As Dinâmicas de Crise: O Modelo de David Switzer

July 9, 2017 | Autor: James Farris | Categoria: Ciencias Da Religião
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AS DINÂMICAS DE CRISES: O MODELO DE DAVID SWITZER.

A contribuição nítida de David Switzer ao estudo da relação entre a
crise, como modelo psicológico, e a pastoral, como perspectiva religiosa -
espiritual, é o entendimento de crises como uma jornada espiritual. Para
Switzer, qualquer crise representa mais que um desafio prático,
psicológico, ou emocional. Switzer incorpora o entendimento do teólogo
Carl Michaelson, que propõe que crises são "situações cruciais" que tocam
três níveis da existência, ou da consciência, humana. Uma "situação
crítica" é um momento, ou processo, que requer, ou exige, uma decisão
fundamental sobre nosso ser, nossa identidade, ou nossa cosmovisão. Os
três níveis tocados são: 1) As necessidades básicas da pessoa - físicas,
emocionais, espirituais e de relações; 2) A definição pessoal. Quem sou
eu? E; 3) As questões de significado último. Existe Deus? O universo tem
sentido? Sou finito! O que significa minha vida e minha finitude? O que
é de valor na minha vida? O que é de valor na vida?
Assim, crises são eventos, ou processos emocionais, psicológicos e
espirituais, mas fundamentalmente espirituais. O desenvolvimento de
crises, também é uma jornada espiritual que começa com a confusão e a
dúvida, passa por uma variedade enorme de reações emocionais e que podem ou
gera a nova integração espiritual - emocional - psicológica ou resulta em
maior fragmentação e confusão. Na perspectiva de Switzer, a
espiritualidade está ligada intimamente com nossa personalidade e nosso
estado psicológico - emocional, mas não está identificada com estes
elementos. A espiritualidade, como no pensamento de Viktor Frankl, vai
além destes processos e fornece a base integrante do ser humano. Neste
sentido, a espiritualidade é o fundamento que fornece o apoio, ou a base da
estrutura psíquica da pessoa. Switzer refere-se a Paul Tillich em termos
de entender a espiritualidade da pessoa. Todos têm algum tipo de
espiritualidade. As espiritualidades fundadas em "preocupações últimas" no
infinito, em Deus, ou em alguma filosofia abrangente de vida têm maior
possibilidades de ajudar a pessoa a entender, enfrentar e superar as
crises. As espiritualidades fundadas em "preocupações últimas" com centros
do ser finito, ou transitório, tais como o poder, o sucesso, ou a
popularidade têm menor possibilidade de ajudar a pessoa a entender,
enfrentar e superar as crises.
Switzer integra mais diretamente do que Howard Clinebell, os recursos
da comunidade de fé, a Igreja por exemplo, na superação de crises. A
liturgia, a música, as orações, os grupos de apoio, a presença pastoral e a
Bíblia são fundamentais no processo de lidar com as crises. Estes
recursos, junto com o apoio da família, da comunidade e da ajuda
psicológica, formam a rede de ajuda necessária para enfrentar as crises da
vida.
Uma limitação da perspectiva de Switzer é que o modelo ainda é
bastante individualista. Ele não inclui uma discussão bem elaborada de
crises institucionais e culturais. Neste sentido, Clinebell tem uma
perspectiva mais abrangente que reconhece a interação entre crises
individuais e sistêmicas. Uma contribuição bastante interessante de
Clinebell é que até as instituições, a Igreja por exemplo, passam pelas
crises evolutivas e específicas.
Segundo David Switzer[1], os seis estágios da conduta nas crises são:
Choque - este período reflete a confusão e a indecisão que marca o começo
de uma crise. Este estágio é mais reativo do que ativo durante o qual o
equilíbrio da pessoa pode ficar temporariamente oprimido. Este período
pode continuar durante até aproximadamente duas semanas, dependendo da
natureza e da intensidade da crise.
Entorpecente - conquanto esteja relacionado com o choque este estágio é
mais ativo no sentido de que a pessoa ao mesmo tempo atenta e ativamente
nega a realidade trazida pela crise. Esta entorpecência pode assumir uma
forma de passividade, uma inabilidade de agir ou tomar decisões, ou ser
mais ativa no sentido de beber, trabalhar ou preocupar-se excessivamente
como um meio de não trabalhar com a crise ou a perda. Num sentido mais
positivo este é o tempo de agarrar-se a uma situação. O que distingue está
fase de choque é que o nível de atividade da pessoa. Contudo, enquanto
mais ativo a pessoa não está lidando diretamente com a situação. Também, a
pessoa freqüentemente experimenta emoções fortes e variáveis.
Fantasia\Realidade - Nesta fase a pessoa ou a família esforça-se para
separar a fantasia da realidade. Este é o estágio de decidir o que é e o
que não é possível ou real. A pessoa ou a família pode imaginar o que
poderia ser, no melhor das hipóteses, avaliar as possibilidades e tentar
julgar o que é real. Este é o estágio de avaliação quando a pessoa emerge
lentamente do choque inicial e entorpecente. Não é rara a aparência de
sentimentos fortes e altos níveis de autocontrole neste estágio.
Freqüentemente a pessoa vacila entre tempos de experimentar emoções fortes
e em seguida autocontrole e rigidez emocional.
Luto - Neste estágio, a realidade da perda ou perdas é confrontada da
maneira mais realista possível. Este estágio, como nos modelos prévios, é
freqüentemente um tempo de intenso tumulto e emoções quando a perda é
abraçada e a pessoa ou a família aceita a realidade da situação. Neste
estágio a pessoa, ou a família, pode entrar num estado de caos emocional e
vivencial. O grau deste caos vai depender do poder das emoções
experimentadas, os recursos emocionais e práticos da pessoa e sua percepção
da crise. Também, cada pessoa, grupo e família experimentam e expressam
seus sentimentos em maneiras diferentes.
Dor e Memória Seletiva - Este tempo é uma mistura de sentimentos intensivos
com complexas decisões sobre a perda, ou a crise, e como a pessoa vai
entender, ou interpretar a experiência. A memória seletiva é um caminho de
recordações, tanto boas, quanto más. Lembrando-se apenas do bem a pessoa
idealiza a perda. Lembrando-se apenas do mal a pessoa rejeita a perda como
não tendo grande importância. A memória seletiva, neste contexto, é um
meio de gerenciar ou controlar a dor da crise. Nesta fase a pessoa está
geralmente saindo do caos do estágio anterior e experimentando seus
sentimentos numa maneira mais realista e imediata. A dor é genuinamente
dor e não está sendo experimentada como pânico, medo, ira ou confusão. Ele
ou ela está literalmente experimentando memórias e sentimentos como uma
maneira de avaliar o presente, entender o passado e tentar imaginar o
futuro.
Aceitação e Afirmação da Vida - Se todos os estágios acima foram
completados com um nível relativo de integridade, a pessoa ou a família
podem começar a aceitar a realidade da perda, da crise, e interpretar a
situação de um modo criativo e afirmar o valor profundo da vida. Aceitação
e afirmação da vida é sempre um estado relativo. Isto não significa paz,
tranqüilidade e atualização da pessoa ou da família. A aceitação significa
a afirmação da realidade do evento e suas conseqüências, um entendimento
das limitações da pessoa ou da família e o reconhecimento que vida nunca
pode se virar como era.

