As especificidades das Bibliotecas e Arquivos eclesiásticos no Brasil: apontamentos históricos para uma política de gestão integrada

June 29, 2017 | Autor: João Paulo Berto | Categoria: Arquivologia, Igreja Católica, Gestão de Bibliotecas e Arquivos
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As especificidades das Bibliotecas e Arquivos eclesiásticos no Brasil: apontamentos históricos para uma política de gestão integrada João Paulo Berto1 Artigo publicado na Revista Eletrônica história e-história, em março de 2012.

1. Introdução A proposição deste tema deriva de uma série de questionamentos que muitos acadêmicos passam ao lidar com acervos eclesiásticos, apoiada pela valorização crescente desta temática dentro do campo historiográfico, sobretudo desde o início do século XX com a “escola” dos Annales. Para um pesquisador na área de História das Religiões, os arquivos e bibliotecas eclesiásticos tornam-se as fontes primordiais de pesquisa, capazes de refletir determinados modelos de Igreja, seja por sua organização ou pelos itens neles depositados. De fato, dos maiores e mais antigos (sendo o primeiro arquivo eclesiástico católico do Brasil instalado em São Salvador, Bahia, em 25 de fevereiro de 1551), aos menores e mais recentes, todos guardam documentação extremamente útil aos pesquisadores, na maioria rara e inédita. Entretanto, apesar da longevidade e certa estabilidade da instituição no Brasil, unida à constatação da documentação preciosa que ela custodia, o tema do patrimônio documental da Igreja Católica ainda não teve, nacionalmente, a atenção devida e tais espaços carecem de estudos e medidas de gestão eficazes. Esta ideia amplia-se ao compreender o valor destes acervos, primeiros a armazenarem relatos civis no Brasil até a Proclamação da República, em 18892. Estes apontamentos se inserem, neste sentido, na tentativa de chamar à atenção, tanto da Igreja brasileira quanto da sociedade acadêmica, acerca de reflexões palpáveis neste segmento, tomando como chave a riqueza e multidisciplinaridade destes espaços de guarda. Na maioria das vezes pouco conhecidos e estudados, quer se abrir, com isso, a possibilidade de constituição de novas rotas para a História Eclesiástica e, de modo geral, para a própria História do Brasil. Os acervos documentais da Igreja Católica, espalhados por todo o Brasil em dioceses,

paróquias, confrarias e

irmandades, misericórdias,

congregações

religiosas, associações de fiéis ou em arquivos civis, possuem itens que não tangem

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somente sua própria realidade, armazenando também obras de temas diversos, frutos, na maioria das vezes, de várias doações ao longo de sua existência. Nesta linha, é necessário apontar que este patrimônio não serve somente aos estudiosos da área da História das Religiões, mas aos acadêmicos de diversos campos de interesse, devendo-se gestá-lo eficazmente em consonância com as determinações da Sé romana e as práticas científicas. Assim, este texto busca apresentar algumas ideias sintéticas, configurando-se apenas como uma parcela da discussão que caminha a passos extremamente curtos no Brasil no que se refere aos problemas e dificuldades técnicas que os acervos eclesiais passam, visto que ainda poucos se atentaram para a tamanha raridade de seus conjuntos e seu valor exemplar para as pesquisas acadêmicas.

2. O Patrimônio Documental Eclesiástico no seio da Igreja Católica É inegável que a Igreja Católica possui um dos mais importantes conjuntos documentais existentes, especialmente em seus arquivos e bibliotecas. Contudo, estes são pouco explorados, ponto que decorre do fato de que tais conjuntos encontram-se desorganizados e, quando não, apresentam-se em estado deplorável de conservação. Entretanto, a Igreja reconhece a grande importância de seu patrimônio, sobretudo àquele que se refere às instituições eclesiásticas, às suas dioceses e paróquias, devendo-se zelar com grande diligência destes acervos que revelariam a passagem e atuação de Jesus Cristo pela terra3. Como um espaço de guarda documental, a configuração do que hoje se conhece por arquivos eclesiais4 vem do século XVI, reflexo dos cânones do Concílio de Trento, realizado entre 1545-1563. Na Itália, as práticas arquivísticas caminharam consideravelmente, sobretudo em Milão, por meio da ação de São Carlos Borromeu (1538-1584), que, no ano de 1565, em um dos concílios provinciais, criou uma constituição normatizadora e sistemática das práticas arquivísticas, confiando a administração a um chanceler (cancellarius), hoje ainda em prática na estrutura da Igreja. Suas normas foram tão abrangentes que acabaram sendo abraçadas pela Santa Sé, através da promulgação do Breve Inter omnes de Pio V (1504-1572), de 6 de junho de 1566. Aplicáveis a toda a Igreja Católica, tais normativas configuraram o funcionamento e deram autonomia aos arquivos pontifícios, sobretudo com a criação do ofício do Prefeito dos Arquivos, distinto da Biblioteca Vaticana. Além disso, sugere a criação de arquivos públicos e gerais em todas as catedrais, mosteiros e

