As Condições da Arte Contemporânea (2013) / Alain Badiou (trad. Jorge Soledar)

May 25, 2017 | Autor: Jorge Soledar | Categoria: Theory and Practice of Visual Arts
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As Condições da Arte Contemporânea (2013) / Alain Badiou Tradução Jorge Soledar.

Começarei dizendo algumas palavras sobre a expressão "arte contemporânea". Se, por "contemporâneo" entendemos por "de agora", poderíamos dizer que toda a arte é contemporânea, uma vez que toda a arte é do seu tempo. De maneira que, certamente, queremos dizer outra coisa ou algo além de quando dizemos apenas "arte contemporânea". Na verdade, compreendemos a expressão "arte contemporânea" a partir da expressão "arte moderna": a arte contemporânea é aquela que veio depois da arte moderna. Assim, para entender melhor a arte contemporânea, devemos retornar à arte moderna. O problema é saber se existe uma ruptura entre o moderno e o contemporâneo. O que é arte moderna? Creio que se trata de uma arte que não é clássica, nem romântica. Ou, precisamente, a arte moderna é uma arte que supera o clássico sem chegar a ser romântica. O que é o romantismo na arte e seu além da arte? Com relação ao clássico, a arte romântica afirma a novidade das formas, o movimento criador, a existência de um "gênio" artístico. Não está longe, pois, de imitar o modelo antigo, conforme fazia a grande arte clássica. Neste sentido, o romantismo sai do classicismo nas conserva a idéia de que a beleza está ligada a uma infinitude transcendente, conserva a idéia de que o belo nos permite comunicar com o infinito, de que há algo de sagrado na obra de arte. A fórmula filosófica mais clara é a de Hegel, quando afirma que "o belo é a forma sensível da ideia". Para o romantismo, a beleza artística é uma representação finita do infinito e, nesse sentido, permanece sendo eterna. Portanto, a arte moderna vai conservar do romantismo a ideia de novidade das formas, a ideia de movimento criador, a idéia de que há uma verdadeira história da arte e não somente uma repetição de formas antigas, mas irá abandonar a transcendência e o sagrado. Assim,

poderíamos dizer que a arte moderna é um testamento concreto do real obtido pelos movimentos das formas. Podemos observar que, a partir da segunda metade do século XIX, teremos um duplo movimento da arte moderna em busca de simplificações da forma [Realismo em Édouard Manet e Impressionismo em Claude Monet]. Por exemplo, as cores puras, a síntese gráfica, uma construção mais geométrica... [Malevich, Matisse], Então, teremos uma simplificação das formas, mas também a complexidade das formas, uma sorte de modos de abstração ao mesmo tempo simples e complexa. E, neste sentido, a arte moderna supera o romantismo, instalando-o numa temporalidade concreta, ainda que conserve a ideia de eternidade da obra, a idéia de obra como realização finita da arte. Creio que poderíamos dizer que a arte contemporânea vai combater a própria noção de obra, indo adiante do moderno na sua crítica do romantismo e do classicismo. No fundo, a arte contemporânea é mesmo uma crítica de arte, uma crítica artística de arte. E, esta mesma crítica artística aborda sobretudo o conceito de finitude da obra. Assim, a noção do contemporâneo estará submetida a duas normas. Em primeiro lugar, a possibilidade de repetição. Um tema introduzido e desenvolvido por Walter Benjamin conforme a ideia da reprodutibilidade da obra de arte, a ideia de que a arte pode ser produzida em série, à guisa do modelo de produção industrial. Este é o primeiro ataque à noção de obra, eis que foi considerada por algo único durante o classicismo e o romantismo. Esta unicidade da obra seria a natureza da relação entre artista e ideia, dada pela autenticação de um empreendimento espiritual. Então a repetição, a reprodução e a serialização são procedimentos feitos para destruir a idéia de obra única. Em segundo lugar, haverá também um ataque contra o artista, ou melhor, contra a figura do artista. No romantismo, o artista é uma espécie de figura sagrada e a própria garantia de unicidade da obra, pois é ele quem faz a comunicação entre os planos do infinito e do finito. Podia-se então falar dele como “Artista-Rei” [Artista-Rey], depois do “Filósofo-Rei” [Filosofo-Rey] de Platão. Se, no século XIX, houve esta figura do “Artista-

