AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA HISTÓRIA DO

May 22, 2017 | Autor: P. de Andrade Porto | Categoria: História Do Direito, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
Share Embed


Descrição do Produto

AS DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA HISTÓRIA DO DIREITO PORTO, Paola de Andrade GOMES, Jully Rose Gonçalves RESUMO O presente artigo tem por objetivo discorrer uma abordagem histórica sobre a evolução e construção dos direitos fundamentais, notadamente, quanto a ideia de que esses direitos doutrinariamente foram classificados e denominados a partir das nomenclaturas “gerações” e “dimensões”, justamente ensejando conotações de temporalidade e gradação aos surgimentos de novas necessidades da sociedade e por consequências as garantias em que o Estado poderia conceder. O Estado como regulador social, ao longo dos tempos foi desenvolvendo mecanismos para a solução de conflitos. Entretanto, com todo esse poder limitador o Estado, por conta de seus governantes passou a ser absolutista e autoritário, não dando ao povo o mínimo necessário para um convívio digno. Foi então que no século XVIII, com a Revolução Americana e a Revolução Francesa, onde, no caso da última, principalmente, lutavam por liberdade, igualdade e fraternidade (liberté, égalité, fraternité), resultando na criação dos direitos fundamentais que se conhece atualmente. Ao longo do artigo discorreremos sobre os principais aspectos de cada classe de direito fundamental construída socialmente ao longo da história. É dever do Estado de Direito estabelecer regras abrangendo essas dimensões. Na Constituição Federal brasileira podemos observar todas as dimensões de direito fundamental que devem ser seguidas e implementadas pelo Estado. Ademais, os direitos fundamentais são inclusivos, admitem serem acrescidos, jamais suprimidos, a vedação ao não retrocesso justifica revisitarmos sempre sua origem histórica e desenvolvimento, e reafirmamos enquanto patrimônio humano de todas as gerações. PALAVRAS-CHAVE: História; Direitos Fundamentais; Dimensões; Comunicação.

1

CONCEITO E ELEMENTOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Face o entendimento de Cavalcante Filho, pode-se considerar que os direitos humanos fundamentais são os direitos atribuídos a todos os seres humanos, através de tratados internacionais, sendo apenas ratificados pelas constituições dos respectivos países, resguardando direitos individuais, sociais e fraternos (CAVALCANTE FILHO, 2009). Há uma distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais. O primeiro abrange toda a humanidade, enquanto o segundo refere-se apenas aos direitos assegurados em uma constituição, ou seja, um corresponde ao direito geral e externo, enquanto o outro condiz ao direito de cada nação, isto é, aquilo que diz respeito a soberania de interna dos países. Ambos podem versam sobre o mesmo assunto, apesar de serem diferentes as esferas de abrangência. Os direitos fundamentais são construções históricas conquistadas a partir do século XVIII, encontrando-se em constantes mudanças, sempre acumulando direitos adquiridos com as conquistas sociais ao longo dos anos. O século XVIII foi apenas o início da instituição dos direitos individuais, sociais e fraternos, porém com o tempo foram surgindo e aglomerando-se novos direitos referentes à novas necessidades sociais e como o direito é a ciência que deriva da sociedade, deve acompanhar esta e suas mutações. Após as três primeiras conquistas visadas pela Revolução Francesa surgem novas necessidades causadas pela globalização, devendo ser tutelados os direitos das massas. Recentemente verificou-se que é preciso ratificar mais um direito: o direito à paz. Esses direitos podem até ser objeto de limitações impostas pelo Estado, entretanto só pode ser limitado o estritamente necessário, respeitando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para não desequilibrar as relações entre Estado e indivíduo e não gerar um Estado absolutista e/ou autoritarista. Segundo Konrad Hesse (1998, p.256) apud. Cavalcante Filho (2009, p.7). em “Teoria Geral dos Direitos Fundamentais”: A limitação de direitos fundamentais deve, por conseguinte, ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. Ela deve ser necessária para isso, o que não é o caso, quando um meio mais ameno bastaria. Ela deve, finalmente, ser proporcional em sentido restrito, isto é, guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental.