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abadias do Estado Eclesiástico (salvo as cidades de Roma e Bolonha). Com estas normativas é que surge formalmente, em 1612, através do Papa Paulo V (15521621), o Archivio Segreto Vaticano, exemplo clássico de um arquivo de Estado (SANTOS, 2005: 50). Outra ação importante foi a de Bento XIII (1649-1730) – o único papa que recebeu o título de Papa-Arquivista –, quando, em 14 de junho de 1727, promulgou a Constituição Maxima Vigilantia. Configurando-se como um dos textos mais completos e regulamentadores do funcionamento dos arquivos diocesanos, incidia na ereção, arranjo e custódia segura dos acervos, com normas levadas também a outros tipos de espaços de guarda da instituição. Com Leão XIII (1810-1903), por sua vez, os estudos históricos entraram em uma nova fase, abrindo alguns fundos do Arquivo Secreto Vaticano aos pesquisadores, no ano de 1881 (fechados desde o século XVII, pelo Papa Paulo V), atitude que se refletiu em arquivos da Igreja ao redor do mundo. É também responsável, em 1º de maio de 1884, pela criação da Escola Vaticana de Paleografia e Crítica Aplicada (que, no século XX, inclui um curso de Arquivística), além de regulamentar o trabalho do Arquivo Secreto em um momento em que os fundos documentais aumentaram consideravelmente. Dentro destas sucintas notas históricas, para além das normas ditadas pelos documentos papais, outros elementos passaram a normatizar a existência dos arquivos. A Igreja, como sociedade jurídica, regulamenta toda a sua complexa organização através de um corpo legislativo, o chamado Corpus Iuris Canonici, no latim, ou Código de Direito Canônico (CDC). Nele, o tema dos Arquivos Eclesiásticos foi inserido desde a versão de 1917, sofrendo reformulações com o novo texto promulgado no ano de 1983, versão que utilizaremos neste estudo. Pelo CDC de 1983, afirma-se que a Igreja possui uma diversidade de bens temporais que devem ser utilizados em prol dos homens e da sua salvação. Neste campo, pode ser inserido o arquivo, espaço responsável por custodiar, preservar e disseminar as informações produzidas pela própria Igreja no exercício de suas atividades. Como bem aponta Santos, baseado no CDC, compete ao arquivo eclesiástico custodiar, além do fundo referente a administração dos sacramentos, todos os documentos ligados ao poder sagrado, às relações entre o clero e o povo, bem como registros referentes aos direitos patrimoniais da Igreja visível. Assim, o arquivo é considerado indispensável à Igreja, não apenas por ser o elemento comprovador da sua presença no meio dos povos, mas também por lhe dar condições de se conhecer e de se fazer conhecer através dos registros seculares depositados nos fundos arquivísticos (SANTOS, 2008: 69).

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Para tanto, afirma o código a existência de seis tipos distintos de arquivos eclesiásticos: diocesano comum (c. 486), diocesano secreto (c. 489) e diocesano histórico (c. 491 § 2); das igrejas catedrais, das colegiadas, das paróquias e outras igrejas do território (c. 491 § 1), das fundações (c. 1306 § 2), dos institutos de vida consagrada e sociedades de vida apostólica e institutos seculares (c. 173 § 4), de outras instituições eclesiásticas, das Conferências Episcopais. Porém, não coloca nenhum aspecto no que concerne a gerência destes espaços, sua difusão e conservação. Tais aspectos serão supridos, por sua vez, durante o papado de João Paulo II (1920-2005), momento em que os bens da Igreja ganham destaque, sobretudo por meio da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja, criada a partir do Motu Proprio Inde a Pontificatus Nostri initio, de 25 de março de 1993. Este órgão deriva da antiga Comissão Pontifícia para a conservação do Patrimônio Artístico e Histórico da Igreja, criada em 1988 pelo mesmo papa através da Constituição Apostólica Pastor Bonus (art. 99/104). Tal mudança refletia diretamente a ampliação conceitual da temática trazida pelo campo cultural e patrimonial dos anos 1980. Assim, apesar das alterações, a comissão passou a ser um organismo independente com seu próprio presidente, mantendo as mesmas competências: presidir a tutela do patrimônio histórico e artístico de toda a Igreja (obras de arte, documentos históricos, bibliotecas e aqueles que se conservam nos museus, bibliotecas e arquivos); colaborar na conservação deste patrimônio com as Igrejas particulares e os respectivos organismos episcopais; promover una sensibilização cada vez maior na Igreja sobre estes bens, de acordo com as Congregações para a Educação Católica e para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos (PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA, 2001a).

