do empreendimento hidrológico da Barragem do Alqueva, tem como objectivo explanar as problemáticas que são suscitadas pelos contextos em que foram recuperados os elementos de moagem. Estas problemáticas colocam-se tanto à escala do sítio, como no âmbito da rede de povoamento identificada para a área presentemente em estudo. A rede de povoamento, referida atrás, é constituída pelos sítios do Mercador, Moinho de Valadares 1, Monte da Julioa 4/ Luz 20, Monte do Tosco 1, Cerros Verdes 3 e Porto das Carretas, este último estudado por outra equipa (Silva e Soares, 2002). Estamos perante sítios de que correspondem a ocupações humanas da margem esquerda do Guadiana desde finais do 4º milénio a.C., Neolítico Final/ Calcolítico Inicial regional, até ao início do 2º milénio a.C., já em momentos de transição/início da Idade do Bronze. Desses seis sítios é possível fornecer informação arqueográfica quantificada de cinco deles: no Mercador registaram-se quatro moventes e cinco dormentes; no Moinho de Valadares foram registados oito moventes e dez dormentes; no Monte da Julioa 4/ Luz 20 documentaram-se dezanove moventes e setenta e um dormentes; no Monte do Tosco foi possível registar a presença de quatro moventes e de dois dormentes; por último, na estação arqueológica dos Cerros Verdes 3 detectaram-se apenas quatro dormentes (Anexo II – 2.2). No sítio arqueológico do Porto das Carretas a in-

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relação em caso de contemporaneidade; quais as razões da diferença tão acentuada no número de elementos de moagem registados em cada uma das estações; o porquê da disparidade dos níveis de uso dos artefactos de sítio para sítio; qual a fonte de matéria-prima do granito numa área em que geologicamente predomina o xisto; qual a possibilidade de associação de práticas agrícolas e as fossas/ silos detectados em dois dos povoados (Mercador e Monte da Julioa 4/ Luz 20); que outras possibilidades, estritamente “funcionais” ou não, existem para a utilização dos elementos de moagem. A procura de uma resposta para quais seriam os diferentes produtos vegetais moídos pelas populações desta rede de povoamento permite colocar várias hipóteses dentro do espectro de evidências registadas. Segundo um estudo etno-arqueológico realizado na Mauritânia, Tichitt (Roux, 1985), podiam-se observar diferenças entre as mós que eram utilizadas para moer diferentes tipos de produtos vegetais. No entanto este estudo realizou-se tendo como base de observação a análise directa da actividade de moagem. Possibilitando dessa forma a inclusão de determinadas categorizações para esses materiais, como: que tipo de mó seria utilizado para determinado cereal, conseguindo o autor relacionar este aspecto com diferentes métodos de moagem e com matérias-primas distintas para a produção das mós (Roux, 1985), situação que se revela impossível para o presente caso. Desta forma, quais são as restantes possibilidades de resposta à questão acima referida? As evidências conhecidas para cereais ou produtos de recolecção foram apenas registadas no Moinho de Valadares e ambas da 1ª fase de ocupação. São conhecidos restos antrocológicos de bolota (Cf. ponto 18.1) e negativos de grãos de cevada num fragmento de cerâmica (Cf.

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ponto 18.2), não se conhecendo outros estudos para a região. As evidências registadas no Moinho de Valadares avançam pistas para ambos os tipos de exploração do território: a produção de culturas cerealíferas e a recolecção de bolota. No caso da recolecção, a sua realização pelas populações do Moinho de Valadares não será de todo problemática, tal como parece demonstrar o contexto registado no sítio Calcolítico da Malhada (Valera, 1995), na região da Beira Alta (Fornos de Algodres, Guarda), e nos sítios do Neolítico Final do Ameal e Murganho 2 (Senna-Martinez, 1995/96), na mesma região. Já no que concerne à produção de cereais nas envolvências do povoado, a mesma será passível de dúvida face à má qualidade dos solos (esqueléticos) existente nos terrenos que rodeiam este sítio arqueológico: E+D (C.U.C.S. 41-A e 41-C, 1:50000), segundo métodos de avaliação actuais que têm como referência a qualidade dos solos para a plantação cerealífera (cf. ponto 2). A hipótese da não existência de agricultura cerealífera nas imediações do Moinho de Valadares é reforçada pelo reduzido número e tamanho dos elementos de moagem encontrados neste arqueosítio, não parecendo evidenciar uma elevada actividade de moagem. Este cenário parece também corresponder ao evidenciado nos sítios do Monte do Tosco e Cerros Verdes 3. Por outro lado, os sítios do Mercador e do Monte da Julioa 4/ Luz 20 levantam outros problemas. O Mercador implanta-se numa pequena área de solos de boa qualidade – (C+B)+B+A. (C.U.C.S. 41-A e 41-C, 1:50000), contudo os elementos de moagem documentados são também em número muito reduzido. Esta situação foi sublinhada quando confrontada com o elevado número de fossas que poderiam ter funcionado como silos e com o domínio do prato no equipamento cerâmico, forma tradicional-

possibilita pensar na eventual ocorrência de estratégias de curação. Note-se que parte das estruturas do Mercador foram desmontadas, algumas das quais ainda em época pré-histórica, e que o granito (matéria-prima preferencial dos elementos de moagem que não existe nas imediações dos dois contextos) é raro. Esta questão será desenvolvida mais adiante. Por outro lado, o Monte da Julioa 4/ Luz 20 que se situa também numa área de solos de boas características agrícolas, (C+B)+B+A. (C.U.C.S. 41-A e 41-C, 1:50000) localizados sobre a linha de festo da rede hidrográfica desta área da margem esquerda do Guadiana, parece ter ocorrido uma intensa actividade de moagem. Este facto surge consubstanciado pelo elevado número de elementos de moinhos manuais registados, superior à totalidade dos elementos registados para os restantes sítios em análise. Acrescendo a isto, será de salientar a elevada volumetria e o elevado grau de desgaste registado para os elementos de moagem deste sítio. Tanto no Monte da Julioa 4/ Luz 20 como nos restantes sítios a quase totalidade dos elementos de moagem são em granito, com a excepção de três dormentes provenientes dos Cerros Verdes 3 (xisto, grauvaque e quartzo) e de um movente e três dormentes do Moinho de Valadares (xisto, grauvaque e xisto anfibolítico) –Anexo II – 2.2. Na margem esquerda do Guadiana, no território em análise, apenas existe uma área de onde poderá ter sido recolhida a pedra para a produção dos moinhos manuais em granito, salientando-se que nenhum dos arqueosítios, supracitados, se situa sobre essa zona. A mancha de rochas eruptivas, granodioritos, localiza-se na área noroeste deste território, correspondendo ao prolongamento da elevação da margem direita onde se situa Monsaraz (C.G.P. folha 41 A Monsaraz e 41 C Mourão, 1:50000). Sobre

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mente associada ao consumo de cereais: “(...) a escassez de indicadores relativos à actividade agrícola. Sendo certo que a produção de determinados produtos agrícolas, nomeadamente hortícolas, dispensa o recurso a mós e a foices, não deixa de ser significativo o reduzidíssimo número de elementos de moagem, elementos de foice ou ainda de utensilagem de pedra polida passível de ser usada em tarefas agrícolas de preparação de campos. Um registo com estas características parece indiciar uma componente agrícola, nomeadamente cerealífera, pouco determinante na economia destas comunidades, facto que contrasta com o domínio, no aparelho cerâmico, de formas tradicionalmente relacionadas com ementas à base de cereais, caso dos pratos.” (Valera, 2001a: 52-53). Contudo, para as fossas, várias hipóteses interpretativas alternativas à funcionalidade de armazenamento têm vindo a ser apresentadas para estruturas deste género, quer de carácter funcional (Valera, 2001a), quer de carácter mais marcadamente simbólico (Marquez Romero, no prelo). Por outro lado, a proximidade do contexto do Porto das Carretas (cerca de 1000 m), cujas duas fases de ocupação parecem ter sido contemporâneas das do Mercador (à escala do períodos proporcionados pelos desvios padrão do radiocarbono), permite levantar outras possibilidades se concebermos que poderíamos estar perante as mesmas comunidades que ocupariam os dois espaços em que, eventualmente, ocorreriam actividades distintas, mas complementares: a hipótese que emerge é a de se o produto de um eventual trabalho agrícola dos solos envolventes ao Mercador e no sítio armazenados, poderia abastecer o Porto das Carretas e aí ser moído. Outra hipótese poderá ter a ver com uma eventual não simultaneidade das ocupações dos dois sítios (os períodos de simultaneidade do radiocarbono são de cerca de 300 anos), o que

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esta mancha de granodioritos , encimada por alguns terraços do Guadiana, localiza-se a Anta da Fábrica da Celulose, a única conhecida nesta área da margem esquerda, definida a sul pela Ribeira de Alcarrache. Refira-se ainda que, na zona de S. Pedro, sobre um dos referidos terraços, foram identificados vários elementos de moagem de granito à superfície, ainda que sem materiais associados que permitissem uma atribuição cronológica fina. Dos contextos estudados, os sítios mais próximos desta mancha de granodioritos são os do Mercador e do Porto das Carretas para norte e o Moinho de Valadares para sul, apesar de existir um meandro do Guadiana que aumenta a distância entre este último sítio e aquela mancha de granodioritos. As três estações arqueológicas mais distantes são: o Monte da Julioa 4/ Luz 20, Monte do Tosco e os Cerros Verdes 3, todos eles localizando-se a sudeste e a sul dessa mancha, respectivamente a 5, 10 e 15Km de distância. Seria nestes três últimos sítios que a obtenção de matéria-prima granítica implicaria um maior investimento de captação, o que poderá explicar o facto de a quase totalidade dos elementos de moagem recuperados nos Cerros Verdes 3 não ser em granito. Poderá considerar-se, desta forma, que a área já submersa da fábrica da celulose, pela sua particularidade geológica neste território, poderá ter funcionado como um pólo de recursos ao longo do tempo, gerando uma tradição de exploração de uma fonte de matéria-prima para as diferentes comunidades da margem esquerda do Guadiana. Neste contexto as problemáticas lançadas por António Carlos Valera (2003a) acerca das estratégias de curação, em diferentes momentos da vida dos povoados, a forma como estes continuam a ser vivenciados após o seu abandono e a existência de reocupações, podem ser consideradas como relevantes para a problemá-

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tica do aproveitamento do granito nesta rede de povoamento. No caso concreto em questão, poderão existir estratégias no deslocamento destas comunidades no território que impliquem interferências em locais anteriormente ocupados, promovendo a redução da presença ou desaparecimento de alguns tipos de matérias-primas ou de materiais, com reflexos nos actuais registos arqueológicos. No presente caso, o granito e os elementos de moagem, poderão ter sido sujeitos a estratégias de curação para serem utilizados em outros locais de habitat ou em transferências de áreas de actividade (tanto de moagem como de produção cerealífera). Estamos, deste modo, na presença de uma gama de sítios em que se notam diferenças no número de elementos de mó e do seu grau de utilização, mas também na sua localização e características. Esta observação coloca vários pontos de conexões possíveis na relação entre eles enquanto elementos constituintes de uma mesma rede de povoamento de um território permanentemente ocupado ao longo do período de tempo aqui considerado. Nessa rede, através da sua organização estratégica, papéis distintos poderão ter sido desempenhados por diferentes povoados que a constituem, nomeadamente no que concerne às actividades de produção realizadas. Nesta rede de povoamento e face à documentação arqueográfica registada, pode-se colocar a hipótese de no sítio do Monte da Julioa 4/ Luz 20 estarmos perante uma área de actividade fortemente conectada com a moagem associada a uma produção cerealífera, resultante da exploração dos solos de melhor potencial agrícola desta área da margem esquerda. Relegando para os restantes sítios desta rede de povoamento um papel secundário na actividade de produção agrícola e de moagem, evidenciado pelo reduzido número de elementos de

moagem registados, bem como à qualidade dos solos em que se implantam. A proximidade dos sítios e as suas contemporaneidades entrecruzadas, juntamente com as problemáticas utilizadas como mote para o presente estudo, permitem com toda a premência colocar a possibilidade da existência de uma rede de povoamento em que a moagem, grosso modo, tenha uma estratégia hipoteticamente próxima do que tem vindo a ser argumentado. Contudo não é possível, com os dados arqueográficos existentes, um esmiuçar de todas as possibilidades que se poderiam imaginar e consubstanciar dentro de um modelo como este.

Tradicionalmente, e tal como tem vindo a ser feito no presente estudo, os elementos de moagem são directamente correlacionados com a actividade agrícola (Gonçalves e Sousa, 1997). Esta situação faz com que habitualmente não se coloque outro tipo de questões relacionadas com os elementos de moagem recuperados em escavações arqueológicas, com excepção feita às que se relacionam com a actividade de produção agrícola ou de recolecção. Contudo, penso que terão existido outras actividades que podem ter requerido a utilização de mós, tais como: a produção de cerâmica (trituração dos elementos não plásticos), o tratamento de matérias de

Figura 12-1 – Dormentes provenientes do Monte da Julioa 4 / Luz 20.

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pigmentação ou moagem de produtos vegetais com fins diversos da alimentação. No que concerne à produção de equipamento cerâmico as mós poderiam servir para a moagem de elementos não plásticos para acrescentar às matrizes argilosas. Isto é passível de observação em estudos petrográficos realizados para cerâmicas campaniformes do Monte do Tosco (Querré e Salanova, neste volume, ponto 8.3), onde para além dos elementos minerais como as micas, o quartzo e o feldspato, se detectou também a presença de osso como constituinte dos ENP acrescentados à matriz. A grande maioria destes elementos não plásticos são descritos como estando triturados, inclusivamente o osso (Querré e Salanova, idem). Estas evidências podem colocar os elementos de moagem, de menores dimensões e com menor grau de uso, detectados nos sítios do Monte do Tosco, Mercador, Moinho de Valadares e Cerros Verdes 3 em outras cadeias operatórias que não a de moagem para fins alimentícios. De uma forma hipotética face à não existência de evidências directas pode-se colocar também a hipótese destes elementos de moagem estarem associados ao tratamento de elementos minerais e/ ou vegetais com o fim da

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produção de pigmentos para a realização de pinturas corporais, como também, para a coloração de fibras vegetais ou animais utilizadas na tecelagem. Como poderão também ser associadas a actividades de índole mais simbólica como o tratamento de determinados tipos de substâncias alucinogénicas para fins cerimoniais ou outras substâncias com fins medicinais. Já que esses usos se encontram amplamente demonstrados etnograficamente podemos colocá-los como hipóteses também para as vivências das comunidades pré-históricas da margem esquerda do Guadiana. Desta forma as mós registadas em alguns dos sítios poderão não estar relacionadas com uma utilização meramente de índole funcional na cadeia de produção alimentar, concretamente com a produção de farinhas, tal como são caracterizadas habitualmente, mas poderão também ser utilizadas para outras áreas de actividade humana. Esta utilização poderá ter lugar em outras cadeias operatórias ainda não totalmente exploradas, ou nem sequer pensadas como tal pelo discurso arqueológico, quer sejam cadeias operatórias de índole funcional ou simbólica, ou uma mescla destas duas.

13. Metais e metalurgia

António Valera Alexandre Gonçalves Lucy Shaw Evangelista

Dos quatro povoados abordados no presente trabalho, em todos se registaram metais e apenas nos Cerros Verdes 3 não se documentaram evidências de metalurgia. No Moinho de Valadares 1 os metais são escassos16. Em termos da sequência estratigráfica faseada (cf. ponto 3), as primeiras evidências de metais e de metalurgia do cobre surgem na Fase 2, num momento pleno do Calcolítico, datado pelo radiocarbono da primeira metade do 3º milénio AC. Na UE 19, solo que corresponde à ocupação da Cabana 2 da Sondagem 2, foi registado um pequeno fragmento de objecto metálico não identificável. Na UE 23, correspondente ao topo desagregado da estrutura

identificada na Sondagem 1, foi recolhido um “pingo de fundição”. Os restantes materiais metálicos estão relacionados com os contextos de possível enterramento da Idade do Bronze ou com os depósitos superiores revolvidos da Sondagem 2 que misturam materiais das ocupações mais antigas com materiais cerâmicos tipologicamente tardios que remetem para uma cronologia igualmente da Idade do Bronze (Cf. ponto 8). Na UE 13, depósito que preenchia a base da fossa UE 93 (reutilização funerária tardia), foram recolhidos fragmentos de duas pequenas e finas chapas metálicas. Na UE 10, depósito revolvido Figura 13-1 – Metais e metalurgia no Moinho de Valadares. 1 e 2. Chapas alongadas em bronze provenientes da UE13 (Fossa UE93, atribuível à Idade do Bronze); 3 e 4. Formão em bronze e fragmento de cadinho provenientes da UE10.

1mRpDTXLDERUGDGRXPFRQMXQWRGHUHVWRVGHHVFyULDSURYHQLHQWHVGRVQtYHLVVXSHULRUHVUHYROYLGRVGDV6RQGDJHQV (UE 12) e 2 (UE 5), a qual, na Sondagem 1, parece poder ser associada à Lareira 1, estrutura que forneceu uma datação de radiocarbono medieval dos séculos X – XI. 16

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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sobre os derrubes da Cabana 2 da Sondagem 2, recolheu-se um fragmento de cadinho e um formão de secção subquadrangular. Todos estes materiais são bronzes (Cf. Caixa 13-1). Deste modo, os dados registados parecem apontar para a existência de uma metalurgia vestigial na Fase 2 de vida plena do povoado (Calcolítico Pleno) e para a ocorrência de artefactos metálicos em bronze numa fase tardia de reocupação do sítio, eventualmente de cariz funerário, datável da Idade do Bronze. Quanto à presença de um fragmento de cadinho na UE 10, depósito revolvido onde se misturam materiais das ocupações calcolíticas com alguns fragmentos de cerâmicas integráveis na Idade do Bronze, torna-se difícil optar entre relacionar esse artefacto com a ocupação calcolítica ou com a reocupação tardia do sítio. Há que sublinhar, contudo, a presença de um pingo de fundição na Fase 2 (Calcolítico Ple-

no). Por outro lado, os dados relativos à reutilização deste espaço durante a Idade do Bronze são pouco esclarecedores, mas parecem sugerir a existência de práticas de carácter funerário e não actividades de cariz artesanal metalúrgico. Assim sendo, poderemos assumir, com algum risco, que o fragmento de cadinho corresponderá à prática da metalurgia do cobre no povoado durante a Fase 2 (Calcolítico Pleno) e que terá sido integrado na UE 10, juntamente com muitos outros fragmentos de recipientes desta fase, através dos processos tafonómicos que lhe deram origem. No que respeita ao formão, a sua composição evidencia um bronze, pelo que se relacionará com a reutilização tardia do sítio datada da segunda metade do 2º milénio AC. No povoado do Mercador os metais e evidências de metalurgia, estando presentes, são igualmente escassos17. Na Cabana 1 (UE 302) recolheram-se uma pequena lâmina e

Figura 13-2 – Metais e metalurgia QR0HUFDGRU*XPH da machado plano; 2. Fragmento de cadinho; 3. Lâmina; 4. Punção.

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17 Naturalmente também aqui não se consideraram os materiais metálicos relacionados com as ocupações históricas identiÀFDGDVQRVtWLR

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

Figura 13-3 - Metais e metalurgia na Fase 1 do Monte do Tosco 1. 1. Escopro; 2. Pingo de fundição; 3. Punção; 4 e 5. Fragmentos de cadinho; 6. Fragmento de lâmina; 7. Possível fragmento de molde.

Sector 1, na UE 7, foram recolhidos um fragmento de escopro e um fragmento de lâmina. No sector 3 surgiu um pingo de fundição na UE 303. No Sector 4 foi registado um punção (UE 418), dois fragmentos de cadinho (um da UE 414 e outro da UE422) e um fragmento de possível molde (UE 422). Metais e metalurgia ocorrem também no “contexto campaniforme” da Cabana 1, que corresponde a uma reocupação parcial do sítio (cf. ponto 5) no momento que poderemos considerar já da transição/início da Idade do Bronze. Foram aí recolhidos, no depósito (UE 28) que preenchia uma fossa no interior da cabana, um punhal de lingueta e dois pingos de fundição. Num dos depósitos correspondentes OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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dois fragmentos de cadinho, estando mais um integrado na estrutura de lareira central (UE 311); de um depósito superior de enchimento da Fossa 4 (UE 222) proveio um fragmento de gume de machado plano; num depósito de enchimento (UE1058) da Fossa 61 foi registado um fragmento de talão de possível machado plano; no contexto de perturbação histórica (UE359) da Cabana 2 foi recolhido um punção; na camada superficial revolvida pela lavoura recolheu-se um pingo de fundição. As peças contextualizadas provêm todas da Fase 2 de ocupação do sítio. No Monte do Tosco 1 a metalurgia e os metais estão atestados durante a sua ocupação plena atribuível ao Calcolítico (cf. ponto 5). No

à ocupação da cabana (UE 17) registaram-se ainda um punção, um fragmento inclassificável, uma fina folha enrolada, um objecto alongado composto por duas folhas sobrepostas e um outro fragmento inclassificável em que se sobrepõem pequenos fragmentos laminados. Ainda eventualmente relacionável com esta ocupação tardia, surgiu na UE 4 (depósito que assenta sobre os derrubes da Cabana 1) uma pequena lâmina. Finalmente, nos depósitos superficiais da área dos Sectores 3, nos quais também surgiram alguns, poucos, fragmentos de cerâmica campaniforme, foi recolhida uma pequena fo-

Figura 13-4 - Metais e metalurgia da Fase 2 e de contextos de superfície do Monte do Tosco 1. Fase 1 (contexto da Cabana 1): 1. Punhal de lingueta; 2. Folha enrolada; 3. Punção; )UDJPHQWRLQFODVVLÀFiYHO 5. Fragmentos laminados sobrepostos. Contextos superÀFLDLV/kPLQD 7. Folha enrolada.

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lha metálica parcialmente enrolada. Deste modo, no Monte do Tosco 1, a metalurgia está presente durante a Fase 1, atribuível a um momento pleno do Calcolítico, embora a sua expressão, tal como já se havia registado para o Moinho de Valadares e Mercador seja reduzida. Na Fase 2, nomeadamente no ambiente de ocupação da Cabana 1, os sinais (ténues) de práticas metalúrgicas mantêm-se, mas o número de artefactos sofre um ligeiro aumento, sobretudo se tivermos em conta o espaço restrito e fechado de onde são provenientes. Nos Cerros Verdes 3 apenas surgiu um

Figura 13-5 – Ponta de cobre dos Cerros Verdes 3

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contextos calcolíticos peninsulares. Quanto aos materiais contextualizados nos ambientes mais tardios do Monte do Tosco 1, já atribuíveis ao início da Idade do Bronze, temos um punção e um punhal de lingueta

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ponta de seta em cobre (Cf. Caixa 13-1), a qual aparece no mesmo contexto de um fragmento de recipiente acampanulado liso. Trata-se de uma ponta de cabeça pequena, de tendência triangular sem aletas e pedúnculo alongado de secção subrectangular. Aproxima-se do tipo IIIA (triangular com ombros marcados) da tipologia definida por J. Kaiser para as pontas de flecha da Idade do Bronze na Península Ibérica (Kaiser, 2003). Estas pontas apresentam uma vasta distribuição por toda a metade sul da Península, prolongando-se na fachada mediterrânica até à zona da Catalunha, sendo atribuídas a uma fase inicial da Idade do Bronze. No que respeita aos cadinhos dos três povoados, tipologicamente verifica-se a presença de fragmentos que sugerem a morfologia subrectangular e fundo aplanado, com a presença de uma concavidade longitudinal nas paredes laterais, relacionável com a técnica de preensão do cadinho durante o processo metalúrgico. Esta tipologia é muito frequente em todo o Calcolítico do Sudoeste, estando bem representada na região sobretudo no Povoado dos Perdigões (Valera, 1998b), mas também em sítios como Porto Mourão, São Brás ou Três Moinhos (Soares et. al., 1991). Quanto aos artefactos metálicos, aqueles que permitem uma classificação tipológica são em número muito reduzido. Para o Mercador e fases calcolíticas do Moinho de Valadares 1 e Monte do Tosco 1 temos dois fragmentos de machado plano, um fragmento de escopro, um fragmento de lâmina e dois punções. Os restantes materiais metálicos ou são fragmentos inclassificáveis ou restos de fundição. De um modo geral, estes artefactos, essencialmente ferramentas relacionadas com actividades quotidianas (embora tal classificação possa ser redutora para os machados), são comuns nos

Caixa 13-1 $QiOLVHSRUHVSHFWURPHWULDGHÁXUHVFrQFLDGHUDLRV;GLVSHUVLYD de energias dos materiais metálicos do Moinho de Valadares 1, Mercador, Monte do Tosco 1 e Cerros Verdes 3 Maria de Fátima Araujo* Pedro Valério*

Introdução este trabalho teve por objecto a caracterização semi-quantitativa dos materiais metálicos provenientes do Moinho de Valadares 1, Mercador, Monte do Tosco 1 e Cerros Verdes 3.

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Método Analítico Os artefactos metálicos foram analisados pela técnica de espectrometria de Fluorescência de Raios-X Dispersiva de Energias (EDXRF), que permite identificar os elementos químicos com um número atómico superior ao do sódio atra-vés da emissão de raios-X característicos de cada átomo. Os raios-X característicos emitidos resultam dos rearranjos electrónicos provocados pelo aparecimento de lacunas nas camadas internas do átomo, quando este é irradiado por um feixe electromagnético de energia apropriada. A espectrometria de EDXRF é um método analítico completamente não destrutivo, multielementar, rápido e possui uma elevada sensibilidade para os elementos presentes nas ligas metálicas arqueológicas. No entanto dada a natureza dos fenómenos físicos envolvidos, os resultados obtidos referem-se sempre a uma camada superficial da amostra, não excedendo as dezenas de micra no caso da análise de materiais metálicos. As suas caracteristicas tornaram o método amplamente utilizado em estudos de Património Cultural, nomeadamente na caracterização química de artefactos arqueológicos, museológicos ou de interesse numismático.

As análises foram efectuadas num espectrómetro comercial de fluorescência de raios-X (Kevex 771), equipado com uma âmpola de ródio de 200 W, vários alvos secundários e filtros apropriados. Os raios-X carac-

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terísticos dos elemen-tos químicos presentes na amostra são colimados e posteriormente medidos num detector de Si(Li), com uma resolução de 175eV para 6,4keV. Por forma a maximizar a eficiência na identificação dos elementos químicos constituintes de cada amostra, foram utilizadas duas condições de análise em cada ensaio (Tabela 1). As condições de análise foram optimizadas para a identificação dos elementos químicos de número atómico superior a 23. A intensidade de corrente foi ajustada para cada amostra por forma a obter um tempo morto adequado na respectiva análise.

Tabela 1 – Condições de análise por Espectrometria de Fluorescência de Raios-X Dispersiva de Energias. Modo de excitação

Diferença de potencial (kV)

Intensidade de corrente (mA)

Tempo de contagem (s)

1

Alvo de Ag

35

0,5 – 1,5

50 – 300

2

Alvo de Gd

57

0,5 – 3,0

300

Resultados Os materiais metálicos analisados não foram sujeitos a qualquer tipo de tratamento físico ou químico de limpeza. Deste modo, os artefactos possuem uma camada de corrosão relativamente espessa, como resultado dos fenómenos de alteração que ocorreram durante a sua deposição no solo. estes fenómenos de alteração provocam a migração de certos elementos constituintes da liga metálica para superficie do artefacto, bem como a incorporação no artefacto de elementos provenientes do solo. Dado que a fluorescência de raios-X analisa a camada superficial do artefacto, os resultados obtidos referem-se neste caso essencialmente à camada de corrosão. Assim sendo, neste trabalho apresentamos os resultados de uma forma semi-quantitativa, que de qualquer forma identifica de uma forma inequívoca a composição das ligas metálicas (Tabela 2).

OS MATERIAIS ARQUEOLÓGICOS: ESTUDOS

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Condição nº

Tabela 2 – Resultados da análise por EDXRF dos artefactos metálicos (++ – elemento principal; + – elemento menor (>1%); v. – vestígios ( 50%, Fig.15-1) e a fracção não identificada (Fig.15-2). Em geral, as fossas do Sector 1 proporcionaram maior número de restos (NR= 2292) que os depósitos e fossas estudadas do Sector 3 (NR= 1416; Tabelas 2 e 6), onde se verificou a ocorrência de uma elevada proporção de fragmentos indeterminados (82,8%; Tabela 7), provavelmente resultado dos processos tafonómicos de formação e acumulação deste conjunto faunístico. Como é evidente nas Figs. 15-1 e 15-2, aproximadamente 10% dos restos recuperados no Sector 1, quer das principais espécies de mamíferos identificados quer na fracção não determinada, apresentam-se bem conservados (BC), sem superfícies alteradas, o que sugere a sua rápida integração nas fossas, sem outras interferências anteriores responsáveis pela sua destruição parcial. Todavia, o estado de conservação de

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324

Figura 15-3 - Contribuição relativa das principais espécies faunísticas recuperadas nos Sectores 1 e 3. NR= número de ossos. O número de dentes está indicado em parêntesis. EQU= cavalo; CEE= veado; BPR= auroque; BOS= gado bovino; OC= ovicaprídeos; SUS= suídeo; CAC= corço; ORC= coelho; LEP= lebre.

DADOS PALEOECONÓMICOS: FAUNAS E SEMENTES

po. No caso do Sector 3, a menor dimensão da amostra, a abundância de restos não identificados, o seu pior estado de conservação e a relativa proporção de fragmentos queimados, sugerem tratar-se de um conjunto faunístico de origem diversa, acumulado ao longo de sucessivos episódios temporais, relacionado com os solos de ocupação das duas cabanas localizadas neste espaço e com os momentos do seu abandono e derrube.

15.4. Espécies presentes Os mamíferos representam a quase totalidade do espólio estudado, sendo insignificante a presença de aves, peixes e répteis (Tabela 1). Sector 1. Nas 11 fossas do Sector 1 foram recuperados 1999 ossos e 288 dentes de mamíferos (Tabela 2), de entre os quais foi possível identificar 54,5%, restando 45,3% na fracção dos indeterminados (Tabela 3), constituindo os restos de mamíferos de tamanho médio o conjunto mais abundante (32,8%; Tabela 3). Provavelmente estes restos derivam de suídeos e de ovicaprídeos, os grupos identificados com maiores contribuições no total da amostra (Tabela 5). Os restos de suídeos são os mais numerosos, uma vez que incluída a fracção de indeterminados representam 33,2% do total (Tabela 3) e, se forem apenas considerados os elementos identificados a nível específico, este valor aumenta para 47,9% (Tabela 5; Fig.15-3). Além disso, eles constituem o grupo dominante em todas as fossas, com excepção da 64 e 68, onde ovicaprídeos e vaca, respectivamente, são predominantes. Segundo o NMI, se considerarmos que os restos depositados em cada uma das fossas pertencem a animais diferentes, os suídeos eviden-

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uma parte considerável do material contido nas Fossas 2 (39%), 4 (34%), 61 (63%), 64 (6%), 65 (9%) e 66 (12%) foi afectado por um processo de infiltrações posteriores ao momento da sua deposição, apresentando superfícies cobertas por concreções de carbonato de cálcio (CC) que, se por um lado contribuíram para manter os ossos completos, por outro impediram a possibilidade de observar as superfícies originais e de efectuar as medições pertinentes. No Sector 3 o conjunto da amostra (Figs.15-1 e 15-2), salvo alguns restos de veado, aparece corroída (E) ou muito corroída (ME), com superfícies rachadas, desgastadas e com perda de tecido ósseo. Uma vez que parte deste conjunto faunístico deriva de depósitos de ocupação abertos e derrubes, a exposição prolongada a agentes atmosféricos (chuva, vento, sol) e processos mecânicos (i.e., trampling) podem ter estado na origem desta situação (Andrews & Cook, 1985; Lyman, 1994). Além disso, constatou-se também a ocorrência de ossos alterados termicamente (Q) em muito maior proporção que nos contextos estudados do Sector 1. Portanto, parece que os processos tafonómicos envolvidos na formação de ambos os conjuntos faunísticos foram diferentes. As fossas do Sector 1 podem ser consideradas estruturas fechadas e contextos primários daqueles restos que foram nelas despejados. A incidência de marcas de corte (incisões e cortes profundos) sugere tratar-se de material derivado do consumo humano na maior parte dos casos (i.e., desmanche das carcaças, esfola, extracção de carne e restos de comida), se bem que a ocorrência de ossos mordidos indica um eventual aproveitamento destes restos por animais comensais antes de terem sido incorporados nas fossas ou quando estas ainda estavam abertas. Em qualquer dos casos, as fossas parecem ter sido preenchidas em curtos períodos de tem-

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ciam-se também como o conjunto dominante com um total de 44 indivíduos (Tabela 4). Os ovicaprídeos ocupam o segundo lugar, mas numa proporção (16,8%) muito inferior à dos suídeos (Tabela 5; Fig.15-3). O gado bovino (12%), o equino (9,2%), o veado (6,9%) e o coelho (6%) são outras das espécies presentes, embora contribuíam no conjunto faunístico deste sector com um menor número de restos (Fig.153). A ocorrência de auroque, corço, lebre, cão, raposa e texugo é puramente testemunhal. Os restos de micro-mamíferos3 foram registados exclusivamente nas Fossas 1 e 2 (Tabela 2), sendo que alguns deles, como o caso do rato negro (Rattus rattus) devem estar relacionados com intrusões posteriores. O único resto de ave (um tibiotarso) proveniente da Fossa 1 (UE 1039) não é identificável, assim como os três restos de peixe (espinhas?) da Fossa 2 (UE 252). A ocorrência de um réptil na Fossa 49 (UE 144) corresponde a um fragmento de carapaça de quelónio (Fig.15-4), provavelmente do cágado-comum (Mauremys leprosa). Sector 3. O conjunto faunístico do Sector 3 é constituído por 1361 ossos e 52 dentes de mamíferos (Tabela 6). É importante destacar que 70% da amostra provêm da Fossa 6, no interior da Cabana 1. Como acima referido, apenas foi possível identificar 17% destes restos, sendo a fracção total de fragmentos indeterminados de 82,8%, representando os pequenos restos não determinados 34,6% (Tabela 7). A contribuição dos suídeos é de novo maioritária (37,4%; Tabela 9 e Fig.15-3), embora inferior à verificada no Sector 1 (47,9%).

3

A diferença entre ambos os conjuntos reside na maior abundância de veado, proveniente sobretudo da Fossa 6, cujos restos constituem 20,6% do total da amostra identificável deste sector (Tabela 9). Atendendo ao cálculo do número mínimo de indivíduos (NMI), estão presentes os restos pertencentes a pelo menos 3 veados (Tabela 8). A ocorrência de ovicaprídeos (13,7%), gado bovino (11,1%), equino (7,2%) e coelho (8%) mantém-se em proporções semelhantes às registadas nas fossas do Sector 1 (Fig.15-3). Verificou-se igualmente a ocorrência de auroque, de lebre e de cão. Este conjunto faunístico é completado com a presença de 3 restos de ave (Tabela 6), dentro dos quais foi possível identificar um tibiotarso e uma fíbula esquerdos de Abutre negro (Aegypius monachus; Fig. 15-5; UE 398), provavelmente pertencentes ao mesmo indivíduo.

15.4.1. Cavalo (Equus sp.) Após a sua abundância nas jazidas plistocénicas (Cardoso, 1993), os restos de cavalo estão escassamente representados nos contextos domésticos pós-glaciares do território português (Cardoso, 1994: 53). Concretamente para o período Calcolítico, foi assinalada a sua parca ocorrência no Castro da Fórnea (Matacães, Torres Vedras; Driesch, 1973), Castro de Zambujal (Torres Vedras; Driesch & Boessneck, 1976), Penedo do Lexim (Mafra; Driesch, 1976b; Moreno-García, em preparação), Povoado do Monte da Tumba (Alcácer do Sal; Antunes, 1987), Povoado de Porto Torrão

$VLGHQWLÀFDo}HVGRVPLFURPDPtIHURVIRUDPUHDOL]DGDVSRU&3LPHQWDGR/DERUDWyULRGH$UTXHR]RRORJLDGR,3$

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Figura 15-4 – Fossa 49 (UE144). Fragmento de carapaça possivelmente pertencente a um cágado-comum (Mauremys leprosa)

b)

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Figura 15-5 – Fossa 6 (UE398). a) Três fragmentos de tibiotarso (nas suas faces anterior e posterior) e fíbula esquerdos de Abutre negro (Aegypius monachus). Do lado esquerdo exemplar da colecção de referência do IPA (CIPA nº872). b) Pormenor da face posterior do tibiotarso evidenciando as marcas de corte observadas.

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a)

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(Ferreira do Alentejo; Arnaud, 1993), Moinho de Valadares (Mourão; Valente, 1999) e no Povoado de Leceia (Oeiras; Cardoso & Detry, 2001/2002). A contribuição do cavalo no Povoado de Mercador (Mourão) apresenta-se ligeiramente superior à registada nas jazidas anteriores que proporcionaram amostras numericamente representativas (Tabela 17). A raridade da ocorrência desta espécie neste período prende-se com uma outra questão que ainda está a ser discutida na literatura relacionada com a domesticação do cavalo na Península Ibérica. Enquanto há autores (Gimbutas, 1979; Cardoso, 1995), que relacionam a chegada de cavalos domésticos à Europa Ocidental com o fenómeno campaniforme, apenas na passagem do 3º para o 2º milénio AC, outros defendem uma domesticação autóctone na Península já durante o 3º milénio AC (Uerpmann, 1990, 1995). De acordo com Uerpmann (1990; 1995) os primeiros cavalos domesticados na Europa ocidental e central apareceram na fase final do Neolítico, por volta da primeira metade do 3º milénio AC. A sua domesticação não terá estado relacionada com a produção de carne, mas sobretudo com as suas qualidades como animal de transporte e de tracção. A sobrevivência na Península Ibérica de equídeos selvagens poderá ter propiciado, na opinião deste autor, a sua domesticação local nos começos do 3º milénio, independentemente das outras áreas geográficas na Europa central e do este, onde este processo estava igualmente a ser desenvolvido.

Nas jazidas acima mencionadas não foi possível determinar com absoluta certeza o carácter doméstico ou selvagem dos restos de equídeos nelas recuperados, embora a sua baixa representatividade no conjunto das amostras tenha sido interpretada, na maior parte dos casos, como evidência da escassez destes animais na natureza e das dificuldades envolvidas na sua caça (Cardoso & Detry, 2001/2002), ficando de alguma forma implícito o seu estado selvagem. A maior representação de cavalo no Povoado do Mercador (Mourão) resulta muito interessante, uma vez que os dados provisórios apontam para o arranque deste povoado num momento inicial/pleno do Calcolítico e o seu término numa fase final4. As sucessivas ocupações e abandonos ocorridos neste local serão contemporâneas das jazidas calcolíticas mencionadas da Estremadura e do Alentejo. Em seguida são analisadas diversas variáveis no sentido de facilitar a interpretação dos restos de cavalo presentes nos contextos calcolíticos do Povoado do Mercador.

15.4.1.1. Representação anatómica, marcas antrópicas e de origem animal Conforme registado na Tabela 10, os 52 ossos e 1 dente de cavalo recuperados estão distribuídos por 6 fossas (1, 2, 4, 49, 65 e 66) do Sector 1 e em vários dos depósitos do Sector 3 (1A, 1B, 1D, 1E e Fossa 6). Apesar de se tratar de uma amostra limitada, a observação deta-

4 3DUDDIDVHÀQDOGDRFXSDomRHVWmRMiGLVSRQtYHLVGDWDo}HVGHUDGLRFDUERQRTXHDFRORFDPQDVHJXQGDPHWDGH GRžPLOpQLR$&SRGHQGRRVtWLRWHUVLGRDEDQGRQDGRQRÀQDOGHVVHPLOpQLR &ISRQWR 

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Figura 15-6 – (da esquerda para a direita) Ídolo-falange. Primeira falange posterior de cavalo (Equus sp.), afeiçoada e polida na face posterior GDVXSHUÀFLHDUWLFXODUSUR[LPDOHGLVWDOEHPFRPRQDV]RQDVPHVLDOHODWHUDOGDGLiÀVH 8( 2VVRFDUSDO VFDSKRLGH GLUHLWRGHFDYDOR (Equus sp.). Note-se na sua face externa a presença de duas incisões paralelas (Fossa 66; UE1022); Ídolo-falange. Primeira falange posterior GHFDYDOR (TXXVVS DIHLoRDGDHSROLGDQDIDFHSRVWHULRUGDVXSHUÀFLHDUWLFXODUSUR[LPDOHGLVWDOEHPFRPRQDV]RQDVPHVLDOHODWHUDO GDGLiÀVH 8( ÌGRORIDODQJH3ULPHLUDIDODQJHSRVWHULRUGHFDYDOR (TXXVVS DIHLoRDGDHSROLGDQDIDFHSRVWHULRUGDVXSHUÀFLHDUWLFXODU SUR[LPDOHGLVWDOEHPFRPRQDV]RQDVPHVLDOHODWHUDOGDGLiÀVH 8( 

R Verifica-se a quase total ausência de elementos cranianos e do esqueleto axial, embora alguns destes possam ter sido registados na categoria geral de mamífero de tamanho grande (Tabela 15);

R A maior parte da amostra está constituída pelo esqueleto apendicular (patas anteriores e posteriores); R No Sector 1 os ossos das patas anteriores estão ligeiramente mais representados do que os das posteriores; R Finalmente, enquanto a maior parte dos restos no Sector 3 correspondem à parte infeDADOS PALEOECONÓMICOS: FAUNAS E SEMENTES

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lhada da representação anatómica permite-nos apontar várias questões:

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rior das patas e pés, quer anteriores (carpais, metacarpos e falanges) quer posteriores (tarsais, metatarsos e falanges), no Sector 1 estes elementos estão praticamente ausentes. Tendo em conta as dimensões de um cavalo e dado o carácter doméstico dos contextos estudados (fossas, solos de ocupação e depósitos de derrube) não é de estranhar a ausência de esqueletos completos e a tendência para a ocorrência de membros desarticulados ou de porções de menor tamanho. As marcas de corte evidentes em vários ossos (i.e., num scaphoide (osso carpal) direito (Fig. 15-6), mandíbula e rádio) recuperados na UE 1022 da Fossa 66 (Sector 1) sugerem que as carcaças foram processadas após a morte do animal. As incisões na parte externa do scaphoide são de grande precisão, podendo ter sido realizadas com utensílios líticos, semelhantes aos observados no lado bucal do ramus mandibulae. Enquanto ambos podem estar relacionados com o momento da esfola do animal, as marcas de corte visíveis na diáfise dum rádio podem ter sido devidas à extracção da carne do osso. Assim, é plausível concluir-se que poderá ter havido um aproveitamento da carne e da pele destes animais. Para além disto, o próprio osso foi utilizado como matéria-prima. Três das cinco primeiras falanges de equídeo recuperadas no Sector 3 (Tabela 10) apresentam-se afeiçoadas por polimento na sua face posterior, bem como nas zonas mesial e lateral da diáfise (Fig. 15-6 UEs 391 e 369), evidenciando tratar-se de ideo-artefactos: “ídolos-falange”, semelhantes aos recuperados noutras estações neolíticas e calcolíticas da Península Ibérica (Cardoso, 1995). Finalmente, não podemos deixar de referir a destruição parcial de alguns restos de cavalo pela acção de carnívoros (nomeadamente cães), que tiveram a oportunidade de morder os seus extremos proximais ou distais. Este facto pode

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evidenciar a existência de um lapso de tempo em que os restos ficaram acessíveis a animais comensais antes da sua incorporação definitiva no sedimento.

15.4.1.2. Idade de abate e dados métricos O estado de fusão das epífises sugere que os restos de cavalo recuperados no Mercador pertencem a indivíduos adultos. No entanto, o único fragmento de dente, recolhido na Fossa 6 (UE 398), pertence a um terceiro molar inferior que não apresenta desgaste da superfície de abrasão, indiciando portanto a presença dum indivíduo sub-adulto. Infelizmente não são muitos os dados osteométricos que a amostra permite retirar (as medidas obtidas de três rádios, uma escápula e um astrágalo encontram-se na Tabela 20) e também não abunda material comparativo disponível que tenha sido publicado. Todavia, conforme foi anotado por Cardoso: “as falanges de equídeo utilizadas como ídolos antropomórficos calcolíticos são aproveitáveis para comparações biométricas, tendo em vista a respectiva determinação específica, desde que pouco alteradas pelo afeiçoamento” (Cardoso, 1995: 226). De acordo com o acima referido, a amostra de primeiras falanges de equídeo do Povoado do Mercador eleva-se a cinco (3 anteriores, 1 posterior e 1 não determinada, pela sua fragmentação), sendo três delas “ideo-artefactos”. Dado que o trabalho de afeiçoamento e polimento ocorre na face posterior da superfície articular distal e proximal, bem como nas zonas mesial e lateral da diáfise (Fig 15-6), entende-se que medidas como o comprimento máximo (GL) e o diâmetro transversal proximal (Bp) não estão muito alteradas. Assim, no Gráfico 1 comparam-se estas medidas de três exemplares do Mercador

E. caballus antunesi (Cardoso and Eisenmann, 1989); E. caballus gallicus (Dive and Eisenmann, 1991); E. przewalskii (Dive e Eisenmann, 1991); E. asinus (Dive e Eisenmann, 1991); E. hemionus onager (Dive e Eisenmann, 1991); E. hydruntinus (Bonifay, 1991). Incluem-se também as medidas médias dos dois exemplares de fêmeas adultas de cavalos Garranos da colecção de referência do Laboratório de Arqueozoologia do IPA (CIPA nº 238 e nº 265). No gráfico de dispersão das primeiras falanges anteriores (Gráfico 1a) observa-se como os dois exemplares do Mercador estão muito próximos da dimensão média dos E. przewalskii, sendo os valores médios do E. hydruntinus, E. asinus e E. hemionus onager menores, enquanto a amostra de cavalos Plistocénicos, E. caballus gallicus, Garranos e o exemplar do Calcolítico Final do Povoado fortificado de Zambujal (von den Driesch & Boessneck, 1976) são manifestamente maiores. Em relação às falanges posteriores verifica-se uma situação semelhante (Gráfico 1b), agrupando-se no centro do gráfico o exemplar Mesolítico do Paul de Magos junto aos exemplares calcolíticos (do Mercador, Leceia e Penha Verde) e os valores médios de E. przewalskii. Destaca-se a disparidade apresentada entre os dois exemplares do Zambujal, que manifestam a ocorrência neste local de dois tipos de equídeos diferentes entre o Calcolítico Pleno e o Calcolítico Final.

Em conclusão, a relação entre o comprimento máximo e o diâmetro transversal proximal indicia que as falanges dos equídeos portugueses calcolíticos, à excepção dos exemplares do Zambujal, se apresentam mais desenvolvidas do que as dos três equídeos não cabalinos considerados: E. hydruntinus, E. asinus e E. hemionus onager, podendo-se, pois, “afastar a hipótese de pertencerem a quaisquer destas espécies” (Cardoso, 1995: 227). Igualmente, o resultado sugere proporções relativas muito similares às dos cavalos selvagens, E. przewalskii, de menores dimensões que os seus homólogos plistocénicos ou domésticos.

 &RQVLGHUDo}HVÀQDLV

Os resultados apresentados nas secções anteriores permitem sugerir como hipótese de trabalho, que os restos de equídeo do povoado do Mercador pertencem a cavalos selvagens, caçados provavelmente nas suas imediações. A caça do cavalo ofereceria mais dificuldades que as de outras espécies existentes na envolvente (i.e., veado), não só por se tratar de uma espécie que habita meios abertos mas também porque a sua ocorrência seria certamente escassa. A maior frequência de restos do esqueleto apendicular (patas) indicia a possibilidade de que após a morte destes animais, não fossem trasladadas ao lugar de habitação carcaças completas, mas apenas porções de menores dimensões parcialmente processadas, ficando no lugar do abate o crânio e o esqueleto axial (tronco). As delicadas marcas de corte presentes nalguns restos (Fig.15-6) sugerem que tenha havido um tratamento cuidado na esfola dos animais para posterior aproveitamento da pele e não apenas da carne. Certamente terá sido praticada uma separação cuidada da parte

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(dois deles “ídolos”) com as de exemplares arqueológicos portugueses de diversa cronologia: Plistocénico, Mesolítico e Calcolítico e com as médias de exemplares homólogos de diversas espécies de equídeos, apresentadas no Quadro 1 do trabalho de Cardoso (1995: 227):

inferior das patas para não danificar as primeiras falanges, ossos que constituem a matéria-prima para a elaboração de ideo-artefactos (Fig. 15-6). A sua condição de objectos “prezados” manifesta-se no facto de terem sido recuperados exclusivamente no Sector 3, ponto de localização das cabanas, situação reforçada com a sua ausência nas fossas do Sector 1 que foram utilizadas na sua maioria para enterrar restos de alimentação. Avaliar a importância do cavalo na economia do povoado calcolítico do Mercador resulta difícil dada a pequena dimensão da amostra, mas é possível afirmar que terá tido alguma contribuição na dieta dos seus habitantes. Para além disto, a sua pele e alguns dos seus ossos (falanges) foram recursos igualmente aproveitados, constituindo matérias-primas sobre as quais os habitantes deste local desenvolveram outras actividades de carácter artesanal.

15.4.2.Veado (Cervus elaphus)

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A presença de veado em jazidas calcolíticas, quer da Estremadura quer do Alentejo, parece ter sido constante, embora se evidenciem algumas diferenças relativas à sua abundância. Nas três jazidas com maior espólio faunístico do período calcolítico da Estremadura verifica-se uma escassa presença desta espécie (Tabela 17): R No Zambujal: 3,4% no Calcolítico Pleno e 3,9% no Calcolítico Final (von den Driesch & Boessneck, 1976); R No Penedo do Lexim: 1,7% (von den Driesch, 1976b) e ĂďZĞĨ͘Wϭ^ŝŐŵĂϮ^ŝŐŵĂ

Quadro 21-1 – Datações de radiocarbono disponíveis para os sítios da área de estudo.

Figura 21-1 – Esboço cronológico para os principais contextos intervencionados na margem esquerda. 2V"VLJQLÀFDPIDVHVGH RFXSDomRGHÀQLGDV HVWUDWLJUDÀFDPHQWH sem cronologias absolutas.

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do Moinho de Valadares terá ocorrido a partir do primeiro quartel do 3º milénio, estando terminada no último quartel do milénio. A datação de 2210-2030 para contextos de derrubes corresponde a um terminus ante quem para essa segunda fase de ocupação. Durante esta segunda fase de ocupação do Moinho de Valadares, eventualmente iniciando-se um pouco mais cedo, terá ocorrido a primeira fase de ocupação do Porto das Carretas, datada pelo radiocarbono entre 3000 e 2300. Embora não datadas, mas com evidências materiais compatíveis, poderemos colocar no espectro cronológico da primeira metade do 3º milénio a fase 1 de ocupação do Mercador e os contextos do Monte da Julioa 4 / Luz 20. As segundas fases de ocupação do Porto das Carretas (já com campaniforme) e do Mercador estão ambas datadas da segunda metade do 3º milénio AC, sendo que para este último contexto a datação da reutilização funerária (21341936) poderá ser assumida como terminus ante quem para o abandono “funcional” do sítio. Esta A DINÂMICA SOCIAL

datação recobre-se com as duas datações obtidas para os enchimentos de duas fossas da segunda fase de ocupação (2399-1885 e 2458-2032). Contudo, o facto de corresponder a uma reutilização funerária efectuada sobre as ruínas de uma das cabanas do Sector 3 e a circunstância de o intervalo de tempo que proporcionou corresponder à segunda metade dos intervalos de tempo das duas restantes datas, sugerem uma ligeira posterioridade do contexto funerário (não totalmente diferenciável ao nível da resolução das datações de C14), num momento em que o sítio estaria já abandonado (ainda que socialmente activo, como se discutirá adiante). Relativamente ao Monte do Tosco 1, apesar das tentativas (Cf. ponto 5), não foi possível datar nenhum dos contextos escavados. A referenciação cronológica das suas duas fases de ocupação fica, assim, dependente de cronologias relativas baseadas nas evidências arqueológicas do próprio sítio e na sua articulação com as estratigrafias e datações dos restantes contextos conhecidos para a região.

