As diferentes dimensões da cooperação Sul-Sul na política externa brasileira

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Haroldo Ramanzini Júnior Luis Fernando Ayerbe (Orgs.)

POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA, COOPERAÇÃO SUL-SUL E NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS Haroldo Ramanzini Júnior Luis Fernando Ayerbe (Orgs.)

Organizadores Haroldo Ramanzini Júnior Luis Fernando Ayerbe Capa e Diagramação Gianfrancesco Afonso Cervelin Revisão Adalton Oliveira

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P829
 Política externa brasileira, cooperação sul-sul e negociações internacionais / organização Haroldo Ramanzini Júnior , Luis Fernando Ayerbe. - 1. ed. - São Paulo : Cultura Acadêmica, 2015. 178 p. ; 23 cm. ISBN 978-85-7983-642-8 1. Relações internacionais 2. Política internacional 3. Brasil - Relações exteriores. I. Ramanzini Júnior, Haroldo. II. Ayerbe, Luis Fernando.
 15-23218 28/05/2015

CDD: 327.81 CDU: 327(81) 05/06/2015

SUMÁRIO •

APRESENTAÇÃO Haroldo Ramanzini Júnior e Luis Fernando Ayerbe.............................7



As diferentes dimensões da cooperação Sul-Sul na política externa brasileira Haroldo Ramanzini Júnior, Marcelo Passini Mariano e Rafael Augusto Ribeiro de Almeida ������������������������������������������������������������������������15



Cooperação para o desenvolvimento e cooperação Sul-Sul: a perspectiva do Brasil Carlos R. S. Milani e Rubens de S. Duarte��������������������������������������53



A cooperação brasileira para o desenvolvimento com Angola e Moçambique: uma visão comparada Adriana Erthal Abdenur e João Marcos Rampini������������������������������83



Política externa brasileira e a coalizão IBAS: comércio e inserção internacional Adriana Schor e Janina Onuki����������������������������������������������������� 115



Brasil, China e a cooperação Sul-Sul Marcos Cordeiro Pires, Luís Antonio Paulino e Aline Tedeschi da Cunha������������������������������������������������������������������ 141



O Brasil, a Turquia e o Irã: dimensões de cooperação estratégica Cristina Soreanu Pecequilo����������������������������������������������������������� 181



O Brasil, a América do Sul e a cooperação Sul-Sul Walter Antonio Desiderá Neto������������������������������������������������������ 213

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AS DIFERENTES DIMENSÕES DA COOPERAÇÃO SUL-SUL NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA Haroldo Ramanzini Júnior* Marcelo Passini Mariano** Rafael Augusto Ribeiro de Almeida***

Introdução O objetivo deste capítulo é compreender a cooperação Sul-Sul na política externa brasileira a partir dos anos 2000, tendo em conta a nova dimensão que o fenômeno assumiu em razão das novas condições do sistema internacional e das modificações políticas internas. Para isso, serão também considerados os antecedentes históricos, desde os anos 1960 até o final de 1990, de modo a edificar e melhor identificar o sentido de transformação ocorrido nos tempos atuais. O argumento central deste capítulo é que com a mudança na composição das elites políticas no núcleo do poder * Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e Professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Membro do Programa de Negociações Internacionais (Pronint) do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp (IEEI-Unesp). ** Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Coordenador do Laboratório de Novas Tecnologias de Pesquisa em Relações Internacionais (Lantri – FCHS / Unesp). *** Bacharel em Relações Internacionais pela Unesp e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp/ Unicamp/PUC-SP).

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decisório brasileiro, a partir de 2003, inicia-se um processo de redefinição da concepção de cooperação Sul-Sul, sustentada por novas práticas políticas, que tem por finalidade redefinir as linhas gerais de condução da política externa e justificar as decisões tomadas. O fortalecimento político e econômico dos países em desenvolvimento nos anos 2000 traz substratos mais sólidos para ampliação das iniciativas de cooperação Sul-Sul1. Para o Brasil, contar com apoio de outros países e criar mecanismos de diálogo e cooperação são questões relevantes para melhorar sua projeção relativa no sistema internacional. Os esforços para compatibilizar os interesses do país no mundo com as necessidades de desenvolvimento nacional passam a ter na relação Sul-Sul um eixo de articulação central. Por isso, uma das questões que buscaremos abordar é se, a partir do início do governo de Lula da Silva, em 2003, a cooperação Sul-Sul se torna um elemento estruturante da política externa brasileira contemporânea. Nesse período, o Brasil se colocou como ator capaz de contribuir para o desenvolvimento dos países do Sul e como país interessado em influenciar a dinâmica do sistema internacional. A inserção do país na agenda de cooperação para o desenvolvimento internacional é sintomática desse processo. Ainda que se possa debater a questão da escala e do resultado das ações empreendidas, em termos de projeção internacional é um aspecto inovador, ao menos na dimensão adquirida (Menezes; Ribeiro, 2011; Inoue; Vaz, 2012). O fortalecimento da inserção no eixo da cooperação Sul-Sul é um elemento argumentativo importante na definição das preferências nacionais e de reafirmação da identidade brasileira no mundo, tornando a ideia de Sul um fator central para a formulação da política exterior do Brasil. Além dos elementos discursivos há, também, uma dimensão importante de pragmatismo na forma como o Brasil visualiza a relação Sul-Sul, fruto de determinadas fragilidades estruturais do país. Como há interesse em aumentar a capacidade de influência e diminuir a vulnerabilidade no âmbito externo,

é importante ter o apoio de outros países para que esses objetivos sejam alcançados. A participação e a construção de mecanismos de diálogo e colaboração buscam criar ou fortalecer laços de solidariedade entre os países. Como consequência há um maior incentivo para aprofundar as relações de interdependência entre as partes. Ao mesmo tempo, esses espaços de interação mais intensa podem criar incentivos sociais que alimentem a cooperação e influenciem os padrões de comportamento dos parceiros. Trata-se, portanto, de uma perspectiva de fortalecimento nacional, de suas empresas, de aumento do papel do Brasil no mundo, que busca benefícios gerais para os países em desenvolvimento, mas, também fortalece a sua própria posição, a fim de melhorar sua capacidade de negociação com os países desenvolvidos, qualificar-se como um exportador de capital, tecnologia, serviços, práticas de políticas públicas, além de importante exportador de commodities agrícolas e minerais. Do ponto de vista da sua construção, a cooperação Sul-Sul se processa a partir das condições objetivas da economia e da política internacional, além de uma intensa atividade discursiva. Sua realização se dá por meio do estímulo a novas práticas políticas em torno de ideias, arranjos institucionais, normas, regras e estabelecimento de padrões de comportamento. Seu significado é socialmente construído e produto da experimentação de ações específicas dos Estados e de outros atores internacionais em interação. A cooperação Sul-Sul, enquanto ideia que orienta a inserção internacional do Brasil busca reforçar elementos formadores de uma identidade coletiva que possam: a) promover valores, como o direito ao desenvolvimento com justiça social ou a necessidade de resistir às pressões dos países desenvolvidos; b) resgatar o passado de dificuldades impostas pelo sistema internacional aos Estados menos desenvolvidos e as consequentes limitações para diminuição da pobreza e melhoria da qualidade de vida de suas populações; c) influenciar na definição de normas internacionais que indiquem melhores condições para participação dos Estados menos poderosos; d) aumentar a capacidade de negociação e promoção dos interesses dos países do Sul em relação aos do Norte por intermédio de estratégias variadas de cooperação. Está nessa

Como afirmam Najam e Thrasher (2012, p.3) “os acontecimentos recentes e tendências globais começaram a mudar a forma como os países vêem o papel do Sul em seu próprio desenvolvimento”. 1

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concepção a tentativa de construção de expectativas coletivas de comportamento que possam levar, no curto prazo, ao atendimento de interesses de setores domésticos importantes e, no médio e longo prazo, possam ampliar a capacidade do Estado brasileiro de influenciar o funcionamento do sistema internacional.

