AS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO DOS TIPOS SOCIETÁRIOS BRASILEIROS

June 4, 2017 | Autor: Reili Sampaio | Categoria: Corporate Law, Consumer Protection (Law)
Share Embed


Descrição do Produto

1º SEMINÁRIO NACIONAL INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA DO CONSUMIDOR

AS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO DOS TIPOS SOCIETÁRIOS BRASILEIROS

Reili de Oliveira Sampaio

Niterói/RJ 2014

1

AS ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO DOS TIPOS SOCIETÁRIOS BRASILEIROS Reili de Oliveira Sampaio, Graduando em Direito pela Universidade Federal Fluminense E-mail: [email protected] Resumo O presente trabalho visa analisar os principais aspectos da responsabilidade civil no Direito do Consumidor com o enfoque dos tipos societários existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Passando pela natureza jurídica das sociedades, divididas em simples e empresárias, tratamos dos diversos tipos societários dessas duas searas de estudo, analisando suas principais características e respectivas diferenças. Relacionando as sociedades com o Direito do Consumidor, identificamos as principais ocasiões em que encontramos as figuras do consumidor, do fornecedor e do consumidor por equiparação nas relações entre as sociedades e outras pessoas físicas ou jurídicas. Por fim, abordamos brevemente a evolução do estudo da responsabilidade civil, relacionando-a à atividade societária e seus reflexos nas atividades simples e empresariais, assim como o enquadramento da sociedade como fornecedora e a sua proteção como consumidora. Palavras-chave: Sociedades; Responsabilidade Civil; Consumidor. INTRODUÇÃO A evolução doutrinária no estudo das relações de consumo tem mostrado grande importância para o Direito brasileiro. De acordo com dados do IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), já em 2013, as ações com objeto no Direito do Consumidor já somavam quase metade de todos os processos judiciais brasileiros1. Temas como responsabilidade objetiva, responsabilidade subjetiva, proteção dos direitos do consumidor e harmonização das relações de consumo têm pautado as sentenças judiciais, os estudos acadêmicos e as discussões políticas no âmbito legislativo e regulador das últimas décadas, no Brasil.

1

Notícia. Ações de consumo somam quase a metade dos 90 milhões de processos no Judiciário.Disponível em: Acesso em 01.08.2015

2

O ingresso de consumidores ou fornecedores no mercado de consumo, portanto, não deve ignorar certos detalhes que podem se tornar objetos de disputas judiciais e extrajudiciais. Esclarecer esses atores é papel dos órgãos responsáveis, mas também dos acadêmicos da área jurídica. Em meio a diversos e divergentes entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, o modo de apresentação dessas ideias tem sido cada vez mais relevante, haja vista que indivíduos conscientes de seus direitos e deveres possuem maior capacidade de se posicionarem no mercado, evitando atritos e lides causados pelo simples desconhecimento das normas. Sendo assim, é importante explicarmos do que tratam os Direitos Societário, do Consumidor e seus desdobramentos através da responsabilidade civil nas relações de consumo. 1 De que trata o Direito Societário? Numa divisão didática do Direito, o ramo do Direito Societário é aquele que se ocupa do estudo das Sociedades. Marlon Tomazette, ao conceituar as sociedades, estabelece cinco requisitos para a sua existência. São eles a) pluralidade de pessoas; b) reunião de capital e trabalho; c) exercício de atividade econômica; d) fins comuns e; e) partilha dos resultados.2 O Código Civil Brasileiro, Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seu artigo 44, inciso II, define as sociedades como pessoas jurídicas de direito privado. Já em seu artigo 981, ele conceitua sociedades, utilizando elementos semelhantes àqueles apresentados por Tomazette: Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Cabe aqui distinguirmos sociedade de empresa. Comumente utilizados como sinônimos na linguagem do dia-a-dia, o Direito define diferentemente esses dois conceitos. Empresa é a atividade exercida pelas sociedades empresárias ou pelo empresário individual, e não sujeito de direitos, como é a sociedade. Esta trata-se de pessoa jurídica que pode ou não exercer uma empresa (atividade empresarial). Caso a sociedade seja de natureza empresária, exercerá uma empresa. Caso seja de natureza simples, não exercerá. O importante a observarmos é que empresa é uma atividade, enquanto sociedade é uma pessoa (do tipo jurídica).3 2

TOMAZETTE, M. . Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. V. 1.. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 202. 3 TOMAZETTE, op. cit. p. 203.

