As elites passo-fundenses e sua relação com o poder após a Proclamação da República (1889-1893)

July 1, 2017 | Autor: C. Miglioranza | Categoria: História e Imprensa
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AS ELITES PASSO-FUNDENSES E SUA RELAÇÃO COM O PODER APÓS A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA: 1889 - 1893

Cristiane Miglioranza1

Resumo Este trabalho tem por objetivo fazer uma análise das elites passo-fundenses na época da proclamação da República. Para tanto, próceres dos dois partidos que vigoravam na época no município e no estado – o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e o Partido Liberal (PL), logo depois Partido Federalista (PRF) – terão suas biografias cruzadas, bem como sua vida pública e política examinadas para trazer à tona semelhanças entre eles, suas relações com o poder e seu poder de mando. Palavras-chave: elites, política, influência.

Breve preâmbulo sobre as elites e a busca pelo poder

O conhecimento das elites envolvidas na vida política de determinados locais é uma maneira interessante de proceder a pesquisa histórica, relativamente nova em análises realizadas dentro do campo que se convencionou chamar de “Nova História Política” 2. A relação entre as esferas pública e privada e seu reflexo dentro do exercício da influência é reveladora no sentido que traz à tona detalhes antes revelados apenas nas entrelinhas da história, como a importância das relações de parentesco entre líderes, suas formações profissionais, engajamentos em causas diversas e seus reflexos no modo de viver e de participar socialmente de uma época. Esta abordagem foi utilizada por Joseph Love em seu estudo das elites políticas brasileiras através da comparação entre grupos que exerceram empregos políticos no país no 1

Jornalista, formada em Comunicação Social pela Universidade de Passo Fundo (UPF), especialista em Gestão de Processos de Comunicação pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijuí), e mestranda em História pela UPF. E-mail: [email protected] 2 O historiador francês Jacques Julliard afirma que só existe história contemporânea enquanto política, e por esta forma de historiar ele define a colocação, por parte do pesquisador, de problemas de decisão. Uma história que tem necessidade de uma problematização sistemática, voltada a entender as estruturas e esferas de poder, seu funcionamento e influência sobre uma sociedade. É neste sentido que o conceito é trabalhado no presente artigo. Ver JULLIARD, Jacques. A política. In LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (orgs.). História, novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

período entre a proclamação da República e o golpe do Estado Novo. A metodologia desenvolvida por ele levou em conta o conceito de elite política baseado em um critério de posição, e não de reputação ou participação no processo de tomada de decisão, entrelaçando o grupo de pessoas englobadas pelo parâmetro assim determinado, o exercício de cargos políticos pelas mesmas, seu grau de educação e existência de ligações interestaduais, participação em negócios comuns ou ligação por laços de parentesco, entre outras variáveis. Já Sérgio Miceli, em seu “Carne e osso da elite política brasileira pós-30”, preferiu interpretar as relações entre dois setores partidários concorrentes – no caso, o Partido Social Democrático (PSD) e a União Democrática Nacional (UDN) – com o objetivo de, através do levantamento das características econômicas e sociais dos grupos dominantes de políticos profissionais surgidos nos anos 1930-1940, qualificar os mandatos de representação e detectar clivagens de interesse de que tomaram parte estes líderes, tendo sempre em mente que a questão de classe pesa para entender a realidade política de um período. Ambas as abordagens são válidas e conclusivas em muitos aspectos. Love considera que um de seus principais objetivos foi alcançado com o trabalho, e desta forma foram esclarecidas as condições sociais que influenciam na montagem de alianças entre setores atachados ao governo. Miceli transcreve as entrelinhas de uma forma simples, clareando a visão do leitor sobre o funcionamento da máquina estatal, sua relação com as elites e destas com o poder. Tendo como parâmetro estes dois trabalhos, e ainda ousando inovar uma metodologia própria – como fizeram os dois autores –, o presente artigo tem como objetivo lançar um olhar sobre a vida política e social de Passo Fundo desde a proclamação da República em 1889 até o ano de 1893, início da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul3. Para tanto, seguindo a linha prosopopéica, a pesquisa tem por intenção esmiuçar as relações dos líderes do então recém-fundado Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) na cidade com seus opositores políticos do Partido Liberal (PL), logo depois reorganizado como Partido Republicano Federalista (PRF). Como representantes republicanos recebem destaque Gervásio Lucas Annes, chefe político do PRR local; Francisco Marques Xavier, o coronel Chicuta; Antônio D’Araújo, Lucas D’Araújo, Gasparino Lucas Annes e Gezerino Annes. Em relação aos liberais, logo depois federalistas, a lista é menor, pois se deve levar em conta que muitos dos