fato de a noção de Sul servir como uma estratégia de mobilização baseada na crítica ao sistema internacional contemporâneo. Com isso, a noção de Sul informa tanto uma crítica à ordem internacional vigente, às desigualdades, à forma como foram desenhados, aos objetivos e prioridades dos regimes internacionais, quanto um ponto de encontro para o ativismo e certa solidariedade entre os países em desenvolvimento. O Sul é uma categoria que tem certa capacidade de atração entre os países em desenvolvimento, sem que implique necessariamente uma unidade absoluta entre eles. Alguns esforços de cooperação, de construção de confiança e de criação de instituições servem de base para formas de interação que visam contornar determinadas pressões estruturais dos países desenvolvidos, além de espelhar novas dinâmicas de cooperação na perspectiva de países que têm importantes desafios domésticos de redução da pobreza e inclusão social a serem superados. Fenômenos e instituições distintas como as formas de cooperação para o desenvolvimento Sul-Sul, a cooperação no âmbito da saúde infantil representada pelo programa brasileiro de Bancos de Leite Materno, o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), o Fundo de Desenvolvimento China-África, a atuação da Petrocaribe, a formação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS e a constituição do Arranjo Contingente de Reservas podem ser pensados nessa perspectiva. São ações que tendem a ter como uma de suas consequências o fortalecimento de normas internacionais associadas ao desenvolvimento e às questões sociais. Trazem também novos desafios, normativos e empíricos, não apenas quanto às possibilidades de adensar relações entre nações geograficamente distantes e por vezes com visões de mundo atreladas a universos histórico-culturais distintos, mas também de estruturar modalidades de interação que não reproduzam assimetrias de poder. A noção de cooperação Sul-Sul apresenta relação com a dimensão da ação estatal. Assim, os Estados são agentes importantes para impulsionar e manter as instituições criadas para esse diálogo. Apesar disso, há hoje análises que, a partir da ideia de “Sul Global” redefinem o foco do âmbito interestatal para o transnacional. Com

A noção de cooperação Sul-Sul O significado da cooperação Sul-Sul é controverso, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista acadêmico. O seu objetivo, a periodização histórica do seu surgimento, a sua funcionalidade e os atores constitutivos são questões que se apresentam no debate. Mesmo assim é razoavelmente consensual a percepção que a noção de Sul não se restringe a uma posição geográfica ou hemisférica. O termo envolve a caracterização, a cooperação ou a relação entre países que têm desafios sociais, políticos e econômicos mais ou menos similares, além de trajetórias históricas de passados coloniais e de exploração. A noção é utilizada de modo relacional, a fim de diferenciar os países em desenvolvimento, do Sul, dos países desenvolvidos do Norte. Funciona para os países em desenvolvimento como símbolo de mobilização e expressão ideológica do leque de desafios comuns relacionados ao desenvolvimento (Alden; Morphet; Vieira, 2010). Alden, Morphet e Vieira (2010) sumarizam seis aspectos que formariam a identidade do Sul. O primeiro se refere à dimensão relacional, já que a existência de um Sul presume a existência de um Norte, em relação ao qual o Sul tem uma relação de dependência. O segundo elemento é que essa identidade é constantemente reafirmada mediante a realização de encontros regulares ou formação de coalizões e agrupamentos políticos entre os países do Sul, como, por exemplo, o Movimento dos Não Alinhados, o G-77, entre outros. O terceiro, é que essa identidade tem na sua matriz a experiência compartilhada do colonialismo e do imperialismo entre os países do Sul. O quarto é que essa identidade envolve dilemas em torno da questão da soberania. O quinto são os dilemas do desenvolvimento econômico. Por fim, o sexto aspecto, envolve o 16

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isso, ganha destaque a ação de movimentos sociais transnacionais, de grupos da sociedade civil e de redes de ativistas. A relação que Hardt (2002) estabelece entre o Fórum Social Mundial, cuja primeira reunião ocorreu em Porto Alegre, em 2001, e a Conferência de Bandung de 1955, capta essa mudança de perspectiva presente em algumas análises sobre o Sul: “enquanto Bandung foi conduzida por um pequeno grupo de líderes políticos nacionais, Porto Alegre foi povoada por uma multidão e uma rede de movimentos. Essa multiplicidade de protagonistas é a grande novidade do Fórum Social Mundial e a esperança para o futuro”. O horizonte transformador do Sul continua presente, mesmo na dimensão representada pela noção de “Sul Global”. A ampliação dos atores constitutivos do Sul modificou-se em função das transformações produtivas, tecnológicas, ambientais, sociais, demográficas, além das mudanças nas capacidades políticas e econômicas dos principais Estados em ascensão. No entanto, o núcleo da cooperação Sul-Sul permanece o mesmo, ou seja, a permanência da necessidade de se alcançar o desenvolvimento em um mundo organizado de forma a privilegiar a manutenção do padrão de vida dos países que já são desenvolvidos. Como afirma Hurrell (2013, p.217) “especialmente após a crise financeira (de 2008) e a criação do G-20 Financeiro, estamos vendo uma série de dinâmicas e negociações entre o Norte e o Sul sobre a natureza e a agenda da governança global”. É possível afirmar que o argumento que sustenta a necessidade de cooperação entre os países do Sul é a possibilidade de estabelecer um sistema internacional que seja menos excludente, no qual a melhoria das condições de vida de um grupo de países não implique necessariamente no agravamento dos indicadores econômicos e sociais de outros. Portanto, a relação de causalidade do argumento é de que o sistema internacional historicamente se organiza de forma a manter a desigualdade entre os Estados em favor dos mais ricos e poderosos e a limitar as condições materiais de grande parte da população mundial. Desta forma, a cooperação entre os países do Sul surge como um importante vetor para o encaminhamento desse dilema. 18

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Antecedentes históricos da cooperação Sul-Sul A partir da Guerra Fria (1945-1989) observamos a emergência de formas mais articuladas e de espaços institucionais para a cooperação Sul-Sul. O movimento de descolonização asiático e africano, o intervencionismo das grandes potências do período, a disputa ideológica entre Estados Unidos e União Soviética e a forma de organização dos regimes internacionais estabeleciam o ambiente normativo no qual se formaram boa parte dos movimentos e organizações de cooperação Sul-Sul. Por isso, o peso de temas como o anticolonialismo, o não alinhamento e o anti-imperialismo nos movimentos do período ganharam força na agenda coletiva dos países, apesar das suas diferenças. A Conferência Afro-Asiática de Bandung2 (1955) é considerada um marco do ponto de vista da organização da cooperação Sul-Sul. Um dos objetivos era constituir um novo eixo estratégico no ambiente internacional, Norte-Sul, para além do eixo ideológico Leste-Oeste e encorajar maior cooperação entre os países da África e da Ásia. De acordo com Leite (2011, p.57) “a Conferência de Bandung foi responsável pela formação de uma primeira identidade própria dos povos do Terceiro Mundo, que não se confundia com a plataforma ideológica quer do bloco capitalista quer do bloco socialista”. Assim, marca o início da aproximação política dos países do Sul, que teve como importantes referências institucionais, nas décadas seguintes, a criação do Movimento dos NãoAlinhados, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), a formação do Grupo dos 77, a proposta de estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional, entre outras. Essas instituições tiveram papel de reforço do ponto de vista da afirmação de uma agenda e identidade coletiva entre os países em desenvolvimento. Particularmente nas Participaram da Conferência, 29 países africanos e asiáticos: Afeganistão, Arábia Saudita, Mianmar, Camboja, Ceilão (futuro Sri Lanka), China, Costa de Ouro (futura Gana), Egito, Etiópia, Filipinas, Índia, Indonésia, Iraque, Irã, Japão, Jordânia, Laos, Líbano, Libéria, Líbia, Nepal, Paquistão, Síria, Sudão, Tailândia, Turquia, Vietnã do Norte, Vietnã do Sul, Iêmen. 2

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reuniões da Unctad, do GATT, e do G-77, houve esforço significativo no sentido de demonstrar que a questão do desenvolvimento constituía problema internacional vinculado com os padrões de relacionamento Norte-Sul. A discussão em torno de uma Nova Ordem Econômica Internacional, puxada pelos países do Sul e parcialmente incorporada pelas Nações Unidas por meio de resoluções específicas nos anos 1970, operou em perspectiva similar. Embora esse movimento tenha arrefecido nas décadas seguintes, tinha uma dimensão reformista e contribuiu para o surgimento do Sistema Geral de Preferências e para a possibilidade de tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento nas negociações econômicas com países desenvolvidos. É interessante observar a relação paradoxal do Brasil com esses movimentos e instituições do Sul. Afinal, o país está englobado nesse conceito, porém não deixa de reafirmar constantemente em sua ação externa o vínculo que possui com o Ocidente. O próprio fato de estar no continente americano, sob o guarda-chuva institucional de instituições como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), lideradas pelos Estados Unidos, evidenciam esse elemento de ambigüidade. Apesar disso, o Brasil se identifica fortemente com o Sul, por causa de sua determinação de alcançar o desenvolvimento nacional e de adquirir maior autonomia em relação aos países centrais. Além disso, seus elementos norteadores, tais como, autodeterminação, não intervenção (remodelado para não indiferença nos anos 2000), pacifismo e multilateralismo, são funcionais para uma aproximação com o Sul. A descolonização da Ásia e da África foi fundamental para impulsionar esse tipo de cooperação, pois houve um grande aumento do número de países enquadrados no conceito de Sul. Ademais, o ocidentalismo, apontado acima, que caracteriza não só o Brasil, mas também os demais países latino-americanos, e as contingências internas e externas advindas da Guerra Fria contribuíram para que a América Latina tivesse uma participação inicial muito tímida nesses concertos do Sul, sobretudo, naqueles com conotação política mais expressiva, como é o caso do Movimento dos Não Alinhados.