2

As principais características dos direitos fundamentais são a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade e a indivisibilidade, que atuam como limitadores do uso individual desses direitos e também como formas de limitar o poder do Estado. Quando se fala em direitos fundamentais deve-se considerar a cronologia dos fatos que levaram a conquista desses direitos. Portanto, os direitos fundamentais não surgiram todos de uma única vez, mas foram surgindo a partir de conquistas sociais alcançadas em diferentes lapsos temporais. Este fator interfere inclusive na nomenclatura, uma vez que um direito agrega a outros e não substitui. Há algum tempo doutrinadores nomeavam as várias classes dos direitos fundamentais de “gerações”. Entretanto, visto que esta palavra remete a ideia de que uma classe viria a substituir a anterior, surgiu-se à necessidade de alteração do termo. Atualmente, os doutrinadores chamam os direitos fundamentais de dimensões, pois uma não substitui a outra, mas aglomera-se a ela aumentando o rol desses direitos. Conforme Dimoulis (2014), para constatar o surgimento dos direitos fundamentais é necessária a análise de três elementos básicos como requisitos: O Estado, o indivíduo e o texto normativo regulador da relação entre o Estado e indivíduos. O elemento Estado corresponde ao ente que regula as relações entre o próprio e os indivíduos a ele relacionados, sendo quem desempenha o poder centralizado, impondo suas decisões através da administração pública e controlando seu povo. O segundo componente básico para a instituição dos direitos fundamentais é o indivíduo. É necessário que o indivíduo seja um elemento, pois até a instituição do capitalismo o homem era considerado apenas um integrante em um grupo e não um ser individual que deve ter liberdade, igualdade, autonomia e fundamentalmente não social, como institui o Estado Moderno. Com isso o indivíduo tem a faculdade de gozar dos seus direitos em face do Estado e/ou da sociedade. Já o terceiro elemento é o texto regulador da relação entre o Estado e o indivíduo, ou seja, a constituição formal, que delimita a esfera de atuação de ambos. Nela estarão positivados os limites da ação do indivíduo e do Estado. (DIMOULIS, 2014) ORIGEM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Há quem defenda que os direitos fundamentais surgiram em 1215, na carta do Rei João sem Terra, instituindo um primeiro resquício de norma constitucional. Entretanto, essas normas foram dirigidas somente aos barões, que o pressionaram para que tivessem mais liberdade em suas províncias. A Carta Magna trazia em seu artigo 39º uma redação 3

que passou a ser interpretada como uma ideia de individualização dos privilégios estamentais, apesar deste conceito aproveitar somente determinados estratos sociais. Nenhum homem livre será detido ou sujeito a prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não precederemos, nem mandaremos proceder contra ele, senão em julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país. (CANOTILHO, 2000, p.377)

Como este feito não teve um dos elementos para a criação de direitos fundamentais, que é o povo, considerar-se-á para fins desta os acontecimentos posteriores de criação de direitos fundamentais, no século XVIII. Pela primeira vez no século XVIII, viu-se os três elementos para a formação dos direitos fundamentais reunidos, tanto na Revolução Americana, quanto na Revolução Francesa (DIMOULIS, 2014). Isto é, a discussão na sociedade em torno dos direitos que reconhecesse como garantias fundamentais do homem: a liberdade, a igualdade e fraternidade. Em 1776, com a Revolução Americana proclamou-se a “Declaração dos Direitos” (Bill of Rights), enunciando direitos de liberdade e igualdade. Posteriormente, em 1789, com a Revolução Francesa, ratificou-se a instituição dos direitos de liberdade e igualdade, incluindo a fraternidade, que era inclusive o grito de guerra dos revolucionários iluministas franceses liberte, égalité e fraternité, através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DIMOULIS, 2014). Ou seja, o século XVIII foi o berço de uma transformação mundial. A Revolução Americana e a Revolução Francesa serviram como inspiração para grandes mudanças em todos os cenários (político, econômico e intelectual). (BURNS, 1982) Sob o poder de um governo autocrata os povos americano e francês, respectivamente, revolucionaram e lutaram para conquistar sua liberdade política, econômica e de pensamento. De fato, a Revolução Americana foi fundamental para o desencadeamento de outras revoluções. Entretanto, para a presente pesquisa, o principal movimento foi a Revolução Francesa onde a luta pelos ideais persistem até hoje nos ordenamentos jurídicos de vários Estados (BURNS, 1982). Os governantes franceses, devido o autoritarismo e absolutismo extremo, impunham ao povo uma vida escusa de direitos para favorecer a nobreza e o clero. Com toda a situação discrepante persistindo durante anos e com péssimas consequências para o povo, estes revoltaram-se contra os abusos de poder dos monarcas e foi à luta para conquistar seus direitos enquanto homem, cidadão (BURNS, 1982). Nesta época, o clero era evidentemente forte, pois a religião era o centro do poder. Entretanto, com toda uma leva de pensadores e filósofos presentes no século XVIII 4