No esboço cronológico proposto (Cf. fig. 21-1) a primeira Fase é ajustada a meados do 3º milénio AC. Nesta fase foram identificadas cabanas circulares e estruturas de delimitação /contenção, um equipamento cerâmico dominado pelo prato e uma total ausência de taças carenadas e potes mamilados; pesos de tear exclusivamente crescentes, presença de metais e metalurgia, uma indústria de pedra talhada baseada na macro utensilagem sobre seixo, mas onde se destacam três utensílios sobre lâmina e o maior conjunto de pontas de seta recolhidos nos sítios intervencionados no Bloco 5. Quanto à Fase 2 de ocupação, que em termos de contextos preservados corresponde a uma cabana circular com muro de pedra (Cabana 1), foi referenciada na transição do 3º

para o 2º milénio, no momento que corresponderá ao arranque para a Idade do Bronze. Tratase de um contexto fechado, espacialmente bem restrito (com ele apenas se relacionaram alguns fragmentos cerâmicos campaniformes recolhidos à superfície ou em escorrências), que forneceu um conjunto cerâmico onde se destacam os recipientes campaniformes, um conjunto de artefactos metálicos em cobre (com destaque para uma faca/punhal) e evidências (ténues) da prática metalúrgica. O conjunto cerâmico campaniforme (Cf. ponto 8) é constituído por alguns recipientes acampanulados lisos e por recipientes decorados com técnica incisa com ou sem preenchimento a pasta branca, cujas organizações se enquadram no complexo estilístico de Ciempuzuelos. O restante aparelho

Figura 21-2 – Datações de C14 disponíveis para área de estudo da margem esquerda e zona fronteira da margem direita GR*XDGLDQD

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cerâmico era composto por alguns pratos, taças e tigelas, destacando-se um conjunto elevado pequenas taças em calote, lisas e com bons acabamentos, idênticas a outras que apresentavam decoração campaniforme incisa, e que são comuns em contextos daquele grupo estilístico. A este reportório cerâmico juntavam-se, ainda, quatro grandes recipientes (de armazenagem ?) de colo estrangulado alto e base plana. As cronologias disponíveis para o campaniforme, nomeadamente para o Ciempozuelos, nesta região são ainda escassas. Apesar disso, ultimamente têm vindo a ser obtidas cronologias bastante recuadas para contextos com campaniforme de estilo Ciempozuelos. O último caso verificou-se, precisamente, num dos sítios intervencionados no âmbito de Alqueva, em San Blás. Aí foram datadas ocupações de cabanas com estes materiais que os situam em períodos com intervalos entre 2600 e 2300 (Hurtado, 2004), ou seja datações estatisticamente diferenciáveis e anteriores às obtidas para os contextos com campaniforme exclusivamente internacional do Porto das Carretas e às obtidas para a Fase 2 do Mercador. Esta situação poderia levar-nos a recuar a referenciação cronológica da ocupação da Cabana 1 do Monte do Tosco para mais próximo do final da ocupação da Fase 1, o que estratigraficamente é viável, já que esta estrutura e o solo de ocupação que lhe está associado assentam directamente sobre o solo de ocupação da Fase 1. Teríamos, assim, um hiato de ocupação mais restrito ou eventualmente. Contudo, ao contrário das cabanas de San Blás, em que o campaniforme inciso aparece associado a cerâmica simbólica, cerâmicas penteadas, recipientes de calcário, ídolos oculados, materiais de clara ambiência calcolítica, no Monte dos Tosco 1 estão associados a grandes recipientes de base plana e colo estrangulado

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característicos já de contextos mais tardios, integráveis na Idade do Bronze. Por outro lado, existem vários contextos Ciempozuelos datados do primeiro quartel do 2º milénio e este grupo estilístico, tradicionalmente considerado tardio dentro da evolução do fenómeno campaniforme, marca em várias regiões a transição para ou o início da Idade do Bronze. Acresce, ainda, que os estudos arqueométricos (Cf. ponto 8.2) revelaram que as cerâmicas do Idade do Bronze do Moinho de Valadares e as da Cabana 1 do Monte do Tosco (tanto campaniformes como não campaniformes) revelam uma maior homogeneidade química e o recurso a procedimentos tecnológicos e a matérias-primas diferentes (ainda que maioritariamente locais) das cerâmicas analisadas dos contextos calcolíticos, situação que reforça uma atribuição cronológica mais tardia à Fase 2 do Monte do Tosco. Em face desta situação, e até à obtenção de nova documentação de natureza empírica, optou-se por considerar o contexto da Fase 2 do Monte do Tosco como mais tardio, colocando-o num momento cronológico contemporâneo e/ou imediato ao abandono do Porto das Carretas e do Mercador, abrangendo os finais do 3º / primeiro quartel do 2º milénio AC. Por último, temos a reutilização/reocupação do Moinho de Valadares 1, que terá tido, pelo menos em parte, um carácter funerário (problemáticas associadas discutidas em 22.4), para a qual existe uma datação do segundo quartel do 2º milénio AC (1736-1504). Esta datação, compatível com os materiais cerâmicos e metálicos já em bronze, coloca a reutilização tardia do Moinho de Valadares 1 num momento pleno da Idade do Bronze do Sudoeste Peninsular. Na área de estudo em questão, a margem esquerda portuguesa do Guadiana a norte do Alcarrache, apenas se intervencionou um outro contexto integrável nesta época.

Trata-se da necrópole de cistas (três cistas) do Monte da Ribeira 2, cujo estudo foi realizado no âmbito do Bloco 9. Com o presente capítulo não se pretende uma síntese sobre o povoamento da margem esquerda, mas tão só colocar e debater alguns questões que os contextos intervencionados permitem levantar, no contexto das problemáticas que povoam os discursos arqueológicos sobre a Pré-história Recente peninsular em geral e sobre a do Sudoeste em particular. Vivemos um momento de grande incremento dos dados empíricos na região e um momento de emergência ou desenvolvimento de dinâmicas interpretativas, com alternativas ainda algo difusas, a necessitar de uma mais aprofundada estruturação teórica e epistemológica e de um nova bateria conceptual. Diria que o tempo não está ainda maduro para uma sínte-

se consequente e consistente, porque vivemos ainda um tempo de antítese. Tempo de alargar o campo dos dados, de aprofundar linhas de pesquisa, de questionar pressupostos estabelecidos e de amadurecer conceitos e teorias. Este texto é escrito num momento em que se ultimam os restantes estudos de outros sítios e blocos, cuja informação é tão ou mais relevante para as questões aqui debatidas. Em que muitos contextos, pelo potencial científico que já demonstraram possuir, justificariam o continuar de trabalhos de escavação. Não é, pois, momento de concluir, mas de questionar e debater. O trabalho realizado no âmbito do Bloco 5 poderá ser assim, juntamente com os restantes trabalhos desenvolvidos no âmbito do empreendimento de Alqueva, um contributo interessante neste processo dialéctico da dinâmica da investigação.

Figura 21-3 – Datação da reocupação tardia do Moinho de Valadares e de outros contextos funerários e não funerários da ,GDGHGR%URQ]HQDEDFLDGR*XDGLDQDHGREDL[R*XDGDOTXLYLU

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Com o presente capítulo não se pretende uma síntese sobre o povoamento da margem esquerda, mas tão só colocar e debater alguns questões que os contextos intervencionados permi-tem levantar, no contexto das problemáticas que povoam os discursos arqueológicos sobre a Pré-história Recente peninsular em geral e sobre a do Sudoeste em particular. Vivemos um momento de grande incremento dos dados empíricos na região e um momento de emergência ou desenvolvimento de dinâmicas interpretativas, com alternativas ainda algo difusas, a necessitar de uma mais aprofundada estruturação teórica e epistemológica e de um nova bateria conceptual. Diria que o tempo não está ainda maduro para uma síntese consequente e consistente, porque vivemos ainda um tempo de antítese. Tempo de alargar o campo dos dados, de aprofundar linhas de pesquisa, de questionar pressupostos estabelecidos e de amadurecer conceitos e teorias. Este texto é escrito num momento em que se ultimam os restantes estudos de outros sítios e blocos, cuja informação é tão ou mais relevante para as questões aqui debatidas. Em que muitos contextos, pelo potencial científico que já demonstraram possuir, justificariam o continuar de trabalhos de escavação. Não é, pois, momento de concluir, mas de questionar e debater. O trabalho realizado no âmbito do Bloco 5 poderá ser assim, juntamente com os restantes trabalhos desenvolvidos no âmbito do empreendimento de Alqueva, um contributo interessante neste processo dialéctico da dinâmica da investigação.

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22.1. Implantações, arquitecturas, organização espacial intra povoado e dinâmicas de ocupação As interpretações que usualmente se fazem do tipo de contextos como os que temos vindo a tratar partem normalmente de uma designação classificadora prévia à análise e avaliação cuidada dos contextos presentes, frequentemente estabelecida ainda antes da escavação. O que, diga-se, é perfeitamente natural, porque em toda a relação que estabelecemos com o mundo vamos munidos de pré conceitos, ou seja, com as potencialidades e as limitações que nos são dadas pela nossa linguagem, enquanto matéria de pensamento e sistema de classificação e de atribuição de sentidos, e pelas organizações do real vigentes (das mais simples às mais elaboradas). Partimos, pois, em 1999 para a escavação de “povoados”, com questionários e metodologias orientadas para a ideia homogeneizante de “povoado”. Convém agora, fazer uma avaliação e uma reflexão cuidada sobre os contextos intervencionados e sobre as leituras efectuadas dentro de cada sítio, procurando perceber a diversidade existente dentro dessa designação classificadora e avaliar a sua adequação em cada caso concreto (quando isso for possível). Comecemos por prestar atenção às implantações e arquitecturas, para depois analisar a espacialidade intra sítio e a maneira com se articulam com as dinâmicas das suas ocupações.

A ocupação do Moinho de Valadares 1 terá começado ainda dentro da 2ª metade do 4º milénio AC; a do Mercador, Porto das Carretas, Julioa 4/Luz 20 possivelmente durante o primeiro quartel do 3º milénio; a do Monte do Tosco talvez um pouco mais à frente, lá para meados do mesmo milénio. Factor comum a estes contextos é o facto de surgirem em locais sem evidências de ocupações anteriores. A sua localização, contudo, não terá sido ao acaso. Pelo contrário, as populações que se estabeleceram nesses locais não nasceram com eles, criaram-nos. A sua localização é, portanto, resultado de uma escolha, de uma intenção. A essa intenção presidiram, certamente, as leituras que essas comunidades fizeram do espaço, das características que este, em função dos seus objectivos, lhes oferecia. A decisão terá surgido dentro de várias opções possíveis. Ou seja, a simples implantação de um sítio traduz intenções, objectivos, razões e sentidos que presidiram à escolha, a qual, todavia, não foi feita livre de constrangimentos, sejam eles de ordem física ou social: as características físicas do espaço, as funções que se pretendiam para os sítios, as organizações e leituras vigentes do espaço, com todas as suas nuances em termos políticos, económicos e ideológicos (senso lato). Para a análise da implantação de um sistema de povoamento é fundamental a consideração das pré existências. E as pré existências, tendo uma componente física, são sempre de natureza social, porque as condicionantes físicas só o são em função das necessidades e leituras sociais. Assim, neste ponto relembrar-se-ão as condições fisiográficas de implantação dos vários sítios, estabelecendo a ponte com algumas das possíveis condições sociais subjacentes à organização da rede de povoamento em que estes contextos se integrariam.

Nesta análise haverá ainda que distinguir duas situações: as primeiras ocupações e as reocupações. A necessidade de tal separação é óbvia: as razões que presidiram à escolha do espaço para uma primeira ocupação não têm que ser as mesmas da segunda ocupação, até porque no momento em esta se opera o lugar evidenciaria vestígios de uma ocupação mais antiga, a qual, para além de vestígios materiais, terá tido repercussões na conceptualização e significação do espaço. Esta é uma situação generalizável a todos os contextos onde foram identificadas fases de ocupação separáveis por momentos de abandono. Por outras palavras, as primeiras ocupações têm uma interferência condicionante sobre as segundas, que é preciso equacionar. Centremo-nos, portanto, nas primeiras ocupações, assumindo que o discurso que para elas poderá ser válido não tem que o ser necessariamente para as fases subsequentes de reocupação, as quais abordaremos no ponto seguinte. Uma primeira circunstância a sublinhar é a de implantações sobranceiras aos principais cursos de água: é assim no Porto das Carretas, Moinho de Valadares, Monto do Tosco e Cerros Verdes 3. O Porto das Carretas foi implantado numa pequena colina que termina em exporão sobre o Guadiana, com um substrato geológico de cascalheira (tal como os Cerros Verdes 3), numa zona de tradicional passagem do rio, cuja memória o próprio topónimo preservou. À plataforma onde se implantou o povoado tem-se acesso facilitado por sudeste, através de um pequeno “istmo”, tendo as restantes vertentes um declive acentuado. O domínio visual que o sítio tem sobre a paisagem é relativamente restrito (Cf. figura 2.6), exercendo-se sobretudo no troço imediato do rio. Do exterior, apresentar-se-ia diluído na paisagem local, de relevo ondulante. Ou seja, o local de implantação não se destacava na paisagem. Contudo,

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22.1.1. As intencionalidades de implantação

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com a construção das muralhas (dependendo do volume que estas terão atingido) na Fase 1 de ocupação, essa situação de discrição poderá ter-se alterado, ganhando o local um maior destaque que, contudo, nunca teria sido visível de muito longe. A escolha do local parece, assim, conjugar o interesse que a topomorfologia do cabeço teria no âmbito das intenções das comunidades que ali se instalaram, com a sua localização sobranceira a uma possível zona de travessia do Guadiana e, eventualmente, com a disponibilidade abundante de determinada matéria-prima (o terraço). Note-se que em frente ao Porto das Carretas, na margem direita, se situa a elevação de S. Gens, na qual se localiza um contexto datável do Neolítico Final / Calcolítico. Esta elevação, conjuntamente com a imediata elevação de Monsaraz, são as formações que mais se destacam em termos paisagísticos nesta área do trajecto do Guadiana, constituindo-se como parede visual a oeste para quem está na margem esquerda e apresentando um controlo visual extensíssimo sobre os territórios dessa mesma margem. Do sítio de S. Gens abarca-se o Porto das Carretas, o Mercador, o povoado do Hortinho, o Alto de S. Pedro e a zona da Fábrica da Celulose, sendo possível, numa linha de horizonte mais distante, discernir à área de implantação da Julioa 4 /Luz 20 e do próprio Moinho de Valadares. Não será, pois, disparatado pensar que a própria implantação do Porto das Carretas terá a ver com o acesso a partir da margem esquerda a estas elevações destacadas e com o papel que teriam na organização simbólica e controlo de paisagens e territórios. Já a implantação do Minho de Valadares sugere uma situação diferente. O local escolhido é sobranceiro a um grande meandro do Guadiana, onde o rio corre mais encaixado, originando vertentes de muito acentuado de-

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clive. O povoado instalou-se junto ao topo da vertente esquerda, numa plataforma que existe poucos metros abaixo desse topo. Do sítio, a visibilidade restringe-se ao curso imediato do rio para sudoeste, abrindo-se um pouco mais para nordeste devido à abertura visual proporcionada pelo meandro (Cf. fig. 2-6). A travessia do rio é, neste local, muito dificultada pelas escarpas e pelo leito largo que apresenta, embora na margem direita do meandro exista uma praia fluvial (que estará relacionada com as dinâmicas de sedimentação e de encaixe do rio nessa zona onde apresenta um traçado sinuoso). Do topo da vertente, contudo, a escassas dezenas de metros do sítio e onde se situa a rocha gravada de Agualta 7 (Cf. Anexo 1) o horizonte visual é muito mais extenso, sobretudo para este, até à área de implantação de Julioa 4 / Luz 20. O sítio está, assim, escondido na paisagem. Contudo, a presença de uma fraga que se eleva em altura a algumas dezenas de metros poderá ter funcionado como um marco, como ponto de referência visual à distância. Esta extensa área aplanada e ligeiramente inclinada entre a linha de festo onde se localiza o sítio de Julioa 4 / Luz 20 e a margem do Guadiana é dominada pelo substrato xistoso e solos pobres e esqueléticos, situação que só se altera já mais perto da linha de festo, onde surgem os depósitos cenozóicos de argilas e cascalheiras que correspondem aos melhores solos da região (Cf. ponto 2). Assim, à implantação do Moinho de Valadares não terão presidido razões que tenham a ver com aptidões agrícolas dos solos, controlo visual da paisagem ou de pontos de travessia do Guadiana. A sua implantação sobranceira ao rio poderá estar relacionada sobretudo com a exploração dos recursos que este poderia proporcionar. O Monte do Tosco 1 reúne um pouco das duas situações anteriores. Implanta-se num ca-

mais do que centrar a nossa atenção essencialmente nas características físicas do local de implantação do sítio, deveremos, nesta tentativa de interpretar as razões que presidiram à escolha do local, valorizar a proximidade que este contexto revela relativamente ao Porto das Carretas, tanto mais que poderão ter tido uma ocupação coeva desde o início. De facto, como adiante se desenvolverá, poderemos estar em presença, não de duas, mas de uma comunidade, cuja organização espacial engendrou um povoamento em pequenos núcleos vizinhos interdependentes, articulados e solidários, que se complementariam na gestão e exploração de um território. A escolha dos locais de implantação teriam, assim, que ver com os requisitos relativos às funções que cada núcleo poderia desempenhar, podendo a localização do Mercador reflectir preocupações relacionadas com a exploração de determinados recursos. A presença de determinadas evidências em cada um dos contextos, como dos recursos fluviais no Mercador (que tanto poderiam resultar de uma apanha directa como de uma obtenção efectuada junto de quem vivia praticamente sobre o rio), pode ser expressão dessa articulação entre sítios. Quanto à Julioa 4 / Luz 20, a sua implantação é claramente distinta. O sítio situa-se no topo aplanado da linha de festo que separa as redes de drenagem da margem esquerda do Guadiana das da margem direita da Ribeira de Alcarrache (Cf. ponto 2), afastado de forma equidistante dos dois principais cursos de água, numa cota elevada que lhe proporciona o maior controle visual sobre a paisagem de entre todos estes contextos. Esta localização faz com que o sítio se estabeleça como horizonte visual para grande parte do território da margem esquerda do Guadiana entre o Alto de S. Pedro / Mourão e a velha aldeia da Luz. Por outro

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beço com algum destaque e controlo visual na paisagem (Cf. fig. 2-6), o qual termina em esporão de declive quase vertical sobre a Ribeira do Alcarrache, que se apresenta um acentuado encaixe naquela zona. A travessia para sul é extremamente difícil, embora exista um ponto de passagem a umas centenas de metros a sudoeste, no início de um meandro da ribeira, em cuja margem esquerda se instalaria mais tarde o povoado da Idade do Ferro do Castelo das Juntas, estudado no âmbito do Bloco 9. Tal como na área do Moinho de Valadares, o substrato geológico é xistoso, sendo os solos finos e esqueléticos, com extensas áreas de afloramento. Aqui, o destaque na paisagem e as características topográficas proporcionadas pelo cabeço parecem aliar-se à proximidade de um curso de água importante, cuja exploração dos recursos poderá ser percebida na presença de numerosos de pesos de rede que o sítio evidenciou (Cf. ponto 9). Diferentes estratégias de implantação parecem apresentar os sítios do Mercador e Monte da Julioa 4 / Luz 20. O Mercador surge localizado numa pequena mancha de solos de melhor qualidade, que se relacionarão com depósitos argilosos cenozóicos não cartografados na C.G.P. 1:50000, mas registados em escavação (Cf. ponto 2). O sítio implanta-se na extremidade oeste do topo de uma suave e alongada colina, apresentando uma visibilidade sobre a paisagem muito constrangida pelas cotas ligeiramente mais altas da topografia circundante e, a oeste, pelas elevações de S. Gens e Monsaraz. Encontra-se a cerca de 1200 m do Guadiana no ponto onde se localiza o Porto das Carretas. Este ligeiro afastamento do rio não impediu que os seus potenciais recursos fossem consumidos, facto evidenciado pela presença de ictiofauna e fauna malacológica fluvial naquele contexto arqueológico. Mas

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lado, este contexto está implantado em plena mancha dos depósitos argilosos cenozóicos que, como já vimos, correspondem aos solos de melhor aptidão agrícola de toda esta área. Neste âmbito, relembremos o contraste que este contexto estabelece com os restantes no que às evidências de moagem diz respeito (Cf. ponto 12). Finalmente, se for correcta a interpretação de que os núcleos de Julioa 4 e Luz 20 correspondam a um mesmo sítio, este será o que apresenta maiores dimensões (e também, como já vimos, o pior caracterizado do ponto de vista arqueológico juntamente com os Cerros Verdes 3 – Cf. ponto 7). Enquanto todos os outros referidos terão 1ha ou menos, este poderia ascender a 3 ou 4ha ou mesmo mais. A sua localização, central à área em estudo, parece responder a uma multiplicidade de motivações, que se relacionam com a organização do povoamento local e com o potencial agrícola daquela zona do território. Lembremos, ainda, que entre o sítio e o Guadiana se estende toda uma plataforma pontuada por rochas e lajes gravadas com covinhas (cf. fig. 14.3 e ponto 14), motivo iconográfico que, surgindo em lajes nos dois núcleos de Julioa 4 / Luz 20, se encontra espalhado por esse espaço até ao Moinho de Valadares, onde apresenta uma concentração considerável, tanto no sítio, como na sua envolvência. Poderemos mesmo pensar numa articulação entre a Julioa 4 / Luz 20 e o Moinho de Valadares semelhante à proposta para o Porto das Carretas e Mercador, articulação que poderia integrar todo um conjunto de evidências de ocupações esporádicas e ténues que foram detectadas nessa vasta plataforma que separa (e une) os dois sítios. Em resumo, o que se sugere é que os padrões de implantação são diversificados e que, para serem compreendidos, terão que ser abordados de forma integrada e não caso a caso,

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tomados isoladamente. Estruturados em rede, estes contextos só se entendem no contexto da trama relacional de ocupação de um território em que se encontravam envolvidos.

22.1.2. Principais construções arquitectónicas Ao nível das construções arquitectónicas poderemos identificar nos vários sítios intervencionados dois grandes conjuntos, as cabanas e as estruturas de delimitação de recintos. A estes dois conjuntos acresce a situação singular da estrutura de tendência circular registada no Sector 1 do Mercador e que, à falta de uma melhor designação, mais explicita e comprometida, designaremos por “pequeno recinto”.

AS CABANAS / TORRES (?) E CONSTRUÇÃO ADITIVA DO ESPAÇO Relativamente à arquitectura das cabanas (ou estruturas similares que no Porto das Carretas são interpretadas como torres – Silva e Soares, 2002), apesar de alguns sítios evidenciarem uma aparente evolução, outros sublinham uma diversidade não compatível com evolucionismos arquitectónicos lineares. No Mercador na fase mais antiga do Sector 1 as evidências registadas parecem apontar para a presença de eventuais cabanas alongadas, com o substrato ligeiramente desbastado por forma a constituir uma ligeira depressão. A estrutura seria de ramagens entrelaçadas (como demonstram os inúmeros fragmentos de cerâmica de revestimento, não existindo, aparentemente, quaisquer estruturas delimitadoras em pedra. Já no Sector 3, as duas cabanas identificadas correspondem a cabanas circulares definidas por muros de pedra com espessuras entre os 70 e os 85 cm, constituídos por dois paramen-

terior do espaço assim definido, e do lado da Cabana 2 (junto ao seu paramento externo), foram identificados dois buracos de poste com calços, sugerindo que esta área seria possivelmente coberta. A estratigrafia observada no Sector 3 permitiu perceber que estas construções são sucessivas (ver ponto 4): primeiro a Cabana 1, depois a 2, finalmente o aproveitamento do espaço entre ambas. Verifica-se, deste modo, uma reformulação arquitectónica e da organização do espaço nesta área restrita do sítio, a qual ocorre dentro da mesma fase genérica de ocupação (Fase 2). Uma situação de evolução arquitectónica semelhante foi registada em San Blás (Hurtado, 2004), onde foram identificados dois modelos arquitectónicos: um mais antigo (Tipo A), das primeiras fases de ocupação, caracterizado por estruturas circulares de ramagens cobertas a barro e pequenas lajes de xisto rodeando a base dessas paredes; outro associado às fases mais recentes (Tipo B), caracterizado por estruturas circulares construídas com muros de pedra com 70 a 80 cm de espessura, assumindo-se a hipótese de os muros se elevarem até à cobertura porque não se detectaram outros vestígios de materiais construtivos. Uma das cabanas apresentava um buraco de poste central. Os diâmetros variam entre os 6 e os 8,10 m. Nos interiores foram detectadas lareiras e fossas e num dos casos foi definida uma porta orientada a ESE. Estas cabanas em pedra de Tipo B foram datadas pelo radiocarbono entre 2600 e 2400 cal AC, enquanto uma das de Tipo A forneceu uma data entre 3320 e 3220 cal AC. Este tipo mais antigo de estruturas residenciais com diminutos recursos à pedra estarão igualmente documentadas na margem direita, no sítio da Torre do Esporão (Gonçalves, 1990/91). Inicialmente atribuído, com base na

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tos de pedra (quartzo e xisto) de médias dimensões, sendo o interior preenchido por cascalho e pedra miúda. A altura conservada dos muros era de 20-25 cm, mas os derrubes associados eram de fraca potência, evidenciando que não seriam originalmente muito maiores. Tal significa que as paredes seriam em terra, eventualmente com ramagens entrelaçadas, não se tendo, contudo, registado cerâmica de revestimento associada. A Cabana 1 apresentaria um diâmetro de cerca de 6,5 metros, com porta virada a este estruturada por dois buracos de poste com calços que definiam uma passagem de 70 cm de largura. A Cabana 2 teria um diâmetro de cerca de 5 m. Relativamente aos interiores, a análise da organização do espaço ficou condicionada pelas perturbações a que estas estruturas foram sujeitas (ver ponto 4) e, no caso da Cabana, pela situação de a mesma se prolongar para além da área escavada. Do que foi possível registar, a Cabana 1 apresenta uma lareira central em fossa; na metade norte três fossas, de profundidades e funcionalidades aparentemente distintas (ver ponto 4); na metade sul uma possível fossa (não escavada) fechada por um empedrado de pedras miúdas e de médias dimensões (o mesmo acontecendo com uma das anteriores). Na Cabana 2 foi possível identificar uma lareira descentrada e uma fossa, encimada por uma possível estrutura de combustão. Na fase final de ocupação deste sector, o espaço entre as duas cabanas foi aproveitado para definir um possível compartimento. Do lado este não se detectaram evidências de qualquer fecho, mas do lado oeste foram construídos dois muretes com lajes de xisto fincadas na sua parte lateral. Estes muretes que, encostando cada um à parede externa de cada uma das cabanas, delimitavam o espaço entre cabanas, deixavam uma pequena passagem entre si, com uma estreita largura de cerca de 40 cm. No in-

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cultura material que proporcionou, ao final do Neolítico (2ª metade do 4º milénio), uma datação de radiocarbono forneceu um período entre 2850- 2340 cal 2 sigma (Gonçalves, 1996). Todavia, no Moinho de Valadares 1 surgem cabanas circulares com muros de pedra desde a Fase 1 de ocupação, para a qual não há datações absolutas, mas que será anterior a 2880-2670, data obtida para a Fase 2. Os materiais sugerem mesmo a possibilidade de uma cronologia ainda dentro da segunda metade do 4º milénio cal AC (ver ponto 21). As duas cabanas do Sector 2 do Moinho de Valadares 1, tanto a da Fase 1 como a que foi construída sobre esta na Fase 2, apresentam características similares, mas que se distinguem das estruturas das fases mais antigas dos sítios referidos por apresentarem muros com várias fiadas de pedra (lajes) de xisto. A da fase mais antiga apresentava um muro de tendência circular (com um diâmetro que rondaria os 6m) com várias fiadas de pedra seca (não seguindo a técnica dos dois paramentos com o interior preenchido por cascalho). A face externa encontrava-se desmoronada, tendo o respectivo derrube preservado. No interior não se registaram derrubes associados ao final da sua ocupação e a edificação da cabana posterior é feita directamente sobre esses depósitos, facto que conduz à interpretação de que as paredes seriam em ramagens entrelaçadas revestidas a barro, o que é documentada pela frequente (embora não abundante) presença de cerâmicas de revestimento. A segunda cabana, edificada sobre o espaço interior da primeira (portanto mais pequena – cerca de 5 m de diâmetro) apresenta evidências da mesma técnica construtiva, com um muro de lajes de xisto sobrepostas, com uma altura conservada de cerca de 20/25 cm e uma espessura estimada de 80 cm. Ao centro apresentava um buraco de poste. O aparecimento de cerâmicas de revesti-

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mento com negativos de grossos caules sugere que as paredes destas estruturas poderia estar integrados barrotes que confeririam uma maior solidez ao “esqueleto” das paredes. Assim, se nalguns contextos parece existir uma anterioridade estratigrafiacamente demonstrada entre estas diferentes soluções arquitectónicas, o cruzamento da informação disponível parece sugerir a existência de um certo polimorfismo arquitectónico doméstico desde os finais do 4º milénio. Contudo, uma situação parece emergir a partir de meados do 2º milénio: a afirmação dominante de cabanas circulares construídas com muros de pedra. Aqui poderemos vislumbrar dois modelos arquitectónicos: um em que existe apenas um pequeno soco de pedra com algumas fiadas de altura, normalmente baixo, sendo a restante parede construída em terra (com ou sem ramagens entrelaçadas); outro em que as paredes seriam em pedra até à cobertura. A primeira situação é, aparentemente, mais fácil de demonstrar arqueologicamente, pois aos pequenos embasamentos de pedra não surgem associados derrubes, ou, quando ocorrem, são de dimensões muito reduzidas. Já a segunda situação, defendida para algumas estruturas de San Blás (Hurtado, 2004), é sempre de difícil demonstração, já que, embora surjam muros com várias fiadas de pedras sobrepostas e apresentem por vezes alturas conservadas de várias dezenas de centímetros, os derrubes associados nunca são em volume suficiente que permitam extrapolar uma situação de parede em pedra até à cobertura, embora devamos ter sempre em consideração os processos tafonómicos, naturais ou sobretudo antrópicos, de subtracção. As cabanas na 2ª fase do Mercador e as da primeira fase do Monte do Tosco 1 integram-se na primeira solução, apresentando estruturas com pequenos socos de pedra sem derrubes

paramento exterior menores e colocadas perpendicularmente. Já a cabana da segunda fase de ocupação do Monte do Tosco 1 associada à presença campaniforme apresentava uma construção circular com lajes de xisto, com cerca de 5 metros de diâmetro. O muro conservava seis fiadas de lajes em altura, utilizando uma matriz argilosa como ligante. Pelo interior, e selando os depósitos de ocupação, foram identificados dois momentos de derrube. Um primeiro constituído por um depósito argiloso e um segundo, que se sobrepunha ao primeiro, composto por pedras de desagregação de parte superior do muro. Esta disposição estratigráfica dos derrubes sugere que as paredes da cabana seriam até certo

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Quadro 22-1 – Dimensões para as estruturas circulares em pedra ou pedra e terra (cabanas/torres) dos povoados do 3º milénio escavados no âmbito de Alqueva.

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associados. Neste último sítio, foram registadas duas destas estruturas, uma no Sector 2 e outra no Sector 4. A primeira corresponde a uma estrutura circular com cerca de 4m de diâmetro e 70/90 cm de espessura, definida por um embasamento pétreo construído por dois paramentos de pedras irregulares de médias e grandes dimensões, sendo os espaços interiores preenchidos por cascalho de xisto e sedimento argiloso. A segunda, também de tendência circular (mas cujo diâmetro é difícil de extrapolar, dada a reduzida área que foi escavada desta estrutura), revelou um muro com 80/100 cm de espessura, com duas fiadas de pedras, sendo que as do paramento interior eram maiores e estavam colocadas longitudinalmente e as do

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ponto em pedra e a partir de certa altura em terra, numa tradição construtiva que se manteria, na região, até tempos recentes. No Porto das Carretas (Silva e Soares, 2002), a segunda fase de ocupação, datada da segunda metade do 3º milénio AC é caracterizada pela construção de um conjunto de estruturas circulares com embasamentos de pedra. Três surgem geminadas (a que se junta um pequeno compartimento mais pequeno de planta piriforme) e com ligações entre si que se estabelecem através da estrutura central (N7). Mais para norte corre ainda uma outra estrutura circular ligada a uma das anteriores por um murete. Estas estruturas apresentam diâmetros entre os 4,25 e os 6 metros e os respectivos muros espessuras entre os 60 e os 100 cm. A estrutura central, cujo espaço interno se encontra ligado por passagens a três das outras estruturas é classificada como “torre”, enquanto as restantes são denominadas por cabanas. Dos dados preliminares publicados não resulta claro quais os critérios seguidos para esta diferente classificação, já que não existem diferenças significativas entre as dimensões destas várias estruturas. Note-se mesmo que as paredes mais espessas são as da cabana M13 e o diâmetros menor e maior são, respectivamente, os das cabanas M13 e M3. A interpretação como torre carece ainda de fundamentação (que a publicação detalhada do contexto poderá fornecer) e a leitura da organização espacial destas estruturas e da inter relação que estabelecem entre si permite levantar outras hipóteses. As três estruturas consideradas como cabanas estão organizadas em “favo” em torno da estrutura central (considerada torre) para a qual têm a sua única saída/entrada, ficando a ideia de que, mais do que uma cabana ou torre (portanto uma estrutura concreta), este espaço poderia ser um pátio interno a partir do qual se faria o acesso aos

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diferentes compartimentos circulares. Esta hipótese poderá ser reforçada pelo facto de a dita estrutura central ser a única que apresentaria uma planta exterior não circular (poligonal). Esta hipótese, a ser verdadeira, traduziria uma organização do espaço bem mais complexa do que a proporcionada pelo simples somatório de quatro cabanas (ou torre) mais ou menos circulares, pois permitiria colocar a questão se estaríamos perante quatro unidades arquitectónicas e espaciais distintas (ainda que conectadas) ou, pelo contrário, perante uma única unidade com múltiplos espaços funcionais distintos e fisicamente compartimentados, o que por si só representa uma clara inovação na organização arquitectónica e na vivência do espaço das comunidades do 3º milénio na região. Note-se que uma complexificação arquitectónica está igualmente patente em Miguens 3, na estrutura circular integrada no pequeno recinto, sendo o espaço entre ambas compartimentado por muretes e que em ambos os casos estamos perante contextos que forneceram cerâmicas campaniformes (estilo internacional). Esta situação sublinha uma realidade que, existindo anteriormente, parece expressar-se de forma mais marcante (talvez porque materializada de uma forma mais perene) nas construções em pedra ou pedra e terra: a do carácter aditivo das construções arquitectónicas. Na região este carácter aditivo já havia sido identificado nos contextos funerários megalíticos da margem direita do Guadiana no núcleo da ribeira do Vale do Álamo, onde novos sepulcros (de possível falsa cúpula) são estruturalmente anexados (e já não simplesmente colocados nas imediações) a corredores de monumentos anteriores (Olival da Pega 2; Farisoa 1; Comenda 2 e Cebolinhos 2). O que se observa agora em contextos habitacionais da margem esquerda é uma situação paralelizável do ponto de vis-

Mercador. Mas, se a partir de meados do 3º milénio a pedra ou a pedra e terra (eventualmente sem ramagens entrelaçadas) se tornam num recurso arquitectónico de tendência homogeneizante neste troço do médio Guadiana, a construção de estruturas residenciais com embasamentos de pedra está atestada desde os finais do 4º inícios do 3º milénio no Moinho de Valadares 1. Já no que respeita à arquitectura aditiva, a sua utilização em “estruturas ligeiras” só foi documentada para contextos integráveis na segunda metade do 3º milénio (pelos menos nos sítios mais pequenos, já que sobre San Blás os dados disponíveis ainda são escassos), quando noutras áreas, como nas complexas arquitecturas da Estremadura (Zambujal, Leceia, etc.) ou em zonas vizinhas como o médio Sado (Monte da Tumba), está presente desde a primeira metade do milénio. Situação semelhante, contudo, pode ser observada nas estruturas de grande porte delimitadores de recintos, por exemplo no Porto das Carretas.

AS ESTRUTURAS DE DELIMITAÇÃO DE RECINTOS O cuidado expresso pela designação de “estruturas de delimitação de recintos” está, naturalmente, relacionado com a crítica que recentemente tem vindo a ser feita às concepções de “povoados fortificados” e aos debates que se têm gerado em torno do assunto (ver, por exemplo, os vários textos publicados nas actas do colóquio “Recintos Murados da Pré-História Recente” – Jorge, 2003a). Trata-se, como referi recentemente (Valera, et al., no prelo), de uma expressão descomprometida com funcionalidades e atribuição de sentidos. É, nessa perspectiva, uma expressão homogeneizante de uma realidade certamente diversificada, e, portanto, pouco interessante. Mas será a mais adequada A DINÂMICA SOCIAL

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ta arquitectónico, em que novas estruturas se anexam fisicamente a estruturas isoladas anteriores, no sentido de assim se criarem novos espaços arquitectados e organizados. No Porto das Carretas esta situação não se expressa somente na inter adesão de estruturas circulares em “favo”, mas na ligação destas estruturas por muretes (caso da ligação estabelecida entre a estrutura M13 e M3), os quais fecham um espaço anteriormente circulável entre as referidas estruturas, ajudando a construir compartimentações e pequenos recintos dentro de recintos maiores, materializando reorganizações do espaço, da sua vivência e significação. O mesmo fenómeno se registou na segunda fase de ocupação do Mercador, que terá sido contemporânea da segunda fase do Porto das Carretas ou de Miguens 3. O espaço de circulação entre as duas cabanas do Sector 3 é compartimentado e aproveitado para se constituir uma unidade espacial delimitada através do aproveitamento das paredes das duas cabanas, às quais simplesmente se adossaram muretes perpendiculares. Deste modo, promove-se uma maior interrelação e interdependência entre diferentes estruturas, no contexto das quais o acrescento de um simples muro pode representar uma transformação relevante nas rotas internas de circulação, na gestão do espaço e na dinâmica das relações sociais que nele e com ele interagem ou através dele se expressam. Os vários trabalhos de minimização de Alqueva dedicados a contextos da Pré-História Recente documentaram várias destas construções circulares em pedra, e de processos de construção aditiva que as integravam, associadas a ocupações com campaniforme. Vejam-se os dados proporcionados por San Blás (Hurtado, 2004), Porto das Carretas (Silva e Soares, 2002) ou Miguens 3 (Calado, 2002) ou contextos coevos sem campaniforme como a segunda fase do

no momento em que apenas queremos descrever as características morfológicas e técnicas sem nos comprometer-mos com as funções e sentidos, que se reservam para níveis de maior implicação interpretativa. Na área de estudo, estas estruturas foram identificadas no Porto das Carretas, no Monte do Tosco 1, eventualmente na Luz 20, tendo ainda sido levantada a hipótese, discutível, de existência de uma espécie de cerca para o Moinho de Valadares 1 (Valera, 2000a). Relativamente ao Porto das Carretas, os dados disponíveis são ainda escassos e serão tratados pelos autores da escavação no âmbito do texto monográfico relativo ao sítio. Do que já foi publicado (Silva e Soares, 2002) poderemos sintetizar o seguinte:

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R Foram identificadas três linhas de estruturas muradas na 1ª fase de ocupação; R A primeira apresentava panos rectilíneos definindo uma planta poligonal, apresentando uma altura máxima conservada de 0,5 m, na qual se identificaram sete fiadas de pedras de xisto ligadas por argila. Apresentava entre 1,8 a 2 de largura. Esta estrutura estava associada uma outra, de planta semi-circular, com 3, 5m de diâmetro interno e uma largura de três metros. Esta estrutura de delimitação era parcialmente sobreposta pelas estruturas da 2ª fase de ocupação, o que significa que a sua destruição / ruína ocorreu ainda durante o Calcolítico. R A segunda linha, com 1,2 m de largura, integrava uma estrutura circular com 3 metros de diâmetro interno e 1 metro de largura. R A terceira linha apresentava uma largura de cerca de 4 metros. R Assume-se a possibilidade de, apesar de poderem ter existido alguns desmontes das partes pétreas destas estruturas, a sua parte superior poderia ser construída em terra, com es-

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queleto de ramagens (tipo paliçada, já que existem fragmentos de barro cozido com negativos de grandes caules). Estas estruturas são interpretadas pelos escavadores dentro do esquema tradicional do “povoado fortificado”. Assim, corresponderiam a três linhas de muralhas, a que se associariam as estruturas de tendência circular interpretadas, no caso da primeira linha, como um bastião semi-circular e, no caso da segunda linha, como uma torre oca. Teriam, portanto, uma função eminentemente defensiva de espaços interiores que definiam e delimitavam. No Monte do Tosco 1 no sector 4, aproveitando a presença local de sedimentos argilosos, resultado de alterações dos xistos, ou depositando esses sedimentos em áreas em que aflorava o substrato rochoso, criou-se uma superfície, ligeiramente inclinada no sentido da vertente (para sul, nesta área), de forma receber duas estruturas pétreas amuralhadas de traçado paralelo. Esta construção datará do momento de fundação do sítio. Sendo impossível dizer qual dos troços foi construído primeiro, deve a sua edificação ser considerada como simultânea, no sentido de que ambos parecem pertencer a um mesmo momento de planeamento e construção. A estrutura interior (UE404) apresenta 1,20 metros de espessura máxima. A sua face exterior apresenta conservadas duas a três fiadas de pedras sobrepostas. Estas são sempre de dimensões maiores que as pedras que constituem o miolo e a face interna da estrutura. Contudo, as pedras da fiada superior do paramento externo são sempre as de maiores dimensões, criando um rebordo de grande solidez. Não apresentam qualquer tipo de aparelho, sendo aglomeradas por uma matriz argilosa. Esta estrutura apresentava, pelo interior, uma

momento, a ser encerrada com a colocação de lajes e pedras de xisto. Ao contrário da estrutura interior, a esta segunda linha estavam associados, pelo exterior, dois momentos de derrube: um de elementos pétreos e, sob este, um outro constituído por sedimentos argilosos e algumas pedras. Estes derrubes e o seu posicionamento estratigráfico sugerem que este muro se desenvolveria mais em altura; em pedra até determinado ponto e em terra a partir daí. As matérias primas utilizadas na construção de ambas as estruturas são locais, sendo maioritariamente constituídas por rochas xistosas e sedimentos fortemente argilosos. O recurso ao quartzo, que existe localmente em filão, é pontual. Na interpretação que foi feita destas estruturas (Valera, 2000c) consideraram-se funcionalidades várias e simultâneas. Para além dos simbolismos e efeitos psicológicos inerentes a qualquer estrutura positiva, estas construções delimitam o espaço habitado (note-se que fora delas não se detectaram vestígios de ocupação), estabelecendo uma compartimentação física, funcionando como estruturas de contenção para a criação de uma plataforma aplanada. Estruturas semelhantes foram registadas em contextos da Idade do Bronze em La Papúa e El Trastejón, na Serra de Huelva (Hurtado, 2000). Mas ao mesmo tempo estas estruturas funcionariam como delimitação e como barreira física que poderia ter funções inibidoras e restritivas do acesso ao interior. O seu porte, contudo, não lhes confere um carácter defensivo muito sólido e eficaz. Note-se que foram identificadas numa zona onde se inicia um declive muito acentuado para o vale encaixado do Alcarrache. Na zona de mais fácil acesso ao sítio não se realizaram escavações (porque se situa fora da área afectada pelo regolfo), pelo

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face bastante irregular de apenas uma fiada. A sua construção teve em grande medida como finalidade o servir de estrutura de contenção para a criação de uma plataforma aplanada artificial sobre a qual se desenvolveram as ocupações de carácter residencial. Pelo interior são colocados empedrados que lhe encostam e que foram interpretados como estruturas de drenagem das águas que escorreriam pela superfície dos depósitos argilosos, os quais apresentam características pouco permeáveis. Este nivelamento atinge o topo interno da estrutura do lado leste, fincando alguns centímetros abaixo no lado oeste. Criou-se assim um socalco nivelador do declive do terreno, originando uma plataforma, ligeiramente inclinada a sul, que serviu de suporte à ocupação deste espaço, cujos depósitos pontualmente a sobrepõem. Não deveria, pois, ter um desenvolvimento em altura, não tendo também qualquer derrube directamente associado. A estrutura exterior (UE407) assentava também nas argilas ou pontualmente no afloramento rochoso. Corresponde a um muro mais fino (cerca de 1 metro de espessura máxima) e com uma altura conservada menor. Esta, tal como sucede com a estrutura UE404, era maior pelo exterior (atinge os 40 cm) do que pelo interior (não ultrapassa os 20), situação que se fica a dever à necessidade de um maior número de fiadas de pedras pelo exterior como forma de vencer o declive da vertente. Este muro exterior utiliza pedras de médias dimensões, igualmente sem aparelho e aglomeradas com o recurso ao mesmo tipo de sedimento argiloso. Sensivelmente a meio da sua metade oeste definiu-se uma abertura que apresenta um largura de cerca de 60 cm. Esta abertura permitiria a entrada do exterior para o “corredor” inter muros. Nessa zona de entrada foram detectados restos de carvões concentrados e argila queimada. Esta possível entrada viria, em determinado

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que ainda não sabemos se esta estrutura contorna todo o cabeço e define efectivamente um recinto totalmente fechado e, se sim, que características assume nessa zona mais acessível. No Sector 1, os depósitos da Fase 1 de ocupação eram contidos por um estrito muro, ao qual se associava um derrube de pedras para o exterior. Este muro demarcava claramente o espaço ocupado. A reduzida área em que foi escavado não deixa perceber que planta assume, se de tendência circular se longitudinal. A confirmar-se esta última situação, poderia constituir uma espécie de cerca delimitadora, mas nunca uma estrutura a que pudesse-mos chamar muralha. No Sector 3 do Moinho de Valadares 1 as estruturas pétreas surgem frequentemente associados grandes derrubes de cerâmica de revestimento, tendo sido registados na globalidade 26 854 fragmentos (654,5 Kg). Estas situações estão associadas a estruturas de cabana, mas na Sondagem 3, onde são claros dois momentos de derrube de paredes de ramagens entrelaçadas revestidas a barro (o primeiro com uma densidade de 262 fragmentos por m2 e o segundo com 436), estão associadas respectivamente a um muro e à reconstrução desse mesmo muro (Cf. figura 3-4). A área da escavação não permitiu perceber a natureza deste soco de pedra, o qual atravessa na diagonal a sondagem realizada (2x12m), parecendo apresentar uma tendência rectilínea e não circular. Este muro aparece numa área já de declive mais acentuado e foi levantada a hipótese de corresponder a uma estrutura de contenção e/ou delimitação do espaço de ocupação efectivo do povoado durante a primeira fase (a segunda fase de derrube ocorre ainda na Fase 1 e não há indícios de reconstrução posterior). Os fragmentos de cerâmica de revestimento que integram os dois derrubes associados ao muro e sua reedificação apresentam negativos sempre com pequenos

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diâmetros, sugerindo estruturas de tipo diferente relativamente às das cabanas, onde a par dos elementos entrelaçados de pequenos diâmetros ocorrem fragmentos que evidenciam a presença de grandes postes. Poderíamos, assim, estar perante uma pequena vedação, mas trata-se de uma hipótese que carece de confirmação através de novas escavações (possíveis, porque a área fina no limite do regolfo). Finalmente na Luz 20, os dados sugerem a existência de estruturas negativas de tipo fosso ou pequenas sanjas, detectadas tanto na Sondagem 1, como na Sondagem 5. O facto de não terem sido sujeitas a uma escavação em profundidade (Cf. ponto 7) e de terem sido definidas em sondagens de reduzidas dimensões não permite perceber as suas profundidades e as plantas dos eventuais recintos que definiriam, nem se teriam estruturas verticais associadas. Assim, os dados disponíveis para os vários sítios intervencionados, e tendo em conta a “qualidade” que apresentam, sugerem a existência de espaços alargados delimitados (possivelmente toda a área de ocupação ou uma parte significativa dela) por estruturas que revelam soluções arquitectónicas distintas e diversificadas. Os problemas interpretativos que levantam serão discutidos mais adiante.