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A Revolução Federalista foi um episódio da história do Rio Grande do Sul ocorrido de 1893 a 1895, quando Júlio de Castilhos, que havia sido afastado em 1891 do poder do Estado pelos integrantes da oposição, pertencentes ao Partido Republicano Federal (PRF), retorna ao poder com o apoio dos militares em 1892. Com idéias parlamentares, os federalistas opuseram-se em plano local a Castilhos e, em âmbito nacional, ao governo de Floriano Peixoto. Durante o conflito foram travadas sangrentas batalhas, entre elas a do Pulador, em Passo Fundo.

pertencentes ao rol republicano eram ex-liberais, que entraram em dissidência com o chefe do partido, Antônio Ferreira Prestes Guimarães, partindo para as fileiras da nova causa em ebulição. Ainda dentro da esfera PL/PRF serão analisadas as biografias de Amâncio de Oliveira Cardoso e Jorge Sturm Filho. A escolha dos líderes se deu através da análise historiográfica de obras sobre o período, escritas não apenas por passo-fundenses, mas também por estudiosos do Império e da 1ª República no estado. Todas elas são unânimes em descrever Gervásio e Prestes como pontas bipolares da organização política no município. A metodologia desenvolvida para a análise prevê a divisão da atuação dos pesquisados e de suas relações dentro de “círculos”. No caso dos líderes do PRR, estes círculos serão da seguinte forma expostos: redatores do semanário local republicano “O Echo da Verdade”, profissões desempenhadas, participação no clube literário “Amor à Instrução”, estrutura partidária, cargos políticos e relações de parentesco e consangüinidade. Em relação aos liberais/federalistas, será levada em consideração sua posição na estrutura partidária, cargos políticos ocupados, laços de parentesco e consangüinidade e vida profissional. No período determinado como recorte não existe no município nenhuma imprensa federalista, tampouco agremiação social abertamente favorável ao partido, como é o caso dos republicanos.

De conservadores a vanguardistas: o PRR como continuidade da dualidade local O “novo republicanismo” 4 na vila de Passo Fundo é tardio se comparado ao resto do país. Após o Manifesto Republicano de 1870, os novos ideais só começaram a aparecer em âmbito local, de forma não muito expressiva, por volta de 1880, com os então denominados “tocos de vela”, grupo republicano formado por jovens idealistas alunos de Eduardo de Brito. É apenas em 1889 que se institui o PRR na vila. Conforme o historiador Antonino Xavier de Oliveira, após a queda do ministério conservador em junho de 1889, com a instituição do Gabinete Ouro Preto, os conservadores locais, que não eram muitos, mas tinham relevo social, interpretaram a mudança como despedida do conselheiro João Alfredo do ministério pelo Trono. Em protesto, abandonaram a política imperial, aderindo às idéias que pregavam uma nova forma de governo, a República. O então chefe conservador, Gervásio Lucas Annes, passou a chefe republicano. O novo partido contava com os “tocos”, alguns poucos exconservadores e uma maioria de dissidentes liberais, que entraram em divergência, mais 4

Se levarmos em consideração os ideais republicanos suscitados pós-Revolução Farroupilha (1935-1945).