como John Locke, Montesquieu, Rousseau, Adam Smith, Voltaire dentre outros, iniciou-se assim a fase conhecida como Iluminismo. Todos os movimentos simultâneos advindos da Revolução Francesa são de suma importância. O objetivo do movimento revolucionário, no geral, era a liberdade, igualdade e fraternidade e esses preceitos refletem até os dias atuais nas constituições de inúmeros Estados. Com a Revolução Francesa o principal legado foi a conquista dos direitos de liberdade e o gancho para a conquistas de direitos posteriores, como o de igualdade e fraternidade. Com a queda do regime absolutista foi instaurada a democracia na França e em 1791 foi consolidada a primeira constituição francesa, onde defendiam os direitos individuais. Com o reconhecimento pela Constituição americana em 1791, de que a constituição é superior a qualquer outro dispositivo legal, os direitos fundamentais ganharam ainda mais notoriedade. Sendo a constituição a Carta Magna de um Estado, os direitos fundamentais nela assentados ganham mais poder e amplitude. (DIMOULIS, 2014). Nesse mesmo sentido J.J. Canotilho aduz que não basta qualquer positivação dos direitos fundamentais, para o autor português, as regras relacionadas aos direitos fundamentais devem estar no patamar de fonte normativa – fonte de direito – como norma constitucional. Fora isso os direitos do homem são esperança, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direitos constitucional. (CANOTILHO, 2000. p.371) DIREITO FUNDAMENTAL DE PRIMEIRA GERAÇÃO Com os conflitos ocorridos no final do século XVIII, através das revoluções o povo americano e francês tiveram a primeira conquista social. O objetivo desses conflitos era ter a tutela do Estado sobre direitos referentes à liberdade, igualdade e fraternidade. Como sabe-se, os direitos fundamentais podem ser classificados e divididos em dimensões, pois cada classe foi conquistada em diferentes lapsos temporais e agregaram-se às outras. Neste primeiro momento o que se conseguiu com as Revoluções Americana, em 1776, e Francesa, em 1789, foi a conquista correspondente ao ideal de liberdade, ou seja, os direito individuais, conhecidos como direito fundamental de primeira dimensão. 5

Essa primeira dimensão corresponde a conquista de direitos civis e políticos de cada indivíduo que limita o campo de atuação do Estado, ou seja, é um direito negativo, dever de não fazer do Estado. Essa tutela negativa fez-se necessária, pois o Estado era absolutista e autoritário, não considerando o indivíduo como um cidadão, mas sim como um súdito e utilizava-se constantemente do poder estatal em detrimento dos interesses do povo. A primeira geração é indicada pelo estabelecimento de um dever de omissão, de forma que os direitos de liberdade são satisfeitos por uma abstenção, em atenção à esfera da ação pessoal própria, inibidora da atuação do Estado Liberal. (MORAES, 2014. p.544)

Após essa conquista, os direitos fundamentais de primeira dimensão foram ratificados primeiramente pela Virgínia em 1776, que defendia o limite do Estado, impondo a separação dos poderes, liberdade de imprensa igualdade de direitos, dentre outros. Posteriormente, outros direitos individuais foram ratificados pela própria constituição americana em 1791, legitimando ao povo a tutela dos direitos individuais, tais como o direito à vida, à intimidade, à propriedade, à inviolabilidade de domicilio, liberdade de locomoção, dentre outros. [DIMOULIS, 2014] Clarificando

o

entendimento,

numa

ordem

cronológica,

as

primeiras

manifestações de direitos individuais que limitavam a atuação do Estado e que foram positivadas foram: Declaração de direitos de Virgínia de 1776 após, Declaração de independência dos EUA da Colônia europeia em 1787 e por fim os EUA criaram a própria Constituição, a Constituição Americana de 1791. DIREITO FUNDAMENTAL DE SEGUNDA GERAÇÃO Essa classe de direito fundamental corresponde ao direito de igualdade, são direitos de cunho social, ou seja, direitos do homem enquanto ser social, pertencente à sociedade. Com os direitos fundamentais de primeira dimensão o Estado tornou-se liberal, juntamente com este fator cresce a busca pelo capital, criada pela novo sistema econômico, o capitalismo. Com a junção desses dois fatores uma problemática foi gerada: Quem tutelaria os interesses dos trabalhadores se o Estado estava inerte? Foi necessária a luta para a conquista dos direitos, agora, sociais. (PINHO, 2002) Esses direitos foram conquistados no auge da Revolução Industrial, onde predominavam as lutas contra a exploração do proletariado, que começou entre os séculos XVIII e XIX. Mas não parou por ai, entre os séculos XIX e XX ocorreu a 6