O “PEQUENO RECINTO” DO MERCADOR A designação de “pequeno recinto” do Mercador parte do pressuposto de que os restos de uma estrutura identificada naquele sítio arqueológico corresponderiam efectivamente a uma estrutura fechada e que a tendência circular evidenciada pelo troço conservado manteria a sua regularidade (Cf. ponto 4). Os vestígios conservados foram identificados no Sector 1, integrados na 2ª sub-fase

afloramento preenchida por argilas e que apresentava uma orientação sensivelmente norte / sul terminando junto do que seria o prolongamento natural da face interna do muro. A sua relação com a estrutura em causa não é, contudo, inquestionável, podendo estar relacionada com a sub-fase de ocupação anterior. Uma estrutura com estas características não se enquadra no conjunto das estruturas acima descritas na categoria de cabanas, quer pela espessura que o muro apresenta, quer pelo diâmetro que aparenta ter possuído, quer ainda pela ausência de outro tipo de estruturas no seu interior que lhe possam ser associadas. Por outro lado, a sua localização na extremidade oeste do eixo central da colina, no final do seu topo aplanado virado ao Guadiana, garantir-lhe-ia um acentuado destaque e a maior visibilidade possível sobre (e a partir da) área envolvente (Cf. fig. 4-10). Estaremos, aparentemente, em presença de um espaço delimitado por uma estrutura arquitectónica positiva de alguma envergadura que, não sendo muito amplo, supera claramente as dimensões que as cabanas ou outras estruturas circulares conhecidas para a região apresentam. Vejam-se os casos das cabanas do próprio Mercador, de San Blás, do Monte do Tosco, de Miguens 3 ou do vizinho Porto das Carretas (Fase 2), cujos diâmetros internos variam entre os 4 e os 8 metros, com particular incidência em trono dos 5/6 metros, sendo que os muros são quase sempre inferiores a 1 metros de espessura (concentrando-se entre os 70 e os 90 cm) (Cf. quadro 22-1). Este tipo de pequenos recintos não é comum. Contudo têm vindo a ser registadas situações no âmbito dos pequenos recintos de fossos que podem ser paralelizáveis em termos de dimensões, como é o caso do recinto interior de Santa Vitória com cerca de 20 m de diâme-

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(Fase 1b) da Fase 1 de ocupação, a qual, como vimos (Cf. ponto 4), se restringiria à zona mais central do topo da pequena colina onde se implanta o sítio. Aí, foi definido um troço de muro em pedra (que corresponde a um embasamento sem derrubes associados) que assenta sobre depósitos de ocupação de uma possível cabana que apresentava uma ligeira depressão escavada no substrato rochoso e teria paredes de ramagens entrelaçadas revestidas a barro (correspondente à Fase 1ª do Sector). Esta estrutura de pedra apresenta uma espessura que varia entre 1 e 1,2 m, estando conservada em cerca de 7,5 m de comprimento. A sua construção apresentava dois paramentos (interno e externo) bem definidos por pedras de médias dimensões de xisto, sendo o interior preenchido por pedras de menores dimensões, cascalho de xisto e alguns fragmentos de cerâmica (de recipientes e de revestimento) envolvidos numa matriz argilosa. O seu desenvolvimento em planta apresenta uma curvatura bem definida e, a prolongar-se mantendo uma regularidade circular, corresponderia a uma estrutura com um diâmetro interno de cerca de 14 metros (Cf. fig. 4-7). Não existindo derrubes associados, o seu prolongamento em altura seria em terra, o que poderá ser relacionável com os extensos depósitos argilosos que foram identificados pelo seu lado interno e externo. Junto à extremidade este do troço conservado foi definido um espaço demarcado por restos de duas lajes de xisto verticalizadas, cravadas em fossas e ajustadas por calços laterais, o qual poderá corresponder à entrada, que assim estaria orientada a sudeste. Face às suas dimensões, a existência de cobertura (total ou parcial) obrigaria à existência de postes no interior, dos quais, contudo, não se registaram quaisquer vestígios. No interior apenas se registou uma pequena vala escavada no

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tro (Dias, 1996) ou Pombal, com cerca de 30 m (Boaventura, 2001). Trata-se de recintos muito pequenos, definidos por estruturas negativas, cujas áreas envolvidas não se afastam de uma maneira muito significativa da que poderia ter este recinto do Mercador. A sua funcionalidade ou natureza não é, contudo, fácil de discernir. Pombal não foi ainda escavado. Santa Vitória foi assumido como povoado, mas os dados disponíveis resumem-se a um estudo tipológico de cerâmicas. Relativamente ao Mercador, a situação não é muito melhor. Grande parte da estrutura de pedra foi desmontada, aparentemente em época Pré-histórica, muito possivelmente no início da segunda fase de ocupação, inferência que se baseia no facto de existirem algumas fossas integradas nessa segunda fase que se localizam sobre o trajecto espectável do muro. As pedras que lhe foram retiradas terão sido utilizadas nas construções então edificadas, quer por exemplo nas cabanas do Sector 3, quer nas coroas de encerramento de algumas fossas. É, contudo, também possível que parte do desmonte tenha ocorrido mais tarde, durante a ocupação que o sítio sofreu em época histórica, já que nesta área, como em todo o restante sítio, são inúmeras as perturbações provocadas durante essa reocupação. O seu interior encontrava-se revolvido até ao substrato na metade norte e preenchido por depósitos fortemente argilosos na metade sul, os quais forneceram poucos materiais arqueológicos (sobretudo fragmentos cerâmicos). Pelo exterior desta estrutura, no seu quadrante sudoeste foram abertas e preenchidas algumas pequenas fossas, algumas das quais cortaram depósitos da fase inicial de ocupação do Sector 1 (Fase 1a) e formou-se um depósito com grande densidade de cerâmicas e cascalho que encostava ao paramento exterior do muro (Cf. fig. 4-8). Torna-se, assim, difícil assumir funções e

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sentidos com base nas materialidades arqueológicas registadas. Contudo, a ausência de vestígios arqueológicos no interior deste pequeno recinto poderá ser um dado a valorizar, já que não existe razão para que nesse espaço tenham actuado processos tafonómicos de diferente natureza ou intensidade dos que actuaram sobre as restantes áreas onde se preservaram abundantes vestígios de ocupação. Poderemos, pois, partir do pressuposto que a utilização dada a este recinto não gerou, no seu interior, um tipo de registo arqueológico semelhante ao que foi formado durante a Fase 1a e durante a Fase 2. A ausência de evidências de carácter residencial poderá significar, precisamente, que não era esse o tipo de utilização que foi dada a esta estrutura. A possibilidade de um curral, não sendo de excluir à partida, parece pouco compatível com a solidez e investimento arquitectónico que esta estrutura parece ter tido. Acrescente-se, ainda neste sentido, que a grande maioria dos restos faunísticos registados no Mercador são provenientes da segunda fase de ocupação. O problema hermenêutico não é, pois, de fácil resolução. Não dispondo de dados internos ao próprio contexto em questão, uma solução interpretativa para esta estrutura e para a sua implantação poderá eventualmente ter que recorrer à situação de relação que o Mercador manteria com o Porto das Carretas nas respectivas primeiras fases de ocupação de ambos os sítios. Esta será uma via que se procurará explorar no ponto seguinte.

EM SÍNTESE Olhando agora para o conjunto das arquitecturas descritas, poderemos afirmar que se nota uma tendência para o acentuar da circularidade das construções ao longo do 3º milé-

utensílios conceptuais físicos de organização da dimensão espaço e do que nela se relaciona com o tempo. Os estilos arquitectónicos, enquanto linguagem activa, comunicam e representam ao mesmo tempo que estabelecem normativos que se constituem como peças centrais na reprodução e coesão da ordem social estabelecida. Este é, poderemos dizê-lo, um Universal Cultural da humanidade, que atravessa tempos e espaços: a forma de construir não é meramente funcional (nem durante o reinado modernista do funcionalismo o foi); ela representa sempre, ao mesmo tempo que ajuda a produzir, visões do mundo, ou seja, ideologias. O que varia no tempo e no espaço são as suas dinâmicas e as formas e sentidos que assume. Assim, poderemos dizer que, de uma forma global, todos os contextos intervencionados, e que abrangem um período de tempo que se desenvolve entre os finais do 4º e os início do 2º milénio AC, se inscrevem, em termos das suas construções, neste esquema geral de linguagem arquitectónica. Por outro lado, alguns dos contextos assumem, em determinadas etapas da sua vida, uma organização espacial enclausurada, através de estruturas arquitectónicas que encerram e definem um espaço interno. Estes encerramentos, nos casos em que estão documentados ou simplesmente indiciados, estão sempre relacionados com os momentos iniciais de ocupação, isto é, em nenhuma situação correspondem a processos de encerramento de um sítio anteriormente não fisicamente delimitado, mas são organizações arquitectónicas do espaço que estão presentes desde os primeiros momentos de vida destes contextos e que, aparentemente, se perdem nas fases mais tardias de ocupação. Por outras palavras, a ideia de recinto está presente no momento de nascimento destes contextos, mas parece estar perdida no momento do seu

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nio, independentemente de, em várias situações, uma adaptação aos constrangimentos topográficos gerar outros designs. Como se discutirá mais adiante a propósito de recintos de planta circular, como é o caso local dos Perdigões e de tantos milhares de outros sítios por essa Europa fora, a circularidade é um dos elementos dominantes (embora não exclusivo) da arquitectura do 3º milénio AC peninsular. Sepulturas, casas, túmulos, recintos, torres, bastiões, fossas, são dominados por esta forma geométrica, numa arquitectura que parece intencionalmente recusar os ângulos. Quais as razões de uma arquitectura praticamente sem ângulos? O círculo é, por excelência, a figura geométrica da natureza, mas também a forma geométrica que melhor representa a perspectiva cíclica das dinâmicas naturais. A reduzida indiferenciação das actividades, a trajectória cíclica de tarefas ordenadas pelo tempo, o pensamento mítico de um momento essencial, criador e sagrado, que pauta os retornos, são apontados como traços das ideologias e mentalidades das sociedades primitivas. Até que ponto a arquitectura materializa essas visões cíclicas do mundo é uma pergunta que faz todo o sentido. Hoje vivemos com visões do mundo marcadas pelo movimento linear, pelo carácter irrepetível da história. Concebemos mesmo a contingência como um obstáculo que nos dificulta, para alguns impossibilita, o acesso ao passado. A razão impõem-nos essa linearidade e com ela, o progressivo e inexorável afastamento relativamente ao que nos precedeu, gerando visões do mundo substancialmente diferentes das enraizadas no pensamento mítico de eterno retorno. A arquitectura é, neste sentido, algo de muito parecido com a escrita. Na medida em que se assume como mecanismo de comunicação, de materialização e representação de visões e organizações do mundo, os seus signos (as suas formas e os seus materiais) são como palavras:

abandono, nos finais do 3º milénio / inícios do 2º. A segunda metade/finais do 4º e primeira metade do 3º milénio parece ser o período de desenvolvimento, vigência e apogeu desta prática arquitectónica e desta forma de construção e organização do espaço, a qual, mais que uma imagem de padronização, apresenta uma diversidade de soluções a que corresponderá um igualmente diversificado conjunto de funções e significados.

22.1.3. Espacialidades intra povoado e dinâmicas internas de ocupação

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Os questionários da moderna arqueologia são cada vez mais exigentes relativamente à “qualidade” dos dados. Esta, como se sabe, depende da história tafonómica dos contextos, mas também da interligação entre opções metodológicas, disponibilidade tecnológica, qualidade dos recursos humanos, suficiência dos recursos financeiros, disponibilidade tempo e, de forma só aparentemente paradoxal, dos ditos questionários de abordagem e pressupostos teóricos envolvidos. Muitas das problemáticas centrais aos debates que animam a PréHistória Recente de hoje (a mais recente das Pré-Histórias Recentes) partem das discussões em torno da natureza dos contextos. E para a definição destes, ou melhor, para nos decidirmos sobre a forma como os interpretamos, a organização espacial e a sua dinâmica são questões centrais. O que é dramático na maioria das situações. Dramático porque a situação mais comum, em contextos ocupados durante muito tempo, sujeitos a dinâmicas complexas e arritmadas a que se acrescentam complexos processos de alteração tafonómica, é a Arqueologia evidenciar extremas dificuldades em construir um registo arqueológico credível que consiga

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dar conta de todas, ou sequer das principais, vicissitudes da vida destes contextos. Expus algumas destas dificuldades num texto recente a propósito das problemáticas do abandono (Valera, 2003a), as quais resultam em grande medida de uma visão homogeneizante destes contextos e de alguns vícios de pensamento que decorrem de insuficiências dos “dados” arqueológicos. Um sítio arqueológico é, quase que por definição, um palimpsesto de grande complexidade. A leitura da sua vida é tanto mais difícil quanto esta se prolongou no tempo, porque os sucessivos presentes de cada sítio funcionaram como os primeiros efeitos tafonómicos que sobre ele se exerceram. As estratigrafias que construímos, as fases que definimos, não são mais do que tentativas de ordenar e dar sentido a essa complexidade de materialidades que nos chega compactada. A percepção destas contingências ajuda-nos a perceber as limitações dos nossos famosos dados e a compreender que muito do que se passou nestes sítios não deixou marcas físicas e o que ficou sofreu profundos processos de transformação; que o que nos chega como uma imagem global é o resultado de processos dinâmicos, arritmados, cujos tempos e vicissitudes dificilmente conseguimos discernir, a não ser através de grandes momentos de ruptura. Os sítios vivos foram dinâmicos, arritmados, sujeitos a circunstâncias cuja natureza, complexidade e diversidade nem sempre são captáveis pela Arqueologia. Vejamos alguns dos problemas levantados pelos contextos da margem esquerda, relativamente às organizações do espaço intra-povoado e às dinâmicas de ocupação, questões que são, naturalmente, interdependentes. De um modo geral, os sítios intervencionados no âmbito do Bloco 5 não revelaram evidências que nos permitam definir e perceber estratégias diferenciadas de organização do

Nestes ambientes residenciais, não foram detectadas claros sinais de organizações diferenciadas do espaço, o que não quer dizer que não tenham existindo. A compactação tafonómica por vezes apaga os traços de utilizações diferenciadas do espaço, nomeadamente quando estas ocorrem de forma sucessiva ou intercalada numa mesma área. Por outro lado, muitas das organizações conceptuais e simbólicas do espaço não são materializadas. Funcionando durante a vida dos sítios, reconhecidas e respeitadas por quem conhece os códigos que lhe subjazem, estas construções do espaço que não se materializam no registo são de difícil, senão mesmo impossível, recuperação pela Arqueologia. Assim, áreas específicas de moagem, de tecelagem, de metalurgia, de talhe, etc. não foram reconhecidas, o que poderá significar que eventuais segregações espaciais de actividades não seriam suficientemente marcantes para ficarem inscritas no solo. Apenas em duas situações se detectou uma aparente diferenciação do uso dos espaço: na Fase 2 do Mercador e, de uma forma menos sustentada, em Julioa 4 / Luz 20. Na Fase 2 do Mercador verificou-se que, enquanto no Sector 3 se construíam cabanas de natureza aparentemente residencial, o restante espaço (todo o Sector 1), que na Fase 1 correspondia à construção de cabanas e do “pequeno recinto”, terá sido utilizado para a abertura de inúmeras fossas. Esta situação configura, de facto, uma segregação da utilização do espaço. Se é certo que no interior das cabanas do Sector 3 também foi registada a presença de fossas, no Sector 1, durante esta segunda fase, não se registaram vestígios de outro tipo de utilização do espaço para além da abertura e o preenchimento destas estruturas negativas. O significado destas estruturas de tipo silo tem sido muito questionado nos últimos tempos (Márquez Romero, no prelo). Tradicionalmente

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espaço interno destes contextos. As várias situações intervencionadas revelaram a existência de ambientes que poderemos interpretar como residenciais. Surgem as mais variadas categorias artefactuais relacionáveis com actividades de produção e consumo de alimentos, com actividades artesanais, com práticas rituais e simbólicas que empregnariam as actividades do quotidiano. Nas cabanas escavadas, misturam-se sinais de diferentes tarefas. Alguns restos de alimentos, cerâmicas sempre muito fragmentadas, pesos de tear, utensilagem polida (normalmente pouco abundante), pedra talhada (desde utensílios a restos da sua produção/utilização), nuns casos (como no Mercador) com presença de estruturas de combustão e fossas, noutros sem (como no Moinho de Valadares). Os solos de ocupação revelaram sempre situações de deposição não primária, no sentido de que conglomeravam vestígios que traduzem períodos de tempo relativamente latos e não momentos específicos, concretos, de deposição, os quais só puderam observar-se ou intuir-se em contextos pequenos e fechados, como algumas fossas do Mercador ou de Julioa 4. A imagem geral que resulta destes contextos é a de que se tratam de contextos residenciais, de carácter sedentário, onde ocorreriam actividades que pontuavam o dia a dia: onde se processariam alimentos e se comia, se dormia, se procriaria, se desenvolveriam produções artesanais, se construiria, se “brincaria”, se ensinaria, se realizariam actos sagrados específicos (para além do carácter ritual e sagrado de que se poderiam revestir todas as outras acções), em suma, se viveria em articulação com um território quotidiano e com a vizinhança. Neste sentido poderemos considerá-los povoados, ou seja, células residenciais de ocupação, exploração e organização de um território e de construção significante de uma paisagem.

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interpretados como silos, estas estruturas são normalmente associadas a uma função primária de armazenagem e, depois, a funções secundárias de lixeiras e, em alguns casos, funerárias. A sua presença tem sido, pois, indicador de intensificação produtiva cerealífera e de armazenamento gerido no âmbito de modelos redistributivos ou contributivos de dependência. Dentro do esquema interpretativo tradicional, a maioria das fossas intervencionadas parecem corresponder a estruturas tipo silo, hipótese que contudo não é extensível à totalidade das fossas intervencionadas, nomeadamente às da Fase 1 (quase todas de tamanho muito reduzido e com perfis convexos ou cónico) ou, por exemplo, à Fossa 8 do interior da Cabana 1 do Sector 3 ou a fossa identificada na Cabana 2 (Cf. ponto 4). Contudo, estas situações ocorrem precisamente fora desse conjunto alargado de fossas, quer porque lhes são anteriores (Fase 1), quer porque se situam no interior das cabanas do Sector 3. A assumirmos que este conjunto alargado de estruturas negativas (cujo número será certamente bem maior do que as que foram identificadas nas áreas intervencionadas) corresponderia a uma extensa área de armazenamento, então estaríamos perante aquilo que tem sido denominado na bibliografia por “campo de silos”, frequentemente apresentados como áreas espacialmente bem delimitadas, normalmente formando uma periferia envolvente às áreas residenciais. Seria uma espécie de reprodução, a uma escala bastante mais reduzida, dos modelos propostos para a sequência espacial dos grande recintos como Valencina ou Los Marroquiés Bajos, onde se considera a existência de extensos aneis periféricos de silos de armazenamento que envolveriam as áreas centrais habitacionais (Zafra et al, 1999; Díaz-del-Rio, 2004). Mas uma importante área de armazenamento com várias dezenas (que poderão chegar

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a mais de uma centena se a densidade espacial se mantiver nas áreas não escavadas) contrasta com a escassez de indicadores relativos à actividade agrícola. Sendo certo que a produção de determinados produtos agrícolas, nomeadamente hortícolas, dispensa o recurso a mós e a foices, não deixa de ser verdade que as produções que normalmente se associam à armazenagem em silos (e que são susceptíveis de o poderem ser sem se estragar) são os cereais ou frutos secos como as bolotas. Será, pois, significativo o reduzidíssimo número de elementos de moagem, elementos de foice ou ainda de utensilagem de pedra polida passível de ser usada em tarefas agrícolas de preparação de campos. Pelo contrário, como vimos, ao nível das actividades produtivas relacionadas com a satisfação das necessidades alimentares e da obtenção de produtos secundários, é de realçar o importante conjunto faunístico já registado, o qual documenta a relevância da caça, do pastoreio e da exploração dos recursos fluviais. Ou seja, o registo artefactual e faunístico com estas características parece indiciar uma componente agrícola, nomeadamente cerealífera, pouco determinante na economia destas comunidades, facto que colide com o domínio, no aparelho cerâmico, de formas tradicionalmente relacionadas com ementas à base de cereais, caso dos pratos, e com o elevado número de estruturas de armazenamento. O paradoxo, contudo, só o é se mantivermos inquestionáveis as tradicionais atribuições funcionais acima referidas. Assim, no caso concreto do Mercador esta inferência (a de uma agricultura cerealífera aparentemente pouco significativa) poderá conduzir-nos a questionar o significado e funcionalidade das estruturas negativas em fossa. Ainda dentro da procura de uma resposta essencialmente funcionalista, foram avançadas algumas

R A possibilidade de estas estruturas não serem concebidas para armazenagem, sendo a sua funcionalidade original outra, ainda não esclarecida; R A possibilidade de serem estruturas para a preparação e conservação de silagem (forragem verde ou madura convertida em alimento para gado por processo de fermentação ácida em câmara fechada, a qual impede a sua deterioração, permitindo a sua conservação durante o Inverno), estando assim mais relacionadas com a actividade pastoril do que com a agricultura; R A possibilidade de estas estruturas se integrarem numa área especializada de armazenamento de produtos diversos, inclusivamente os cerealífe-

ros, tanto produzidos localmente como importados de áreas periféricas, servindo para abastecimento aos habitantes do Mercador ao mesmo tempo que a vários estabelecimentos vizinhos.” Nestas três hipóteses, apresentadas no final da primeira intervenção quando apenas se haviam feito sondagens diagnóstico e ainda não se tinha uma noção correcta dos contextos em presença, a última mantém-lhes a função tradicional (armazenamento de cereais) remetendo para a atrás sublinhada situação de provável articulação entre este contexto e o do Porto das Carretas, agora no que respeita às segundas fases de ocupação de ambos os sítios; a segunda apresenta uma proposta interpretativa alternativa, ainda que de natureza essencialmente funcional; a terceira falava de possibilidades ainda por esclarecer, abrindo uma terceira via especulativa que poderá entroncar em algumas das propostas interpretativas alternativas que têm sido avanças, inspiradas em evidências e discursos produzidos para contextos europeus com similaridades (Márquez Romero, no prelo). Esta propostas alternativas, baseadas em pressupostos teóricos que recusam a separação entre sagrado e profano, questionam as interpretações meramente funcionais destas e de outras estruturas negativas (como os recintos de fossos). A função primária de armazenamento é questionada, como posta em dúvida é a função secundária de lixeira. Esta crítica encontra-se basicamente enraizada na crítica mais profunda que foi desenvolvida no âmbito do Pós-Processualismo à concepção de passado com realidade que nos é familiar, familiaridade essa que é acusada de resultar de, por um lado, se projectarem acriticamente sobre o passado experiências e vivências presentes e, por outro, de se dotar aspectos da vivência quotidiana de ahistoricidade, assumindo-os

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hipóteses alternativas no primeiro texto publicado sobre o sítio (Valera, 2001): “O termo silo encontra-se hoje fortemente enraizado na terminologia arqueológica, sendo utilizado, quase que indiscriminadamente, para designar fossas escavadas no chão (depósitos e substratos rochosos) de planta normalmente subcircular e perfil e profundidades variáveis. Porém, o termo encerra em si uma atribuição funcional, a de armazenagem, a qual nem sempre está convenientemente documentada, nomeadamente no que se refere ao produto ou produtos que se supõe terem sido armazenados. Normalmente estas estruturas têm sido interpretadas como servindo para a armazenagem de produções cerealíferas. Mas se estas forem consideradas de escassa relevância, várias questões se colocam para o Mercador: O que guardariam as inúmeras fossas escavadas no substrato rochoso, antes de serem preenchidas por depósitos e detritos de uso doméstico? Terão mesmo funcionado como estruturas de armazenagem? Como relacioná-las com as inferências proporcionadas pelos conjuntos artefactuais registados e com as características e local de implantação do sítio? Várias hipóteses podem ser desde já avançadas, enquanto possibilidades plausíveis orientadoras da pesquisa:

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como universalizações que mais não resultam do que na imposição ao passado de sensos comuns e premissas presentes. Como escreveu recentemente J. Thomas: “Most critically, where we seek to nullify the difference of the past by identifying people who are ‘just like us’ [...] we transform that difference to a universal sameness. (...) The problem is one of letting the difference of the past reveal itself as itself, rather than allowing it to dissipate into a set of mere images which can be absorbed by the more general economy of signs that dominates contemporary experience.” (Thomas, 2004: 238). Reclama-se, pois, a desconstrução de domínios e categorias que vemos como naturais e aplicáveis universalmente de forma quase imediata, chamando a atenção para o facto de que o nosso aparelho conceptual, a nossa bagagem analítica e a nossa experiência, se viabilizam a racionalização do mundo, impõem fortes constrangimentos a essa racionalização (Meskell, 2001; Márquez Romero, 2003). Esta racionalização das relações com o mundo e a atitude permanentemente analítica e reflexiva, afastam-nos das sociedades que pretendemos conhecer (Hernando, 2002 e 2004; Thomas, 2004). O esforço de inter subjectividade necessário para as interpretar é, assim, muito maior e difícil. Na concepção do mundo estamos condicionados pelos conceitos de que dispomos. Hoje vivemos num mundo racionalizado pelos crivos linguísticos da ciência moderna, ao qual intelectualmente nos extraímos como observadores e manipuladores e que, por isso, é experimentado, vivido e interpretado de formas que serão muito diferentes das do passado, contribuindo para nos afastar dos esquemas mentais que então operavam. É neste sentido que, por exemplo Hill (Hill, 2000) propõe uma “Arqueologia Contrastante” que ponha em evidência e assuma que as vivências do passado e as suas práticas são substan-

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cialmente diferentes das nossas. E como exemplo cita precisamente o caso da ideia de “lixo”, sublinhando que para as comunidades pré-históricas o “lixo” tal como ele é hoje entendido poderia não existir, isto é, que não tem que ter tido o significado actual, podendo obedecer a normas e rituais de significados culturais e sociais muito diferentes dos nossos. Por outras palavras, aquilo que hoje é dessacralizado e entendido como desperdício a que não se atribui valor e do qual nos despojamos em actos quase mecânicos e praticamente destituídos de significado, poderia, em contextos sociais distintos, corresponder a acções imbuídas de profundo sentido, resultando em deposições estruturadas e não em simples acumulações desordenadas e caóticas de detritos. É neste enquadramento teórico que Márquez Romero propõe que muitas destas estruturas poderiam ser abertas para serem colmatadas, não por aquilo a que hoje chamaríamos lixo, mas por deposições estruturadas e significantes de elementos materiais do quotidiano, através de acções em que o ritual e o funcional não se distinguem. O conflito entre estas propostas interpretativas e as mais tradicionais é evidente e está enraizado num confronto de natureza epistemológica, para cujo desenvolvimento não há espaço aqui, mas que recentemente aflorei noutros textos (Valera, 2003b e 2004). Gostaria, antes, de voltar a chamar a atenção para os dados de que dispomos no Mercador. Como já foi dito, evidências directas de produção cerealífera não existem, o que por si só não permite grandes inferências (lembremo-nos que essas evidências directas também não foram registadas no Moinho de Valadares, mas aparecem impressões de grãos de cevada num fragmento cerâmico). Já poderá querer dizer mais qualquer coisa se tivermos em conta que as

correspondendo a uma provável deposição de uma parte terminal de coluna vertebral e de outros ossos ainda articulados, passíveis de corresponderem a um único indivíduo (Cf. ponto 15.4.5.1). Trata-se da única situação em que foram recolhidos ossos classificáveis que revelou a presença de uma única espécie e possivelmente de restos de um único indivíduo. Este registo configura uma situação de enchimento de uma pequena fossa praticamente de uma só vez, primeiro com terra, fragmentos cerâmicos e restos de uma carcaça de bovídeo com ossos ainda articulados e depois com mais terra e abundantes pedras, mas já praticamente sem ossos ou materiais arqueológicos, terminando com a deposição no topo de um elemento de moagem. Esta sequência não parece, de facto, resultar de um lento processo de despejo de detritos, mas de uma deposição estruturada que resultou numa estratigrafia intencionalmente formada. Outra circunstância é o facto de várias fossas apresentarem os seus topos verdadeiramente seladas por pedras imbricadas e estruturadas em autênticas coroas empedradas. Esta situação tanto ocorre no interior da Cabana 1 do Sector 3 (Fosas 6 e 17 – Cf. figs. 4-16 e 4-17), como em algumas fossas do Sector 1 (como as Fossas 15 e 24 – Cf. fig. 4-6, 4-7, 4-11 e 4-14), estando ausentes nas fossas da Fase 1 de ocupação. Esta situação foi igualmente documentada numa das fossas identificadas no Porto Torrão localizada no espaço entre os dois fossos ali registados (Valera e Filipe, 2004). Destas quatro fossas seladas do Mercador, apenas duas foram escavadas (a Fossa 6 no interior da Cabana 1 e a Fossa 24, que cortava o paramento exterior do “pequeno recinto” da Fase 1 no Sector 1). A Fossa 24, com uma profundidade de cerca de um metro, abaixo do coroamento de pedras que a fechava registou dois depósitos com muitos poucos restos de materiais arqueológicos ou fauna e com alguma

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evidências indirectas (artefactuais) associadas à essa produção também estão praticamente ausentes, contrastando, por exemplo, com o número de mós existentes no Porto das Carretas (Silva e Soares, 2005) ou o número, a dimensão e o desgaste evidenciado por estes artefactos em Luz 20. Por outro lado, algumas fossas do Mercador apresentavam particularidades que convém referir, algumas das quais já foram apresentadas no ponto 14. É o caso da Fossa 20 (Cf. fig. 14-7), de pequenas dimensões, revestida por fragmentos cerâmicos e que continha a deposição de alguns ossos de animais inteiros, entre os quais um calcâneo de um bovino recém nascido, e uma pequena taça igualmente intacta. O carácter ritual desta deposição será, para a maioria, relativamente pacífico de aceitar, essencialmente porque não se descortinam facilmente razões funcionais para este contexto. É a velha estratégia de remeter para o simbólico e para o sagrado quando não se consegue explicar funcionalmente. Mas quando a funcionalidade nos parece evidente, toda e qualquer carga semântica que transcenda a função parece desvanecer-se de imediato. Resistindo a esta tentação, olhemos para outras fossas. O caso da Fossa 68 é singular. Sendo morfologicamente diferente da maioria das restantes (estreitando na boca) e com uma profundidade de cerca de 60/70 cm, estando na proximidade de várias outras (Cf. fig. 4-13), apresentava apenas dois enchimentos diferenciáveis (Cf. fig.4-14, em baixo à esquerda). O depósito superior era quase arqueologicamente estéril e embalava abundantes pedras que selavam a metade superior da fossa, em cujo topo estava um dos poucos elementos de moagem que este sítio proporcionou. No depósito inferior registou-se a presença de escassa cerâmica e restos faunísticos exclusivamente de bovídeo,

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pedra miúda. A Fossa 6, com cerca de 1,80 m de profundidade, apresentava vários depósitos de enchimento. Sugerindo um preenchimento menos abrupto e mais sequencial no tempo, os vários depósitos que se sobrepunham até cerca de 2/3 da fossa embalavam restos faunísticos variados e abundantes fragmentos cerâmicos. O último terço foi preenchido por pedras de médias e pequenas dimensões, que na abertura da fossa se apresentavam bem imbricadas e estruturadas, formando uma carapaça que ultrapassava os limites da boca desta estrutura negativa. A maioria das fossas, contudo, mesmo contendo pedras de pequenas, médias ou mesmo grandes dimensões ao longo dos seus enchimentos, não apresentavam estas carapaças estruturadas de fecho. Trata-se de uma situação que não é facilmente explicável e que poderá remeter para sentidos que nos escapam. Resumindo, na Fase 2 do Mercador existe uma clara segregação espacial, com a construção de Cabanas no Sector 3 e abertura de fossas no Sector 1. Contudo, o conjunto de fossas poderá representar uma maior diversidade de situações e práticas do que a imagem de partida parece revelar, podendo a sua interpretação como área de armazenamento ser uma simplificação da complexidade de situações ali ocorridas. E não esquecer que o número destas estruturas, a serem todas relacionadas com a armazenagem, estaria desproporcionado (por excesso) relativamente às evidências residenciais do sítio, o mesmo acontecendo com as evidências de consumo de animais. Esta aparente desproporção leva-nos a pensar que se, estas estruturas remetem para um determinado período de tempo, possivelmente terão correspondido a sucessivas aberturas e entulhamentos, não tendo funcionado todas ao mesmo tempo, o que, a acontecer, reduzia claramente a imagem de grande área de armazenagem.

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A outra situação de aparente segregação espacial poderá estar representada pelos contextos identificados na Julioa 4 / Luz 20, a qual parte do pressuposto de que estamos em presença de dois núcleos de um mesmo contexto mais vasto (Cf. ponto 7). Esta observação é ainda condicionada pela deficiente caracterização dos contextos identificados em Luz 20 (razões expostas no ponto 7), mas levando em consideração o que já se conhece, verifica-se que a uma complexidade de estruturas positivas em xisto e negativas na área de Luz 20, onde igualmente se registou uma intensa concentração de grandes elementos de moagem e uma maior densidade artefactual geral, o núcleo da Julioa 4 é caracterizado por uma ausência de construções e presença de um empedrado e várias fossas, sendo os conjuntos artefactuais bem menos expressivos. Esta diferenciação espacial faz lembrar a anterior, registada na Fase 2 de ocupação do Mercador. Todavia, as fossas são bem diferentes. Trata-se de estruturas sempre muito pequenas (Cf. fig, 7-6), que na maioria apresentam não mais que duas dezenas de centímetros de profundidade, existindo apenas um caso em que a profundidade se aproxima do meio metro. Estão totalmente ausentes as grandes fossas registadas no Mercador, com profundidades entre 1e 2 metros e diâmetros máximos da mesma ordem. A explicação funcional de armazenamento enfrenta aqui novas dificuldades, o mesmo acontecendo com a de reutilizações como lixeiras. De facto, os preenchimentos não proporcionaram restos faunísticos ou abundantes restos de artefactos inutilizados. A mais profunda evidenciou um nível de fogo na sua base, tendo sobre este sido depositado um artefacto de pedra polida inteiro. Outras revelaram a presença de diferentes materiais, como fragmentos cerâmicos, discos de xisto, fragmentos de elementos de moagem e sempre artefactos

Julioa 4 / Luz 20, nos restantes contextos não se detectaram evidências claras de segregação espacial de actividades. Mas quanto às diacronias de ocupação a situação é um pouco mais interessante. Esta questão, a das dinâmicas de ocupação residencial, é bastante complexa. Um sítio desta natureza, ao longo da sua vida, pode passar por vicissitudes várias: crescer, contrair-se, ver a totalidade ou parte do seu espaço abandonado e posteriormente reocupado, os abandonos podem ser mais ou menos prolongados no tempo, podem ser pensados com ou sem intenção de retorno, podem resultar de dinâmicas internas do sítio ou de dinâmicas externas relativas à rede de povoamento em que o sítio se integra, etc. Chamei recentemente à atenção (Valera, 2003a) para o facto de tradicionalmente os processos considerados serem, quase que exclusivamente, os de abandono final enquadrados por modelos explicativos de mudança estrutural, onde se acaba por reservar ao abandono um papel uniforme: a de indicador de colapso, seja por inadaptação, seja por esgotamento do sistema. Raramente se pensavam de forma aprofundada as dinâmicas internas dos sítios (mesmo quando várias fases eram definidas) e em caso algum os abandonos eram considerados como podendo ser uma estratégia no âmbito do funcionamento dinâmico dos sistemas e das redes de povoamento. Um primeiro aspecto a salientar é o de que as razões que conduziram aos abandonos, sejam eles temporários ou finais, foram múltiplas e funcionaram a diferentes escalas, não podendo ser mecanicamente transportáveis de um caso para outro, nem redutíveis a indicadores de uma mesma realidade ou processo. Tratase de complexos modelos de negociação social que integram dinâmicas que se manifestam a vários níveis (do indivíduo à comunidade, pas-

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de pedra polida inteiros. Duas destas estruturas apresentavam-se encerradas por aglomerados estruturados de lajes de xisto, algumas das quais apresentavam covinhas. Uma vez mais o problema da dupla hermenêutica se faz sentir de forma particularmente sensível: na abordagem das acções humanas existe a interpretação do observador, mas também a interpretação do agente observado e se a relação com o passado é uma relação de inter-subjectividades presentes e pretéritas, terá necessariamente que resultar numa interligação de sentidos: o nosso sempre com uma forte componente analítica, os passados mais diluídos nas vivências, nos habitus. Que propor para este núcleo de pequenas fossas situado no Monte de Julioa 4? Um conjunto de pequenas fossas, acompanhadas de um pequeno empedrado de pedras de quartzo que se localiza no ponto com maior visibilidade (note-se que ao lado das fossas está hoje implantado o marco geodésico da Julioa) sobre a paisagem que se estende até ao Guadiana, vendo-se à direita Mourão e por trás as elevações de Monsaraz e S. Gens, e estendendo-se o limite visual à esquerda sobre a área da velha aldeia da Luz (e sobre o povoado que lhe ficava sobranceiro (Luz 7) e até ao vale da Ribeira do Alcarrache. Que actividades ocorreram naquele espaço? A resposta tradicional parece incómoda, por insuficiente. Porque não satisfaz todas as interrogações que a natureza daqueles contextos levanta. As respostas alternativas, contudo, não são fáceis de fornecer, sobretudo se não quisermos entrar no domínio da especulação gratuita. E serão hoje mais difíceis de obter, ou melhor, de propor, pois passariam certamente por um alargamento das escavações no local. O que será difícil, pois ao mesmo tempo que se escavava, lavrava-se e plantava-se vinha ao lado. Voltando ao assunto em análise, tirando estas duas situações registadas no Mercador e

sando por grupos domésticos, etários, de género ou profissionais, entre outros) e que funcionam a várias escalas (da área intra-sítio, do sítio, do local, da região). “O abandono não significa necessariamente instabilidade, colapso ou mudança estrutural. A sua interpretação apressada como esgotamento de um modelo ou sistema pode ser extremamente redutora, para não dizer totalmente falaciosa. As sociedades humanas são sempre dinâmicas, mesmo quando estáveis. A mobilidade (na qual se integram processos de abandono) está sempre presente e é com frequência factor de estabilidade, manifestando-se em várias agências estruturantes da comunidade: na “gestão” do género, da idade, do número populacional, da exploração de recursos, da actividade, das formulações ideológicas do mundo, das identidades, dos territórios, etc. O abandono é parte constituinte da relação dinâmica que o Homem mantém com o espaço.” (Valera, 2003a).

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Uma das ideias centrais de uma teoria do abandono é a sua ligação ao movimento enquanto estratégia e ao movimento enquanto factor estabilizador (Horne, 1996). O abandono residencial não só não significa necessariamente abandono local ou regional, como pode ser precisamente uma estratégia para manter a estabilidade de ocupação de um território, a qual é dinâmica. A mobilidade e a fixação não são opostos, mas complementos que se podem combinar na sua exploração e obrigam a tratar o problema do abandono fora da escala do sítio e à sua introdução na escala da rede de povoamento e das paisagens. Ao contrário do que foi em tempos afirmado, o que observamos nos contextos residenciais calcolíticos é uma situação de grande diversidade na tipologia dos sítios, nos locais de implantação, nos períodos de duração, nas

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funcionalidades, nos significados, resultado de organizações sociais e territoriais que implicam estratégias de fixação, mobilidade e abandono que são ainda bastante versáteis. Naturalmente estas dinâmicas de vida de um contexto residencial são difíceis de abordar em Arqueologia. Problemas que derivam da dificuldade de identificação e definição das contemporaneidades e das simultaneidades do funcionamento de diferentes estruturas e espaços; de perceber a mobilidade através do espaço a partir das evidências materiais que esta deixa e que o tempo de sucessivas reocupações/reutilizações/remodelações se encarrega de compactar, baralhar ou apagar. Ou simplesmente porque a cristalização de muitos movimentos, centrais para a compreensão da vida de um sítio e das relações que estabelece com outros, é demasiado ténue. O problema é, pois, como “observar” e documentar o abandono e a mobilidade à escala do indivíduo ou do grupo doméstico, realizada dentro do próprio contexto residencial ou para o exterior, num movimento de abandono total temporário. “Podemos adivinhar a mobilidade feminina (e propor-lhe razões e sentidos), intuir a mobilidade por questões de idade (ex. rituais de passagem), propor deslocações periódicas de parte das comunidades. Mas de que indicadores dispomos no registo arqueológico para demonstrar estas realidades? Como ler a mobilidade nos registos materiais? Como distinguir abandonos totais de parciais com base em escavações muito parcelares? (...) Mas será que todos os movimentos e momentos de abandono serão arqueologicamente detectáveis? Ou apenas os últimos? Ou apenas os mais significativos e duradouros? Ou apenas quando a seguir a estes se instalam comunidades com estratégias e componentes artefactuais diferentes? “ (Valera, 2003a).

“Tratar o problema do abandono, nas suas múltiplas facetas e escalas, implica que as suas problemáticas estejam presentes no acto de escavar e de interpretar o que se escava. Se estamos preocupados exclusivamente com a sequência de “camadas” (que ainda abrangem povoados inteiros), de horizontes artefactuais, ou outras virtualidades do género, dificilmente estaremos abertos aos sinais e aos indícios que nos poderão documentar as situações de dinâmica interna da vida destes povoados. “ (Valera, 2003a). Voltando aos contextos intervencionados no Bloco 5, a questão do abandono intermédio pode ser colocada para vários deles, apesar das limitações que as áreas escavadas e as transformações tafonómicas impõem. A diferenciação de fases para o Mercador, Moinho de Valadares, Monte do Tosco e Porto das Carretas terá correspondido em todos estes contextos a momentos de abandono. No Porto das Carretas (Silva e Soares, 2002), a Fase 2 de ocupação está estratigraficamente separada da Fase 1 por um depósito que se terá formado num momento em que o sítio

estaria desocupado. Em vários pontos, as estruturas da segunda fase sobrepõem-se às da primeira, as quais estariam já fortemente reduzidas no seu volume. A corroborar um distanciamento cronológico entre os dois momentos existem diferenças significativas ao nível arquitectónico e artefactual, com o aparecimento da metalurgia do cobre e da cerâmica campaniforme. O Mercador, vizinho do Porto das Carretas, apresenta uma situação comparável e que, muito possivelmente poderá ter estado articulada com a anteriormente descrita. A Fase 1 de ocupação, registada no Sector 1, evidenciou dois momentos: um primeiro relacionado com estruturas possivelmente domésticas de ramagens entrelaçadas e fundo ligeiramente escavado no substrato; um segundo momento em que se edifica um “pequeno recinto” com soco de pedra e parede em terra. Este soco sobrepõe-se parcialmente aos vestígios de uma dessas cabanas, evidenciando a sua desactivação anterior, e na sua periferia exterior são abertas fossas, algumas das quais cortam depósitos dessa fase inicial de ocupação. Embora as construções deste segundo momento de ocupação da Fase 1 impliquem que as estruturas residenciais do primeiro momento estavam desactivadas e destruídas, nada autoriza a que se tenha que assumir um momento de abandono temporário do sítio. A presença de cerâmica de revestimento abundante associada à cabana sobreposta pelo recinto poderá indiciar que a mesma sofreu um incêndio, que tanto poderá ter sido acidental como propositado para permitir a implantação do referido recinto. Note-se que o local da sua edificação parece ter sido cuidadosamente escolhido, no eixo central longitudinal da colina e no seu extremo oeste, onde a sua plataforma aplanada termina, o que lhe proporcionaria um mais acentuado destaque na paisagem. Uma solução de continuidade de ocupação, apesar da

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Para superar estas dificuldades é importante ter contextos bem preservados, extensivamente intervencionados, bem questionados e registados durante o processo de escavação, o que nem sempre é possível em contextos de minimização de impactes ou de verdadeiro salvamento à frente das máquinas (como foi em grande parte o caso de Julioa 4). De qualquer forma, se determinados abandonos são indetectáveis e indemonstráveis no registo arqueológico, homogeneizados ou dissimulados por reocupações e pelos processos tafonómicos, outros passam despercebidos por insuficiências dos questionários e metodologias com que os abordamos.

reformulação arquitectónica e provavelmente funcional e simbólica deste espaço, é admissível e a inalteração registada ao nível da cultura material poderá reforçar essa interpretação. Contudo, nada inviabiliza também que se levante a hipótese de um abandono temporário durante um curto período de tempo. Se admitirmos uma estreita relação entre este contexto e o sítio do Porto das Carretas (que numa primeira fase correspondia a um recinto estruturado por linhas de muralha), considerando que se tratariam de contextos de uma mesma comunidade que se organizaria de forma articulada em núcleos para a exploração e gestão de um território, então será bastante plausível que um núcleo como o Mercador fosse sujeito a periódicas situações de abandono. O problema, uma vez mais é o da simultaneidade. Se de um modo geral poderemos aceitar uma contemporaneidade para as primeiras fases de ocupações destes dois sítios, já demonstrar que as suas ocupações foram simultâneas poderá ser mais complicado, pois não sabemos ao certo qual a dimensão dos respectivos períodos de ocupação. Em Pré-História Recente tende-se a olhar em bloco para períodos de 200 e 300 anos. Mas três séculos é muito tempo, são muitas gerações, mesmo em Pré-História. E as evidências do primeiro momento de ocupação do Mercador correspondem a duas cabanas de ramagens entrelaçadas revestidas a barro. As estruturas evidenciadas pelo Porto das Carretas na sua primeira fase são estruturas que sugerem uma maior perenidade da ocupação do

sítio, enquanto as do Mercador indiciam uma maior caducidade. A existir, a articulação entre estes contextos não terá sido proporcional no início. Mas poderá ter-se transformado no segundo momento da Fase 1 do Mercador, com a construção do “pequeno recinto”, cujo destaque intencional na paisagem imediata poderá corresponder a uma valorização daquele espaço. Quanto à segunda fase de ocupação do Mercador, vários dados sugerem que poderá efectivamente ter existido um hiato de ocupação, ou seja, um abandono total temporário, que poderá ter ou não coincidido (totalmente ou em parte) com o registado no Porto das Carretas. As datações de radiocarbono assim o sugerem, mas mais uma vez funcionamos com períodos de centenas de anos. Constroem-se agora cabanas com socos de pedra e com lareiras e fossas no seu interior numa área afastada dos vestígios anteriores, que estaria aparentemente desocupada1. A construção, como vimos, é aditiva, significando que a ocupação foi crescendo e o micro-espaço remodelado ao longo desse crescimento. Possivelmente, o início do desmantelamento de parte do soco de pedra do “pequeno recinto” terá ocorrido ao longo desta fase, funcionado como fonte de abastecimento de pedra para as novas construções. Na zona da anterior ocupação são agora abertas, provavelmente de forma sequencial ao longo do tempo, inúmeras fossas tendencialmente com dimensões de profundidade que variam entre 1 e 2 metros. Ao nível da cultura material cerâmica as diferenças que

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1 'LJRDSDUHQWHPHQWHSRUTXHH[LVWHPDOJXQVGHSyVLWRVGHRFXSDomRQXPDiUHDUHVWULWDVXEMDFHQWHj&DEDQDHTXHIRUDP cortados por uma grande perturbação realizada em época histórica. Os cerâmicos que estes depósitos proporcionaram enquadram-se no “ambiente estatístico” das cerâmicas da fase 2, pelo que estes contextos foram integrados nessa fase. Contudo, como as grandes diferenças em termos cerâmicos entre as duas fases são essencialmente diferenças estatísticas, a dúvida pode ser sempre colocada.

