As Escavações Arqueológicas emEstações de Ar Livre de Rio Maior (1937-1942) no contexto da Política de Aquisições do Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcellos durante a “regência” de Manuel Heleno: Enquadramento Histórico.

June 3, 2017 | Autor: Francisco Almeida | Categoria: Museum Studies, Museology, Upper Paleolithic, Solutrean, Gravettian
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As Escavações Arqueológicas em Estações de Ar Livre de Rio Maior (1937-1942) no contexto da Política de Aquisições do Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcellos durante a “regência” de Manuel Heleno: Enquadramento Histórico. Francisco Almeida

1. INTRODUÇÃO “Pondo de lado críticas, nem sempre feitas a bem da ciência, procuramos melhorar esta situação por uma investigação aturada e nunca nos impressionou a acusação que nos faziam de não publicarmos um folheto por cada pedra que desenterrávamos. O nosso fito era mais largo: colhermos uma visão pessoal, na sua totalidade, do quadro cultural que precedeu a nação portuguesa”. Manuel Heleno, in “Um Quarto de Século de Investigação Arqueológica”, O Arqueólogo Português, 1956, p.226.

Com estas palavras, Manuel Heleno sumariava, em artigo de síntese recentemente considerado como “o mais portentoso conjunto de conclusões científicas até ao presente apresentadas em Portugal no domínio da arqueologia devidas à iniciativa isolada de um só indivíduo” (Cardoso 2002,p.33), a sua perspectiva enquanto investigador e indicava, de forma indirecta, a sua postura enquanto definidor das políticas de gestão de uma das mais importantes instituições museológicas nacionais, o Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcellos, (presentemente Museu Nacional de Arqueologia - MNA), do qual foi director durante trinta e três anos. A importância deste opúsculo, ao qual voltaremos, é tal que, à guisa de exemplo, a data da sua publicação é considerada “data essencial” na História do MNA no website da instituição. Figura incontornável da história da arqueologia nacional, Manuel Heleno tinha sido um dos discípulos dilectos do fundador do museu e professor da Faculdade de Letras de Lisboa (criada em 1911) – o Doutor José Leite de Vasconcellos. Após a jubilação do Mestre em 1929, Heleno é interinamente nomeado director do Museu Etnológico (a nomeação definitiva é-lhe atribuída um ano depois), obtendo a cátedra naquela instituição de ensino em 1933. Tendo iniciado a sua carreira científica no domínio da História – acumulando, na Faculdade de Letras, o ensino da História dos Descobrimentos com a disciplina de Arqueologia, sempre assumiu a sua preferência pela última. Assim o demonstra a quantidade - impensável nos tempos actuais – de trabalhos arqueológicos que levou a efeito um pouco por todo o território nacional, abrangendo, do ponto de vista cronológico, todas as épocas anteriores à formação de Portugal.

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As acusações de que se queixava em 1956 relativas à sua pouca apetência pela divulgação dos resultados científicos desses trabalhos, porém, não se confinam aos seus contemporâneos, conforme nos elucida João Luís Cardoso, na sua recente História Breve da Investigação Pré-histórica em Portugal (Cardoso 2002,p.32 - onde basicamente reitera algumas das apreciações anteriormente efectuadas por João Zilhão na sua tese de doutoramento, em 1995): “Todavia, esta notável actividade […] não teve, como se impunha, a correspondente divulgação, através da publicação de resultados. Com efeito, Manuel Heleno, após um período promissor […] deixou-se envolver quase totalmente em trabalhos de carácter administrativo, para além dos docentes, o que em parte pode explicar a sua baixa produção científica posterior. Mesmo depois de jubilado, quando poderia ter retomado tais estudos, não o fez. As particularidades da sua personalidade justificarão tal situação; mas ainda não se estudou suficientemente tal período na nossa arqueologia para se poderem apresentar juízos definitivos.”

O autor reconhece, após uma análise preliminar dos cadernos de campo de Heleno – inacessíveis à comunidade arqueológica nacional desde a sua substituição na direcção do museu, em 1966, até aos inícios do século XXI, quando o Estado Português conseguiu, finalmente, adquiri-los aos herdeiros – uma rara dedicação e entrega à actividade arqueológica, ainda longe de adequadamente conhecida e compreendida em detalhe, permitindo assim uma mais que necessária mitigação das frequentes críticas ao seu trabalho. Estas porém estão enraizadas, passados que estão já dois quartos de século desde Um quarto de século… Tal facto está bem ilustrado, por exemplo, na recente Tese de Doutoramento de Leonor Rocha, dedicada ao papel de Heleno no estudo das origens do Megalitismo do Alentejo Central (Rocha 2005), onde, numa resenha histórica que integra quer apreciações dedicadas a Heleno em correspondência privada de arqueólogos seus contemporâneos, quer citações da imprensa onde se desenrolaram várias das polémicas (nomeadamente a levada a cabo com Mendes Correia), e onde se denota uma crítica generalizada ao seu trabalho, quer ainda de avaliações mais recentes, sendo indubitavelmente a mais aguda a de Carlos Fabião, para quem Heleno foi “durante trinta anos, a face oficial” e o “principal culpado do marasmo da arqueologia portuguesa da primeira metade do século” (Fabião 1999). Em contraponto a esta tendência, é de leitura fundamental o extenso artigo publicado por Saavedra Machado em 1964 n’O Arqueólogo Português, que representa, a nosso ver, um excelente exemplo de trabalho no âmbito da Teoria e História da Museologia (Saavedra Machado 1964): pela sua estruturação, pela variedade de fontes utilizadas (como veremos adiante), pelas temáticas museológicas abordadas, e onde se pode encontrar uma actualização bem evidente em relação às opções museográficas de outros museus europeus contemporâneos. Padece, no

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entanto, de um enorme defeito: é um claro trabalho de elogio ao Dr. Manuel Heleno e à sua direcção, e ignora por completo vozes adversas, já para não falar, como veremos mais adiante, de protagonistas do próprio quadro da instituição que foram essenciais, por exemplo, nas recolhas efectuadas nos anos 30 e 40 na região de Rio Maior. Com o presente trabalho, de escala muito mais reduzida e de temática mais específica, procuraremos analisar, dentro do projecto museológico que Manuel Heleno encabeçou por mais de três décadas, as motivações que o levaram a proceder a numerosas escavações em estações arqueológicas na região de Rio Maior, e, a partir da análise directa aos seus cadernos de campo originais dos anos 1937 a 1942, avaliar as condicionantes metodológicas das mesmas. Muito embora grande parte dessas colecções tenham entretanto sido estudadas e as “estratigrafias” dos locais de recolha reinterpretadas em trabalhos dos anos 80 e 90 do século XX (e.g. Zilhão 1987, 1995), ainda permanece por fazer uma junção dos dois tipos de dados, sendo esse outro dos objectivos do presente trabalho. Finalmente, tendo em conta as considerações amiúde avançadas em relação à “inutilidade” das colecções recolhidas por Manuel Heleno, procuraremos avançar com algumas sugestões metodológicas e hipóteses de abordagem inovadoras, à escala nacional e europeia, para um reencontro com o Paleolítico Superior de Rio Maior desenterrado pelas equipas de Manuel Heleno e do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos. Como é óbvio, as nossas motivações para a escolha deste tema decorrem não só do seu interesse no âmbito da história da museologia, mas também de outros projectos de investigação em curso, razão e atrevimento pelos quais nos desculpamos desde já. Estruturalmente, este trabalho divide-se em seis partes. Na segunda analisaremos as principais motivações que levaram Heleno a iniciar trabalhos arqueológicos em Rio Maior. A terceira é dedicada à contextualização legislativa e logística das actividades de exploração do Museu Etnológico. Numa quarta parte, salientaremos a importância das recolhas na região de Rio Maior para as motivações do coleccionismo de Heleno. Na quinta, resumiremos algumas das apreciações feitas à metodologia de escavação de Heleno por parte de investigadores aos quais os cadernos de campo estiveram, por quatro décadas, vedados. A seguir, avaliaremos tais apreciações à luz da nossa leitura dos cadernos originais, que se constituem assim como a principal fonte inédita para este trabalho. Finalmente, apresentaremos uma discussão final sobre os resultados deste pequeno trabalho de investigação e sobre possíveis abordagens futuras às colecções de Rio Maior. Ao longo do trabalho serão visíveis, entre parêntesis rectos no interior de algumas das citações, alguns comentários que considerámos pertinentes em relação a frases das mesmas.

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2. MOTIVAÇÕES No citado artigo de 1956, Manuel Heleno aborda, de forma clara, as motivações que condicionaram as políticas na gestão do Museu Etnológico, e, por conseguinte, das respectivas aquisições. O autor evoca explicitamente dois tipos de inquietações – museológicas e científicas. Após uma introdução onde enumera alguns dos principais trabalhos arqueológicos do seu predecessor na direcção do museu, os quais considera, “salvo o devido respeito por um Mestre, que muito admira e a quem muito deve”, como “precipitados, incompletos, olhando mais à tipologia, do que à estratigrafia, mais ao objecto do que às circunstâncias que o rodeavam”. Heleno acrescenta: “Não admira pois que o Museu, quando em 1929 o ilustre sábio atingiu o limite de idade, não satisfizesse, apesar de mostrar um panorama geral da arqueologia portuguesa, as ânsias do seu sucessor. Este [o próprio Heleno] pretendia: 1º - Não um museu etnológico continental, mas um museu imperial, onde, ao lado do estudo do povo português, tivesse eco o encontro da nossa civilização com a dos povos que descobrimos e cristianizámos; 2º - Não um museu só para eruditos, dirigido, segundo a concepção de Leite de Vasconcellos «mais à inteligência dos visitantes do que aos olhos» (Hist. do Museu Etnol. Port., p.91), mas um museu para todos, ao mesmo tempo deleite e informação; 3º - Um museu finalmente que preenchesse as lacunas da arqueologia portuguesa. Via-se aquele portanto em presença de dois problemas fundamentais: a) um museológico; b) outro científico. Deve dizer-se já: Apesar da sua boa-vontade, que foi até ao sacrifício da saúde, só em parte conseguiu dar realidade às suas concepções.” (Heleno 1956, p.223-224)

Apesar de extensa, a citação é essencial na análise das motivações que guiaram Heleno e o seu coleccionismo. A sua primeira ânsia reflecte claramente o intuito de alargar

a escala de representação das colecções, constituindo,

acrescentaríamos, a consequência normal de uma carreira universitária dedicada, como vimos, ao ensino dual da arqueologia e dos descobrimentos portugueses. Já a segunda, enquanto reflectora do conflito de duas visões do papel educativo do Museu, permanece bem actual, e constitui uma das eternas questões na gestão de instituições museológicas e/ou de exposições, e para a qual a opção tomada reflectirá sempre o grau de preocupação pedagógica do(s) seu(s) responsáveis. Finalmente, a terceira ânsia, a que acabou por ter maior repercussão na empresa de Heleno enquanto director do Museu Etnológico e investigador, e sobre a qual nos iremos debruçar em maior detalhe, é, por definição, inalcançável, face ao tipo de objecto em questão. No que toca aos problemas fundamentais com que se deparou Heleno, importa aqui salientar, pela sua actualidade, as parcas palavras do autor sobre o que designa de Problema Museológico:

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“A instabilidade da sede – há mais de trinta anos que se fala na sua mudança e se luta para que o Museu Etnológico não seja encaixotado, a falta de meios e de espaço nunca consentiram que o mesmo tomasse uma feição imperial. É certo que se melhoraram as instalações – o Dr. Leite deixara-o, por falta de verba, com mostruários mastodônticos e com centenas de vidros partidos, como se fora uma casa abandonada; porém, nunca se conseguiu achar solução capaz de vencer a decoração esmagadora do monumento, a sua luz demasiado crua, a ausência de uma atmosfera acolhedora em galerias excessivamente extensas; nem foi possível vencer, por falta de salas, o excesso de documentação, dar-lhe uma apresentação que a fizesse falar. Esperamos que o novo Museu, cujo programa está feito com a tríplice função de servir a cultura geral, a investigação científica e o ensino, dê realização ao ideal que concebemos e por que temos lutado.” (Heleno 1956, p.224)

Falava Heleno decerto da actividade da Comissão para as novas instalações na Cidade Universitária, da qual era relator, e que teve como corolário a elaboração do documento estratégico “Programa para a instalação do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos na Cidade Universitária”, publicado em 1965 na revista Ethnos, publicação periódica do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia. Este instituto, criado pelo próprio Heleno em 1933, é considerado por alguns autores como “arma de arremesso”, à época, contra a Associação dos Arqueólogos Portugueses (Cardoso 2002). O que importa no entanto aqui reter é que, já em 1956, o director do Museu Etnológico estava perfeitamente ciente da inadequação do espaço dos Jerónimos para uma instalação museológica com as necessidades espaciais e de carácter museográfico das colecções existentes. Pela mesma bitola, registe-se a opção pela construção de um edifício de raiz, cujo projecto de arquitectura viria a ser apresentado em 1958 pelo Arquitecto Alberto Cruz, o qual, a ter sido construído, dotaria ao Museu uma área total de 18.000 m 2. É no entanto no Problema Científico que Heleno se fixa e onde claramente resolve investir grande parte do seu esforço, quase imediatamente após a sua tomada de posse definitiva enquanto director. No já citado artigo de 1956 Heleno começa por uma apreciação ao estado da arqueologia nacional em 1929, por altura do início das suas funções, tomando como referência três autores – Bosch Gimpera, Hugo Obermaier e Mendes Correia - e respectivas obras de síntese, Hispânia, El Hombre fóssil, e Povos primitivos da Lusitânia e Lusitânia pré-romana, para enumerar algumas das deficiências mais citadas (e que aqui limitamos às referentes à pré-história): “1) investigação desordenada, interpretação mais tipológica do que funcional, mais arqueológica do que cultural, numa palavra mais reliquiologia do que história do homem; falta de sistematização, ou melhor [e aqui Heleno mostra um primor irónico…], arrimo aos conceitos de Gimpera, depois aos de Santa Olalla, e aos de Gordon Childe por intermédio dos espanhóis. 2) um conhecimento pouco mais de rudimentar do povoamento paleolítico e um predomínio da tipologia sobre a correlação dessas indústrias com os fenómenos geológicos; 3) um total desconhecimento do paleolítico superior português, claramente expresso nestas palavras de Mendes Correia, Povos primitivos, pág. 157: - «Não sabemos bem ainda em qual

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destas províncias do paleolítico superior devemos incluir o território português. Não se descobriram até agora em Portugal estações típicas desta fase paleolítica.» E a pág. 159: - «Se os restos do paleolítico superior são, em Portugal, escassos ou nulos, é lícito admitira hipótese de que, enquanto essa fase se desenrolava no resto da Península, não se ultrapassavam aqui as formas grosseiras do paleolítico inferior, não tendo chegado a esta região novas influências culturais». Duvidava-se pois até da existência do paleolítico superior em Portugal e ainda em 1942 Pericot, no importante trabalho «La cueva de Parpalló», pág. 281 escrevia: - «En el occidente es bien sabido lo mal que se conoce todavia el paleolítico superior português». Pode desde já dizer que o desconhecimento desta época, onde nasce a arte e mergulham as raízes do povo português, deixou de existir e que a grande massa e variedade de estações descobertas pelo Museu Etnológico reformam, como diz Breuil, «completamente as perspectivas da península ibérica nesta época»; 4) o domínio da ideia capsense e a crença no negróide afer-taganus, quer dizer, a génese africana do povo português e das suas primeiras culturas; 5) o desconhecimento do neolítico puro e das suas origens; 6) falta de explorações metódicas em dolmens e imprecisão da sua origem, evolução e originalidade.” (Heleno 1956, p.225-226)

É com base neste panorama e para resolver estas questões que Heleno inicia um extenso programa de escavações por várias zonas do território, sendo de destacar, no que toca ao sexto problema, e conforme nos informa a tese já citada de Leonor Rocha, um início frenético, com a escavação de 300 (!) monumentos megalíticos entre os anos de 1930 e 1939. É na fase final deste período, a partir de 1937, que Heleno vira a sua atenção para o terceiro e quarto problemas, ou seja, o da inexistência de um Paleolítico superior no território português, e a questão da génese africana do povo português. Para ambas as questões, as intervenções em Rio Maior vieram a tornar-se de primordial importância. Mas quais as condições logísticas e que enquadramento administrativo e legal tinha Manuel Heleno, enquanto director do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcellos para efectuar estes trabalhos de exploração arqueológica? 3. LEGISLAÇÃO E LOGÍSTICA Impensável aos olhos de hoje, a política de recolhas efectuada pelas equipas de Heleno integrava-se perfeitamente na legislação em vigor à época, nomeadamente no decreto de reorganização do museu, nº 18:237 de 23 de Abril de 1930, que Heleno entendeu por bem publicar na revista O Archeologo Português (Heleno 1930/31), e donde destacamos, pela sua relevância no tocante às recolhas e explorações, os seguintes excertos: “[…] Art. 4.º O Museu será aumentado sucessivamente com objectos originais obtidos por compras, explorações e escavações arqueológicas, e com reproduções de objectos de reconhecido valor, cuja aquisição não for possível ou fácil realizar. […] Art. 6.º Ao Museu Etnológico é assegurado o direito de exploração e escavação de todas as estações arqueológicas situadas em terrenos públicos (paroquiais, municipais, distritais e do

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Estado), montes, campos, matas, caminhos e outros, cumprindo às autoridades administrativas e policiais impedir que ele, na pessoa dos seus agentes, seja estorvado nesses trabalhos de exploração e escavação. Art. 7.º Os objectos destinados ao Museu serão transportados gratuitamente nas vias férreas, marítimas e fluviais do Estado. […]”

Se tais artigos fornecem o enquadramento jurídico para a justificação das expedições, já outros tinham consequência directa na capacidade logística do Museu na operacionalidade das mesmas: “[…] Art. 15.º O quadro de pessoal do Museu é constituído pelos seguintes funcionários, por ordem de categoria: um director, um conservador, um desenhador, um preparador, um ajudante de preparador, dois guardas e dois contínuos. […] Art. 17º Compete ao Director: […] 2.º Superintender no Museu e no respectivo pessoal, fiscalizando a boa aplicação das verbas orçamentais, promovendo o aumento das colecções e bem assim a sua disposição, classificação, conservação, numeração, arrolamento e catalogação; […] 7.º Conceder licensa aos empregados até oito dias em cada ano; […] Art. 19.º Compete ao conservador: […] 3º Dirigir as escavações e excursões de que for encarregado e apresentar relatórios delas; […] Art. 20.º O desenhador será escolhido pelo director entre pessoas de reconhecido mérito artístico, e compete-lhe: […] 1.º Desenhar e fotografar objectos do Museu ou de fora do Museu, conforme as instruções que receber do director; […] 3.º Sair para fora do Museu, em serviço deste, quando o director o julgar conveniente. […] Art. 21.º Para preparador será escolhida pelo director pessoa idónea e que pelo menos possua o curso dos liceus (secção de letras) e compete-lhe: […] 1.º Sair em estudo para fora do Museu ou para colheita de objectos; […] 3.º Auxiliar ou substituir o conservador nos trabalhos de campo (escavações e excursões arqueológicas) e elaborar os respectivos relatórios”

De particular e surpreendente relevância para o âmbito do presente trabalho, como veremos mais adiante, destacamos ainda os seguintes artigos: “[…] Art. 22.º O ajudante de preparador será escolhido entre pessoas idóneas que tenham exame de instrução primária, alguns conhecimentos de museografia e que provem ter a habilidade manual exigida pelo cargo. §único. Ao ajudante de preparador será abonado vencimento igual ao do funcionário da mesma categoria do Museu Bocage. Art. 23.º Compete ao ajudante de preparador 1.º O que se exige ao preparador no artigo 21.º, n.ºs 1.º, 2.º, 5.º e 7.º; 2.º Auxiliar ou substituir o preparador no serviço de fotografia; 3.º Cumprir as disposições do artigo 27.º, nºs. 4.º e 5.º; 4.º A limpeza interna dos mostruários. […]”

Alguns aspectos tocantes ao serviço e horários de trabalho: “[…] Art. 28.º […] § 1.º O pessoal sairá para fora do Museu, em serviço, todas as vezes que isso for necessário. § 2.º Quando algum empregado estiver fora do Museu em serviço de exploração, escavação ou estudo, não tem horas fixas de trabalho. […]

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§ 4.º Em casos urgentes ou extraordinários poderá ser prolongado o tempo de serviço diário e normal. Art. 29.º Quando assim entender o director poderá determinar que qualquer funcionário, independentemente das funções que lhe são próprias, ajude ou substitua outro, podendo igualmente ser mandado prestar serviços compatíveis com a sua categoria e habilitações. […] Art. 31.º Aos empregados que estiverem fora de Lisboa, em serviço do Museu (excursões, escavações, visitas a monumentos e museus ou qualquer outro), serão facultadas as despesas do transporte e respectivas ajudas de custo.”