pessoal do que política, com o chefe liberal, o então major Prestes Guimarães (este é o caso de Cândido Lopes, que abandona a política, mas apóia os republicanos; do major Lucas D’Araújo e do coronel Chicuta). Desfalcados, mas ainda com maioria eleitoral, os liberais seguiram no governo da vila, sendo Prestes nomeado em 1889 um dos vice-presidentes da província, assumindo efetivamente o cargo de presidente de 25 de junho a 8 de julho do mesmo ano. Com a notícia da proclamação da República chegando a Passo Fundo via telégrafo no dia 16 de novembro, e de forma lacônica, era natural que a veracidade sobre a informação da mudança de regime fosse questionada e vista com dúvidas. Entretanto, o mesmo Antonino relata que, uma vez verificada a autenticidade da mensagem, os liberais a aceitaram sem contestações. Em 22 de dezembro o governador provisório do Rio Grande do Sul, Visconde de Pelotas, dissolveu as Câmaras Municipais, nomeando juntas para substituí-las. Em Passo Fundo, a função foi destinada aos republicanos José Pinto de Morais, Gabriel Bastos e Jerônimo Lucas Annes, irmão de Gervásio. Conforme a biografia de Prestes Guimarães desenvolvida por Mariluci Ferreira, data de 1891, na vila, o lançamento de um novo partido oposicionista ao Republicano, nos moldes da nova organização da política brasileira pós-Império. O Partido Republicano Federal (PRF) congregava a União Nacional, dos ex-liberais, com dissidentes do jovem PRR. Era encabeçado pelo ex-liberal Gaspar Silveira Martins e a ele aderiram liberais de Passo Fundo e região. A autora ainda é quem relata que, dois anos antes de estourar a Revolução Federalista de 1893, já haviam iniciado em Passo Fundo enfrentamentos entre republicanos e federalistas, culminando em junho de 1892, com o assassinato do coronel Chicuta, ex-liberal dissidente, novo republicano. A tradição oral credita a autoria intelectual como sendo de responsabilidade de Prestes Guimarães, e o crime como executado por seu genro, Roberto D’Aguillar, e por seu cunhado, Jorge Sturm Filho. Em sua defesa, o então major e chefe federalista, general da revolução, afirma em obra póstuma que a morte de Chicuta só ocorreu porque o coronel havia se envolvido em arruaça após receber um telegrama dos chefes do PRR de Porto Alegre, informando a volta do partido ao poder do Estado em 17 de junho de 1892. Júlio de Castilhos havia sido deposto após a derrubada de Deodoro do poder central em 1891, tendo início o “governicho”, fase que teve fim com o retorno da legalidade em 1882. Durante o governicho, Prestes e os federalistas reassumiram o controle da cidade. Foram nomeados pelo Visconde Pelotas por decreto datado de 1º de março de 1892 os federalistas Amâncio de Oliveira Cardoso, Prestes Guimarães, João Issler, Crispim José de Quadros e Jerônimo da Costa e Silva. Com o restabelecimento de Castilhos e a morte de

Chicuta, o clima tornou-se pesado. Muitos federalistas desertaram da cidade, prevendo uma retaliação republicana. No dia 26 de junho de 1892, o major Prestes Guimarães e demais membros da comissão renunciam ao governo, entregando-o a uma junta mista de republicanos e federalistas. É dele a descrição sobre o pós-governicho na cidade:

“Dissolvida a força popular em Passo Fundo, Soledade e Palmeira também dissolveram. Começou o domínio dos republicanos. Podiam governar pacificamente. Não o quiseram. Preferiram o regime do terror, já por eles ensaiado com o uso da palmatória e outras violências, desenvolvendo esse regime em proporções assombrosas. Iniciou-o um jovem de boa família, porém pouco criterioso, e ainda menos republicano, conhecido pelo nome de Antônio D’Araújo. Em vez de autoridade policial, foi um pequeno tirano. Instauraram os situacionistas processos por vinganças mesquinhas, perseguiram os contrários; realizavam dezenas de prisões injustas e arbitrárias nos melhores cidadãos, atirando-os em imundos cubículos, pondo alguns em quatro estacas, a todos torturando, e só lhes concedendo liberdade, salvo raras exceções, mediante a somas de dinheiro, ou documentos a breve prazo” 5.

Prestes começou a organizar a revolta dos federalistas, indo após a volta de seus oponentes no comando de Passo Fundo para Nonoai, fugindo logo em seguida para Curitiba e Palmas, no Paraná. Este era o clima pré-Revolução Federalista.

Os próceres da bipolaridade

Segue-se uma breve biografia dos líderes estudados dos dois partidos em questão (Partido Liberal/PRF e PRR) de seu nascimento até 1893, além de verbetes sobre jornais e o clube “Amor à Instrução”:

Partido Republicano Rio-Grandense (PRR):

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GUIMARÃES, Antônio Ferreira Prestes. A Revolução Federalista em Cima da Serra – 1892-1895. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987, p. 18.