3

Desse modo, o Direito Societário visa estudar a Sociedade, tendo como objeto a sua formação, atuação e extinção, na forma das leis vigentes e seus entendimentos doutrinários. 1.1 Natureza jurídica das sociedades Outra distinção essencial ao nosso estudo é quanto à natureza jurídica das sociedades. Lei e doutrina as classificam em simples ou empresárias. Ambas exercem atividade econômica, mas diferenciam-se pela natureza da atividade desenvolvida. O artigo 982, do Código Civil de 2002, é a base legal para essa distinção. Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Consideram-se sociedades empresárias aquelas que exercem a atividade empresarial descrita no artigo 966, do mesmo diploma legal. Assim, a pessoa jurídica que exerce profissionalmente, atividade econômica de forma organizada, para a produção ou circulação de bens ou serviços. Analisando os elementos do conceito normativo de empresário, temos que atividade profissional é aquela que se diferencia da eventual, ou seja, aquela que não se dá em um período isolado no tempo, mas sim com habitualidade e com o objetivo duradouro. Além disso, a atividade econômica exercida deve ser organizada, ou seja, deve mobilizar os fatores de produção para os fins estabelecidos na constituição da sociedade. As sociedades simples, por exclusão, são todas aquelas não enquadradas no conceito de empresária. Normalmente, simples são as sociedades que exercem atividades intelectuais, artísticas ou científicas, desde que não constituam elemento de empresa. 1.2 Tipos ou formas societárias Ainda no artigo 982, do Código Civil, transcrito acima, temos, no parágrafo único, menção aos tipos societários de uso específico de cada natureza jurídica. Enquanto a sociedade por ações é um modo de organização e constituição somente da sociedade empresária, a cooperativa é um modo do qual só dispõe a sociedade simples. O Código Civil de 2002 (CC/02) divide, entre os subtítulos do Livro II (Do Direito de Empresa), Título II (Da Sociedade), os tipos societários quanto a sua personalidade jurídica. No Subtítulo I constam as sociedades despersonificadas, ou seja, aquelas que não possuem personalidade. No Subtítulo II, por outro lado, constam as sociedades dotadas de

4

personalidade jurídica. A personalidade jurídica das sociedades advém do registro de seu ato constitutivo no órgão competente. Para as sociedades empresárias, trata-se da Junta Comercial, que é o único órgão do Registro Público das Empresas Mercantis autorizado a realizar o registro dos empresários. No caso das sociedades simples, a personalidade será adquirida junto ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Como sociedades despersonificadas, temos a sociedade em comum e a sociedade em conta de participação. No rol das personificadas, constam a sociedade simples, a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples, a sociedade limitada, a sociedade anônima, a sociedade em comandita por ações e a sociedade cooperativa. O primeiro tipo societário tratado pela norma é a sociedade em comum.4 Como sociedade despersonificada, ela é aquela que não possui atos constitutivos escritos ou que, existindo, não foram submetidos ao devido registro no órgão competente. Antes do CC/02, a doutrina tratava desse tipo societário como sociedades de fato ou sociedades irregulares. Por não possuírem personalidade jurídica, as sociedades em comum também não possuem patrimônio próprio. O conjunto de bens organizados à disposição da sociedade constitui patrimônio especial que pertence aos sócios em condomínio.5 Além disso, seus sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade. Possuem benefício de ordem, ou seja, primeiro esgotam-se os bens do patrimônio especial, para a quitação de dívidas, para depois serem buscados o patrimônio particular dos sócios. Só não terá direito a esse benefício de ordem o sócio que contratou pela sociedade, conforme o artigo 990, do CC/02. Apesar de não serem dotadas de personalidade jurídica, as sociedades em comum possuem capacidade processual, como alguns outros entes despersonalizados. Estão sujeitas ainda ao processo falimentar da lei 11.101, de 2005. Como as sociedades em comum não possuem atos constitutivos registrados nos órgãos públicos, a prova de sua existência pode ser feita, pelos sócios, somente por escrito. Por outro lado, a prova realizada por terceiros poderá ser por qualquer meio admitido no direito. Essa regra será observada em ações judiciais em que a causa de pedir seja a existência da sociedade em questão.

4 5

Código Civil, artigos 986 a 990. TOMAZETTE, op. cit. p. 298.

5

O outro tipo societário despersonificado do nosso ordenamento é a sociedade em conta de participação.6 Esta sociedade é também chamada de sociedade oculta e se dá por um simples acordo entre um sócio que negociará com terceiros (sócio ostensivo) e outro sócio que não tratará com os clientes e não será conhecido do público externo à sociedade (sócio oculto). Essa sociedade, na verdade, só existe para os sócios e é utilizada também por pessoas jurídicas que desejam realizar investimentos em outras sociedades, sem o interesse de que o público em geral tome ciência dessas operações. Nesse tipo de sociedade, o sócio ostensivo atua em nome próprio, respondendo o sócio oculto somente perante o ostensivo, e não a terceiros. Caso exista algum tipo de disputa judicial entre esses sócios, eles podem provar a existência da sociedade por quaisquer meios, uma vez que não há formalidades para a realização da mesma, podendo acontecer, inclusive, por meio escrito ou verbal. Além disso, o eventual registro desse tipo de sociedade, em qualquer órgão, não a confere personalidade jurídica, como aconteceria nos outros tipos societários. É importante ressaltar, ainda, que a sociedade em conta de participação não está sujeita à falência. A eventual falência do sócio ostensivo significa a dissolução da sociedade, que se dará por simples ajuste de contas entre os sócios. Passando à análise das sociedades personificadas, temos as sociedades simples.7 Não há que se confundir o tipo societário simples com a natureza jurídica simples das sociedades. O tipo societário simples é um modo de organização das sociedades, com regras e formalidades próprias, diferentes dos outros tipos (sociedade limitada, anônima, em comandita etc). A natureza jurídica simples é um conceito que surge por exclusão, uma vez que, não sendo empresária, a sociedade será considerada de natureza simples. Assim, podemos ter sociedades de natureza jurídica simples, mas do tipo societário limitada, em nome coletivo, em comandita simples, cooperativa, ou até mesmo simples (também chamada de simples pura). O registro do Contrato Social da sociedade simples deverá ser realizado em 30 dias, junto ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ) e, caso não seja haja previsão contratual, a sua administração caberá a todos os sócios separadamente. A responsabilidade dos mesmos será subsidiária e ilimitada, a menos que optem pela responsabilidade solidária. Podem os sócios serem pessoas físicas ou jurídicas. Sendo pessoa física, deve o sócio ser capaz. Se incapaz, ele deverá ser representado ou assistido, conforme o caso específico. 6 7