Primeira Grande Guerra que serviu para dar mais ênfase à necessidade pela tutela dos direitos sociais. Nesta época, com a segunda fase do capitalismo predominando, os detentores do capital queriam aumentar a produção para lucrar muito, gastando pouco com mão de obra. (BONAVIDES, 2000) Com isso, os trabalhadores eram explorados pela sua mão de obra, pois tinham pouco tempo de descanso, salários baixíssimos, muitas horas de trabalho, ou seja, tinham muitos deveres e poucos direitos, ou nenhum. A luz da revolução industrial e, posteriormente, da Primeira Grande Guerra, para frear a exploração do operariado, surgiram os direitos sociais, classificados como direito de segunda dimensão, que versam basicamente sobre o direito do trabalhador. São direitos sociais e econômicos para garantir uma vida digna ao trabalhador, dando-lhes, por exemplo, direito ao décimo terceiro salário, limites de horas para o trabalho, horário de descanso e almoço, férias remuneradas, previdência social, dentre outros. (BONAVIDES, 2000) Nesse aspecto, o que se pode perceber é que, diferentemente dos direitos de primeira dimensão, os direitos de segunda dimensão são o dever de fazer do Estado, ou seja, agora é um direito positivo, uma vez que o Estado não pode permanecer inerte sobre certos assuntos e deve regulamentar e garantir à sociedade uma melhor qualidade de vida. A segunda geração é identificada pelo estreitamento de um dever de ação, de modo que os direitos de igualdade são solucionados por uma prestação, em atendimento às necessidades sociais, econômicas ou culturais para a realização da vida em todas as suas potencialidades, por parte do Estado Social. (MORAES, 2014, p.545)

Os direitos fundamentais de segunda geração tiveram seu processo de positivações a partir do século XX, tendo a Constituição mexicana datada em 1917, em 04 de janeiro de 1918 foi a vez da antiga União Soviética promulgar a  Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado e por fim, com a Constituição de Weimar de 1919. DIREITO FUNDAMENTAL DE TERCEIRA GERAÇÃO Com as atrocidades observadas na Segunda Guerra Mundial, viu-se que faltava ao ser humano um sentimento de fraternidade e com isso surge a necessidade da tutela dos direitos relacionados ao ser humano enquanto um ser da coletividade. Mas não foi somente a Segunda Guerra que culminou a construção dos direitos de terceira dimensão, 7

também teve um papel fundamental a Terceira Revolução Industrial, que criaria a necessidade da tutela dos direitos da sociedade de massa. A Segunda Guerra foi um marco em vários aspectos, principalmente no que diz respeito a preocupação com as presentes e futuras gerações, importando na criação de direitos coletivos e difusos, principalmente no que se refere à paz, garantindo à todo ser humano o direito à vida, não possuindo nenhum critério discriminativo, ou seja, não sendo destinado a um individuo ou a um grupo específico. São direitos de todo ser humano, sem distinção de nenhuma origem. Como influência da última etapa da Revolução Industrial, novos direitos também surgem para, só que para tutelar a sociedade de massa. Com o advento da tecnologia e o consumismo vários aspectos negativos foram surgindo como, por exemplo, a falta de direitos que resguardem a parte mais fraca de uma relação econômica, o consumidor, outro problema foi o crescente consumo que acarretou em várias consequências negativas para o meio ambiente, dentre outros problemas (PINHO, 2002) Segundo Paulo Bonavides (2000, p.176) Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.

