As concepções de erro no discurso de professores de língua estrangeira

July 24, 2017 | Autor: Laura Fortes | Categoria: Teacher Identity, Subjectivity, English as a Foreign Language (EFL), Errors
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AS CONCEPÇÕES DE ERRO NO DISCURSO DE PROFESSORES  DE LÍNGUA ESTRANGEIRA  Laura Fortes (USP)  Introdução  Ao  realizarmos  o  Projeto  de  Iniciação  Científica  Um  Estudo  sobre  as  Concepções de Erro no Discurso de Professores de Língua Estrangeira, desenvolvido  em 2003 sob orientação da Profa. Dra. Marisa Grigoletto e com o auxílio da FAPESP,  analisamos  os  efeitos  de  sentidos  produzidos  no  discurso  de  professores  de  língua  inglesa concernindo às concepções de erro em situações de ensino­aprendizagem.  Tendo como base teórico­metodológica a Análise de Discurso que se estabeleceu  no Brasil a partir das teorizações de Pêcheux, Orlandi e Foucault, os resultados de nosso  trabalho de Iniciação Científica  levantaram questões importantes a serem  investigadas.  Para  tanto,  elaboramos  o  projeto  de  mestrado  intitulado  As  Concepções  de  Erro  no 

Discurso de Professores de Língua Estrangeira: Delineando (Possíveis) Relações com  as Práticas Pedagógicas, que tem como objetivos principais:  1)  Contribuir para a construção do saber científico em torno da sala de aula  de língua estrangeira, partindo da reflexão sobre os processos de ensino e  aprendizagem tomados como discursos sobre a língua e sobre os sujeitos;  2)  3)  Promover  a  criação  de  espaços  de  reflexão  em  torno  das  práticas  pedagógicas,  concebidas  como  práticas  discursivas  em  que  o  sujeito­  professor está inserido, visando à compreensão das relações entre língua  estrangeira e subjetividade.  4)  5)  Analisar como se constituem as representações de (ensino/ aprendizagem  de) língua estrangeira na(s) memória(s) discursiva(s) que atravessa(m) o  sujeito,  principalmente  no  que  concerne  às  concepções  e  ao  tratamento  do erro na sala de aula de língua estrangeira;  6)  7)  Analisar  os  relatos  autobiográficos  dos  sujeitos­professores,  focando  (possíveis)  relações  entre  as  experiências  de  aprendizagem  de  língua  estrangeira vivenciadas na escola/instituto de idiomas e as concepções de  erro que emergem em seu dizer;  8)  9)  Compreender  os  efeitos  de  sentido  produzidos  através  de  (possíveis)  relações  entre  as  concepções  de  erro  engendradas  pelos  espaços  (inter)discursivos  recortados  e  as  práticas  pedagógicas  adotadas  pelo  professor na sala de aula de língua estrangeira. 

Visando  aos objetivos  supramencionados, o  presente  trabalho  constitui  o  início  da  análise  a  que  este  projeto  de  pesquisa  se  propõe:  um  estudo  discursivo  das  concepções de  erro engendradas  no dizer do sujeito­professor (de  inglês) de escola de  idiomas, buscando a delineação de possíveis relações entre essas concepções e as suas  práticas  pedagógicas 1  –  interpretadas  aqui  como  práticas  discursivas  –  engendradas 



O discurso sob análise constitui duas entrevistas semi­estruturadas com um professor de inglês de escola  de idiomas e os momentos de correção transcritos da gravação em áudio de quatro de suas aulas entre os  dias 30 de maio a 09 de junho de 2005.

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tanto na interação com os aprendizes em sala de aula, como nas relações estabelecidas  com a língua.  Assim, ao viabilizar a criação de espaços de reflexão sobre o funcionamento do  complexo  jogo  discursivo  na  sala  de  aula,  bem  como  dos  fios  do  interdiscurso  que  o  tecem, será possível compreender, sob o prisma do tratamento do erro, as relações que  se estabelecem entre os sujeitos e a língua estrangeira que ensinam.  1. Desfazendo a trama  Ao  conceber  o  funcionamento  da  língua(gem)  enquanto  produção  de  sentidos  entre  sujeitos 2 ,  a  Análise  de  Discurso  dialoga  com  conceitos  teóricos  que  destituem  o  centro do sentido, deslocando (descolando) o signo saussureano.  A ausência do centro do sentido (o descentramento) concebida por Derrida leva­  nos  a  um  conceito  de  significação  metaforizado  no  movimento  de  um  jogo 3 .  Sem  possuir  um  centro,  o  jogo  de  significação  funciona  a  partir  de  movimentos  de  deslocamentos, deslizes, equívocos que irrompem nos enunciados que, segundo Pêcheux  (1990), constituem espaços de interpretação:  “[...] todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar­se outro, diferente  de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um  outro  [...]  Todo  enunciado,  toda  seqüência  de  enunciados  é,  pois,  lingüisticamente  descritível  como  uma  série  (léxico­sintaticamente  determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar à interpretação.  É  nesse  espaço  que  pretende  trabalhar  a  análise  de  discurso.”  (PÊCHEUX,  1990: 53). 