Artigos 991 a 996, CC/02 Art. 997 a 1.038, CC/02

6

Nesse tipo societário, é admitido o sócio de serviços, ou seja, aquele que contribui para a formação da sociedade não com capital, mas sim com a prestação de serviços. Sua parte na sociedade (quotas) será calculada na forma da média do valor das quotas dos outros sócios. Não é admitido, na sociedade simples, a união de sócios casados por regime de comunhão universal ou separação total de bens. Essa regra está disposta no artigo 977, do CC/02. Ainda que seja alvo de críticas doutrinárias8, visa, no regime de comunhão, estabelecer a pluralidade de patrimônios, que não existiria na sociedade de indivíduos casados com patrimônios já unidos; ou evitar a união de patrimônios que deveriam estar separados, que é o caso do regime de separação total. A sociedade simples é considerada uma sociedade de pessoas, em contraposição às sociedades de capital. Na sociedade de pessoas, importa mais o aspecto pessoal dos sócios do que a questão financeira, ou seja, para a entrada na sociedade, é levado mais em conta quem é o sócio do que o valor financeiro que ele deseja integrar. Na sociedade de capital, a contrario senso, pouco importam as características pessoais dos sócios, desde que integrem a devida fração do capital social esperada. Um exemplo típico da sociedade de capital é a sociedade anônima de capital aberto, da qual qualquer indivíduo pode comprar ações, mesmo que não conheça ou nunca venha a conhecer nenhum dos outros sócios daquela entidade. Outro tipo societário dotado de personalidade jurídica é a sociedade em nome 9

coletivo. Os sócios dessa forma societária somente serão pessoas físicas. Historicamente, essas eram as antigas sociedades familiares10, típicas sociedades de pessoas, para as quais mais importa a característica pessoal dos sócios (quem são eles, se são pessoas de confiança dos demais sócios etc), do que efetivamente a parte a ser integralizada do capital social. Os sócios da sociedade em nome coletivo respondem solidária e ilimitadamente pelas dívidas da sociedade, com o devido benefício de ordem do art 1.024, do CC/02, ou seja, subsidiariamente ao capital social.11 Poderá haver limitação de responsabilidades, mas ela só valerá para os sócios, não tendo efeitos contra terceiros de boa-fé.

8

TOMAZETTE, op. cit. p 310. Artigos 1.039 a 1.044, CC/02 10 CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. Atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, v. 2, tomo 2, p. 174. 11 NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, V. 1 - 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 336. 9

7

O nome da sociedade em nome coletivo somente poderá ser do tipo firma, ou seja, não poderá ser utilizada a denominação ou nome fantasia. Da firma deverá constar o nome civil de um, alguns ou todos os sócios que a compõem, conforme a legislação própria. Pode-se dizer que a sociedade em nome coletivo é a sociedade genérica das sociedades empresariais, assim como a sociedade do tipo simples é a sociedade genérica das sociedades de natureza jurídica simples. Caso haja uma sociedade empresarial que não estabeleça claramente que tipo societário adota, ela será considerada em nome coletivo, para os fins legais. Outro tipo societário personificado é o da sociedade em comandita simples.12 Essa sociedade é característica pelas duas classes de sócio que possui: sócios comanditados e sócios comanditários. Os sócios comanditados possuem responsabilidade ilimitada, assemelhando-se aos sócios da sociedade em nome coletivo. Os sócios comanditários possuem responsabilidade limitada ao valor de suas quotas. A responsabilidade de ambos é ainda subsidiária ao capital social, como efeito da própria personalidade jurídica da sociedade. Semelhantemente à comandita simples temos a sociedade em comandita por ações, que segue as normas da lei no 6.404, de 1976, a qual dispõe sobre as sociedades por ações. Ela será sempre de natureza empresária, contendo também duas categorias de sócios: o sócio administrador (também chamado de acionista diretor) e o sócio não administrador. Pode adotar, em seu nome, tanto uma firma (característica de comandita) quanto denominação (característica de sociedade por ações). Um dos tipos societários mais utilizados atualmente no Brasil é a sociedade limitada.13 Advinda do direito alemão, ela ganhou a preferência dos empresários e não empresários para o exercício de vários tipos de atividades e portes.14 Sua constituição atuação e término serão regidos pelas regras das sociedades do tipo simples. Entretanto, os sócios podem escolher a obediência às regras das sociedades por ações (lei no 6.404, de 1976), ao invés do Código Civil de 2002, onde estão contidas as normas das sociedades simples. A responsabilidade dos sócios, nessa sociedade, é limitada ao valor de suas quotas, solidária entre eles e subsidiária para com o capital social. A obrigação do sócio é de integralizar o capital social. Caso não o faça, deverá ser notificado para que integre a sua parte no prazo de 30 dias.