Algo precisava ser feito para que houvesse um controle sobre toda essa problemática. Surgiu assim os direitos de terceira dimensão que tutelam os interesses da sociedade de massa, são eles o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, sobre o patrimônio comum da humanidade e de comunicação, do consumidor, dentre outros. DIREITO FUNDAMENTAL DE QUARTA GERAÇÃO O direito de quarta dimensão corresponde às evoluções sociais, que estão em constante alteração. Por isso, é importante a construção de uma nova classe de direitos fundamentais, que são direitos que vão abranger um ambiente globalizado, evoluções genéticas, informatização. Ainda com o contributo do doutrinador Paulo Bonavides (2000, p.189) 8

A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma referência de valores. (...) Há, contudo, outra globalização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que interessa aos povos da periferia. Globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional. (...) A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social. É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infraestruturais, formam a pirâmide cujo ápice é o direito à democracia.

Esses direitos de quarta dimensão são correspondentes ao que conhecemos hoje como direito à Democracia, direito à informação, ao pluralismo político, liberdade sexual, dentre outros. Com esse direito observa-se que devemos nos ater à modernidade líquida conceituada por Bauman (2007), pois observa-se que a sociedade vive em constante mudança e construção e o direito deve acompanhá-la para tutelar direitos aos indivíduos quando for necessário. A NECESSIDADE DO SURGIMENTO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE QUINTA GERAÇÃO Os direitos fundamentais de quinta dimensão, surgem num período histórico onde há constante iminência de colapso entre Estados ou entre Estado e povo. Esta última dimensão aponta para conceitos e necessidades mais contemporâneas, contudo, remonta a ideia de reafirmar alguns direitos fundamentais já definidos em outras dimensões. (BONAVIDES, 2000) Segundo o Hans Kelsen, a paz é a privação da violência e deve ser garantida mundialmente aos povos por seus Estados e representantes. (KELSEN, 2011) Como não há anarquismo, não há ausência plena da força por parte dos Estados, que devem usá-la de forma a sancionar quando for necessária para reprimir violência anterior e assim reestabelecer a paz interna e externa. A primeira publicação deste livro, com o título original “Peace Through Law” de Hans Kelsen ocorreu no ano de 1944, ao final da segunda guerra mundial. Devido às 9

atrocidades vista neste cenário, o autor percebe a urgência para a solução das guerras e também evitar que novos conflitos ocorressem. Para solucionar a questão do conflito entre Estados Kelsen propõe duas soluções. Para que haja a paz, ele acredita que deve ser criado um órgão internacional, ou melhor, ele acredita que deve ser criado um Estado Federal Mundial, onde seria como nos EUA, tendo normas consuetudinárias de ordem geral, mas cada Estado continuaria a ter suas normas internas. As normas gerais serviriam apenas para manter a ordem e harmonia entre os Estados-membros. E a outra solução seria punir quem provocou o conflito. O Estado pode ser punido porque em tese age com dolo, pois apesar de não possuir funções psíquicas, age por meio de representantes e a estes deve recair a responsabilidade devido ao uso de suas intenções e o gozo de funções psicológicas. Kelsen acredita que, com a instituição deste Estado maior, deveria haver uma punição para governantes e Estados que provoquem, incitem ou iniciem guerras, pois estes agiriam com intenção, quebrando o tratado de paz mundial e colocando em risco os povos. Contudo, não devem ser punidos os responsáveis pela guerra justa, ou seja, quando um Estado se defende de um ataque anterior estaria fazendo a chamada “guerra justa”, sendo tolerada para evitar a continuidade de ataques pelo outro. Em sua obra Kelsen oferece dois caminhos para a criação do Estado Federal Mundial: através de tratados ou por formação natural. Um tratado internacional que regularia os Estados deveria ser criado para vincular todos ou a maioria dos países a adotarem a sua norma geral. Entretanto, estudiosos contrariam essa tese, pois acreditam que este tratado estaria ferindo a soberania dos Estados. Portanto, Kelsen nos apresenta outro caminho, onde o Estado Federal Mundial deve ser criado naturalmente como os demais, ou seja, pela imposição de um Estado mais

potente

sobre

outros.

Acredita-se

que

uma

potência

mundial

deve,

coercitivamente, criar o Estado de paz. Entretanto, mais uma vez é contrariado por outros estudiosos, pois nesse sistema a guerra seria certa, uma vez que ao ser estabelecido por meio de força, o Estado maior sofreria retaliações pelos menores, provocando lides. Portanto, o modo como seria estabelecida a instauração do Estado Federal Mundial para a manutenção da paz ainda deve passar por um longo processo analítico para encontrar uma solução mais adequada. 10