Se  o  sentido  ocupa  um  lugar  entre  a  estrutura  e  o  acontecimento,  entre  a  transparência e a opacidade, depreendemos que  o discurso não pode ser  monológico:  ele  é  constitutivamente  heterogêneo,  i.e.,  polifônico. 4  Os  enunciados  só  podem  existir  porque  estão  filiados  a  outros,  a  vozes  diversas  que  tecem  a  trama  (da  ordem)  do  discurso:  “Não  há  enunciado  que  não  suponha  outros; não há nenhum  que  não  tenha  em  torno  de  si  um  campo  de  coexistências,  efeitos  de  série  e  de  sucessão,  uma distribuição de funções e de papéis. Se se pode falar de um enunciado, é  na medida em que uma frase (uma proposição) figura em um ponto definido,  com  uma  posição  determinada,  em  um  jogo  enunciativo  que  a  extravasa.”  (FOUCAULT, 1972: 124) 



“Na análise de discurso, procura­se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho simbólico,  parte  do  trabalho  social  geral,  constitutivo  do  homem  e  da  sua  história.  [...]  [Assim,]  a  Análise  de  Discurso  não  trabalha  com  a  língua  enquanto  um  sistema  abstrato,  mas  com  a  língua  no  mundo,  com  maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas  vidas, seja enquanto sujeitos seja enquanto membros de uma determinada sociedade.” (ORLANDI, 2002:  15, 16)  3  “[O] movimento do jogo, permitido pela falta, pela ausência de centro ou de origem, é o movimento da  suplementariedade. Não se pode determinar o centro e esgotar a totalização porque o signo que substitui o  centro, que o supre, que ocupa o seu lugar na sua ausência, esse signo acrescenta­se, vem a mais, como  suplemento. O movimento de significação acrescenta alguma coisa, o que faz que sempre haja mais, mas  essa adição é flutuante porque vem substituir, suprir uma falta do lado do significado.” (DERRIDA, 1967:  245)  4  Cf. PÊCHEUX (1990),  AUTHIER­REVUZ (1982) e BAKHTIN (1929).

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Assim, observamos que os conceitos de “descentramento” (DERRIDA:1967), de  “pontos  de  deriva  possíveis”  (PÊCHEUX:  1990),  de  “heterogeneidade  constitutiva”  (AUTHIER­REVUZ:1982), de “polifonia” (BAKHTIN: 1929) e de “jogo enunciativo”  (FOUCAULT: 1972) coincidem com uma compreensão de discurso como prática, como  produção  de  sentidos  através  da  articulação  com  espaços  do  interdiscurso,  definido  como  “todo  o  conjunto  de  formulações  feitas  e  já  esquecidas  que  determinam  o  que  dizemos.” (ORLANDI, 2002:33).  Tendo  em  vista  tais  concepções,  buscamos  detectar  os  diferentes  espaços  do  interdiscurso  (diferentes  vozes)  mobilizados  pelo  discurso  do  professor  sobre  o  (tratamento do) erro nas aulas de  língua estrangeira. A compreensão do(s) modo(s) de  funcionamento  dessas  “regionalizações  do  interdiscurso”  (ORLANDI,  2002:  43)  só  é  possível  se  as  entendermos  em  termos  de  formações  discursivas,  vistas  como  “condensações  de  regularidades  enunciativas  no  processo  –  constitutivamente  heterogêneo e contraditório – da produção de sentidos no e pelo discurso, em diferentes  domínios de saber.” (SERRANI­INFANTE: 1997).  Assim,  destacamos  as  formações  discursivas  predominantes  no  discurso  sob  análise:  a  “formação  discursiva  da  falta”,  a  “formação  discursiva  da  excelência”  e  a  “formação  discursiva  da  língua  como  sistema/  instrumento  de  comunicação”.  Ao  se  ancorarem nos discursos da Lingüística Aplicada e da Abordagem Comunicativa, essas  formações concebem sujeitos capazes de controlar seu processo de aprendizagem (e de  ensino), destituindo o sujeito do inconsciente. No decorrer da análise do funcionamento  desse  (inter)discurso,  buscaremos  problematizar  as  implicações  trazidas  por  tal  concepção de sujeito.  1.1. Compreendendo o jogo de significação:  A Lingüística Aplicada, A Abordagem Comunicativa e As Formações Discur sivas  Ao  observarmos  algumas  das  formulações  presentes  no  dizer  do  professor  de  língua estrangeira, detectamos uma concepção de aprendizagem como um processo com  começo, meio e fim, em que os aprendizes cometem erros porque “falta” alguma coisa,  porque têm “dificuldade”, que deve ser sempre superada para que eles “avancem”:  (1)  eu/ eu tenho recebido os alunos com MUITA dificuldade [...] muitos até TENTAM... mas eles não têm/  eles  não  conseguem...  porque  FALTA  vocabulário...  FALTA  eles  entenderem  um  POUQUINHO  o  assunto que tá sendo dito...  (2)  eu  procurei  GASTAR  tempo  mesmo  com  input...  trazendo  situação...  trazendo  visual...  trazendo...  mesmo uma discussão ou... qualquer besteirinha [...] qualquer coisinha que... forme pra eles um link... o  que FALTA pra eles é vocabulário nesse nível falta MUITO vocabulário... e quando tem um exercício  desse de word completion eles... ficam perdidos... 