É a partir da formação da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Comércio (Unctad), em 1964, que a América Latina inicia uma participação mais efetiva nesse tipo de diálogo. Na I Unctad temos a formação do chamado G-77 focado na promoção e cooperação Sul-Sul. A criação da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), em 1966, também contribuiu para impulsionar esse relacionamento (Leite, 2011). Ou seja, o foco maior do Brasil e da maior parte dos países da América Latina nesse período concentrava-se na questão da industrialização e do comércio internacional. Dos esforços de cooperação iniciados nos anos 1950 houve a revitalização da ideia de autonomia no sistema internacional, intensificada nos anos seguintes em função do processo de descolonização em curso na Ásia e na África. A autonomia relacionava-se com a ideia de independência nacional e de não enquadramento às diretrizes ideológicas da Guerra Fria. Permanece até hoje como elemento formador da identidade de política externa e princípio regulador da cooperação Sul-Sul, ainda que, como vimos anteriormente, a posição do Brasil e dos países da América Latina, em relação às diretrizes ideológicas da Guerra Fria e da descolonização é ambígua durante parte do período, fruto da diferente modalidade de descolonização se comparada com a maior parte dos países da África e da Ásia. Por isso, do ponto de vista da ação concreta dos países não havia e não há convergência absoluta do ponto de vista operacional da autonomia. Alguns países tendem a operacionalizá-la a partir da diversificação de parceiros internacionais, de balanceamento ou até de alinhamento aos países desenvolvidos. Isso também ocorre em relação à cooperação Sul-Sul. De todo modo, para os países em desenvolvimento, a autonomia na ação internacional é algo a ser reafirmado constantemente tanto no discurso quanto na prática. Isso difere da situação dos países desenvolvidos, onde o peso econômico, político ou militar já garante, por si, elevado grau de autonomia. A partir dos anos 1980, se intensifica o processo, que se estende até a atualidade, de diferenciação entre os países do Sul. Ao mesmo tempo em que alguns países passam por melhoras significati-

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vas do ponto de vista do crescimento econômico e da industrialização, outros continuam a enfrentar quadro de pobreza extrema e instabilidade política. As crises de dívida externa em muitos países em desenvolvimento nos anos 1980 e 1990 e situações de instabilidade financeira e cambial geraram em muitos países a necessidade de condicionar a política externa a partir de questões ou necessidades econômicas de curto prazo. Nisso, foi priorizada a relação com os países desenvolvidos e com instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI). A emergência dos chamados Tigres Asiáticos nos anos 1980, com aparentes ganhos relacionados com políticas de abertura de mercados e liberalização comercial, contribuiu para a adoção de políticas neoliberais em outros países em desenvolvimento que se intensificou nos anos 1990, ainda que de forma desigual, já que a intensidade da adoção de políticas neoliberais variou de modo significativo (Velasco e Cruz, 2007). Mesmo assim, nesse contexto, a coordenação política entre esses países perdeu centralidade, devido à importância atribuída às agendas econômicas e de estabilidade doméstica, inclusive, institucional, já que muitos passavam também por processos de redemocratização. Esse é também um período de transformações no sistema internacional acarretadas pelo fim da Guerra Fria. A cooperação Sul-Sul perdeu densidade, muito em função de contextos internacionais e domésticos limitadores do ponto de vista normativo e material, situação que permaneceu até o início dos anos 2000.

de afirmação de sua autonomia. Para o Brasil, a lógica da cooperação Sul-Sul está presente em dois sentidos principais: 1) do fortalecimento do poder de barganha e da projeção internacional do país, 2) da reafirmação da sua identidade e da identidade coletiva do Sul. No período de 1960 a 1990, em determinados momentos ou situações, há predominância de um dos aspectos. Isso ajuda a entender as razões de o Brasil nunca ter aderido ao Movimento dos Países Não Alinhados (MNA), apesar das suas posições assertivas no G-77, nas reuniões da Unctad e do GATT que envolviam questões relativas à cooperação Sul-Sul ou a crítica ao ordenamento do sistema internacional. Nos anos 2000, os dois sentidos parecem se conectar gerando nova forma de inserção internacional, a partir do eixo Sul-Sul, incentivada por mudanças no equilíbrio do poder político e econômico internacional e por mudanças na política doméstica do país. A temática da cooperação Sul-Sul surge de modo mais evidente na política externa brasileira a partir dos anos 1960, com a Política Externa Independente dos governos de Jânio Quadros e João Goulart. Desde o início, a ideia de cooperação Sul-Sul está relacionada com a intenção de melhorar a capacidade de influência do país no sistema internacional e vincula-se com as noções de universalismo e globalismo da política externa brasileira (Pinheiro, 2004). No início dos anos 1960, com a tentativa de intensificação da cooperação Sul-Sul, a questão da disputa Leste-Oeste cede lugar ao conflito Norte-Sul como eixo condutor da política externa brasileira. Vale lembrar que a Operação Panamericana (OPA), marco da política externa do governo Kubitschek, ainda tinha nos Estados Unidos o eixo central de gravitação da ação internacional do país e seus limitados resultados tiveram papel importante no sentido de comprovar que os interesses da política externa dos Estados Unidos não coincidiam com parte das expectativas do Brasil. Com isso, fortaleceu-se a concepção, presente a partir da Política Externa Independente, de que a diversificação da ação internacional do país mediante o eixo Sul-Sul aumentaria o poder de barganha do país, inclusive na relação com os Estados Unidos.

O sentido da cooperação Sul-Sul na Política Externa Brasileira De Jânio Quadros a José Sarney (1960-1990) O sentido da cooperação Sul-Sul na política externa brasileira não pode ser entendido sem levar em consideração a situação do Brasil no mundo e sua condição de país em desenvolvimento, tendo relação com a noção de desenvolvimento nacional predominante em determinado período histórico ou governo e com o objetivo 22

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De acordo com Spektor (2014, p. 39), a partir de meados dos anos 1960, o Brasil passou de uma postura distante em relação a coalizões terceiro-mundistas como o Movimento dos Países Não Alinhados em direção a uma postura mais assertiva com o G-77, o Diálogo Norte-Sul, a Unctad e outras coalizões em foros multilaterais. De acordo com o autor “a operação tinha o objetivo de criar mecanismos para resistir ou ao menos mitigar a proliferação de normas tipicamente liberais de comércio, direitos humanos, meio-ambiente e não proliferação nuclear”. A partir do governo Jânio Quadros (1961), o Brasil viveu três anos de mudanças significativas nas prioridades, na efetivação e no quadro conceitual orientador de suas relações externas, que foram relativamente interrompidos a partir do golpe militar de 1964, e posteriormente retomados, já no fim dos anos 1960, e, principalmente, a partir dos anos 1970. De 1960 até 1964, foi intensa, nos marcos da Política Externa Independente, a participação brasileira em iniciativas internacionais que tinham como tema a superação do subdesenvolvimento. Fonseca Jr. (1998, p.363) considerou que:

Moçambique como representantes autênticos das populações desses territórios e, do mesmo modo, votou contra o apoio à independência de Guiné-Bissau na 28ª Assembleia Geral, de novembro de 1973. A aliança com Portugal era um passivo para a política do Brasil em relação aos países do Sul. Um exemplo concreto das consequências disso foi a disputa entre o Brasil e a Argentina, levada às Nações Unidas, sobre o desenvolvimento da usina hidrelétrica de Itaipu (Oliveira, 2005). A tese argentina obteve maioria dos votos, vencendo a brasileira. Mas o que chamou a atenção nessa votação foi o fato de os países africanos terem votado desfavoravelmente ao Brasil em decorrência da falta de apoio explícito brasileiro à independência das colônias portuguesas na África. De acordo com Oliveira (2005, p.153) nessa votação, “os países árabes também se posicionaram contrariamente ao Brasil por suas posições dúbias na questão palestina. E mais do que isso, os árabes e os africanos estavam orquestrando impor um embargo ao fornecimento de petróleo ao Brasil”. A partir de 1974, no âmbito da política externa do governo Geisel, intitulada de Pragmatismo Ecumênico e Responsável, o Brasil mudou sua posição sobre as colônias portuguesas na África. O país reconheceu a independência de Angola e o Movimento Popular para a Libertação de Angola como o representante do povo angolano, condenou Israel pela ocupação de territórios árabes por intermédio do uso da força e reconheceu a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) como representante do povo palestino. Além disso, reconheceu a República da Guiné-Bissau, estabeleceu relações com Angola e Moçambique e firmou o reconhecimento diplomático com a República Popular da China. Todos esses movimentos, inclusive a aproximação com a China, eram fundamentais no sentido de imprimir credibilidade e conectar mais efetivamente a atuação do país com agendas dos principais movimentos e instituições do Sul. Nos marcos da Política Externa Independente, sobretudo na visão de San Tiago Dantas e de Araújo Castro, havia um forte componente terceiro-mundista e de crítica às políticas das potências dominantes, ao “congelamento do poder mundial”. O objetivo

o período é de abertura universalista da política externa e de coleção de um acervo de relações bilaterais de amplo alcance [...] são estabelecidos ou renovados vínculos com os países africanos, amplia-se a presença no Oriente Médio e, mais importante, os laços com a América Latina ganham nova densidade.