Passados apenas 2 anos, é publicado o Decreto 21117, de 18 de Abril 1932, Das escavações e arrolamento das antiguidades nacionais, que institui o Museu como organismo central de vigilância e de investigação arqueológica, e que investe Heleno, enquanto director, de competências para autorizar, fiscalizar e suspender as escavações arqueológicas que se realizavam em Portugal, atribuindo-lhe ainda a possibilidade de reivindicar para si a prioridade científica dos sítios que considerasse mais relevantes. Participante directo na elaboração desta legislação, conforme nos demonstra Saavedra Machado (1964), Heleno comprou com ela uma polémica com outros membros da comunidade arqueológica – nomeadamente com Mendes Correa – e que se arrastou por um ano, conforme nos testemunha Leonor Rocha na sua já citada Tese de Doutoramento (páginas 50 e 51), culminando na criação, para efeitos de arbitragem de conflitos, da Junta Nacional de Escavações e Antiguidades (Decreto 31225, de 12 de Outubro de 1933) que tinha, como órgão consultivo na fase inicial, a Associação dos Arqueólogos Portugueses, à qual mais tarde se vieram a juntar a Sociedade Martins Sarmento (Guimarães), e a Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia (Porto). Cedo se preocupou Heleno em executar os preceitos legislativos, de modo a “lubrificar” a máquina logística para o programa de recolhas. Segundo Saavedra Machado, logo em 1931, o Quadro do Museu ficou integralmente preenchido por vontade do director. Não deixa de ser curioso que este autor se refira especificamente apenas aos elementos mais altos da hierarquia da instituição, a saber, Luís Chaves - o conservador que o precedeu - a preparadora Rosa Carvalheira Y Capeans, e o desenhador Francisco da Paula Valença. É na actividade de Heleno e deste núcleo duro que, em tons sempre elogiosos, Saavedra Machado enumera e organiza cronologicamente os seus Subsídios para a história do Museu Etnológico. A obra de Saavedra Machado é essencial para o estudo da regência de Heleno no museu, nomeadamente pelas fontes que foram usadas, e que enumera desde logo no seu Proémio (Ver anexo 5). A consulta por nós efectuada aos cadernos originais de Heleno permite-nos confirmar, desde já, que Saavedra Machado teve de facto acesso aos mesmos durante a execução do extenso artigo. Só assim se explica, como

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veremos, a precisão com que enumera os trabalhos nas estações de Rio Maior e os anos em que cada uma das estações foi intervencionada. 4.

A

IMPORTÂNCIA

DE

RIO

MAIOR

PARA

AS

MOTIVAÇÕES

DO

COLECCIONISMO DE HELENO A informação fornecida por Saavedra Machado, apesar do seu claro bias elogioso, não é de menosprezar, principalmente quando sabemos que os seus Subsídios vieram mais tarde a constituir-se como a única referência, para além de Um Quarto de Século (Heleno 1956), a que, por exemplo, João Zilhão (1995, 1997) teve acesso na época em que estudou os materiais arqueológicos das estações de Rio Maior. Para os anos que nos interessam, entre 1937 e 1942, são estas as palavras de Saavedra Machado: “[…] 1937 - O director do museu deu novo incremento as suas investigações no concelho de Rio Maior, que iria revelar-se nos anos seguintes um centro importante do paleolítico superior.[…] Com efeito, deu inicio as escavações em Vale Comprido e continuou a exploração do Abrigo Grande das Bocas e 2º e 3º abrigos e de outras estacões pré históricas dos limítrofes do concelho de Rio Maior, etc. […] 1938 - O director do museu prosseguiu com as suas explorações. arqueológicas no concelho de Rio Maior e limítrofes.: Alto das bocas, Abrigo grande das bocas, Vales da Senhora da Luz, Azinheira (arredores), Etc. […] 1939 - Vales da Senhora da Luz, Vale comprido […] 1940 - Terra do Manuel dos Vales, Vale comprido, Casal do Felipe, Terras do Xavier 1941 - Terra do Manuel dos Vales, Terra do José Pereira, Casal do Felipe, Vale Comprido Visitas de Henri Breuil a 29, 30 e 31 de Outubro. 1942 - Terra do Manuel dos Vales, Terra do José Pereira, Casal do Felipe, Vale Comprido, etc. […]”

Já da pena de Heleno, as raras considerações publicadas em relação aos trabalhos de Rio Maior estão presentes nos programas das cadeiras de Arqueologia e de Pré-história da Faculdade de Letras (Saavedra Machado 1964), nos seus artigos de elogio a Bosch Gimpera (Heleno 1962) e ao abade Henri Breuil (Heleno 1956b), e, de novo, no seu artigo de síntese de 1956 (Heleno 1956, p.227-228): “[…] b)Paleolítico superior. Mais concludentes e mais revolucionários foram os resultados que obtivemos no paleolítico superior, cujo conhecimento era, como dissemos, tão rudimentar que se chegara a não crer na sua existência. Dois centros importantes demos a conhecer: o do Concelho de Rio Maior e do Concelho de Torres Vedras (Cambelas). No primeiro revelamos a existência em Portugal de uma séria de indústrias europeias: aurignacense na Cabeça de Figueira, Bairradas, Pinheiro da carneira, Vascas, Vale Comprido (ao pé de Barraca) e Vale de Porcos; Perigordense, fase Gravettense: na Senhora da Luz, Casal do Felipe, Vale Comprido, Quinta Nova; proto-solutrense e solutrense médio no Vale Comprido, Quinta Nova; solutrense superior no Arneiro, Passal e Quintal da Fonte. Nestas

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últimas estações exumamos pontas do tipo de Parpalhó, o que fez ruir por completo as concepções espanholas e sistematizações sobre a existência dum solutrense ibérico levantino, distinto do cantábrico e do ocidental. Também observámos em Rio Maior infiltrações solutrenses no perigordense da Senhora da Luz, Quinta Nova, Casal do Felipe, etc. Do mesmo modo notámos a existência dum madalenense antigo no Vale Comprido e um abundante grimaldense no abrigo grande das Bocas, junto às ossadas dum boi gigantesco. Este abrigo constituía um grande livro, em cujas camadas ficou escrita a vida humana desde 20.000 a.C. até à época romana.[…] Todas estas indústrias eram desconhecidas, ou quase desconhecidas em Portugal. […] Até às minhas investigações supunha-se […] que o Homo sapiens, com a sua utensilagem de osso, com a sua especialização industrial baseada na lâmina, com a sua vocação artística, apenas se tinha estabelecido na região franco-cantábrica. O resto da península, e portanto Portugal, julgava-se ter sido dominado por uma vaga africana, denominada capsense.[…] As investigações que realizei em Rio Maior e depois estendidas a Cambelas e outras feitas em Espanha provocaram um verdadeiro terramoto em todas estas concepções. Como Diogo Gomes, ao chegar à zona tórrida, -«salvo, diz ele, o devido respeito pelo ilustríssimo Ptolomeu tudo encontrámos ao contrário», podemos dizer também: Salvo o devido respeito pelos ilustríssimos arqueólogos que nos procederam – Gimpera, Obermaier e outros [E aqui Heleno está-se a referir, sem o nomear, a Mendes Correia], tudo encontrámos ao contrário. Nada de africano; ao contrário todas as indústrias da Europa ocidental da época têm larga representação no nosso país e por elas pudemos concluir que as raças europeias – a de Cro-Magnon, Combe-Capelle e Chancelade – que, eliminando o homem de Neandertal, constituíram o primeiro e mais importante estrato da nossa etnogenia. As numerosas estações aurignacenses, perigordenses, solutrenses, madalenenses e grimaldenses que descobrimos e atrás citámos são a prova disso.”

Para Heleno, portanto, as recolhas efectuadas em Rio Maior foram perfeitamente suficientes para provar as origens “europeias” do Paleolítico Superior no território nacional, e contribuíram indubitavelmente para enriquecer o Museu Etnológico de espólios de todas as fases daquele período, para as quais não existiam quaisquer artefactos até então. Mais: até praticamente aos anos 80 do século passado, as colecções de Heleno e do Museu Etnológico constituíam-se como exemplares quase únicos no nosso território dos vários tecnocomplexos do Paleolítico Superior Europeu, especialmente no que toca a ocupações de ar livre. O quadro 1 (em anexo), que elaborámos a partir da Tese de Doutoramento de João Zilhão (1995) ilustra bem este aspecto. Ainda hoje, como veremos já de seguida, as colecções recolhidas pelas equipas de Heleno em Rio Maior são essenciais para o estudo do Paleolítico português, sendo consideradas incontornáveis, por exemplo, para o estudo da passagem entre os tecnocomplexos Gravettense e Solutrense, que teve lugar, do ponto de vista cronológico, durante o Último Máximo Glaciário, há cerca de 20.000 anos. Os trabalhos de Heleno entre 1937 e 1942 em Rio Maior forneceram, apenas e só, sete (!) estações arqueológicas para esta problemática. Se é verdade que muitas das atribuições crono-culturais da época se vieram a revelar erróneas ou mal fundamentadas, a verdade é que, no essencial, Heleno estava correcto – todas as

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fases clássicas do paleolítico superior franco-cantábrico estão representadas nos espólios recolhidos em Rio Maior naqueles anos. 5. A FASE OBSCURA: A INVESTIGAÇÃO DOS VELHOS MATERIAIS DE RIO MAIOR ENTRE 1980 E 2002… OU 2009? Num artigo recente dedicado à variabilidade tecnológica na produção de Pontas de projéctil e de armaduras do Gravettense, Laurent Klaric e colegas (Klaric et al. 2009) referem ter estudado alguns dos materiais recolhidos por Heleno entre 1940 e 1942 na estação da Terra do Manuel. Os autores seguem uma atitude infelizmente bastante enraizada no interior da comunidade arqueológica, que se baseia em consultar apenas a bibliografia mais recente, e seguir alegremente as considerações críticas da mesma em relação a trabalhos e metodologias anteriores. Não admira, portanto, encontrarmos frases tais como “si un problème de collecte peut être invoqué pour Terra do Manual, ce n’est pas le cas pour Cabeço do Porto Marinho II [tendo o segundo local sido “melhor” intervencionado em época mais recente]”. Estes “problemas de recolha” são um padrão recorrente nas apreciações feitas aos trabalhos de Heleno e resultam directamente do que decidimos designar como “fase obscura”, que corresponde ao espaço de tempo entre o abandono de Heleno da direcção do Museu, e a compra dos seus cadernos de campo e relatórios por parte do Estado em 2002. Se para as épocas da pré-história recente e romana a documentação original de Heleno tem vindo aos poucos a ser revisitada, no que toca ao paleolítico de Rio Maior tal nunca aconteceu, pelo menos de forma sistematica. É que, através da consulta dos cadernos originais, passamos obrigatoriamente a relativizar algumas das tradicionais críticas aos trabalhos de Heleno. E, surpresa das surpresas, constatamos até que algumas sínteses recentes necessitam de urgente revisão – à luz do passado! Por volta de 1980, João Zilhão iniciou a sua investigação sobre o Paleolítico Superior da Estremadura portuguesa, trabalho que o levou, obviamente, à necessidade de revisão e caracterização das colecções de Heleno, depositadas no Museu Nacional de Arqueologia. Para além do carácter puramente científico deste trabalho, há igualmente a tomar em conta que Zilhão integrou a equipa que durante quase 10 anos organizou as colecções do Museu com vista à instalação da exposição permanente da instituição - Portugal: das origens à Época Romana – e que veio a estar patente ao público apenas durante 3 anos. Não deverá ter sido animador o panorama que se lhe apresentou. Tinha ao seu dispor um conjunto bastante razoável de colecções claramente atribuíveis ao Paleolítico superior, mas sobre as quais não havia qualquer tipo de informação detalhada em relação às condições de recolha, metodologias de trabalho, e informação estratigráfica. Alguns anos antes, em 1975, o