Na formulação (2), além da repetição do termo “falta”, também estão presentes  palavras relacionadas a práticas engendradas pela Abordagem Comunicativa, tais como  “input”, “situação”, “visual”, “discussão”, “link”.

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Ao falar sobre a teoria lingüística que fundamenta a Abordagem Comunicativa,  RICHARDS & RODGERS (1994: 71) apontam quatro características da perspectiva da  língua como comunicação:  1.  A língua é um sistema para a expressão de sentido.  2.  As  funções  primordiais  da  língua  são  a  de  interação  e  a  de  comunicação.  3.  A estrutura da língua reflete seus usos funcionais e comunicativos.  4.  As unidades lingüísticas principais não são meramente seus elementos  gramaticais e estruturais, mas categorias de sentido funcional e comunicativo  como exemplificados no discurso. 

Vemos nessa descrição uma concepção de língua como instrumento que, ao ser  adquirido pelo aprendiz, será objeto de sua manipulação: o meio pelo qual se expressará  e  interagirá  (se  comunicará)  com  falantes  da  língua­alvo.  Uma  vez  que  se  prioriza  a  comunicação,  o  erro  deixa  de  ser  um  problema  ou  alvo  de  punição  para  ser  considerado  como um estágio provisório de interlíngua, isto é, momento de aprendizagem  em que ocorre sobreposição de duas línguas (a língua de partida e a língua­  alvo),  É  o  erro,  então,  que  permite  aos  alunos  testar  continuamente  as  hipóteses  que  fazem  sobre  a  língua  e,  assim,  o  erro  passa  a  fazer  parte  do  processo de ensino­aprendizagem. (MASCIA, 2003: 218) 

Assim, a  Abordagem Comunicativa, ao considerar o aprendiz como um sujeito  centrado, assumindo o controle de sua aprendizagem, construindo e testando hipóteses  (conscientemente)  sobre  a  língua­alvo,  camufla  os  conflitos  envolvidos  nos  processos  de  aquisição  e  de  ensino­aprendizagem,  bem  como  a  complexidade  dos  processos  identitários experienciados pelo sujeito. 5  Ao observarmos as formulações (3) e (4) a seguir, veremos que esse processo de  homogeneização  do  sujeito  é  reforçado  pelo  enquadramento  dos  aprendizes  aos  denominados “níveis” das escolas de idiomas:  (3)  quando eu tenho um estágio mais avançado/ Advanced 2 Advanced 3... aí SIM... porque aí eles já TÊM  QUE estar praticando da for ma cer ta...  (4)  isso dá mais pra fazer quando eles estão já pra Progress... pra Higher ... porque aí eles já têm um pouco  mais de fluência... dá pra você trabalhar mais... 

A  produção  lingüística  do  aluno  deve  ser  sempre  equiparada  com  o  padrão  esperado  para  cada  nível  –  o  conhecimento  é  compartimentarizado  através  de  um  mecanismo  de  exercício  do  poder  disciplinar  pautado  no  estabelecimento  de  estágios  “determinando programas, que devem desenrolar­se cada um durante uma  determinada 



“[S]ubjaz à Abordagem Comunicativa uma tendência de não­problematização do sujeito e de seu dizer,  pois,  ao  individualizar  o  sujeito,  prevendo  a  diversidade,  o discurso  continua trabalhando  com  modelos  centrados  no  sujeito  racional:  aproximando­se,  em  termos,  dos  métodos  anteriores  (o  Audio­oral  e  o  Audiovisual),  não  questionando  a  heterogeneidade  constitutiva  do  sujeito  e  advogando  a  favor  da  homogeneização, como forma de apagamento dos conflitos.” (MASCIA, 2003: 219)

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fase,  e  que  comportam  exercícios  de  dificuldade  crescente;  qualificando  os  indivíduos  de acordo com a maneira como percorrem essas séries.” (FOUCAULT, 1991: 144).  No  discurso  sob  análise,  não  só  o  processo  de  aprendizagem  está  compartimentarizado,  mas  a  língua  também  aparece  dividida  em  habilidades  (fala,  escrita,  compreensão  auditiva  e  leitura)  e  em  estruturas  que  o  aluno  deve  adquirir  ao  passar de um nível para outro. É o que podemos observar nas formulações a seguir:  (5)  você  tem  que  saber   qual  é  o  foco  do  exer cício  no  momento.  Se  você/  foca  numa  estr utur a  gr amatical... a sua ênfase é praquela estr utur a... posteriormente você corrige o/ o erro de pronúncia. Se  você for fazer o processo inverso... o aluno se confunde.  (6)  na época que eu fiz a gramática já era uma gr amática avançada mas ela era toda revisada... FOI toda  r evisada.... nós tínhamos morfologia, lingüística, semântica eh... fonética... hoje em dia já fonética não é  uma coisa obrigatória né? então eh... você estudava a língua mesmo em todos os aspectos.  (7)  eu  mostrei  pra  eles  que  não  tinha  problema  o  quanto  tempo  ia  demorar  praquele  listening  estar  terminado... desde que todos conseguissem atingir uma MÉDIA... agora... é uma coisa que põe em risco  outras né? Eu tô atrasada agora... mas UM SKILL eu/ eu... pelo menos UM SKILL  eu/ eu acho que eu  consegui eh... tr azer  um pouco mais o gr upo de uma for ma mais homogênea... 