12

Artigos 1.045 a 1.051, CC/02. Artigos 1.052 a 1.087, CC/02. 14 NEGRÃO, op. cit. p. 344. 13

8

Sua administração somente poderá ser exercida por pessoa física, seja ela sócio ou não. A destituição do administrador dependerá da forma com que foi estabelecido. Se o administrador é sócio e sua nomeação foi realizada no contrato social, será necessário 2/3 do capital social para destituí-lo. Tratando-se de diversa situação, mais da metade do capital social será suficiente para a sua retirada do cargo. Regida fora do Código Civil de 2002, temos as sociedades anônimas, as quais serão sempre de natureza empresária e deverão adotar, como nome, uma denominação. Seu capital social será dividido em ações e poderá ser composto por dinheiro e bens, não se admitindo a integralização sob a forma de serviços. As sociedades anônimas podem ser abertas ou fechadas. Enquanto estas negociam suas ações na própria sociedade e não estão sujeitas à oferta pública, aquelas negociam seus valores mobiliários no mercado de capitais, ou seja, estão sujeitos à oferta pública. A Comissão de Valores Mobiliários é a autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda responsável pela fiscalização das sociedades abertas. A responsabilidade dos acionistas é limitada à integralização do preço de emissão das ações e não é solidária. Ele possuirá direitos comuns, tais como direito de fiscalização da companhia, direito de preferência da aquisição de ações, direito de retirada e outros constantes do artigo 109, da Lei no 6.404, de 1976. Nas sociedades anônimas (S/A) verificamos quatro órgãos essenciais ao nosso estudo. A Assembleia Geral é o órgão central de tomada de decisões, que acontece em datas estipuladas. Ela pode ser ordinária, tratando de assuntos comuns, ou extraordinária, com o fim de tratar de assuntos incomuns para a sociedade, podendo esta nunca ocorrer. O segundo, é o Conselho de Administração, obrigatório nas S/A abertas, nas Sociedades de Economia Mista ou nas Sociedades de Capital Autorizado. É composto por, no mínimo, três pessoas físicas, acionistas ou não, domiciliados no Brasil ou não. O terceiro órgão é a Diretoria, composta de, no mínimo, duas pessoas físicas domiciliadas no Brasil e eleitas pelo conselho de administração (caso este não exista, pela Assembleia Geral). É o órgão que representa e executa as decisões da sociedade. Por fim, há o Conselho Fiscal, o qual possui existência obrigatória, mas seu funcionamento depende de convocação prévia, por acionistas detentores de, pelo menos, cinco por cento do capital social. É composto por três a cinco membros, os quais são chamados de conselheiros.

9

Por fim, há também as sociedades cooperativas.15 Elas são sociedades sui generis, pois, apesar de seu aspecto econômico, são sociedades sem fins lucrativos, pois seu objetivo principal não é o auferimento de lucros a serem repartidos pelos sócios. Elas são criadas para serviço de seus cooperados. Podem servir para diminuir os custos de insumos de uma classe de trabalhadores, conseguir financiamentos com melhores condições de pagamento, enfim, elas têm, em geral, como objetivo a redução de custos de bens e serviços que interessam a seus sócios.16 As características das cooperativas as classificam como sociedades simples de pessoas, independentemente da atividade econômica desenvolvida, pois o artigo 982, do CC/02, assim a define. Um importante efeito desse fato é a não regência às cooperativas da lei no 11.101, de 2005, que trata de falência, recuperação judicial e extrajudicial. Além disso, outro efeito da pessoalidade nessa sociedade é a votação por associado, independente do número de quotas ou fração do capital social que detenha. Além do Código Civil, a cooperativa também é regida pela lei no 5.764, de 1971, que define a Política Nacional do Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências. A responsabilidade dos sócios da cooperativa pode ser limitada, respondendo o associado somente pela sua fração do capital social, ou ilimitada, sendo subsidiária com o capital social, mas solidária por todas as obrigações sociais. É também um traço importante da cooperativa a variabilidade do capital social ou até mesmo a inexistência dele, conforme regra expressa do artigo 1.094, I, do CC/02. Isso se deve ao fato de que há cooperativas em que o capital social é irrelevante para os fins a que se destina a sociedade. Essas são as principais características das sociedades atualmente admitidas pelo Código Civil de 2002. É importante diferenciarmos os traços mais relevantes de cada uma delas para que possamos analisar a sua responsabilidade perante o Direito do Consumidor. 2 De que trata o Direito do Consumidor? Segundo os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, didaticamente, o direito do consumidor é uma disciplina transversal entre o direito público e o direito privado, que objetiva proteger o consumidor, como sujeito de direitos, nas relações jurídicas firmadas com

15 16

Artigos 1.093 a 1.096, CC/02. TOMAZETTE, op. cit. p. 652.

10

os fornecedores.17 Ele visa regulamentar atividades que, até o seu surgimento, eram seara de total liberdade das partes, seguindo, até então, os princípios do pacta sunt servanda (os pactos devem ser respeitados), liberdade das partes e demais bases de uma cultura liberal e contratualista do Direito. Tendo surgido na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CRFB/88), o direito do consumidor é um ramo bem recente do direito, se o compararmos com o direito penal, civil ou tributário, por exemplo. Suas bases são o artigo 5º, inciso XXXII, o qual versa “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, definindo-o como direito fundamental; o artigo 170, inciso V, o qual define a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica; e o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), o qual contém a seguinte regra “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”. Assim, vemos o direito do consumidor sendo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro não só em seu maior grau possível, que é o texto da Constituição, mas também adquirindo força de direito fundamental, e, por conseguinte, cláusula pétrea, conforme ditames do artigo 60, § 4º, IV, da CRFB/88, proibindo qualquer emenda que deseje retirá-lo do texto constitucional. O direito do consumidor é regido pelo princípio da solidariedade. Ainda com Cláudia Lima Marques, aprendemos que a solidariedade é o equilíbrio entre o interesse centrado em si mesmo (egoísmo) e o interesse centrado totalmente no outro (altruísmo).18 Desse modo, a preocupação com o bem estar do grupo social ou a comunidade passa a ser um pilar não só do direito do consumidor ou do direito privado, mas de todo o ordenamento jurídico pátrio. 2.1 Consumidor, fornecedor e consumidor por equiparação Desde o mandamento de criação de um código de defesa do consumidor, pelo ADCT, a base do direito do consumidor tem sido a vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor. Uma das definições de consumidor no CDC (Código de Defesa do Consumidor lei nº 8.078, de 1990) consta em seu artigo 2º e versa que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”. Outras definições de consumidor são encontrados também no artigo 17 e 29, todos do CDC. Apesar disso, o 17