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ço ocupado, tem algumas semelhanças com a deslocalização registada no Mercador, embora de forma menos acentuada, até porque o espaço disponível é bem menor na plataforma de implantação do Moinho de Valadares. Uma vez mais, as descontinuidades na construção do espaço, associadas a mudanças profundas em determinadas componentes da cultura material, apresentam uma correspondência estratigráfica relativamente bem definida que não se coaduna com evoluções ritmadas e progressivas da ocupação do sítio. Por último, o Monte do Tosco apresenta também uma situação faseada, com um momento de abandono intermédio bem definido, embora a sua duração não o seja. No Sector 1, sobre os níveis de ocupação da primeira fase, é construída uma cabana com muro de pedra. O recheio desta estrutura contrasta com a cultura material da fase anterior, ao apresentar um conjunto alargado e homogéneo de cerâmicas campaniformes incisas, uma aumento das evidências metálicas e recipientes cerâmicos de contentorização de base plana e colo alto e estrangulado, morfologias já integráveis na Idade do Bronze. Nas restantes áreas do sítio, onde sempre se identificaram estruturas e depósitos de ocupação da primeira fase, não se registaram outros vestígios conservados destas reocupação. Apenas se recolheram alguns fragmentos de recipientes campaniformes à superfície, ou integrados em escorrências e sobre derrubes de estruturas da fase anterior, revelando o estado de ruína destas quando se terá processado esta segunda fase de ocupação. A interpretação desta situação de reocupação terá que ter em conta algumas limitações, que tanto têm a ver com a reduzida percentagem escavada do sítio (que, apesar de tudo, abrangeu 231m2), como com a acentuada destruição de parte do topo do cabeço pela explo-

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se estabelecem são essencialmente de ordem estatística, com o reforço de umas morfologias em detrimento de outras. Na tecelagem recorre-se agora a crescentes em vez de placas e surgem pela primeira vez os metais e evidências, ainda que ténues, de práticas metalúrgicas. Finalmente, a componente faunística, mantendo a variedade de espécies, parece intensificar-se no que respeita à fauna mamalógica. A deslocação e reformulação do espaço observada, as alterações arquitectónicas, juntamente com algumas mudanças significativas na cultura material onde se destaca o aparecimento de metais e metalurgia, não são transformações que surjam de um dia para o outro, sugerindo, de facto, um momento de abandono temporário deste local. Se mantivermos a ideia de vinculação entre Mercador e Porto das Carretas, então teremos que assumir que não é apenas cada um destes contextos que é temporariamente abandonado, mas é todo um pequeno território, em cuja ocupação e exploração estes sítios se articulavam, que terá sofrido uma alteração na sua organização. Outra situação de abandono é sugerida pelo Moinho de Valadares. As diferenças entre a cultura material das duas primeiras fases de ocupação do sítio (entre as quais o aparecimento da metalurgia e uma inversão percentual muito significativa na representatividade de taças carenadas, potes mamilados e pratos), juntam-se a toda uma reformulação na ocupação do espaço. O Sector 3, depois dos derrubes finais da segunda parede de ramagens entrelaçadas revestida a barro, não mais é ocupado. No sector 2 observa-se a construção de estruturas sobre derrubes da fase anterior. No Sector 1 regista-se a primeira ocupação dessa área da plataforma onde se localiza o sítio. Esta não sobreposição total dos contextos nas duas fases, evidenciando uma ligeira deslocação do espa-

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ração recente de pedra responsável pela abertura de grandes crateras. Assim, a imagem que resulta dos dados actualmente disponíveis é a de uma reocupação após abandono, sendo que a informação relativa a essa reocupação se resume à construção de uma cabana circular perto do topo do cabeço, aproveitando uma área aplanada proporcionada por estruturas e depósitos da ocupação mais antiga. É difícil dizer se esta reocupação se resumiria a esta cabana sem o recurso a mais escavações (possíveis, porque grande parte do sítio fica fora do regolfo). É possível que existam outras, eventualmente relacionáveis com alguns dos materiais campaniformes recolhidos à superfície ou em escorrências no Sector 4. Assim, a ideia de uma reocupação que se implantaria apenas no topo central do sítio, estratégia tão cara a alguns modelos dedicados ao fenómeno campaniforme, tem que ter as cautelas inerentes a estas limitações de conhecimento. Lembremo-nos que, recentemente, também a leitura de uma ocupação campaniforme restrita à ligeira colina central do Porto Torrão se revelou incorrecta, com o aparecimento de numerosas cerâmicas campaniformes noutra área do sítio, inclusivamente integrando depósitos localizados em profundidade no preenchimento de um dos fossos identificados (Valera e Filipe, 2004). Verifica-se, deste modo, que praticamente todos os contextos evidenciaram momentos de abandono (potencialmente coincidentes entre o Porto das Carretas e o Mercador). Não sabemos se estes abandonos foram feitos com intenção de regresso ao mesmo local ou não. O que parece certo é que quando foram reocupados, pelas mesmas comunidades (ou seus descendentes) ou não, os indivíduos que aí se instalaram traziam inovações tecnológicas (como a metalurgia), evidenciavam preferências distintas para a morfologia das suas cerâmicas

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comuns, tinham aderido a novos padrões estilísticos de cerâmicas de excepção. Quantas gerações teriam passado? Que memória; que conhecimentos teriam desses locais? Que leituras fariam deles? Independentemente da dificuldade, para não dizer da impossibilidade, de responder a estas questões, as reocupações traduzem o facto de que, apesar de abandonados, estes sítios se mantiveram como lugares activos na conceptualização da paisagem e na organização do espaço. Fisicamente mantinham-se como depósitos de matérias-primas reutilizáveis na construção e produção artefactual; em termos simbólicos mantinham-se como arquivos de memórias com maiores ou menores níveis de mistificação, mais ou menos adulteradas pelo tempo; como locais dotados de sentidos, certamente noemados, que se conservavam como referências activas na organização destas comunidades no espaço. As explicações para dinâmicas pautadas por abandonos e reocupações, mais do que em situações internas, poderão residir na escala mais alargada do funcionamento da rede de povoamento que enquadrava estes vários contextos. Nesse sentido, a vida destes pequenos sítios parece revelar dinâmicas contrastantes com a imagem de maior estabilidade proporcionada pelos grandes recintos vizinhos como são os Perdigões ou San Blás. Mas a questão das redes de povoamento será abordada mais adiante. Para já interessa sublinhar que o próprio abandono final não marca necessariamente a morte de um sítio residencial. Tanto num plano mais prático como num plano simbólico (embora devamos sempre evitar esta dicotomia para sociedades pré-históricas), e na vertente qualitativa da percepção do espaço, há que considerar que o abandono residencial físico não implica um desligamento re-

“Este poderá ser considerado como local de residência de antepassados, sujeito a visitas periódicas (associadas ou não a curação) ou a interdições, continuando a marcar os códigos semânticos da paisagem de forma activa, pelo menos durante a vigência dos quadros superestruturais em que se integrava.” (Valera, 2003a). Sem dúvida que a partir de certa altura, os prolongamentos simbólicos de sítios abandonados são sujeitos a reinterpretações, tal como o próprio espaço físico em que se inserem sofre reorganizações cognitivas e metafóricas. Mas mesmo em quadros sociais e mentais aparentemente distintos, existem evidências de que muitos destes contextos aparentemente abandonados se mantêm socialmente activos, que continuam a ser lugares numa paisagem que ajudam a organizar, ainda que com eventuais novos enquadramentos simbólicos. No âmbito dos sítios intervencionados no Bloco 5, dois deles evidenciaram situações que se podem enquadrar nesta problemática e aos quais se poderá juntar um terceiro, na margem direita. No Mercador, sob os derrubes da Cabana 1, num pequeno nicho estruturado para o efeito, foi feita uma deposição funerária secundária de um conjunto de ossos de um adolescente de 14 a 17 anos de sexo indeterminado (Cf. ponto 19 e fig. 4-23). Estas deposição funerária, que estratigraficamente se localiza num contexto pós abandono e ruína das estruturas residenciais do Sector 3 (Fase 2), foi datado pelo radiocarbono do 3º / inícios do 2º milénio AC. Como se discutiu no ponto 21, esta datação sobrepõe-se ás duas obtidas para duas fossas da segunda fase. Essas duas datas abrangem

um período (a 2 sigma) de cerca de 450/500 anos, sendo que a data do contexto funerário se sobrepõe a um pouco menos da metade mais recente deste período, sendo portanto bastante provável que lhes seja posterior. Podermos, assim, assumir com alguma confiança que o sítio já estaria abandonado quando aquele acto ritual foi realizado. No Moinho de Valadares 1 foi igualmente registada uma situação de reutilização aparentemente funerária (Cf. ponto 3 e ponto 20). Embora existam uns restos de muro que estratigraficamente poderiam ser relacionáveis com um ocupação tardia, todos os depósitos mais superficiais se encontram muito revolvidos. Nesses depósitos registaram abundantes materiais das ocupações calcolíticas do sítio e algumas escassas peças que tipologicamente são mais tardias. Cortando os depósitos revolvidos e alguns dos depósitos conservados das ocupações mais antigas, foram identificadas duas fossas. Uma era revestida por lajes de xisto dispostas quer na horizontal quer na diagonal e preenchida por um depósito de terra com abundante cascalho de xisto, terminando num pequeno aglomerado de pequenas pedras. Trata-se de uma estrutura que poderá corresponder a uma sepultura estruturada, mas nada se recolheu no seu interior que permita confirmar essa inferência. Outra não apresentava qualquer estruturação em pedra, correspondendo a um interface negativo preenchido por dois depósitos. O superior revelou-se muito compacto e sem materiais; o inferior proporcionou alguns fragmentos cerâmicos de morfologias tardias e alguns artefactos em bronze, associados a fragmentos de crânio e a dentes de um indivíduo adulto, possivelmente de idade avançada, de sexo indeterminado. Esta reutilização funerária não

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lativamente ao sítio abandonado, pois pode dar origem a prolongamentos simbólicos:

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está directamente datada, mas pelo conjunto de materiais que apresenta poderá ser relacionada com a datação que se obteve para o topo dos derrubes onde aparecem igualmente alguns materiais tardios, e que a coloca no segundo quartel do 2º milénio, num momento pleno da Idade do Bronze. Na margem direita, não muito longe do Moinho de Valadares (cerca de 5 Km em linha recta), no Monte Novo dos Albardeiros foi igualmente registada uma situação que poderá corresponder a uma reutilização funerária calcolítica, eventualmente num momento final da vida do sítio, e uma outra reutilização, também de provável natureza funerária, já da Idade do Bronze (Gonçalves, 1988/89). Estas três situações de reutilização funerária numa área relativamente restrita parecem evidenciar uma prática funerária cuja discussão será feita no ponto 22.4. Aqui interessa sobretudo sublinhar que o abandono residencial ou operacional não significa abandono total, nem do sítio e muito menos do espaço local e da paisagem que o integram. Existem dois planos que convém apesar de tudo distinguir, o material e o simbólico, mesmo que seja para depois os voltar reunir numa unidade que, por necessidade analítica, artificialmente lhe quebramos. No primeiro caso temos de considerar que um sítio abandonado pode ver-se transformado em área de exploração de recursos pelos seus antigos habitantes ou outros. A pedra das estruturas, artefactos líticos e metálicos (eventualmente alguns em cerâmica) poderão ser objecto de estratégias de curação. Já se discutiu isso, por exemplo, na abordagem aos elementos de moagem e até na questão da metalurgia (Cf. pontos 12 e 13). O sítio abandonado continua activo, operativo (embora com uma funcionalidade diferente) e as acções que sofre neste novo âmbito interferem nos contextos

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previamente abandonados, alterando-os (quer em quantidade quer em qualidade, pois são selectivas), e nem sempre de forma detectável pela arqueologia. Uma segunda situação será de cariz simbólico e ritual mais evidente, e será bem exemplificada pelos contextos que acabaram de ser descritos. Naturalmente, o considerar a primeira situação num prisma meramente prático e funcional pode ser, e será, bastante redutor, já que, como foi afirmado e como todas estas situações documentam, os sítios abandonados estariam repletos de significados, de sentidos que lhes seriam dados por memórias, histórias, normativos sociais e ideológicos que regulariam a sua acessibilidade ou interdição, etc. Neste sentido, a recolha de materiais num contexto destes dificilmente poderia ser destituída de sentidos que vão para além da mera reutilização prática. O que destinguirá as duas situações é que na primeira existe uma acção subtractiva relativamente ao contexto abandonado e na segunda, podendo também existir subtracções, há adições que poderão funcionar como reapropriações simbólicas de um espaço significante. Deste modo, os contextos intervencionados na margem esquerda no âmbito do Bloco 5 mostram dinâmicas de vida prolongadas no tempo, mesmo que as suas ocupações efectivas tenham correspondido a períodos intercalados e relativamente curtos no tempo. Poderemos dizer, a partir do processo hermenêutico que é todo o trabalho arqueológico, que estes contextos funcionaram como referenciais significantes da paisagem local durante um milénio ou mais; como lugares com nome (e que interessante seria conhece-los) , através dos quais, e numa situação relacional, as populações que ocupavam e frequentavam este troço do vale do Guadiana organizavam os seus mapas mentais, as suas leituras e valorizações subjectivas das paisagens, os seus trajectos.

22.1.1.4 A organização económica e níveis de interacção

Relativamente aos dados que sustentam inferências que dizem respeito à economia de subsistência das comunidades Pré-Históricas da margem esquerda, a situação é relativamente pobre e diversificada para os vários contextos. Duas abordagens são possíveis: aos contextos tomados individualmente e à área de estudo, abordando em conjunto e de forma articulada, os dados proporcionados pelos diferentes sítios. Assim, o sítio do Bloco 5 que mais informação proporcionou a este nível foi o Mercador (Cf. pontos 15 e 17), mais concretamente sobre a exploração de recursos pastoris, cinegéticos e alguns fluviais. A maioria dos restos faunísticos correspondem a contextos da Fase 2, não permitindo uma análise estatística comparada consequente entre as duas fases. Apenas poderemos dizer que os mesmos espectros faunísticos terrestres e fluviais estão presentes em ambas as fases. O conjunto faunístico apresenta uma variedade de recursos selvagens e domésticos. A caça de animais de grande porte é importante (auroque, cavalo e veado), assim como a de algumas espécies de menor porte (como o corço e

a lebre). O gado bovino e ovino parecem ocupar uma posição secundária, dominando claramente os suídeos, maioritariamente domésticos. O padrão de mortalidade revela um predomínio dos subadultos, característico de um abate para consumo. No caso concreto dos bovídeos, anomalias em vários metápodes sugerem a exploração da força de tracção. Esta é, quase sempre de forma imediata, relacionada com o cultivo de campos, mas outras operações de tracção podem ser equacionadas, como por exemplo as relacionadas com tarefas construtivas (transporte de matérias primas). O baixo peso da exploração de ovicaprinos poderia traduzir-se numa exploração menos intensiva de determinados recursos secundários alimentares. Mas, naturalmente, estas observações terão que ter em conta o volume de população humana que estes rebanhos serviriam. E mais uma vez será diferente se considerarmos o Mercador isoladamente ou o perspectivarmos em articulação com o Porto das Carretas. Ainda no Mercador a presença de ictiofauna e de malocofauna fluvial revela o consumo de recursos fluviais, que tanto poderiam ser explorados directamente pelos residentes no Mercador, como obtidos através dos do Porto das Carretas. Note-se que o trajecto entre o Mercador e o Porto das Carretas é também um dos trajectos mais directos do Mercador para rio Guadiana. O peso destes alimentos fluviais na dieta alimentar destas comunidades não seria contudo muito elevado. Os restos de ictiofauna são pontuais, mas a sua resistência aos efeitos tafonómicos também é mais reduzida. Quanto à malacofauna, embora presente nas duas fases, quer em fossas quer nos depósitos interiores das cabanas, o seu volume também não é muito elevado (Cf. ponto 17). Poderia corresponder, assim, a um complemento alimentar, que, no

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Com o tempo estes sítios, foram saíndo dos contextos sociais activos, caindo no esquecimento primeiro e no desconhecimento depois. A sua recuperação no contexto de minimização de Alqueva é uma espécie de ressurreição da sua actividade como referenciais para as populações que actualmente vivem neste espaço, ajudando, agora com a carga simbólica de património, a construir identidades e a organizar paisagens e, quem sabe em breve, a entrar novamente no circuito económico da região.

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contexto da componente social que a alimentação sempre teve ao longo da História, poderia assumir significados específicos: uma comida de excepção para momentos de excepção? Não temos dados sobre se estes recursos também estão presentes no Porto das Carretas, mas estão totalmente ausentes no Moinho de Valadares e no Monte do Tosco, contextos sobranceiros respectivamente ao Guadiana e ao Alcarrache. No Monte do Tosco, contudo, a presença de numerosos pesos de rede poderá indiciar alguma importância da actividade piscatória, mas a sua menor presença no Moinho de Valadares não significa menor importância destes recursos, já que o contexto de utilização (e de perca) deste materiais não é, naturalmente, a área residencial (Cf. ponto 9). A comprovar esta situação está o facto de o único contexto do Bloco 5 que forneceu evidências directas de exploração dos recursos aquáticos ser o único que não forneceu pesos de rede (que também se registaram no Porto das Carretas). No Moinho de Valadares e no Monte do Tosco os restos faunísticos recuperados são relativamente escassos (Cf. ponto 16), não permitindo análises estatísticas consequentes ou conclusões de grande significado. Esta diferença relativamente ao Mercador ficará possivelmente a dever-se a questões de natureza tafonómica, na medida em que a grande maioria da fauna recuperada no Mercador é proveniente de fossas, enquanto que nestes dois últimos contextos as faunas registadas se encontravam dispersas nos depósitos de ocupação. No Moinho de Valadares observa-se igualmente uma variedade de espécies, mantendo-se a caça como uma componente percentualmente importante. Os dados proporcionados pelo Monte do Tosco são os mais frágeis face ao tamanho da amostra. A pastorícia de ovicaprinos, porco e de bovídeos está atestada e a caça

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(veado, javali e lobo) parece menos importante, mas a valorização quantitativa destes dados é desaconselhável. Em ambos os contextos existem evidências de exploração de produtos secundários alimentares, estando presentes queijeiras (pouco numerosas). Face a esta informação relativamente à exploração de recursos animais, que apesar das suas limitações é de momento única para a região, os dados relativos à exploração de recursos vegetais são bem mais reduzidos. Em termos directos, apenas se registou a presença de bolota (Quercus sp.), possivelmente de azinheira, que é comestível (Cf. ponto 18). Não é claro, contudo, determinar se este recurso alimentar era destinado a humanos, a animais ou a ambos. Ainda no Moinho de Valadares registou-se a presença de um fragmento cerâmico (Fase 2)com impressões de sementes de cevada. Assim, para além destes dados, apenas poderemos socorrer-nos de vestígios indirectos, com as limitações e com os perigos que isso acarreta. Utilizadas normalmente como indicadores de produção agrícola, as mós não o são necessariamente. Na Beira Alta, em contextos do Neolítico Final no sítio do Ameal, do Calcolítico no sítio da Malhada ou do Bronze Final no sítio do Castro de São Romão, estes utensílios associam-se também à trituração de frutos de recolecção como a bolota, a qual, como vimos, foi igualmente registada no Moinho de Valadares. Por outro lado, as mós poderiam ter outras utilizações fora da cadeia de processamento de alimentos. Como foi sublinhado no ponto 12, poderiam ser utilizadas, por exemplo, na moagem de elementos não plásticos que seriam utilizados na produção cerâmica. Esta prática foi sugerida nos estudos arqueométricos e essa moagem seria, muito provavelmente, feita em utensílios em tudo semelhantes aos

das Carretas que parece ter registado algumas dezenas destes utensílios e zonas específicas de moagem (Silva e Soares, 2005), os elementos de moagem são sempre de dimensões relativamente reduzidas e em número escasso (Cf. ponto 12). Outros elementos tradicionalmente conectados com a produção cerealífera, como os elementos de foice com “brilho de cereal” estão totalmente ausentes nas indústrias de pedra talhada, quase que exclusivamente dominadas por uma macro-utensilagem sobre seixo. Esta situação é, por exemplo, altamente contrastante com as largas dezenas destes artefactos registados à superfície e em escavação no recinto dos Perdigões. A imagem global é a de que, com excepção de Julioa 4 / Luz 20 e talvez também do Porto das Carretas, a produção cerealífera não terá tido grande peso em contextos como o Moinho de Valadares, o Monte do Tosco ou Mercador. Mas se para os primeiros dois essa situação até se coaduna com os solos esqueléticos e de baixo potencial agrícola que caracterizam as suas áreas de implantação, para o Mercador a situação é diferente, já que também ele se implanta numa mancha de bom potencial agrícola. Contudo o número de elementos de moagem é extremamente reduzido neste contexto, que até foi o que teve maior área aberta. Esta estranheza, contudo, poderá ser matizada se mais uma vez pensarmos numa eventual articulação entre este contexto e o do Porto das Carretas. Uma situação de interdependência económica e de exploração de recursos poderá igualmente ser sugerida para o Moinho de Valadares e Julioa 4 / Luz 20, já que a implantação de ambos se faz sobre espaços complementares em termos de recursos (fluviais e eventualmente cinegéticos para o primeiro; agrícolas e pastoris para o segundo) e a simultaneidade de ocupações parece ser bastante provável.

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utilizados na moagem de produtos vegetais. No caso dos elementos de moagem mais pequenos, outras actividades de trituração podem se pensadas, como a de preparação de corantes, venenos para caça, etc. A presença de uma mó não significa necessariamente agricultura, nem a sua ausência reflecte ausência de produção agrícola, já que muitos produtos agrícolas não são processados através de moagem (como os hortícolas por exemplo). Deste modo, a utilização dos elementos de moagem como indicadores terá que ser feita com cautelas e a sua avaliação deverá fazer-se procurando a articulação entre os vários contextos. Este exercício revela-nos um grande contraste entre o registo de Julioa 4 / Luz 20 e os restantes contextos escavados no âmbito do Bloco 5 (Cf. ponto 12). Para além do número muito maior, os dormentes deste sítio revelam dimensões igualmente bastante maiores, intensos níveis de desgaste, por vezes em faces de utilização dupla. A actividade de moagem foi, de facto, bastante mais intensa ali do que nos outros povoados e esta observação ganha maior significado se pensarmos que os contextos de Julioa 4 / Luz 20 tiveram áreas de intervenção arqueológica bastante mais reduzidas do que os outros contextos. Uma correlação que poderá surgir de imediato é com a implantação do sítio, localizado precisamente na mancha de melhores solos de capacidade agrícola da região (Cf. ponto 2). Esta implantação, associada às intensas evidências de moagem e ao facto de podermos estar em presença do sítio de maior dimensão de todos os que temos vindo a tratar (como já se referiu), poderão ser argumentos de uma actividade agrícola cerealífera com alguma importância nos territórios envolventes de exploração imediata deste contexto. Para os restantes, com excepção do Porto

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Resumindo, em termos de subsistência, a imagem que poderemos propor com base nesta análise é a da existência de estratégias de complementaridade entre sítios que se implantam em espaços de potenciais recursos diversos, mas complementares, revelando uma ocupação e gestão do território de forma articulada. A caça e a pastorícia parecem ter tido um peso importante em todos os contextos, a recolecção e a exploração de recursos fluviais noutros e a agricultura ainda noutros. Não parece existir um padrão definido que se repita nos vários contextos. Ao nível das actividades artesanais relacionadas com a exploração de produtos secundários, a tecelagem está documentada em todos os contextos e nas suas várias fases, com excepção das reocupações tardias do Moinho de Valadares e Monte do Tosco. O Mercador é um dos sítios em que os designados pesos de tear assumem maior expressão. As diferenças entre as morfologias (placas) do Sector 1, integradas na Fase 1 de ocupação do sítio, estão bem estabelecidas relativamente à exclusividade dos crescentes grosseiros registados na Fase 2, nos contextos das duas cabanas ali identificadas. Assim, independentemente de diferenças tecnológicas, esta diferenciação tem também aqui uma tradução diacrónica. No vizinho Porto das Carretas, crescentes e placas convivem nas duas fases, mas as placas dominam na mais antiga. Esta actividade terá tido também importância ao longo das fases 1 e 2 de ocupação do Moinho de Valadares, mas em mais nenhum dos restantes contextos parece ter sido muito significativa, sendo a presença destas peças rara. Até que ponto esta situação poderá ser relacionada com a representatividade relativa das espécies observada no espectro faunístico do Mercador, onde os ovicaprinos são espécies

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com uma presença bastante moderada, é uma questão que fica em aberto. De qualquer forma, a situação do Mercador não pode ser livremente extrapolada para os restantes sítios, para os quais os dados faunísticos existentes são, como vimos, insuficientes para avaliar de forma consistente as estratégias de exploração das várias espécies domésticas e selvagens. A produção de utensilagem lítica polida apenas assume algum relevo no Moinho de Valadares e sobretudo na Julioa 4 / Luz 20, onde as evidências de produção são mais acentuadas. No Mercador e no Monte do Tosco estes artefactos são raros, estando totalmente ausentes nos Cerros Verdes 3. Nestes três últimos sítios também não existem evidências de produção local . A pedra talhada é dominantemente caracterizada por indústrias macrolíticas realizadas sobre seixo, organizadas em cadeias operativas de talhe relativamente expedito (Cf. ponto 10), situação comum no médio Guadiana, onde os seixos rolados de quartzito são uma matéria-prima largamente disponível em cascalheiras ou integrados nos depósitos argilosos terciários. Este é mesmo um dos grandes pontos de união dos vários contextos, de que apenas se diferencia ligeiramente o Monte do Tosco. Aí foram registadas os únicos produtos laminares em rochas siliciosas (3 exemplares) e o maior conjunto de pontas de seta (29, maioritariamente sobre xisto jaspóide). Contudo, também neste contexto a indústria macrolítica sobre seixo de quartzito é dominante. Assim, o recursos a outras rochas disponíveis localmente, como o xisto e o quartzo (em filão) ocorre, mas é secundário, sendo os elementos em rochas exógenas (como o sílex ou o chert) extremamente raros. Esta forte vinculação aos recursos localmente disponíveis pode igualmente ser ob-

do Moinho de Valadares, datada do segundo quartel do 2º milénio AC surgem já artefactos em bronze, mas não se registaram evidências de metalurgia directamente associáveis a estes materiais. As questões da emergência e do papel da metalurgia do cobre nesta área da margem esquerda do Guadiana já foram discutidas no ponto 13. 1. Ficam aqui as principais linhas de força: R A metalurgia surge nesta área num momento já desenvolvido do processo de calcolitização, aparentemente como actividade com pouca expressão, realizada em áreas residenciais e generalizada aos vários contextos intervencionados. R Os artefactos relacionáveis com esta primeira metalurgia são pequenos objectos funcionais. R A disponibilidade de matéria-prima não existe nas áreas de implantação dos sítios, mas está próxima, na margem direita do Guadiana na Herdade do Xerez, ou 20/25 km a sul do Alcarrache na bacia do rio Ardila, podendo ser obtida directamente ou por intercâmbio. R Não há indicadores de especialização de qualquer destes sítios relativamente à actividade mineira ou à própria produção metalúrgica, que por sua vez parece corresponder a um saber tecnológico generalizado na área, ainda que utilizado de forma aparentemente pouco intensa e, numa primeira fase, para a produção de artefactos para funcionalidades artesanais. Estas evidências não permitem pensar estes materiais e esta tecnologia como recursos de acesso restrito ou desigual, a não ser numa fase já mais tardia do 3º milénio.

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servada na produção cerâmica. Nos estudo arqueométricos realizados para as cerâmicas das sequências cronológicas de ocupação do Moinho de Valadares e Monte do Tosco, observou-se um claro predomínio das produções recorrendo às matérias-primas localmente disponíveis (Cf. ponto 8.2), sobretudo a materiais de alteração dos xistos, dioritos e gabros, sempre com adição de têmpera. Relativamente às cerâmicas dos contextos tardios de reocupação destes dois sítios, já na Idade do Bronze, nota-se uma composição química mais homogénea. Os resultados sugerem em ambos os contextos uma mudança na exploração de matérias-primas (que continuam, contudo, a estar predominantemente disponíveis localmente) e de alguns procedimentos tecnológicos entre estas produções e as das ocupações anteriores. Os dadas tecnológicos são, aqui, mais um factor a juntar aos anteriormente referidos e que destinguem estes contextos tardios, reforçando a convicção, no caso concreto do Monte do Tosco, de que o ambiente da Cabana 1 com campaniforme inciso se integrará já na Idade do Bronze. Ainda em termos artesanais, a metalurgia do cobre está presente em vários contextos, mas nunca nos momentos mais antigos da ocupação representados pelas Fases 1 de Porto das Carretas, Moinho de Valadares e Mercador (a que poderíamos eventualmente juntar a Julioa 4 / Luz 20). No moinho de Valadares ocorre em contextos datáveis a partir do segundo quartel do 3º milénio e no Porto das Carretas e Mercador em contextos da segunda metade do mesmo milénio. No Monte do Tosco está presente na primeira fase, atribuída a meados do 3º milénio e na ocupação tardia (Fase 2), onde aparece no ambiente da cabana 1 com uma expressão ligeiramente superior relativamente à fase anterior. Na reutilização tardia

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R Nos contextos mais tardios parece confirmar-se a ideia de um ligeiro aumento da representatividade dos metais e uma maior diversificação tipológica, com aparecimento de armas, podendo aí admitir-se que metais e metalurgia poderiam assumir um papel social mais relevante. A metalurgia do cobre parece, assim, surgir na região como uma tecnologia que se reúne de forma progressiva a uma dinâmica social em curso durante a primeira metade do 3º milénio AC, estando generalizada na 2ª metade do milénio. Olhando de forma articulada para as duas margens deste troço do Guadiana, verifica-se que a disponibilidade local /regional de matéria-prima existe, mas que claramente não influencia o padrão de implantação dos povoados em questão, que na maioria dos casos se terá estabelecido previamente à integração desta tecnologia. O peso económico que esta nova tecnologia poderá ter tido durante grande parte do 3º milénio parece assim não ter sido muito relevante, quer enquanto mais valia tecnológica (a utensilagem essencial para a grande maioria das actividades continua a ser a tradicional), quer enquanto actividade produtiva, já que a expressão desta é bastante reduzida. A situação poderá alterar-se a partir dos 3º/4º quartéis do 3º milénio, sobretudo mais no quadro de uma valorização simbólica dos artefactos metálicos do que na sua valorização tecnológica. Finalmente, no que respeita ao intercâmbio, deveremos considerar duas escalas: a local/ regional e a transregional. No que respeita à primeira, já anteriormente foi exposta a ideia de que existiria uma significativa articulação entre vários sítios no contexto da ocupação e exploração deste território da margem esquerda. Mas indo mais além da simples vertente de complementaridade económica, facilmente se

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perceberá (ainda que não seja demonstrável) que o intercâmbio à escala local entre estas comunidades seria central para a sua estruturação e para o desenvolvimento das suas identidades de grupo, seja como forma de combater os problemas da endogamia, como para o desenvolvimento das consciências de si, já que toda a identidade humana é social, isto é, desenvolve-se em contextos relacionais e define-se tanto pelo que se é como pelo que não se é, num permanente confronto e diálogo com o outro. Conflituoso ou pacífico, traduzindo maiores ou menores níveis de dependências, o intercâmbio entre estas comunidades era um factor central da sua organização social interna. Pensá-las de forma isolada será absurdo. Quanto à segunda situação, a de intercâmbio a escalas transregionais, algumas afirmações em textos preliminares publicados sobre estes sítios podem servir simultaneamente de introdução e conclusão a esta questão. “De um modo geral, contudo, as matérias-primas e artefactos registados no Moinho de Valadares parecem evidenciar, para a sua ocupação plena, níveis de interacção transregionais relativamente baixos...” (Valera, 2000a: 35) “Efectivamente, mesmo tendo em conta que a interacção se manifesta de múltiplas formas, muitas das quais nem sempre cristalizadas no registo arqueológico (o que dificulta o seu reconhecimento e avaliação), poderemos considerar a quase total ausência [no Monte do Tosco] de elementos de eventual ou indiscutível proveniência alógena à região como um indicador de baixos níveis de interacção transregional.” (Valera, 2000c: 47) “O quadro observado [para o Mercador] (...) completa-se com uma imagem de frouxa interacção a nível transregional, situação que já havia sido

“Faltam materiais exógenos, o que completa a imagem de auto-suficiência e de fraca interacção supra-regional do Porto das Carretas.” (Silva e Soares, 2002: 180). Efectivamente, mesmo tendo em conta que a interacção se manifesta de múltiplas formas, muitas das quais, como se dizia em cima, nem sempre se materializam no registo arqueológico, poderemos considerar a quase total ausência de elementos ou matérias-primas de eventual ou indiscutível proveniência exterior a este espaço local ou região envolvente como um indicador de baixos níveis de intercâmbio transregional. Apenas alguns elementos presentes na cultura material são regionalmente exógenos. No Mercador é o caso das conchas de Pecten maximus e de Cerastoderma edule (Cf. pontos 14 e 17) registadas na Fase 2 de ocupação, as quais têm uma origem costeira. A conta de variscite ou malaquite do Moinho de Valadares e os raros utensílios líticos em rochas siliciosas poderiam ter igualmente uma origem mais distante. Todas as restantes matérias-primas estão disponíveis localmente ou a escassas dezenas de quilómetros. Estilisticamente, a situação não é muito diferente. Em todas as categorias artefactuais as morfologias e no casos das cerâmicas as escassas decorações, estão perfeitamente integradas em padrões recorrentes no médio Guadiana. Já foi atrás discutida (Cf. ponto 8) a presença de cerâmica penteada no Mercador, no Monte do Tosco, ou no Porto das Carretas, a qual poderá ser considerada com uma presença estilística exógena que ocorre, sempre em escassa quantidade, em vários contextos desta

região. E, depois, o campaniforme, questão que será discutida mais à frente, no ponto 22.3.1. Aqui, a estilística é claramente uma aportação de fora, mas as produções, de acordo com os estudo arqueométricos, são locais/regionais. Existem contudo alguns outleirs, que poderão sugerir a circulação à distância de recipientes, que poderiam eventualmente funcionar como protótipos. Mas essa distância pode não ser assim tão significativa. De facto, como se argumentará mais à frente, o contacto que estes pequenos sítios manteriam com o exterior distante processar-se-ia, muito provavelmente, de forma indirecta, através da sua integração na estrutura de um sistema regional de povoamento, e não tanto de através de formas individualizadas e directas. As Pecten estão presentes com alguma abundância, por exemplo, no Porto Torrão, a meio caminho entre o território dos Perdigões e a costa. Nos Perdigões existem igualmente várias. Nos pequenos povoados periféricos, como o Monte Novo dos Albardeiros ou o Mercador registaram-se alguns, poucos, exemplares. Mais do que pensar num contacto directo entre estes pequenos povoados e os focos de origem deste tipo de materialidades, será mais plausível, no contexto de redes de povoamento agregado e com “centros organizadores”, que estes artefactos lhes cheguem através desses centros, onde as evidências exógenas são incomparavelmente mais abundantes e variadas. O mesmo poderá ser dito relativamente às estilísticas e outros elementos que remetem para quadros de sentido e padronizações transregionais, como será o caso do campaniforme. O contacto que estes pequenos sítios mantêm com o exterior distante seria, assim, mediado por um centro e a sua expressão seria dependente do posicionamento geográfico e social que manteriam dentro da rede de povoamento a que pertenciam.

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observada para dois outros povoados intervencionados na margem esquerda: Moinho de Valadares e Monte do Tosco” (Valera: 2001: 55)

22.2. Que modelo para o povoamento do 3º milénio AC na margem esquerda?

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Na altura de abordar as questões da organização do povoamento na área de estudo não será demais relembrar as limitações de que o trabalho realizado enferma no que respeita ao tratamento destas problemáticas. As questões do povoamento, como adiante se defenderá, correspondem a problemas relativos à organização humana num determinado âmbito espacial e temporal, organização essa que, de uma maneira ou de outra, é sempre estruturada em rede. Significa isto que a compreensão de cada um dos contextos não se opera só com base nas suas características internas, mas também pelas relações que estabelece com os outros contextos e nos lugares que vai ocupando (que não são necessariamente fixos) nessa teia de inter-relações. Por outras palavras, os sítios são grupos de pessoas: as suas identidades e as suas dinâmicas de vida estabelecem-se na interacção com os outros e estas interacções podem ser múltiplas e muito diversificadas. Uma rede de povoamento é, por definição, relacional. Daí que uma abordagem consistente obrigue a um conhecimento relativamente aprofundado e equilibrado do território que se considera e da diversidade de contextos que este alberga. Ora como já foi salientado (Cf. ponto 1), à partida para este trabalho colocava-se o problema da distorção da amostra, já que as áreas prospectadas e os sítios a intervencionar foram definidos em função das áreas a afectar pelo regolfo de Alqueva e mais tarde pelo emparcelamento da Nova Aldeia da Luz. Significa isto que vários sítios identificados não foram intervencionados porque não iriam ser directamente afectados e que o conhecimento que se foi construindo sobre as realidades arqueológicas é espacialmente muiA DINÂMICA SOCIAL

to desequilibrado. No que diz respeito à margem esquerda portuguesa do Guadiana a norte do Alcarrache, todo o território mais afastado do rio é ainda muito mal conhecido, situação agravada pela ausência de investigação nesta área no passado. Esta é uma condicionante que terá que ser tida sempre em conta no discurso que se segue. O que não é propriamente uma novidade, já que todo o conhecimento está fortemente vinculado ao momento da sua produção e às condições que o caracterizam.

22.2.1. Hierarquização ou autarcia: a problemática dos fenómenos de agregação Na análise dos sistemas de povoamento calcolítico, como em qualquer outra questão, é necessário pensar a relação entre a escala de análise e o assunto. A necessidade da adequação da escala de análise ao problema que se procura tratar é central para a validade dos modelos explicativos e interpretativos que estruturam o conhecimento produzido. Todos os fenómenos têm uma dimensão temporal e espacial próprias. Têm, pois, as suas escalas específicas, tanto no que respeita ao espaço que abrangem como à diacronia que percorrem. A inadequação da escala de análise relativamente a essas escalas próprias dos fenómenos não só lhes introduz alterações quantitativas, como os deforma, dificultando ou inviabilizando a sua análise. No que respeita ao Sul do país o primeiro modelo explicativo do processo de calcolitização desenvolvido pela arqueologia moderna foi proposto por Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares na década de setenta. Desde então, estes autores defenderam a escala localista para a organização das comunidades do 4º e 3º milénios

Hoje, contudo, este modelo dificilmente pode ser sustentado no Sudoeste. Mesmo sem tomar em consideração as problemáticas que decorrem do próprio enquadramento teórico de base, a torrente de informação de carácter empírico produziu um conjunto muito significativo de dados que contrariam o modelo proposto. Este avolumar de dados de natureza mais empírica (o que não lhe retira, naturalmente, a sua vinculação teórica) tem vindo a evidenciar a desadequação da escala localista na organização das comunidades calcolíticas do Sudoeste. De facto, coube a Tavares da Silva e Joaquina Soares grande parte do trabalho de desbravar as problemáticas da calcolitização no Sul de Portugal a partir da década de setenta, até à qual pouco se sabia relativamente aos contextos residenciais este período no sul do país. Todavia, esse meritório trabalho trazia consigo as suas dificuldades, entre as quais poderemos considerar o problema do “carácter pontual” dos sítios conhecidos e trabalhados. Na realidade, o modelo proposto foi sendo construído a partir de sítios isolados, frequentemente distantes entre si, extraídos ao seu contexto envolvente. No texto que poderemos considerar “fundador” do modelo (Silva e Soares, 197677), este é construído a partir de cinco contextos: Cabeço da Mina (Alvito); Vale Pincel 2 e Monte Nove (Sines); Cortadouro (Ourique) e Alcalar (Portimão). Com excepção do segundo e terceiro, com localização próxima entre si, as distâncias entre estes sítios são relativamente grandes, sempre entre os 50 e os 90 km em linha recta no mapa. Deste modo, não foram consideradas (porque desconhecidas) as redes de povoamento locais, das quais só hoje começamos a vislumbrar a real densidade e diversidade, situação que potenciou essa perspectiva de fragmentação e o binómio um território/um povoado (normalmente fortificado). O mode-

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AC no Sudoeste, englobando nesse modelo a região das penínsulas de Lisboa e Setúbal. Na sua proposta, teoricamente enquadrada pelo materialismo histórico, considera-se que a emergência destas sociedades resulta de um desenvolvimento das forças produtivas a partir de uma intensificação da produção sustentada pela Revolução dos Produtos Secundários, o qual se encontra articulado com uma organização política de carácter fragmentário. Esta gera aquilo que os autores designam por comunidades autónomas basicamente igualitárias, as quais se organizam numa escala local. Este localismo corresponde a um reforço das relações baseadas na residência sedentária e na contracção do território daí decorrente, gerando uma situação de significativa autarcia, segundo o modelo de um povoado/uma fortificação/um território/ uma comunidade. Essa autarcia manifestar-se-ia num “clima de guerra total” que, traduzindo uma resistência a uma tendência centralizadora vislumbrada no final do Neolítico, justificaria a generalizada fortificação dos povoados. A guerra exportaria para a plano das relações intergrupos o conflito, garantindo a unidade interna da comunidade. Todavia, no desenvolvimento do sistema (Modo de Produção na preferência dos autores) esta escala localista constituir-se-ia como contradição, bloqueando o desenvolvimento económico e a diferenciação social emergente (sobretudo associada à metalurgia do cobre). Este bloqueio conduziria à crise do sistema, que, como síntese dialéctica, a superaria através de uma nova organização, consubstanciada num movimento de integração que superaria os problemas colocados pelo localismo fragmentário. À fragmentação calcolítica substituir-se-ia, com a Idade do Bronze, uma situação de agregação e hierarquização do povoamento, que conduziria às centralizações políticas proto-estatais.

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lo foi construído tomando-se o povoado como escala de análise e procedendo-se, por generalização, a uma homogeneização de situações à escala do Sudoeste. Este esquema generalizador deu origem ao modelo clássico uniformizador de implantação dos povoados calcolíticos, sempre em sítios que revelavam preocupações de controlo visual dos territórios e condições de defensibilidade. Todavia, apesar do reassumir do modelo em sucessivos textos (Silva e Soares, 1987; Silva, 1990; Soares e Silva, 1992; Silva, Raposo e Silva, 1993), há algum tempo que se vislumbram situações que dificilmente se enquadram neste esquema2. As dimensões propostas para o Porto Torrão no início da década de 80 do século passado (entre 75 a 100 ha - Arnaud, 1982), a progressiva divulgação do povoado da Pijotilla e povoamento associado na Terra de Barros no médio Guadiana (Hurtado, 1986; 1995b), a extensão e organização espacial de Valencina já no baixo Guadalquivir, iam sugerindo situações de agregação de redes de povoamento, as quais eram igualmente vislumbradas num povoamento diversificado que se começava a reconhecer noutras áreas do Alentejo. Seria, contudo, durante a última década que se iniciaria uma verdadeira revolução empírica, em curso, a qual tem vindo a proporcionar uma significativa quantidade de dados, os quais, associados a uma diversificação dos pressupostos teóricos de abordagem, evidenciam a inadequação do modelo proposto. Poderíamos enunciar alguns dos dados mais significativos: a descoberta de dois grandes recintos de fossos (e num caso muralhas) com necrópoles associa-

das no médio Guadiana, casos dos Perdigões em Reguengos de Monsaraz (Lago et al., 1998; Valera et al., 2000; Valera et al., no prelo) e o de San Blás em Cheles (Hurtado, 2002, 2003 e 2004); a evidência da existência de grandes recintos de fossos em Alcalar (Morán e Parreira, 2003) e a monumentalidade dos sepulcros de falsa cúpula que lhes são periféricos; as recentes notícias sobre a real (?) dimensão de Valencina de la Concepción (com cerca de 250 ha para o povoado e ainda com mais 150 ha para a necrópole) que o transformam no maior complexo peninsular do 3º milénio AC; a demonstração de que muitos destes sítios, com estruturas de grande investimento, recuam pelo menos ao Neolítico, como revelaram as recentes escavações no Porto Torrão (Valera e Filipe, 2004) ou Juromenha 1; o progressivo aumento da densidade das redes de povoamento, com povoados coevos muito próximos, sendo uns abertos e outros cercados e apresentado uma grande variabilidade de implantações, como se tem vindo a registar em várias regiões, entre as quais a própria margem esquerda do Guadiana objecto deste estudo. Actualmente, o que se vai aos poucos configurando para o Sudoeste Peninsular são situações que poderíamos designar por “territórios de extensão média”, estruturando redes de povoamento agregado e hierarquizado. Assim, em paralelo ao modelo autárquico, na última década e meia foram sendo desenvolvidos modelos de integração que se fazem suportar em diferentes enquadramentos teóricos (funcionalistas, materialistas e mesmo pós-processualistas), os quais defendem formas mais ou menos distin-

2TXHGLJDVHMiIRLUHFRQKHFLGRSRU-RDTXLQD6RDUHVFRQVLGHUDQGRTXH´HYLGrQFLDVUHVLVWHQWHVµDRPRGHORWrPYLQGRD repetir-se no Sudoeste, considerando a existência de relações estruturadas em redes regionais de reciprocidade simétrica para esta região (Soares, 2003).

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um vasto território e dos excedentes que proporciona, num quadro onde se nota a inspiração no tradicional modelo millarense de um território dominado por um extenso povoado fortificado e protegido por uma periferia de pequenos fortins (e que recentes datações vieram enfraquecer (Molina et al., 2004; Díaz-del-Río, 2004). Aqui, basicamente, a ideia de que a guerra exportaria para a plano das relações intergrupos o conflito, garantindo a unidade interna da comunidade, defendida por Tavares da Silva e Joaquina Soares para a pequena escala, é transposta para a escala de uma região constituída como território mais vasto estruturado por um povoamento em rede, interdependente e hierarquizado, que se protege “de otras comunidades situadas al exterior, en terrenos más pobres, y de aquellos grupos de paso por la ruta que en sentido norte-sur conecta el valle del Guadalquivir con las cuencas medias de los ríos Guadiana e Tajo.” (Hurtado, 1999: 67). Da relação mais ou menos competitiva entre povoados vizinhos autárquicos, passamos à relação entre territórios hierarquizados independentes vizinhos. Do povoado fortificado passamos para o território fortificado. Trata-se de um modelo redistributivo que Gilman (1999) voltou a promover recentemente, mas com uma tónica menos solidária, numa revisão pessoal de duas décadas de pré-história funcionalista no Sudeste peninsular. Com base na ideia de que a desigualdade é uma condição da intensificação produtiva e de que a sua gestão não é compatível com sistemas sociais que se baseiam no parentesco (considerados inadequados às exigências deste modo produtor), a Chefatura Redestributiva, que implica dependência e gestão à escala regional (seguindo a linha de Chapman, 1990), é apresentada como a resposta mais ajustada. Situações de povoamento agregado e hierarquizado tem também vindo a ser admitida

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tas de agregação do povoamento. Para a região de Badajoz (Hurtado, 1995b; 1999; García e Hurtado, 1997; Hurtado, 2003) tem sido apresentado um modelo de hierarquização desenvolvido no contexto de um processo de territorialização específico. Aí, o grande recinto da Pijotilla seria o centro de um território, o qual funcionaria como espaço coeso de comunidades solidárias, com relações sociais baseadas na cooperação e redistribuição. Tratar-se-ia de um território hierarquizado de base comunitária, onde o centro assumiria a função redistribuidora e de referência religiosa e simbólica, a qual desempenharia um papel activo e preponderante enquanto suporte ideológico e mecanismo regulador e estabilizador desse território e ordem social que nele se edificou. A origem deste processo não é pensada de forma significativamente distinta do modelo autárquico. A tónica também é colocada, à luz do mecanicismo que impregna o materialismo histórico, no motor que é a intensificação produtiva associada a um desenvolvimento tecnológico, geradores da economia produtiva excedentária e do consequente crescimento demográfico. Este último origina pressões que desencadeiam processos de fissionamento a partir de focos de origem, responsáveis pela multiplicação de pequenos povoados. A diferença parece situar-se no resultado do processo, que para o modelo autárquico se caracteriza por uma tendência para a atomização dos territórios e dos povoados numa situação de competição e conflito, enquanto que para o modelo de hierarquização de base comunitária o processo origina um território com povoamento agregado e hierarquizado, sustentado por uma matriz social parental e solidária. Os sítios fortificados que bordejam a bacia do Guadiana na zona das Terras de Barros são interpretados como resultado de uma estratégia integrada e coordenada a partir do centro de protecção de

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para o Sul de Portugal (Gonçalves e Sousa, 1997; Calado 2001; Valera, 2003; Morán e Parreira, 2003; Valera e Filipe, 2004). Por outras palavras, o Calcolítico do Sudoeste começou a tornar-se paralelizável com os processos coevos que o discurso arqueológico construiu para o Sudeste, revelando condições de agregação e hierarquização que se articulam em escalas espaciais supra locais. Esta evolução dos discursos e os dados proporcionados por “mega sítios” como Los Marroquiés ( Jaén), pela sua dimensão e monumentalidade verdadeiramente surpreendentes, incentivaram a ir mais além na integração e a desenvolver modelos onde se assume uma “reunião” do Sul Peninsular numa relação hierarquizada de centro/periferia com centro no Alto Guadalquivir, embora considerando processos de periferização e níveis de dependência diversificados (Nocete, 2001). Francisco Nocete parte de dois modelos, considerados como complementares e integráveis, que dão conta da evolução do sistemas a duas escalas diferentes: o de Peer Polity Interaction (Renfrew, 1986), considerado adequado para uma análise de escala local/regional, e o Sistema Mundial (Wallersteine, 1993), adequado para a escala interregional e transregional alargada. Procurando ultrapassar as críticas feitas à aplicação do modelo a sociedades pré capitalistas, e concretamente pré-históricas (ver, por exemplo Renfrew, 1986), sublinha a pluralidade dos modelos de Sistemas Mundiais, onde estando ausentes os mecanismos característicos das economias de mercado, estão presentes escalas de dependência que estruturam as relações interpessoais e intercomunitárias. Assim, sustenta a aplicabilidade do modelo na emergência de “classes sociais” e dos mecanismos de poder que lhes estão associados como configuração de um modo específico de desigualdade que caracteriza as relações sociais de dependência. Esta

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“sociedade classista inicial” (e o controlo directo ou indirecto das forças de trabalho que implica) só se reproduz através da articulação das relações de desigualdade no espaço, implicando uma expansão territorial que, de forma pristina, se estende aos territórios periféricos, processo só captável em “unidades de avaliação empírica” de larga escala. As relações inter-sociais de centro / periferia, condição de reprodução das classes sociais, são, assim, apresentadas como um modelo aplicável à escala de todo o Sul Peninsular, sendo-lhes reconhecida validade para perceber e explicar as dinâmicas sociais responsáveis pelos vestígios arqueológicos. Com base neste modelo, Nocete questiona a tradicional diferenciação entre o Calcolítico do Sudeste e o do Sudoeste, considerando que os processos que operam no Alto Guadalquivir são equivalentes aos que ocorrem a ocidente e que grandes centros (como Valencina, Porto Torrão ou Pijotilla) revelam uma capacidade de concentração e centralização da circulação de produtos críticos, frequentemente produzidos por sítios especializados dependentes (como os “povoados mineiros”), e cujo controlo e distribuição selectiva asseguram as dependências e a reprodução das desigualdades. O processo é apresentado de forma pristina, expandindo-se a partir do Alto Guadalquivir para ocidente e oriente através de processos de periferização, com níveis diversificados de dependência que apenas se tornam perceptíveis quando analisados à escala adequada. A força motora seria o carácter extensivo e expansivo do modelo agrário inicial. Sublinhando o papel da intensificação produtiva e do crescimento demográfico essencialmente com respostas sociais, coloca a tónica dinamizadora no controlo da força de trabalho, cujo crescimento e domínio são considerados como a única forma de manter um crescimento dos excedentes nas sociedades de

escalonamento em tamanho dos povoados, as diferenças de monumentalidade e investimento arquitectónico, a densidade de estruturas que apresentam, a implantação que apresentam e as quantidades e variedades de determinadas categorias artefactuais. Estas diferenças e contrastes são assumidos como traduzindo uma situação de estratificação social, para alguns de natureza classista, tendo os grandes sítios o papel de centros de organização económica e política, cuja dinâmica é sustentada pela intensificação da produção agrícola. As grandes estruturas monumentais, que implicaram a capacidade de mobilização de grandes quantidades de mão de obra e de recursos para as manter, são vistas com indicadores dessas assimetrias sociais, sendo simultaneamente consequência delas e mecanismos de ostentação e de poder que ajudam na sua reprodução. Ainda dentro dos mesmos enquadramentos teóricos, outras propostas têm abordado a questão da agregação chamando a atenção para condições superestruturais como a organização de facções de natureza eminentemente política e a sua capacidade de mobilização de mão de obra (Díaz-del-Río, 2004), consideradas questões centrais para a explicação da agregação no contexto de sociedades segmentárias com baixa capacidade de intensificação produtiva. A capacidade para manter o poder e a coesão estaria assente na existência de facções e dos jogos políticos que lhe estão inerentes, os quais, na ausência de fortes mecanismos coercivos, são considerados como pré-condições para essa concentração de poder, ao mesmo tempo que, com o seu desenvolvimento, transportam potenciais situações de conflito de interesses entre grupos concorrentes, ou seja, as condições para a sua própria desagregação. Contudo, nos últimos anos o próprio funcionalismo tem feito alguma reflexão sobre a

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baixo desenvolvimento tecnológico. Mas, ao contrário de Morán e Parreira (2003), que a propósito de Alcalar falam em classe dominante não produtora que detém a propriedade da força de trabalho e da produção excedentária geridas através da coerção, Nocete parece seguir na linha de Godelier, que afirma que “Se atendermos por infraestrutura económica o conjunto das forças produtivas e as relações sociais dos homens entre si e com a natureza que dependem do nível atingido pelas forças produtivas e programam e controlam o processo social de produção das condições materiais da existência, não existe qualquer razão teórica séria para julgar antecipadamente da natureza das relações sociais que assegurem neste ou naquela tipo de sociedade este programa e este controlo, que assumam a função de relações de produção.” (Godelier, 1973: 111-112). Assume, pois, que o controlo das forças produtivas pode ser indirecto, ou seja, que poderá derivar de uma assimetria no controlo dos mecanismos de reprodução social, os quais podem ser simbólicos: um poder baseado nos antepassados, no sobrenatural e não na posse directa dos meios de produção. É também neste sentido, e em defesa da validade do modelo marxista, que Joaquina Soares fala de uma “eufemização do poder simbólico”, que corresponderia a um processo de transferência de capital em capital simbólico, o que conferiria à esfera do simbólico e do religioso uma ilusória autonomia com capacidade mobilizadora sem recurso ao exercício de coação (Soares, 2003). Por outras palavras, trata-se de uma variante da velha máxima de Rousseau: “le plus fort n’est jamais assez fort pour être toujours le maitre, s’il ne transforme sa force en droit et l’obéissance en devoir.” No âmbito destas teorias “integracionistas”, assentes em modelos de cariz mais ou menos redistributivo de gestão ou em modelos de exploração de base classista, o elemento diagnóstico dominante tem sido, e continua a ser, o

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validade de alguns dos pressupostos dos seus modelos: “Los datos que tenemos, aunque sean desiguales e incompletos, nos permiten ver que algunos elementos claves de estos argumentos – las jerarquías de asentamiento, la especializacíon artesanal a tiempo completo en la metalurgia, las clases sociales hereditarias – carecen de confirmacíon adecuada, mientras que outros – la existencia de un cierto grado de intensificación en la agricultura –siguen en pie” (Gilman, 1999: 91). Esta afirmação surge num momento (1999) particularmente curioso da investigação da Pré-História Recente do Sul Peninsular. No preciso momento em que o funcionalismo, por António Gilman, faz um mea culpa relativamente àquilo que Norman Yoffe designou por inflação da complexidade, vão-se multiplicando e acumulando dados evidenciando uma significativa complexidade, não só no Sul da Península (como nos grandes recintos de Marroquiés, Valencina, Pijotilla, San Blás, Perdigões, Porto Torrão ou Alcalar), mas também nas áreas mais setentrionais, com, por exemplo, o aparecimento de mais de uma centena de recintos de fossos (tendencialmente circulares) associados a “campos de silos” na bacia mesetenha do Douro (Delibes de Castro, 2005), ou com o aparecimento e escavação de pequenos recintos no Centro/Norte de Portugal cuja funcionalidade doméstica têm sido questionada ( Jorge, 1994 e 2003b; Valera, 2000b), para não falar do recuo cronológico até ao Neolítico Antigo que alguns contextos deste tipo podem ter no Oriente Peninsular (Barnabeu Aubán e Orozco Kohler, 2003). De facto, todo o texto de Gilman está direccionado para a matização dos níveis de complexidade atribuídos às sociedade calcolíticas e da Idade do Bronze do Sul (e em particular Sudeste) Peninsular, sustentando que não há evidências de uma forte hierarquização social baseada em dependên-

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cias irreversíveis e controladas por poderes consolidados e intitucionalizados em direitos e deveres. Esta perplexidade, contudo, resultará sobretudo de uma discutível (e discutida) associação do conceito de complexidade social a esquemas de evolucionismo social lineares, do simples para o complexo, do menos para o mais, ou seja, de uma certa percepção quantitativa da mudança e da diversidade e de rígidas projecções de modelos teóricos de abordagem ao fenómeno social desenvolvidos para realidades mais próximas de nós. De facto os enquadramentos proporcionados pelo funcionalismo, mas sobretudo pelo materialismo histórico têm, à imagem de regimes de partido único, exercido uma hegemonia teórica demasiado asfixiante na pré-história do Sul Peninsular. Ultimamente, contudo, e a partir de posicionamentos que poderíamos agregar no diversificado condomínio teórico que é o Pós-Processualismo, têm aparecido propostas alternativas para a interpretação do registo arqueológico, as quais pressupõem não só diferenças ao nível das dos modelos e teorias de médio e longo alcance, como profundas divergências de natureza epistemológica. Sem nunca terem desenvolvido as suas implicações epistémicas, estas propostas partem de uma crítica às dicotomias entre simbólico e funcional, entre contextos rituais ou sagrados e domésticos, ao conceito de “povoado” acusado de materializar linguisticamente essas dicotomias e de se constituir como uma prisão interpretativa, à homologia entre semelhanças formais e semelhanças de processos ( Jorge, 1994; Márquez Romero, 2003). Afastam-se dos determinismos, mecanicismos e evolucionismos lineraes, mais ou menos matizados, das abordagens materialistas e funcionalistas, valorizando as aproximações hermenêuticas ao significado, através de abordagens simultaneamente holísticas (no sentido

quotidianas das comunidades que os frequentariam. Os recintos participariam activamente na construção de paisagens e território e na edificação do mundo mental destas comunidades, das suas visões do mundo, interrelacionando-se de forma recursiva com toda a panóplia de contextos de vivência dessas comunidades. No mesmo sentido, mas noutra área regional, têm seguido o percurso interpretativo percorrido por Susana O. Jorge para o sítio de Castelo Velho no Norte de Portugal ( Jorge, 1994; 1998; 2003a). Estes discursos interpretativos partem da ideia de que estamos perante sociedades em que o quotidiano, ao contrário das sociedades modernas, está ainda fortemente sacralizado, onde a organização espacial e a sua materialização arquitectónica seguem, por isso, uma “lógica de correspondências entre o local e o global” ( Jorge, et. al, no prelo). De acordo com estas orientações, os grande recintos constituir-se-iam como representações (e ao mesmo tempo geradores) dos macro cosmos destas comunidades. A organização do povoamento mantém uma matriz gregária. Os seus mecanismos de agregação nada têm a ver, contudo, com os dos modelos de centro/periferia, embora em determinados aspectos se possam aproximar, e até compatibilizar, com os modelos de redistribuição. Estas novas propostas, contudo, debatem-se ainda com problemas terminológicos, resultado de um sentimento de inadequação ou insuficiência de algumas designações e conceitos tradicionais, naturalmente desenvolvidos por e adaptados aos modelos que têm dominado as abordagens à Arqueologia destas comunidades. Conceitos que terão caído num espaço em que começam a revelar dificuldades e em que se procuram substitutos, ainda não totalmente formalizados, por vezes não facilmente en-

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da rejeição de compartimentações e hierarquizações das várias dimensões da vivência humana) e fenomenológicas (no sentido da valorização das singularidades de cada contexto e da componente subjectiva na construção do conhecimento como discurso contingente vivido). A propósito dos recintos de fossos, Márquez Romero (2003; no prelo) vem considerando que as evidências arqueográficas neles presentes não suportam a leitura tradicional destes contextos como povoados, falando de um forçar da realidade empírica para a adequar aos seus modelos pré-estabelecidos. Simultaneamente, salienta a necessidade de perspectivar estes contextos como parte integrante de um fenómeno de dimensão europeia e reclamando uma maior abertura interpretativa. Nesse sentido, avança para interpretações alternativas à de “povoado”, assumindo estes recintos como o resultado de estratégias de construção e organização do espaço e de gestão das identidades, onde poderiam desempenhar papeis sociais de agregação e coesão de populações dispersas num dado território. Citando Scarre, considera que estes contextos poderão ser muito diversificados e funcionar de formas distintas, sendo para isso mais prudente falar de uma ideia de clausura, desenvolvida de formas diferentes por cada comunidade para responder às suas “necessidades” sociais concretas. A ideia de que representam os mesmos processos e uma mesma realidade social é fortemente criticada. Rejeita igualmente que esta perspectiva alternativa se transforme numa simples inversão interpretativa e que os grandes recintos de fossos passem a ser vistos como locais simplesmente sagrados e religiosos e assim perpetuar a dicotomia sagrado/profano, sublinhando que as práticas sociais que decorreriam nestes recintos se inscreveriam nas práticas sociais

quadráveis nos esquemas mentais dominantes. Neste contexto, escrevi recentemente a propósito dos Perdigões: “Dificilmente poderemos pensar e tratar um sítio como Perdigões da mesma forma que os povoados que pontuam o vale e a margem esquerda imediata do Guadiana. E dificilmente lhe poderemos chamar a mesma coisa. O quê então? Recinto é inócuo. O termo serve para nos descomprometer relativamente à designação de povoado e à conotação essencialmente residencial a que a mesma tem estado ligada. Mas não é particularmente significante, na medida em que não veicula sentidos interpretativos e acaba por novamente homogeneizar realidades que podem ser bem diversas: poderão os recintos como o de Santa Vitória (Campo Maior) ou Porto das Carretas ser enquadráveis na mesma categoria dos recintos dos Perdigões, Pijotilla, San Blás, Porto Torrão, Alcalar ou Valencina?. A situação que a investigação da calcolitização peninsular vive de momento é a de um desconforto relativamente a terminologias que se vão mostrando insuficientes e, por vezes, desadequadas, face à “revolução empírica” em curso e à pluralidade teórica que vai sendo imprimida a essa mesma investigação. Um desconforto acompanhado pela dificuldade em propor novas designações, que mais não espelha do que uma situação de “intervalo”, de antítese, face a um conjunto de realidades emergentes ainda mal compreendidas e estudadas, mas que sem dúvida conferem um novo fôlego à investigação das problemáticas da calcolitização do Sudoeste Peninsular. Mais uma vez tudo parece ser muito diferente do que se pensava.” (Valera et. al., no prelo).