Rei”, a arte contemporânea combate hoje esta representação, mediante a idéia de que qualquer um pode ser artista [Joseph Beuys], isto é, o gesto artístico pode ser reproduzido e feito de maneira anônima – a ideia que de a obra de arte pode não ter autoria, pois ela nada mais é senão a eleição de um objeto. Esta seria, é claro, a revolução proposta por Marcel Duchamp, que concebia o ato de instalar um objeto como gesto artístico, de modo que todos poderiam assim realizá-lo, revolução que também partia da ideia de que não poderia haver uma pré-definição de meios para a criação. Esta é uma idéia muito importante, porque no classicismo e no romantismo, as artes eram precisas e definidas pelas técnicas da pintura, da escultura, da música, da poesia, etc. E o contemporâneo também irá combater esta separação de gêneros. Irá dizer que o gesto artístico não está determinado necessariamente por seus meios: podemos pintar e cantar ao mesmo tempo sem precisar decidir qual é o mais importante. Por isso, é possível misturar várias técnicas ao mesmo tempo e fazer desaparecer as fronteiras artísticas. Daí que a figura do artista desaparece: exatamente por que o artista já não é um virtuose, não tendo mais razões para que ele constitua uma aristocracia. Assim, no contemporâneo, ataca-se a noção romântica do “gênio” de artista. E essa seria a segunda crítica deste período em relação ao moderno. Imediatamente, encontramos uma terceira crítica: renunciar à permanência da obra, e ao contrário, propor uma obra frágil, momentânea e que irá desaparecer – visão contrária da grande tradição como é a da eternidade da arte: ser aquilo que se elevava por cima da desaparição sensível. Por exemplo, a cor de uma folha de outono está sem dúvida condenada a desaparecer, mas a cor de uma folha num quadro é permanente. Daí surge a ideia de qua a pintura é capaz de criar um outono eterno, retendo o movimento das estações. O contemporêneo irá criticar esta visão e vai dizer que, ao contrário, a arte deve mostrar a fragilidade do que existe, no compasso do tempo. Também deve compartilhar a morte, ao invés de pretender se sobrepor a ela. Isto posto, poderíamos dizer que uma ambição da arte contemporânea é criar “arte viva” [arte vivente] ou, precisamente,

substituir a imobilidade da obra pelo movimento da vida. Em qual sentido isto é arte? Justamente esse é o debate contemporâneo: se a arte deve compartilhar a vida, qual é sua própria função? A arte deixará de ser algo que alguém contempla, porque o que havia para contemplar era justamente o que retia a vida. Ao contrário, se a obra compartilha a vida, a relação com a obra de arte já não poderá ser uma relação de contemplação. A arte contemporânea vai tomar outra direção então, que estará ligada aos efeitos que produz: a arte não será um espetáculo, nem uma contenção do tempo, e sim aquilo que se implica no tempo e nele produz efeitos. Poderíamos incluir que a arte clássica expressava uma instrução ou uma lição para o sujeito, e que a arte contemporânea aponta hoje a ações que visam questionar e transformar o sujeito. O que irá conduzir, portanto, a uma outra característica: a ambição política da arte contemporânea. Mas por que ela terá uma ambição política? Justamente, porque pretende produzir uma transformação subjetiva, ao mesmo tempo, que se trata de um testemunho vivo sobre a própria vida. Por estas razões, a arte hoje não irá se preocupar com a duração, mas ao contrário, irá se motivar com o imediato. Trata-se de uma arte que estará presente no presente, justamente por que não aponta a contemplação senão a transformação. Teremos, assim, duas formas de arte características do contemporâneo: a performance e a instalação. A primeira só existe no instante, é o que se mostra num momento exato. Finalmente, a performance se relaciona com o teatro. No entanto, trata-se mais de um teatro sem texto que pode incluir a dança (a dança, para mim, é muito mais importante no contemporâneo, assim como a música, etc.). Então, a performance é um lugar de encontro entre as artes, seguindo os passos da emoção artística e não de seu contenção. E quanto às instalações, cumprem o espaço que as performances cumprem no tempo, dispondo um conjunto de elementos, de cores, de objetos efêmeros que depois serão desinstalados, logrando-se no espaço por um momento, exatamente como a performance se ocupa por um momento do tempo e depois, desaparece. O que temos é uma arte satisfeita com sua própria desaparição, uma arte que mostra sua capacidade de desaparecer. O contrário da arte contemplativa, pois o que se contempla é o que não desaparece. Em troca, a arte contemporânea mostra sua desaparição: não sobreviverá.