Ao  destacarmos  termos  como  “estrutura  gramatical”,  “gramática  avançada”,  “língua em todos os aspectos” e “skill”, depreendemos uma concepção de língua como  um sistema  – também engendrada  nos discursos da Lingüística  Aplicada –  permeia o  discurso do professor de língua estrangeira.  Observemos agora as seguintes formulações:  (8)  elas perceberam um pouco do avanço em listening.... foi uma coisa muito positiva porque elas colocaram  logo  no  primeiro  dia  de  aula  que  tinham  muita  dificuldade  com  o  listening  e  que  PRETENDIAM  superar um pouco essa dificuldade.  (9)  elas conseguiram ver um pouco de/ de MELHORA...  (10)  a gente como professor CONSEGUE ver que o aluno... avançou um pouco...  (11)  eu acho que o inter esse individual é muito mais pelo CRESCIMENTO por um/ pelo PROGRESSO  uma EVOLUÇÃO... então um ou outro erro fazem parte desse processo... 

Verificamos  que  os  termos  “avanço”,  “melhora”,  “avançou”,  “crescimento”,  “progresso”,  “evolução”  e  “crescer”  fazem  parte  do  mesmo  campo  semântico.  É  interessante notar que na formulação (11), a produção de sentido ocorreu através de um

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processo parafrástico 6  que colocou em jogo três termos em relação de sinonímia 7 . Aqui  o  erro  é  visto  como  um elemento  que  surge  no  processo  de  aprendizagem  através  do  qual o aprendiz  vai alcançar o  sucesso, a excelência  no  idioma.  Assim,  na  formulação  (12), ao “entender o porquê” do erro, o aluno poderá “crescer”, “avançar”, “evoluir”...  (12)  o aluno VAI porque ELE quer aprender... então o erro é mais uma orientação do professor... você se  EXPÕE ao erro mais eu acho... você MOSTRA o seu erro por que você quer  com ele CRESCER... você  quer  entender o PORQUÊ que ta errado né? 

Mais  uma  vez,  vemos  emergir  no  dizer  do  sujeito­professor  a  concepção  de  aprendizagem  como  um  processo  consciente,  controlado  pelo  aprendiz.  Porém,  é  importante destacar o movimento de significação ocorre aqui a partir da mobilização do  (inter)discurso  da  Lingüística  Aplicada,  em  que  “a  linguagem  é  entendida  como  transparente, e o sujeito tem a ilusão de poder fazer coincidir seu dizer, sendo, portanto,  concebido como sujeito consciente, capaz de controlar seu processo de aprendizagem.”  (BAGHIN­SPINELLI, 2002: 34).  A  idéia  de  controle  sobre  a  aprendizagem  que  mencionamos  acima  pode  ser  exemplificada  nas  formulações  (11)  e  (12)  –  representações  de  alunos  como  sujeitos  centrados,  cujo  sucesso  na  aquisição  depende  de  seu  “interesse  individual”  e  de  sua  vontade (“ele quer  aprender”, “você quer  com ele crescer”, você quer  entender”) idéias  filiadas ao discurso da Lingüística Aplicada sobre motivação.  Nas  abordagens  cognitivas  da  Lingüística  Aplicada,  a  motivação  está  diretamente  ligada  às  tomadas  de  decisão  (escolhas)  do  aprendiz  objetivando  o  cumprimento de metas estabelecidas por ele mesmo em seu processo de aprendizagem:  Na perspectiva cognitiva, o fator de importância central é o da escolha , isto é,  as  pessoas  podem  escolher  sobre  o  modo  como  se  comportam  e,  portanto,  têm  o  controle  sobre  suas  ações.  [...]  Assim,  na  perspectiva  cognitiva,  a  motivação  concerne  questões  que  envolvem  os  motivos  pelos  quais  as  pessoas decidem agir de determinadas maneiras e os fatores que influenciam  suas escolhas. Isso também envolve decisões quanto à quantidade de esforço  que  as  pessoas  estão  preparadas  para  despender na  tentativa  de  atingir  seus  objetivos. (WILLIAMS & BURDEN, 1997:119, grifo nosso) 

Tais concepções preconizam o sujeito cartesiano, senhor de suas ações, podendo  controlá­las  e  decidi­las:  o  aprendiz  da  língua  estrangeira  deve  ESFORÇAR­SE  para  aprender, buscando alcançar  um ideal – o da excelência. Para isso, o “bom aluno” deve  pretender superar  a dificuldade (formulação 1), deve  QUERER aprender  (formulação  12). 



“Os processos parafrásticos são aqueles pelos quais em todo dizer há sempre algo que se mantém, isto é,  o dizível, a memória. A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem­se  diferentes  formulações  do  mesmo  dizer  sedimentado.  A  paráfrase  está  do  lado  da  estabilização.”  (ORLANDI, 2002: 36)  7  Se  considerarmos  o  efeito  metafórico  como  constitutivo  do  funcionamento  discursivo,  em  que  um  sentido sempre pode deslizar para outro(s) sentido(s), “não há sentido sem essa possibilidade de deslize,  e, pois, sem interpretação.” (ORLANDI, 1996: 80). Sabemos, portanto, que a relação de  sinonímia  que  estabelecemos  entre  os  termos  crescimento,  progresso  e  evolução  constitui­se  ilusoriamente  em  nosso  imaginário através do apagamento (ideológico) de suas filiações interdiscursivas.