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grupo de amadores G.E.P.P. (Grupo para o Estudo do Paleolítico Português) tinha, por sua iniciativa, entrado em contacto, em Rio Maior, com um dos antigos colaboradores locais dos trabalhos de Heleno – o sr. João Pedro dos Santos (João Moleiro) – que forneceu, com base nas suas memórias de então, informações preciosas em relação à localização da maioria das estações intervencionadas pelas equipas do Museu entre 1937 e 1953. Passados 10 anos, Zilhão voltou a contactar João Moleiro, que lhe confirma a maioria dessas informações, e lhe transmite algumas recordações sobre os trabalhos, tais como a profundidade aproximada de algumas das sondagens, a sua extensão, etc. É com base nestas informações que o autor localiza todas as colecções por si estudadas no Museu Nacional de Arqueologia, como exemplificado na figura 1 dos anexos. Tendo em conta que João Zilhão estudou, na investigação relacionada com o seu doutoramento, 18 dos sítios de ar livre intervencionados pelas equipas do Museu Etnológico, seria fastidioso citar aqui cada uma das ocasiões em que, na sua tese, aquele autor se refere a Heleno, à sua metodologia de trabalho e aos problemas com as colecções do museu (triagem, manutenção, etc.). Ao invés, resolvemos apresentar, no anexo 1, uma extensa citação de um dos capítulos da tese (relativo à estação de Vales de Senhora da Luz) e fazer, no âmbito deste trabalho, um apanhado “tipológico” das principais críticas a Heleno. Esse apanhado, posteriormente, foi objecto de confrontação com os cadernos de campo e relatórios originais de Manuel Heleno. Há que reconhecer desde já que, na ausência da documentação original, o trabalho de “detective” de Zilhão deve ser considerado verdadeiramente louvável, tendo o autor tentado retirar o máximo de informação intrínseca às colecções do museu, com vista à reconstituição das respectivas condições de recolha: desde a ganga sedimentar ainda agarrada às peças não lavadas, à organização dentro das vitrinas e gavetas do museu, a separação, no interior de vários dos conjuntos, de peças com diferentes patinas que poderiam assim indiciar diferentes camadas estratigráficas numa mesma estação arqueológica. Logo no primeiro sítio de Rio Maior apresentado por Zilhão no segundo volume da sua tese (p.37-38), Vascas, podemos ver a abordagem que será recorrente nas várias colecções de Heleno : “Não se conhecendo o paradeiro dos cadernos de campo das escavações de Heleno, o estudo tafonómico do sítio apenas pôde assentar na análise interna da colecção e na consideração das condições geomorfológicas e topográficas actualmente observáveis no local.”

Para além da análise detalhada dos materiais depositados no Museu Nacional de Arqueologia, o autor preocupou-se em voltar aos locais onde as estações supostamente estariam originalmente localizadas (segundo as informações de João Moleiro), e aí descrever as condições geomorfológicas e até, em algumas ocasiões,

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efectuar trabalhos de sondagem que lhe permitiram aferir as hipóteses avançadas pela análise às colecções. Mas que principais tipos de observações ou críticas resultaram da análise interna das colecções? a) Natureza triada das colecções. É indubitável que a grande maioria das colecções hoje presentes no Museu Nacional de Arqueologia e resultantes dos trabalhos de Heleno em estações de ar livre se apresentam como fortemente triadas. A quantidade de elementos de pequenas dimensões (esquírolas) é irrisória, tal como o são as lascas, principalmente as corticais (menos vistosas do ponto de vista museológico). Em contrapartida, as peças leptolíticas – as famosas lâminas e pontas – que se podem caracterizar como típicas do Paleolítico Superior – bem como os utensílios retocados, aparecem sobrerepresentadas e são raras as vezes em que se apresentam partidas. “Esta desproporção só pode explicar-se através de uma triagem intencional das colecções, processo que, conforme já anteriormente referido (Zilhão 1984b,1988d), afectou todas as colecções provenientes das escavações de Heleno.”. (Zilhão 1997,Vol.II, p.41).

Por várias ocasiões ao longo da sua tese Zilhão refere, para além de triagens a posteriori já no próprio museu, um descarte diferencial efectuado imediatamente durante as escavações, que acaba por se traduzir na falta de esquírolas e de peças corticais, bem como na fraca representação de matérias-primas como o quartzo ou quartzito. Há casos, no entanto, onde Zilhão dá o benefício da dúvida às equipas de Heleno, como é exemplo a escavação do sítio de Vale de Porcos - I, cujos trabalhos nos finais do anos 40 terão sido dirigidos pelo próprio João Moleiro (!): “Por outro lado, a ausência de quartzo e a raridade do quartzito não podem ser, neste caso, atribuídas a um eventual descarte diferencial dessas rochas pelos escavadores, uma vez que também se verificam na colecção obtida pelo G.E.P.P. em Vale de Porcos II, a qual resulta de uma recolha exaustiva e sistemática.” (Zilhão 1997,Vol.II, p.50).

Ou seja, a triagem das colecções funciona como null hipothesis – a “explicação geral”, a não ser que sondagens modernas demonstrem a ausência de facto de matériasprimas como o quartzo ou o quartzito. Pela mesma bitola, a ausência de elementos de pequenas dimensões nas colecções é frequentemente atribuída à falta de operações de crivagem, ou pelo menos à hipótese do uso de peneiras não ter sido sistemático durante os trabalhos de Heleno. b) Colecções ou Conjuntos Misturados. Por várias vezes, o aparecimento de materiais com diferenças (tipológicas ou de estado de rolamento) em relação à maioria de determinada colecção (ou mesmo de materiais de épocas pós-paleolíticas), é equacionado como mistura de colecções, mesmo quando não se deixa de colocar, em paralelo, a hipótese do sítio original ter de

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facto mais do que uma ocupação arqueológica. Atentemos, por exemplo, no que é referido em relação à estação do Casal do Felipe: “Da sua análise resultou a identificação de um pequeno conjunto que foi excluído da colecção, dado a sua presença corresponder a misturas ocorridas no Museu posteriormente à escavação.[…] Que houve efectivamente, tanto na do casal do Felipe como em outras colecções, casos pontuais de mistura, é demonstrado, neste caso, pelo facto de haver pelo menos duas peças em situação seguramente deslocada, como é comprovado pelas marcações de proveniência antigas, a lápis, que ambas apresentavam, e que indicavam […]«Brejos» e «Xavier» (Este última designação correspondendo verosimilmente à estação de Terra do Xavier, junto à povoação de Vales.” (Zilhão 1997,Vol.II, p.243-244).

c) Colecções de Estações Arqueológicas que mudam de nome de ano para ano. Neste caso, acusa-se Heleno de ter mudado involuntariamente, por vezes, o nome a estações arqueológicas, acabando assim por aumentar “artificialmente” o número de colecções do museu. É a situação que nos aparece melhor representada na estação de Vales da Senhora da Luz, que Zilhão considera ser a designação original (nos anos 1937 e 1938) da estação da Terra do Manuel (1940-1942) e para a qual a consulta ao anexo I deste trabalho é essencial. Seja como for, o autor considera que o caso não é isolado, apresentando como outro exemplo desta situação a estação do Forno da Telha (Bocas), também em Rio Maior, que inicialmente teria sido designada como “Alto das Bocas II – sopé do lado nascente)”… d) Colecções com várias sub-designações. É o caso, por exemplo, das colecções de Vale Comprido, cuja análise mostrou a existência de vários “complexos de achados, que pareciam corresponder, dada a diferenciação existente no respectivo conteúdo arqueológico, a áreas de escavação também elas diferenciadas.” (Zilhão 1997,Vol.II, p.382).

Aqui, Zilhão deparava-se com 6 complexos de achados diferentes, cada um com um número de inventário diferente, bem como a respectiva designação: Vale Comprido-ao pé do moinho; Vale Comprido-Terra do José Félix; Vale Comprido-Barraca; Vale Comprido-Encosta; Vale Comprido-Camada A; e Vale Comprido-Camada B. A técnica de decifração seguida foi a mesma: análise interna às colecções, e relocalização dos sítios originais em Rio Maior. De novo nos apercebemos duma extrema confiança por parte do autor nas informações prestadas pelo sr. João Moleiro, que “na época havia sido o responsável de campo de várias das escavações promovidas por Heleno na região”. É com base nelas que são redescobertos os vários loci de Vale Comprido, bem como avaliadas as áreas escavadas em cada um durante as campanhas de Heleno. O esforço de Zilhão é deveras impressionante, nomeadamente na sua reconstituição das condições de recolha dos complexos de achados de Vale Comprido-Encosta + Camada A + Camada B, onde apresenta pelo menos três hipóteses de interpretação do respectivo estatuto: 1ª Como representando sítios

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diferentes; 2ª Como representando um único sítio estratigrafado; e 3ª Como sítio único não estratigrafado. Quantas páginas escritas na falta da documentação original das escavações!... Como é evidente, a consulta aos cadernos de campo originais de Heleno e colaboradores constitui-se como trabalho essencial para avaliar todas estas considerações e críticas, aferir a sua justeza ou, pelo contrário, constatar a necessidade de revisão das mesmas. É o que tentaremos fazer, ainda que de forma preliminar e não sistemática – tal tarefa não caberia dentro dos limites deste trabalho já de seguida. 6. OS CADERNOS DE HELENO: FONTES PARA A HISTÓRIA DA MUSEOLOGIA E DA

INVESTIGAÇÃO

DO

PALEOLÍTICO

SUPERIOR

DA ESTREMADURA

PORTUGUESA Os cadernos de campo de Manuel Heleno foram consultados no Museu Nacional de Arqueologia, com a devida autorização por parte do seu director, o Dr. Luís Raposo, ao qual agradecemos. Muito embora não nos tenham sido disponibilizados documentos originais, o conjunto em forma de fotocópia dos 35 cadernos relativos às explorações em Rio Maior, mostrou-se perfeitamente suficiente para o âmbito deste trabalho. Muito embora a consulta tenha abrangido a totalidade dos mesmos, fixámo-nos mais, por razões óbvias, nos referentes ao período entre 1937 e 1942. Em anexo, apresentamos algumas transcrições que ilustram bem a conjuntura logística e metodológica dos trabalhos de exploração à época. De antemão, podemos desde já afirmar que esta consulta tornou-se rapidamente uma experiência gratificante, muito principalmente pelas descobertas surpreendentes que ela suscitou. Antes, no entanto, convém desde já referir que os cadernos e relatórios de campo foram elaborados não só por Heleno, mas também, por Manuel Pedro Madeira – um personagem completamente desconhecido de Saavedra Machado e de João Zilhão (e, aparentemente, de João Moleiro, apesar de com ele ter trabalhado ao longo de vários anos!…), mas que terá sido um dos protagonistas essenciais nos trabalhos de Rio Maior. Quem era então este Manuel Madeira? A resposta foi complicada, mas possível de obter através da já citada tese de Leonor Rocha (Rocha 2005, p.79), onde, através da consulta relativa aos cadernos de Heleno sobre o megalitismo alentejano e entrevista ao sr.Roldão (um colaborador posterior de Heleno) se conseguiu descobrir que o “sr. Madeira” era “ajudante de preparador”, e portanto do quadro de pessoal do próprio museu. Descoberta a personagem, importava aferir qual o seu papel das tarefas exploratórias, e, igualmente, analisar esse papel à luz do enquadramento jurídico explanado na terceira parte deste trabalho. Dessa análise, algumas