Gervásio Lucas Annes - Nasceu em Cruz Alta em 12 de abril de 1853. O futuro coronel, advogado e jornalista mudou-se para Passo Fundo aos 17 anos, sendo, segundo Welci Nascimento e Santina Dal Paz, nomeado escrivão da Coletoria Estadual. No município, ocupou cargos de destaque e importância política no Executivo, foi presidente do Hospital da Cidade, advogado e comerciante. Desde sua vinda a Passo Fundo esteve ligado à atividade de militância, em princípio dentro do Partido Conservador, tendo como rival Prestes Guimarães, chefe do Partido Liberal, depois como chefe do PRR local. Com a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, Gervásio Annes passou a ser o primeiro chefe republicano em Passo Fundo, sendo nomeado promotor público no mesmo ano. Em 1893 ele tomou parte na Revolução Federalista como chefe dos legalistas, participando do Combate do Boqueirão no mesmo ano e vindo a ser ferido no ano seguinte. Foi com Gervásio Annes, em 24 de abril de 1890, que surgiu o que é considerado o primeiro jornal passo-fundense: o semanário republicano “O Echo da Verdade”. Gasparino Lucas Annes – Irmão de Gervásio e Gezerino Annes, era genro do líder dissidente liberal Cândido Lopes de Oliveira. Nascido em Cruz Alta em 6 de agosto de 1860, foi advogado e jornalista, militante do PRR, além de presidente do clube “Amor à Instrução”. Assumiu o cargo de promotor público de Passo Fundo em 24 de fevereiro de 1890. Após transferir-se para Lagoa Vermelha, morreu de tifo aos 33 anos, em 5 de abril de 1894. Gezerino Lucas Annes – Também nascido em Cruz Alta, na data de 4 de julho de 1856. Médico homeopata e farmacêutico da vila, foi militante do PRR, cronista do “Echo da Verdade” e colaborador ativo do jornal do clube “Amor à Instrução”, o semanário “A Violeta”. Em 1888 foi nomeado tabelião em Passo Fundo. Francisco Marques Xavier Chicuta – Natural de São Luiz, nos campos gerais da comarca de Curitiba, nasceu em 9 de outubro de 1836. Aos sete anos, em outubro de 1852, veio morar em Passo Fundo com sua família. Seguiu carreira militar, sendo nomeado alferes em 11 de outubro de 1864, ascendendo a tenente-quartel-mestre no 5º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional da comarca. Participou da Guerra do Paraguai, sendo promovido em 22 de junho de 1860 a major do Exército e em 5 de março de 1893 a tenente-coronel. Lucas José D’Araújo – Dissidente liberal do “primeiro racha”, um dos mais antigos republicanos na cidade. Foi veterano da Guerra do Paraguai e comerciante. Alcançou, na carreira militar, o posto de tenente-coronel. Foi fundador e líder do PRR local, “toco de vela”, membro do Conselho Municipal de 1891 a 1892 e de 1892 a 1893, além de presidente do mesmo conselho em agosto de 1893. Nasceu em 24 de agosto de 1842, em Passo Fundo.

Antônio Manoel D’Araújo – Irmão de Lucas, foi redator e colaborador do “Echo da Verdade”, membro do Clube “Amor à Instrução” e redator de “A Violeta”. Nomeado delegado de polícia em 1892, era conhecido pela truculência no exercício do cargo. Integrante da Guarda Republicana Passo-Fundense, a “treme terra”. Também ostentava a patente de tenente-coronel.

Jornais e clube social republicanos: Echo da Verdade – Primeiro jornal da vila, fundado em 24 de abril de 1890, tendo como diretor Gervásio Lucas Annes e como gerente Manoel Francisco de Oliveira. De periodicidade semanal, era órgão oficial do PRR, mas também trazia notícias e “reclames”. Dura até novembro de 1891, passando a se chamar “17 de Junho”. Clube Literário Amor à Instrução – Fundado em 1883, logo angaria apoio dos mais influentes republicanos na cidade. Teve como presidente Gasparino Lucas Annes. Contou com 120 sócios do sexo masculino, mais algumas esposas e filhas destes. A Violeta – Jornal do clube literário, era impresso nas oficinas do Echo. Tinha como redator principal Antônio Manoel D’Araújo.