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Coracini  (1997)  problematiza  essa  noção  de  sujeito  concebida  pela  Lingüística  Aplicada,  enfatizando  a  importância  do  inconsciente  nos  processos  de  ensino  e  aprendizagem,  tidos  como  práticas  discursivas  em  que  o  sujeito  “é  cindido,  clivado,  heterogêneo,  perpassado  pelo  inconsciente,  que,  por  sua  vez,  é  habitado  pelos  mais  recônditos desejos que, recalcados sob a ação do social, responsável pelos interditos, só  irrompe via simbólico, pela linguagem onírica ou verbal.” (p.160) 8  Ao  desconsiderar  a  complexidade  constitutiva  do  sujeito 9 ,  o  discurso  da  Lingüística  Aplicada  destitui  os  processos  de  ensino  e  aprendizagem  de  sua  discursividade.  São,  portanto,  concebidos  como  processos  exteriores  ao  sujeito  de  linguagem  (descentrado,  cindido,  possuidor  de  um  inconsciente)  e  transformados  em  processos mecanicistas, segundo a metáfora utilizada por Pennycook (2001) ao discutir  questões relacionadas ao ensino e aprendizagem de língua estrangeira:  Unfortunately,  studies  of  how  people  learn  a  second  language  have  been  constricted  by  the  narrow  purview  of  mainstream  second  language  acquisition  (SLA)  work.  The  issues  of  language  learning  have  been  cast  as  questions  to  do  with  the  acquisition  of  morphemes,  syntax,  and  lexis,  with  pronunciation or communicative competence, and the learner has been cast as  one­dimensional  acquisition  device.  From  this  perspective,  learners  are  viewed  according to  a mechanistic metaphor,  as a  sort  of  language  learning  machine  (PENNYCOOK, 2001: 143). 

A  proposta  do  autor  é  a  de  inserir  o  discurso  nos  estudos  aplicados,  a  fim  de  constituir uma linha teórica que conceba a aquisição de língua(gem) como processos de  (re)significação,  levando  em  consideração  aspectos  político­ideológicos  e  histórico­  sociais  inerentes  às  práticas  discursivas,  especificamente  aquelas  engendradas  nos  processos de ensino e aprendizagem no espaço escolar.  Essa  mudança  epistemológica  está  na  base  da  Lingüística  Aplicada  Crítica  (LAC)  e traria contribuições aos espaços de formação de professores de  línguas, que  seriam inseridos em discursos mais polissêmicos, criando um espaço de resistência  aos  discursos  das  práticas  pedagógicas  tradicionais,  das  metodologias  e  de  certas  linhas  teóricas  da  Lingüística  Aplicada,  disseminadores  (e  mantenedores)  da  transparência  (ideológica) da língua(gem), como pudemos observar em nossa análise.  10 

2. Poder e Saber   Ao analisarmos o jogo de significação engendrado no discurso sobre o papel e o  tratamento  do  erro  nos  processos  de  ensino­aprendizagem  da  língua  estrangeira,  foi  possível compreender o funcionamento das formações discursivas que regem o dizer do  8 

“Não  é  vigente,  na  Análise  de  Discurso,  a  noção  psicológica  de  sujeito  empiricamente  coincidente  consigo mesmo. Atravessado pela linguagem e pela história, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem  acesso a parte do que diz. Ele é materialmente dividido dede sua constituição: ele é sujeito de e é sujeito  à. Ele é sujeito à língua e à história, pois para se constituir, para (se) produzir sentidos ele é afetado por  elas. Ele é assim determinado, pois se não sofrer os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter à  língua e à história ele não se constitui, ele não fala, não produz sentidos.” (ORLANDI, 2002: 48, 49)  9  “A  desconstrução  da  autonomia  do  sujeito  consciente  solapa  todo  o  projeto  logocêntrico  e  qualquer  possibilidade  de  uma  relação  puramente  objetiva  entre  o  homem  e  a  realidade.  As  implicações  dessa  conclusão para as questões teóricas de linguagem levam obrigatoriamente a uma reformulação radical das  formas pelas quais pensamos e desenvolvemos as disciplinas que se destinam ao seu estudo.” (ARROJO,  1992:17, 18).  10  Teorizada por A. Pennycook. (Cf.: PENNYCOOK 1998, 2001e 2003)