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conclusões tornam-se inevitáveis. 1 -O artigo quiçá mais importante é o 29º, que dá liberdade ao director de colocar nos locais mais convenientes ao desenrolar dos trabalhos os funcionários do museu, independentemente das tarefas consignadas noutros artigos da legislação. 2 – Só assim se compreende que, para todos os efeitos – e os cadernos por nós consultados são clara prova factual disso – Manuel Madeira levasse a cabo tarefas que a lei atribuía exclusivamente ou ao conservador, ou ao preparador, mas não a um “mero” ajudante de preparador. Ora, a verdade é que era esta ajudante de preparador que dirigia efectivamente, os trabalhos de campo em Rio Maior; era Madeira quem elaborava os cadernos de campo mais minuciosos destas explorações; quem efectuava diariamente desenhos e croquis de algumas peças, com informações apensas sobre as profundidades a que foram encontradas. Era, afinal, Manuel Madeira quem ficava permanentemente em trabalhos de exploração cerca de seis meses por ano, entre Maio e Outubro, e a quem cabiam todas as decisões diárias tocantes ao bom desenrolar dos trabalhos. Heleno tinha em Madeira um homem de confiança, confiança essa que era reforçada por contactos frequentes e por uma correspondência assídua e regular entre o ajudante de preparador e o director do Museu Etnológico (Ver exemplo no Anexo 2), que incluía o envio dos cadernos, quando acabados, para Lisboa. Os cadernos de ambos são claros em mostrar que as idas ao campo de Heleno eram muito mais raras, circunscritas por vezes a fins-desemana, onde dava as orientações necessárias, confirmava as estratigrafias dos locais intervencionados e, supomos nós, efectuaria os pagamentos ao pessoal contratado para as escavações. Mais raramente, levava consigo visitantes ilustres, como o abade Henri Breuil, o que originava geralmente ordens específicas com vista a preparar as estações para estas visitas “científicas”, como vemos nestas palavras num dos cadernos de 1941 de Madeira: “Terça-feira, 27 de Outubro. Aperfeiçoamento das valas para ficarem objectos à vista para serem vistos pelo senhor director e o abade Breuil”

Em anexo, decidimos incluir transcrições de dois cadernos de campo relativos aos trabalhos de 1942 – um de Heleno e outro de Manuel Madeira. A sua consulta resulta numa visão clara nas diferenças de abordagem entre ambos, bem como das respectivas preocupações e motivações. Se no citado artigo de 1956 Heleno nos mostrava as suas motivações estruturais, no âmbito mais restrito dos cadernos de campo de Rio Maior, podemos por vezes encontrar algumas motivações de carácter mais conjuntural, como esta: “[…]A fim de intensificar as escavações no Abrigo Grande das Bocas – Bocas 1, para publicar uma monografia sobre a origem do povo português, por ocasião do Centenário da Fundação de Portugal, pedi ao Governo uma verba de 25 mil escudos (ver Exposição ao Governo), e resolvi começar os trabalhos logo que o terreno estivesse em condições. […]”

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A dita Monografia nunca conheceu a luz do dia… Por comparação com os cadernos de Manuel Madeira, no geral bastante repetitivos e rotineiros, os de Heleno demonstram, por razões óbvias, um maior poder de síntese e de capacidade de comparação académica, sendo várias as vezes em que Heleno compara algumas das peças a outras estações, quer em território nacional, quer no estrangeiro – em algumas ocasiões incluindo até as referências bibliográficas respectivas (num caderno de campo!). Curiosa também, aqui e ali, a sua preocupação em recolher informação de carácter etnográfico e no domínio do património imaterial, como demonstrado no seguinte exemplo de interpretação ambígua, retirado de um dos cadernos de 1939: “etnografia (aves) Fala do melro Minha avó, dantes não bebia vinho Mas agora…. Escarapicho pichó, escarapicho pichó Fala do mocho Domingos! Domingos! os bois! Passa a rapina e diz: Venha cá abaixo, compadre Quero falar-lhe Foda-se! Foda-se!”

É no entanto nos cadernos de Madeira que encontramos informações relativas ao decorrer dos trabalhos, às condições logísticas, e, também, algumas pistas que nos permitem avaliar algumas das apreciações que apresentámos na quinta parte deste trabalho. Senão vejamos: “Senhor director, Hoje são 21 de Setembro. Depois de deixar uma recta no terreno escavado para servir de marca para novas pesquisas e deixando uma vala aberta para o sr. director ver a fundeira a que chegou a mesma e se o terreno tem mais do que uma camada. Até agora só apareceu uma camada de terra em tudo igual à do ano passado. Acabo hoje o serviço para segunda feira, 23, seguir com o pessoal para o casal do Felipe. Peço a vossa exa. desculpa deste diário não ir muito asseado, mas vossa exa. sabe que é um caderno que anda diariamente em serviço, e que a poeira e o constante desfolhear do mesmo faz com que o atrito do lápis no papel o suje. Vão duzentos e tal croquis dos objectos, mas devem ficar aquém duma quinta parte do total dos mesmos, pois já os calculo em mil e tantos. Claro está, objectos com trabalho à vista. Não contando com um caixote de pederneira e seis com embrulhos em casa do Casquilho. Os objectos bons estão num caixote que está no meu quarto.”

Informação de carácter estratigráfico… “uma só camada”… informação detalhada dos dias em que cada estação foi escavada (algo que ainda hoje é exigido no regulamento de trabalhos arqueológicos)… e dados relevantes para o aspecto da eventual “triagem” ou “descarte diferencial dos objectos”. Através desta citação do caderno de Madeira podemos claramente concluir que raramente ocorreria tal descarte, sendo recolhida a totalidade dos materiais. Era feita, isso sim, uma selecção de quais os materiais que iriam para Lisboa (depois de uma passagem pelo quarto de Madeira), ficando o refugo devidamente armazenado na casa dos colaboradores locais.

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Perguntamo-nos se ainda hoje não existirão materiais dessas escavações perdidos em alguns locais de Rio Maior… Pelos cadernos torna-se evidente não só que as peças eram recolhidas na sua totalidade (havendo até alguns casos onde se destaca a presença de artefactos em quartzito nas colecções), mesmo as que, nas palavras de Madeira, “não apresentassem trabalho”, mas também que as operações de crivagem eram sistemáticas: “Quinta feira, 5 de Setembro de 1940 Como a terra do Manuel dos vales estivesse molhada em resultado da trovoada que passou de noite, fomos para a Charneca do Meio onde apareceram alguns cacos com desenho e uma mó.[…] Sexta feira 6 de Setembro de 1940 […] E de tarde, como a Terra do Manuel dos vales já estivesse boa para joeirar, voltamos para ela e encontramos outra vez pederneira, alguma dela com trabalho.”

Em várias ocasiões, entre 1937 e 1942, devido ao estado molhado dos terrenos e a impossibilidade de usar as peneiras, Madeira decidiu interromper os trabalhos e deslocar as equipas para outras estações. É igualmente curioso observar as razões apontadas para alterações à ordem normal dos serviços, como sejam as festividades religiosas, ou o facto de alguns terrenos se apresentarem semeados, casos em que Madeira esperava sempre até depois das colheitas para iniciar os trabalhos de escavação. Este sentido ético e de responsabilidade social aparece bem vincado por várias ocasiões ao longo da documentação original… A consulta aos relatórios indicia, por outro lado, que as explorações de Heleno deram, ainda que temporariamente, emprego a um número razoável de trabalhadores locais, incluindo, a partir do histórico dia 15 de Julho de 1942, elementos do sexo feminino, a quem ficou atribuída a tarefa da siranda (crivagem) – Ver Anexo 3. Já no que diz respeito à eventual mistura de colecções, a consulta dos cadernos demonstra claramente a fraca probabilidade da mesma ter acontecido, pelo menos durante os trabalhos de campo. Manuel Madeira e Heleno demonstram, compulsivamente, que a organização de materiais era efectuada de forma metódica, sendo as caixas de acondicionamento devidamente identificadas e etiquetadas, e materiais de diferentes estações separados – um exemplo num dos cadernos de Heleno: “Vieram do Vale Comprido alguns instrumentos. Ficam embrulhados para não haver misturas com as outras estações”.

Por outro lado, verificámos que muitos dos casos em que Zilhão encontrou materiais da pré-história recente junto de colecções paleolíticas resultam de facto da sua recolha nessas estações, representando assim não misturas mas sim localidades com múltiplas ocupações arqueológicas. Os cadernos de Heleno e Madeira são sempre explícitos nos casos de recolha de cacos e outro tipo de materiais mais recentes,

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como machados de pedra polida, mós, etc. Já no que toca a eventuais misturas levadas a efeito já no museu, a documentação de campo, por razões óbvias, não se constitui como a melhor fonte para essa avaliação. Chamamos no entanto a atenção para a necessidade de uma revisão sistemática da informação relativa a cada sítio, uma vez que por vezes as “terras” tem nomes que complementam a sua designação de inventário. Como exemplo, “Terra do Manuel dos Vales” surge, numa ocasião, como Terra do Manuel (Felipe) dos Vales. Quanto aos casos de mudanças de nome de estações de ano para ano, a consulta dos cadernos de Madeira e de Heleno levam-nos neste caso a confirmar a principal hipótese de Zilhão, apresentada no Anexo 1. Os cadernos dão indicações precisas da localização e acessos a cada estação, e, o sítio que em 1938 e 1939 é designado como Vales da Senhora da Luz, passa, a partir de 1940, a designar-se como Terra do Manuel dos Vales – Vales da Senhora da Luz. Com a consulta dos cadernos ficamos igualmente a saber que enquanto nos dois primeiros anos se procedeu apenas a sondagens, entre 1940 e 1942 levaram-se a efeito escavações em grandes áreas, apresentando-se inclusive uma planta das respectivas dimensões. Se a interpretação relativa aos Vales da Senhora da Luz por parte de Zilhão parece, à luz dos cadernos originais, correcta, o mesmo já não se poderá dizer da sua localização, com base no testemunho de João Moleiro, da Terra do José Pereira. A consulta dos cadernos de Madeira e de Heleno relativos ao ano de 1942 (Anexos 3 e 4) demonstra, taxativamente e por várias ocasiões, que esta estação não estava localizada junto à Terra do Xavier, como ilustrado na Figura 1, mas sim imediatamente a Norte da Terra do Manuel, do outro lado da estrada (Figura 2). Outro exemplo claro de informações lacunares por parte de João Moleiro é o referente, por exemplo, à estação de Vale de Porcos I, que já referimos a propósito da eventual triagem das colecções. Ora, se Moleiro foi de facto quem dirigiu os trabalhos em 1952-1953, porque razão nas informações prestadas primeiro ao G.E.P.P. e depois, em 1985, a Zilhão, não refere a descoberta, no local, de uma lareira – caso raríssimo em todas as explorações em estações de ar livre na região - que merece comentário de destaque no caderno original de Heleno referente a esses anos? Quernos parecer ter havido, aqui e ali, algum exagero por parte do informador no que toca ao seu verdadeiro papel nas explorações do Museu Etnológico… Finalmente, no que diz respeito ao problema da existência, no museu, de colecções com várias sub-designações, a consulta aos cadernos originais é tarefa absolutamente essencial e espanta-nos que ainda não tenha sido efectuada, quer por Zilhão, quer por outros investigadores que, mais recentemente, têm vindo a estudar o paleolítico superior de Rio Maior. É que, antecipando eventuais confusões, Manuel