A matriz dessa política incluía uma crítica ao status quo internacional e à forma como o tema do desenvolvimento era tratado. Do mesmo modo, enfatizava a relevância da cooperação Sul-Sul, como evidenciado nas posições do Brasil na Assembleia Geral das Nações Unidas em 1961 e 1962. Nos anos 1960 e parte dos anos 1970, o esforço de adensamento do diálogo e da cooperação com os países em desenvolvimento encontrava limites no apoio que o Brasil dava a Portugal, não condenando a recusa portuguesa em acatar o direito à independência de suas colônias. Nesse sentido, o Brasil votou contra a resolução da 27ª Assembleia Geral da ONU, em novembro de 1972, que proclamou os movimentos de libertação de Angola, Guiné-Bissau e 24

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principal era se posicionar de modo contrário às exigências de alinhamento e atingir certo grau de autonomia frente aos dois polos de poder da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética. Buscava-se afirmar os interesses dos países em desenvolvimento como essencialmente diferentes daqueles das potências, explorar áreas de convergência com países que partilhavam com o Brasil a condição de subdesenvolvimento e intervir com posição própria no debate a respeito das grandes questões internacionais. Essa concepção esteve presente na atuação do Brasil na 2ª Conferência da Unctad, de 1968. Também na rejeição do argumento da irresponsabilidade dos países do Sul como razão para lhes negar acesso à tecnologia de ponta, levando a que o Brasil se recusasse, em 1968, a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) (Pinheiro, 2004). Nesse momento, o discurso terceiro-mundista da política externa é intenso, mas a capacidade de efetivação é reduzida, em parte, em função da situação de instabilidade doméstica. Isso é particularmente válido para o período da Política Externa Independente. Do ponto de vista do sistema internacional, havia possibilidades de novas práticas, como representada pela Unctad e pelo Movimento dos Não Alinhados. Desde o início dos anos 1960, a preocupação com o Terceiro Mundo na política externa brasileira era forte e o interesse pela América Latina derivou disso. Houve defesa do fortalecimento da relação do Brasil com os países subdesenvolvidos, principalmente os africanos, apesar do passivo da posição em relação às colônias portuguesas, e era forte o argumento de que a independência e a autodeterminação deveriam ser os princípios condutores do ordenamento internacional e constantemente reafirmados na participação do país nas instituições de cooperação Sul-Sul. No documento de instrução para a delegação do Brasil à Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento de 1964, afirma-se que para que se garanta a coerência com as atitudes anteriores do Brasil e com os princípios que vem defendendo, a delegação: deverá levar sempre suas iniciativas à consideração prévia do Grupo Informal Latino-Americano e, subsequentemente, do Grupo de países em desenvolvimento. Por meio desse duplo 26

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processo de decantação e confronto, estará a delegação melhor capacitada para apresentar recomendações e propostas consentâneas com a linha geral de pensamento dos países subdesenvolvidos, sem cujo apoio ou assentimento não teriam qualquer condição de êxito (Franco, 2008, p.301).

Nos anos 1970, a cooperação Sul-Sul adquire uma dimensão mais pragmática se comparada com os anos 1960, pois o forte crescimento econômico brasileiro e a necessidade do regime político ditatorial em manter o processo acelerado de industrialização estimulavam a articulação da sua política exterior com o modelo de desenvolvimento econômico que estava sendo colocado em prática. Assim, as ações externas brasileiras ganham maior funcionalidade às demandas domésticas e a diversificação de parcerias surgia como facilitação para atração de recursos econômicos e financeiros, assim como expansão de mercados para os produtos brasileiros. De acordo com Souto Maior (1996, p.340), o Pragmatismo Responsável impunha uma necessidade e uma consequência para a política externa brasileira. Em primeiro lugar, a indispensabilidade de uma aproximação política com os demais países em desenvolvimento – surgida no início da década de 1960 com a Política Externa Independente, mas desgastada após 1964. Por outro lado, o resultado seria a “aceitação de um certo grau de fricção com as grandes potências econômicas, principais beneficiárias da ordem internacional que se desejava modificar”. A aproximação política com os países em desenvolvimento ganhava nova dimensão em função do Brasil não ter mais o passivo do apoio ao colonialismo de Portugal no continente africano. Estamos sublinhando o peso atribuído pela Política Externa Independente e pelo Pragmatismo Responsável às relações SulSul. Mas, há diferenças importantes entre os dois projetos, principalmente no que se refere à relação com a Argentina e à América Latina. No período 1974-1978 há um acirramento significativo das divergências entre Buenos Aires e Brasília, muito em função das ideias de Geisel e de Silveira e do peso dos geopolíticos brasileiros. Já no período anterior, em torno do pensamento de San 27

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Tiago Dantas e de Araújo Castro, o universalismo brasileiro não se contrapunha à busca por aproximação e cooperação com o entorno geográfico. Quando a aproximação não acontece, deve-se a razões específicas, concretas, principalmente à instabilidade interna dos países. A região é considerada parte dos países subdesenvolvidos, portanto daqueles com os quais haveria uma comunidade de destino. O Pragmatismo Responsável coincide com a Política Externa Independente ao colocar o universalismo e o combate ao congelamento de poder no centro das preocupações, visando a projeção de poder, mas se diferencia exatamente na questão da relação com os vizinhos. Silveira situa essas relações como, ao menos em parte, contrapostas à busca pelo universalismo (Vigevani; Ramanzini Júnior, 2010). Contudo, do ponto de vista da cooperação Sul-Sul, tanto nos anos 1960, quanto nos anos 1970, a América Latina estava alinhada aos Estados Unidos do ponto de vista ideológico e político. Todo o movimento em relação à cooperação Sul-Sul está focado na ação nacional desarticulada de compromissos ou acordos regionais. A grande diferença que ocorre a partir de meados dos anos 2000 é que a região passa a ser mobilizada nos esforços do Brasil em relação à cooperação Sul-Sul. Na política externa brasileira, embora a cooperação Sul-Sul tenha um elemento de crítica à ordem internacional vigente, são limitadas as ações de deslegitimação da ordem. O foco principal nesse período é ampliar o espaço de manobra nacional, contribuir para o processo de industrialização e para a o fortalecimento de normas internacionais associadas ao desenvolvimento. De acordo com Saraiva Guerreiro (1981, p. 551), Ministro das Relações Exteriores do governo João Batista Figueiredo (1979-1985):

A cooperação Sul-Sul na década de 1980 sofre as influências das fortes transformações políticas do momento. No âmbito doméstico brasileiro, o período era de transição de um regime autoritário para um democrático e, no âmbito internacional, o mundo assistiu o acirramento das tensões da Guerra Fria, passando pelas modificações políticas do sistema soviético e pela queda do muro de Berlim em 1989, tendo início um novo ordenamento mundial marcado por fortes incertezas quanto ao seu futuro. Nesse sentido, o período é peculiar, tanto para entender as influências do ambiente interno quanto do externo sobre os elementos formadores das relações entre os países do Sul e as reações brasileiras diante de tantas mudanças. Ainda sob o regime militar, durante o governo de João Batista Figueiredo, as relações Sul-Sul apresentavam-se como fundamentais na orientação da sua inserção internacional. A perda gradativa da capacidade econômica, o forte endividamento externo e a maior atenção despendida para as questões internas, diante do processo de abertura política, tinham impacto sobre a condução da política externa e, em relação aos países do Sul, a condução externa se pautou em dar continuidade ao que já se havia alcançado durante o governo anterior, como as negociações com a China, iniciadas em 1974 e a intensificação das relações com os países africanos e do Oriente Médio. Apesar das fortes restrições domésticas, permanecia a tarefa de procurar manter as ligações do setor externo às necessidades econômicas nacionais, na tentativa de garantir mercados para os produtos brasileiros advindos do intenso processo de industrialização pelo qual o país havia passado. O ministro Saraiva Guerreiro (1979-1985) demonstra essas intenções brasileiras e as limitações nas quais o país se encontrava ao afirmar:

os países do Sul têm o maior interesse em preservar a estabilidade e credibilidade das instituições de Bretton Woods. O que delas se deseja é tão somente maior sensibilidade às condições e necessidades específicas do mundo em desenvolvimento, objetivo que nos parece perfeitamente alcançável em bases consensuais e em termos realistas, e sem qualquer prejuízo  – antes pelo contrário – para o bom e sadio funcionamento de tais organizações (Guerreiro, 1981, p. 551). 28

as formas de cooperação na linha Sul-Sul, de sua parte, têm sido das mais profícuas para a expansão das exportações brasileiras, em particular para a colocação de manufaturados. Apesar das dificuldades de hoje, não podemos perder o espaço conquistado nessa área. Há caminhos a explorar na armação de esquemas multilaterais entre países em desenvolvimento, na 29

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formação de empresas conjuntas, fórmulas de preferência, cooperação na área da tecnologia, modalidades de intercâmbio de produção, esquemas triangulares etc3.