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professor,  possibilitando  a  delineação  das  filiações  interdiscursivas  mobilizadas  na  produção de sentidos.  Se  concordarmos  com  Michel  Foucault,  que  afirma  que  “é  justamente  no  discurso  que  vêm  a  se  articular  poder  e  saber”  (FOUCAULT,  1988:95),  poderemos  compreender as relações que se estabelecem entre os discursos analisados e o poder e o  saber  produzidos  nos  e  pelos  sujeitos  envolvidos  nas  práticas  pedagógicas  imbricadas  nos processos de ensino­aprendizagem da língua estrangeira 11 .  Para  analisarmos  os  modos  de  funcionamento  da  articulação  poder­saber   no  discurso sob análise, partiremos de dois processos de objetivação dos sujeitos, segundo  a  teorização  de  Foucault:  a  disciplinarização  e  o  autoconhecimento.  (DREYFUS  &  RABINOW, 1982; GRIGOLETTO, 2004: 458).  2.1. A disciplinarização  Ao  falar  sobre  os  processos  de  disciplinarização  para  tornar  os  corpos  dóceis,  FOUCAULT  (1991:  125­199)  analisa  alguns  espaços  institucionais  que  propiciaram  o  exercício  do  poder  disciplinar  a  partir  do  século  XIX:  os  quartéis,  os  hospitais,  as  prisões, as escolas etc., em que os  indivíduos eram  mantidos sob controle e  vigilância  constante, e levados a internalizar essa microfísica do poder 12 .  No âmbito da  instituição escolar, nosso  foco de  interesse, podemos destacar os  seguintes aspectos estudados por FOUCAULT (1991):  a)  a distribuição dos alunos na sala de aula: “cada indivíduo no seu lugar;  e  em  cada  lugar,  um  indivíduo”,  distribuição  que  Foucault  chamou  de  quadriculamento,  facilitando  a  observação  do  professor  e  garantido  a  obediência dos alunos (p.131);  b)  o  sistema  classificatório  e  a  aplicação  de  provas:  “a  qualificação  dos  comportamentos e dos desempenhos a partir de dois valores opostos do bem  e do mal [...]; todo o comportamento cai no campo das boas notas e das más  notas, dos bom se dos maus pontos” (p.161);  c)  a  divisão  do  tempo,  que  “penetra  no  corpo,  e  com  ele  todos  os  controles minuciosos de poder” (p.138), o que podemos  observar na prática  de  exercícios  por  parte  dos  alunos  na  sala  de  aula:  há  uma  ênfase  na  (re)produção quantitativa de conteúdos;  d)  a homogeneização  dos  indivíduos,  que  devem  submeter­se  “todos  ao  mesmo  modelo,  para  que  sejam  obrigados  todos  juntos  ‘à  subordinação,  à  docilidade,  à  atenção  nos  estudos  e  nos  exercícios,  e  à  exata  prática  dos  deveres  e  de  todas  as  partes  da  disciplina’.  Para  que,  todos,  se  pareçam.”  (p.163). 

11 

“O  indivíduo  é  sem  dúvida  o  átomo  fictício  de  um  representação  ‘ideológica’  da  sociedade;  mas  é  também  uma  realidade  fabricada  por  essa  tecnologia  específica  de  poder  que  se  chama  a  ‘disciplina’.  Temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em ermos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’,  recalca’,  ‘censura’,  ‘abstrai’,  ‘mascara’,  ‘esconde’.  Na  verdade  o  poder  produz;  ele  produz  realidade;  produz  campos  de  objetos  e  rituais  da  verdade.  O  indivíduo  e  o  conhecimento  que  dele  se  pode  ter  se  originam nessa produção.” (FOUCAULT, 1975: 161)  12  Michel Foucault / Microfísica do Poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro:  Graal: 1979.

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Essas  questões  levantadas  e  desenvolvidas  por  Foucault  constituem  os  mecanismos  através  dos  quais  o  poder  disciplinar  é  exercido  na  escola,  inserindo  sujeitos (professores e alunos) na ordem do discurso, lugar em que assumirão posições  identitárias  construídas  histórica  e  ideologicamente.  É também  o  lugar  da  constituição  do  interdiscurso,  em  que  concepções  –  de  ensino,  de  aprendizagem,  de  prática  pedagógica – serão (re)formuladas e apropriadas pelos sujeitos de discurso (professores  e alunos) em suas atuações na sala de aula.  Observemos as formulações a seguir:  (13)  eu sempre pensava assim meu Deus eu não posso fazer  nenhum er r o, né? Eu tenho que pensar  bem o  que que eu vou falar ... antes de levantar a mão cê pensa DEZ vezes antes de né? [rindo]   (14)  Porque sempre tem aquele que iria falar da mesma forma e não iria perguntar... então ele/ ele ouvindo ele  fala “puxa eu também faço isso”...né? você também já acalmou um pouco esse/ esse aluno que eh... falta  cor agem  pra  ele  né?  Por  mais  que  a  gente  dê  oportunidade  falta  a  cor agem  da  exposição  e  de  per guntar , né? E TEM muitos assim né?  (15)  eu  coloquei  a  preposition  certa  mas  eu  li  a  palavra  seguinte  errado  que  era  island  ...  e  eu  li  island  [pronunciando o “s”]... e ele olhou pra mim assim... ele era uma pessoa assim... de um semblante muito  sério... com óculos... e ele olhou pra mim assim... e a impressão que na hora eu tive foi que o olho dele  saiu pra cima do óculos assim pra dizer “COMO você aqui no primeiro colegial de HUMANAS não sabe  falar  island?!” E eu/ eu diminuí... eu me lembro que eu encolhi na cadeir a... [...] foi uma coisa assim  que  MARCOU  muito  e  mexeu  na/  no  modo  de/  de  eu  ensinar?  Pra  mim  mexeu  porque...  se  você  não  ensina o aluno não pode aprender... 