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No contexto deste debate teórico em torno das problemáticas da agregação, vejamos agora que questões podem ser colocadas e discutidas a partir dos dados que resultaram dos trabalhos na margem esquerda do Guadiana no âmbito da minimização de Alqueva.

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22.2.1.1 Alguns problemas prévios à análise da rede de povoamento da região

O problema da agregação e da hierarquização do povoamento calcolítico tem sido abordado geralmente com base na diferença de tamanho dos povoados, na sua proximidade, nas evidências de acesso diferenciado à circulação de produtos e na sua localização face a determinados recursos que poderiam sustentar níveis de especialização. Aqui, a mineração ganha particular relevo, com povoados como Corte João Marques, Castillito de Cabezadas del Pasto ou Cabezo Juré a serem considerados como povoados especializados na extracção de minério de cobre. Mas poderíamos pensar noutros recursos, como o sal, com evidências de extracção sistemática nas rias flandrianas do Tejo, no Monte da Quinta 2 (Valera, Tereso e Rebuge, no prelo), e do Guadalquivir, em Marismilla (Escacena, 1994). Todavia, alguns problemas nem sempre são convenientemente ponderados, quer relativos à quantidade, qualidade e natureza dos dados, quer derivados das interpretações que sobre estes se constróem. Se, por exemplo, abordarmos o problema da hierarquização a uma macro-escala espacial (abrangendo todo o Sudoeste) e temporal (todo o 3º milénio AC), produzimos um palimpsesto de situações que produz uma imagem de hierarquização e dependência mais forte e evidente. O mapeamento dos grandes povoados conhecidos, todos cercados por grandes fossos (num caso também com muralhas) e quase todos com necrópoles associadas (Fig. 22-1) sugere a existência de uma distribuição espacial compassada, relativamente regular, evidenciando redes de povoamento dependente ocupando territórios férteis em bacias fluviais de grandes rios, casos da Pijottilla, San Blás, Perdigões ou Porto Torrão, ou junto a rias, como Alcalar,

Figura 22-1 – Área de estudo no contexto do povoamento do 4º e 3º milénios AC do Sudoeste Peninsular.

Já atrás se chamou a atenção para estes problemas no âmbito das questões do abandono temporário. A problemática do abandono de contextos residenciais, sobretudo os sedentários, remete para situações muito diversas, de significados próprios, com repercussões relevantes, não só na compreensão de processos locais e regionais, mas também na formulação de modelos explicativos mais globais e periodizações. E isto é tanto verdade para os abandonos finais, como para os temporários ou parciais. No estudo de uma rede de povoamento torna-se necessário perceber se as várias unidades con-

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Papa Uvas ou Valencina. Mas quando olhamos para o interior de cada uma destas redes os problemas tornam-se mais evidentes: emergem as questões da simultaneidade de funcionamento dos vários sítios conhecidos, da dinâmica do seu crescimento e da sua funcionalidade, uma vez que a escassez e disparidade de informação é, por vezes, muito grande. Para análise de uma rede de povoamento e para o estabelecimento de relações de agregação e hierarquia as questões da simultaneidade e contemporaneidade (coisas distintas) são particularmente importantes.

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sideradas funcionaram todas ao mesmo tempo, como evoluíram, que diferenças existem para os seus momentos de fundação e abandono final e se sofreram processos de abandono e reocupação total ou parcial. A qualidade dos dados arqueológicos (e dos trabalhos para a sua obtenção) são, frequentemente, limitativos, sendo extremamente difícil obter uma sequência suficientemente fina da vida de um povoado ou conseguir diferenciar momentos de fundação e abandono entre povoados genericamente contemporâneos. Dificuldades que tanto residem na tendência que a sedimentação, a continuada ocupação e a tafonomia têm para homogeneizar e compactar, como nas limitações que os métodos absolutos e relativos de datação ainda revelam para a obtenção de cronologias finas ou ainda no reduzido número de intervenções arqueológicas que forneçam informação com quantidade e qualidade suficientes. Na maioria das vezes conseguem-se definir grandes fases, que correspondem a períodos, mais ou menos longos, da vida dos sítios, promovendo leituras uniformizadoras. Mesmo quando se identificam fases construtivas, remodelações, abandonos, estas “leituras” serão relativas apenas a uma parte restrita dos episódios pelos quais o sítio passou. Mas estas dificuldades não nos devem fazer esquecer que o que caracteriza um sítio vivo é a sua dinâmica, com movimentos de expansão e contracção, de reorganização permanente de espaços, de abandonos e reocupações. A dinâmica de cada sítio tem que ser tida em conta para se poder ter a pretensão de aceder à dinâmica da rede em que se inserem, com a qual mantêm uma relação recursiva e onde ganham sentido, enquadrados pelas relações que mantêm com os outros sítios, com os outros lugares que pontuam e organizam a paisagem e o território. As redes de povoamento são, tal como os sítios que as compõem, dinâmicas,

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contraem-se e expandem-se durante os períodos em que organizamos o tempo histórico. Não são a imagem estática que a cartografia nos transmite e, muito provavelmente, nunca corresponderam ao palimpsesto de pontos que, por exemplo, a figura 22-1 sugere. O problema da simultaneidade, sendo praticamente impossível de eliminar, não pode deixar de ser tido em conta, com os meios que temos ao nosso dispor, na hora de falar de hierarquização e agregação de povoamento. Um segundo problema resulta também da dinâmica de cada sítio e da rede em que está inserido. Agora já não no sentido da simultaneidade de ocupações dos sítios, mas no sentido do seu crescimento e dos seus ritmos desiguais, que poderemos designar como um processo assimétrico. De facto, será hoje possível observar no registo arqueológico um conjunto de sítios onde se percebem tamanhos e estruturas bastante diferenciadas. Mas não podemos fugir à pergunta: terá sempre sido assim? O contexto maior não terá nascido com esse tamanho. Terão outros contextos sido maiores em momentos em que aquele era mais pequeno? Em que momento este se destacou? Porque razão cresceu mais do que os outros? O seu ritmo de crescimento foi rápido ou lento? Alguma vez o espaço agora ocupado pelos vestígios foi simultaneamente ocupado pelo sítio vivo? As suas funcionalidades e sentidos mantiveram-se os mesmos? Como se comportaram os sistema de relações e de equilíbrios ao longo do processo de emergência e afirmação de um centro? Um terceiro problema diz respeito à interpretação relativa às funcionalidades dos sítios e ao seu significado, problema que se tem traduzido na tal dificuldade semântica: o que é um povoado? Tradicionalmente um povoado é definido como o lugar residencial onde, com algum grau

cação, transferindo-se a tónica para estes últimos. Para já, e sem entrar na discussão mais detalhada destas abordagens críticas, interessa sublinhar que estes posicionamentos chamam à atenção para a variabilidade contextual, para a pluralidade de sentidos, funcionalidades e soluções que a dinâmica global calcolítica comporta. Diversidade essa que, necessariamente, terá que ser tida em linha de conta no estudo da hierarquização e agregação do povoamento. Em suma, estes três problemas podem resumir-se a um: o de tomar consciência de que estamos a tratar de uma realidade que foi dinâmica, diversificada, arritmada e complexa a partir de um registo fossilizado que se oferece como um palimpsetso estático, homogeneizante, parcelar e ainda mal conhecido. Se a isto juntarmos os problemas resultantes de uma hermenêutica realizada a uma distância de 4 ou 5 mil anos, vinculada a preceitos teóricos ideológicos mais ou menos manipuladores, poderemos ter uma ideia razoável das dificuldades e dos problemas que se nos deparam.

6HULDR*XDGLDQDXPDIURQWHLUD" Esta é uma pergunta que poderá, em muito, estar relacionada com as limitações do que hoje conhecemos e com o carácter sugestivo dos dados disponíveis e da sua cartografia. Traduz-se concretamente na dúvida de se, na interpretação do povoamento do território abrangido por este trabalho, deveremos considerá-lo como um território agregado ou não à rede de povoamento do vale da Ribeira do Álamo, que à sua frente se explana do outro lado do rio, com o recinto dos Perdigões como potencial centro regional agregador. A dúvida sobre o eventual estatuto de fronteira para este troço do Guadiana não é

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de permanência, uma comunidade desenrola a sua vida quotidiana. Assumindo a dicotomia entre doméstico e simbólico, a tradicional designação de “povoado” remete essencialmente para um ambiente funcional e material da vida das comunidades. Em Portugal, e sob forte influência da arqueologia contextualista anglosaxónica, a crítica a esta perspectiva do “povoado” iniciou-se com a desconstrução dos significados e interpretações tradicionais para os povoados fortificados. Primeiro num quadro histórico-culturalista, no âmbito das várias facetas da teoria colonial, depois dentro dos esquemas funcionalistas (neo-evolucionistas) ou marxistas, como indicador de estádios de desenvolvimento social, económico e político semelhantes, o povoado fortificado calcolítico foi sendo considerado como um contexto de sentido único, indicador e evidência dos mesmos estados e processos. Nos últimos anos, contudo, assistiu-se à denúncia do carácter redutor dessas perspectivas de sentido único aplicadas aos povoados calcolíticos fortificados, tanto no que diz respeito à sua génese, como ao seu desenvolvimento, funcionalidade, significado ( Jorge, 1998 e 1999; Jorge e Jorge, 2000) e abandono (Valera, 2003a). A crítica traria consequências semânticas: à desarticulação adaptar-se-ia melhor a expressão “recintos”, que rapidamente se transformaram em “monumentos”. Cai o substantivo “povoado”, o que significa questionar o carácter residencial de muitos deles, e desaparece o adjectivo “fortificados”, expressando uma descrença na função defensiva ou exclusivamente defensiva das estruturas de delimitação em causa. Sobretudo questionou-se a dicotomia que a tradicional designação de “povoado” alberga, rejeitando a separação dos aspectos funcionais e materiais da vida humana dos aspectos relacionados com o sentido, com o simbólico e com a comuni-

nova. A ideia já foi exposta, sob a forma de certeza, a propósito da anta da Fábrica da Celulose (Oliveira, 2000). Contudo, tomando o conjunto da informação disponível, a questão não pode ser resolvida de forma tão peremptória, uma vez que uma série de limitações impõem cautelas. Mas as potencialidades explicativas e interpretativas de um modelo que congregue, numa mesma rede agregada de povoamento, as duas margens são, de momento, significativas. Relativamente à margem direita, existem algumas leituras já avançadas para o povoamento do 3º milénio AC do vale da Ribeira do Álamo. Há pouco mais de uma década, em comunicação apresentada ao 1º Congresso de Arqueologia Peninsular, afirmava-se: “Contrariando assim a tendência dominante na 2ª metade do 4º milénio para a implantação em sítios baixos, ainda que frequentemente com boa visibilidade, caso do sítio 3 da Torre do Esporão (TESP3), os novos povoados do 3º milénio, com ou sem muralhas, exibem a preocupação de controlar território e prevenir a defesa dos seus habitantes com tempo adequado.” (Gonçalves, 1994). Em texto posterior, salientando as limitações das informações disponíveis para a área de Reguengos de Monsaraz, o mesmo autor afirma que não é evidente uma clara solução de continuidade ou ruptura entre o povoamento do 4º e do 3º milénio AC, considerando que

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“Não existe uma clara diferenciação de estratégias de ocupação do espaço entre estes dois momentos (áreas ocupadas, tipo de implantação, recursos explorados, visibilidade e defensabilidade) (...)” (Gonçalves e Sousa, 1997: 630). Na mesma altura, em texto policopiado e distribuído pelo próprio no mestrado de Pré-

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História e Arqueologia da FLL, referia-se aos povoados do 3º milénio da área de Reguengos como lugares cuja implantação é agressiva e estabelece rupturas e “cuja estratégia de povoamento corresponde a lugares centrais fortificados ou bem destacados na paisagem, apoiados por redes de povoamento que envolvem grupos mais pequenos, dispersos pelos territórios controlados” (citado em Valera, 1997: 170). Contudo, no texto publicado (Gonçalves, 1996 – apesar da data de publicação ser esta, a revista saiu efectivamente em 2003) a referência à hierarquização desapareceu, mantendo-se a ideia de que os povoados do 3º milénio apresentam uma “lógica comum”, que expressava uma situação de implantação “radicalmente diferente” dos seus predecessores do 4º milénio AC. Finalmente, em texto de 2000, e após um ensaio de análise da implantação dos vários povoados conhecidos em relação à topografia/visibilidade, geologia e potencialidades dos solos, reafirma-se o que havia sido dito no texto de 1997, transcrevendo-se o mesmo parágrafo. Mais recentemente, concretamente com o arranque do processo de diagnóstico de emergência (primeiro) e investigação (depois) do complexo arqueológico dos Perdigões, novas propostas interpretativas surgiram, avançadas por elementos da equipa que ali tem vindo a trabalhar. No primeiro texto (Lago et al., 1998) pouco se avança em termos de análise do povoamento. Fala-se sobretudo das razões para a localização do povoado, associadas, numa perspectiva funcionalista, essencialmente a factores como abundância de água, proximidade de terrenos férteis, subsolo de rochas brandas e visibilidade sobre o vale da Ribeira do Álamo, a qual

Observe-se, a título de exemplo, o caso de determinadas redes de povoamento calcolítico no sudoeste Peninsular. Aí encontramos grandes povoados com complexos dispositivos de fossos, em torno dos quais se organizam inúmeros povoados de dimensões bastante mais reduzidas, que podem ser abertos, fortificados com complexos sistemas de muralhas e bastiões ou simplesmente cercados por muros mais ou menos espessos e altos. A diferença de “estatuto”, não bastando a de tamanho, torna-se evidente quando prestamos atenção a outros factores. Associados aos grandes povoados, com uma estruturação mais ou menos integrada com o espaço habitacional, surgem autênticos cemitérios. A profusão de artefactos relacionados com o sagrado é enorme, tanto em quantidade como em varieda-

de, sendo as matérias primas exógenas frequentes, revelando uma forte integração em superestruturas de vigência transregional e em complexos sistemas de interacção. É assim na Pijotilla (Badajoz), Valencina de la Concepción (Sevilha), Perdigões (Reguengos de Monsaraz), Marroquíes Bajos ou até Alcalar (Portimão). Mas se olharmos para os povoados periféricos notamos um assinalável contraste: nestes contextos os materiais de carácter simbólico são indiscutivelmente mais raros, menos variados ou mesmo inexistentes, repetindo-se a situação para as matérias-primas de proveniência exterior a cada região. Por outro lado, a associação directa a necrópoles é desconhecida ou difícil de estabelecer e documentar. Tomemos o caso concreto dos Perdigões, sítio que corresponde a um grande povoado (cerca de 16 ha) com um complexo dispositivo de fossos, o qual, para além de áreas residenciais e espaços eventualmente especializados, estrutura também uma área de necrópole com vários sepulcros (Lago et al., 1998; Valera et al., 2000). A escavação do Sepulcro 1 e de parte do Sepulcro 2 evidenciou práticas (até ao momento exclusivas) de deposições secundárias de restos de várias dezenas de indivíduos. Estes contextos funerários forneceram um espólio votivo muito variado, sendo de destacar a presença de inúmeros artefactos relacionados com o sagrado, muitos dos quais remetem para contactos à distância e para enquadramentos simbólicos de ambiência transregional, peninsular ou, em alguns casos, mediterrânica: ídolos falange decorados e não decorados, artefactos em osso decorados, pentes em osso, ídolos antropomórficos, ídolos zoomórficos, ídolos de calcário, recipientes de calcário, placas de xisto, conchas de pecten, cerâmicas com decoração simbólica, etc.. Muitos destes materiais, contudo, não ocorrem só em sepulcros na necrópole, mas provêm igualmente de áreas do povoado. Quando olhamos para os povoados vizinhos conhecidos, uma pergunta emerge: onde estão os

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é considerada como o elemento estruturante de todo o povoamento local. Sublinha-se, contudo, a importância que realidades consideradas como pré existências poderiam ter desempenhado na localização e estruturação espacial do sítio, como a presença de um cromeleque nos Perdigões ou a colina de Monsaraz, ambos localizados a este relativamente ao povoado. O sítio era visto e assumido como um povoado (no sentido tradicional do termo), ao qual se reunia algum simbolismo, centrado na existência de uma necrópole estruturada junto ao cromeleque, sublinhando o eixo orientado a este que necrópole, cromeleque, vale do Álamo e, ao fundo deste, a colina de Monsaraz estabeleciam. Todavia, nada se avançava relativamente à estruturação do povoamento na região. Seria em textos não directamente relacionados com esta área específica, mas que a ela recorriam no âmbito das problemáticas a que se referiam, que o problema da agregação e hierarquização começaria a ser aflorado. Numa abordagem centrada nas problemáticas do abandono, escrevi:

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mortos do Monte Novo dos Albardeiros, Porto das Carretas, Mercador, Moinho de Valadares ou Monte do Tosco 1 (para falar dos que foram objecto de escavações alargadas)? Para alguns casos pode propor-se a reutilização/construção de sepulcros megalíticos, quer no núcleo de Reguengos de Monsaraz, quer em monumentos que lhe são periféricos, mas em nenhuma das situações se conhecem necrópoles directamente associadas. Porque razão em todos estes povoados (alguns dos quais com consideráveis áreas escavadas) as evidências do sagrado (para os suas ocupações calcolíticas) são sempre comparativamente escassas ou mesmo inexistentes? Porque razão os indicadores directos de contactos transregionais são relativamente ténues? Que significa este contraste entre o grande povoado dos Perdigões e os que lhe estão tão próximos? A visibilidade do sagrado nos Perdigões é particularmente evidente, a sua interacção com o exterior apresenta forte expressão material, factos que, para além das dimensões e o que isso implica, certamente lhe conferiram um estatuto e simbolismo próprios no contexto do povoamento da área. A propósito da investigação dos contextos funerários escreveu-se: “Os mortos que estudamos foram gente dos Perdigões, de determinados momentos dos Perdigões, e eventualmente de núcleos habitacionais periféricos” (Valera et al., 2000: 103). A última parte desta afirmação ganha aqui particular relevo. A existência de sepulcros com numerosas deposições exclusivamente secundárias, ou a documentação no Sepulcro 1 de deposições feitas em simultâneo com um processo de ruína em curso na estrutura do monumento sem sinais de reconstruções (idem: 94), são situações compatíveis com a hipótese de os Perdigões terem funcionado como centro aglutinador da ocupação de um território, exercendo um efeito catalizador, tanto no plano económico e político, como a nível simbólico, no plano da religião e da gestão da morte.

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O sítio dos Perdigões, que espacialmente termina (ou inicia) a oeste o “território megalítico” do vale do Álamo (que lhe sendo anterior na origem, se mantém “activo” durante a vida do povoado), parece afirmar-se como um núcleo simbólico, económico e possivelmente político, a cuja influência até mesmo os povoados da margem esquerda do Guadiana (Porto das Carretas, Mercador, Moinho de Valadares; Monte do Tosco 1) dificilmente se terão subtraído. Deste modo, a estruturação do povoamento que se observa nesta área e as territorialidades que lhe subjazem não permitem pensar os sítios fora da rede em que se integram e lhes dá sentido. O abandono do povoado dos Perdigões dificilmente terá obedecido estritamente às mesmas razões, seguido os mesmos processos ou tido o mesmo significado do abandono de um Castelo do Azinhalinho ou de um Monte Novo dos Albardeiros, que não podem ser equiparados àquele outro povoado. (Valera, 2003a: 136-137) De forma explicita, enumerava-se um conjunto de factores que sugeriam uma situação de clara dissimetria entre os Perdigões e os restantes povoados da região e sugeria-se que este sítio exerceria uma acção catalizadora sobre os restantes, tanto no plano político e económico, como no simbólico. Sobretudo, considerava-se, também já, a possibilidade de esses níveis de influência/dependência poderem abranger os povoados da margem esquerda. Seguindo esta linha de investigação, e procurando dados de natureza empírica que viabilizassem ou infirmassem a leitura que atribuía aos Perdigões um estatuto de centro aglutinador local que exercia forte poder de atracção simbólica sobre as várias comunidades que habitavam o vale do Álamo, iniciou-se uma linha de investigação arqueométrica no estudo de cerâmicas. Os resultados, discutidos mais adiante,

Figura 22-2 – Povoamento do Vale do Álamo e da margem HVTXHUGDGR*XDGLDQDDQRUWHGR$OFDUUDFKH

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viabilizam a hipótese (embora não a demonstrem por si só) de nos sepulcros dos Perdigões terem sido feitas deposições secundárias de indivíduos provenientes de comunidades periféricas ao grande recinto. Mas outros aspectos do complexo dos Perdigões podem sugerir um reforço dessa capacidade. Refiro-me, concretamente, às evidências de planeamento e às implicações que estas têm para a interpretação do sítio. Em texto recente escrevi: “Na análise da fotografia aérea deste sítio é possível observar que o mesmo é composto por vários recintos de fossos, grosseiramente concêntricos relativamente a uma mancha circular central. Uns fossos, nomeadamente os exteriores, apresentam uma planta em círculo quase perfeito, enquanto outros, mais interiores, revelam traçados mais ovalados ou irregulares. O facto de a investigação se encontrar ainda numa fase muito inicial (em função da grande dimensão deste complexo arqueológico) e centrada na área de necrópole, estes fossos encontram-se, quase que na sua totalidade, por intervencionar (apenas se sondou o fosso exterior junto à Porta B). Esta circunstância dificulta uma seriação cronológica, configurando uma situação de “palimpsesto” de estruturas negativas, o que dificulta a análise da dinâmica interna de organização do espaço ao longo da vida do povoado. Contudo, e apesar destas limitações, algumas observações podem ser feitas relativamente a, pelo menos, um momento em que, inequivocamente, parece existir planeamento. Se traçarmos dois eixos orientados de acordo com os quatro pontos cardeais nas zonas de diâmetro máximo dos dois fossos exteriores, observa-se a extraordinária regularidade circular que estas estruturas negativas apresentam (apesar dos raios rondarem os 250m de extensão). Por outro lado, verifica-se que os eixos se cruzam precisamente so-

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bre a mancha, também ela circular, que se localiza no centro geométrico das circunferências definidas por esses dois fossos exteriores. Traçando mais dois eixos, agora orientados pelos pontos colaterais, e cruzando-se igualmente no ponto central do povoado, regista-se que os mesmos passam pelas duas aberturas já identificadas nos fossos exteriores, localizadas, de forma simétrica, a SE e a NE . A necrópole aparece delimitada por esses dois fossos, tendo uma configuração subcircular, obtida pelo alargamento do fosso exterior, revelando que essa organização específica do espaço foi pensada e implementada em conjunto com aquelas estruturas negativas. Esta área de necrópole delimitada pelos fossos situa-se no quadrante ENE, verificando-se que uma bolsa em segmento de esfera é visível à superfície no quadrante oposto (ONO) e outra na extremidade norte, áreas que estão ainda por intervencionar. Estas regularidades, simetrias e orientações coincidentes com pontos cardiais são reveladoras de intenção e de planeamento, o qual parece evidenciar a importância das relações de continuidade significante com espaços prévios organizados e codificados. (...) Neste sentido, cabe (...) destacar o eventual simbolismo daquele plano arquitectónico de organização do espaço, independentemente das finalidades funcionais das estruturas negativas construídas. Refiro-me à tendência geral, no que às plantas diz respeito, para a circularidade e para uma disposição concêntrica. No caso dos fossos exteriores dos Perdigões, a delineação de circunferências é perfeita, apenas interrompida no fosso exterior para englobar, e de forma sub circular (a figura geométrica de base mantém-se), a área de necrópole. Situação semelhante ocorre em muitos outros povoados da época, nomeadamente em Marroquiés Bajos, onde as extensas áreas já intervencionadas documentam a existência de vários fossos que aparentam ser circunferências concêntricas perfeitas.

tos estaria, assim, intimamente relacionada com determinadas visões do mundo e organizações da realidade por parte das comunidades que os arquitectaram, funcionando como autênticos mapas vividos, como elementos que, diríamos hoje, traduziriam uma fusão entre uma vivência real e outra virtual (representativa). Mas a própria implantação do sítio não será menos significante que a sua estruturação arquitectónica. Manterão ambas uma estreita interdependência. Os dados actualmente disponíveis parecem apontar para aquilo que Criado Boado designa por organização da paisagem megalítica, estruturada a partir das dicotomias de luz/trevas, mundo dos vivos / mundo dos mortos, frente /costas, dicotomias essas associadas ao nascer e pôr do sol e, portanto, aos pontos cardiais Este e Oeste. Neste sentido, os Perdigões localizam-se na extremidade ocidental do vale do Álamo e da rede de povoamento que este alberga (Cf. fig. 22-2). O sítio está implantado numa depressão, aberta a este, por onde se tem acesso ao vale. Para oeste, sul e norte a visibilidade a partir do interior do recinto é restrita aos próprios limites topográficos do sítio. A área definida pelos fossos exteriores corresponde, não a um ponto alto, destacado na paisagem, mas a uma espécie de anfiteatro aberto para o vale. As duas portas conhecidas, com uma localização simétrica relativamente ao eixo este que termina com a elevação de Monsaraz no horizonte, “onde” o Sol nasce, abrem-se igualmente para o vale. Sensivelmente a meio, entre as duas, localiza-se a necrópole com os seus sepulcros orientados para o quadrante este e, imediatamente abaixo o recinto de menires. Se a recente investigação (realizada no âmbito da minimização do empreendimento de Alqueva) tem vindo a evidenciar ocupações que remontam aos inícios dos Holoceno e ao Neolítico Antigo na zona de ligação com o vale

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Este carácter circular e concêntrico aparece também evidenciado no Monte da Ponte e no pequeno recinto de Pombal. Em Santa Vitória, uma tendência circular da planta dos fossos é mantida, apesar do carácter sinuoso, mas regular, com que estes são traçados, formando uma sequência de semicírculos, mantendo um carácter concêntrico entre os dois fossos identificados. Fugindo um pouco ao círculo perfeito, observa-se uma tendência para plantas ovaladas ou subcirculares nos recintos definidos na Pijotilla e no Torrão. Contudo, o círculo parece ser dominante e estruturante da arquitectura do período, observável quer em construções em positivo (muralhas, bastiões, cabanas, câmaras funerárias) quer em negativo, eventualmente remetendo para referências simbólicas e ideológicas, no quadro de específicas visões do mundo (do tempo e do espaço).” (Valera, 2003a). De facto, comum na arte rupestre do período, atrever-me-ia a dizer que é na arquitectura e organização do espaço que essa fixação pelo círculo melhor se manifesta. Como já foi anteriormente salientado, as sepulturas, quando arquitectadas, apresentam maioritariamente câmaras circulares; as casas são quase sempre de planta circular; as torres são circulares; os recintos, quando não revelam necessidade de adaptações topográficas, tendem para a circularidade. Isto é particularmente evidente em alguns recintos de fossos, em que o carácter concêntrico dos vários anéis de fossos é perfeito, revelando intenção, saber, disponibilidade tecnológica e de mão de obra para levar a cabo empreendimentos que rivalizam com muitos concretizados em períodos históricos bem mais recentes. No ponto relativo às arquitecturas foi sugerido, seguindo outros autores, que essa tendência corresponderia a um discurso arquitectónico que traduziria, e comunicaria, uma concepção cosmológica baseada em visões cíclicas do mundo. A circularidade destes recin-

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do Guadiana, é durante o neolítico pleno/final que a ocupação e a organização espacial humana do Vale do Álamo ganha expressão e se intensifica, tornando-se arqueologicamente mais visível para o investigador no presente, sobretudo través dos fenómenos megalíticos funerários e não funerários. Terá sido nesse contexto que, muito provavelmente, o sítio dos Perdigões nasceu (se já com fossos ou não, ainda não o sabemos). Deste modo, quando, num momento pleno do processo de calcolitização, são construídos os fossos concêntricos mais exteriores englobando a necrópole em forma de semi-círculo, revelando planeamento e disponibilidade técnica e conceptual para a sua execução, a nova organização espacial do recinto não pode deixar de ter como referência o vale, as suas terras férteis, a rede de povoamento e as pré-existências arquitectónicas e simbólicas que o estruturam enquanto paisagem. O diálogo com o vale que todo o sítio insinua, desde a sua localização à organização espacial que evidencia, terá que ser compreendido no contexto do processo de desenvolvimento das comunidades produtoras que povoavam aquele território, das relações de dependência que estabeleceram entre si e com o exterior e das formulações ideológicas, sociais e políticas que desenvolveram para organizar os seus mundos. Deste modo, o processo de agregação desenvolvido em torno dos Perdigões não terá sido mais que um processo de agregação em torno de um território específico que se vinha construindo desde o Neolítico. Por outras palavras, o grande recinto dos Perdigões terá resultado de um processo de geração de identidade social num determinado território, processo que lhe terá sido prévio, mas que a determinada altura o sítio começa a catalizar e a dinamizar. Porque razão foram os Perdigões? Quais os mecanismos sociais, económicos e políticos

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que estão envolvidos no processo? Será ainda cedo para responder, sobretudo se não quisermos encarreirar pela aplicação de modelos desenvolvidos para outras realidades distintas das fenomnologias deste território, modelos uniformizadores de realidades e processos e que tendem a pintar por igual todo o quadro do Sul Peninsular. Não se nega com isto a existência de trends estruturais, captáveis na longa duração e na larga escala. Apenas se assume que esses trends comportam (e são constituídos por) diversidades internas, complexas, conflituantes, assimétricas, que operam a escalas mais baixas, as quais é necessário perceber no que detêm de próprio. E neste caso concreto, não se pode responder porque ainda não sabemos exactamente o que são os Perdigões. Mas sabemos que os contrastes que estabelecem com os povoados vizinhos são gritantes em praticamente tudo: na dimensão, na implantação, na organização interna do espaço, nas arquitecturas, na forma como integra a necrópole (até ao momento única em termos peninsulares), nos conjuntos artefactuais que apresenta, onde matérias-primas e designs alógenos à região são abundantes. Sabemos que o investimento envolvido neste local nade tem de comparável neste território concreto e que o pouco que sabemos nos sugere fortemente que o sítio cria com esse território uma harmonia de sentido, assumindo-se como centro organizador das relações sociais internas e veículo de ligação com o exterior transregional. A margem esquerda agora estudada no âmbito da minimização de Alqueva, parece constituir-se como uma periferia deste território, estando a ele vinculada. A dinâmicas observadas, de abandonos e reocupações, estariam assim relacionadas com o pulsar desta rede de povoamento mais vasta que abrangeria o Vale do Álamo e do seu centro simbólico geogra-

)LJXUD²*HRORJLDGDPDUJHP esquerda e direita (as diferenças na correlação das duas margens relacionam-se com o facto de a carta de Monsaraz ser mais antiga)

granítica do Vale do Álamo que nucleariza o povoamento da margem direita, apresenta um ligeiro prolongamento pela margem esquerda, na zona da fábrica de celulose. O facto de esse prolongamento corresponder a uma área relativamente reduzida será mais significante, porque no conhecimento empírico da paisagem ele é experienciado precisamente como tal, como um prolongamento de um espaço com características próprias que teria significados próprios. Note-se que é nesse preciso prolongamento geológico para a margem esquerda que se implantou o único monumento megalítico (poderiam ter sido dois) conhecido no território entre as Ribeiras de Cuncos e Alcarrache, um monumento que representa, ele próprio, o pro-

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ficamente descentrado. Mas não resultará esta ideia do facto de todo o trabalho realizado estar condicionado pelo desenho longitudinal da albufeira de uma barragem? Do desconhecimento do que se passa a alguns quilómetros mais para leste? Ou ainda dos actuais constrangimentos da geografia política, que nos poderão fazer esquecer que San Blás (bem maior que os Perdigões) está já ali, a duas escassas dezenas de quilómetros mais a norte? Estas dúvidas são claramente pertinentes e deverão informar programas futuros de desenvolvimento da investigação desta questão. Todavia, há que sublinhar algumas ideias, a favor da articulação das duas margens neste troço do Guadiana. Uma primeira é de natureza física, geológica. A mancha

longamento do núcleo megalítico do Vale do Álamo. Como já foi sugerido no ponto 12, a especificidade deste pequeno espaço no contexto geológico da margem esquerda constituí-se como uma zona de recursos única desse lado do Guadiana. Esta situação, associada ao facto de aí se localizar(em) o(s) único(s) sepulcro(s) megalítico(s), poderá ter contribuído para que este espaço se constituísse como um pólo relativamente aos povoados envolventes, gerador de tradição de frequência e de ponte de contacto com a margem direita nas leituras semânticas do território e da paisagem. Uma ligação que, de momento, se intui mais do que se demonstra.

&DOFROtWLFRÀQDOHWUDQVLomR para a idade do bronze: a questão campaniforme

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A transição para a Idade do Bronze continua a ser no Sudoeste, como em quase todo o território nacional, um problema em aberto. Em função dos dados actualmente disponíveis (e o aumento do ritmo de investigação nos últimos anos torna rapidamente datados os discursos que se vão avançando) a região assiste, sensivelmente a partir do último quartel do 3º milénio AC, a um processo de mudança que se encontra evidenciado no registo arqueológico, sobretudo por ausências e descontinuidades ainda não convenientemente explicadas e interpretadas. Que se terá, pois, passado nos finais do 3º milénio AC na região? No Sudoeste, como noutras áreas peninsulares, a maioria dos povoados são abandonados, as respectivas redes de agregação parecem desestruturar-se e as práticas funerárias sofrem alterações significativas. O antigo complexo mágico religioso desaparece e o estatuto individual perpetuado na morte começa a emergir.

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Um registo arqueológico de grande visibilidade é substituído por outro que teima, apesar do aumento da investigação dos últimos anos, em manter-se nubloso, se não mesmo opaco. Uma vez mais os dados disponíveis podem ser interpretados de formas diferentes. Há quem veja neste momento o fim de uma situação fragmentária de comunidades concorrentes entre si, que caracterizaria o 3º milénio AC, substituída por processos de hierarquização social e centralização política. É, como já se referiu, o modelo adoptado por Tavares da Silva e J. Soares. De forma oposta, existem propostas para que a alteração observada no registo arqueológico seja interpretada como um processo de fissionamento das comunidades, que, numa reacção contra o processo agregador Calcolítico, originam uma situação de fragmentação e autarcia. As soluções balançam entre processos de agregação ou segmentação, dependendo, não tanto do que se sabe relativamente ao que se passa na 1ª metade do 2º milénio AC, mas sobretudo dos modelos que se adoptam para caracterizar o que se passa durante o milénio anterior. Ou seja, a partir dos finais do 3º milénio as comunidades mudam significativamente, mas o sentido atribuído a essa mudança está muito dependente do sentido que se dá ao que existia antes. Relativamente à área em análise, os resultados do próprio processo de minimização decalcam a imagem do problema: raros contextos identificados, maioritariamente funerários, não ajudam muito na interpretação da mudança que se operou. Na margem esquerda a norte do Alcarrache os únicos contextos que forneceram dados que permitem abordar os finais do 3º e primeira metade do 2º milénio são as reutilizações funerárias do Mercador e Moinho de Valadares 1, a segunda fase de ocupação do Monte do Tosco 1 e a necrópole de cistas do Monte da Ribeira. Esta última, corresponden-

22.3.1. O problema das cerâmicas campaniformes A questão do campaniforme no interior alentejano, nomeadamente nas bacias do médio Guadiana, Sado e periferias sul da bacia do médio Tejo é uma questão que tem recentemente adquirido novos contornos. A imagem de uma quase total ausência de cerâmicas campaniformes nesta região tem vindo paulatinamente a transformar-se na última década, sendo hoje conhecidos um número cada vez mais significativo de contextos onde estes recipientes estão presentes (Albergaria, in Lago et al, 1998; Valera, 2000; Boaventura, 2001; Calado, 2002; Silva e Soares, 2002; Cardoso e Norton, 2004, Valera e Filipe, 2004), o qual irá certamente aumentar nos próximos anos. Face à informação actualmente disponível (factor com particular influência na contingência do discurso) algumas aparentes tendências poderão ser evidenciadas e discutidas, no sentido de informarem um modelo (necessariamente provisório) que procure explicar e interpretar a expressão regional do fenómeno: a) Estão referenciados no Alentejo 28 sítios com cerâmicas campaniformes decoradas, embora para alguns casos (como Castelo de Pavia, Escoural Cabeço da Anta) existam

algumas dúvidas relativamente à classificação dos respectivos materiais como campaniformes (Fig. 22-4); b) Destes, apenas 8 correspondem a contextos funerários, sendo 5 antas e 3 tholoi; c) A este conjunto podem ser reunidos vários contextos no prolongamento do vale do Guadiana por território espanhol; d) O estilo inciso é claramente dominante, ocorrendo em 17 contextos, estando o estilo internacional registado em 5 contextos, o pontilhado geométrico em 6 e o cordado em 1 (que se juntou, recentemente, o recinto de Alcalar). e) A presença de cerâmicas campaniformes decoradas é dominantemente vestigial ou pouco representativa; f ) Exceptuam-se a esta observação o recinto de fossos do Porto Torrão, que revela quantidades de materiais (na casa das várias centenas) ímpares na região e os contextos fechados de cabanas, como no Monte do Tosco 1, no Porto das Carretas (Silva e Soares, 2002) ou em Miguens 3 (Calado, 2002), às quais poderíamos associar algumas das cabanas do vizinho povoado de San Blás, na margem esquerda do Guadiana, mas já em território espanhol, ou os contextos da Pijotilla e Cerro de la Horca (Hurtado,1999 e 2004). g) O pontilhado geométrico (referenciado em cinco sítios) é sempre vestigial (veja-se o conjunto do Outeiro de S. Bernardo, onde apenas surge um fragmento com este estilo decorativo), com excepção do Porto Torrão onde, entre as várias centenas de fragmentos, é claramente dominante; h) Entre a cerâmica incisa parece existir uma demarcação entre as organizações características do Grupo Inciso estremenho, com uma distribuição mais litoral (Pedra Branca, Vale Vistoso, Porto Torrão), relativamente ao

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do a um contexto funerário característico do Bronze do Sudoeste foi trabalhada no âmbito do Bloco 9 do plano de minimização, dedicado à Proto-História da margem esquerda. Assim, aqui serão essencialmente abordadas as questões levantadas pelas reutilizações funerárias tardias de contextos residenciais abandonados (ponto seguinte) e as problemáticas que actualmente envolvem o fenómeno campaniforme na região.

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inciso de tipo Ciempozuelos, que domina ou é exclusivo nos contextos mais do interior. i) Ocorrem contextos que, pela representatividade dos materiais, podem ser denominados de “campaniformes”, estando associados a cabanas circulares que surgem em contextos sem ocupações prévias (como parece ser o caso de Miguens 3) ou em reocupações de sítios abandonados, como sugerem os dados do Porto das Carretas e do Monte do Tosco 1. j) Reduzida presença em contextos funerários. A presença de recipientes campaniformes nalgumas Antas sugere a continuidade da utilização destas como local de enterramento, mesmo que o ritual seja significativamente distinto, como se tem vindo a documentar noutras áreas peninsulares. k) A actual distribuição espacial dos recipientes campaniformes decorados segundo os vários estilos parece revelar um padrão que se distingue da distribuição dos contextos funerários designados por “Horizonte de Ferradeira”, abrangendo as primeiras sobretudo o Norte Alentejano e as segundas o Sul do Alentejo e Algarve (Fig. 22- 5). Estaremos em presença de uma fronteira estilística ? l) Existe informação arqueométrica para apenas três contextos. Porto Torrão (Cabral et al, 1988), Monte do Tosco 1 (neste volume) e Porto das Carretas (Silva e Soares, 2005), que, na globalidade, documentam produções essencialmente locais/regionais. m)Verifica-se que as maiores quantidades de cerâmicas campaniformes ocorrem sempre nos grandes recintos, onde também apresentam uma maior variedade estilística. n) Pelo contrário, os sítios mais pequenos mostram uma tendência monoestilística. o) São ainda poucos os contextos datados. Mas as datas já existentes e o seu cruzamento com as estratigrafias disponíveis revelam situa-

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ções de grande complexidade no que respeita à distribuição espacial e à diacronia destas cerâmicas e da sua estilística. Analisemos, agora de forma mais aprofundada, algumas destas observações. No interior alentejano parece acentuar-se um predomínio da presença de cerâmicas campaniformes em contextos não funerários relativamente ao seu registo em contextos funerários, os quais se resumem, até ao momento, a reutilizações de alguns monumentos megalíticos (Fig. 22-4). Situação idêntica foi sublinhada para a região a Extremadura, concretamente na província de Badajoz (Hurtado, 1999). Esta circunstância contrasta com o observado noutras áreas do Ocidente Peninsular, como o Norte de Portugal, a Beira Alta ou a Península de Lisboa, onde a presença campaniforme em contexto funerário é vulgar ou mesmo dominante (casos do Norte de Portugal e Beira Alta). Se este contraste será significante ou simplesmente resultante de desvios da investigação é a tradicional questão. Contudo, se tomarmos em consideração a região fronteira à área de estudo, a bacia da Ribeira do Álamo, verificamos que entre os inúmeros contextos megalíticos já intervencionados, quer pelos Leisner quer mais recentemente, apenas num caso (Anta 1 de Vale Carneiro – Leisner e Leisner, 1985) foi registada a presença de um recipiente campaniforme. No sepulcro 2 da necrópole dos Perdigões foi registada, na fase final de utilização da câmara, a presença de duas chapas de ouro e um botão de perfuração em “V” (Valera et al, no prelo), materiais tradicionalmente associados ao campaniforme, mas nenhum recipiente foi ainda registado (a escavação da câmara está ainda em curso). Assim, nesta área, e perante os resultados de um significativo número de intervenções, parece de facto existir uma tendência para uma reduzida utilização dos recipientes campanifor-

Figura 22-4 – Contextos com cerâmicas campaniformes no Sul de Portugal (incluindo os grandes recintos do Sudoeste).

é bastante mais numerosa e em quase todos estes contextos estão representados vários grupos estilísticos (embora na Extremadura se deva sublinhar também a presença particularmente numerosa de campaniforme no Cerro de la Horca). No Interior Sul de Portugal, o Porto Torrão será o contexto que maior quantidade de recipientes campaniformes forneceu. Nas escavações da década de oitenta do século passado (Arnaud, 1982 e 1993) foram registados em escavação 315 fragmentos de recipientes e mais de uma centena recolhidos à superfície, na zona considerada como o centro do sítio. Estão

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mes nos rituais funerários, nomeadamente nos que ocorriam em contexto megalítico. Situação semelhante foi referenciada para a província de Badajoz (Hurtado, 1999: 60). Um outro padrão que parece começar a delinear-se é o de um contraste entre o volume de recipientes e variedade estilística que as cerâmicas campaniformes apresentam nos grandes recintos quando comparadas com os registos proporcionados pelos contextos funerários e sítios mais pequenos. A presença destas cerâmicas nos grandes recintos de fossos do Porto Torrão, Perdigões, San Blás (aqui com fossos associados a muralhas) ou Pijotilla

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Figura 22-5 – Principais complexos estilísticos campaniformes por sítio no Sul de Portugal.