Em geral, o processo de uma crise é um processo de Negação ou Choque
na direção de Reorganização ou Adaptação. Esta reorganização, ou adaptação
não é uma volta para o estado anterior da crise. Uma fantasia freqüente no
meio de uma crise é que a pessoa pode voltar ao 'normal' com esta
normalidade entendida como a volta ao estado antes da crise. Uma das
mudanças mais difíceis a ser aceita é que a pessoa, ou a família não pode
voltar à situação, ou ao estado anterior. Crises mudam as circunstâncias
da vida como tal a nossa percepção da vida. Por isso, uma crise não é
simplesmente uma mudança em nossas circunstâncias da vida. Crises mudam
nossas percepções da vida e de nos mesmos.
Uma morte, um divórcio, aposentadoria, a ser despedido, um acidente
ou uma doença grave têm o poder de mudar a cosmovisão de uma pessoa, uma
família ou uma comunidade. Com certeza, todas as mortes, divórcios,
acidentes ou doença não têm este poder ou este significado. O poder do
evento dentro da vida da pessoa, da família ou da comunidade vai
influenciar a percepção do evento. Por isso, intervenções nestas situações
requerem um entendimento da situação dentro da perspectiva da pessoa, da
família ou da comunidade e uma suspensão dos preconceitos, ou as
expectativas, do agente pastoral envolvido.