As frases “eu não posso fazer nenhum erro”, “tenho que pensar bem no que eu  vou falar”, “falta a coragem da exposição e de perguntar” “tenho que pensar bem o que  que  eu  vou  falar”,  “eu  diminuí”,  “eu  encolhi  na  carteira”  destacadas  nas  formulações  (13), (14) e (15) remetem a um aprendiz que, estando imerso (objetificado) na formação  discursiva  da  excelência  (analisada  anteriormente),  não  se  sente  autorizado  a  cometer  erros.  Podemos  observar  o  mesmo  mecanismo  de  objetivação  nos  momentos  de  correção  em  que  a)  o  professor  utiliza­se  de  um  gesto  para  fazer  com  que  o  aluno  reformule o que disse de maneira errada (vide momentos de correção 1, 4, 13 no Anexo  III);  b)  ao  ser  corrigido  pelo  professor  ou  a  perceber  que  errou,  o  aluno  utiliza­se  da  auto­correção  de  maneira  bastante  enfática  (vide  momentos  de  correção  9  e  16  no  Anexo  III);  c)  o  professor  reformula  o  que  o  aluno  disse,  enfatizando  o  que  é  correto  (vide momentos de correção 2, 3, 5, 17, 18, 21 no Anexo III).  Já nas formulações (16) e (17) a seguir, observamos que o professor está sujeito  a certas normas para corrigir o aluno no momento certo. É importante frisar que essas  normas  já  foram  internalizadas  pelo  professor  em  sua  prática,  quando  os  discursos  da  Lingüística Aplicada e da Abordagem Comunicativa (bem como discursos da pedagogia  moderna e de outras metodologias de ensino que circulam no interior da instituição em  que trabalham) são mobilizados:

582 

(16)  é uma tendência nossa de corrigir mesmo pronúncia a gente faz isso... às vezes eu me pego cor r igindo aí  eu/ per aí agor a não é a hor a pra fazer isso...  (17)  Então hoje eu/ eu me POLICIO pra não fazer a mesma coisa... porque é uma/ uma coisa assim bastante  natural da gente corrigir a pronúncia... 

Os termos destacados referem­se ao controle que o professor deve ter (de si) em  sua prática, o que nos remete novamente ao sujeito cartesiano, produto desse processo  de objetivação que descrevemos, fundamentando­nos nos preceitos teóricos formulados  por Foucault.  2.2. O autoconhecimento  Ao  analisar  as  relações  entre  saber  e  poder,  Foucault  escolheu  as  ciências  humanas como objeto de estudo. Segundo o filósofo, ao contrário do que aconteceu com  as ciências exatas, as ciências humanas permaneceram envolvidas intimamente com as  micropráticas de poder 13 .  Assim, as ciências  humanas conceberam um sujeito transformado em objeto de  saber  de  si  e  para  os  outros,  um  objeto  que  diz  a  verdade  sobre  si  para  se  conhecer  e  para ser conhecido: um objeto que aprende a efetuar mudanças em si mesmo 14 .  Observemos a formulação a seguir:  (18)  Eu agrego esses  erros pra fazer com que  eles mesmos pensem sobr e aquilo que eles J Á apr ender am  mas não estão usando... 

Analisando  a  formulação  (18)  e  os  momentos  de  correção  em  que  ocorre  o  questionamento do conhecimento do aluno (vide momentos de correção  8, 10, 12, 14,  15, 16, 20 no Anexo III), podemos ver a técnica de autoconhecimento funcionando nas  práticas pedagógicas, que injungem professor e aluno a refletirem sobre os processos de  ensino e de aprendizagem em que estão envolvidos.  O  fato  de  os  sujeitos  se  conhecerem  é  visto  como  um  facilitador  da  aprendizagem, como podemos observar nas formulações (19) e (20):  (19)  O que tem de bom é que aqui os grupos vão se alternando e vez ou outra você tem o aluno pra quem você  deu aula dois semestres atrás... então ele já sabe que você é assim ou assado... você já sabe que ele é  assim ou assado... tudo isso ajuda né? E é isso.  (20) 

13 

“Foucault  is  analyzing  the  ways  in  which  practitioners  linked  a  discourse  of  truth  with  practices  of  power through their object of study: sex.” (DREYFUS & RABINOW, 1982: 177)  14  cf.: DREYFUS & RABINOW, 1982: 174, 175.

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às vezes a gente percebe logo no início que determinado aluno não pode ser corrigido de X forma... então  é um tr abalho que você faz com você MESMO também... porque você também está SE ensinando... e  de muita ATENÇÃO... 

Segundo Grigoletto (2004):  “O  aluno  que  fala  de  si  para  se  analisar  está  atendendo  ao  princípio  fundamental  do  mundo  moderno,  do  ‘Conhece­te  a  si  mesmo’,  de  que  fala  Foucault.  Desse  modo,  é  apreendido  na  engrenagem  das  técnicas  de  si  e  contribui, sem o saber, para a sua dominação por um poder que se torna cada  vez  mais  difuso  e  invisível  porque  é  interiorizado,  um  poder  que  fabrica  sujeitos ‘livres’ e ‘autônomos’.” (GRIGOLETTO, 2004: 458) 