Desta maneira, podemos entender os problemas da arte contemporânea e da palavra contemporâneo. Eis que quer dizer tudo isto e, em particular, irá resultar numa quantidade de diferentes projetos que utilizará diferentes técnicas e meios. Por exemplo, a imagem artificial, o vídeo... que julgam ter um papel muito importante porque também são uma arte da imagem em movimento. Isto posto, eu gostaria de fazer uma incursão na crítica da arte contemporânea, em virtude do meu ofício de filósofo. Com relação ao contemporâneo, sempre será pertinente formular uma pergunta.

Dela

seguirão críticas virtuais, caso queira, críticas que alguém poderia fazer e que eu farei para demonstrar que, precisamente, se podem fazer. Penso que é possível fazermos três críticas possíveis: uma antológica, uma estética e uma política que concernem a formas extremas da arte contemporânea. Acredito ter demonstrado que a arte contemporânea é forte e interessante. Sobre a crítica ontológica, digo o seguinte: creio que a filosofia da arte contemporânea é uma filosofia da finitude mas também é uma filosofia do trânsito e da desaparição. Entretanto, não é certo que ela está completamente justificada. É possível suceder que, o próprio ser aceite o infinito, e também pode ocorrer que o trânsito e a mobilidade não sejam mais que aparências. Poderíamos dizer que a arte contemporânea ocupa um lugar no conflito entre Parmênides e Heráclito, só que 3000 anos depois. Sabemos que, ainda que por um prisma escolar, que Parmênides declarava que o Ser era uno, eterno e imóvel e que, para Heráclito, o Ser era móvel, passageiro e múltiplo. Toda uma parte da arte contemporânea está com Heráclito, isso é inegável. E, neste ponto, poderia-se ter uma primeira discussão sobre o assunto, uma primeira crítica virtual possível. A crítica estética seria a seguinte: grande parte da arte contemporânea rechaça a diferença entre a forma e o informe. Conhecemos a existência de uma arte do resíduo, uma arte do que aparece como informe, conhecemos esta tendência artística que aspira a formar toda forma, a exibir como gesto artístico a deformação e não, simplesmente, a invenção de uma forma. Tabmém existe uma arte do horror e do desagradável, uma arte de cadáveres em formol [Damien Hirst], uma arte trash. São