MARQUES, C. L. ; BENJAMIN, A. H. ; BESSA, L. R. . Manual de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 33. 18 HÖFFE, O. (org.). Lexicon der Ethik. Munique: Beck, 1986. apud MARQUES, C. L. ; BENJAMIN, A. H. ; BESSA, L. R. . Manual de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 38.

11

conceito de consumidor suscita polêmicas tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a respeito justamente do elemento de destinatário final. Três teorias surgem na tentativa de definir com precisão o que seria o destinatário final: maximalista, finalista e finalista aprofundada ou mitigada. A teoria maximalista surge conjuntamente ao direito do consumidor, com o fim de estabelecer o total rompimento com a tradição liberal do Código Civil de 1916. Para os maximalistas, o destinatário final seria qualquer adquirente de um bem de consumo, ou seja, aquele que retira o bem de circulação para o seu uso e fruição pessoal. Desse modo, a análise se mostra simplesmente fática. Críticas a essa corrente doutrinária surgiram, no sentido de que não se diferenciavam casuisticamente os sujeitos desse ato. Caso um grande banco ou uma pessoa física adquirissem um produto para uso próprio, poderiam ser protegidos pelo direito do consumidor, o que violaria o princípio de proteção à vulnerabilidade do consumidor. A teoria finalista é, atualmente, a posição consolidada pela segunda seção do STJ (Seção de Direito Privado)19. De acordo com essa posição, o consumidor é o destinatário final não-econômico, ou seja, o sujeito que adquire bens sem o intuito de utilizá-los de maneira direta ou indireta em sua cadeia produtiva ou profissional. Os bens adquiridos nessa condição seriam caracterizados como insumos ou consumo intermediário, afastando o CDC. As críticas a essa corrente se baseiam na questão da aplicação do CDC às pessoas jurídicas. Por fim, a teoria finalista aprofundada ou mitigada, também chamada de teoria mista, é aquela que considera o consumidor como o destinatário final vulnerável. Essa vulnerabilidade é entendida como uma debilidade jurídico-econômica através de uma análise social. Esse é o posicionamento adotado pelo Ministério Público e já se apresenta em precedentes julgados no STJ, inclusive com a caracterização de pessoas jurídicas de direito público como consumidores, no caso, um município.20 Segundo Cláudia Lima Marques, é uma teoria mais madura e que deve ser saudada.21 O conceito de fornecedor é definido no artigo 3º, do CDC22 e representa um gênero, o qual pode ocupar uma pessoa física, uma pessoa jurídica pública ou privada ou até mesmo um ente despersonalizado. O fornecedor é aquele que desenvolve atividade econômica de 19

LIMA, Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva. Teorias do conceito de consumidor e jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4153, 14 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 28 jul. 2015. 20 EREsp 721119 RS 2006/0120021-6, julgado em 08/08/2007. 21 MARQUES, op. cit. p. 103. 22 “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

12

inserção e circulação de produtos e serviços no mercado de consumo. É importante ressaltar que o rol constante no artigo 3º é um rol exemplificativo, contendo as principais atividades econômicas existentes no mercado. Consumidores equiparados, por outro lado, são sujeitos que se encontram em uma situação não-negocial, independentemente da destinação final, em que o CDC autoriza a incidência de suas normas. São três as hipóteses previstas: a) a coletividade, ainda que indeterminada23; b) a vítima do evento (pessoa que sofre um acidente de consumo, embora não tenha adquirido o produto ou serviço que o causou)24 e; c) pessoas expostas às práticas comerciais25. 2.2 Responsabilidade civil no âmbito das relações de consumo A teoria da qualidade, adotada pelo CDC, possui dois aspectos principais: a proteção ao patrimônio (referente aos vícios por inadequação) e a proteção à saúde (referente aos vícios por insegurança) do consumidor.26 Nessa teoria, o que se busca é um rompimento com o paradigma da responsabilidade aplicada pela teoria dos vícios redibitórios, adotada pelo Código Civil nas relações contratuais. Esta não se mostrava mais adequada aos negócios realizados em sede consumerista. Segundo a teoria da qualidade, há dois tipos de coberturas básicas às garantias no Direito do Consumidor: contra os vícios de qualidade e contra os vícios de quantidade. Os vícios de qualidade são aqueles que podem afetar aos dois bens jurídicos protegidos citados (patrimônio e saúde). Dentre os aspectos rompidos pela teoria da qualidade frente à teoria dos vícios redibitórios, não é mais necessário que o vício (defeito do produto ou serviço) seja oculto e também não importa a gravidade do mesmo, sendo a simples existência de vício a geradora de responsabilidade. Além disso, não é mais necessário o contrato entre as partes para o surgimento de responsabilidade. O CDC abrangeu também as vítimas de acidentes de consumo, mesmo que não tenham adquirido bem ou serviço ou nenhuma relação jurídica tenham com o fornecedor. Assim, os vícios de qualidade por insegurança possuem estreita ligação com a chamada responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, que é aquela que surge dos acidentes de consumo, causando danos ao consumidor ou consumidor por equiparação. Por outro lado, os vícios de qualidade por inadequação estão relacionados com a responsabilidade 23