Como vimos em nossa breve análise, o processo de autoconhecimento constitui  uma técnica de objetivação dos sujeitos que, ao produzirem saberes sobre si (e sobre seu  próprio processo de ensino e de aprendizagem), interiorizam mecanismos de poder.  Conclusão  A  análise  das  concepções  de  (tratamento  do)  erro  produzidas  no  discurso  do  professor  de  língua  inglesa  de  escola  de  idiomas  fomentou  reflexões  bastante  pertinentes  no  que  concerne  às  complexas  relações  que  este  sujeito  estabelece  com  a  língua tanto como sujeito­aprendiz quanto como sujeito­professor.  Como vimos no decorrer da análise, tais relações são tecidas pelos discursos nos  quais  os  sujeitos  estão  inseridos  e  nos  quais  constituem  suas  identidades,  tão  multifacetadas quanto a própria trama do interdiscurso.  Essa memória do dizer que mobiliza os jogos de significação é constitutivamente  heterogênea, traz sempre a voz do outro, “que não é nem o duplo de um frente a frente,  nem  mesmo  o  ‘diferente’,  mas  um  outro  que  atravessa  constitutivamente  o  um.”   (AUTHIER­REVUZ, 2004: 25).  Sob  esse  prisma  teórico,  ao  lançarmos  nosso  olhar  para  as  concepções  de  (tratamento do) erro presentes no dizer do professor, foi possível detectar algumas vozes  preponderantes  emergindo  neste  discurso:  a  voz  da  Lingüística  Aplicada  e  a  voz  da  Abordagem Comunicativa que, ao colocarem em funcionamento formações discursivas  específicas – a “falta”, a “excelência” e o “instrumento de comunicação” – envolvem os  sujeitos  em  uma  prática  (discursiva)  em  que  a  produção  de  saber  está  intrinsecamente  relacionada à produção de poder.  Ao  nos  determos  na  questão  do  poder  como  um  mecanismo  produtivo,  concepção esta que devemos a Foucault, foi possível observarmos o funcionamento de  duas  técnicas  de  objetivação  do  sujeito:  a  disciplinarização,  normalizando  as  práticas  pedagógicas,  e  o  autoconhecimento,  produzindo  sujeitos  que  devem  refletir  sobre  os  processos de ensino e de aprendizagem em que estão imbricados.  Se  as  relações  de  poder  e  de  saber  são  articuladas  no  e  pelo  discurso,  depreendemos que ao (se) significar o sujeito é sempre concebido como um  indivíduo  (somente)  consciente.  Buscamos  mostrar  em  nossa  análise  que  essa  concepção  do  sujeito  cartesiano  engendrada  nos  discursos  (e,  portanto,  nas  práticas)  em  que  o  professor  está  inserido  deve  ser  problematizada,  já  que  o  encontro  com  a  língua 584 

estrangeira  constitui  um  “processo  de  inscrição  do  sujeito  de  enunciação  em  discursividades  da  língua  alvo”  (SERRANI­INFANTE,  1997):  um  rito  de  passagem  para (re)significar­se nas outras faces da palavra...  Refer ências Bibliográficas  ARROJO,  R.  “A  noção  do  inconsciente  e  a  desconstrução  do  sujeito  cartesiano”.  In:  Arrojo,  R.  (Org.)  O  signo  desconstruído:  implicações  para  a  tradução,  a  leitura  e  o  ensino. Campinas, SP, 1992.  AUTHIER­REVUZ,  J.  “Heterogeneidade  mostrada  e  heterogeneidade  constitutiva:  elementos  para  uma  abordagem  do  outro  no  discurso”.  In  Authier­Revuz,  J.  Entre  a  transparência  e  a  opacidade:  um  estudo  enunciativo  do  sentido.  Porto  Alegre:  EDIPUCRS, 2004.  BAGHIN­SPINELLI,  D.  C.  M.  Ser  Professor  (Brasileiro)  de  Língua  Inglesa:  Um  Estudo  dos  Processos  Identitários  nas  Práticas  de  Ensino.  Tese  de  doutoramento.  UNICAMP, 2002.  BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.  BAKHTIN,  M.  (Volochinov­1929)  Marxismo  e  Filosofia  da  Linguagem.  São  Paulo:  Hucitec, 2004.  CORACINI,  M.  J.  R.  F.  “Língua  Estrangeira  e  Língua  Materna:  Uma  Questão  de  Sujeito  e  Identidade”.  In  Letras  &  Letras,  Uberândia,  jul./dez.,  n.  14  (1),  p.153­169,  1997.  DERRIDA,  J.  “A  estrutura,  o  signo  e  o  jogo  no  discurso  das  ciências  humanas”  In:  DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1967.  DREYFUS,  H.L.  &  RABINOW,  P.  Michel  Foucault:  beyond  structuralism  and  hermeneutics. New York / London: Harvester Wheatsheaf, 1982.  ELLIS,  R.  The  Study  of  Second  Language  Acquisition.  Oxford:  Oxford  University  Press, 1994.  FOUCAULT. M. Arqueologia do Saber. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972.  FOUCAULT,  M.  “The  subject  and  power”.  In:  Dreyfus,  H.L.  &  Rabinow,  P.  Michel  Foucault:  beyond  structuralism  and  hermeneutics.  New  York  /  London:  Harvester  Wheatsheaf, 1982.  FOUCAULT,  M.  História  da  Sexualidade  I:  vontade  de  saber.  Rio  de  Janeiro:  Graal,  1988.  FOUCAULT, M.  Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Vozes, 1991.  FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. 8ª ed.  São Paulo: Edições Loyola, 2002.

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