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de carácter mágico religioso de claro ambiente calcolítico. Estes contextos estão datados entre 2600 e 2300 e corresponderão a momento de vida plena do recinto, sendo as datas imediatamente anteriores (em termos estatísticos) a uma outra datação para uma fase de colmatação do fosso, situável entre 2450-2150 (Hurtado e Ortiz, 2005). Situação semelhante poderá ainda ser vislumbrada na Pijotilla, onde estão presentes os estilos internacional, pontilhado geométrico, inciso e cordado (Hurtado, 1999). Aqui, o campaniforme parece evidenciar uma distribuição espacial específica, numa área mais central definida pela ribeira que atravessa o sítio a meio e uma linha de fosso interior semicircular. Uma situação com paralelismos era defendida para o Porto Torrão, mas os trabalhos de 2003 viriam a demonstrar que a distribuição dos materiais campaniformes era mais vasta, invalidando a imagem de uma concentração exclusiva na área central do povoado (Valera e Filipe, 2004). A sensação com que ficamos é a de que a cerâmica campaniforme se adiciona e integra na dinâmica de vida destes grandes recintos, não sendo evidentes sinais de que a sua chegada corresponda a grandes ou significativas rupturas dessas dinâmicas. Os recentes dados de San Blás (Hurtado, 2004) parecem confirmar esta ideia, com a associação de elementos campaniformes incisos de estilo ciempozuelos a elementos artefactuais de clara ambiência calcolítica e com datações de meados/terceiro quartel do 3º milénio. Quando confrontamos as evidências campaniformes nos grandes recintos com as presentes nos restantes contextos, tanto funerários, como não funerários, alguns contrastes podem ser observados. O número de recipientes é sempre mais reduzido e, em termos gerais, nota-se uma tendência monoestilística. De facto, com excepção de S. Brás (Parreira, 1983), do

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presentes vários estilos, como o Internacional (variante de bandas), o pontilhado geométrico, o inciso e o cordado (AOC), este último com uma expressão residual e ocorrendo apenas nesta área central do sítio (note-se, desde já, que os únicos exemplares de decoração campaniforme cordada no Sudoeste Ibérico foram registados sempre em grandes recintos - Pijotilla, Porto Torrão e Alcalar). Os trabalhos de 2003 (Valera e Filipe, 2004) forneceram mais um conjunto de 64 fragmentos de recipientes. A correlação dos estilos presentes com a estratigrafia de preenchimento dos dois fossos identificados e depósitos subsequentes demonstrou, naquela área, uma maior antiguidade do estilo internacional de bandas, que surge no terceiro depósito de enchimento (a partir da base) do Fosso 2. Nos depósitos finais de colmatação e cobertura das estruturas negativas o estilo internacional mantêm-se, mas domina já claramente o pontilhado geométrico e aparecem alguns, poucos, fragmentos incisos. Nos depósitos mais superficiais, mantém-se o predomínio do pontilhado geométrico e a presença do internacional, mas o inciso Ciempozuelos é mais representativo. Nos Perdigões, dispersos por todo o interior do grande recinto, foram registados fragmentos que corresponderão a mais de três dezenas de recipientes campaniformes (Albergaria, 1998), estando presente o estilo internacional (variantes de bandas e bandas e linear), mas dominando o inciso Ciempozuelos. Em San Blás, os dados publicados disponíveis são ainda reduzidos (Hurtado, 2004). Sabemos que recipientes campaniformes essencialmente de estilo inciso Ciempozuelos (embora o pontilhado geométrico também esteja presente) ocorrem no interior de cabanas circulares de pedra, associados a metalurgia e artefactos metálicos (ponta palmela, punhal de lingueta) e a toda uma panóplia de artefactos

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Outeiro de São Bernardo (Bubner, 1979), onde o estilo inciso Ciempozuelos é quase exclusivo, surgindo apenas um fragmento de estilo pontilhado geométrico, e do contexto de S. Gens (Terena), onde numa fossa ocorrem em associação os estilos inciso e internacional (Calado, 2005), em todos os restantes sítios (funerários ou não funerários) tem-se registado a presença de um único estilo (Fig. 22-5). Esta circunstância apresenta-se de forma particularmente interessante na bacia portuguesa do médio Guadiana. Na cabana da segunda fase de ocupação do Monte do Tosco 1 apenas está presente o estilo inciso Ciempozuelos (associado a recipientes acampanulados lisos, como é recorrente neste grupo). A cerca de 15 km de distância, nas estruturas circulares da segunda fase de ocupação do Porto das Carretas verifica-se a presença exclusiva do estilo internacional (Silva e Soares,2002). Cerca de 12,5 kms mais a norte, em Miguens 3 (Calado, 2002), também numa construção de planta circular (mas de arquitectura mais complexa), o estilo internacional é novamente exclusivo. Note-se que estes sítios se situam apenas entre 15 e 20 kms do grande recinto dos Perdigões, sendo que a distância para San Blás é mesma ordem para Miguens 3 e Porto das Carretas. Por outro lado, e ao contrário do que parece acontecer nos grandes recintos, a presença do campaniforme em vários destes contextos mais pequenos corresponde a reocupações de sítios anteriormente abandonados. É assim no Porto das Carretas, onde um nível de abandono separa as duas fases de ocupação, surgindo as estruturas da segunda fase (onde ocorre o campaniforme) sobrepostas às estruturas defensivas arruinadas e desactivadas (Silva e Soares, 2002), e é assim também no Monte do Tosco 1, onde os materiais campaniformes surgem associados à Canana 1, a qual assenta

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sobre a ocupação anterior, ou integrados em escorrências superficiais. Esta região tem sido considerada como uma zona periférica de contacto entre três áreas de grande identidade estilística no que respeita ao campaniforme (Hurtado, 1999): o vale do Guadalquivir a sudeste, a Meseta e as penínsulas de Lisboa e Setúbal. Tal situação geográfica confere à região um importante papel no contacto entre o litoral ocidental e o interior peninsular e o campaniforme plasma essas relações, observando-se duas grandes vias de influência estilística: uma orientada para o interior mesetenho conectada com o estilo inciso Ciempozuelos; outra orientada aos estuários do Tejo e Sado conectada com o estilo internacional e o pontilhado geométrico Palmela. Esta relação parece materializar-se na distribuição espacial dos diferentes estilos, nomeadamente nas diferenças que se observam entre os contextos do médio e alto Sado e os da bacia do médio Guadiana. Nesta última área é claro o predomínio da influência mesetenha através do estilo inciso Ciempozuelos, exclusivo em vários sítios ou claramente predominante noutros (Perdigões, Monte do Tosco 1, Outeiro de São Bernardo; Anta de Bencafede, etc.). O Internacional ocorre com menor frequência, embora possa apresentar exclusividade em alguns contextos, de que são exemplo Miguens 3 e Porto das Carretas. Quanto ao pontilhado geométrico é bem menos representativo. Situação algo inversa é o que se observa na bacia do Sado. Aí o pontilhado geométrico (e os padrões decorativos que lhe estão associados) é exclusivo no Monte da Tumba (Silva e Soares, 1987) e predomina claramente no Porto Torrão (Arnaud, 1993; Valera e Filipe, 2004), onde o inciso Ciempozuelos está presente, mas com baixa representatividade. Por outro lado, onde o inciso é exclusivo, em sítios como a Barrada

internacional igualmente representado; no Sul do Alentejo e no Algarve, onde estas estilísticas não teriam grande difusão e ocorrem os contextos de “Ferradeira”. Parece ainda verificar-se um outro padrão: o estilo cordado apenas ocorre nos grandes recintos (Alcalar, Porto Torrão, Pijotilla). Falar de influências estilísticas e simbólicas para as várias regiões e não tanto de difusão será, de facto, o mais adequado. O número de trabalhos de arqueometria de cerâmicas relativo a contextos campaniformes vêm-se multiplicando e com eles aumenta o número de evidências de produções locais e regionais, sendo escassos os outliers que sugerem importações. A proveniência local/regional de campaniformes analisados já havia sido demonstrada para o Porto Torrão (Cabral, Prudêncio e Gouveia, 1988). Mais recentemente, demonstrou-se a mesma situação para os campaniformes incisos Ciempozuelos do Monte do Tosco 1 (Dias et. al., neste volume; Quirréc e Salanova, neste volume) e para os campaniformes de estilo internacional do Porto das Carretas (Silva e Soares, 2005). Esta situação foi igualmente observada noutras áreas regionais, como no caso da Fraga da Pena (Guarda, Beira Alta), onde a maioria dos recipientes campaniformes são de produção local, com excepção de dois recipientes de estilo internacional que se constituem como outliers em termos de composição química, podendo ser importações. Assim, se de facto algumas cerâmicas terão circulado, os dados que vão sendo obtidos parecem sugerir que não existe uma circulação maciça destes recipientes e, mesmo quando se observa uma grande fidelidade a determinados padrões estilísticos e decorativos, a maioria das produções parecem ser locais. Significa isto que a imagem de grande abrangência regional e transregional de determinadas morfologias (como o vaso acampanu-

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do Grilo (Santos, Soares e Silva, 1972), Pedra Branca (Ferreira et al., 1975) e Vale Vistoso (Soares e Silva, 1976/77), observa-se a manutenção das temáticas e padrões decorativos do pontilhado geométrico de Palmela e da tendência, que lhe surge associada, para o recurso a formas tradicionais do fundo neo-calcolítico (de que se destaca a tradicional taça de bordo espessado internamente), representando uma continuidade estilística (e provavelmente do discurso simbólico) recorrendo a uma técnica diferente. Observa-se, assim, um claro predomínio de influências estilísticas da Estremadura portuguesa. Parece pois que as zonas de influência estilísticas das cerâmicas campaniformes decoradas revelam padrões espaciais bem demarcados, situação que parece reproduzir-se no que respeita ao tradicionalmente de signado “Horizonte de Ferradeira”. Hoje fortemente criticado, não só relativamente à utilização da noção de “Horizonte” como também no próprio esquema evolutivo proposto, não deixa de ser interessante verificar que com a densificação da distribuição espacial dos sítios com cerâmicas campaniformes decoradas não se sobrepõe praticamente à área onde estão registados os contextos ou os materiais atribuídos ao “Horizonte de Ferradeira”, sugerindo, independentemente da inadequação do conceito, a existência de uma fronteira estilística. O fenómeno Campaniforme no Sul de Portugal apresentaria, assim, uma compartimentação estilística (de tendência politética) com expressão geográfica: na bacia do médio Guadiana um predomínio do campaniforme inciso de filiação mesetenha, embora com presença de internacional e algum pontilhado geométrico; na bacia do médio Sado, com predomínio do pontilhado geométrico ou dos seus temas decorativos realizados através da técnica da incisão, estando o

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lado e a caçoila) e de organizações decorativas e técnicas associadas não resultará tanto de uma intensa rede de circulação de recipientes padronizados produzidos em “centros” que os “exportariam”, mas decorrerá sobretudo da aceitação e integração locais de padrões formais, decorativos e eventualmente das simbólicas e discursos associados, cuja circulação assentaria essencialmente numa rede de contactos interregionais e de dinâmicas de circulação no território, que, apesar de enraizados no tempo e na tradição, seriam estruturadas pelas formas de organização que, em cada momento, o povoamento assumiria em cada região. O território a sul do Tejo é um território geograficamente aberto, sem grandes acidentes que se constituam como barreiras naturais, facilitando a deslocação e os contactos entre litoral e interior. Este é um palco físico que se pode assumir para os vários períodos pré-históricos, talvez com progressivas alterações ao nível do coberto vegetal por interferência humana a partir da Pré-História Recente. Mas se o palco é sensivelmente o mesmo, a forma como as comunidades nele se organizam varia e a estruturação que as relações sociais e as redes de povoamento assumem irá interferir e condicionar as dinâmicas de circulação, podendo, em situações limite, fechar territórios geograficamente abertos. Trata-se de abordar as questões da circulação à luz das teorias sociais do espaço. O Homem não circula exclusivamente num espaço físico, mas sim num espaço socializado e essa socialização estabelece os parâmetros para as formas como é vivido, sentido, explorado, ocupado e percorrido. Não se trata de aderir ao determinismo social proposto por Durkeim, mas sim de conceber a relação homem-espaço físico como uma inter-relação que desemboca em espaços sociais, ou seja, em paisagens di-

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nâmicas, onde os elementos físicos se cruzam com as percepções e sentidos, formando uma orgânica onde as dinâmicas de circulação funcionam e evoluem. O confronto dos modelos interpretativos expostos no ponto 22.2.1 poderá explicitar, de forma mais concreta a ideia. Como vimos, três grandes modelos se desenvolveram. Uma perspectiva autárquica de carácter fragmentário, que assume a existência de comunidades autónomas basicamente igualitárias organizadas numa escala local, de território restritos. Um quadro destes, mesmo em condições geográficas favoráveis, cria determinadas condicionantes à circulação, tornando-a mais indeterminada, gerando redes mais ou menos aleatórias de circulação, na medida em que estas estão mais sujeitas aos múltiplos jogos locais de aceitação e rejeição, para os quais concorrem as rivalidades, as concorrências, os conflitos e alianças, enfim, as estratégias de gestão identitária e de poder de pequena escala. Esta estruturação autárquica promoveria, assim, estratégias de circulação próximas dos modelos percolativos que consideram formas específicas de filtragem, aceitação selectiva, rejeição, alteração, retransmissões com alterações, por vezes muito significativas. Nestas circunstâncias, a tendência para a heterogeneidade, para uma integração transformadora e reformuladora acentua-se. Este quadro poderá ser defendido para a região Centro Norte de Portugal, onde modelos de povoamento mais autárquicos podem ajudar a interpretar a maior heterogeneidade estilística que o fenómeno campaniforme aí parece assumir, com uma significativa profusão de “abordagens” locais/regionais, configurando uma situação de integração com pronunciadas acções de modificação estilística, as quais poderão corresponder a mais significativas acções de reformulação simbólica, de sentidos e fun-

cionalidades associadas, sobre “protótipos” de origem alógena. Contudo, para o Alentejo a situação parece ser a inversa, sendo caracterizada por uma maior homogeneidade estilística, onde se observa um acentuado respeito pelas morfologias, padrões decorativos e até associações artefactuais, em áreas de influência estilística mais ou menos bem diferenciáveis. Em paralelo ao modelo autárquico, foram sendo desenvolvidos modelos de integração, tanto de média como de larga escala, os quais assentam em processos específicos de territorialização em torno de grandes centros. Neste contexto de povoamento agregado, com maiores ou menores níveis de hierarquização, a circulação de produtos tenderá a expressar essa forma de organização. Os grandes recintos tenderão a atrair as principais rotas de circulação e a gestão que fazem dos territórios que congregam tenderá a transformá-los em filtros nas relações entre as redes de povoamento locais e o exterior, quer ao nível das condições de assimilação quer da recreação de sentidos sobre o que vem de fora. Este modelo de circulação tenderá a gerar formas de incorporação mais homogeneizantes e normativas, menos sujeitas a reformulações locais, contribuindo para gerar níveis de maior fidelidade estilística e simbólica. Assim, pelo menos em parte, as formas agregadas que o povoamento assume no Sul Peninsular ajudariam a explicar a grande padronização de certos elementos da cultura material, nomeadamente os que mais directamente se relacionariam com o simbólico e com o religioso, e ao mesmo tempo

as assimetrias que a distribuição destes elementos evidencia, com uma grande concentração e diversidade nos grandes recintos e um carácter mais pontual nos sítios mais pequenos. Relativamente à área de estudo, é particularmente interessante a situação que se observa num espaço relativamente restrito de um raio inferior 20 Km (assumindo o centro como a área de implantação do Porto das Carretas e Mercador). No extremo norte desta pequena área temos o grande recinto de San Blás, com campaniforme inciso ciempozuelos (dominante) e algum potilhado geométrico. No extremo oeste temos um outro grande recinto no Perdigões, com campaniforme inciso ciempozuelos (dominante) e internacional. Depois temos os pequenos sítios mono estilísticos: 10 Km a sul de San Blas o sítio de Miguens 3, só com internacional3; a 16 Km a sul de San Blás e a 15 dos Perdigões, o Porto das Carretas também só com estilo internacional; a 15 km a sul do Porto das carretas o Monte do Tosco, apenas com inciso ciempozuelos. Como interpretar esta situação? Os contextos campaniformes, ou com campaniforme (uma diferença subtil que poderá ter grande importância), datados são ainda relativamente poucos na bacia do Guadiana. Todavia, a evolução da investigação nas últimas décadas tem vindo a evidenciar que o fenómeno campaniforme se apresenta bem mais complexo do que o tradicional modelo evolutivo dava conta, registando cada vez mais evidências da convivência de grupos estilísticos de diferentes

Foi referenciada (Calado, 2005) a presença de fragmentos cerâmicos decorados com impressões “beliscadas” associados aos fragmentos campaniformes neste sítio. Embora estes fragmentos não tenham sido considerados como podendo ser campaniformes, é bom considerar que este tipo de decoração surge em campaniformes na Beira Alta (a norte) e em Acebuchal (a sul) ou em vários fragmentos que sugerem formas acampanuladas registados em contextos das penínsulas de Lisboa e Setúbal .

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Figura 22-6 – Modelos de circulação em ambientes mais autárquicos (A) e mais agregados/hierarquizados (B).

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tradições nos mesmos períodos cronológicos e em contextos a escassos quilómetros de distância uns dos outros. Para o norte da margem esquerda portuguesa, de momento apenas existem datações para o Porto das Carretas, que colocam a ocupação com campaniforme exclusivamente internacional no terceiro quartel /inícios do quarto do 3º milénio (c. 2500-2100 – Silva e Soares, 2005). Tradicionalmente considerado mais tardio, o campaniforme inciso surge datado no recinto de San Blás entre 2600 e 2300 cal AC, sobrepondo-se claramente às datações do campaniforme do Porto das Carretas e sendo anteriores às do Mercador sem campaniforme, sítios localizados a apenas 20 km do primeiro. Esta situação, apesar de os períodos de radiocarbono com que funcionamos serem demasiado latos e, portanto, não permitirem a seriação fina de sequências e simultaneidades, poderemos admitir que, em termos de contemporaneidade, esta zona do troço médio do

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Guadiana revela a convivência de várias estilisticas campaniformes, que contudo, como vimos, revelam padrões de distribuição espacial complexos: diversidade estilística nos grandes recintos (embora com estilos claramente dominantes) com uma integração em continuidade; tendência para o monoestilismo em pequenos aglomerados de cabanas circulares, fundados de raiz ou reocupando antigos sítios abandonados. Verifica-se, ainda, que existe uma intercalação espacial na distribuição local destes estilos, com os contextos com campaniforme internacional exclusivo (Miguens 3 e Porto das Carretasse) a entreporem-se entre contextos com preponderância ou exclusividade de inciso (San Blás, Perdigões e Monte do Tosco). A forma como as cerâmicas campaniformes se distribuem na região é, pois, complexa. Mas se aceitarmos que a compreensão dos pequenos sítios nas suas particularidades, das suas dinâmicas de abandonos e reocupações, das suas relações com o exterior transregional, só são entendíveis no quadro da sua articulação em redes dinâmicas de povoamento e organização social, será aí, e não simplesmente no quadro de cada sítio em concreto, que os padrões de distribuição e o significado social de determinada materialidade ganharão sentido. As razões para a presença campaniforme exclusivamente internacional no Porto das Carretas e da sua total ausência no vizinho sítio do Mercador estarão relacionadas com a articulação provavelmente existente entre os dois sítios e entre eles e os grandes centros regionais, seja com os Perdigões, seja com San Blás. O mesmo se passará relativamente a Miguens 3 ou com o Monte do Tosco 1. É por isso ainda cedo para arriscar explicações e interpretações de carácter concludente. Uma vez mais, o trabalho dos próximos anos deverá passar das apressadas explicações generalizantes e homogeneizantes,

22.4. O problema funerário e a reutilização de contextos residenciais abandonados A questão funerária na margem esquerda continua um problema em aberto. Para o território considerado neste trabalho, os dados relativos às práticas funerárias das comunidades que o habitaram entre meados do 4º e meados do 2º milénios AC são extremamente escassos. Para o 4º / 3º milénio, conhece-se uma anta4, a qual foi escavada no processo de minimização do regolfo de Alqueva, e uma deposição secundária no povoado do Mercador. Para a primeira metade do 2º milénio a situação não melhora, contando-se com uma necrópole de cistas e um possível enterramento no povoado do Moinho de Valadares 1. A anta Fábrica da Celulose (Oliveira, 2000 e 2002) corresponde a um monumento clássico de câmara poligonal de sete esteios e um corredor curto (com um esteio alongado à esquerda e dois esteios à direita), orientado

a este. Do tumulus praticamente não restavam vestígios. Apresenta lajes de xisto (todo o resto do monumento é em granito, com um único esteio de grauvaque), cravadas em cutelo na rocha ou num depósito argiloso, na passagem do corredor para a câmara e na entrada do corredor. A primeira poderia corresponder a um eventual encerramento da câmara e as segundas a uma estrutura que parece estreitar o acesso ao corredor e eventualmente prolongá-lo um pouco mais, através de um outro corredor mais estreito ou de um átrio constituído por lajes de xisto, estrutura que, contudo, se encontrava muito afectada pela lavoura, impedindo a sua perfeita compreensão. Os materiais arqueológicos que forneceu, e que se encontravam maioritariamente no exterior do monumento (evidenciando as profundas perturbações e violações a que o mesmo foi sujeito), eram compostos por cerâmicas, utensílios líticos talhados, elementos de moagem e placas de xisto. No grupo das cerâmicas registaram-se uma pequena taça inteira e um conjunto de fragmentos de taças, taças carenadas, taças de bordo espessado, esféricos, fragmentos de fundos aplanados e de recipiente de colo alto. A indústria lítica talhada era dominada por elementos de lâmina em sílex, surgindo um possível geométrico e duas pontas de seta (uma em sílex e outra em xisto), alguns artefactos (não classificados) em xisto jaspóide e algumas lascas de quartzito. Os elementos de moagem eram compostos por dois dormentes e dois moventes. Finalmente, foi registado um conjunto significativo de placas e fragmentos de placas de xisto com decoração geométrica, onde, de acordo com as representações gráfi-

eUHIHULGDDH[LVWrQFLDGHXPRXWURPRQXPHQWRMiGHVDSDUHFLGRSUy[LPRGD)iEULFDGD&HOXORVHQD]RQDGRDWHUUR 2OLveira, 2000). Já a sul do Alcarrache está registado um outro monumento megalítico, também em granito.

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aplicadas por igual a todo e qualquer contexto que revele a presença destes materiais, para trabalhar as especificidades dos sítios e dos contextos locais concretos em que se inserem. A minimização de Alqueva foi um passo importante, ao permitir a detecção e intervenção de um conjunto significativo e diversificado de sítios no território restrito, mas acabou por levantar mais problemas do que proporcionar respostas. Foi, neste sentido, um começo a que convém dar continuidade e aprofundar.

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cas já publicadas, dominam as organizações em bandas de triângulos preenchidos por reticulado, associadas ou não a bandas de zigzagues verticais ou horizontais também preenchidos com reticulado. Nas “cabeças”, parecem dominar os espaços centrais triangulares ou trapezoidais onde se localizam os furos de suspensão (um ou dois), definidos por duas faixas laterais de bandas diagonais preenchidas por recticulado. Num caso (Oliveira, 2002), contudo, a cabeça apresenta um claro antropomorfismo decorativo, onde, para além de dois furos de suspensão centrais, existe uma faixa central vertical associada a duas diagonais que saem da sua extremidade superior (sobrancelhas e nariz?) e dois olhos raiados, abaixo de cada qual existem três bandas diagonais (tatuagens?). Este tipo de motivos e organizações tem sido interpretado como uma penetração tardia da iconografia mágico religiosa calcolítica neste tipo de representações simbólicas. Implantado precisamente na única mancha de granitos existente no território em análise na margem esquerda, a qual corresponde a um pequeno prolongamento da mancha que se localiza na margem direita, a norte do curso terminal da Ribeira do Álamo (Cf. fig. 2-4), corresponde a um sepulcro com uma arquitectura e um conjunto artefactual (eventualmente bastante subtraído nos seus componentes originais) que se enquadram no que terá sido o momento pleno do grupo megalítico do Vale do Álamo, podendo ser situável na 2ª metade do 4º milénio AC, mas sem excluir a possibilidade de se prolongar pelo início do 3º milénio AC, o que será eventualmente sugerido pela placa de xisto com “olhos raiados”. Poderá, pois, corresponder a um prolongamento desse núcleo megalítico para a margem esquerda, precisamente onde a matéria-prima que mais utiliza está ainda disponível, podendo ser interpretado como

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um indício da ligação dos territórios das duas margens. Mas algumas questões podem ainda ser levantadas relativamente à cronologia deste monumento funerário. O monumento situa-se perto do habitat da Fábrica da Celulose, o qual, contudo, e de acordo com a cronologia proposta, lhe será anterior (Silva e Soares, 2002) se tivermos em consideração a descrição anteriormente feita dos conjuntos artefactuais provenientes da anta. Todavia, na observação da estampa de materiais cerâmicos publicada (Oliveira, 2000), alguns fragmentos (nºs 75 e 66) apresentam um sombreado sob o bordo, não ficando claro no desenho (nem sendo esclarecido em texto) se se trata de um ligeiro espessamento externos dos bordos ou de um ligeiro sulco sob o bordo. A importância deste pormenor reside no facto de recentemente se terem vindo a identificar um conjunto de contextos com a particularidade de apresentarem cerâmicas com sulco sob o bordo, às quais se vem começando a atribuir um significado cronológico mais ou menos preciso, associado a um “momento médio” do Neolítico. Ora a cerâmica do povoado da Fábrica da Celulose é caracterizada, precisamente, por “(...) formas simples, sendo comuns os pequenos vasos esferoidais ou ovóides de bordo ligeiramente inclinado para o exterior. A decoração é predominantemente constituída por um sulco horizontal localizado imediatamente abaixo do bordo;” (Silva e Soares, 2002: 176). Daí que, face à situação de total revolvimento do contexto funerário, com a maioria dos materiais a serem recolhidos no exterior, e face a eventual possibilidade de este tipo de cerâmicas estarem presentes entre os materiais recolhidos na sua escavação (o que importa esclarecer se de facto acontece), se possa colocar a questão de se, na sua origem, o

Seja como for (esta problemática só fará sentido se as cerâmicas referidas corresponderem efectivamente àquele tipo de decoração), o monumento da Fábrica da Celulose estaria em utilização na 2ª metade do 4º milénio AC e, eventualmente, terá atingido em funcionamento o início do 3º. O mesmo é dizer que poderá ter sido, pelo menos em parte, contemporâneo do arranque das ocupações dos povoados do Moinho de Valadares 1, cerca de 3,5 km a sul, e até do Mercador, sensivelmente à mesma distância, mas para nordeste.

Contudo, face à hipótese de estabelecer uma relação entre este monumento (ou as suas fases finais de utilização) e as primeiras ocupações daqueles dois povoados (para os quais não se conhecem sepulcros directamente correlacionáveis), convém salientar que um único monumento megalítico (ou mesmo dois, a confiar na informação relativa à existência de outro junto à Fábrica de Celulose) seria manifestamente insuficiente para as “necessidades” funerárias das comunidades da margem esquerda. Onde estão, pois, os mortos do Porto das Carretas, do Mercador, do Moinho de Valadares, da Julioa 4 / Luz 20, do Monte do Tosco e de tantos outros sítios referenciados mas não intervencionados? As respostas podem ser variadas: a não intervenção integral dos contextos trabalhados poderá ter “falhado” alguns contextos funerários associados a estes sítios; o recurso a soluções funerárias não monumentais, baseadas em estruturas frágeis e perecíveis; a utilização do rio; o recurso a monumentos megalíticos da margem direita; etc. É hoje comum ver expressada a ideia que, mesmo para as comunidades que tumulavam em sepulcros megalíticos, apenas uma parte dos elementos da comunidade ali seriam depositados, o que, desde logo, implica a existência de soluções funerárias alternativas. Esboça-se, pois, a ideia de que as práticas funerárias dos finais do 4º e sobretudo do 3º milénio seriam mais diversificadas que o registo arqueológico parece deixar transparecer. Contudo, sem as respectivas evidências materiais dessas práticas alternativas, pelo menos com uma expressão arqueológica que ultrapasse o mero caso pontual, de forma a constituírem-se como uma verdadeira solução para alguns “desertos funerários”, pouco mais poderemos fazer do que avançar hipóteses, mas que teimam em não sair do campo das hipóteses plausíveis.

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monumento da Fábrica da Celulose não estaria relacionado com as comunidades que ocuparam o habitat contíguo. Três hipóteses podem ser equacionadas: a) Estas cerâmicas têm origem no habitat e surgem junto ao monumento funerário por arrastamento ou escorrência, ou ainda incorporadas em terras trazidas para a construção do tumulus. A sua incorporação no conjunto dos materiais funerários (quase na totalidade recolhidos no exterior do monumento) resultaria do revolvimento a que o sepulcro foi sujeito; b) Estas cerâmicas integrariam o ritual funerário e corresponderiam a um primeiro momento de utilização do sepulcro, fazendo recuar ligeiramente a cronologia que acima lhe foi proposta, sucedendo-se as reutilizações até finais do 4º inícios do 3º milénio AC (a ausência de estratigrafia preservada para contextualizar o conjunto de materiais provenientes da escavação do sepulcro, não possibilita uma segura seriação cronológica dos mesmos); c) Estas cerâmicas integrariam o ritual funerário, mas mais do que expressar um momento mais antigo para a construção e primeiras utilizações, poderiam traduzir uma sobrevivência de uma tradição decorativa em momentos da 2ª metade do 4º milénio AC.

Uma das que tem sido proposta a propósito do complexo dos Perdigões (Valera, et al., 2000 e no prelo) enquadra-se na discussão acima relativa ao eventual estatuto dos Perdigões e aos papeis que poderá ter desempenhado na região. Um estudo arqueométrico foi iniciado, e está hoje em curso, incidindo sobre cerâmicas recuperadas na área interior do recinto (a que tem sido considerada como área do povoado), cerâmicas recuperados na necrópole e amostras da componente argilosa da geologia regional. Os objectivos (Dias et al, no prelo), partindo do reconhecimento da existência de algumas diferenças tipológicas entre os recipientes domésticos e os utilizados nos rituais funerários e da possibilidade colocada relativamente ao uso da necrópole dos Perdigões por comunidades periféricas (cf. Valera et al. 2000), consistiam em avaliar a possibilidade da existência de produções específicas para os materiais utilizados nos rituais funerários e a existência de matérias-primas específicas, com origens locais diferentes, utilizadas na manufactura destas duas categorias funcionais. O universo analisado (134 recipientes e 21 amostras do contexto geológico regional) era composto por fragmentos de cerâmicas recolhidas no interior do povoado, fragmentos de recipientes recolhidos nos sepulcros e recipientes inteiros recolhidos nos sepulcros. Os dois primeiros conjuntos foram, apenas por facilidade de referenciação, designados domésticos e o terceiro por funerário5. Os resultados revelaram que as cerâmicas se organizavam, de acordo com a sua composi-

ção química, em três grupos: o primeiro, com 50% das amostras estudadas, aglomerava equitativamente cerâmicas “domésticas” e “funerárias”; o segundo, com 30%, incluía maioritariamente cerâmicas domésticas e ainda algumas funerárias; o terceiro, com 20%, era constituído por cerâmicas exclusivamente funerárias do Sepulcro 1 (ou seja, exclusivamente por um conjunto de recipientes inteiros provenientes daquele sepulcro). Quando comparados com a geologia local, verificava-se que o primeiro grupo correspondia a argilas provenientes dos dioritos e gabrodioritos que correspondem ao contexto geológico onde se implantam os Perdigões. Ou seja, a maioria das peças analisadas teriam sido produzidas com recursos locais, utilizados tanto em cerâmicas “domésticas” como “funerárias”. O segundo grupo revelava maioritariamente a mesma proveniência para as matérias-primas, mas apresentava algumas peças que apontavam para matérias-primas provenientes dos depósitos argilosos terciários, dos quais existe uma mancha relativamente grande 2,5 Km a norte dos Perdigões. Continuava a verificar-se que a maioria das peças eram produzidas com argilas provenientes do território de implantação do sítio, mas uma pequena percentagem de cerâmicas, tanto “domésticas” como “funerárias”, revelam matérias-primas com proveniências um pouco mais distantes. O terceiro grupo, só composto por cerâmicas funerárias, revelou uma maior heterogeneidade química das matérias-primas, sendo estas as únicas que evidenciaram uma clara associação

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De notar que os fragmentos de recipientes analisados provenientes dos sepulcros eram pequenos fragmentos sem remontagens correspondiam a pratos, taças carenadas e potes mamilados, formas sempre ausentes entre os recipientes LQWHLURVRXSDUFLDOPHQWHLQWHLURVUHJLVWDGRVQRVVHSXOFURV7DOQmRVLJQLÀFDTXHQmRSXGHVVHPWHUVLGRLQWHQFLRQDO e ritualmente depositados, mas nunca o foram inteiros ou sequer em grandes fragmentos. A sua incorporação nos depósitos como resultado dos processos tafonómicos que ocorreram durante a própria utilização e ruína do Sepulcro 1 não pode, todavia ser descartada, tanto mais que a necrópole se insere numa área intensamente ocupada.

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viveriam no vale, o que por si revelaria já uma significativa capacidade de atracção. Se esta hipótese será igualmente válida para algumas das comunidades da margem esquerda (a cerca de 15 km dos Perdigões) é uma hipótese que poderá fazer algum sentido no contexto da discussão anterior, mas que dificilmente resolverá o problema da generalizada ”ausência de mortos” que ainda se regista nesta zona em face das evidências do seu dinâmico povoamento durante os finais do 4º e 3º milénios. Esta é pois uma questão em aberto, para a qual a minimização de Alqueva pouco contribuiu. Contudo, os finais do 3º milénio e 1ª metade do 2º as reutilizações funerárias de contextos residenciais abandonados vieram deitar uma nova luz sobre a diversidade de práticas funerárias na transição para e já durante a Idade do Bronze. No Mercador, como já foi referido, foi identificada uma deposição secundária, efectuada num pequeno nicho estruturado no topo do derrube que se formou após o abandono da Cabana 1. Aí foram colocados alguns ossos de um indivíduo jovem, datados pelo radiocarbono do final do 3º / inícios do 2º milénio AC (OxA-11981 - 3664±29 BP - 2134-1936 Cal AC a 2s). Como se discutiu anteriormente, é provável que esta deposição fosse realizada já num momento em que o sítio estaria abandonado, mas não muito distante no tempo relativamente a esse abandono. Por sua vez, no Moinho de Valadares, numa reutilização tardia da Idade do Bronze foram identificadas duas fossas, uma delas contendo restos de crânio de um indivíduo adulto. Para esta reutilização existe uma datação do segundo quartel do 3º milénio, a qual é estatisticamente idêntica, por exemplo, a uma das datas da necrópole de cistas da Herdade do Pomar e ligei-

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aos xistos que envolvem toda a bacia do vale do Álamo. Como primeiras conclusões, verificou-se que a maioria das matérias-primas usadas provinham dos contextos geológicos imediatos aos Perdigões. Contudo, parece existir um recurso a matérias-primas mais diversificadas na cerâmica funerária. Neste contexto, o recurso às argilas terciárias e aos xistos alterados poderia reflectir o recurso a matérias-primas provenientes de áreas para além do território imediato dos Perdigões por parte das populações que o habitavam, mas o facto de esta diversidade ser significativamente maior nas cerâmicas funerárias e sobretudo o facto de as argilas provenientes dos xistos apenas ocorrerem em recipientes funerários estando ausentes nos recipientes domésticos não encaixa nesta explicação, viabilizando, antes, a hipótese da a necrópole dos Perdigões por ser utilizada por comunidades periféricas. Alguns outliers foram também definidos, correspondendo a cerâmicas funerárias, sugerindo contactos com o exterior, já atestados por características estilísticas de determinados artefactos e reforçando a hipótese anterior. Os dados até ao momento obtidos pela arqueometria parecem, pois, viabilizar (o que é diferente de confirmar) a possibilidade de a necrópole dos Perdigões, cujos monumentos escavados até ao momento apenas evidenciaram deposições secundárias, ter sido utilizada por comunidades periféricas do sítio. A ideia é a de que estas comunidades teriam os seus mortos a descarnar noutro local e transportariam partes dos seus esqueletos para as depositarem, juntamente com espólios votivos (entre os quais se contariam recipientes cerâmicos produzidos com argilas provenientes das áreas próximas desses povoados, com por exemplo das áreas dos xistos) em sepulcros na Necrópole dos Perdigões. Esta teria, assim, a capacidade de atrair as deposições funerárias definitivas de elementos de grupos que

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ramente posterior à outra data existente para o mesmo sítio (Cf. fig. 21-3), revelando a manutenção de uma diversidade de soluções funerárias durante a primeira metade do 2º milénio. A prática de deposições funerárias em contextos habitacionais, activos ou já desactivados, está, assim, documentada na margem esquerda nos finais do 3º e 1ª metade do 2º milénio AC. Esta mesma prática já havia sido registada na margem direita, no vizinho contexto do Monte Novo dos Albardeiros (Gonçalves, 1988/89). Aí, no interior de uma estrutura fortemente afectada por uma violação mecânica (Estrutura 1) foram identificados ossos humanos (aparentemente sem conexão anatómica) associados a alguns artefactos considerados de carácter votivo. Uma datação sobre fauna presente no depósito de ocupação da estrutura forneceu uma data da 2ª metade do 3º milénio (ICEN-529: 3760±100BP, 2470-1910 cal AC a 2s), a qual recobre a datação disponível para a Fossa 1 do Mercador e, portanto, também a data realizada sobre os ossos humanos da deposição funerária registada sobre os derrubes da Cabana 1 daquele sítio. Na Estrutura 1 do Monte Novo dos Albardeiros, uma vez que a datação não foi realizada sobre os ossos humanos, é levantada a dúvida de se a datação corresponde ao fim da utilização da estrutura como espaço doméstico, num momento de reutilização funerária, ou se corresponde a essa utilização doméstica anterior ao ritual funerário. Os dados até hoje publicados não fornecem informações particulares sobre as condições de jazida dos ossos e materiais eventualmente associados, ou seja, não sabemos se existem dados que permitam ou não uma diferenciação estratigráfica fina entre os ossos humanos e os restantes materiais. Pelo que resulta da leitura do texto publicado, a interpretação assumida como mais provável é a de um contexto doméstico reutilizado numa

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fase final como contexto funerário. Se assim for, a datação poderia ser referente a um momento imediatamente anterior ao acto funerário, sendo que este não deveria ter ocorrido muito depois da deposição dos restos faunísticos datados (partindo do princípio que não há evidências de diferenciação estratigráfica). É, pois, bastante plausível que esta deposição funerária possa ser globalmente contemporânea da registada no Mercador. Quanto há questão de se terá sido feita já com o povoado desactivado ou ainda activo nada é referido, nem são proporcionadas informações que permitam inferir num sentido ou noutro. Situação diferente parece já ser a de um segundo depósito funerário sobre os derrubes das estruturas anteriores que, pelos artefactos associados, é datável do início da Idade do Bronze e enquadrável na 1ª metade do 2º milénio AC. Aqui, parece mais evidente que o acto funerário terá ocorrido já com o sítio desactivado, tal como terá acontecido com a situação registada no povoado do Moinho de Valadares 1. Assim, o conjunto destes três contextos parece indiciar as seguintes situações: a) no último quartel/final do 3º milénio AC existe a prática de deposição secundária de restos humanos em contextos interpretáveis como residenciais. Os dados estratigráficos não são definitivos relativamente à questão de se esses actos funerários são efectuados com esses contextos ainda activos ou já desactivados, mas apontam nesse sentido. A ser assim, as deposições teriam sido efectuadas muito próximas no tempo relativamente a essa desactivação. Até que ponto poderemos pensar numa associação significante entre estes rituais funerários e o próprio momento de abandono final (desactivação residencial/funcional) dos respectivos sítios é uma possibilidade sugestiva, mas de difícil demonstração.

abandonados, mas reconhecíveis e conhecidos (certamente nomeados), evocariam. Num certo sentido, poderá existir um certo paralelismo com as reutilizações, durante a Idade do Bronze, de monumento funerários megalíticos há muito desactivados na sua função funerária, que não na sua actividade simbólica como elementos estruturantes da construção social do espaço. Estas situações têm o condão de nos alertar para o facto de que a participação activa de muitos dos contextos do 3º milénio na construção social do espaço e nas narrativas que os sucessivos presentes foram sobre ele construindo, se terá mantido muito para além do seu abandono e ruína, constituindo-se como parte integrante dos habitus (no sentido de Bourdieu) destas comunidades. Não deixa, pois, de ser interessante que seja como elementos de memória e de construção identitária que eles voltem hoje a ser socialmente activos. Assim lhes seja proporcionado o exercício desse papel.

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b) Durante a 1ª metade do 2º milénio AC existe a prática de visitar estes contextos arruinados e, sem aparentes evidências de reocupações de outra qualquer índole, efectuar neles deposições funerárias. Se a primeira situação pode, entre outras hipóteses, remeter para rituais de abandono/ encerramento intencional e definitivo do sítio ou de partes do sítio, a segunda poderá remeter para o prolongamento simbólico que estes sítios, uma vez abandonados, mantêm nas paisagens locais e na codificação e mapeamento mental do espaço. Poderemos pois pensar que estas reutilizações funerárias não seriam uma solução funerária comum, mas que se enquadrariam em estratégias simbólicas de comunicação relacionadas com a gestão e organização do espaço. Como já foi dito, ao contrário das estratégias de curação, que subtraem, estes rituais funerários adicionam sentido aos sítios arruinados, estabelecendo uma relação com o passado, com a memória e as suas narrativas mais ou menos mitificadas, que estes locais

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BIBLIOGRAFIA

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ANEXOS

ANEXO 1. A ROCHA GRAVADA DE AGUALTA 71 Lara Bacelar

O sítio com arte rupestre em questão foi identificado aquando da realização das acções de prospecção arqueológica promovidas pela EDIA cujo acervo informativo decorrente foi coligido no Quadro Geral de Referência e nele consta com o número de inventário 95699. Aliás, trata-se efectivamente de um dos dois sítios inseridos na categoria de «sítio com arte rupestre», a par de Agualta 6, situado na margem direita do Guadiana, em elevação fronteira a Agualta 7. A execução dos trabalhos arqueológicos de limpeza e levantamento foi integrada no Bloco 5. No quadro da intervenção foram então definidos os seguintes objectivos: R realização do decalque integral das gravuras rupestres presentes; R elaboração do inventário iconográfico que inclui a descrição das características técno-morfológicas dos motivos individuais e sua numeração; R análise formal das técnicas de elaboração das figuras compósitas, das diferentes fases de gravação e das estratigrafias figurativas; Um ensaio interpretativo preliminar sobre a arte rupestre da Agualta 7 e sua contextua-

lização cronológico-cultural terão como ponto de partida os resultados do tratamento estatístico e comparado das informações obtidas através da análise formal das grafias presentes.

2. LOCALIZAÇÃO E ENQUADRAMENTO GEOGRÁFICO O sítio com arte rupestre ao qual foi atribuída a designação Agualta 7 está registado administrativamente no lugar do Monte da Julioa, freguesia de Mourão, concelho de Mourão, distrito de Évora. As coordenadas hectométricas, aferidas ao sistema nacional de referência, constantes no Quadro de Referência da EDIA, são GAUSS M264.9 – P155.4, obtidas mediante projecção em CMP 1/25 000, folha 483. A rocha decorada situa-se junto ao topo de uma declivosa vertente sobranceira ao rio Guadiana, na sua margem esquerda, e eleva-se à altitude relativa de 160 m. Dada a sua altimetria, este importante sítio com arte rupestre não deverá ser directamente afectado pela implementação do regolfo da albufeira do Alqueva. O substrato geológico é constituído por xistos argilosos do Silúrico. No entorno imediato, é a convergência de imponentes afloramentos, fortemente metamorfizados, que confere ao local um

A intervenção arqueológica no sítio com arte rupestre da Agualta 7 foi realizada pela signatária. O levantamento fotográÀFRHVWHYHDFDUJRGH0DULD7HUHVD6LOYDOLFHQFLDGDHP+LVWyULDYDULDQWHGH$UTXHRORJLDSHOD8QLYHUVLGDGHGR3RUWRVRED coordenação da signatária.

1

ANEXO I

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1. INTRODUÇÃO

aspecto agreste em termos visuais, sendo um ponto de convergência de diferentes texturas e formas. O observador que enceta a sua aproximação ao sítio a partir de sudeste, após transpor o limite superior da vertente, depara com uma plataforma rochosa horizontal profusamente decorada com figuras executadas a traço fino, cujas formas são apenas perceptíveis a curta distância da superfície e, levantando o olhar, vislumbra uma vasta paisagem de orografia suave, permanentemente dominada pelo sinuoso espelho das águas do Guadiana. A cerca de 50 metros mais abaixo na vertente localiza-se a plataforma onde se localiza o povoado do Moinho de Valadares. Embora domine um vasto horizonte visual, a identificação da rocha decorada a partir de diversos pontos da paisagem é extraordinariamente difícil, já que é invisível tanto a partir da plataforma superior como do sopé da encosta. Cremos que se tratará de um sítio cuja funcionalidade deveria ser restrita a quem tivesse conhecimento da sua existência e localização na

)LJXUD²6XSHUItFLHGDURFKD JUDYDGDVREUDQFHLUDDRPHDQGUR GR*XDGLDQDQD]RQDGR0RLQKR de Valadares.

Memórias d’Odiana R 2ª série

506

ANEXO I

medida em que, apesar de diluído da paisagem, a acessibilidade física não implica qualquer dificuldade ou perigosidade. A sudeste de Agualta 7 estende-se um plateau de relevos suaves, pontuado por ribeiras que rasgam uma paisagem de solos esqueléticos fluindo entre escarpas xistosas. A superfície decorada, implantada em pequena bancada virada a nordeste, insere-se num imponente afloramento de xisto cujas faces viradas a N, NO e E formam abruptas paredes verticais nas quais se abrem pequenos abrigos onde não se detectaram quaisquer insculturas rupestres (com excepção de duas pequenas covinhas numa rocha vizinha). A área eleita afigura-se-nos como a mais propícia para receber decoração pelas suas características morfológicas. Trata-se se uma superfície horizontal, lisa, apenas truncada por algumas fracturas naturais. Estamos perante um sítio com arte rupestre de ar livre que poderá ser considerado como um dos exemplos mais meridionais da

0(72'2/2*,$6 3.1. Limpeza da superfície decorada A acção de limpeza da vegetação arbustiva e herbácea que florescia em redor e sobre o sector 1 da rocha revestiu-se de primordial importância na medida em que permitiu definir a real extensão da superfície decorada e aferir do grau de degradação do suporte na área recoberta por vegetação. O diagnóstico apriorístico do estado de conservação do sítio indica que o crescimento incontrolado da vegetação constitui o factor máximo de ameaça à boa conservação de um sítio arqueológico desta natureza. A vegetação arbustiva que se encontra em contacto directo com a superfície decorada favorece, em caso de incêndio, a exposição da face decorada a elevadas temperaturas decorrentes do mesmo. Por outro lado, a penetração de raízes nos interstícios do afloramento de xisto acelera, como verificámos após a limpeza do sector 1, o processo de descamação e exfoliação da superfície. O estudo exaustivo da totalidade das gravuras rupestres, executadas mediante fina incisão sobre a superfície, foi apenas possível após remoção da flora liquénica com recurso a instrumentos não abrasivos.

5HJLVWRJUiÀFRGDVJUDYXUDVUXSHVWUHV A metodologia adoptada no registo gráfico das gravuras rupestres do sítio com arte rupestre da Agualta 7 foi o decalque directo e integral da superfície decorada, o que equivale a dizer que

foi registada a totalidade das gravuras rupestres observadas incluindo, portanto, quer os motivos figurativos de feição pré/proto-histórica, quer as incisões realizadas em fase ulterior à «criação do lugar». No intuito de representar o mais fielmente possível a relação entre as superfícies decoradas e determinados elementos naturais do suporte, foram ainda registados os acidentes da superfície rochosa que ilustram algumas das suas características morfológicas. Os parâmetros de registo encontram-se esquematizados em legenda que consta de cada segmento de polivinilo utilizado. Na legenda é indicado o nome e localização do sítio arqueológico, número de sector, data de realização do decalque, identificação do(s) técnico(s) e a indicação do tipo, cor e espessura do traço utilizado para a representação das gravuras e dos diversos acidentes naturais do suporte – fissuras, diaclases, superfícies côncavas e convexas. O decalque das gravuras rupestres foi realizado em polivinilo transparente, sob luz rasante artificial, incidindo obliquamente sobre a superfície, gerada por iluminadores Hedler de potência adequada munidos de soft-box a fim de evitar a reflexão excessiva da luz. Tornou-se, por vezes, necessário recorrer a iluminadores de potência reduzida de modo a observar sulcos mais erodidos o que permite uma maior acuidade na observação, em pormenor, das técnicas e reconstrução do processo de gravação das figuras, dos diferentes graus de pátina e regularidade das superfícies internas das gravuras e, consequentemente, da detecção e análise das estratigrafias figurativas. Dada a natureza das gravuras rupestres presentes, finas incisões sendo muitas delas de difícil percepção, recorreu-se à utilização de lupa binocular. O polivinilo foi sobreposto directamente sobre superfície decorada e o decalque feito à escala 1:1. Utilizaram-se canetas de acetato de espessura fina (0,5/1) em conformidade com

ANEXO I

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arte rupestre Esquemático-linear, com uma lata atribuição cronológica que parece arrancar em momentos tardios da pré/proto-história.

a morfologia do sulco e regularidade do seu contorno. O contorno exterior de cada painel foi totalmente delimitado no decalque muito embora seja também definido no levantamento topográfico. Nos painéis em que se verificou ser necessário sobrepor dois ou mais segmentos de polivinilo, foi utilizada simbologia específica (+) para designar cada área de sobreposição a fim de evitar quaisquer desvios aquando do tratamento, em gabinete, dos registos de campo. A subsequente tarefa de catalogação e descrição de painéis e motivos individuais teve por base as observações feitas durante o registo e permitiu, simultaneamente, proceder a correcções e completar o decalque com a indicação gráfica da numeração dos motivos e das sobreposições observadas.

/HYDQWDPHQWRIRWRJUiÀFR

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O registo fotográfico desempenha um papel fundamental em qualquer processo de levantamento de arte rupestre. Com efeito, tratando-se de um vestígio arqueológico de carácter iminentemente visual, consideramos que se torna premente captar o “impacto” objectivo destas representações na óptica do observador. Simultaneamente, a fotografia deverá favorecer a compreensão da forma como os sítios com arte rupestre se articulam com o espaço envolvente e procurar resposta a questões tais como: a partir de que ângulo deveriam ser visualizados os diferentes painéis? A partir de onde se faria a aproximação até junto da superfície decorada? Em que período do dia seriam mais facilmente discerníveis de acordo com o ângulo de incidência da luz solar? Cremos que a divulgação da arte rupestre deverá obedecer a critérios que facultem uma complementaridade entre o suporte ao rigor

ANEXO I

científico – a fotografia, como precioso instrumento de apoio ao registo de campo – e a aproximação à “experiência real” do sítio. O registo fotográfico foi realizado a dois níveis: fotografia a partir dos pontos de visibilidade da paisagem circundante de/a partir do monumento e fotografia de pormenor dos motivos insculturados. A fotografia, realizada sob luz rasante artificial, diurna e nocturna, permitiu uma mais eficaz leitura das grafias presentes. Para tal, propomos utilizar dois iluminadores Hedler com uma potência de 1200W / 650W, sendo o primeiro munido de soft-box o que permite obter um feixe de luz rasante uniforme e difusa. O arquivo documental da Agualta 7 inclui uma cobertura exaustiva dos motivos individuais em diapositivos a cores. Foram utilizadas grandes-angulares para perspectivas gerais do afloramento e sua integração espacial, método que se nos afigurou como o mais eficaz dadas às grandes dimensões do afloramento. A fotografia de pormenor foi efectuada com lente macro. Na fotografia utilizaram-se necessariamente velocidades baixas de forma a permitir fechar o diafragma, aumentando a profundidade de campo e consequentemente a nitidez da imagem. Para tal foi obviamente necessário utilizar um tripé munido de magic arm o que permitiu uma maior aproximação física da câmara em relação à superfície decorada. A utilização de um nível de fotografia permitiu-nos um maior rigor no nivelamento horizontal entre a câmara e a superfície horizontal do suporte caso a caso. O equipamento utilizado constou de uma câmara Minolta X-300s munida de lentes Minolta Macro 50 mm para fotografia de pormenor e uma Nikon F50 com lentes de 24mm e AF Nikkor 35-80 mm, utilizada na fotografia

de paisagem. Dispúnhamos ainda de filmes de tungsténio, indicados para luz artificial – Fuji RTP 64 – bem como acessórios e filtros adequados a cada situação.

negro, enquanto as fissuras e desplacamentos foram delineados através de linha ponteada. Após digitalização dos registos, as páginas correspondentes a cada sector foram impressas a uma escala reduzida com o objectivo de elaborar uma cópia de trabalho onde constasse a planta da rocha.