Artigo 2º, parágrafo único, CDC Artigo 17, CDC 25 Artigo 29, CDC 26 MARQUES, op. cit. p. 156. 24

13

pelo vício do produto ou do serviço, que é aquela fruto da falha de adequação de qualidade ou quantidade do bem ou serviço. É importante observar que esses vícios serão sempre analisados de maneira objetiva, levando em consideração suas características constantes na oferta e estabelecidas pelos órgãos reguladores, tais como Anvisa, Procon, Inmetro etc. A consequência desses vícios é a frustração de consumo ou quebra da expectativa objetiva do consumidor. Outra mudança trazida pelo Direito do Consumidor é a responsabilidade objetiva nas relações de consumo. Tendo surgido através da Teoria do Risco Empreendimento, esse tipo de responsabilidade é fruto dos esboços alemão - por Mataja - e italiano - por Orlando - mas ganha efetividade por conta dos estudos franceses, de Saleilles e Josserand, ainda no final do século XIX.27 Enquanto na responsabilidade subjetiva é necessária a comprovação de culpa, além da conduta do agente, nexo causal (relação entre a conduta do agente e o dano causado) e dano, para o surgimento do dever de indenizar, a responsabilidade objetiva é aquela que independe de culpa para o surgimento da obrigação de reparação. Assim, ela foi adotada pelo CDC como modo de defesa da vulnerabilidade processual, técnica e jurídica do consumidor.28 3 Sociedades como sujeitos fornecedores e consumidores É bem comum imaginarmos a pessoa jurídica na posição do fornecedor. Entretanto, conforme já mencionado, a definição de consumidor tem sofrido mudanças desde a entrada em vigor do CDC e, hoje, já é fortemente defendida a possibilidade de profissionais ou pessoas jurídicas também figurarem no pólo vulnerável das relações consumeristas. O próprio artigo 2° do CDC, o qual contém a mais significativa definição de consumidor, já abarca a possibilidade de pessoas jurídicas comporem esse conceito. Diferente ocorre em países como França e Alemanha, onde optou-se por uma definição mais objetiva do consumidor, caracterizando-o somente como pessoa física, leiga ou “não profissional que contrata ou se relaciona com um profissional para fins familiares ou de suas necessidades de vida”29. A teoria maximalista, conforme explicado, defende a expansão das regras do direito do consumidor para toda e qualquer relação de consumo, independente das partes nela atuantes. Todavia, se fosse predominante essa interpretação, veríamos esvaziadas as regras de 27

ARAGÃO, Valdenir Cardoso. Aspectos da Responsabilidade Civil Objetiva. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2015. 28 Artigos 12 e 14, CDC. 29 MARQUES, op. cit. p. 99.

14

direito civil, empresarial e comercial, as quais perderiam a sua utilidade. Assim, surge a teoria finalista, a qual entende o consumidor como destinatário final não econômico. Desse modo, a regra é que estão excluídos desse entendimento os profissionais que adquirem produtos ou insumos cujo ingresso será, mesmo que indiretamente, em sua linha de produção e seu valor será contabilizado no custo do produto final e, consequentemente, cobrado do cliente. Enquadramentos de sociedades empresárias ou profissionais são admitidas como exceções, segundo essa tese. Esse é o entendimento predominante no STJ.30 Doutrina e jurisprudência, contudo, têm evoluído a teoria finalista para o que se conhece hoje como finalismo aprofundado, que considera essencialmente o caráter da vulnerabilidade para a definição do consumidor. Este, portanto, passa a ser entendido como o destinatário final vulnerável da relação jurídica de consumo. Assim, pouco importa a natureza jurídica do ente que ocupa o pólo tutelado pelo CDC. Sociedades empresárias, pessoas físicas, profissionais liberais, sociedades simples, entes despersonalizados e quaisquer outros poderão ser defendidos pelas normas de consumo, caso portem a característica essencial, que é a vulnerabilidade. Cabe aqui uma ressalva importante de que as pessoas naturais possuem uma presunção de vulnerabilidade pelo CDC, incidindo-lhes sempre, a princípio, as regras do código de defesa. A vulnerabilidade, segundo Cláudia Lima Marques, é “uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo”31 e, em linhas gerais, pode ser técnica, jurídica, fática ou informacional. A Ministra do STJ Nancy Andrighi, no REsp 1.195.642/RJ, julgado em novembro de 2012, explica de forma bem objetiva e didática cada uma dessas espécies, acrescentando, ainda, que outras podem surgir da análise de casos concretos. A vulnerabilidade técnica seria a “ausência de conhecimento específico acerca do produto ou do serviço objeto de consumo”. A jurídica, por sua vez, “falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo”. Fática seria aquela relacionada a “situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor”. Por fim, a vulnerabilidade informacional seria referente a

30

“a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.” STJ, REsp 476.428-SC,j. 19.04.2005, rel. Min Nancy Andrighi. 31 MARQUES, op. cit. p. 104.