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Heleno, por diversas vezes, produz precisamente anotações explicativas em relação às designações de vários locais dentro de cada sítio – veja-se, à guisa de exemplo, a nota relativa a Vale Comprido no anexo 4. Os exemplos aqui apresentados constituem apenas uma pequena amostra da informação inédita contida na documentação original, e que importa, indubitavelmente, analisar em detalhe, com vista à revisão das publicações e apreciações do que designámos como “fase obscura”. 7. DISCUSSÃO: PARA UMA VALORIZAÇÃO DAS COLECÇÕES DE MANUEL HELENO Foram várias as razões que nos levaram a efectuar este trabalho de investigação. Em primeiro lugar, e numa nota mais pessoal, durante o ano de 2009 fomos responsáveis pela escavação de dois contextos arqueológicos de ar livre (um em Leiria e outro em Porto de Mós), que se enquadram na transição entre o Gravettense e o Solutrense, e que apresentam como principal característica a presença importante das chamadas “Pontas de Vale Comprido”. Ora, desde os trabalhos de Heleno em 1940 que não se encontravam estações paleolíticas com estas características. A nossa análise ao espólio das novas estações mostrou, por um lado, a relativa raridade de elementos de pequenas dimensões (esquírolas) e, por outro, a quase completa ausência de materiais em quartzo. Como vimos anteriormente, estas ausências foram durante anos atribuídas às “recolhas seleccionadas” por parte de Heleno. Perante esta situação, sentimo-nos impelidos a investigar os cadernos de Heleno, de maneira a averiguar de facto quais as condições metodológicas das suas explorações. É óbvio, que à luz das exigências actuais (e mesmo das exigências da época), as metodologias de Heleno deixam muito a desejar. O objectivo deste trabalho, no entanto, nunca foi criticar Heleno ou, pelo contrário, elogiá-lo. Pretendeu-se, isso sim, e duma forma tão imparcial quanto possível, averiguar se os seus cadernos de campo e outra documentação original poderiam ser utilizados como fontes de carácter histórico para um devido enquadramento metodológico e logístico das escavações e, por acréscimo, do coleccionismo de Heleno. A resposta é, quanto a nós, francamente positiva e aliciante. Não só nos foi permitido, através da análise da documentação, a descoberta de protagonistas até agora desconhecidos, mas igualmente, do ponto de vista científico, obter informação inédita sobre algumas das colecções. Ora, sendo uma das funções dum Museu a investigação e a valorização das suas colecções, é perfeitamente natural que para museus de arqueologia, como é o caso que temos vindo a acompanhar, a informação sobre as características das explorações, recolhas

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e incorporações sejam devidamente investigadas. Os cadernos de Heleno são uma fonte essencial para esse estudo, e que abrangem, apenas e só, uma diacronia de mais de 30 anos de uma instituição. Para além da informação riquíssima que fornecem, podem ainda servir de pistas para novas investigações. A título de exemplo, um trabalho de detective que quiçá valesse a pena efectuar: Facto 1: É óbvio e claro que faltam, nas várias das colecções de Rio Maior no MNA, partes significativas das amostras. Facto 2: Os cadernos mostram que não houve descarte diferencial no campo. Facto 3: Foi no entanto efectuada uma selecção dos materiais a vir para o museu, sendo armazenado o restante espólio em caixotes e embrulhos num armazém dum colaborador local, de nome Casquilho. Hipótese 1: E se, por sorte, esses materiais ainda estivessem perdidos em Rio Maior? A sua recuperação permitiria uma valorização incrível das colecções existentes no MNA. Como tentar, no entanto, testar tal hipótese? Sabemos que João Moleiro, o principal informador dos anos 80, já faleceu. No entanto, será talvez possível encontrar, nos arquivos da contabilidade do museu, recibos correspondentes aos pagamentos efectuados aos trabalhadores locais. Com sorte, talvez fosse possível descobrir um referente a pagamentos ao sr. Casquilho. Com mais sorte, talvez fosse possível descobrir a sua morada. Com mais sorte ainda talvez ainda existissem familiares seus em Rio Maior. E se, por acaso dos acasos, tivessem estes guardado as velhas caixas e embrulhos do seu antepassado, num barracão qualquer? Worth a shot? Especulações à parte, a verdade é que existe a necessidade premente de uma análise sistemática aos cadernos de Heleno, que permitirá indubitavelmente uma valorização das suas colecções e uma nova perspectiva sobre o seu coleccionismo. Este trabalho foi essencial para nos evidenciar a importância do ecletismo do investigador em relação às suas fontes, e constituiu-se como uma lufada de ar fresco para quem usualmente passa mais tempo junto a calhaus do que junto a papéis!

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Cardoso, J.L. (2002) – Pré-História de Portugal. Lisboa: Verbo. Fabião, C. (1999) – Um século de arqueologia em Portugal – I. Al-madan. II série (8). Almada: 104-126. Heleno,M. (1930/31) – Nova organização do Museu. O Archeologo Português. Lisboa : Museu Ethnographico Português. - S. 1, vol. 29: 209-218. Heleno, M. (1956) – Um quarto de século de investigação arqueológica. O Archeologo Português. Lisboa : Museu Ethnographico Português. - N. s., vol. 3: 221-237. Heleno, M. (1956b) – O Professor Henri Breuil. O Archeologo Português. Lisboa : Museu Ethnographico Português. - N. s., vol. 3: 239-246. Heleno, M. (1962) – Bosch Gimpera. O Archeologo Português. Lisboa : Museu Ethnographico Português. - N. s., vol. 4: 309-311. Klaric, L.; Guillermin,P.; Aubry,T. (2009) - Des armatures variées et des modes de productions variables. Réflexions à partir de quelques exemples issus du Gravettien d’Europe occidentale (France, Portugal, Allemagne). Gallia prehistoire.51. CNRS : 113154. Rocha, L. (2005) – As origens do megalitismo funerário: a contribuição de Manuel Heleno. Tese de Doutoramento. 2 Vols. http://www.crookscape.org/textmar2009/LR_vol1.pdf http://www.crookscape.org/textmar2009/LR_vol2.pdf Saavedra Machado, J.L. (1964) - Subsídios para a História do Museu Etnológico do Doutor Leite de Vasconcelos. O Archeologo Português. Lisboa : Museu Ethnographico Português. - N. s., vol. 5: 51-448 Zilhão, J. (1987) – O Solutrense da Estremadura Portuguesa. Trabalhos de Arqueologia nº4. Lisboa. IPPC. Zilhão, J. (1995) – O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa. Tese de Doutoramento apresentada à faculdade de letras de Lisboa. Policopiada. Zilhão, J. (1997) – O Paleolítico Superior da Estremadura Portuguesa. Lisboa. Edições Colibri. 2 vols.

ANEXOS

QUADRO 1 Estações de Ar Livre do Paleolítico Superior na Estremadura Portuguesa: a importância dos trabalhos de Heleno até aos anos 80 do século XX. (a partir de Zilhão 1995/ 1997)

Nota: A estação Solutrense de Baío, inicialmente detectada por Leonel Trindade, foi igualmente objecto de trabalhos por parte de Manuel Heleno.

FIGURA 1 Relocalização de algumas das estações intervencionadas por Manuel Heleno entre 1937 e 1942, efectuada, na ausência dos cadernos de campo originais, a partir de entrevistas EM 1975, por parte do G.E.P.P. (Grupo para o Estudo do Paleolítico Português), a João Moleiro, um antigo colaborador dos trabalhos, e posteriormente “confirmadas” por João Zilhão em 1985.

(In Zilhão, 1995).

ANEXO 1. TEXTO DE INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO DA TESE DE DOUTORAMENTO DE JOÃO ZILHÃO RELATIVO AO ESTUDO DA ESTAÇÃO DE VALES DA SENHORA DA LUZ (Zilhão 1997: 275-276) “17. VALES DA SENHORA DA LUZ = TERRA DO MANUEL (1938-39)? 17.1. Sítio Segundo Saavedra Machado (1964), a equipa de Heleno teria levado a cabo trabalhos de «exploração», em 1938, e de «investigação», em 1939, numa jazida denominada «Vales da Senhora da Luz». Tanto o sr. João Moleiro, que participou em todos os trabalhos realizados nas imediações desta povoação, como o sr. António Guilherme, proprietário do terreno onde se situa a estação da Terra do Manuel, são categóricos, porém, em afirmar que não foram feitas quaisquer outras escavações de sítios paleolíticos de ar livre na zona para além das que tiveram lugar nesta última jazida e nas da Terra do José Pereira e da Terra do Xavier (ver capítulo 18). Uma vez que Saavedra Machado afirma que a escavação destas jazidas foi levada a cabo entre 1940 e 1942, parece bastante provável que, na realidade, a colecção de materiais líticos de Vales, sítio que ele refere ter sido intervencionado antes de 1940, corresponda ao espólio das primeiras campanhas realizadas numa daquelas três estações. Dado que a Terra do Xavier apenas foi objecto de sondagens, o sítio em causa deverá ser ou a Terra do José Pereira ou a Terra do Manuel e, mais provavelmente, esta última, por diversas razões: primeiro, porque era essa a opinião do sr. João Moleiro; segundo, porque é dos três sítios o único que se situa mesmo dentro da povoação; terceiro, porque, mesmo tendo em conta a existência de diferenças muito importantes, o respectivo espólio não deixa de ter alguns pontos de semelhança estrutural com o da Terra do Manuel. Dada a extensão da área que aqui foi escavada, essas diferenças estarão provavelmente relacionadas com o facto de haver variações laterais na composição do nível arqueológico, tendo as campanhas de 193839 (em que a estação era denominada «Vales da Senhora da Luz») e de 1940-42 (em que a estação havia já passado a ser denominada «Terra do Manuel») incidido sobre áreas diferentes da jazida. Em apoio desta hipótese podem avançar-se ainda dois argumentos adicionais: o de que as escavações de 1988-89, realizadas numa área contígua à explorada Heleno na Terra do Manuel, produziram um conjunto lítico também ele com diferenças significativas em relação a qualquer um dos provenientes das escavações antigas (ver capítulo 19); e o de que a mudança de designação de uma mesma jazida após a realização das primeiras campanhas está igualmente documentada no caso da estação do Forno da Telha (Bocas) que, inicialmente, foi designada como «Alto das Bocas II – sopé do lado nascente» (Araújo1993). Por outro lado, a dimensão da colecção (mais de duas mil peças, incluindo 232 núcleos e 311 utensílios retocados – ver Quadro 17.1) indica que se trata de facto de material proveniente de