3.4. Inventário descritivo

3.5. Tratamento dos registos de campo HPJDELQHWH O subsequente tratamento dos registos de campo em gabinete constou da sua transposição para papel vegetal, à escala, no intuito de manter intacto o decalque integral da rocha em polivinilo. Estas cópias foram reduzidas à escala 1:2, procedeu-se à montagem dos registos por sectores da rocha que, por sua vez, se transpuseram para película draftex. Na tintagem, as gravuras e contorno exterior dos sectores representam-se a

4. CARACTERIZAÇÃO GERAL DA ROCHA DECORADA ($63(&7267e&12 025)2/Ð*,&26 '$6*5$),$635(6(17(6 A rocha historiada, com dimensão máxima de 2,10mx4,41m, apresenta um desenvolvimento segundo um eixo NO-SE, acompanhando a topografia natural do suporte. Trata-se de uma superfície horizontal, de textura regular, alisada naturalmente, que apresenta coloração cinzenta. A sua composição micácea confere-lhe ainda uma certa brilhosidade. A composição, constituída única e exclusivamente por motivos filiformes, apresenta um intricado conjunto de motivos predominantemente lineares executados mediante fina incisão/abrasão directa, superficial, obtida por aguçado instrumento lítico ou metálico. O acervo figurativo daí resultante consta predominantemente de signos lineares geométricos, dos quais se destaca a linha recta ou de tendência rectilínea. Relativamente à morfologia dos sulcos que compõem as diversas figurações, apresentam, na sua maioria, secções transversais em U. Não se registam motivos profundamente gravados, com perfil em V, que caracterizam as gravuras litotrípticas, assim designadas por Santos Júnior. A profundidade dos sulcos das gravuras de Agualta 7 têm, em média, 0,5/1mm e de largura medem entre 0,25mm-2mm.

ANEXO I

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Procedeu-se à elaboração de um inventário descritivo das grafias presentes do qual constará a descrição de cada motivo e a sua respectiva numeração, exercício subjacente a qualquer estudo monográfico. Este será acompanhado por um ensaio interpretativo do sítio e sua integração contextual na problemática acerca da definição crono-cultural das gravuras pré-históricas integráveis no grupo convencionalmente denominado Arte Esquemática-Linear. O estudo formal das manifestações artísticas do sítio da Agualta 7 atendeu à análise estilística dos motivos e das estratigrafias figurativas – quando se verificou inequivocamente o ordenamento da sobreposição de elementos lineares - bem como à sua distribuição no espaço operativo do suporte ou seja, à orquestração dos micro-espaços e a distribuição das gravuras rupestres na superfície decorada.

No entanto, afigura-se-nos necessário colocar a hipótese de que alguns dos sulcos lineares observáveis terão sido acidentalmente realizados sobre a superfície, isto é terão origem tafonómica. De facto, qualquer acto acidental de fricção directa ou indirecta com material abrasivo ou aguçado é suficiente para delinear um sulco sobre a superfície, pelo que se torna difícil por vezes distinguir os sulcos de natureza antrópica e de natureza tafonómica. Contudo, estudos recentes parecem apontar para que, de uma forma genérica, os sulcos antrópicos apresentem uma morfologia rectilínea enquanto os sulcos produzidos acidentalmente (pelo acto de pisar um elemento abrasivo que se encontre sobre a rocha, por exemplo) tendem a apresentar um desenvolvimento sinuoso (Garcia-Diez, com. pess.). Uma análise preliminar da organização compositiva aponta para que a decoração tenha sido executada em momentos sucessivos até à actualidade, visto apresentar uma débil coerência compositiva quer em termos da distribuição dos motivos individuais, quer na sua relação com a morfologia do suporte. A existência de intrincadas sobreposições de gravuras dificultou sobremaneira a análise do processo gráfico de elaboração de determinados motivos, bem como a leitura da estratigrafia horizontal das grafias presentes na rocha.

,19(17É5,2'(6&5,7,92

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O inventário descritivo, quer dos sectores, quer dos motivos individuais, será apresentado numa sequência ordenada de acordo com o seu número de inventário, o qual foi atribuído da esquerda para a direita a partir do melhor ponto de visualização da rocha, isto é, a partir dos afloramentos de xisto, em bancada, que lhe são

ANEXO I

adjacentes a SO. Privilegiou-se, desta forma, uma observação no sentido SO-NE. Para uma mais eficaz percepção e análise dos conjuntos, a rocha foi dividida em cinco sectores (S1, S2, S3, S4, S5), definidos por fracturas naturais do suporte. Em cada sector foram diferenciadas áreas de distribuição ou concentração de motivos – grupos – que mereceram uma numeração sequencial por sector. Dentro dos vários grupos foram individualizados motivos individuais, que se referem, neste caso específico, a conjuntos de traços rectilíneos, arquiformes ou circulares que compõem motivos figurativos identificáveis, como sejam, por exemplo, as figurações de carácter antropomórfico, ou de motivos geométricos que conhecemos do repertório iconográfico característico da tradição da Arte Esquemático-Linear. Foram definidos, para cada sector da rocha decorada, os seguintes descritores: R Morfologia; R dimensões máximas; R áreas da superfície afectadas por agentes erosivos, processos físico-químicos de degradação ou destruição por martelagem recente; R ordenamento espacial dos conjuntos na área operatória da rocha; R identificação de conjuntos de elementos lineares (grupos), número de motivos e repertório figurativo; R estratigrafia figurativa; R existência de composições complexas ou representação de cenas. Foram definidos, para cada motivo individual (M), os seguintes descritores: 1. dimensões máximas; 2. distância em relação ao contorno exterior da rocha e ordenamento espacial em relação a motivos adjacentes;

6HFWRU Trata-se do sector posicionado à direita do observador cujos limites NE, NO e SO coincidem com o contorno exterior da superfície decorada. O limite interno foi artificialmente definido junto ao limite superior e segue, na metade inferior, uma acentuada linha de fractura presente no suporte. É delimitado à direita, pelos sectores 2, em cima, e 3, em baixo. Assim constituído, o sector 1 apresenta um contorno sub-rectangular e tem como dimensões máximas 2,06m de comprimento e 0,83m de largura. Após limpeza cuidada da vegetação arbustiva e remoção de fina camada de sedimentos acumulados que recobria parcialmente a superfície rochosa correspondente a este sector verificou-se que esta se apresentava extremamente fragilizada pelo contacto directo com a terra vegetal e raízes que se infiltravam nos interstícios do afloramento decorado o que terá provocado alterações físico-químicas e mecânicas. Observam-se efectivamente estalamentos recentes a um nível superficial decorrentes de um processo de descamação da rocha. A coloração cinzenta-amarelada com manchas avermelhadas da rocha neste sector diferencia-se em pleno das restantes áreas da superfície que, à excepção do limite inferior do sector 5, se apre-

sentam mais patinadas e com coloração cinzenta similar à dos afloramentos de xisto expostos que se encontram no entorno imediato. Foram detectados dois conjuntos de gravuras rupestres, executadas mediante a técnica de incisão fina e possível abrasão, junto ao limite direito do sector. O grupo 1 situa-se no plano inferior direito do sector e é composto por um conjunto de 10 linhas rectas ou de tendência rectilínea com dimensões variáveis entre os 4cm e os 2mm. As incisões apresentam sulcos regulares e não se verifica a presença de sobreposições. O grupo 2 situa-se a c. 50cm para nordeste do primeiro e no qual se identificou um motivo figurativo (M1) em torno do qual se distribuem 10 linhas rectas individuais. Motivo 1 1. 14,4x12cm 2. Dista 1,04m do limite NE, 1,42m do limite NO e 0,96m do limite SO. 3. Coloração interna do sulco é indistinta da da superfície. 4. O motivo é composto por 7 linhas rectas ou de tendência rectilínea, uma linha semi-circular ovalada e três círculos. Trata-se de uma figura compósita, de feição antropomórfica, que se descreverá por sequência da sua organização compositiva. As três figuras sub-circulares, duas com diâmetros de c. de 8mm e uma com c. 3cm, articulam-se de forma a constituir uma face oculada, definindo os círculos de menores dimensões a posição dos olhos. No interior desta encontram-se ainda ténues sulcos rectilíneos que poderão assinalar a posição das sobrancelhas e da boca. O motivo é prolongado por duas linhas rectas que partem dos extremos inferiores círculo maior e se dispõem de forma suavemente oblíqua ao eixo maior do motivo. A primeira mede 12cm e a segunda 1,6cm. A linha isolada

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Memórias d’Odiana R 2ª série

3. coloração do interior do(s) sulco(s) e sua relação com a da superfície rochosa; 4. descrição tecno-morfológica e reconstituição do processo de elaboração do motivo; 5. morfologia do(s) sulco(s); 6. sobreposições; 7. articulação com a microtopografia do suporte e acidentes naturais; 8. paralelos com representações que ocorrem noutros sectores da rocha.

que se encontra à direita, inserida ainda no espaço operativo onde se insere o motivo poder-se-á tratar de uma parte descontínua daquele último prolongamento já que se encontra orientada na mesma direcção. Uma outra linha de tendência rectilínea (9cm) dispõe-se perpendicularmente à primeira e é encimada por uma outra linha recta de menor comprimento. Finalmente, um sulco semi-circular/ovalado atravessa as linhas perpendiculares, tangendo a extremidade da linha mais pequena que parte da face oculada. 5. Os sulcos que compõe o motivo apresentam diferente pátina e profundidades distintas. As figuras geométricas que delineam a face oculada e os dois prolongamentos lineares oblíquos apresentam sulcos superficiais, extremamente erodidos, o que torna difícil a sua visualização. Contudo, os sulcos que constituem a linha recta que intersecta a linha oblíqua maior e a linha ovalada são mais regulares sendo a primeira mais profundamente gravada, apresentando o sulco uma secção em U. 6. Poder-se-á afirmar que, observada atentamente a zona de intersecção das linhas, a linha que se dispõe verticalmente em relação à posição do observador se sobrepõe às demais. 7. O motivo insere-se no interior de área de estalamento antigo, aplanada e de textura regular, apesar de adjacente a uma fissura natural do suporte. 8. Alguns aspectos morfológicos de M1 assemelham-se a M2 do sector 2 que se trata de um motivo de feição antropomórfica com corpo sub-cilíndrico.

Memórias d’Odiana R 2ª série

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6HFWRU O sector 2 ocupa uma superfície central da rocha decorada, junto ao seu limite NE. É delimitado a SO pelo sector 4, a NO/O pelo sector

ANEXO I

1 e a E pelo sector 3. A superfície rochosa apresenta, nesta zona, uma coloração acinzentada e textura regular. No entanto, a presença de profundas fracturas e fissuras parece ter condicionado o posicionamento dos planos decorados, na medida em que estes ocorrem nas áreas mais aplanadas e polidas, delimitadas por acidentes naturais. Este sector de contorno sub-rectangular tem as dimensões máximas de 0,98 de comprimento e 1,70m de largura. Aqui se diferenciaram 6 concentrações de figurações filiformes e signos geométricos, predominando a linha recta ou de tendência rectilínea. O grupo 1 situa-se do lado esquerdo do observador e é constituído por um agrupamento de linhas rectas ou tendência rectilínea, predominantemente orientadas na direcção E-O ou N-S, com dimensões entre os 4cm e 4mm. Destacam-se duas pequenas figurações em V formadas do lado esquerdo do conjunto. Inserem-se ainda neste um conjunto composto por um traço vertical e uma outra figuração em V situado 10cm à esquerda das linhas anteriormente descritas. Definiu-se como grupo 2 um magnífico conjunto de gravuras filiformes entre as quais se salientam as representações de armas, concentradas junto ao limite de um pequeno painel de contorno subtrapezoidal, delimitado a nascente por uma fractura natural do suporte. O ordenamento destas representações de armas no espaço operativo e sua organização interna parece indicar que estamos perante uma composição articulada de motivos. Dado que a área de distribuição destes motivos não se encontra fortemente afectada pela excessiva e caótica sobreposição de traços, à semelhança do grupo 4, estas representações são facilmente individualizáveis, pese embora o facto da sua visualização ser dificultada pelas reduzidíssimas dimensões

(1-3mm) que se estende da esquerda para a direita do plano decorado. Estamos perante um conjunto que parece obedecer a um esquema compositivo embora desprovido de um carácter dinâmico como aliás se constata na maioria das representações figurativas presentes nesta rocha, à excepção de M40. Motivo 2 1. 6x2,2cm 2. Situa-se a 0,44m do limite NE e 1,10m do contorno SE do sector 2 4. Trata-se de um motivo de feição antropomórfica com forma subcilíndrica com representação de cabeça, constituída por um arco de círculo onde se inserem 4 traços de reduzidas dimensões e um pequeno círculo que, cremos, indicará a posição do olho esquerdo da figura. Um semi-círculo cujos extremidades se encontram ligadas por uma linha recta constituem a figura do que nos parece a estilização de um chapéu que adorna a cabeça do antropomorfo. O corpo é formado por duas linhas sub-paralelas descontínuas que, à semelhança de M1, partem da figuração semi-circular. 8. As suas características técno-morfológicas permitem estabelecer um paralelismo com M1. Motivo 3 1. 4cmx1cm 2. Dista 0,44m do contorno exterior e 1,06m do limite SE do sector 2. 3. A coloração interna do sulco é similar à do sector da rocha onde se insere. 4. O motivo é constituído por uma figura composta por uma linha meandriforme disposta verticalmente em relação à posição do observador. Um sulco rectilíneo mais profundo, orientado a NE, parte da face exterior da segunda curva do meandro e termina na intersecção

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das figuras e pela acção de agentes erosivos que provocaram um forte desgaste em algumas zonas desta superfície. De facto, verificou-se através da observação das imagens em fotografia macro a existência de pequenos pormenores nas figuras que não foram detectados no registo de campo, daí a necessidade de proceder a algumas correcções a posteriori. Neste caso específico, não só por se tratar de conjuntos de gravuras filiformes mas também devido ao facto de muitas figuras se encontrarem diluídas em intrincadas manchas de sulcos lineares, cremos que se deveria articular ainda com maior insistência a fotografia com lentes macro, eventualmente com recurso a filmes de infra-vermelho, e o decalque directo em polivinilo. Assim concebido, o grupo 1 apresenta, do lado direito, um conjunto de 26 elementos lineares rectilíneos ou suavemente curvos, orientados preferencialmente para norte e noroeste com comprimentos que variam entre os 5,4cm e os 4mm. À esquerda deste conjunto surge uma linha recta descontínuo, seguida de um elemento curvilíneo igualmente descontínuo que ladeia um outro conjunto constituído por 17 traços rectilíneos no qual se insere M2. Cerca de 6cm para cima destas surge uma linha recta oblíqua com 4cm de comprimento. Junto ao limite deste pequeno painel estão presentes diversas figurações de armas (M3, M4, M5, M6a/b) inseridas num conjunto de figurações geométricas onde dominam finos traços lineares incisos, alguns dos quais dificilmente perceptíveis. Observamse c. 61 traços verticais ou subverticais e 21 horizontais ou sub-horizontais com dimensões que variam entre os 2cm e 1mm. É de salientar que a partir de uma área central deste conjunto radiam uma série de traços orientados para NE e SO. O conjunto é limitado inferiormente por um intrincado de linhas de pequenas dimensões

com um outro sulco de morfologia similar que se dispõe obliquamente ao primeiro. Na extremidade inferior da figura meandriforme surge um outro pequeno traço linear que se bifurca a meio. As extremidades destas duas linhas paralelas convergem a 1cm do seu desenvolvimento. A segunda representação é formada por um segmento linear inciso que apresenta, a cerca de metade da sua extensão uma figura triangular com o interior integralmente e profundamente escavado na rocha. Contudo, subsistem algumas dúvidas relativamente à sua atribuição como elemento figurativo na medida em que se encontra indubitavelmente justaposta ao segmento linear e se eventualmente se tratar de um re-aproveitamento de uma linha recta no intuito de representar uma lança, verificamos que o eixo longitudinal do triângulo se encontra desfasado em relação à orientação do sulco. A considerar-se um motivo figurativo devemos salientar que terá sido executado mediante uma gravação profunda e integral o que constituiria um caso único nesta rocha. 5. O sulco da figura meandriforme apresenta uma secção em U sendo a sua gravação menos profunda do que a linha recta tangente. O traço que se situa junto à extremidade inferior do meandro é pouco profundo e parece ser sobreposto pelo próprio meandro.

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Motivo 4 1. 3,4cmx2mm 2. Dista 0,43m do contorno exterior e 1,02m do limite SE do sector 2. 3. Cinzenta. A coloração interna do sulco é idêntica à do suporte. 4. Trata-se de um motivo composto por uma linha de tendência rectilínea com 4cm de comprimento disposta numa posição subhorizontal em relação ao observador ao qual foram sobrepostas 7 figurações geométricas de

ANEXO I

tendência circular com diâmetros máximos de 2mm, alinhadas segundo o eixo maior do primeiro traço. À excepção do círculo mais à esquerda que apresenta, no seu interior, 4 linhas radiais, as restantes figuras de tendência circular parecem formar uma espécie de cadeia de anéis espiralados ao longo do eixo linear. 5. A análise técno-morfológica parece indicar que o motivo terá sido elaborado num único momento, na medida em que a morfologia do sulco é idêntica por toda a figura. Verificamos que a incisão é bastante superficial. O contorno do sulco apresenta-se muito patinado e irregular, o que dificulta sobremaneira a visualização in loco de alguns dos anéis. O sulco apresenta uma secção em U aberto. 8. As características morfológicas do motivo e a morfologia do próprio sulco são idênticas a M5 e apresentam-se mais patinados do que qualquer dos restantes motivos que surgem no mesmo espaço operativo, nomeadamente das representações de lanças (M6 a/b). Motivo 5 (fig.4) 1. 3x0,4cm 2. Dista 0,44m do contorno exterior e 1,04m do limite SE do sector 2. 3. Cinzenta. A coloração interna do sulco é idêntica à do suporte. 4. É um motivo composto por uma linha de tendência rectilínea com 3cm de comprimento disposta obliquamente em relação ao observador (com orientação NO-SE) ao qual foram sobrepostas 9 figurações geométricas de tendência circular com diâmetros entre os 1-2mm, alinhadas segundo o eixo maior do primeiro traço. À excepção do segundo círculo mais à esquerda que apresenta, no seu interior, 3 linhas radiais e uma secante, as restantes figuras de tendência circular parecem formar uma espécie de cadeia de anéis espiralados ao

Motivo 6a 1. 2,6x0,2cm 2. Dista 0,44m do contorno exterior e 1,04m do limite SE do sector 2. 3. Cinzenta. A coloração interna do sulco é idêntica à do suporte. 4. Trata-se de uma representação de lança provida de longa lâmina de forma subelíptica, com estrangulamento central na secção esquerda e nervura central longitudinal. A figura é composta por um traço de tendência rectilínea que inflecte, em curva, para a direita, junto ao seu limite inferior. Esta linha, com c. 3cm de comprimento, representa o cabo e nervura central da lança. A c. 1,5 cm do seu comprimento surgem, de ambos os lados daquela, dois segmentos curvilíneos (1,2cm de comprimento máximo) por meio dos quais se representa a lâmina. No extremo superior as três linhas convergem embora não se cheguem a tocar, o que confere à lança um aspecto inacabado na proximidade distal. 5. Todos os elementos lineares que formam a figura apresentam um sulco de morfologia homogénea. É constituída por traços finos obtidos por incisão e/ou fricção directa na

superfície rochosa, com secção em U. O sulco, regular, apresenta-se menos patinado e mais profundo em relação a M4 e M5. 6. O motivo é sobreposto na zona da inflexão da linha recta por um dos traços oblíquos que convergem para o centro da composição (grupo 2, pp. 13). 7. Integra-se morfológica e tipologicamente no mesmo grupo de representação de M6b. Motivo 6b 1. 3,80cmx0,2cm 2. Dista 0,47m do contorno exterior e 1,08m do limite SE do sector 2. 3. O interior do sulco apresenta uma coloração acinzentada idêntica à do suporte, à excepção do signo em V apenso à extremidade superior da figura do seu lado direito com coloração interna amarelada. 4. Trata-se de uma representação de lança que se apresenta, na zona inferior, coincidente com a gravação da lâmina, muito afectada por pequenos desplacamentos do suporte. A lâmina tem uma forma subelíptica ou subovalada, alongada e nervura central longitudinal. À semelhança de M6a figura é composta por um traço de tendência rectilínea interrompida a 2cm do seu comprimento por um estalamento, representa o cabo e a nervura central é formada por linha longitudinal descontínua. Dois segmentos lineares com c.1,2cm de comprimento máximo inflectem junto à extremidade distal convergindo com a linha longitudinal de forma a representar os fios de gume. Na extremidade oposta da figura foi-lhe adicionado um signo triangular de forma a representar eventualmente uma outra arma de lâmina triangular re-aproveitando o sulco da figura central. 5. Idêntico a M6a 6. O elemento triangular parece ter sido adicionado ao eixo longitunidal da figura visto

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Memórias d’Odiana R 2ª série

longo do eixo linear, terminando com duas figuras circulares. 5. Idêntico a M5. 6. A figura terá sido certamente elaborada num único momento. Junto à extremidade esquerda do motivo, uma das figuras de tendência circular que a compõe foi sobreposta por uma linha oblíqua que, cremos, deverá constituir um segmento de uma das linhas descontínuas que radiam em direcção ao centro do conjunto (grupo 2, pp. 13) 8. Insere-se no mesmo grupo tipológico de M4, situa-se sub-paralelamente a este a uma distância de 5cm para SSE.

que a morfologia e coloração interna dos sulcos são distintos. 7. Integra-se morfológica e tipologicamente no mesmo grupo de representação de M6a.

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Classificou-se como grupo 3 do sector 2, o conjunto de signos geométricos lineares que ocupam uma área de contorno subtriangular definida por fracturas naturais do suporte. As 23 linhas rectas ou de tendência rectilínea medem entre 10cm e 6mm, dispondo-se obliquamente em relação à posição do observador e orientam-se preferencialmente na direcção NO-SE e SO-NE. Dentro deste grupo 6 linhas rectas, formam um zig-zag descontínuo que se prolonga no plano inferior esquerdo do grupo 4 e se dilui no intrincado conjunto de segmentos lineares sobrepostos. É o grupo 4 que apresenta maior densidade de gravuras filiformes dispostas de forma caótica sobre a superfície rochosa. Ocupam o plano inferior central do sector com forma subtrapezoidal, delimitado por fracturas e fissuras naturais do suporte. As suas dimensões máximas são: 0,98x1,08. Trata-se de uma superfície aplanada de textura regular. A incidência de desplacamentos é sobretudo notória na zona limítrofe à maior concentração de gravuras, junto aos contornos exteriores do sector. No entanto, afigura-se-nos necessário colocar a hipótese de que alguns dos sulcos lineares observáveis terão origem acidental, isto é tafonómica. No interior do imenso emaranhado de elementos lineares, individualizámos 14 motivos, 5 dos quais foram apenas detectados após atenta observação dos registos em gabinete. Contudo, é ainda possível observar conjuntos de signos geométricos que, de forma mais ou menos coerente, estruturam figurações complexas. É o caso de uma sequência de traços

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anguliformes, de tendência rectilínea oblíqua com 5 a 10 cm de comprimento, que formam uma espécie de zig-zag descontínuo. Pela convergência das suas extremidades, as linhas formam V, por vezes intercruzados. Estas surgem no plano inferior direito do grupo orientadas no sentido O-E, c.2cm acima destas 8 linhas formam uma espécie de zig-zag descontínuo, orientado NO-SE, que acaba por se diluir no emaranhado de traços. No plano superior surge uma dupla sequência do mesmo tipo, o que parece sugerir que este longo zig-zag se estrutura, em arco, numa zona marginal à maior concentração de sulcos. No centro do grupo, uma sequência de longas linhas circulares sub-paralelas orientadas predominantemente no sentido E-O atravessam a composição formando, por vezes, figurações elipsoidais. No plano superior esquerdo, 7 segmentos lineares descontínuos dispõem-se de forma ortogonal mas não nos parece formar inequivocamente um motivo figurativo. Motivo 7 1. 12,8cmX1cm 2. Situa-se a 0,60m do limite NE e 0,88m do contorno SE do sector 2. 4. Trata-se de uma figura composta por um traço rectilíneo oblíquo, orientado no sentido N-S que apresenta uma figura triangular virada para baixo apensa à extremidade esquerda da linha. Poder-se-á tratar eventualmente de uma esquemática figuração de arma provida de lâmina triangular. 8. Apresenta semelhanças formais com os M18 e M13b/c. Motivo 8 1. 19,4cmx14cm 2. Situa-se a 0,70m do limite NE e 0,50m do contorno SE do sector 2.

Motivo 9 1. 12x3,2cm 2. Situa-se a 0,70m do limite NE e 0,50m do contorno SE do sector 2. 4. Trata-se de uma figura composta por uma linha curva representando o limite inferior da figura encimada por uma linha recta, convergentes nas extremidades posteriores, conferindo-lhe, desta forma, um aspecto vagamente fusiforme. No seu interior surgem outros traços convergentes formando um V e dois sulcos semi-circulares de reduzidas dimensões. Esta figura encontra-se inserida no espaço operatório ocupado pelo motivo anterior. Motivo 10 1. 8cmx5cm 2. Situa-se a 0,76m do limite NE e 0,50m do contorno SE do sector 2. 3. A grande maioria dos traços que constituem a figura apresentam sulcos com uma coloração amarelada que contrasta em pleno com a coloração superficial da rocha. 4. Trata-se de duas figurações oblongas, segmentadas interiormente, com as extremidades do lado direito convergentes. Nesta zona os «corpos» das figuras estão parcialmente sobrepostos. A figura que se encontra num plano inferior tem uma forma ovalada no sector central,

apresentando a extremidade distal aplanada, definida por linha recta com 1cm. Na extremidade proximal, as linhas exteriores da figura convergem num ponto. O interior apresenta-se segmentado por uma série de 18 traços paralelos à linha distal. O lado esquerdo da gravura encontra-se afectado por desplacamentos naturais do suporte decorrentes de um processo de exfoliação da superfície, provocando a destruição de alguns destes sulcos interiores. 5. A figura filiforme é constituída por sulcos finos, pouco profundos, de contorno regular e secção em U. 6. É sobreposta por linhas rectas profundamente gravadas e pouco patinadas e sobrepõe um conjunto informe de linhas quase imperceptíveis de patina antiga. 7. Fissura e desplacamentos 8. M11 Motivo 11 1. 7cmx2,4cm 2. Situa-se a 0,76m do limite NE e 0,50m do contorno SE do sector 2. 3. A grande maioria dos traços que constituem a figura apresentam sulcos com uma coloração amarelada que contrasta em pleno com a coloração superficial da rocha. 4. A figura, embora apresente características morfológicas semelhantes a M9, encontra-se mais toscamente gravada, tem uma forma subtriangular e é segmentada internamente por 13 sulcos sub-paralelos. 5. Idêntico a M10 6. Sobrepõe uma série de linha informes e quase imperceptíveis e é sobreposta por uma linha recta gravada com sulco profundo e pouco patinada. 7. Um pequeno estalamento destruiu algumas linhas que decoram interiormente a figura. 8. M10

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Memórias d’Odiana R 2ª série

4. Quadrilátero segmentado interiormente por linhas rectas ou de tendência rectilínea, contínuas e descontínuas, formando eixos ortogonais. Duas outras linhas rectas obliquas cruzam-se ao centro formando um X. O motivo é composto sensivelmente por 30 linhas já que a sua visualização é dificultada pela profusão de linhas que sobrepõe e por outras que lhe são sobrepostas. 8. Representações do mesmo tipo ocorrem no sector 4 (M32) e sector 5 (M53).

Motivo 12 1. 34x5cm 2. Situa-se a 0,50m do limite NE e 0,60m do contorno SE do sector 2. 4. Insere-se na sequência de longas linhas circulares sub-paralelas orientadas predominantemente no sentido E-O que atravessam a zona central da composição e trata-se de uma figura subelíptica com extremidades convergentes. 8. Aparecem, neste mesmo sector, outras figuras elipsoidais de menores dimensões.

Memórias d’Odiana R 2ª série

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Motivo 13 1. 10x9cm 2. Situa-se a 0,50m do limite NE e 0,70m do contorno SE do sector 2. 3. O sulco apresenta coloração interna amarelada, contrastando com a cor acinzentada da superfície rochosa. 4. Supomos que se trata ou de uma figuração de feição animal idealizado ou de uma tão acentuada estilização de uma figura animalista que consideramos especulativo de momento estabelecer qualquer afinidade com um modelo natural. A figura apresenta um corpo fusiforme segmentado internamente por 18 finos traços paralelos, que termina num apêndice sub-rectangular alongado. Ainda na parte inferior da gravura destacam-se duas linhas rectas horizontais que ocupam uma posição fronteira ao «corpo» da figura, do seu lado direito, que poderão assinalar a posição dos membros posteriores. A extremidade superior é encimada por um signo subtriangular que representará a cabeça, provida de duas longas hastes, tendo, a do lado direito uma configuração em L invertido e a do lado esquerdo apresenta um fino zig-zag composto por triângulos de reduzidas dimensões adossados ao sulco exterior. Da zona superior da «cabeça» partem dois traços filifor-

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mes que se bifurcam na extremidade. Do lado direito da «cabeça» partem dois segmentos sub-rectangulares alongados, paralelos, gravados com um traço mais fino – poder-se-á tratar de representações de membros superiores de uma inacabada figura antropomórfica? 5. A figura apresenta um sulco fino e homogéneo, embora o contorno exterior do «corpo», «cabeça» e hastes se apresentem mais profundamente gravados, com sulco mais largo do que os demais e secção em U. 6. A figura foi gravada sobre uma mancha informe de sulcos com patina antiga, mas sobrepõe-se claramente a linhas rectas que constituem o zig-zag descrito anteriormente (grupo 4, pp.16) e que encima a figura. 7. A zona direita da cabeça encontra-se parcialmente destruída por martelagem acidental ou desplacamento. Motivo 14 1. 10cmx4cm 2. Situa-se a 0,66m do limite NE e 0,48m do contorno SE do sector 2. 4. Conjunto de linhas curvas de dimensões muito reduzidas (< 2cm) executadas mediante fina incisão que formam uma verdadeira «nuvem» de linhas sobrepostas. Motivo 15 1. 7x4cm 2. Situa-se a 0,64m do limite NE e 0,44m do contorno SE do sector 2. 4. Surge num plano imediatamente acima de M14 e foi detectada em gabinete, pelo que a sua afectação ao repertório figurativo necessita confirmação in loco. A morfologia da figura permite a sua inserção tipológica adentro do grupo de figuração esquemática de armas, possivelmente de uma lança encabada provida de longa lâmina subelíptica, virada para a esquerda,

Motivo 16 1. 4cmx0,6cm 2. Situa-se a 0,70m do limite NE e 0,42m do contorno SE do sector 2. 4. A figura situa-se num plano imediatamente abaixo de M14 e. É composta por uma linha de tendência rectilínea disposta obliquamente em relação à posição do observador. Na zona fronteira à extremidade direita deste sulco surge uma figura composta por dois triângulos concêntricos. Trata-se de uma figuração geométrica de difícil atribuição tipológica. Motivo 17 1. 2cmx0,4cm 2. Situa-se a 0,84m do limite NE e 0,40m do contorno SE do sector 2. 4. A figura situa-se no plano inferior direito do sector e dista 14cm de M16, inserida num intrincado caótico de traços filiformes alinhados na mesma direcção da figura, tendo sido apenas detectada aquando do tratamento gráfico dos registos de campo. É uma representação simples de seta composta por um traço linear que serve de eixo longitudinal à figura marcando igualmente a nervura central, ao qual são adossados, junto à extremidade superior, dois arcos de círculo, delineando uma lâmina de contorno ovalado. Motivo 18 1. 3cmx0,8cm 2. Situa-se a 0,68m do limite NE e 0,30m do contorno SE do sector 2. 4. Trata-se de uma figura composta por

uma linha recta descontínua disposta obliquamente em relação à posição do observador, orientada no sentido N-S à qual foi adicionada uma figura triangular virada para baixo apensa à extremidade direita da linha. Poder-se-á tratar de uma esquemática figuração de arma provida de lâmina triangular. Motivo 19 1. 5cmx2cm 2. Surge 0,50m abaixo do limite NE e a 0,34m à esquerda do contorno SE do sector 2. 4. Figuração informe constituída por uma linha em zig-zag. Motivo 20 1. 8x0,4cm 2. Surge 0,60m abaixo do limite NE e a 0,28m à esquerda do contorno exterior do sector. 4. Trata-se de uma esquematização de seta, composta por elementos lineares rectilíneos. Se considerarmos que a linha descontínua vertical como o eixo longitudinal da figura que corresponderá ao cabo, a ponta de seta é representada através de duas pequena incisões lineares oblíquas que convergem no limite superior do primeiro sulco, compondo assim a extremidade distal da figura. Definiu-se como grupo 5 o conjunto composto por signos geométricos, lineares, que ocupam um plano superior central do sector, delimitado por fissuras naturais do suporte. É de salientar que neste plano não se encontra uma profusão de linhas sobrepostas como nos restantes, aliás, os conjuntos de linhas presentes foram classificados como dois motivos individuais pela sua coerência figurativa. Motivo 21 1. 8cmx5cm 2. Surge 0, 08m abaixo do limite NE e a

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Memórias d’Odiana R 2ª série

cujas dimensões ultrapassam o comprimento do cabo. 8. A tratar-se de uma representação de arma poder-se-á incluir no mesmo grupo tipológico de M6, M15 e mesmo M20.

0,86m à esquerda do contorno SE do sector. 4. O motivo é composto por uma série de 18 linhas paralelas, contínuas e descontínuas, dispostas verticalmente em relação à posição do observador, separadas entre si por c. 1-2mm. 5. Os traços verticais em questão apresentam um sulco de espessura muito fina, obtido por incisão. 6. Não se observam sobreposições. Motivo 22 1. 6cmx0,6cm 2. Surge 0, 18m abaixo do limite NE e a 0,90m à esquerda do contorno exterior do sector. 4. Trata-se de um anguliforme constituído por traço rectilíneo disposto verticalmente com terminais divergentes, formando um V fechado. O grupo 6 surge no plano superior direito do sector 2. As gravuras surgem numa zona aplanada e regular do suporte, delimitada por fissuras naturais mas não sendo por elas directamente afectadas. Em pleno contraste com o grupo 4, onde os motivos aparecem diluídos no seio de uma mancha densa de gravuras sobrepostas, neste grupo as figurações filiformes apresentam-se bem individualizadas, criando mesmo uma sensação de que foram dispostas segundo certos parâmetros de compositivos. Surgem, maioritariamente, motivos figurativos (M23–M31) embora acompanhados por alguns signos geométricos elementares.

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Motivo 23 1. 2,6cmx2cm 2. Surge 0, 26m abaixo do limite NE e a 0,62m à esquerda do contorno exterior do sector. 3. Cinzento. A coloração do interior do sulco é idêntica à da superfície. 4. Estrela de cinco pontas ou «estrela de Saimão», composta por uma única linha que

ANEXO I

forma 5 triângulos correspondentes às extremidades do esteliforme. A figura apresenta-se inacabada no seu plano inferior – as extremidades que fechariam a figura não são convergentes - o que parece indicar que terá sido gravada num único momento. 5. O sulco, obtido por leve incisão, apresenta contornos regulares e homogéneos, com secção em U aberto. No plano inferior da figura, o sulco foi parcialmente afectado pelo alargamento de uma zona de exfoliação. 8. M25 e M26 Motivo 24 1. 5cmx2cm 2. Surge 0, 18m abaixo do limite NE e a 0,62m à esquerda do contorno exterior do sector. 4. Quadrilátero com contorno exterior definido por linhas contínuas (superior e inferior) e descontínuas (laterais) apresentando, no interior, duas linhas verticais e cinco dispostas obliquamente em relação às primeiras. Motivo 25 1. 9cmx8cm 2. Surge 0, 30m abaixo do limite NE e a 0,46m à esquerda do contorno exterior do sector. 3. O interior do sulco apresenta coloração um pouco mais clara do que a superfície. 4. Trata-se de um grande esteliforme do mesmo tipo de M23. A figura encontra-se incompleta visto não se terem delineado as duas pontas superiores da estrela. 5. Apresenta sulco homogéneo e regular. 8. M23 e M26 Motivo 26 1. 5cmx4cm 2. Surge 0, 28abaixo do limite NE e a 0,42m à esquerda do contorno exterior do sector.

Motivo 27 1. 2,4cmx1cm 2. Surge 0, 22 abaixo do limite NE e a 0,54m à esquerda do contorno exterior do sector. 4. Representação constituída por signos geométricos de aparência vagamente pectiforme. É formada por uma figura subtrapezoidal aberta. No interior do espaço por esta definido surgem 7 finos sulcos de reduzidas dimensões dispostos perpendicularmente em relação ao eixo superior do trapézio. 6. A figura é sobreposta por uma linha recta horizontal. Motivo 28 1. Diâmetro: 2,8 2. Surge 0, 24 abaixo do limite NE e a 0,52m à esquerda do contorno exterior do sector. 3. A coloração cinzenta do interior do sulco não difere da coloração da superfície. 4. Trata-se de um pequeno círculo segmentado por um diâmetro interno orientado no sentido NO-SE, definindo duas metades, encontrando-se a metade esquerda desprovida de decoração, enquanto na metade direita surgem 6 linhas radiais finamente gravadas. 5. A figura apresenta-se muito patinada e é quase imperceptível. O sulco é extremamente superficial apresentando contornos suaves. Motivo 29 1. 2cmx2,4cm 2. Surge 0, 27 abaixo do limite NE e a 0,40m à esquerda do contorno exterior do sector. 3. A coloração cinzenta do interior do sulco não difere da coloração da superfície.

4. Quadrilátero composto por elementos lineares contínuos, provido de minúsculo círculo central do qual radiam 11 pequenas linhas em direcção aos lados da figura. 5. A figura apresenta-se muito patinada e é quase imperceptível. O sulco é superficial e de contornos suaves. Motivo 30 1. 2cmx2cm 2. Surge 0,16 abaixo do limite NE e a 0,40 à esquerda do contorno NE do sector 2. 4. Trata-se de uma figura incompleta, possivelmente um quadrilátero na medida em que apresenta 3 lados completos e um pequeno sulco parece marcar a posição do último. Motivo 31 1. 4cmx2cm 2. Surge 0,16 abaixo do limite NE e a 0,36m à esquerda do contorno NE do sector 2. 3. Coloração interna do sulco é indistinta da coloração da superfície rochosa. 4. Representação de rectângulo formado por finos traços incisos, segmentado interiormente por 2 linhas paralelas aos lados menores dispostas a intervalos regulares. 5. A figura apresenta-se muito patinada, sendo quase imperceptível. O sulco é superficial e de contornos suaves.

6HFWRU O sector 3 corresponde ao limite superior direito da rocha decorada, é orientado a leste. Apresenta um contorno subtriangular e as suas dimensões máximas são as seguintes: 0,84mx1,20m Na medida em que se trata do limite exterior da rocha junto à sua face mais escarpada, virada ao rio, encontra-se mais ex-

ANEXO I

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4. Representação incompleta de estrela pentagonal situada a apenas 1 cm do anterior. São representadas apenas três pontas triangulares.

posta aos agentes erosivos, nomeadamente à erosão eólica que provocou a abertura, num plano de rocha vertical, situado imediatamente abaixo do sector 3, de uma concavidade natural de consideráveis dimensões. Por este motivo, o limite externo deste sector apresenta diversos desplacamentos e acentuada exfoliação. Relativamente à decoração, foi detectado apenas 1 grupo de signos geométricos onde predominam as linhas de tendência rectilínea. O conjunto de signos lineares detectado localiza-se no plano inferior esquerdo do sector e é composto por 59 linhas rectas ou de tendência rectilínea, formando eixos contínuos e descontínuos. Dentro do grupo 1 deste sector poder-se-ão diferenciar dois sub-grupos. Sobre o lado direito observa-se uma série de 19 linhas paralelas dispostas na horizontal, executadas mediante um traço muito fino. Um pouco abaixo destas destaca-se um outro grupo de linhas sub-paralelas, dispostas obliquamente em relação às primeiras, igualmente obtidas por meio de fina incisão. Do lado direito surge um conjunto informe de traços que apresentam um sulco mais profundo e de maior espessura. Surge ainda uma figura em V invertido resultante da convergência das extremidades superiores de duas pequenas linhas oblíquas.

6HFWRU

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O sector 4 situa-se no plano inferior central da rocha decorada, apresenta contorno sub-quadrangular e mede 1,14m de comprimento e 1,40m de largura. A área decorada surge a c. 20cm do limite inferior do sector, embora a maior densidade de traços sobrepostos se encontrem na metade superior do mesmo. A superfície rochosa é, neste sector, bastante regular, aplanada e apresenta coloração superficial cinzenta.

ANEXO I

Diferenciou-se apenas um grupo na medida em que as gravuras surgem concentradas numa mancha maciça de linhas, bastante homogénea. Dentro deste individualizaram-se 18 motivos, entre os quais duas figuras antropomórficas de atribuição cronológica e características morfológicas distintas. No entanto, não se verificou a existência quer de composições complexas, quer de associação directa entre motivos individuais. Não se observam, portanto, quaisquer representações cénicas. No Grupo 1, como foi referido anteriormente, a metade superior do conjunto apresenta uma densa e intrincada mancha de figurações geométricas sobrepostas, predominantemente lineares, que se distribuem de forma caótica pela superfície. É de salientar que se observam duas grandes linhas arquiformes, com um sulco profundo e de espessura considerável, comparativamente aos demais. Estas linhas com c. de 58cm de comprimento atravessam obliquamente toda a metade direita do sector, partindo do plano central superior e convergindo em M32. No plano superior central predominam os elementos rectilíneos, verticais ou sub-verticais, dispostos em relação à posição do observador, formando uma série de traços sub-paralelos. Surgem ainda linhas sub-horizontais, com dimensões e espessuras muito variáveis dispersas ao longo do conjunto. Estas densas concentrações de traços lineares são de difícil interpretação e dificultam sobremaneira a individualização e observação de motivos individuais. Motivo 32 1. 45cmx42cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,36m do limite superior do sector e 0,71m do limite direito do sector. 4. Quadrilátero de dimensões consideráveis em relação aos demais motivos. Apresenta

Motivo 33 1. 3,02cmx1,20cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,36m do limite superior do sector e 0,71m do limite direito do sector. 4. Trata-se de uma representação de figura fusiforme segmentada interiormente por 9 traços finíssimos, sub-paralelos, oblíquos em relação ao eixo central do motivo. De ambas as

extremidades partem três pequenos sulcos divergentes. 6. A figura insere-se num intrincado conjunto de linhas predominantemente verticais, o que dificulta uma boa leitura da estratigrafia figurativa. 8. Integra o mesmo grupo tipológico de M34, M35, M36 Motivo 34 1. 16cmx1cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,32m do limite superior do sector e 0,90m do limite direito do sector. 3. A coloração interna do sulco é semelhante à da superfície rochosa. As áreas mais claras coincidem com zonas de exfoliação do suporte. 4. Trata-se de uma figura constituída por dois finos traços arquiformes com extremidades convergentes, em forma de crescente. Na metade inferior da figura, o espaço interior encontra-se segmentado por linhas oblíquas paralelas orientadas em sentidos opostos, formando uma série de losângulos, sendo um deles segmentado interiormente por finos traços paralelos. Sensivelmente a ¾ da figura, um estalamento da superfície destruiu totalmente a figura. Na zona superior observa-se, no interior do motivo, uma linha disposta longitudinalmente em relação ao eixo maior da mesma. Da extremidade superior partem três pequenos traços divergentes, enquanto que da extremidade inferior, surge apenas uma linha orientada segundo o eixo longitudinal do motivo. 5. A gravura foi executada mediante fina incisão sobre a superfície, apresenta patina antiga. O sulco é muito superficial e homogéneo ao longo de toda a gravura o que parece indicar que a figura terá sido elaborada num só momento.

ANEXO I

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forma sub-quadrangular e é segmentado interiormente por 6 linhas ortogonais, rectas ou de tendência rectilínea, contínuas e descontínuas, formando assim 16 sectores sub-quadrangulares. A zona superior da figura dilui-se no imenso emaranhado de linhas, contudo, é ainda possível detectar, na zona inferior a existência de 4 linhas rectas ou de tendência rectilínea, contínuas e descontínuas, dispostas obliquamente em relação às demais e formam duas cruzes (X) uma sob o quadrante SO e a segunda sobre o quadrante SE do quadrado. As características morfológicas desta figura aproximam-se de um tipo de representação de «tabuleiros de jogo» que se encontram gravados em afloramentos rochosos ou em lajes inseridas em edifícios religiosos ou militares um pouco por todo o país. Gravuras de quadriláteros com organização interna similar, embora mais elaboradas e regulares na sua geometria, surgem nomeadamente nos degraus da Igreja Matriz de Reguengos de Monsaráz e num dos bancos de pedra do vestibulo da Igreja da Sra da Luz, nas proximidades da aldeia da Luz. É uma hipótese interpretativa de difícil confirmação. A própria análise da estratigrafia horizontal do conjunto não nos permite retirar ilações com respeito à sua cronologia, relativamente recente – época medieval ou moderna – por relação com gravuras de feição mais antigas. 8. M8, M53

6. O motivo insere-se num intrincado de linhas, predominantemente verticais, e afigura-se-nos que aparece sob todo aquele conjunto de traços com gravação mais profunda e menos patinados. 7. A figura é afectada por um desplacamento de contorno sub-ovalado que ocorreu em fase posterior à gravação do motivo. 8. Integra o mesmo grupo tipológico de M33, M35, M36 Motivo 35 1. 5,2cmx1cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,32m do limite superior do sector e 0,90m do limite direito do sector. 3. A coloração interna do sulco é semelhante à da superfície rochosa. 4. Trata-se de uma representação de figura fusiforme segmentada interiormente por 8 traços de tendência curvilínea, sub-paralelos e oblíquos em relação ao eixo central do motivo. Da extremidade superior partem dois pequenos traços divergentes, enquanto que da extremidade inferior, surge apenas uma linha orientada segundo o eixo longitudinal do motivo. 5. O sulco é muito superficial e homogéneo ao longo de toda a gravura o que parece indicar que a figura terá sido elaborada num só momento. 8. Integra o mesmo grupo tipológico de M33, M34, M36

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Motivo 36 1. 5cmx1cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,55m do limite superior do sector e 0,96m do limite direito do sector. 4. Trata-se de uma figura de «corpo» fusiforme incompleta no seu plano inferior esquerdo. É segmentada interiormente por uma

ANEXO I

linha recta disposta longitudinalmente em relação ao eixo central do motivo. Apresenta dois apêndices lineares exteriores à parte central do «corpo» e da extremidade direita partem dois pequenos traços divergentes. 8. Integra o mesmo grupo tipológico de M33, M34, M35 Motivo 37 1. Diâmetro: 7,8cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,48m do limite superior do sector e 0,82m do limite direito do sector. 3. A coloração do interior dos sulcos que compõem a gravura é semelhante à da superfície rochosa embora no plano superior esquerdo da figura apresentem uma tonalidade amarelada por se encontrarem numa área de exfoliação. 4. Soliforme, toscamente gravado, composto por uma linha circular inacabada, de contorno ovalado, com 3,2cm de diâmetro máximo e 1,4cm de diâmetro mínimo. 24 traços de tendência rectilínea mas suavemente ondulantes, com comprimentos entre os 4cm e 2cm, radiam em todas as direcções a partir daquela primeira linha circular ou separam-se dela por poucos mm, à excepção de 5 sulcos que ocupam o plano inferior esquerdo, precisamente a área aberta do círculo. 5. A figura é obtida através de fina incisão muito superficial e apresenta sulcos homogéneos, com contornos pouco regulares e patina antiga. 6. Supomos que o soliforme terá sido a primeira gravura a ser realizada nesta superfície interior do estalamento na medida em que surge sob os restantes sulcos assinalados, tanto sob os que apresentam patina mais recente como sob os que aparentam ser mais antigos. 7. Intencionalmente gravado no interior de um desplacamento da superfície rochosa,

Motivo 38 1. 2,4cmx3,4cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,11m do limite superior do sector e 0,70m do limite direito do sector. 4. No interior do denso emaranhado de sulcos detectou-se, em gabinete uma figura ovalada formada por dois arcos de círculo com extremidade esquerda circular e extremidade direita afunilada dada a convergência dos sulcos. No seu interior observam-se um arco de círculo de reduzidas dimensões com c. 1 cm, ladeado por uma ainda mais pequena figura em L invertido, encimado por dois traços sub-paralelos. Motivo 39 1. Diâmetro: 3cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,24m do limite superior do sector e 0,48m do limite direito do sector. 3. A coloração interna do sulco é idêntica à da superfície rochosa. 4. Observam-se dois arcos de círculo concêntricos mas supomos que a figuração original seria composta por dois círculos concêntricos visto a figura ter sido parcialmente destruída por erosão natural do suporte - é visível um abaixamento provocado por exfoliação do suporte que destruiu parcialmente o círculo externo. 5. Os sulcos são muito superficiais e homogéneos entre si o que parece indicar que ambos terão sido gravados num único momento 6. O motivo é indubitavelmente sobreposto por linhas rectas que apresentam sulcos profundos de acentuada espessura em relação aos demais mas parece sobrepor-se, no plano

superior direito da figura, a traços curvilíneos mais finos. 7. No plano inferior esquerdo, a figura foi parcialmente destruída por erosão ou abrasamento natural do suporte. Motivo 40 1. 18cmx6cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,28m do limite superior do sector e 0,36m do limite direito do sector. 3. Os sulcos que compõem a figura apresentam coloração beije-amarelada, contrastando plenamente com a coloração superficial do suporte. 4. Trata-se de uma figuração antropomórfica extremamente naturalista que surge sobre o lado direito da área de maior profusão de linhas sobrepostas. Representa uma figura humana vestida com belíssimas roupagens, pormenorizadamente ornamentadas com bandas verticais e horizontais e segmentadas no seu interior por finos traços paralelos dispostos obliquamente. É de salientar o pormenor de concepção da decoração das vestes visto que cada peça apresenta nuances na disposição e decoração das bandas. O dinamismo da figura é concedido pela posição dos membros superiores e inferiores. O braço direito da figura está dobrado para baixo e a mão pousada na zona da anca enquanto o braço esquerdo se ergue em posição de aceno. Os membros inferiores são representados em perspectiva lateral, criando a sensação de que a figura se movimenta, ou seja, caminha, para o lado direito. Formalmente a figura é constituída por cabeça decorada com chapéu de abas. Na zona da face são assinalados, com impressionante naturalismo, os olhos, sobrancelhas, nariz e boca. A parte superior da figura terá sido elaborada em fases sucessivas, tendo sido inicialmente delineada a zona da cabeça e tronco,

ANEXO I

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embora o sulco que forma 4 das suas linhas radiais no plano superior direito ultrapassem o contorno deste acidente natural do suporte.

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subsequentemente o membro superior direito da figura e finalmente assinalado o pescoço. A indumentária consta de túnica curta, calções largos que terminam ao nível dos joelhos, longas meias decoradas com finas incisões e sapatos constituídos por figura sub-rectangular com cantos arredondados. É uma representação de um personagem do sexo masculino que, pelas suas ricas vestes, poder-se-á supor que se trata de uma personagem nobilitada. As características do traje não sugerem que se trate de uma figura militar. Embora representando uma personagem com atribuição cronológica adentro da Idade Moderna (séculos XVI-XVII) não nos é possível aferir com exactidão a cronologia do acto de gravação. Aventamos mesmo a hipótese de se tratar de uma gravura contemporânea representando uma personagem histórica. No entanto, consideramos uma representação de enorme interesse para o estudo da arte rupestre moderna/contemporânea, revestindo-se de indubitável valor Etno-arqueológico. 5. A figura é delineada através de fino sulco – embora o gravador tenha recorrido, por vezes, ao traço múltiplo – que apresenta contorno e espessura homogéneas. A incisão é superficial e, pela regularidade das formas circulares da figura, cremos que terá sido obtida por instrumento de metal com ponta fina, possivelmente um estilete. 6. O motivo sobrepõe-se e é sobreposto por linhas rectas que apresentam sulcos profundos de coloração similar à da figura, com acentuada espessura em relação aos demais mas sobrepõe-se claramente a traços informes, mais finos, superficiais e com patina antiga que apresentam coloração idêntica à do suporte. Lamentavelmente, estas linhas sobre as quais a figura foi gravada são de difícil interpretação, ou melhor, não se detectam quaisquer representações figurativas.