15

“dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra”.32 Dessa forma, é a presença ou não da vulnerabilidade na expertise da sociedade simples ou empresária que configurará o seu delineamento como consumidora da relação. Cláudia Lima Marques nos apresenta alguns exemplos nesse sentido, como pequenas sociedades empresárias que contratam seguros contra roubos e furtos em seu patrimônio e também os agricultores frente a bancos. Outro importante aspecto da vulnerabilidade fática é seu caráter socioeconômico. Uma vez que a parte fornecedora do contrato possua uma posição de monopólio ou extrema superioridade ou poder econômico, é entendido que todos os que com ela contratam são considerados vulneráveis. Por isso, pessoas jurídicas também se socorrem das normas de direito do consumidor em suas relações com monopólios de serviços públicos privatizados, por exemplo.33 Desses dados tiramos uma importante conclusão que é a de que, quando menor e menos complexa for a estrutura da sociedade, maior é a sua possibilidade de se socorrer das normas do direito do consumidor. Se o caráter atualmente pretendido para o enquadramento na figura do consumidor é a vulnerabilidade, as sociedades menores possuem mais provas dessa característica do que as sociedades que contam com maiores estruturas. Quando maior a sociedade, mais acesso ela terá a um corpo técnico e jurídico de assessoria, que a possibilite negociar em pé de igualdade jurídica, técnica, fática e informacional com seus contratantes. A contrario sensu, quanto menor a sociedade, mais comprovações ela terá de sua desvantagem perante os que com ela negociam como fornecedores de bens ou serviços. Vejamos as sociedades despersonificadas, por exemplo. A sociedade em comum e a sociedade em conta de participação não contam com contrato social ou estatuto validamente registrado, logo, não possuem personalidade jurídica. Sua estrutura é tão modesta que não garante aos sócios nem a proteção pelas dívidas sociais que as outras sociedades possuem. Eles respondem ilimitadamente pelas dívidas societárias. Seus administradores são os próprios sócios - o sócio ostensivo, no caso da sociedade em conta de participação - e contratam, muitas vezes, em nome próprio, desconhecendo a outra parte de que se trata de negócio com uma sociedade, e não com uma pessoa física. Nesses casos, é clara a identificação dessas sociedades com a figura de um consumidor, pois reveste-se de toda a vulnerabilidade esperada e protegida pelo CDC. 32 33

REsp 1.195.642/RJ, j. 13.11.2012, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 21.11.2012. MARQUES, op. cit. p. 109.

16

Cabe ressalvar os casos de sociedades em conta de participação entre pessoas jurídicas maiores ou mais complexas. Nessas situações, a sociedade é intencionalmente oculta perante terceiros e a sócia ostensiva (pessoa jurídica, neste caso) contrata em nome próprio. Deve ser analisado casuisticamente, portanto, se existe vulnerabilidade dessa pessoa jurídica perante seus contratantes, uma vez que a sociedade em conta de participação ali oculta é inexistente para com terceiros. Tratando-se de sociedades personificadas, por outro lado, a análise passa a ser caso a caso, pois contamos com vários cenários diferentes em quase todos os tipos societários possíveis. Começando pelos tipos mais complexos, que são as sociedades por ações, a sociedade anônima e a sociedade em conta de participação contam com estruturas tão complexas que possuem regras próprias para a sua construção, atuação e dissolução, apartadas do regramento geral do Código Civil de 2002. A Lei 6.404/76 é quem prevê as especificidades desses tipos societários. Uma vez constituídos, devem obedecer a todos os trâmites legais, serem compostos dos órgãos obrigatórios, emitir os balanços e demonstrativos devidos, enfim, possuir todo o complexo de estruturas para a consecução de seu objetivo de acordo com a lei. Essas complexas sociedades contam com uma presunção de que possuem a capacidade de se informar técnica e juridicamente em cada contrato firmado com seus parceiros comerciais. Desse modo, elas dificilmente necessitarão da tutela do direito do consumidor. Possuem, em geral, equivalência com seus co-contratantes, firmando negócios de interesse do direito civil ou comercial. Exceções podem ser encontradas, todavia, em casos, como os já citados monopólios. Mesmo uma complexa sociedade por ações pode ser considerada vulnerável perante um serviço público privatizado, com o qual não exista a possibilidade de negociação ou tratativa dos termos do contrato.34 Em situação intermediária às complexas sociedades por ações e às puras sociedades despersonificadas, encontram-se todos os outros tipos societários existentes: sociedades simples, em nome coletivo, em comandita simples, limitadas e cooperativas. Podemos dizer que a sociedade em nome coletivo é a mais básica das sociedades empresárias, contando com uma estrutura pouco complexa para o alcance de seus fins sociais. Paralelamente a ela, mas no ramo das sociedades de natureza jurídica simples (própria de

34

AgRg no REsp 916.939-MG, j. 04.11.2008, rel. Min. Denise Arruda.