Assim, na medida em que o regime militar vai chegando ao seu final, a capacidade de atuação externa também diminui, ajustando-se ao processo de transformação política nacional na expectativa das novas orientações que virão. A política externa durante o governo de José Sarney (19851990) buscou retomar a ideia de cooperação Sul-Sul enquanto elemento de orientação da ação externa do Brasil, principalmente, em relação às ações que extrapolam sua vizinhança. A gestão do Ministro de Relações Exteriores Abreu Sodré (1986-1990) foi importante nesse período, procurando recuperar os argumentos em torno das relações com os países do Sul, a fim de tentar estabelecer melhores condições de inserção internacional do país, agravada pela crise da dívida externa e pelo descontrole macroeconômico. Se por um lado, os anos 1980 ficaram marcados pela diminuição da importância internacional do Brasil, tendo em vista todos os elementos domésticos de instabilidade já mencionados, por outro lado, com a redemocratização do país, iniciou-se um período de redirecionamento de sua política externa, tanto para buscar apoio e legitimidade às mudanças políticas que estavam sendo executadas, quanto para melhorar as bases de sua atuação externa. A incorporação da integração regional e a parceria estratégica com a Argentina se firmavam como eixo central desse processo e, em relação às negociações extra-hemisféricas, a condução dos assuntos externos procurava maneiras de melhor resistir às pressões externas, apesar da baixa capacidade de influência no sistema internacional nesse período. Assim, intensifica-se a atividade discursiva em torno das relações Sul-Sul diante de um sistema internacional que não dava indí Palestra do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Ramiro Saraiva Guerreiro, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, em agosto de 1983, por ocasião da reunião da Confederação das Associações Comerciais. Resenha de Política Exterior do Brasil. no. 38, jul-ago-set de 1983. 3

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cios de fornecer condições apropriadas para o desenvolvimento nacional e que se encontrava diante do esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações. Apesar da maior liberdade para incorporar novos argumentos e explorar novas ideias, tendo em vista a democratização, havia uma situação de baixo poder de barganha por parte do Brasil e, consequentemente, sua capacidade de persuasão na cena internacional estava comprometida. A cooperação Sul-Sul assumia, portanto, papel importante para estabelecer uma estratégia de resistência às dificuldades da época, apesar da crescente deterioração das condições para sua operacionalização, tanto domésticas, quanto em virtude do encaminhamento do final da Guerra Fria e a emergência do ideário representado pelo Consenso de Washington. Desde os anos 1960 até meados dos 1980 o sistema internacional esteve claramente dividido em dois polos opostos e suas regras de funcionamento podiam ser vistas como muito rígidas e injustas às necessidades de desenvolvimento dos países mais pobres, o que fortalecia o argumento de necessidade de união desses países. Essa relação de oposição de interesses e visões de mundo com os países mais ricos facilitava o processo de autoidentificação dos países do Sul. No entanto, já a partir da segunda metade dos anos 1980, essa situação começa a se inverter, dificultando a construção discursiva em torno das relações Sul-Sul, na medida em que as referências de oposição vão se transformando e a incerteza vai tomando conta do funcionamento do sistema internacional. Alguns dos temas sensíveis para a atuação externa brasileira, como a questão do endividamento externo, as negociações comerciais multilaterais e o acesso às novas tecnologias, estimulavam reações diplomáticas que se pautavam na construção discursiva da cooperação Sul-Sul. O processo de diferenciação entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento parecia entrar em uma fase crítica em virtude de transformações estruturais que o sistema mundial vinha passando, principalmente, em relação à mudança de paradigma tecnológico que se tornava cada vez mais evidente. Em consequência, essa questão se incluía no corolário de medidas que deveriam pautar as relações com os países do Sul. O então ministro de Relações Exteriores Abreu Sodré apresenta essa preocupação ao declarar que: 31

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o mundo em desenvolvimento não pode ficar a margem da revolução tecnológica, sob pena de ver consolidado, em definitivo, e ampliado, o já tão largo fosso que o separa do mundo desenvolvido. Não nos resignaremos a ser espectadores passivos de uma nova divisão internacional do trabalho, com base na discriminação do acesso a tecnologia, e que cinda o mundo em dois universos distintos – o das sociedades pós-industriais e o das sociedades atrasadas e caudatárias4.

Nesse sentido, os acordos de cooperação em ciência e tecnologia com a China, assinados no ano de 1988, abarcaram desde a construção conjunta de dois satélites de identificação de recursos naturais, passando por colaboração em pesquisas de desenvolvimento tecnológico nas áreas de energia hidrelétrica e transportes, até a colaboração na produção de fármacos para controle de endemias5. Cabe lembrar que nesse período o Brasil também alcançou avanços em importantes tecnologias relacionadas ao enriquecimento de urânio, fibra ótica e semicondutores. Assim, esses acordos podem ser vistos como um dos elementos de maior continuidade da cooperação Sul-Sul na política externa brasileira, perpassando diversos governos, desde Geisel até os dias atuais. As negociações com a China, ao longo dos anos, não se limitaram às questões de trocas comerciais, mas também apresentaram um histórico de acordos envolvendo setores sensíveis e colaboração em projetos que, em geral, demandam muito tempo para apresentarem seus resultados, ligando um período governamental a outro. Isso nos permite concluir que a cooperação Sul-Sul mantém-se enquanto elemento formador do comportamento externo do Brasil na sua matriz universalista, mesmo nos anos 1990, com a eleição de Collor de Mello para ocupar a presidência da República, que dá início a uma década de baixa atividade discursiva no que se refere às relações com os países do Sul. Discurso pronunciado pelo Ministro Roberto de Abreu Sodré. no dia 10 de junho de 1987. Resenha de Política Exterior do Brasil, no. 53, abr-mai-jun de 1987. 4

O Estado de São Paulo. “Sarney assina oito acordos com a China”. 7 de julho de 1988. 5

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A Década de 1990 A cooperação Sul-Sul na política externa brasileira dos anos 1990 sofreu os impactos das fortes transformações no plano doméstico e internacional. Foi um período marcado por sua quase inexistência enquanto elemento relevante na orientação das ações externas do país. Internamente, o Brasil iniciou a década com a primeira eleição direta para presidente desde o fim do período militar. O governo Collor de Mello inicia seu mandato tendo como principais urgências a necessidade de reorganizar e estabilizar o sistema político, além de propiciar condições para o controle da inflação e enfrentar os problemas estruturais da economia nacional. Em relação ao sistema internacional, o país apresentava-se em uma situação de crescente fragilidade diante de um cenário marcado por fortes transformações e crescente expectativa de um reordenamento internacional centrado no poderio norte-americano. A convergência ideológica do governo com o receituário neoliberal orientou as escolhas em relação à inserção internacional do país, que se daria por meio da revisão do modelo de desenvolvimento brasileiro, pautando-se por menor influência do Estado nas relações econômicas, privatizações e abertura ao comércio mundial. A ideia geral nesse momento era de que o desenvolvimento nacional passaria pela maior interligação com o processo de globalização que se acentuava e, dessa forma, a clivagem entre Norte-Sul tornava-se cada vez menos importante. O trecho a seguir, do então Secretário Geral de Política Exterior, Embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, em 1991, resume bem o entendimento em relação à cooperação Sul-Sul: A crise do endividamento, a crise financeira do Estado brasileiro e a estagnação na maioria dos países em desenvolvimento tomaram mais remota a cooperação Sul-Sul e a possibilidade de lançamento de novos projetos de aceleração do crescimento baseados em um intercâmbio crescente com os países em desenvolvimento. O investimento direto e o avan33

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ço tecnológico concentrados nas economias industrializadas passaram a ser os grandes determinantes do dinamismo do comércio internacional6.