ANEXO I

7. A figura encontra-se afectada por desplacamento do suporte xistoso, que atingem nomeadamente na zona da representação do chapéu e membro inferior esquerdo da figura. Motivo 41 1. 2,4cmx2cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,49m do limite superior do sector e 0,44m do limite direito do sector. 3. A coloração do sulco é sensivelmente mais clara do que a superfície rochosa. 4. Trata-se de uma pequena figura, identificável como tal dada a homogeneidade da morfologia do sulco das figuras geométricas que a compõem. É constituída por um triângulo invertido, provido de dois apêndices que partem da extremidade direita da figura. Interiormente é segmentado por dois traços paralelos dispostos longitudinalmente em relação ao eixo maior. C. 4mm para a esquerda do triângulo surge um pequeno losângulo que, cremos, poderá integrar a composição, dotando-a de uma feição antropomórfica atípica. Embora seja possível estabelecer paralelos para esta figuração antropomórfica de corpo triangular, subsistem-nos algumas dúvidas quanto à sua atribuição tipológica dadas as reduzidas dimensões do motivo e da sua difícil visualização. 5. Apresenta sulco homogéneo, pouco profundo, de contornos regulares e secção em U aberto 6. É claramente sobreposto por uma linha recta que apresenta sulco profundo e maior espessura em relação aos demais mas parece sobrepor-se, no plano superior direito da figura, a traços curvilíneos mais finos. Motivo 42 1. 5cmx8cm 2. Os contornos exteriores da figura dis-

Motivo 43 1. 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,60m do limite superior do sector e 0,34m do limite direito do sector. 4. Série de 22 linhas sub-paralelas de tendência rectilínea, separados por c. 1cm e orientados no sentido E-O. Motivo 44 1. 2cmx3cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,21m do limite superior do sector e 0,38m do limite direito do sector. 4. Traço curvilíneo sub-ovóide. Motivo 45 1. 18cmx14cm 2. O plano superior da figura dista 0,06m do limite superior do sector e 0,49m do limite direito do sector. 3. A representação antropomórfica apresenta três tipos de sulco com distinta coloração: a cabeça, pescoço e zig-zag que ladeia o tronco alongado da figura apresenta coloração idêntica à do suporte; os sulcos que compõem o tronco e membros têm interior beije-amarelado. 4. Representação antropomórfica possivelmente ictifálica, estilizada e complexa. A sua leitura é dificultada pela sobreposição de sulcos com diferentes patinas que surgem sob e sobre a figura. O motivo é composto por traços de tendência rectilínea, à excepção da representação da cabeça e extremidades inferiores. A figura dispõe-se verticalmente em relação à posição do observador e apresenta, na parte superior, cabeça formada por uma in-

cisão superficial de contorno subcircular, com representação do olho direito, nariz (dois traços verticais paralelos) e boca (linha horizontal). Convém salientar que o interior dos sulcos que assinalam o olho e nariz apresentam coloração beije-amarelada, enquanto a linha da boca, mais patinada, apresenta coloração idêntica à da superfície rochosa. O pescoço é representado por meio de 3 linhas sub-verticais. O tronco, oblongo, com 11 cm de comprimento, é constituído por 3 linhas sub-verticais – duas definem a sua volumetria e a terceira marca um eixo longitudinal – que convergem num plano inferior. Aqui observam-se dois pequenos apêndices verticais divergentes que partem das linhas exteriores. Observam-se, a ladear o tronco, dois ténues zig-zags verticais representados por um sulco fino quase imperceptível. Na parte superior do tronco as linhas exteriores inflectem em ângulo recto enquanto o traço longitudinal converge numa linha vertical formando um T. Destas partem os membros superiores da figura, dispostos horizontalmente. O membro superior esquerdo termina num feixe de cinco traços divergentes, certamente uma estilização dos dedos da mão, do qual irradia um traço horizontal longo bifurcado na extremidade. O terminus do membro superior direito é provido apenas de dois apêndices radiais. No entanto, converge, nesta área a extremidade bifurcada de uma linha oblíqua com 5,4cm. Os membros inferiores são representados por dois traços que terminam numa figuração tipo «pés de galinha». As extremidades inferiores são assim representadas por uma linha semi-circular no interior da qual surgem 5-6 sulcos verticais. A complexidade técnica deste motivo advém do facto de ser constituída por sulcos com características morfológicas muito distintas, o que nos leva a colocar duas hipóteses: a) os sulcos que cons-

ANEXO I

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tam 0,48m do limite superior do sector e 0,38m do limite direito do sector. 4. Traço curvilíneo sub-ovóide.

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tituem a figura poderão ter sido re-gravados sucessivamente em momentos posteriores à sua criação ou b) uma figura original, obtida mediante um sulco que hoje exibiria patina antiga, possivelmente até com características morfológicas distintas da que se observa, terá sido parcialmente destruída pela adição sucessiva de novos elementos lineares. No entanto, só através de uma análise micromorfológica da superfície rochosa com recurso possivelmente à observação em microscópio electrónico de um molde da gravura em Provil L poderão ser elucidados certos aspectos de natureza técnica. 5. Os sulcos que delineam a cabeça, boca, pescoço e zig-zag que ladeia o tronco da figura apresentam sulco superficial, patinado, com cortornos arredondados; os sulcos que compõem o tronco e membros da figura apresentam, comparativamente, sulco mais profundo, de secção ao U, com arestas mais vivas. Aliás, as linhas perpendiculares que formam o eixo central do tronco e membros são apresentam-se profundamente gravados do que os anteriores. 6. A figura sobrepõe-se e é sobreposta por linhas rectas que apresentam sulcos profundos com coloração interna beije-amarelada. No entanto, sobrepõe-se, nomeadamente na zona da cabeça, a traços informes, mais finos, superficiais e com patina antiga que apresentam coloração idêntica à do suporte. Lamentavelmente, estas linhas sobre as quais a figura foi gravada são de difícil interpretação, não se detectando quaisquer representações figurativas sob o antropomorfo. 7. É afectado, no plano superior direito por desplacamento da superfície e ao nível do tronco por duas outras fracturas mais pequenas. Motivo 46 1. 8cmx0,2cm 2. Os contornos exteriores da figura dis-

ANEXO I

tam 0,31m do limite superior do sector e 0,17m do limite direito do sector. 4. O motivo, detectado em gabinete, é constituído por uma linha de tendência rectilínea, sub-horizontal, com 5 cm de comprimento, com terminus formado por estreita figura ovalada. Poder-se-á tratar de uma esquemática representação de lança, embora esta atribuição necessite de ser confirmada in loco. Motivo 47 1. 3cmx1cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,36m do limite superior do sector e 0,05m do limite direito do sector. 4. Pequeno zig-zag composto por 9 linhas oblíquas. Motivo 48 1. 5cmx1cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,68m do limite superior do sector e 0,21m do limite direito do sector. 4. Detectado em gabinete, o motivo assemelha-se a figura fusiforme segmentada interiormente por pequenos sulcos sub-paralelos, embora as extremidades dos dois traços curvilíneos não sejam convergentes. Será necessário aferir da sua veracidade no terreno. Motivo 49 1. 3cmx3cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,50m do limite superior do sector e 0,91m do limite direito do sector. 4. Estrela pentagonal, gravado com traço único que forma 5 triângulos correspondentes às extremidades do esteliforme. A figura apresenta-se inacabada no seu plano inferior. 7. Enquadra-se no âmbito tipológico de M23, M25 e M26

O sector 5 situa-se no plano inferior direito da rocha decorada, apresenta contorno subtrapezoidal e as suas dimensões máximas são: 1,20m de comprimento e 2,40m de largura. A superfície rochosa é, neste sector, bastante regular, aplanada e apresenta coloração superficial cinzenta. Diferenciaram-se três grupos de gravuras mas apenas se individualizaram 4 motivos figurativos. Neste sector não surgem as grandes concentrações de linhas, características dos sectores 2 e 4. Não se verificou a existência quer de composições complexas quer de representações cénicas. Definiu-se como grupo 1 o conjunto de figurações geométricas concentradas no plano superior esquerdo do sector. É composto maioritariamente por linhas rectas ou de tendência rectilínea de entre as quais se diferenciam dois sub-grupos: a) no plano esquerdo surgem, dispostas lado a lado, duas séries de traços sub-horizontais paralelos, executados mediante fina incisão; b) no plano direito observa-se uma série de linhas, contínuas e descontínuas, sub-verticais e paralelas. Os motivos identificados são constituídos por figuras geométricas embora M51 apresente um cariz figurativo. Motivo 50 1. 3cmx1cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,27m do limite superior do sector e 1,30m do seu limite direito. 4. Traço sub-horizontal provido de 3 pequenos apêndices lineares sub-paralelos, orientados para SO, que partem da sua extremidade esquerda. Motivo 51 1. 29cmx6cm 2. Os contornos exteriores da figura dis-

tam 0,8cm do limite superior do sector e 1,54m do seu limite direito. 3. Os sulcos que compõe a figura apresentam coloração cinzenta, similar à do suporte. 4. Trata-se de um motivo complexo constituído por um «corpo» de contorno vagamente fusiforme disposto verticalmente que sofre um estreitamento da zona superior. O interior desta é segmentado por um traço longitudinal que inflecte em ângulo recto no plano superior. Este é, por sua vez, encimado por uma figura sub-trapezoidal, no interior da qual se observa um pequeno traço horizontal. A linha que compõe a face externa do lado esquerdo do «corpo» fusiforme, inflecte igualmente em ângulo recto e desenvolve-se ao longo de 6cm. A c. de 1cm da inflexão surge um traço curvilíneo sub-horizontal, da extremidade do qual radiam 5 pequenos sulcos. Em cima desta surge uma outra figura semelhante, de maiores dimensões (3cm), da qual radiam apenas 3 linhas. A semelhança morfológica entre as duas últimas figuras e a representação das extremidades dos membros superiores de M45 é notória. Pese embora o facto desta figuração não ter um explicito carácter antropomórfico, a articulação dos conjuntos geométricos, e principalmente o perfil dos possíveis membros superiores, recorda a composição de M45. 5. A figura anteriormente descrita apresenta sulco homogéneo, superficial (à excepção do traço central do «corpo», mais profundamente gravado) com contornos arredondados e secção em U aberto. 6. As linhas mais ténues da figura surgem sob alguns sulcos que formam as séries de linhas horizontais, enquanto a linha central do tronco se sobrepõe às mesmas. A figura é afectada por desplacamento da superfície no seu plano inferior esquerdo.

ANEXO I

529

Memórias d’Odiana R 2ª série

6HFWRU

Motivo 52 1. 3cmx2cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,03m do limite superior do sector e 0,90m do seu limite direito. 4. Figura quadrangular aberta no plano inferior provida de três apêndices lineares que radiam para a direita a partir do vértice superior direito. Observam-se ainda dois pequenos quadrados apensos ao lado superior da figura central. O grupo 2 surge na área central do sector e comporta por um conjunto de 23 linhas rectas, dispostas predominantemente numa posição vertical ou sub-vertical, com comprimentos entre 9-0,9cm dispersas pelo espaço operativo do grupo. O grupo 3 é composto por M53, um motivo que se encontra isolado no plano inferior direito do sector. A figura ocupa a zona central, a uma cota mais baixa, numa pequena bancada da própria rocha.

Memórias d’Odiana R 2ª série

530

Motivo 53 1. 11cmx10cm 2. Os contornos exteriores da figura distam 0,68m do limite superior do sector e 0,54m do seu limite direito. 3. A coloração beije-acinzentada do interior do sulco é idêntica à coloração da superfície nesta zona. 4. Representação de quadrilátero segmentado interiormente por 6 linhas ortogonais, rectas ou de tendência rectilínea, contínuas e descontínuas, formando assim 16 sectores sub-quadrangulares. Observam-se ainda dois traços oblíquos em relação aos restantes que atravessam a figura intersectando-se, em cruz (X) no centro da mesma. 5. A figura apresenta sulcos homogéneos, de contornos bastante regulares, e secção em U. 8. M8 e M32

ANEXO I

6. ENQUADRAMENTO E CONTEXTO ARQUEOLÓGICO DA AGUALTA 7 No âmbito dos trabalhos de prospecção arqueológica realizada pela EDIA na área de implementação do regolfo da albufeira da barragem do Alqueva foram identificados apenas dois «sítios com arte rupestre», embora tenham sido documentadas ainda centenas de «rochas com covinhas» e alguns sítios com arte rupestre moderna e contemporânea. Mereceram a designação «sítio com arte rupestre» as rochas decoradas da Agualta 6, situadas na margem direita do Guadiana, e o sítio objecto do presente estudo. É possível estabelecer uma estreita relação em termos espaciais, temporais, gráficos e conceptuais entre os sítios com arte rupestre da Agualta 6 e Agualta 7. Os sítios são perfeitamente intervisíveis. A partir do topo da vertente, c. de 3m acima da Agualta 7 identifica-se o local de implantação das rochas decoradas na margem direita enquanto que a ampla paisagem que se vislumbra a partir de Agualta 6 é dominada pelas poderosas escarpas da margem esquerda. A própria expressão gráfica patente sobre as rochas da Agualta 6 insere-se no mesmo horizonte de gravuras rupestres filiformes, onde predominam as representações de carácter geométrico, embora o repertório iconográfico presente na Agualta 6 possa ser considerado mais característico da denominada Arte Esquemático-Linear com balizas cronológicas estabelecidas entre a Idade do Bronze e o final da II Idade do Ferro. Na Agualta 6 estão presentes as representações de armas – lanças e pontas de seta – figuras antropomórficas, signos geométricos – triângulos, quadriláteros, figuras ovoides atravessadas por linhas rectas e providas de apêndices nas extremidades. Os sítios apresentam ainda consideráveis semelhanças

acima da Agualta 7 em direcção à foz de uma ribeira situada a nascente da mesma. Numa plataforma inferior da mesma encosta onde se implanta a rocha decorada, objecto do presente estudo, a c. 50m desta, situa-se o povoado pré-histórico do Moinho de Valadares 1. A intervenção arqueológica em vários sectores do povoado permitiu estabelecer três grandes fases de ocupação/utilização do sítio: Fase de Ocupação 1, que corresponde ao momento inicial de ocupação, à qual foi atribuída uma cronologia do Neolítico Final/ Calcolítico Inicial; Fase de Ocupação 2, datável do Calcolítico Pleno; Fase de Ocupação 3, que corresponde a uma reutilização do sítio durante a Idade do Bronze2. Às duas primeiras ocupações associam-se contextos domésticos enquanto a reocupação da Idade do Bronze assume um carácter vestigial embora se sugira uma ocupação de cariz funerário, associada a escassos materiais cerâmicos e metálicos. Poderá apenas ser estabelecida uma associação relativa e indirecta entre a ocupação do povoado e as gravuras rupestres presentes na Agualta 7, escorada em hipóteses teórico-interpretativas algo permeáveis. A análise técno-morfológica da arte rupestre da Agualta 7 permite-nos definir uma longa diacronia para a utilização daquele espaço, objecto de sucessivos actos de regravação e, possivelmente reavivamentos. De momento, quaisquer considerações acerca da definição do período cronológico em que sucedeu a «criação do lugar» serão puramente especulativas. No entanto, o apuramento de uma sequência cronológica relativa para sítios com arte rupestre é tradicionalmente estabelecido por meio da articulação de diversos

2 9DOHUD$&0RLQKRGH9DODGDUHVHDWUDQVLomR1HROtWLFR)LQDO&DOFROtWLFRQDPDUJHPHVTXHUGDGR*XDGLDQD8PD DQiOLVHSUHOLPLQDU(UD$UTXHRORJLDQž

ANEXO I

531

Memórias d’Odiana R 2ª série

formais em termos da estruturação das representações no espaço operatório das superfícies e da técnica de gravação utilizada. Não nos foi possível proceder a uma análise mais exaustiva das gravuras da Agualta 6 na medida em que as superfícies se encontravam recobertas por uma espessa camada de líquenes. No entanto, aguardamos que seja realizado o estudo e levantamento das gravuras presentes nas rochas da margem esquerda para que seja possível estabelecer paralelismos que permitam uma análise comparativa mais concreta. Relativamente à ampla distribuição de «rochas com covinhas» ao longo do vale do Guadiana, com manchas de maior densidade em áreas específicas, cremos que deveriam ser consideradas espacial e estatisticamente em relação a contextos arqueográficos locais e regionais. As fossetes são manifestações de difícil interpretação e enquadramento cronológico se não forem inseridos numa análise interpretativa assente em conceitos próprios da Arqueologia Espacial ou se surgirem em contextos estratigráficos bem definidos. São, como tantas outras representações geométricas, motivos atemporais e universais. Na área geográfica onde se implanta a Agualta 7 foram detectadas, nas prospecções realizadas pela EDIA, dezenas de «rochas com covinhas», sendo maioritariamente em rochas ao ar livre. No entorno imediato a Agualta 7 a paisagem é pontuada por «rochas com covinhas», identificadas, no Quadro de Referência, com o topónimo de Moinho de Valadares 2, Moinho de Valadares 5, Moinho de Valadares 6, Moinho de Valadares 7, que se distribuem, curiosamente, ao longo de um eixo longitudinal que atravessa a linha de cumeada

Memórias d’Odiana R 2ª série

532

elementos, como sejam a técnica de gravação, estratigrafias figurativas e análise tipológica de motivos individuais. Quando se trata de motivos figurativos, uma análise estilística da gravura e sua relação possível com a) representações similares em materiais cerâmicos ou metálicos; b) no caso de representações de objectos, a sua associação ao correlato material, poderá possibilitar uma maior aproximação cronológica. No caso da Agualta 7 afigura-se-nos possível, nesta fase, sugerir apenas alguns vectores de contextualização cronológica e cultural adentro de um período integrável na pré-história recente/proto-história, na medida em que as únicas figurações cuja tipologia permitirá uma atribuição cronológica mais precisa, são as gravuras de lanças, nomeadamente M6a/b, com características morfológicas idênticas a uma das representações de lanças da rocha 10 do Vale da Casa3. Aliás, nesta rocha onde se observa um magnífico conjunto de sobreposições de figuras humanas, animais, armas e signos geométricos, surge igualmente um conjunto de 3 setas com lâminas ovaladas, semelhantes a M17. As representações de armas do Vale da Casa são relacionadas com a última fase de gravação da rocha 10, datável da Idade do Ferro. Por outro lado, aliando a hipótese do tipo antropomórfico (M45) com representação das extremidades inferiores e superiores em forma de «pés de galinha» e as gravuras de lanças com lâmina ovoide, sub-triangular ou alongada com estrangulamento central – embora não sejam documentados em directa relação espacial na rocha- recordam o repertório figurativo das estelas decoradas tipo estre-

3

menho – nomeadamente Torrejon del Rubio (Cáceres), Fuente de Cantos (Badajoz), Ervidel II. Relativamente aos equivalentes metálicos destas representações, surgem alguns paralelos em contextos funerários das fases iniciais da I Idade do Ferro no Sul do país, como por exemplo no espólio da sepultura 22/80 de Alcácer do Sal (e necrópole de Mouriços (Almodôvar). Sugerimos, desta forma, que um dos ciclos de gravação da rocha decorada da Agualta 7 se situe num momento final da Idade do Bronze e início da I Idade do Ferro. No entanto, dada a cronologia proposta para a Arte EsquemáticaLinear cujo maior ciclo abrange toda a Idade do Bronze e Idade do Ferro, poder-se-á colocar a hipótese de que, como no caso da rocha 10 do Vale da Casa, as armas teriam sido gravadas em momento ulterior à criação do lugar. Curiosamente, a associação directa entre rochas gravadas com motivos filiformes e contextos funerários da Idade do Bronze surge igualmente no Vale da Casa, embora tenham sido associadas a estes, as gravuras executadas mediante a técnica do picotado. Ainda relativamente à integração de certos tipos em período cronológico correlacionável com as fases de ocupação do povoado, poder-se-ia relevar a presença de uma figura soliforme, motivo recorrente e característico dos repertórios figurativos da Arte Esquemática peninsular, surgindo também em contextos megalíticos. No entanto, trata-se igualmente de um motivo que é representado, com recurso à mesma solução técnica, nas rochas decoradas do Vale das Maravilhas, integrável na denominada Arte Esquemático-Linear.

%DSWLVWD$02FRPSOH[RGHDUWHUXSHVWUHGR9DOHGD&DVD 9LOD1RYDGH)R]&{D $UTXHRORJLD

ANEXO I

7. A ROCHA DECORADA DA AGUALTA 7 NO ÂMBITO '$75$',d®2(67,/Ì67,&$ '$$57((648(0É7,&$/,1($5 A elaboração do primeiro corpus de um conjunto regional de gravuras rupestres filiformes deve-se a Carlo Conti que iniciou o estudo sistemático deste tipo de figurações no Vale das Maravilhas, Mont Bégo. Não obstante o facto de existir uma enorme densidade de gravuras modernas e contemporâneas sobre as rochas de Mont Bégo, individualizou-se um horizonte que, pelas características estilísticas dos signos representados e pela sua recorrente presença nas rochas daquela estação, evidenciavam uma indiscutível coerência estrutural. Os motivos integráveis neste horizonte surgem frequentemente associados a figuras executadas a picotado mas o estudo das estratigrafias figurativas das rochas onde ambas convivem tem suscitado análises contraditórias. Conti defende a anterioridade dos filiformes em relação às figurações realizadas a picotado, propondo, desta forma, uma cronologia Mesolítica. Mais tarde, G. Isetti, insere as gravuras filiformes no primeiro grande ciclo de Mont Bégo, considerando-as coevas das gravuras picotadas. Nos anos setenta, Abélanet4 realiza uma revisão sistemática dos casos de sobreposição detectados demonstrando, por sua vez, a anterioridade das gravuras picotadas do primeiro ciclo artístico do Vale das Maravilhas das quais se destacam os bucrânios. No entanto, esclarece que alguns traços

filiformes observados sob as últimas deverão ser interpretados como esboços preparatórios no processo de elaboração dos picotados. Esta sobreposição é frequentemente observada em rochas onde convivem ambas as técnicas de gravação, como sejam o caso das rochas decoradas de Alagoas5, da arte rupestre da região de Cáceres6 e do Vale da Casa. No entanto, o mesmo autor esclarece que são sobretudo as características estilísticas que definem a Arte Esquemática-Linear, já que se tratam de manifestações predominantemente abstractas – signos simples de geometria elementar – sendo relativamente raras as representações antropomórficas e de animais. Deste modo, alerta para a falibilidade das análises comparativas de motivos individuais dada a sua universalidade e atemporalidade. O repertório figurativo da Arte EsquemáticoLinear integra figurações geométricas do tipo cruciforme, em flecha, arquiforme, signos em phi, pectiformes, escaleriformes, recticulados, quadriláteros segmentados por linhas ortogonais (interpretados pelo autor como representações de «tabuleiros de jogo», à semelhança da nossa proposta explicativa para M8, M32 e M53), soliformes, linhas ovaladas abertas, círculos simples, concêntricos e segmentados por linhas radiais, zig-zags, pentatlos, suásticas. Relativamente às figurações antropomórficas têm como característica fundamental a representação sistemática das extremidades dos membros superiores e inferiores em forma de «pés de galinha». As balizas cronológicas propostas por J. Abélanet para o maior ciclo da Arte Esquemática-Linear estabelecem-se

$EpODQHW-/iUW6FKpPDWLTXH/LQpDUH9DOOHGHV0DUYHLOOHV/LYUHJXLGHGHO·H[FXUVLRQ&GX,;ž&RQJUpVGHO·8,633 1LFH 5 *RPHV093LQKR0RQWHLUR-$VURFKDVGHFRUDGDVGH$ODJRD7RQGHOD9LVHX2$UTXHyORJR3RUWXJXrVV YROV9,,,; 6 6HYLOODQR6-RVp0&*UDEDGRVUXSHVWUHVHQODFRPDUFDGH/DV+XUGHV &iFHUHV 6DODPDQFD8QLYHUVLGDG GH6DODPDQFD 4

ANEXO I

Memórias d’Odiana R 2ª série

533

entre os inícios da Idade do Bronze e o final da Idade do Ferro. É precisamente a associação recorrente destes temas que confere uma coerência estrutural à Arte Esquemático-Linear. Estas gravuras ocorrem em diversas regiões da Europa Ocidental, nomeadamente no Sul de França, Norte de Itália. Em território Ibérico surgem na Catalunha, Cantábria, Meseta Norte, Extremadura, Alentejo, Beiras e Trás-osMontes. Lamentavelmente é um fenómeno que não tem merecido um estudo de conjunto no contexto da arte rupestre europeia sendo raras as investigações sistemáticas à escala regional.

&216,'(5$d¯(6),1$,6 A intervenção arqueológica no sítio com arte rupestre da Agualta 7 teve por objectivo

realizar a primeira acção de levantamento de campo das gravuras rupestres presentes. Cremos que este poderá constituir um ponto de partida para um subsequente estudo escorado numa análise interpretativa orientada por esquemas teóricos em vigor para a análise conceptual deste tipo de manifestações. Este deverá, por um lado, passar por uma premente revisão de toda a problemática em torno da expressão da Arte Esquemática-Linear Ibérica. Por outro lado, deverão atender à articulação e enquadramento destas adentro da realidade arqueográfica regional, com especial referência à distribuição de arqueossítios eventual ou parcialmente coevos. As principais conclusões que se nos afigura possível retirar deste preliminar estudo prendem-se com a sua natureza crono-cultural. Trata-se de um sítio com arte rupestre implantado num espaço natural de eleição ao qual foi

Memórias d’Odiana R 2ª série

534

)LJXUD²/HYDQWDPHQWRGDURFKDJUDYDGDGH$JXDOWD6HFWRUHV HPFLPDjHVTXHUGD D HPEDL[RjGLUHLWD 

ANEXO I

)LJXUD3RUPHQRUGDVJUDYDo}HVQR6HFWRUGDURFKDGH$JXDOWD

tropomorfo de cronologia moderna, com paralelos, na rocha 17 da Ribeira de Piscos, no vale do Côa e na denominada «arte popular» de Mont Bégo e Valcamonica. A arte rupestre de cronologia Moderna ou Contemporânea está ainda documentada no vale do Guadiana, por exemplo, nos sítios da Defesinha 2 e Pedra da Mulher. A universalidade espacial e temporal de alguns dos motivos presentes na Agualta 7 dificulta uma boa leitura da estratigrafia figurativa da rocha. No sentido de ilucidar aspectos importantes relativos à sucessão diacrónica dos actos de gravação será possivelmente necessário recorrer, numa futura investigação, a uma análise micromorfológica do suporte e sulcos que compõem as gravuras rupestres.

ANEXO I

535

Memórias d’Odiana R 2ª série

sobreposto um estrato cultural, gráfico e conceptual, materializado na gravação de representações simbólicas sobre o substrato rochoso. Embora não seja possível, de momento, determinar rigorosamente o período cronológico da «criação do lugar», um dos aspectos mais significativos deste sítio é a recorrente gravação de signos geométricos e representações figurativas em áreas específicas do suporte. Recentemente, tem vindo a salientar-se a importância da regravação de sítios com arte rupestre pré e proto-históricos em épocas históricas. De facto, a gravação ex novo de signos em superfícies naturais tem sido frequentemente assinalada no âmbito de investigações de carácter regional. Na rocha da Agualta 7 observa-se um an-

)LJXUD6HFWRUUHSUHVHQWDomRDQWURSRPyUÀFD 0  HÀJXUDKXPDQDYHVWLGD 0 

Memórias d’Odiana R 2ª série

536

ANEXO I

)LJXUD)LJXUDo}HVDQWURSRPyUÀFDV 06HFWRUH06HFWRU DUPDV DEH UHSUHVHQWDomRGHVRO 6HFWRU  HTXDGULOiWHURV 6HFWRU 

ANEXO I

Memórias d’Odiana R 2ª série

537

)LJXUD²(PFLPDDVSHFWRGDVVREUHSRVLo}HV GDVJUDYDo}HVÀOLIRUPHVHPEDL[RDUPDV

Memórias d’Odiana R 2ª série

538

ANEXO I

ANEXO 1I

No âmbito do Bloco 5 foram realizadas prospecções geofísicas apenas no sítio do Mercador. O método de prospecção geofísica utilizado foi o georadar, o qual permite, de um modo relativamente rápido, analisar o contraste de propriedades físicas do subsolo. A prospecção foi efectuada por um georadar de frequência central 500MHz, efectuando perfis espaçados entre si de 0.5 m. A profundidade de investigação foi de 1.5 m, a qual foi definida tendo em atenção a informação obtida nas sondagens arqueológicas realizadas em 2000. A amostragem espacial foi de 2.2cm

(foram colhidos dados a intervalos de 2.2 cm), tendo a área prospectada abrangido 1 hactare. Foram, assim, efectuados 200 perfis de 100 m de comprimento. As coordenadas da malha geofísica podem ser relacionadas com a malha da escavação utilizando a tabela 1. O processamento foi efectuado do seguinte modo: a – Reamostragem espacial, de modo a obter a localização exacta de cada traço em função das marcas efectuadas ; b – Ajuste da primeira chegada, para obter o “tempo zero”, o qual corres-ponde á superfície topográfica; c – Filtro passa baixo, de modo a eliminar componentes de baixa frequência;

539

ANEXO II

Memórias d’Odiana R 2ª série

II. 10HWRGRORJLDJHUDOGDVSURVSHFo}HV geofísicas

d – Filtro passa banda, eliminando deste modo frequências que são fonte de ruído, baixas e altas frequências; e – Remoção de frequência padrão que corresponde a um “background” em frequência característico que se sobrepõe à frequência central; f – Migração, que consiste em migrar a dispersão de energia das difrac-ções para o seu “ápex” respectivo, este processo tem como objectivo reproduzir a forma do objecto difractor; g – Análise dos cortes em profundidade e criação de planos em profundidade (“time slices”). h – Integração dos vários planos em profundidade num volume tridimensional.

Memórias d’Odiana R 2ª série

540

ANEXO II

A metodologia de interpretação em planos de profundidade foi considerada eficaz em termos globais, ou seja foi possível analisar grandes áreas com um menor esforço e melhores resultados práticos. As sub-áreas que resultaram da decomposição da totalidade da área prospectada são apresentadas em modo de visualização tridimensional (Blocos 3D), os quais foram gerados através da integração dos planos em profundidade. Este tipo de informação está filtrado, realçando apenas os eventos (anomalias) mais significativos (Estampa XXX). Os máximos de reflexão (representados a vermelho) terão origem em descontinuidades exis-tentes no subsolo, podendo ter origem arqueológica ou geológica.

II-2 Quadros de dados ,,²3HGUD3ROLGD 7DEHODGHVFULWLYDGDVSHoDVGHSHGUDSROLGDGRVFRQWH[WRVLQWHUYHQFLRQDGRV Classificação

Fase

UE

Descrição

Peso

MP

344

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Machado

1 (F8)

326

Flanco fracturado longitudinalmente, conservando o gume e apresentando polimento invasor das duas faces. A secção parece ser tendencialmente subrectangular.

Monte da Julioa 4

Machado

4

Sup.

Fragmento distal de machado, com gume ligeiramente boleado e polimento invasor das faces. Secção rectangular.

296

Anfibolito

437

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Martelo "de gume aplanado"

1 (F3)

311

Utensílio achatado de configuração trapezoidal convergindo para o talão, com ausência de gume demarcado, substituído por uma superfície aplanada sem polimento.O facto de apresentar polimento no restante plano de inclinação do gume, que se prolonga num polimento abrangente da face infeiro e invasor da face superior, sugere um reaproveitamento de uma enxó. A secção transversal é subrectangular. (103/59/35)

Monte da Julioa 4

Machado

4

Sup.

Machado achatado de configuração rectangular, com polimento invasor das duas faces e secção rectangular. (110/56/33)

415

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Enxó

4

300

Utensílio de configuração rectangular, secção subrectangular e polimento restrito ao gume. (116/49/37)

356

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Machado

1 (F8)

327

Utensílio de configuração trapezoidal convergente para o talão, gume com marcas de uso e polimento invasor numa das faces. Secção transversal subrectangular. (111/60/47)

389

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Enxó

4

Sup.

Fragmento distal de enxó. O polimento é restrito ao gume, que apresenta marcas de uso. Secção transversal subrectangular.

190

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Enxó

4

300

Fragmento distal fracturado logitudinalmente, com polimento restrito ao gume e secção transversal subrectangular.

101

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Bloco

4

Sup.

Bloco de configuração triangular, convergente para o tação. AƉresenta uma secção transversal subretangular e uma longitudinal côncava_convexa. Foi extrĂída por percussão e apresenta o bolbo. (123/62/17)

222

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Indeterminado

1 (F8)

326

Fragmento mesial de utensílio de secção subquadrangular.

435

Anfibolito

372

Anfibolito

Utensílio de configuração subrectangular achatada, secção transversal Sup. subrectangular e ligeiro polimentonas faces e superfícies de utilização. (104/55/33)

Monte da Julioa 4

Martelo

4

Monte da Julioa 4

Machado

1 (F1)

304

Utensílio de configuração trapezoidal convergente para o talão, secção transversal subrectangular e polimento invasŽr numa das faces. O gume apresenta marcas de uso. (129/63/45)

642

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Martelo

2 (F2)

302

Utensílio de secção transversal ovalada e polimento tendencialmente integral, com superfíce de utilização com marcas de uso. Provável reutilização de outro utensílio. (94/59/43)

350

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Esboço

2 (F2)

302

Seixo de xisto anfibolítico, de formato subtrapezoidal, afeiçoado numa das faces, de modo a constituir um gume na extremidade mais larga, pronto para receber polimento. O produto final seria uma enxó.

224

Xisto

Monte da Julioa 4

Fragmento de gume

326

Fragmento distal, com fractura longitudinal

55

Anfibolito

Monte da Julioa 4

Fragmento

327

Fragmento inclassificável

34

Anfibolito

Fragmento distal com fractura longitudinal, com polimento invasor e secção transversal tendencialmente subrectangulaƌ

131

Anfibolito

Fragmento de talão.

38

Anfibolito

1 (F8)

Monte do Tosco 1

Machado

402

Monte do Tosco 1

Indeterminado

7

ANEXO II

541

Memórias d’Odiana R 2ª série

Sítio

Sítio

Memórias d’Odiana R 2ª série

542

Classificação

Fase

UE

Descrição

Peso

MP

Monte do Tosco 1

Martelo "de gume aplanado"

4

Utensílio de secção transversal subrectangular, com polimento integral das faces, cujo gume foi boleado, numa superfície picotada, não polida e com ligeiras marcas de uso. (94/76/34)

Monte do Tosco 1

Enxó

4

Utensílio de configuração trapezoidal convergente no talão, com polimento invasor na face superior e restrito ao gume na inferior. Secção transversal trapezoidal. (162/65/30)

523

Anfibolito

Monte do Tosco 1

Esboço

7

Enxó esboçada por talhe, com secção transversal subrectangular.

947

Anfibolito

Mercador

Machado

111

Fragmento mesial/distal de machĂdo de secção transversal ovalada e polimento integral. O gume apresenta marcas de uso.

103

?

Mercador

Martelo "de gume aplanado"

1

Utensílio de configuração trapezoidal convergente no talão, com polimento restrito ao gume. Secção transversal rectangular. Reutilização de outra peça. O gume foi boleado por picotado até formar uma superfície curva, não apresentando polimento. (90/64/35).

380

Anfibolito

Mercador

Enxó

48

Metade distal, de secção subrectangular. Polimento ligeiramente invasor das faces e gume afiado, mas com marcas de uso.

383

Anfibolito

Mercador

Enxó

Sup.

Metade distal, de secção subrectangular. Polimento invasor da face superior e gume afiado, mas com marcas de uso.

241

Anfibolito

Mercador

Martelo "de gume aplanado"

1052

Utensílio de configuração rectangular, com polimento abƌĂngente nas faces. Secção ovalada. Reutilização de outra peça. O gume foi boleado por picotado até formar uma superfície curva, não apresentando polimento. (110/69/34).

458

Anfibolito

Mercador

Machado

144

Fragmento distal fracturado logitudinalmente, com polimento invasor das faces e secção transversal subrectangular. Gume com marcas de uso.

229

Anfibolito

Mercador

Machado

1

Fragmento distal, com polimento invasor de uma das faces e secção transversal subrectangular. Gume com marcas de uso.

232

Anfibolito

Mercador

Machado

352

Fragmento distal, de secção ovalada e polimento integral. Gume com marcas de uso.

185

Anfibolito

Mercador

Indeterminado

1000

Fragmento proximal de secção transversal subrectangular, com polimento nos bordos.

212

Anfibolito

Mercador

Frag. de Gume

302

Fragmento distal. Gume com marcas de uso e aresta de fractura retoca.

77

Dolerito

Mercador

Frag. de Gume

10

Fragmento distal. Gume assimétrico afiado. Reaproveitamento de peça com fractura longitudinal.

38

Anfibolito

Mercador

Indeterminado

Sup. Fragmento mesial.

551

Anfibolito

247

Anfibolito

109

Anfibolito

Mercador

Indeterminado

1

Fragmento proximal de secção transversal subrectangular, sem vestígios de polimento.

Mercador

Cinzel

90

Com extremidade distal fracturada, apresenta a secção transversal subquadrangular e polimento integral.

135

Anfibolito

Mercador

Machado

Sup.

Utensílio fragmentado longitudinalmente. Polimento ligeiramente invasor das faces e secção transversal tendencialmente subrectangular.

256

Anfibolito

M. Valadares 1

Martelo

36

Utensílio com polimento nas suas duas faces maiores, pode-se observar as marcas de uso numa das suas extremidades, bem como a sua reutilização como bigorna. Apresenta uma secção subtrapezoidal.

676

Anfibolito

M. Valadares 1

Cunha

29

Utensílio com marcas de uso, evidenciado pelos negativos de levantamentos apareŶtemente acidentais, é possível registar um ligeiro poliͲ ŵĞŶto. Apresenta uma secção subrectangular.

323

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

51

Fragmento distal de machado, com ligeiras marcas de utilização no gume. Apresenta uma secção subrectangular.

67

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

6

Fragmento distal de machado. O polimento é restrito ao gume, que apresenta marcas de uso. Secção transversal subrectangular.

133

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

6

Utensílio com fractura longitudinal, com polimento restrito ao gume, de secção sub rectangular.

52

Anfibolito

ANEXO II

Classificação

Fase

UE

Descrição

Peso

M. Valadares 1

Machado

10

Utensílio com fractura transversal, com polimento restrito às faces convergentes que desenham o gume. Apresenta uma secção subrectangular.

75

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

12

Fragmento distal de machado com fractura longitudinal, com polimento restrito ao gume. Apresenta uma seccção subrectangular.

49

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

58

Fragmento de machado com fractura transversal, com polimento restrito ao gume. Apresenta uma secção rectangular.

114

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

196

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

36

Com polimento restrito ao gume, apresenta um esbatimento do gume devido ao uso. Regista-se neste utensílio uma secção transversal subrectangular.

375

?

M. Valadares 1

Machado

19

Com polimento restrito ao gume, apresenta marcas de uso. Regista-se neste utensílio uma secção transversal subrectangular.

398

Anfibolito

M. Valadares 1

Machado

31

Fragmento de machado com uma fractura transversal e levantamento a partir da mencionada fractura,utensílio com polimento restrito ao gume. Apresenta uma secção subrectangular.

335

Anfibolito

M. Valadares 1

Esboço

4

Apresenta uma secção subrectangular

141

Anfibolito

288

Anfibolito

Fragmento de machado com fracturas longitudinais, com acentuadas Sup. marcas de uso no gume, é possível registar um polimento total numa das suas faces maiores. Apresenta uma secção subrectangular.

MP

M. Valadares 1

Martelo

71

Fragmento de utensílio que apresenta uma fracturas longitudinais junto à extremidade distal, bem como fortes marcas de uso. O polimento surge a espaços sobre toda a superfície conservada da peça. Regista-se neste utensílio uma secção subrectangular.

M. Valadares 1

Martelo

45

Utensílio um acentuado uso, com um polimento muito ligeiro. Apresenta uma secção subrectangular.

364

Anfibolito

M. Valadares 1

Cunha

29

Utensílio polido numa das suas faces maiores, com uma secção subrectangular, e com marcas de uso na sua extremidade distal.

197

Anfibolito

Utensílio que resulta de um reaproveitamento de utensílio anterior. A metade distal apresenta secção transversal subrectanguar com polimento quase integral do gume e faces, enquanto a metade proximal apresenta uma secção transversal elipsoidal, para facilitar o encabamento, sendo totalmente picotada e sem polimento. O agora talão apresenta vestígios de polimento de um gume anterior.

700

Anfibolito

Luz 20

Enxó

Sup.

Luz 20

Enxó

Enxó sobre lasca, de configuração triangular, com polimento restrito ao Sup. gume, que apresenta algumas marcas de uso. A secção transversal é subrectangular.

137

Anfibolito

Luz 20

Machado

Peça de configuração subtrapezoidal e secção transversal subrectanguSup. lar, com polimento integral das faces. O gume apresenta alguns sinais de uso.

271

Anfibolito

Luz 20

Formão

100

Peça de formato elítico estreitando para o gume, de polimento integral e secção subrectangular. O gume apresenta alguns sinais de uso.

41

Anfibolito

Luz 20

Formão

Peça alongada, reaproveitando uma fractura longitudinal de outra peça. Sup. A zona da fractura foi polida. O restante polimento restringe-se ao bordo e a partes do flaŶco conservado. O talão está fracturado.

87

Anfibolito

Luz 20

Formão

Peça fina e alongada, de formato rectangular, com polimento integral Sup. numa das faces e flancos e restrito na outra face. A secção é subrectangular.

42

Xisto

ANEXO II

543

Memórias d’Odiana R 2ª série

Sítio

Sítio

Fase

UE

Descrição

Peso

MP

Luz 20

Machado

Peça com aĐentuado desgaste do gume, apresenta uma fractura longitudinal a partir da sua extremidade proximal. O polimento restringe-se à Sup. área do gume, e também numa zona próxima à fractura observada. A secção deste utensílio é subquadrangular.

Luz 20

Machado

Utensílio com um acentuado desgaste do gume e com uma fractura lonSup. gitudinal que atravessa toda a peça. O polimento restringe-se ao gume. Apresenta uma secção tranversal subrectangular.

157

Anfibolito

Martelo

102

Utensílio que não apresenta qualquer superfície polida, no entanto denota-se a utilização de uma das extremidades como martelo. Aparentemente pode-se observar uma marca de encabamento numa das sua faces maiores. A secção desta peça é subtrapezoidal.

278

Anfibolito

Luz 20

Martelo

Utensílio que não apresenta qualquer superfície polida, no entanto denota-se a utilização de uma ou ambas as extremidades como martelo. Sup. Aparentemente pode-se observar uma marca de encabamento numa das sua faces menores. A secção desta peça é subrectangular.

401

Anfibolito

Luz 20

Esboço

Este bloco de matéria prima apresenta uma ténue definição da sua morSup. fologia como utensílio, através da produção de levantamentos. Este bloco apresenta uma secção subtrapezoidal.

475

Anfibolito

Luz 20

Machado

Utensílio com acentuado desgaste do gume. O polimento restringe-se Sup. ao gume e a uma das faces menores desta peça. Apresenta uma secção subtrapezoidal.

300

Anfibolito

Luz 20

Indeterminado

Fragmento mesial de um utensílio, peça bastante esguia, com polimento em duas das suas quatro faces. Apresenta uma secção transversal subtrapezoidal.

62

Anfibolito

Luz 20

Enxó

Utensílio de pequenas dimensões com polimento em todas as suas faces, com marcas de uso no gume. Apresenta uma secção subrectanguSup. lar.

63

Anfibolito

Luz 20

Enxó

Utensílio de pequenas dimensões com polimento em todas as faces, Sup. mas não homogéneo, que apresenta marcas de uso no gume. Esta peça tem uma secção subtrapezoidal.

88

Anfibolito

Luz 20

Martelo

101

Utensílio de secção subquadrangular sem qualquer polimento, com marcas de utilização em ambas as extremidades.

369

Anfibolito

Luz 20

Indeterminado

Sup.

Fragmento mesial de utensílio indeterminado, apenas apresenta polimento numa das faces maiores. A sua secção é subrectangular.

168

Anfibolito

Luz 20

Martelo

276

Anfibolito

Luz 20

544

Memórias d’Odiana R 2ª série

Classificação

ANEXO II

200

Utensílio de secção subrectangular, tratando-se de uma reutilização de Sup. um maĐhado que apenas apresentaria polimento sobre a extremidade distal, i.e. o gume.

275

Anfibolito

II – 2.2 Elementos de moagem Critérios de análise SU ± Superfície de uso 0 ± Unifacial 1 ± Bifacial

SL. ± Secção longitudinal 0 ± Biconvexa 1 ± Plano-convexa 2 ± Côncavo-convexa 3 ± Convexo-côncava 4 ± Plano-côncava

Est ± Estado 0 ± Quebrado 1 ± Inteiro

ST. ± Secção transversal 0 ± Biconvexa 1 ± Plano-convexa 2 ± Côncavo-convexa 3 ± Convexo-côncava 4 ± Plano-côncava

MP ± Matéria-prima 0 ± Granito 1 ± Xisto 2 ± Grauvaque 3 ± Quartzo 4 ± Xisto Anfibolítico

P. ± Picotado 0 ± Apagado 1 ± Circunscrito 2 ± Vivo 3 ± 0+1 4 ± 1+2

For. ± Forma 0 ± Elipsóide 1 ± Ovóide 2 ± Rectangular ou sub-rectangular 3 ± Irregular 4 ± Indeterminada

Tabela 1 - Moventes UE Sondagem SU Est. MP For. SL ST P 425 4 0 1 0 2 1 1 0 425 4 0 0 0 3 4 4 0 7 1 1 1 0 2 1 1 0 402 4 1 1 0 0 1 1 0

do Tosco do Tosco do Tosco do Tosco

Mercador Mercador Mercador Mercador Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Monte Monte Monte Monte Monte

Julioa Julioa Julioa Julioa Julioa

4/ Luz 4/ Luz 4/ Luz 4/ Luz 4/ Luz

20 20 20 20 20

71 sup. 369 1052

1 1 1 1

0 0 0 0

0 0 0 0

0 0 0 0

19 8 10 83 83 41 74 22

2 3 2 2 2 1 2 3

0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0

2 0 0 0 0 0 0 0

2 0 0

0 0 0 0 0

1 0 0 0 0

0 0 0 0 0

304 304 sup. sup. 100

1

0 1 0 0 1 0

1 0

1 1 1 4 1 1 4

1 1 1 4 1 1 4

0 0 0 0 0 0 0 0

1 4 4 4 4

1 2 2 0 1

2 5 2 0 1

0 0 0 0 2

1 1

545

ANEXO II

Memórias d’Odiana R 2ª série

Sítio Monte Monte Monte Monte

Sítio Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20

UE Sondagem SU Est. MP For. SL ST P 200 0 0 0 4 1 1 2 sup. 0 0 0 3 5 5 3 sup. 0 0 0 4 1 1 1 sup. 0 0 0 4 0 9 3 sup. 0 0 0 4 0 0 0 sup. 0 0 0 4 1 1 3 sup. 0 0 0 4 4 4 0 sup. 0 1 0 0 2 2 0 sup. 0 0 0 2 4 4 1 sup. 0 0 0 0 0 0 1 sup. 0 0 0 4 1 1 1 sup. 0 0 0 4 0 0 1 sup. 0 0 0 4 1 1 0 sup. 0 0 0 4 0 0 0

Tabela 2 - Dormentes Sítio

UE

Cerros Verdes 3 Cerros Verdes 3 Cerros Verdes 3 Cerros Verdes 3

sup. sup. sup. sup.

Sector SU 0 0 0 0

Monte do Tosco Monte do Tosco

sup. 413

4

Mercador Mercador Mercador Mercador Mercador

Est 0 0 0 0

MP For SL 1 1 2 1 3 0 1 0 4

ST 1 1 1 4

P 0 0 0 0

0 0

0 0

0 0

0

1

1

0 0

61 I 144 I 3005 III sup. sup.

0 0 0 0 0

0 0 0 0 0

0 0 1 0 0

0 0 0 1 1

1 1 2 1 1

1 1 2 1 1

0 0 0 0 0

Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares Moinho de Valadares

8 73 34 36 sup. 46 36 17 10 sup.

0 1 0 1 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 1 1 0

0 0 0 0 0 0 2 0 1 4

1

2 4 2

2 4 2

0 0 0 0

0 0 0 0 2 0

2 2 2 1 2 2

2 2 2 1 2 2

0 0 0 0 0

Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz

300 324 sup. sup. sup. sup. sup. sup.

0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0

4 4 4 4 4 4 0 4

0 3 1 0 0 0 0 0

0 3 1 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 2 3

3 2 2 2 3 2 3 2

Memórias d’Odiana R 2ª série

546

ANEXO II

20 20 20 20 20 20 20 20

UE sup. sup. 101 101 101 102 102 102 102 200 400 sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup.

Sector SU Est MP For SL ST P 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

4 1 4 4 4 4 4 4 4 4 4 0 4 2 1 0 1 0 4 4 2 0 0 4 0 3 4 4 0 4 4 0 1 4 4 4 4 4 4 1 4 4 1 0 4 4 4 4 4 4 1

0 1 0 0 1 1 0 0 4 0 0 1 1 1 0 0 1 0 1 1 1 1 1 1 0 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1

0 1 0 0 1 1 0 0 2 0 0 1 1 1 0 0 0 0 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 1

0 1 0 3 2 3 0 1 1 3 0 3 3 3 3 1 4 3 1 3 1 4 1 3 1 3 0 0 0 0 2 1 0 0 3 0 2 2 0 3 0 4 3 3 0 3 0 3 3 0 1

547

ANEXO II

Memórias d’Odiana R 2ª série

Sítio Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20 Monte Julioa 4/ Luz 20

Sítio Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz Monte Julioa 4/ Luz

Memórias d’Odiana R 2ª série

548

ANEXO II

UE 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20

sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup. sup.

Sector SU Est MP For SL ST P 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4

4 0 0 1 0 2 0 0 0 0 0 0

0 0 0 1 0 2 0 0 0 0 0 0

1 0 1 1 0 3 2 2 1 0 0 0

II – 2.3 Estudos faunísticos do mercador 7DEHOD0HUFDGRU 0RXUmR 1~PHURWRWDO 15 HSHUFHQWDJHQVGRVUHVWRVIDXQtVWLFRVUHFXSHUDGRVGRV6HFWRUHVHVHJXQGRGLIHUHQWHV PpWRGRVGHTXDQWLÀFDomR'HQWHVHPSDUrQWHVHV  VREUHRWRWDOGDDPRVWUD  VREUHPDPtIHURVLGHQWLÀFDGRV=' VHJXQGRR PpWRGRGDV]RQDVGLDJQyVWLFDV 5DFNKDP  ,QFOXLRYHOKDFDEUDHDFDWHJRULDJHUDOGHRYLFDSUtGHRV

NR

% (1)

% (2)

% ZD

52 (1) 104 (27) 1 7 109 (14) 52 5 (2) 148 (51) 610 (236) 44 4 2

1,4 3,5
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