O ESTADO DE DIREITO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Com relação ao controle de convencionalidade das normas internacionais, conquistadas através de tratados, para autora Flávia Piovesan (2014) tal instituto ainda é um tema que deve ser mais explorado pelas constituições dos países que aderem esses tratados. Certos países não dão ao tratado um peso constitucionalmente relevante e acreditam que deva ser de aplicabilidade facultativa, ou seja, não deve ser algo obrigatório. Por outro lado, há outros países que consideram um tratado acima de uma lei, porém inferior à constituição, como é o caso do Brasil. (PIOVESAN, 2014). Desta forma, a cláusula de abertura dos tratados internacionais como na Constituição mexicana, por exemplo, é a mais ampla, pois explana desde a hierarquia dos tratados de direitos fundamentais, passando pela incorporação desses direitos e as regras interpretativas. Esse seria o ideal para todas as constituições, pois segundo o autor Sérgio Garcia Ramires, citado por Piovesan em seu discurso, quando o Estado ratifica a convenção interamericana de direitos humanos, deve cumpri-la de boa-fé e todo o Estado deve observar tanto a norma Constitucional, quanto a norma internacional. Ora, este é um pensamento coerente, uma vez que se um país acorda algo em uma convenção tem o dever de cumpri-la, caso contrário não deveria ter assinado o acordo. Voltando ao caso do controle de convencionalidade brasileiro, ao receber no ordenamento brasileiro um tratado internacional, este tem peso legal, estando equiparado a uma lei federal e somente após passar por uma discussão e votação, a última obedecendo aos mesmos requisitos de uma emenda constitucional, tem o valor equiparado à uma emenda a constituição. Ocorre que esse sistema hierárquico apresentado pela teoria piramidal de Kelsen, em que a norma anterior é o fundamento de validade de norma imediatamente superior está entrando em obsolescência uma vez que é um sistema fechado e impenetrável. (PIOVISAN, 2014) O que sugere Piovesan (2014) que seja alterada essa forma de encarar o ordenamento jurídico e que as normas tenham uma comunicabilidade, através de um trapézio poroso. No topo desse trapézio, segunda a autora, estaria horizontalmente equivalentes a constituição e os tratados internacionalmente firmados e com a porosidade as normas se comunicaria e seriam mais flexíveis. 11

As normas não devem ter um poder hierárquico vertical, como nos apresenta Kelsen. O que mais se adequa ao mundo contemporâneo é o funcionamento em rede das normas, pois nem sempre a hierarquicamente superior é a mais indicada, por exemplo, para povos do interior, para estes mais vale uma lei local, que condiz com suas necessidades, do que uma norma internacional que talvez não atenda seus anseios. Por fim, o controle de convencionalidade e o sistema de validade e aplicação das normas devem passar por uma reforma para melhor se adequar as mudanças sociais que, de fato, ocorrem constantemente ao longo do tempo. CONSIDERAÇÕES FINAIS É dever do Estado de Direito estabelecer regras abrangendo essas dimensões. Na Constituição Federal brasileira podemos observar todas as dimensões de direito fundamental que devem ser seguidas e implementadas pelo Estado. Ademais, os direitos fundamentais são inclusivos, admitem serem acrescidos, jamais suprimidos, a vedação ao não retrocesso justifica revisitarmos sempre sua origem histórica e desenvolvimento, e reafirmamos enquanto patrimônio humano de todas as gerações. Contudo, deve se ater para o perigo ao exagero e disparidade pelos órgãos julgadores na utilização do instituto controle de convencionadalide para que não haja interpretações casuísticas e pontuais, desnaturalizando a generalidade dos preceitos fundamentais, notadamente a que todos são iguais perante a lei.

12

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, ZYGMUNT. Tempos Líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2000. BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. Vol. II. Tradução Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Machado e Leonel Vallandro. 2ª Ed. Editora Globo. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, 2009. Disponível em: . Acesso em: 05 de Nov. 2016. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral Fundamentais. 5ª Ed., ver., atual. ampl.- São Paulo: Atlas, 2014.

dos

Direitos

Jurisdição constitucional: A efetivação dos direito humanos – Direitos Humanos e Diálogos Jurisdicionais - Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região; Palestrante PIOVESAN, Flávia - Porto Alegre, 19/08/2014. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=gH_z5D0mf5M> KELSEN, Hans. A paz pelo direito. Tradução: Lenita Ananias Nascimento.- São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 6º Ed. São Paulo: Atlas, 2014. PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. Vol. 17, 3ª Ed. rev.- São Paulo: Saraiva, 2002.

13

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.