O governo Collor de Mello partia do diagnóstico de que as escolhas eram limitadas e diante das mudanças mundiais o país deveria alinhar-se com o campo vitorioso da Guerra Fria, priorizando as relações com os países do chamado Primeiro Mundo em detrimento dos países não desenvolvidos. Inicialmente, a intenção da ação presidencial era de aprofundar os acordos com os EUA, no entanto esse projeto foi prejudicado tanto em razão de falta de apoio interno no Itamaraty e de setores domésticos, assim como a falta de condições políticas domésticas em razão do agravamento da crise política e econômica que levou ao processo de Impeachment e ao fim do seu governo (Oliveira, 2005). Essa nova orientação fez com que o relacionamento com a China, que vinha sendo um dos setores mais dinâmicos no campo da cooperação Sul-Sul da política exterior do Brasil, entrasse em um período de paralisia, sendo retomado com muita intensidade somente a partir de 1993, já durante a gestão do Presidente Itamar Franco e tendo à frente Celso Amorim, que assumia a pasta do Ministério das Relações Exteriores em substituição a Fernando Henrique Cardoso, que foi para o Ministério da Fazenda. Com isso, retomam-se os acordos nas áreas espacial, de energia, de mineração, científica e tecnológica com a China. Em alguns momentos desse breve período é possível verificar a retomada de referências explicitas à cooperação Sul-Sul, principalmente em relação aos acordos com os chineses, mas de forma geral, a década de 1990 foi marcada pela quase ausência de manifestações oficiais no discurso brasileiro em relação ao tema. Enquanto ideia, a cooperação entre os países em desenvolvimento parecia esvaziar-se de sentido, perdendo a capacidade de orientar as escolhas dos formuladores em relação ao processo de inserção internacional. O que resta neste momento são os resultados práticos dos relaciona O Novo Quadro da Economia Mundial. Palestra proferida no XI ENAEX. O Estado de São Paulo. 24 de dezembro de 1991. 6

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mentos criados e efetivados nas décadas anteriores. O momento era favorável ao estabelecimento de novas práticas políticas, mas agora guiadas por um forte consenso em torno dos ideais defendidos pelos países desenvolvidos, fazendo com que as expectativas de grande parte da sociedade se voltassem para uma maior aceitação dos termos nos quais o sistema internacional estava sendo reorganizado. As condições internacionais da época acabavam por desarticular um dos principais pilares da ideia de cooperação SulSul, que se fundamentava na necessidade de resistência à forma como o mundo estava organizado. Pelo contrário, as tendências eram de integração aos fluxos globais, sejam estes econômicos ou até mesmo culturais. Destacam-se como exemplos dessas dificuldades o encerramento da Rodada Uruguai e a criação da OMC, o processo de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), as limitações institucionais do Mercosul, as negociações com a Europa, entre outros.

A nova dimensão nos anos 2000 O novo milênio trouxe consigo a percepção em vários países de que os resultados sociais das políticas econômicas ortodoxas e liberalizantes foram negativos, com crescimento da desigualdade e dificuldades para a defesa dos interesses dos países do Sul em um mundo ordenado por regras que ainda privilegiavam assimetricamente os países ricos. Diante disso, abre-se um cenário mais promissor para o resgate das principais noções que embasavam a ideia de cooperação Sul-Sul. As manifestações de rua de diversos setores da sociedade civil na cidade de Seattle, em 1999, como reação ao encontro da Organização Mundial do Comércio, e o agravamento da crise econômica na Argentina, entre os anos de 1999 e 2002, e suas consequências sociais, políticas e institucionais, podem ser vistos como exemplos de movimentos por mudanças. Junte-se a isso a emergência da China como um país capaz de alterar equilíbrios no sistema internacional e o questionamento da centralidade norte-americana. 35

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Diante desse novo contexto, a política externa brasileira inicia gradualmente o resgate de elementos do discurso da cooperação Sul-Sul, mesmo evitando, nesse momento, o argumento que ressaltaria as diferenças de interesses entre os países do Norte e do Sul. De qualquer forma, a simples referência às relações Sul-Sul vinha sendo evitada durante grande parte dos dois governos de Fernando Henrique Cardoso. O trecho a seguir, proferido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em dezembro de 2000, demonstra esse início de mudança no discurso oficial:

Em discurso no encontro de Ministros de Relações Exteriores do G-15, em 20 de junho de 2000, o Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, afirmou que: devemos prosseguir nos esforços de cooperação Sul-Sul. Nesse campo poderemos encontrar melhores oportunidades de crescimento das economias nacionais e dos fluxos de comércio dos países do G-15 do que a continuada dependência do mundo desenvolvido, onde as taxas de crescimento tendem a estagnar ou a aumentar marginalmente. Fala-se muito do tema da globalização. Globalização representa muitas coisas diferentes, segundo o ponto de vista e os interesses de quem analisa o fenômeno. Na realidade, nada mais é do que o novo nome pelo qual os países que sempre dominaram o conteúdo e as prioridades da agenda internacional continuam a fazer prevalecer as suas visões e os seus interesses9 [...].

a semelhança de aspirações torna Brasil e África do Sul parceiros naturais, dentro do espírito da cooperação Sul-Sul. Coincidimos no esforço de integração à economia global, ao procurarmos promover o aprimoramento do comércio e dos fluxos internacionais de capital7.

Com o início da gestão de Celso Lafer, que substituiu o Embaixador Luiz Felipe Lampreia à frente do Ministério de Relações Exteriores, juntamente com o Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa na Secretaria-Geral do Itamaraty, ao final do segundo governo Cardoso, intensifica-se o movimento de aumento da importância das relações Sul-Sul na formulação da política exterior do país. De acordo com Lafer8, os países em desenvolvimento: podem e precisam cooperar o máximo possível. Alguns têm feito isso, demonstrando que a cooperação Sul-Sul é possível e promissora […]. O Brasil se orgulha de seu desempenho, tanto como um país ativamente engajado na cooperação Sul-Sul quanto em iniciativas voltadas para a redução da dívida. 7

Discurso do Senhor Presidente da República no almoço em homenagem ao presidente da África do Sul Thabo Mbeki. Brasília, 13 de Dezembro de 2000. Resenha de Política Exterior do Brasil, número 87, 2o. Semestre de 2000, ano 27. Brasília, 2000. Pronunciamento do Professor Celso Lafer, Ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, na III Conferência das Nações Unidas sobre Países Menos Desenvolvidos. Bruxelas, 14 de maio de 2001. Resenha de Política Exterior, No. 88, 1o. Semestre de 2001. Brasília, 2001. 8

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Em 2001, a articulação do Brasil com a Índia e a África do Sul em torno do contencioso das patentes farmacêuticas contra os Estado Unidos na OMC foi um ensaio importante de aproximação entre os três países que ganharia maior fôlego nos anos seguintes com o Ibas e o G-20 comercial. A partir de 2003 a cooperação Sul-Sul adquire novas dimensões e funcionalidades para a política externa brasileira (Pecequilo, 2008). De certa forma, é possível considerar que a partir de então, torna-se possível concretizar determinadas ações e objetivos que antes estavam concentrados fundamentalmente no nível do discurso. Nesse período há possibilidade de novas práticas e experiências no âmbito internacional, fruto de mudanças na distribuição de poder, do questionamento de determinados consensos normativos liberais e, também, da transformação na situação econômica e social do país. Nesse contexto, o discurso e a prática da cooperação Sul-Sul se tornam mais proativos e as ações mais amplas. X Reunião de Ministros de Relações Exteriores do G-15. Intervenção do Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa. Cairo, 20 de junho de 2000. Resenha de Política Exterior do Brasil. No. 86, 1o. Semestre de 2000, Ano 27. Brasília, 2000. 9

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De acordo com Desiderá Neto (2014, p.111) a nova proposta de inserção internacional efetivada pelo Brasil a partir de 2003 “se diferenciou das anteriores por se basear em uma estratégia de cooperação Sul-Sul”. A principal diferença em relação aos períodos anteriores reside no fato de que a cooperação Sul-Sul ganhou maiores condições de operacionalização e se tornou o pano de fundo da ação brasileira nas esferas das relações bilaterais, inclusive com os Estados Unidos, e também no âmbito do regionalismo e do multilateralismo, assim como em ações específicas do Brasil na área de comércio internacional, defesa, meio-ambiente entre outras. A nova dimensão que a relação Sul-Sul assume na política externa brasileira pode ser dividida em duas fases: uma de 2003 a 2008 e a outra de 2009 a 2014. Na primeira fase, há transformações significativas na política doméstica com a retomada do crescimento econômico, controle do endividamento externo, ampliação do mercado doméstico, das reservas internacionais do país e dos fluxos comerciais. A valorização das commodities agrícolas e minerais no mercado internacional, muito em função do aumenta da demanda chinesa é algo que contribui para a manutenção dessa situação do ponto de vista econômico. Lima (2005, p. 5) considera que “padrões de desenvolvimento criam novas idéias, interesses e instituições e uma vez iniciado um deles é muito difícil mudar as instituições e os interesses”. Nessa primeira fase há redefinição das alianças e dos objetivos nacionais na arena internacional. É uma fase concentrada na atividade discursiva, na resistência às pressões internacionais e na negociação de novos acordos e coalizões internacionais a partir de uma perspectiva Sul-Sul. A formação do acordo Ibas, em junho de 2003, a contribuição decisiva do Brasil para a formação e para a manutenção do G-20 agrícola na Rodada Doha da OMC, da reunião Ministerial de Cancun de setembro de 2003 até a reunião ministerial de Genebra de julho de 2008, a resistência do Brasil às negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a reativação da Rodada Sul-Sul no âmbito da Unctad em 2004 são, entre outros, episódios significativos dessa perspectiva. Na segunda fase, de 2009 a 2014, observa-se a consolidação da linha Sul-Sul da política externa, a partir da estrutura de ações

construídas anteriormente e dos efeitos da crise financeira internacional. Esta, por um lado, dificultou o crescimento interno, prejudicando as ações voltadas para o desenvolvimento do país. Por outro lado, imprimiu maior funcionalidade às ações brasileiras na esfera da política externa e abriu caminho para o fortalecimento de alianças com os principais países emergentes, onde a materialidade assumida pelos Brics, a partir de 2008, é um dos efeitos. A partir da crise mundial de 2008, segundo informação do Ministério das Relações Exteriores, “o Brasil percebeu, durante a crise financeira, o surgimento de uma oportunidade para a mudança na estrutura do sistema financeiro e econômico internacional” (MRE, 2010). O contexto pós – crise econômica mundial de 2008 colaborou para a consolidação do Sul na agenda prioritária brasileira. Comunicado do Itamaraty, de dezembro de 2010, sobre a conclusão da Rodada São Paulo10 (2004-2010) auxilia a entender melhor esse aspecto:

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O acordo deverá criar novas oportunidades de acesso a mercados para ampla gama de produtos comercializados entre países da África, Ásia e América Latina. Em 2009, quando as exportações totais brasileiras sofreram queda de quase 23% em relação ao ano anterior, como reflexo da crise financeira internacional, as exportações brasileiras para esses países (excluindo-se o Mercosul) cresceram mais de 18%. As importações totais desses países (também excluído o Mercosul) somaram, em 2009, quase US$ 1 trilhão. O Acordo da Rodada São Paulo potencializa as relações econômicas Sul-Sul e reafirma o interesse dos países em desenvolvimento em buscar oportunidades de liberalização comercial, especialmente na conjuntura de virtual paralisia da Rodada Doha na OMC em 2009 e 201011. 10

Enquanto a Rodada Doha ocorre na OMC e envolve tanto os países em desenvolvimento como os desenvolvidos; a Rodada São Paulo ocorreu na Unctad e envolveu somente países do Sul. Na Rodada da Unctad se buscou a criação de um Sistema Geral de Preferências Comerciais que facilitasse o fluxo de mercadorias entre os países em desenvolvimento. Os países que concluíram essa Rodada Sul-Sul da Unctad foram: Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai), Coreia do Sul, Cuba, Egito, Índia, Indonésia, Malásia e Marrocos. Comunicado do Itamaraty sobre a Conferência Ministerial da Rodada São Paulo ocorrida em 13 de dezembro de 2010. 11

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Mesmo sendo controversas a abrangência e a ambição dessa Rodada comercial Sul-Sul, que se iniciou em 2004 e foi concluída em 2010, não deixa de ser uma negociação relevante se considerarmos que a liberalização do comércio Sul-Sul por meio do Sistema Geral de Preferências Comerciais, no âmbito da Unctad, tem sido discutida desde o final dos anos de 1980. Essa segunda fase é concentrada na tentativa de obter ganhos concretos e de consolidação das preferências nacionais articuladas com a cooperação Sul-Sul. A consolidação do processo de internacionalização das empresas brasileiras, principalmente na América do Sul e na África, a participação ativa no G-20 financeiro (apesar do discurso contrário à falta de transparência de grupos informais de governança global), a atuação no âmbito dos Brics, o lançamento da ideia de “responsabilidade ao proteger”, a defesa de reformas institucionais e a crítica às políticas do FMI, a conclusão da Rodada Sul-Sul no âmbito da Unctad, a eleição do embaixador Roberto Azevedo para diretor-geral da OMC, a criação da Unasul e dos seus Conselhos Setoriais, com destaque para o Conselho de Defesa Sul-Americano, a atuação do Brasil na questão do programa nuclear iraniano são elementos constitutivos dessa fase. Nesse período fortalece-se também a ideia, relativamente nova, de articular a segurança nacional com a cooperação Sul-Sul, inclusive na área de defesa. De acordo com Abdenur e Souza Neto (2014, p.217) “o Ministério da Defesa passa a adotar o discurso da cooperação SulSul, enfatizando os laços com outros países em desenvolvimento”. O estreitamento de relações com os países do Atlântico Sul (principalmente após o anúncio de descoberta de reservas no pré-sal em 2007) e reativação da Zopacas, além da formação do Conselho de Defesa Sul-Americano evidenciam modalidades de conexão da cooperação Sul-Sul com a estratégia de defesa nacional. A partir da ênfase atribuída às relações Sul-Sul e das novas condições para a implementação da política externa, o Brasil passa a intervir com posição mais consistente no debate a respeito das grandes questões internacionais, inclusive, com ações no sentido de deslegitimação de aspectos da ordem internacional vigente, visível nas críticas feitas ao G-8 e ao FMI no período pós-crise de 2008,

nas ações em prol da reforma no Conselho de Segurança da ONU e no voto contrário às sanções ao Irã no Conselho de Segurança. Essa linha de atuação também está presente nas noções de “responsabilidade ao proteger”, “cooperação humanitária” e “não indiferença” que inseriram o país na agenda sobre os princípios normativos da ordem internacional. O Ex-Ministro de Relações Exteriores do governo Lula da Silva e Ex-Ministro da Defesa do governo Rousseff, Celso Amorim, revela os principais elementos dos argumentos governamentais em defesa do aprofundamento das relações Sul-Sul. Observe-se que não se trata de ações exclusivamente baseadas no altruísmo: “ninguém é ingênuo de achar que pode fazer política externa só na base da solidariedade (...) ao aprofundarmos o diálogo Sul-Sul, fizemos algo que não estava ocorrendo. Isso até fortaleceu o nosso diálogo com o Norte12”. A partir do governo Lula da Silva a relação com o continente africano assumiu centralidade na política externa brasileira. Embora haja diferenças importantes em relação a países específicos do continente, de modo geral, é possível considerar que a política externa brasileira para a África se estrutura em torno de quatro objetivos: apoio para suas iniciativas de política externa, internacionalização das empresas nacionais, mercados para a exportação e cooperação técnica. De acordo com White (2013, p.118):

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além do papel crescente do Brasil na África, fica cada vez mais evidente que o continente pode constituir parte crucial da próxima fase do desenvolvimento industrial do país, em setores como mineração, energia e agricultura, e mais amplamente nas suas aspirações políticas e econômicas globais.

Segundo Celso Amorim: há um elemento de solidariedade e tem que haver. Com a África tem que haver. Se não tivéssemos nenhuma razão comercial, mesmo assim devíamos ir lá. Mas temos razões Entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, ao jornal O Estado de São Paulo – Brasília. 11/02/2007. 12

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comerciais, e boas. Nossas exportações para lá estão crescendo e outro dia o presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Roger Agnelli, concordou em como era importante investir na aproximação com a África13 [...].

Mendonça Júnior (2013, p.143) considera que no governo Lula da Silva, ao lado da ativa diplomacia presidencial, responsável pelo expressivo número de 23 países africanos visitados durante os oito anos de governo, “constatou-se também considerável número de acordos de cooperação técnica firmados, principalmente com países sem vínculo tradicional com o Brasil”. De acordo com estudo do Ipea (Ipea, 2010, p.36) entre 2003 e 2009, o governo brasileiro perdoou dívidas de Angola, Moçambique e doou 300 milhões de dólares em cooperação alimentar para Somália, Sudão, África do Sul, Saara Ocidental e membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Ainda de acordo com o estudo, a “África Subsaariana, bem como a América Latina e o Caribe, receberam 62% do volume total de recursos federais destinados à cooperação técnica, científica e tecnológica de 2005 a 2009, correspondendo a R$ 154,9 milhões” (Ipea, 2010, p.36). O chamado perdão de dívidas é um aspecto concreto que dá vazão ao discurso da cooperação Sul-Sul e está presente na ação brasileira no continente africano. Segundo o embaixador do Brasil no Gabão, Bruno Cobuccio, “vários países sérios já fizeram isso para alavancar novos negócios: você zera o passado para abrir novas perspectivas. Se o Brasil não fizer isso, está dando um tiro no pé, porque outros países vêm e fazem negócios14”. Observe-se que, mesmo nesse caso, o elemento de pragmatismo da política externa também está presente. O fato de as regras de financiamento do BNDES impedirem empréstimos a países que têm dívidas com o Brasil impõe a necessidade de lidar com a questão, de modo a viabilizar novos projetos. Entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Celso Amorim, ao jornal O Estado de São Paulo – Brasília. 11/02/2007. 13

“Perdão a africanos impulsiona empresas”. Folha de S. Paulo, 11 de agosto de 2013, p. A22. 14