trabalhos de escavação e não de simples recolhas de superfície realizadas por toda a zona e em que pudessem estar misturados materiais de origem diversa. A arrumação dos espólios nas reservas do M.N.A. (Museu Nacional de Arqueologia), que poderia fornecer pistas importantes para a resolução do problema, não é, no entanto, infelizmente, esclarecedora. A colecção de «Vales da Senhora de Luz» (que foi inventariada sob o nº de complexo 987.49), estava integralmente guardada, com efeito, na 3ª prateleira do sector direito da Vitrina 129. A da Terra do Manuel encontrava-se também conservada toda junta, em idêntico sector da 2ª prateleira da mesma vitrina. A da Terra do José Pereira, porém, encontrava-se mais dispersa, parte junto com a de Vales da Senhora da Luz, parte junto com a da Terra do Manuel, o restante nos sectores esquerdos das 2ª e 3ª prateleiras desta mesma vitrina. As poucas indicações disponíveis sobre as condições de jazida dos materiais sugerem que elas terão sido idênticas às documentadas para o caso dos espólios seguramente provenientes da Terra do Manuel (ver capítulos 18 e 19). A presença de um machado polido aponta para a existência de um nível superficial holocénico; e um denticulado marcado, a lápis, com a indicação de que teria sido recolhido a 2,85 m de profundidade, pode ser tomado como testemunho da existência de bolsas relacionadas com fenómenos de sucção cársica como as identificadas na área das escavações modernas. A ganga ainda agarrada a muitas das peças é, aliás, idêntica à das camadas 2a-2s desta última área. Não podendo optar-se com segurança quanto a origem precisa da colecção, parece, no entanto, que as provas circunstanciais disponíveis são suficientes para admitir que deverá tratar-se de uma colecção de origem delimitada, espacialmente localizada na zona da Senhora da Luz, entre a Terra do Manuel (sendo provavelmente um locus específico desta última) e a Terra do José Pereira, e com proveniência estratigráfica idêntica à dos materiais recolhidos nestas duas jazidas. Não havendo quaisquer indícios de se tratar de uma colecção truncada (correspondendo, por hipótese, apenas a parte do espólio de uma das jazidas da zona), ou misturada (em resultado das insuficiências da etiquetagem das reservas do M.N.A., por exemplo, ou como consequência de se tratar originalmente de recolhas de superfície), optou-se por empreender o seu estudo e por considerá-la, pelo menos até prova em contrário, como constituindo uma amostra representativa da tecnologia lítica de uma ocupação humana realizada em época e sítio determinados e cujas características importaria estabelecer. […]

ANEXO 2. CARTA DE MANUEL PEDRO MADEIRA PARA MANUEL HELENO, APENSA AO CADERNOS DE CAMPO DE 1940 REFERENTE AOS TRABALHOS EM CASAL DO FELIPE E TERRAS DO XAVIER “Exmo.Sr.Director.

Desejo primeiro do que tudo muita saúde a V.exa., a sua esposa e ao menino. Cá ando no vale Comprido que dá bastantes objectos. Envio outro relatório porque esgotei o livrinho e já sigo com outro que se assim caminhar a dar objectos, breve o enviarei. Vou e venho ca carrocinha do David. Desejo muita saúde para toda a família de V.exa., um beijinho para o menino e V.exa. receba cumprimentos do Madeira”

ANEXO 3 CADERNO/ DIÁRIO DE CAMPO DE MANUEL PEDRO MADEIRA REFERENTE AO ANO DE 1942 “Diário das escavações na Terra Manuel dos Vales (Sra. da Luz), Casal do Felipe, Vale Comprido. Rio maior Senhora da Luz Terra do Manuel dos Vales Começo do trabalho no dia 18/5/1942 Começou-se aluindo a trincheira para continuação do trabalho. A vala já atinge a profundidade de 1,83 e onde apareceram: [5 desenhos] – alguns objectos encontrados no dia 18/5/1942 de 1m,20 para baixo Dia 19/5/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do Manuel dos Vales [4 Desenhos] a 1,40 20/5/1942 Continuação dos serviços na Terra do Manuel dos Vales Senhora da Luz Continua a aparecer pederneira alguma com trabalho arqueológico. A vala já atinge a profundidade de 1,83 e onde apareceram alguns instrumentos dos quais faço croquis [6 desenhos] 21/5/1942 Continuação dos trabalhos na Senhora da Luz Terra do Manuel dos Vales [4 desenhos] 22/5/1942 Continuação dos trabalhos na Senhora da Luz Terra do Manuel dos Vales Começa a rarear a pederneira e há um veio de terra que vem em diagonal do lado sul e segue para no o qual não tem pederneira. Esta terra negra aparece a 40cm e vai ate ao fundo. Fundo de rocha a 1,70m. Começa a aparecer outra vez terra amarelada assente em cima da rocha e começa a dar pederneira em abundância a 1,60m. Entre a pederneira aparecida encontraramse alguns objectos trabalhados. Entre alguns desenho os melhores. [4 desenhos] Chegámos a 2m,10. 23/5/1942 Continuação das escavações na Terra do Manuel dos Vales Senhora da Luz A perto de 2,20m ao lado do Sul no fundo da trincheira apareceu um pequeno buraco na rocha, do qual saiu agua que inundou um pouco a trincheira. Deve de ser bolsa de agua porque está baixando de nível. No fundo ainda dá pederneira à roda da rocha. Vão-se tirar as lamas e a agua, para secar o fundo da trincheira. dia 25/5/1942 Continuação do trabalho na Terra do Manuel dos Vales Senhora da Luz A pederneira aparece a 1,10 de fundo e chegou a 2,40. Esta parte da exploração tem sido morosa por ter aparecido agua nascente e haver neste sitio bastante pederneira com trabalho. Entre esta pederneira apareceu uma pedra que me parece ser uma raspadeira buril.

[1 desenho] 26/5/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do Manuel dos Vales Senhora da Luz Continua a aparecer pederneira com trabalho. a maior quantidade para ser tirada é preciso esgotar a agua nascente com pequenos intervalos. Pela tarde começou a falhar o aparecimento da pederneira. 27/5/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do Manuel dos Vales (Senhora da Luz) Começa a rarear a pederneira. Na continuação da vala ainda não apareceu. No caso de não aparecer, farei sondagens mais adiante para assim verificar se a pederneira acabou. 28/5/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do Manuel dos Vales (Senhora da Luz) Principiaram as sondagens no dia 27 de tarde e continuam hoje. Até agora meio-dia nas sondas ainda não apareceu pederneira. 29/5/1942 Acabaram as sondagens na Terra do Manuel dos Vales. Nas sondagens feitas não apareceu pederneira. Começo do trabalho na Gruta da Mata do Forno. […] 30/5/1942 […] Como os campos estão semeados não pude fazer sondagens noutros lados, por isso de tarde fomos para as bocas para a escavação do Forno da Telha, para limpar e tirar algum mato por cima para principiar a escavação quando o sr.director vier o que calculo seja breve. Na segunda-feira feira começarei pelo alto das bocas no caso do sr.director não vir hoje sábado, ou amanha. 1/6/1942 […] Poucas horas se esteve ai e tornamos a fazer sondagens na Terra do José Pereira que fica defronte da Terra do Manuel dos Vales. 3 feira 2/6/1942 Continuação das valas na Terra do José Pereira. Tem dado alguma pederneira. 3/6/1942 Fez-se nova sondagem na Terra do Manuel dos Vales, por ordem do sr. director. Ficaram neste serviço somente 2 homens e o rapaz e o restante pessoal seguiu com o sr. director para pesquisas no Via Vai. 4/6/1942 Não houve serviço por ser dia santo e os homens não trabalharem. Os objectos com trabalho que estavam em meu poder foram para o museu. 5/6/1942 Continuação da vala na Terra do José Pereira. Este terreno tem o nome de Cabeço Gordo – está a dar pederneira e entre ela alguns objectos bem trabalhados. Fica esta terra defronte da do Manuel dos Vales. e é somente separada pela estrada. Fica do lado norte junto a um forno de cal. Uma das valas já tem 1,80m de altura e está a dar objectos muito bem trabalhados como alguns dos quais faço os croquis. [3 desenhos]

6/6/1942 Continuação dos trabalhos no Cabeço Gordo (Terra do José Pereira). Continua a dar pederneira e entre ela alguns bons objectos bem trabalhados. Entre eles desenho alguns. [1 desenho] grande e boa raspadeira aparecida a 1,80. [4 desenhos] Continuo a afundar a vala até acabarem os objectos na mesma para ir ao Casal do Felipe e tornar a voltar aqui para continuar a exploração alargando a vala visto estar a dar tão bons objectos. 8/6/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Felipe Pereira 9/6/1942 Trabalho no Casal do Felipe Começou a aparecer pederneira no caminho. (estrada de carro). 10/6/1942 Trabalho na estrada que fica junto ao Casal do Felipe. tem pederneira. Tem aparecido alguma com trabalho. Tais como raspadores e pontinhas. 11/6/ 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe. o trabalho é feito na estrada porque dos lados tem aveia e trigo semeados. 12/6/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe. Começou a pederneira a desviar para o lado da aveia semeada. Parei por esse motivo o serviço e torno para a Terra do José Felipe Pereira esperando que seja ceifada a aveia. Tem dado objectos com trabalho dos quais faço alguns croquis. [17 desenhos] Pontas aparecidas no Casal do Felipe (na passagem do carro. estrada de terra). sábado 13/6/1942 Não houve trabalhos por ser dia santo. (Sto. António). 15/6/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a aparecer pederneira. Há um embrulho do Vale Comprido, ao pé da Alagôa? (não será lagoa?). Fica esta terra perto do moinho que se vê do Vale Comprido e que fica à direita do outro moinho que fica ao lado do do Cabeço da Figueira. Esta estacão foi descoberta pelo Manuel das Bairradas. 17/6/1942 Não se pôde trabalhar por causa da chuva. 18/6/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. 19/6/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Faço alguns croquis dos melhores objectos [12 desenhos] 22/6/1942

Continuação dos trabalhos no Cabeço Gordo - Terra do José Pereira. Vales da Senhora da Luz Continua a dar pederneira 23/6/1942 Continuação dos trabalhos no Cabeço Gordo - Terra do José Pereira. Vales da Senhora da Luz Continua a dar pederneira com trabalho. 24/6/1942 Continuação dos trabalhos no Cabeço Gordo - Terra do José Pereira. Vales da Senhora da Luz 25/6/ 1942 Continuação dos trabalhos no Cabeço Gordo - Terra do José Pereira. Vales da Senhora da Luz Continua a dar pederneira com trabalho. Aparece pederneira até 1,80. 26/6/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. Aparece pederneira ate 1,80. 27/6/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. Aparece pederneira até 1,80. 29/6/1942 Não houve trabalho por ser dia de São Pedro. (2ª feira) 30/6/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. 1 do 7/1942 Trabalho na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. 2 7 1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a aparecer objectos de pederneira trabalhados. 3 7 1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a aparecer pederneira com trabalho. Calculo que amanhã sábado acabarei a escavação deste terreno, do princípio da terra até à vala grande, que fica perto da sementeira de milho; para 2 feira 6 de Julho marcharmos para o Vale Comprido para escavação junto à barraca. 4 7 1942 Acabamento dos trabalhos na Terra do José Pereira (não pode seguir o serviço por a terra estar semeada). 6 7 1942 Principio da escavação no Vale Comprido junto à barraca. Tem dado pederneira alguma dela com trabalho. 7 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira sendo alguma trabalhada. [16 desenhos] 8 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho.