17

atividades intelectuais, artísticas ou científicas que não constituem elemento de empresa), temos a sociedade do tipo simples. Ela é a mais genérica das sociedades dessa natureza, uma vez que sua estrutura pode compor-se de uma forma relativamente básica, em relação aos demais tipos societários. As sociedades cooperativas são tipos únicos em seu gênero, uma vez que existem apenas para facilitar o trabalho dos profissionais que a compõem. Conforme já exposto, essas sociedades não possuem fins lucrativos, apenas de serviço aos cooperados. Negócios jurídicos entre estas e outras sociedades quaisquer devem ser analisado casuisticamente, uma vez que é imprevisível com que tipo de estrutura esse tipo societário pode contar. Assim também enxergamos as sociedades em comandita simples, que têm se tornado cada vez mais raras, devido à facilidade de criação e proteção dos outros tipos societários. Como os sócios comanditados respondem ilimitadamente pelas dívidas societárias, esse aspecto se mostra como um baixo atrativo para aqueles que procuram se associar. Esse é um dos motivos pelos quais esse tipo societário tem caído em desuso, conforme os dados que seguem. Já as sociedades limitadas são o tipo mais comum e difundido entre todos eles. Devido à sua facilidade de constituição e proteção dos sócios (a responsabilidade está limitada à sua quantidade de cotas no capital social), ela é a preferida pelos que desejam se associar. Em consulta aos dados da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (Jucerja), das 24.672 sociedades constituídas no período de janeiro a agosto de 2015, 12.492 foram sociedades limitadas, ou seja, 50,6% de todas as sociedades formadas nesse período foram desse tipo. 3.657 foram registros de empresário individual, 234 sociedades anônimas, 48 cooperativas, 46 consórcios e outras sociedades, 6.108 Eireli (Empresário Individual de Responsabilidade Limitada) e 2.087 filiais.35 O quadro comparativo detalhado consta no anexo deste artigo. Também pela sua quantidade, as sociedades limitadas são compostas desde sociedades simples com baixa complexidade até grandes sociedades empresárias, com vários órgãos e grupos técnicos especializados. Assim, a análise do enquadramento de sociedades limitadas é totalmente casuístico, necessitando que a análise do caso concreto conste de um conjunto probatório robusto para a comprovação da possível vulnerabilidade da sociedade perante seus parceiros comerciais.

35

Dados consultados no serviço de estatísticas da Jucerja. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2015.

18

4 Conclusão As normas do Direito do Consumidor visam proteger um sujeito que, devido à sua vulnerabilidade nas relações de consumo, vê-se em situação de desvantagem, que se formaliza no conceito de vulnerabilidade. Uma vez verificado esse distanciamento, deve agir o direito consumerista a fim de diminuir o degrau entre o consumidor e o fornecedor, harmonizando as relações de consumo. Uma vez imbuído do affectio societatis, o qual consiste na intenção dos sócios em associarem-se para a consecução do objetivo em comum, devem eles analisar todos os prós e contras de cada tipo societário possível para que possam tomar a melhor decisão na constituição de sua sociedade empresária ou simples. Um dos aspectos a serem considerados nessa avaliação é, definitivamente, a atuação das normas do direito do consumidor em sua atividade. Enquanto fornecedoras, as sociedades devem obedecer a todas as regras e princípios consumeristas, tais como o dever de informação, lealdade, boa-fé objetiva, dentre outros. É importante a compreensão de que seu conhecimento sobre os bens ou serviços disponibilizados aos consumidores possui um grau diferente para estes, que presumidamente desconhecem os aspectos técnicos, modos próprios de usos dos bens ou serviços e termos do contrato. Informações claras e objetivas, nesse caso, são imprescindíveis desde os anúncios, passando pelas tratativas, aquisição, até o período pós-contrato. Além disso, pode a sociedade também se encontrar na situação oposta: como consumidor. Figura ela nesse pólo da relação jurídica quando se encontra justamente na situação vulnerável do contrato. Desse modo, nada mais justo do que suprir, nesse momento, essa sociedade das tutelas garantidas no direito do consumidor, para que consiga a tão buscada isonomia nas relações sociais e econômicas. É importante ressaltar que as normas do direito do consumidor, de acordo com a contemporânea teoria finalista aprofundada, não são personalíssimas, ou seja, não pertencem a pessoas predefinidas, mas sim a situações fáticas específicas, onde se encontrarão duas partes em algum tipo de desigualdade que necessite da atuação do Estado para a garantia dos objetivos e fundamentos constitucionalmente defendidos e buscados, tais como os valores sociais da livre iniciativa e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

19

REFERÊNCIAS AgRg no REsp 916.939-MG, j. 04.11.2008, rel. Min. Denise Arruda. ARAGÃO, Valdenir Cardoso. Aspectos da Responsabilidade Civil Objetiva. Disponível em: . Acesso em: 04 ago. 2015. CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro. Atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, v. 2, tomo 2, p. 174. Dados consultados no serviço de estatísticas da Jucerja. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2015. DIAS, J. A. . Da Responsabilidade Civil. V. 1, 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. DIAS, J. A. . Da Responsabilidade Civil. V. 2, 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. EREsp 721119 RS 2006/0120021-6, julgado em 08/08/2007. HÖFFE, O. (org.). Lexicon der Ethik. Munique: Beck, 1986. apud MARQUES, C. L. ; BENJAMIN, A. H. ; BESSA, L. R. . Manual de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. LIMA, Erika Cordeiro de Albuquerque dos Santos Silva. Teorias do conceito de consumidor e jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4153, 14 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 28 jul. 2015. MARQUES, C. L. ; BENJAMIN, A. H. ; BESSA, L. R. . Manual de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, V. 1 - 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Notícia. Ações de consumo somam quase a metade dos 90 milhões de processos no Judiciário. Disponível em: Acesso em 01.08.2015. REsp 1.195.642/RJ, j. 13.11.2012, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 21.11.2012. TOMAZETTE, M. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. V. 1. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.