Partido Republicano Federalista (PRF): Antônio Ferreira Prestes Guimarães – Passo-fundense, nascido em 13 de junho de 1837, neto do capitão Manoel José das Neves, chefe da primeira família a chegar a Passo Fundo, em 1827. Foi secretário do comando da Guarda Nacional em 1864, suplente de delegado de polícia em 1865, suplente do juiz municipal e nomeado capitão da Guarda Nacional no período de 1870-1873, secretário da Câmara Municipal em 1874, presidente da mesma casa em 1883-1886, deputado eleito para a Assembléia Legislativa Provincial em 1885, 1887 e 1889, e vice-presidente da província em 1889, sendo Gaspar Silveira Martins o presidente. Em 25 de junho assumiu a presidência do Rio Grande, permanecendo no cargo até 8 de julho de 1889. Conforme Welci Nascimento e Santina Dal Paz, participou da deposição de Júlio de Castilhos em 1891, ocupando a cidade de Passo Fundo. Era professor e rábula, líder liberal e fundador do PRF local.

Amâncio de Oliveira Cardoso – Militar, com a patente de tenente-coronel. Era integrante do Partido Liberal, continuando sua militância dentro do PRF. Foi presidente da Comissão Governativa do município de 1º de março de 1892 a 17 de junho do mesmo ano. Antes disso, foi membro da Câmara de 7 de janeiro de 1883 a 7 de janeiro de 1887. Jorge Sturm Filho – Cunhado de Prestes Guimarães, foi membro da Câmara de 7 de janeiro de 1881 a 7 de janeiro de 1883. Foi acusado de, juntamente com o genro do líder federalista, Roberto D’Aguillar, a mando de Prestes, ter assassinado o coronel Chicuta.

Conexões e redes de poder: considerações finais

Toda a literatura estudada, memorialista ou acadêmica, sobre a história de Passo Fundo deixa clara a bipolaridade encabeçada numa ponta por Gervásio Annes e os republicanos e por Prestes Guimarães e os federalistas na outra. Sérgio Franco, biógrafo de Júlio de Castilhos, cita em seu trabalho a lealdade do cruz-altense radicado em Passo Fundo ao chefe republicano no Estado, e os benefícios que esta subserviência trouxe para os envolvidos. Exemplo disso é a elevação da vila de Passo Fundo ao status de município em 10 de abril de 1891. O ato nº. 258, assinado pelo governador Fernando Abbot, foi considerado como uma homenagem ao coronel que tantos serviços prestou ao Estado e à causa republicana, sendo 10 de abril a data de seu aniversário. Prestes Guimarães, por sua influência, ocupou o cargo de vice-presidente da província, vindo a ser presidente por um curto período. Ambos os líderes ocuparam cadeiras na Assembléia Legislativa e foram decisivos com seus destacamentos e exércitos durante a Revolução Federalista, com grande parte dos mais importantes combates travados em Passo Fundo e adjacências. Os Annes, vindo do que era considerado o “município mãe”, ou seja, Cruz Alta, construíram em torno de si, por lealdade, parentesco e casamento, uma rede de partidários fiéis. Deve-se considerar que Passo Fundo, na época, era uma cidade com cerca de 20 mil pessoas, contando com o interior e muitos municípios e paróquias que na época compunham o mapa da cidade. Na sede era desenvolvida a política da cidade. Era natural que as redes de influência se desenvolvessem de forma familiar entre campo e cidade, com o poder desempenhado por irmãos, primos e cunhados, sempre desempenhando os cargos políticos mais importantes, estes em detrimento do partido no poder. Ainda sobre Prestes cabe ressaltar novamente sua descendência “mítica”: filho dos primeiros habitantes de Passo Fundo, tinha sobre si toda a aura de desbravador e passofundense nato vinda de seu avô, o cabo Neves. Seu carisma como chefe é descrito pela maioria dos autores, mas as entrelinhas deixam a entender que os traços fortes de sua personalidade, além de serem um elemento agregador político, também foram motivos de dois rachas internos no Partido Liberal, um deles gerando acréscimo entre as fileiras republicanas de nomes como Chicuta, Lucas e Antônio D’Araújo e Cândido Lopes de Oliveira, mesmo que como eminência parda. No que toca à profissão da elite estudada, a maioria era formada por militares participantes da Guerra do Paraguai, sendo que as profissões liberais, como médico e advogados, seguem em segunda posição (Gervásio e Prestes eram os dois advogados com