ESTADO PSICOLÓGICO ESTADO ESPIRITUAL \ PASTORAL

CHOQUE...........................................Profundo conhecimento de
nossa finitude, fragilidade e sensação de vazio diante da perda \ crise.
Nossa reação natural quando uma crise revela os mistérios da vida e da
morte. A reação inicial de pessoas que experimentam o Sagrado. Recurso
Pastoral - Imagem de Moisés e o povo de Israel perdidos no deserto e a
incerteza do caminho a seguir.

ENTORPECENTE...........................Uma profunda sensação de futilidade
quando vemos claramente nossas limitações \ impotência \ pecabilidade
diante da vida e da morte (A consciência de que nós não somos Deus). Este
sentimento de futilidade resulta numa rendição a passividade ou num retorno
desesperado aos pequenos deuses que criamos (trabalho, álcool, religião,
sucesso, poder, etc.) Recurso Pastoral - Isaías 6,5. Isaías encarando a
Deus como uma pessoa de lábios impuros em meio a um povo de lábios impuros
e entrando em desespero.

FANTASIA \ REALIDADE.............A decisão, quer de viver em nossos
próprios termos, como pequenos deuses em nossos pequenos mundos, ou com a
realidade da criação (incluindo os prejuízos que temos causado a ela -
nossos pecados). A descoberta de quando, onde e como podemos confiar em
nosso próprio julgamento e quando e onde nós devemos voltar nossa vida para
realidades maiores. A escolha de ver a vida exclusivamente através dos
nossos próprios olhos ou ego ou através dos olhos de uma fé ou perspectiva
religiosa. A reavaliação de nossa fé, cosmovisão, perspectiva religiosa,
filosofia da vida ou teologia. Recurso Pastoral - Rute 1, 16-18. Decisão
a respeito de quem nós somos, quem povo é e quem é nosso Deus.

LUTO.........................................A aceitação da presença e
potência dos sentimentos (nossa humanidade) como nós aprofundamos a
experiência do mistério da criação e nossa própria vulnerabilidade. A
exploração do que isto significa para ser integralmente humano numa relação
dinâmica com a criação. Recurso Pastoral - Salmo 137. ''Às margens dos
rios da Babilônia nós sentamos e choramos com saudades de Sião.'' Dor e
memórias. Freqüentemente memórias idealizadas, mas ainda memórias.


ACEITAÇÃO E AFIRMAÇÃO DA VIDA...........................Encarando o
''Mysterium Tremendum''.[2] Um entendimento maior e mais abrangente do
Sagrado como uma experiência encaixada na totalidade da vida e a rejeição
de pequenos deuses ou respostas culturais reducionistas. Comemorar a vida
como valiosa em si mesmo, incluindo a presença de perda, dor, sofrimento e
incerteza. A rejeição de verdades pré-formuladas e a aceitação da tarefa,
e da responsabilidade, de buscar o Sagrado dentro de si e sua experiência.
Recurso Pastoral - Salmo 23.

Tal modelo permite a integração dos recursos psicológicos com
perspectivas espirituais e teológicos de maneira que reconheça a
contribuição de ambas. Técnicas psicológicas são importantes, mas sem um
profundo reconhecimento das realidades espirituais, ou a exploração de
questões de maior significado, um modelo pastoral está perdido. O perigo
de usar apenas a psicologia é que ela freqüentemente só reconhece a
importância de comportamentos imediatos sem admitir as verdades profundas e
as questões relacionadas a este comportamento. O perigo de usar apenas
recursos pastorais é a ameaça de citar escrituras, ou encorajar a pessoa a
orar, sem reconhecer que a pessoa total, corpo, mente, alma e
relacionamentos, estão passando por um período de transformação e ameaça
profunda.


Dr. James Farris
UMESP
2008
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[1] David Switzer. The Minister as Crisis Counselor. Nashville, Abingdon,
1974.
[2] Rudolph Otto. The Idea of the Holy, London, Oxford University Press,
1923.
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