AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA POÉTICA VISUAL DE MÁRCIA X. NA DÉCADA DE 1980

May 24, 2017 | Autor: Lucas Benatti | Categoria: Art Theory, Feminism, Body Image, Visual Arts, Análise do Discurso
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AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DA POÉTICA VISUAL DE MÁRCIA X. NA DÉCADA DE 1980 Lucas Benatti (UEM) Renata Marcelle Lara (UEM) [email protected] Resumo Este resumo trilha seu percurso sobre a produção artística de Márcia X. durante a década de 1980, fazendo um recorte entre a performance-instalação Cozinhar-te, que marca o início da carreira de X. no cenário artístico, no ano de 1980, e o evento Exposição de Ícones de Gênero Humano, de 1988. Como parte do projeto de pesquisa “O corpo feminino como discurso na performance Lovely Babies, De Márcia X.”, que se encontra em fase de investigação, pautando-se teórica e analiticamente na Análise de Discurso de vertente francesa, o presente estudo tem por objetivo apresentar sucintamente as condições de produção das obras de Márcia X. de maior visualidade no contexto artístico e midiático, desenvolvidas nos anos de 1980. Tais condições de produção subsidiam o percurso analítico que vem sendo desenvolvido no projeto em questão e contribuem para uma introdução à compreensão discursiva da(s) poética(s) visual(is) de Márcia X da década de 1980. Palavras-chave: Análise de Discurso. Condições de produção. Poética Visual. Márcia X.

Introdução Partindo do pressuposto teórico e metodológico de que, em Análise de Discurso, as condições de produção do material são requeridas ao percurso de análise, sendo constitutivas dele, é que consideramos significativo trabalhar tal noção em nosso projeto de iniciação científica “O corpo feminino como discurso na performance Lovely Babies, De Márcia X”, desenvolvido com recursos da Fundação Araúcária, e que buscamos abordar neste trabalho. Como explica Ferreira (2005, p. 13, grifo da autora), são as condições de produção as “[...] responsáveis pelo estabelecimento das relações de força no interior do discurso”, mantendo “com a linguagem uma relação necessária, construindo com ela o sentido do texto. Referenciando Orlandi, a autora afirma que as condições de produção fazem parte da exterioridade linguística e podem ser classificadas quanto às circunstâncias de enunciado – condições de produção em sentido estrito – quanto ao contexto histórico, social e ideológico – condições de produção em sentido amplo. 1

Sabendo da primordialidade que as condições de produção têm no desenvolvimento de pesquisas em AD, este estudo tem como objetivo apresentar sucintamente as condições de produção das obras de Márcia X. que obtiveram maior visualidade no contexto artístico e midiático e foram desenvolvidas nos anos de 1980, almejando como resultado um abertura à compreensão discursiva da(s) poética(s) visual(is) de Márcia X. Poética(s) Visuai(s) de Márcia X. A obra de estreia no cenário artístico de Márcia Pinheiro1 se deu com Cozinhar-te, em 1980, quando realizou uma instalação-performance de uma cozinha no espaço do Salão Nacional de Artes Plásticas no Rio de Janeiro. Em colaboração com o grupo Cuidado Louças, a artista se propõe a criar um ambiente que unisse arte e cotidiano. Nas palavras de Márcia (2015, online)2, a obra Cozinhar-te é “[...] uma proposta de vivência/instalação de uma cozinha viva no espaço do Salão, onde se passava as tardes cozinhando e comendo – transferência da cozinha de nossa casa – espaço comunitário-afetivo, onde se preparavam comidas – idéias [sic] – fomes”. Em Chuva de Dinheiro, ação realizada em parceria com Ana Cavalcanti, em 1984, as artistas lançaram grandes cédulas de cinco cruzeiros que caiam diretamente nas mãos dos transeuntes. As cédulas foram impressas em serigrafia e eram atiradas do alto de prédios da Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. Basbaum (2005) compreende esse trabalho como uma discussão que remete à produção de Andy Warhol3 e à sua crítica ao valor da obra artística definido pelo circuito de arte, lugar em que, na contemporaneidade, se opera a conversão entre valor estético e financeiro. Em 1985, Márcia Pinheiro executou, em parceria com Alex Hamburger, a performance Cellofane Motel Suite, durante a Feira Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, montada no Shopping Fashion Mall, no bairro de São Conrado. Segundo

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Nessa época, a artista ainda não havia adotado o “X.” em seu nome. Optamos por empregar a data de acesso ao texto disponível no site, tendo em vista que não consta a data de postagem. 3 Artista plástico estadunidense e um dos principais nomes do movimento da Pop Art. 2