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A experiência e conhecimento que o Brasil dispõe no campo da agricultura desenvolvida nos trópicos, em condições de clima e de solo semelhantes às de outros países do hemisfério Sul é um ativo importante para os projetos de cooperação técnica do país. De acordo com Vimlendran Sharan, representante indiano nas Nações Unidas, “em sua busca para acabar com a fome, a Índia tornou o acesso à alimentação um direito legal, e vê o Brasil como um modelo a ser seguido15”. A internacionalização de programas sociais dos governos brasileiros e de modalidades de gestão pública democrática originárias no país, como o orçamento participativo, são aspectos simbólicos e normativos que subsidiam o discurso da cooperação Sul-Sul. Apenas no ano de 2012, a Embrapa teria recebido mais de 140 pedidos de financiamento de projetos para desenvolver a agricultura no continente africano16. Esse tipo de cooperação permite também a experimentação nas áreas que se ligam diretamente às questões de comércio internacional como a transferência de tecnologia na agricultura, saúde e medicamentos, práticas que reforçam os argumentos trabalhados nas organizações internacionais como na OMC. Exemplo disso foi a cooperação do Brasil com os países africanos produtores de algodão do grupo denominado Cotton-4: Benin, Burkina Faso, Chade e Mali e sua relação com os argumentos mobilizados no contencioso do algodão contra os Estados Unidos no Órgão de Solução de Controvérsias da OMC. A dimensão relativamente nova da cooperação descentralizada Sul-Sul é operacionalizada na política externa brasileira considerando também o objetivo de articulação e apoio político nas instâncias de cooperação multilateral como a ONU e a OMC. Como afirma Celso Amorim (2010, p.231): “a cooperação Sul-Sul é um instrumento diplomático que surge de um desejo autêntico por prestar solidariedade aos países mais pobres. Ao mesmo tempo, ela ajuda a expandir a participação do Brasil nas relações internacionais”. O “India sees Brazil as a “role model” in beating hunger”. Reuters 23/10/2014. Disponível em: http://in.reuters.com/article/2014/10/22/foundation-food-indiabrazil-idINKCN0IB2BR20141022. Acesso em: 23 out.2014. 15

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http://www.jornal.ceiri.com.br/internacionalizacao-da-embrapa/

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apoio decisivo dos países africanos para a eleição de José Graziano da Silva para a direção geral da FAO e de Roberto Azevedo para a direção geral da OMC são expressões concretas da dimensão de “expandir a participação do Brasil nas relações internacionais” orientadora da política brasileira em relação à cooperação Sul-Sul. As reuniões de Cúpula América do Sul – Países Árabes (Aspa), América do Sul – África (ASA), apesar das suas diferenças, demonstram esforço em conectar a América do Sul com as agendas de cooperação Sul-Sul, fato também observável na reunião dos países dos Brics com os chefes de Estado da América do Sul, em julho de 2014. Desiderá Neto (2014) identificou coordenação de posições sobre temas centrais da política internacional na ocasião das cúpulas semestrais do Mercosul, também nas reuniões de Cúpula do Ibas, da ASA e da Aspa. Em comparação com os períodos anteriores, atualmente há maior envolvimento da sociedade civil, seja de atores ligados ao agronegócio, ao setor de serviços, movimentos sociais, diferentes instâncias governamentais que passam a visualizar a relação SulSul como uma instância apta a promover interesses, ainda que por motivos diferentes. O volume organizado por Pinheiro e Milani (2012) que analisa a inserção de temáticas como educação, saúde e cultura na política externa brasileira evidencia que é na cooperação Sul-Sul que boa parte dessas agendas é colocada em prática. Podese pensar também que a cooperação Sul-Sul e os acordos realizados contribuem para a descentralização da política externa brasileira na medida em que a viabilização dos acordos firmados pela chancelaria em determinados temas necessariamente leva a um maior envolvimento dos atores domésticos setoriais.

e Celso Amorim (2003-2010), assim como de quase total irrelevância durante os anos 1990. Diante disso, este texto buscou compreender melhor o seu significado e capacidade de orientar o comportamento brasileiro no cenário internacional, visto que permanece forte debate a respeito da sua funcionalidade e alcance, sendo um dos assuntos relacionados à política externa mais discutidos no âmbito nacional, com visões muito variadas, havendo opiniões que vão em direção de um maior aprofundamento das relações Sul-Sul e outras que defendem a tese de que esse tipo de orientação política é equivocada e deve ter sua importância reduzida. Enquanto linha de atuação, a cooperação Sul-Sul busca responder a um conjunto de elementos que estruturam as relações internacionais do Brasil. Por um lado, a condição de país ainda não desenvolvido contrasta com as potencialidades representadas pelo seu território, população, recursos naturais e posicionamento espacial no globo e, portanto, a expectativa representada pela superação dessa condição está na raiz dos argumentos que buscam sustentar uma conduta externa orientada pela articulação política prioritária com os países do Sul, pois o diagnóstico geral é de que o sistema internacional está organizado de forma a privilegiar as potências já constituídas, diminuindo as chances de uma inserção internacional mais autônoma e com melhores oportunidades para o desenvolvimento econômico nacional. Além dos aspectos estruturais, o papel que a cooperação Sul-Sul assume na política exterior do Brasil ao longo do tempo depende do jogo político doméstico, que responde às pressões políticas, econômicas e sociais, e da interpretação governamental em relação às possibilidades presentes na arena internacional. As ideias em torno da cooperação Sul-Sul, portanto, estão vinculadas às condições objetivas nas quais as práticas políticas são processadas. Diante desse quadro geral, foi possível verificar que as políticas voltadas para o incremento das relações com os países do Sul, fundamentam-se em argumentos que buscam sustentar uma perspectiva de mudança de longo prazo, pois envolvem objetivos voltados a alcançar o desenvolvimento e tornar as regras de funcionamento do sistema internacional mais justas. No entanto, para que essas políticas se realizem, é necessário lançar mão de argumentos e imple-

Considerações Finais No âmbito da política externa brasileira a cooperação Sul-Sul passou por diferentes crises domésticas, mudanças de regime político e transformações do sistema internacional. Houve momentos de maior importância e reconhecimento, como nas gestões dos Ministros das Relações Exteriores Azeredo da Silveira (1974-1979) 44

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mentar decisões voltadas fundamentalmente para o curto prazo, de modo a propiciar recompensas voltadas para atores domésticos e, também, para os parceiros externos, principalmente os Estados de menor desenvolvimento relativo. Assim, enquanto horizonte de possibilidades, a ideia de cooperação Sul-Sul apresenta-se em uma situação de grande complexidade, pois combina um discurso de mudança futura, voltado a sustentar expectativas positivas sobre a possibilidade de alterações sistêmicas a partir da união de esforços dos países em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, alimenta um discurso de que essas mudanças já podem ser sentidas no curto prazo, criando oportunidades de políticas de desenvolvimento econômico e social para os países menos desenvolvidos beneficiários de recursos governamentais brasileiros, assim como para os setores domésticos nacionais interessados em expandir seus interesses além das fronteiras. Esse discurso e prática de curto prazo acabam por reavivar a dicotomia histórica entre pragmatismo e idealismo presente no processo formulador da política externa brasileira, estimulando o debate público a respeito da inserção internacional do país, onde setores descontentes defendem a tese de que a cooperação Sul-Sul é fundamentada em uma visão de mundo irreal, orientada fundamentalmente por políticas de solidariedade e de pouco retorno econômico em detrimento das relações com os principais países desenvolvidos, enquanto setores simpatizantes ressaltam que as relações de aproximação com os países em desenvolvimento também apresentam resultados concretos, em virtude da expansão e maior internacionalização das empresas brasileiras. Diante do exposto é possível verificar que a maior importância assumida pela cooperação Sul-Sul na política externa brasileira a partir dos anos 2000, contempla o resultado da mudança de orientação política a partir da eleição de Lula da Silva na primeira metade da década em um contexto internacional caracterizado por transformações na distribuição do poder. No entanto, também contou com os frutos de experiências passadas de negociações Sul-Sul, que permaneceram conectadas ao longo dos diversos governos – sobrevivendo inclusive aos anos 1990 – em virtude de modificações organizacionais criadas em consequência dos acordos e aproximações realizadas no passado, como pode ser visto

na história da cooperação com a Índia e a China, os principais parceiros Sul-Sul. Assim, as experiências envolvendo a cooperação Sul-Sul podem ser entendidas também como um importante aprendizado da política exterior do Brasil, que teve maior intensificação a partir do século XXI. Portanto, apresenta os principais elementos relacionados ao aprendizado experimental em política externa apresentados por Jack Levy (1994), como a ocorrência de mudanças organizacionais, a capacidade de produzir e acessar a memória organizacional, mudanças nas regras do processo decisório e aprimoramento do conhecimento especializado a fim lidar com as novas temáticas.

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