As Comunidades de Terreiro e Educacao Possibilidades

May 24, 2017 | Autor: W. Flor do Nascim... | Categoria: RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EDUCAÇÃO, Pensamento Africano, Relações Raciais e Educação
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outubro DE 2014 - Ano XVIII- Edição 148

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As Comunidades de Terreiro e Educação: Possibilidades... Babá Wanderson Flor do Nascimento Tata Nkosi Nambá Muitas vezes pensamos nas comunidades de terreiro apenas como espaços de vivências religiosas. Elas, de fato, são também espaços religiosos, mas não apenas isso. Nessas comunidades, experimentam-se modos de vida herdeiros das tradições africanas, transmitidos de geração em geração, das pessoas mais velhas às pessoas mais novas, em um esforço de preservação e manutenção dessas tradições que foram trazidas para nosso país, à força, durante o período da colonização. As tradições culturais africanas são, nesses espaços, experienciadas através dos processos educativos que acontecem durante a convivência entre as pessoas, as divindades, a natureza e a ancestralidade, que se apresenta como uma espécie de modo de ser da história que constitui a cada membro das comunidades de terreiro: somos filhas e filhos de nossas/os ancestrais, por isso herdamos delas/deles, características, visões de mundo, valores, maneiras de ver, ser, aprender, ensinar, conviver. Isto faz com que as comunidades de terreiro, sejam elas de Batuque, Umbanda, Quimbanda, Candomblés, Terecô, Tambores etc., sejam também espaços de aprendizagem, ou se qui-

sermos, espaços educacionais. É através da educação que entramos em contato com as tradições africanas nos terreiros, mantendo-as, preservando-as e modificando-as; que como toda e qualquer tradição, transmite o que é importante transmitir e modifica o que é imperativo modificar. Enquanto as comunidades de terreiro se movimentam nesse ritmo entre a educação e as tradições, em 2003, a lei 10.639 modifica a lei mais importante da educação em nosso país, a lei de diretrizes e bases da educação nacional, introduzindo nesta o artigo 26-A que determina que nas escolas de ensino fundamental e médio a cultura e história africanas e afro-brasileiras sejam componentes obrigatórios dos currículos, para que as/os estudantes saibam que a população negra não trouxe apenas sua força de trabalho escravizada para nosso país, mas também cultura, conhecimento, visões de mundo e valores. Esta lei causou uma movimentação enorme em alguns lugares do país, que se deram conta de que não sabíamos muitas coisas sobre o que as pessoas africanas trouxeram para o nosso país. Ficamos apenas com os estereótipos dos livros didáticos que nos mostravam um negro escravizado e que tinha, quando muito, contribuído para a culinária e o caráter festivo de nosso país. E o problema

estava colocado: como é que sabemos qual a herança africana para nosso país, para além desses estereótipos? É aqui que as comunidades de terreiro têm uma contribuição fundamental. Nelas se conservaram muitos elementos – além dos religiosos – que nossas (os) Ancestrais africanos nos legaram: um certo tipo de relação com a natureza, um certo tipo de relação social, uma relação específica com os mais velhos e os mais novos, um vasto conhecimento sobre o uso das ervas medicinais, uma maneira específica de tratar da saúde, um sistema de valores que não se apresenta como individualista, entre muitas outras coisas. Mas para que essa contribuição apareça, temos de lutar contra um grave empecilho que ronda nossa sociedade: o racismo, que toma, muitas vezes, a forma de um preconceito religioso ou de intolerância. Quando pensamos que essas “religiões” são atrasadas, satânicas ou cruéis, estamos apenas reproduzindo os estereótipos negativos e deixando de aprender a riqueza cultural, cheia de potencialidades e aberturas que podem ser encontradas nas comunidades de terreiro. Por isso, é importantíssimo que voltemos nossos olhares para as comunidades de terreiro para que possamos ver o que nelas se passa, junto com as práticas religiosas e, assim, encontraremos uma

série de elementos que possibilitam a compreensão das culturas africanas e afro-brasileiras, tão importantes para que a lei saia do papel e torne-se realidade. Muito já fizemos, mas há muito que ser feito ainda, para que o respeito às comunidades tradicionais de matrizes africanas se estabeleça e que elas possam ser reconhecidas como pólos de preservação das culturas africanas, cheias de riqueza e possibilidades ainda não conhecidas, ou re-conhecidas. Colaboração - Professor de Filosofia e Bioética da Universidade de Brasília (UnB) e Sacerdote do Candomblé, de Nação Angola. [email protected]

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