[14 desenhos] 9 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. [21 desenhos] 10 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar objectos com serviço 11 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar objectos com trabalho. 13 7 1942 Foram 4 homens à procura de pederneira e trouxeram alguma com trabalho. 14 7 1942 Foram 4 homens para o lado das Fráguas procurar pederneira e estou a espera de correspondência e autorização para ir para o Casal do Felipe. 15 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Principio do trabalho com mulheres à siranda. Continua a aparecer pederneira e seguem os trabalhos normalmente. [8 desenhos] 16 4 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. [5 desenhos] 17 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com serviço. [10 desenhos] 18 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. [8 desenhos] 20 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. [6 desenhos] 21 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) [9 desenhos] 22 7 1942

Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. 23 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. 24 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. 25 7 1942 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) Continua a dar pederneira com trabalho. [4 desenhos] Acabei hoje sábado 25 de Julho de 1942 a primeira exploração deste ano no Vale Comprido (junto à Barraca) para ir para o Casal do Felipe na 2ª feira 27 7 1942 Casal do Felipe 27 7 1942 [3 desenhos] Principiou-se a escavação no sitio onde estava semeada a aveia. Fez-se uma vala e com três [ilegível – homens?] a trabalhar principiou-se o serviço. Já esta dando objectos com trabalho dos quais desenho alguns. [2 desenhos] 28 7 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe [3 desenhos] 29 7 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe [7 desenhos] 30 7 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe [3 desenhos] 31 7 1942 Continuação das escavações no Casal do Felipe [5 desenhos] pontas e raspadores. Todos os objectos têm aparecido desde a superfície ate 60 cm de fundo. [5 desenhos] 1 8 1942 Continuação das escavações no Casal do Felipe [8 desenhos] Continuam a aparecer os objectos ate à altura máxima de 60 cm. 3 8 1942

Continuação das escavações no Casal do Felipe [4 desenhos] Começou hoje a rarear a pederneira 4 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe 5 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a aparecer pederneira 6 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira, alguma com trabalho. (esteve cá o sr. director) 7 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Trabalhei em casa com o sr. director. 8/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira com trabalho. 10/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira com trabalho. [3 desenhos] 11/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe. Hoje deu muito pouco. 12 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira com trabalho. [8 desenhos] 13 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira com trabalho. [5 desenhos] 14 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira com trabalho. 15 8 1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira mas em pouca quantidade. 17/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pederneira. [4 desenhos]

18/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe 19/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe 20/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Começa a aparecer pouca pederneira com trabalho 21/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Começa a dar pouco. 22/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Continua a dar pouco. 24/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe Hoje não deu nada. Escrevi ao sr. director nesse sentido para receber autorização para ir para a Terra do José Pereira. Espero resposta. 25/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe e sondagem na Terra do José Bernardino que confina com o Casal do Felipe. as sondagens feitas no Casal do Felipe não deram pederneira. 26/8/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Bernardino. Começou-se uma vala a qual a 1,5 de fundura deu algumas pedras com trabalho. Passo a chamar a esta terra, Terra do José Bernardino. Esta terra pega pelo sul com o Casal do Felipe. 27/8/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Bernardino. Está dando pederneira embora pouca quantidade. 28/8/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Bernardino. Continua a dar pederneira. 29/8/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Bernardino. (junto ao Casal do Felipe). Dá pouco. 31/8/1942 Continuação dos trabalhos no Casal do Felipe. Continua a dar pouco. 3 /9/1942 Continuação da trincheira na Terra do José Bernardino, junto ao Casal do Felipe. 6 feira 4/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Bernardino. Dá pouco e espero ordens para seguir para outro lado. 5/9/1942 Acabamento do serviço na Terra do José Bernardino - Casal do Felipe. 7/9/1942 Trabalho na Terra do José Pereira. Começa a dar pederneira. 8/9/1942

Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. 9/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira começa a dar pederneira. 10/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira Continua a dar pederneira com abundância. 6 feira 11/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. 12/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. (esteve cá o sr.director). 14/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. 15/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. 16/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Seguimento de uma vala. Continua a dar pederneira. 17/9 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar pederneira com trabalho. 18/9 Continuação da vala. Esta começou a dar pederneira a 1,20 de fundo. 19/9 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Não tenho de alguns dias a esta parte feito alguns croquis por andar em tratamento da mão direita que foi mordida por um carbúnculo. 22/9 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Apareceram alguns raspadores dos chamados focinho de porco e algumas pedras com trabalho. 23/9 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a dar objectos com trabalho. 24/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira. Continua a aparecer pederneira com trabalho. [5 desenhos] 25/9/1942 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira [2 desenhos] 26/9 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira 28/9 Continuação dos trabalhos na Terra do José Pereira

Aluimento da terra e acabamento da vala para seguir para Vale Comprido. 29/9 Principio de uma vala no Vale Comprido (junto à barraca) 30/9 Não houve trabalho por causa da chuva. 1/10/ Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) 2/10 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) 3/10 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido (junto à barraca) 6/10 Continuação dos trabalhos no Vale Comprido. Continuação dos trabalhos no Vale Comprido até 10/10/1942 data em que este ano se acabaram as escavações neste local, seguindo-se as pesquisas pelos arredores de Rio Maior. Buscas de estacões pelos arredores de Rio Maior. No dia 12 passamos por Via Vai do qual veio um raspador grande afocinhado e seguimos para as quintas e arredores. Apareceram algumas peças trabalhadas nas quais escrevi a proveniência. Dia 13 seguimos para o lado dos Pisões depois de termos explorado o Vale Branco de onde trouxemos algumas peças com trabalho. Dia 14. Depois de passarmos pelo Vale Barca onde apanhamos alguns pedaços de pederneira com trabalho seguimos pelo Casal do Larôjo e seguimos ao Cabeço da Moura (que não deu nada) seguindo para S. João da Ribeira. Na Cabeça Gorda (entre S. João e a ribeira) encontrou-se uma área não muito grande com pederneira, da qual vão alguns objectos. 15/10 – Hoje seguimos à marinha. Depois de passarmos pelo Barbeito e da Quinta do Alecrim trouxemos algumas pedras com trabalho. (chegámos ate ao Vale da Laranja). dia 16 – seguimos pelo Vale da Laranja até Têra. Aparecem nesta terra algumas pederneiras com trabalho e a 1 k m ao Noroeste, na Cova dos Texugos, encontrou-se uma gruta. Passou-se o dia explorando as encostas da serra. Esta aldeia (Têra) fica a uns 3 k m das Alcobertas. dia 17 – Foram às Alcobertas sondar os terrenos. Trouxeram algumas pedras com trabalho (poucas). Tornaremos lá mas por outra estrada. 19-10/1942. Foram a Almoster onde encontraram pouca pederneira com trabalho e na passagem por Vila Nova do Coito, também trouxeram algumas pedras, mas não encontraram cousa alguma que denunciasse uma estacão. 20-10-1942. Foram às Alcobertas do Ôlho. (nascente que ali existe com esse nome) trouxeram algumas pedras (poucas).

ANEXO 4 CADERNO DE CAMPO DE MANUEL HELENO REFERENTE AO ANO DE 1942 (EXCERTO)

“Escavações de Rio Maior. As escavações iniciaram-se no dia 18 de Maio de 1942. Foram exploradas sistematicamente as seguintes estacões que já tinham sido objecto de campanhas anteriores: a) estacão aurignacense (perigordense) da Sra. da luz Terra do Manuel dos Vales: Concluída. Na parte final a camada arqueológica tornou-se bastante profunda e encontrou-se uma nascente, talvez da maior importância no paleolítico.superior. b) estacão da Sra. da luz (Terra do José Pereira): é a Continuação da estacão anterior, do outro lado da estrada. A camada arqueológica é profunda a… Encontrou-se com aurignacense, 1 fragmento de ponta solutrense, típico, e uma ponta inacabada, esta em terra remexida junto a um sobreiro que fica ao lado do caminho que segue para os vales e casal do Felipe. Apareceu paleolítico. c) Casal do Felipe: continuaram as escavações, continuando as pontas aguçadas a aparecer. Estacão arqueológica a profundidade. d) Vale Comprido (ao pé da barraca)(1). Grande quantidade de buris, em geral de ângulo. Aurignacense, base do perigordense. (começos do Aurignacense Superior). (1) No Vale Comprido podemos distinguir: a) Vale comprido 1 (ao pé do moinho) – atelier b) vale comprido II (ao pé da barraca) – aurignacense c) vale comprido III (solutrense) d) vale comprido IV (calcolitico) no Vale Comprido, junto ao moinho, apareceu paleolítico (acheulense e languedocense)”

ANEXO 5 PRINCIPAIS FONTES UTILIZADAS POR SAAVEDRA MACHADO NOS SEUS SUBSIDIOS PARA A HISTORIA DO MUSEU ETNOLOGICO “1 O próprio museu e suas colecções 2 Os relatórios de escavações e explorações arqueológicas, das investigações e inquéritos etnográficos das colheitas antropológicas e numismáticas 3 Os livros de registo das entradas de objectos 4 Os livros de inventários 5 Os catálogos manuscritos e impressos 6 Os livros da contabilidade; os processos de contas arquivados no tribunal de contas e na secretaria geral da universidade de Lisboa, cujos duplicados se encontram no museu; 7 Os arquivos da correspondência Oficial recebida e expedida. 8 Os livros de ponto 9 As publicações do museu, do director, e de funcionários; de estudiosos relacionados com o museu, e de pessoas que se serviram das suas colecções para os seus trabalhos 10 As referencias de revistas e jornais nacionais e estrangeiros 11 Documentos oficiais e extra oficiais 12 A correspondência Particular, referente ao museu, de funcionários do mesmo 13 A legislação oficial.”

FIGURA 2 Revisão das localizações apresentadas na figura 1, à luz dos cadernos de campo originais de Manuel Heleno e Manuel Pedro Madeira: confirma-se a coincidência geral entre as estações da Terra do Manuel e a de Vales da Senhora da Luz (VSL), mas corrige-se a localização da Terra do José Pereira (TJP), que ficava imediatamente a Norte da Terra do Manuel e não junto à Terra do Xavier.

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