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Basbaum (2005), Márcia vestia uma dupla camada de não-roupa construída a partir de sacos plásticos. Uma camada de plástico transparente era encoberta por outra camada de plástico preto, e Alex, vestido de homem-sanduíche, lia um poema de sua autoria enquanto cortava aos poucos a primeira camada negra, deixando entrever a camada transparente que cobria o corpo da artista, mas que não ocultava sua nudez. A ação dos dois causou polêmica e revolta no público e a performance teve fim com a intervenção do sistema de segurança do evento, apontando uma arma para a dupla de artistas. O ocorrido foi noticiado em diversos jornais da época e fez com que a estilista Márcia Pinheiro, temendo o “rebaixamento” de sua imagem pela associação de seu nome ao nome da artista Márcia Pinheiro (Márcia X.), publicasse nas colunas sociais um depoimento grosseiro tentando inferiorizar Márcia. De acordo com Frey (2012), para evitar sua associação à estilista, Márcia anexa em seu nome o X., que viria a acompanhá-la até o fim de sua vida. Márcia X. faleceu prematuramente em 2005, em decorrência de um câncer, aos 45 anos. Em 1987, Márcia e Alex realizam a performance Tricyclage. Segundo Basbaum (2005), a dupla invadiu o concerto-homenagem a John Cage – que estava lá –, na sala Cecília Meireles, no Rio de Janeiro, subindo no palco para pedalar velocípedes durante a execução de Winter Music. Na performance Anthenas da Raça, de 1985, Márcia X. e Hamburger convidaram, para dividir o palco, um casal de vendedores ambulantes de antenas de televisão. A ação, como aponta Basbaum (2005), estabeleceu uma ligação entre mídia e arte, vida e arte, uma vez que enquanto os camelôs agiam como em um dia de trabalho qualquer, vendendo suas antenas, estas tinham seus sentidos multiplicados com os gestos, textos e visualidades de X. e Alex, construindo um ritual duplicado de cada uma das duplas. Academia Performance foi realizada em uma academia de ginástica localizada na galeria comercial do Leblon, local onde se situava também a Galeria Contemporânea, no ano de 1986. O lugar era repleto de aparelhos de musculação, e possuía uma fachada envidraçada que possibilitava que os passantes visualizassem quem estava a se exercitar. O evento durou uma noite apenas e diversos objetos foram levados para a academia. Márcia X., trajando um vestido plástico de ginástica, repetia apenas dois principais exercícios: colocar em funcionamento a máquina de

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pintura que trouxera e espremer laranjas em um espremedor plástico assimétrico utilizado como sutiã. Academia Performance faz uma crítica aos acadêmicos da performance que seguiam a nova moda e frequentavam a Galeria. Márcia ainda aponta para uma nova forma de circulação para a arte, assumindo um deslocamento dos sistemas de mercado e recepção crítica. Outros dois importantes trabalhos dessa década são as instalações Baby Beef e Soap Opera, ambas de 1988 e expostas em eventos institucionais. Soap Opera foi selecionada e apresentada no VI Salão Paulista de Arte Contemporânea, no pavilhão da bienal, e se manifesta como uma instalação-performance composta, segundo Oliveira (2009), por 3.600 barras de sabão vermelhas idênticas, e que em conjunto formavam uma parede, além de um vídeo de 17 minutos exibido-realizado no local e produzido em parceria com Aimberê Cesar. Baby Beef foi executada na Galeria de Arte do Centro Empresarial Rio e é composta por línguas vermelhas disposta em uma parede da mesma cor. Segundo Frey (2012), é o primeiro trabalho em que a artista relaciona sexo e infância, uma vez que baby beef é o termo usado para identificar determinado corte de carne bovina, cujo abate acontece quando o animal ainda é jovem. De acordo com o autor, a obra cria uma relação entre o símbolo sedutor do órgão e o cômico de conotação infantil, já que as línguas, ao mesmo tempo em que são expostas em uma espécie de vitrine de contemplação, são feitas de brinquedo. Um último trabalho que se destaca na produção artística de Márcia X. durante a década de 1980 é a provocadora ação Exposições de Ícones de Gênero Humano, de 1988. O evento durou apenas dois dias, e a proposta era que os próprios convidados para a vernissage fossem as obras. Segundo Basbaum (2005), no primeiro dia, os sujeitos que se encontravam no lugar, que vieram para ver a exposição e que se depararam com o ambiente vazio, foram fotografados por Aimberê César e Maurício Ruiz e filmados por Alex Hamburger enquanto conversavam e trocavam ideias. No dia seguinte, a galeria foi ocupada com esse material registrado, e os presentes da noite passada foram convidados a apreciar as imagens fotos/vídeos, que agora preenchiam as paredes do saguão.

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Considerações finais Márcia X. foi uma artista cuja produção visual apresenta um elevado nível reflexivo e crítico. Contrária ao que era produzido e valorizado durante a década de 1980 com o retorno às técnicas tradicionais de arte, em especial a pintura, Márcia faz de seu corpo mais do que um suporte para sua arte: corpo e arte estão intrínsecos em sua produção. O corpo-Márcia e o corpo-artista se fundem em um só produto que se nega a ser comercializado, enjaulado dentro de galerias e museus. Sua “resistência artística” busca se marcar pela performance, arte efêmera, cuja presença – corpo do artista – se faz de fundamental importância. Esse breve percurso pelas condições de produção de algumas das obras de Márcia X. se coloca como uma ferramenta introdutória, como já exposto, à compreensão discursiva da(s) poética(s) visual(is) de X. nos anos de 1980, possibilitando a futuros pesquisadores, um primeiro contato com o percurso artístico-discursivo da artista. Referências BASBAUM, Ricardo. Percursos de alguém além de aquações. In: ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRAISL. Cadernos Videobrasil. São Paulo: Associação Cultural Videobrasil, 2005. FERREIRA, Maria Cristina Leandro. Glossário de termos do discurso. Porto Alegre: Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. FREY, Tales. Discursos críticos através da poética visual de Márcia X. Jundiaí: Paco Editorial, 2012. MÁRCIA X. Disponível em: < http://www.marciax.art.br/mxText.asp?sMenu=3&sText=25 >. Acesso em: 21 set. 2015. OLIVEIRA, Paola Lins de. “Desenhando com terços” no espaço público: sacralização na religião e na arte a partir de uma controvérsia. Orientador: Emerson Giumbelli. Dissertação (Mestre em Sociologia com concentração em Antropologia) – UFRJ. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. PPG em Sociologia e Antropologia – Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:< http://www.ppgsa.ifcs.ufrj.br/teses-edissertacoes/desenhando-com-tercos-no-espaco-publico-sacralizacoes-na-religiaoe-na-arte-a-partir-de-uma-controversia/ >. Acesso em: 19 ago. 2015.

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