tentativas justificadas, mas penso que, esteticamente, esta equivalência entre a forma e o informe é também uma transcendência escondida, porque lembra um dialética muito importante na arte romântica entre o sublime e o abjeto. Esta dialética, de fato, de que o inferior também pode ser superior é, na verdade, uma dialética romântica e, quiçá, reside em boa parte da arte contemporânea um romantismo escondido, precisamente, porque preserva esta dialética entre o abjeto e o sublime. Ademais, sabemos que esta dialética forjou parte do cristianismo, com os monges que deviam viver de maneira abjeta, na pobreza e na sujeira, para que seu pensamento estivesse dirigido a Deus e, portanto, produziu-se um momento duplo no qual o abjeto se transformara em sublime. Boa parte da arte contemporânea, agindo neste cristianismo estético e, no fundo, suspeito que estes artistas querem ser santos para reestabelecer e inscrever no abjeto, no informe, a aspiração recolhida pelo sublime e pelo sagrado. Esta seria também uma crítica estética a uma parte do contemporâneo. E, finalmente, a crítica política é a seguinte. Em nosso mundo, qual é o grande modelo do que é imediato, do que circula, do que sucede, do que morre enquanto aparece, do que deve ser consumido e depois desaparecer? O modelo de tudo isso é o da mercadoria. É preciso notar de fato que a ideologia do finito, da equivalência das coisas, de sua imeadiatez, a ideia de que a própria arte deve estar circulando anonimamente, o direito de que nada deve ser contemplado, mas deve ser consumido, é a ideologia da mercadoria e, talvez, encontremos aí o segredo disto que é bastante evidente: a existência do mercado da arte, especialmente do mercado da arte contemporânea, com o qual a valorização não gera nenhum problema pois obedece as mesmas leis da oferta e da procura, leis que regulam a circulação das mercadorias. No fundo, poderíamos dizer que na arte clássica e moderna a obra de arte era um tesouro, embasada no modelo do tesouro, ou seja, aquilo que podemos guardar em nosso sótão, aquilo que vamos contemplar, o que vamos dispor como um objeto. Por outro lado, os museus expõem tesouros. É razoável criticar esta visão da arte, esta identidade da obra de arte e do tesouro. Mas é assustador que, depois de ter sido um tesouro, a arte agora não se veja mais que uma moeda, que, no lugar onde fora

guardada se absterá de circular e no lugar onde deveria se preservar irá agora desaparecer. A arte contemporânea é, portanto, a arte da época financeira do capitalismo, admitindo que a arte clássica era a arte da época do tesouro. A arte contemporânea é, realmente, a arte do nosso tempo, porém, talvez, configura-se entre uma ilustração de sua crítica, existindo, em todo o caso, uma ambivalência entre ambas, assim como em outras épocas na qual a arte era, ao mesmo tempo, esplendor crítico e um tesouro. As formas da arte contemporânea não nos permitem sair desta ambivalência. Então o que fazer? Acredito que a arte deveria transformar-se em algo mais afirmativo ou ir além de criticar o estado do mundo e criticar a arte mesma, deveria buscar os recursos secretos do mundo, as coisas positivas mas escondidas, os elementos de liberação que ainda estão por nascer, que estão nascendo. E seguir mantendo suas orientações contemporâneas e a sua importante violência crítica. A arte deveria ser também uma promessa, deveria nos prometer algo dentro de sua capacidade subversiva. Há que se desconfiar da consolação, mas a arte não tem que ser consoladora e não existe para nos embalar, aliviar-nos ou protegernos. Porém prometer é outra coisa. Penso que estamos num tempo no qual é essencial recordar o que é o mundo através da própria força da arte, através de sua nova força contemporânea. Contudo, mesmo assim, a arte teria que nos dizer o que poderia ser, como avesso da própria arte. Também é uma uma função da arte ter uma visão do futuro. Nem sempre ela tem que anunciar o desastre, ainda que haja razões para fazê-lo. Creio ainda, que a arte deve dizer que o desastre é possível, que talvez seja provável, mas que podemos evitá-lo. Tem que dizer, também, que algo em tudo isso depende de nós mesmos, e é exatamente isso que chamo por promessa. Então, direi simplesmente, que a arte contemporânea dispõe todas as suas funções multiforme e sem forma, mas que também tem a capacidade de nos recordar tudo aquilo do que somos capazes. Buenos Aires, 11 de maio de 2013. Versão original: http://brumaria.net/documentos/284-las-condiciones-del-arte-contemporaneo/

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