banca no município, mesmo sendo o último um prático ou rábula, o que era mais lenha na fogueira para os deboches via imprensa feitos pelos republicanos). Muitos deles eram também comerciantes, outros proprietários de terras. Em relação ao exercício da influência via imprensa e sociedade, no que concerne ao clube “Amor à Instrução”, nota-se que a agremiação funcionou mais como um ponto de encontro para debates entre a executiva do PRR e seus correligionários. Sob a égide da cultura, o clube teria mesmo funcionado como braço ideológico, cedendo espaço em seu prédio para a Guarda Republicana e para a sede do partido. Sobre A Violeta, infelizmente não se pode fazer afirmações, pois a linha editorial do periódico, do qual não se encontra mais exemplares, é ignorada. No caso do Echo, o objetivo era propagandear a República, fortalecer o PRR local e regionalmente e atacar o Partido Federalista e seus líderes através de sátiras assinadas por pseudônimos. O que se pôde constatar é que, mesmo a bipolaridade sendo estruturalmente partidária, o que sustentava as rivalidades era a força pessoal dos líderes de cada partido (carisma), sendo que a concepção dos militantes era mais a de lealdade a uma ou outra liderança do que aos ideais de cada bandeira em si. Ambas as facções chamavam para si, na República, o ideal farrapo de uma república com independência dos estados do poder central. Republicanos e federalistas utilizaram o imaginário farrapo para justificarem suas causas e também sua luta pelo poder. No Império, clamaram a legitimidade de representação perante o soberano. A velha luta pelo poder.

Bibliografia utilizada

FERREIRA, Mariluci Mello. A trajetória política de Prestes Guimarães. Cadernos temáticos de Cultura e História. Passo Fundo: Ediupf e CPH/RS, 1998. FRANCO, Sérgio da Costa. Júlio de Castilhos e sua época. 2ª ed. Porto Alegre: UFRGS, 1988. GEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo através do tempo – Histórico e administrativo. 1º vol. Passo Fundo: Multigraf, 1978. GEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo através do tempo – Fatos, usos, costumes e valores. 2º vol. Passo Fundo: Diário da Manhã Gráfica e Editora, 1982. GEHM, Delma Rosendo. Passo Fundo através do tempo – Enfoques gerais. 3º vol. Passo Fundo: Prefeitura Municipal/Sub-Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul, 1982. GUIMARÃES, Antônio Ferreira Prestes. A Revolução Federalista em Cima da Serra – 1892-1895. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987. JULLIARD, Jacques. A política. In LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (orgs.). História, novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. LOVE, Joseph. Um segmento da elite política brasileira em perspectiva comparativa. In A Revolução de 30 – Seminário Internacional CPDOC/FAV. Brasília: Editora da UnB, 1983.

MICELI, Sérgio. Carne e osso da elite política brasileira pós-30. In HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). História geral da civilização brasileira. 5ª ed. Tomo 3. Vol. 3. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991. NASCIMENTO, Welci; DAL PAZ, Santina Rodrigues. Vultos da história de Passo Fundo. Passo Fundo: Padre Berthier, 1995. OLIVEIRA, Antonino Xavier de. Annaes do município de Passo Fundo – Aspecto Geográfico. Vol. 1. Passo Fundo: Gráfica e Editora da Universidade de Passo Fundo, 1990. OLIVEIRA, Antonino Xavier de. Annaes do município de Passo Fundo – Aspecto Histórico. Vol. 2. Passo Fundo: Gráfica e Editora da Universidade de Passo Fundo, 1990. OLIVEIRA, Antonino Xavier de. Annaes do município de Passo Fundo – Cultural. Vol. 3. Passo Fundo: Gráfica e Editora da Universidade de Passo Fundo, 1990.

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