Com isso, deve-se compreender que a Igreja, através desta comissão, não buscar criar diretrizes absolutas em relação ao seu patrimônio, mas sugerir e ter uma missão de aconselhamento de práticas de gestão destes bens, como ocorre no caso dos arquivos e bibliotecas, caminhando em consonância com os ditames dos órgãos internacionais de preservação. Em linhas gerais, busca apontar aos sacerdotes a importância e necessidade do papel que os bens culturais desempenham na expressão e aprofundamento da fé. Entre os principais escritos publicados pela Pontifícia Comissão, podem-se destacar as Cartas-Documento, como “As bibliotecas eclesiásticas na missão da Igreja”, de março de 1994, em que se orienta a intensificar o zelo e gestão da

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comunidade eclesial sobre as próprias bibliotecas. Nestes espaços, como nos arquivos, a Igreja custodia viva la memoria, dentro le tradizioni delle società e delle culture, sendo assim un mezzo insostituibile per porre le generazioni (...) a contatto con tutto ciò che l'evento cristiano ha prodotto nella storia e nella riflessione umana, allo scopo di non privarle dell'esperienza eventualmente già compiuta dalle generazioni

precedenti

nell'alveo

della

loro

rispettiva

cultura

(PONTIFÍCIA

COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA, 1994). Da mesma forma, a Igreja dispensa grande atenção a seus muitos arquivos e bibliotecas, os quais, segundo a instituição, permitiriam toda uma série de análises interdisciplinares que formam o horizonte teórico sobre o qual repousa a vida religiosa (da paleografia à estatística, da sociologia às ciências da comunicação, da demografia à economia). A grande intenção desta comissão, portanto, não é criar pontos novos ou concepções diferenciadas em relação ao patrimônio cultural, mas chamar a atenção da própria Igreja, na figura de seus dirigentes, para um problema que por muito tempo passou despercebido. O primeiro procedimento apontado para a preservação dos bens culturais, móveis ou não, é sempre o de se manter um inventário atualizado das peças, trabalho que poderia ser realizado inclusive pela comunidade de fiéis que tem relação íntima com estes locais/objetos (PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA, 2006). Nesta mesma corrente, outro texto promulgado pela Pontifícia Comissão, em dois de fevereiro de 1997, assume especificamente a importância dos arquivos eclesiásticos como centros custodiadores de um patrimônio incalculável para a constituição histórica. Como já havia declarado João Paulo II em sua Constituição Apostólica Pastor Bonus (28 de junho de 1988), no artigo 101, § 1. Entre os bens históricos têm particular importância todos os documentos e instrumentos jurídicos, que relatam e testemunham a vida e o cuidado pastoral, bem como os direitos e as obrigações das dioceses, das paróquias, das igrejas e das outras pessoas jurídicas, instituídas na Igreja. § 2. Este patrimônio histórico seja conservado nos arquivos como também nas bibliotecas, que devem em toda a parte ser confiados a pessoas competentes, a fim de que tais testemunhos não se percam. (JOÃO PAULO II , 1988).

Com base nesta ideia é que se desenvolve a Carta Circular intitulada “A Função Pastoral dos Arquivos Eclesiásticos”, cujo objetivo é afirmar a ideia dos arquivos eclesiásticos como centros difusores de cultura e portadores de um imenso e precioso patrimônio. Assim se reconhece que eles devem ser também propulsores de usos e práticas pastorais de evangelização da comunidade eclesial, já que

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possibilitam entrever o percurso da Igreja e sua Tradição ao longo da história. Em outras palavras, estes locais conservando la genuina e spontanea documentazione sorta in rapporto a persone e ad avvenimenti, coltivano la memoria della vita della Chiesa e manifestano il senso della Tradizione. Infatti, con le informazioni in essi raccolte, permettono di ricostruire le vicissitudini dell’evangelizzazione e dell’educazione alla vita cristiana. Essi costituiscono la fonte primaria per redigere la storia delle multiformi espressioni della vita religiosa e della carità Cristiana (PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA, 1997).

Além disso, como fruto de sua profícua relação com o Estado que lhe deu funções civis em muitos países, os arquivos eclesiásticos custodiam uma série de conjuntos documentais que não somente recontam a trajetória da Igreja Católica, mas que são capazes de reconstruir a história da nação na qual se insere. A carta afirma ainda que cada arquivo deve possuir um projeto coerente no que tange à organização, podendo adotar metodologias diferentes que sejam abertas a futuras intervenções da tecnologia, porém destacando a importância de mantê-lo e gestá-lo adequadamente. Valorizando a criação de instrumentos de pesquisa, como inventário e catálogos, aponta-se a importância de que estes acervos sejam colocados nas mãos de pessoas qualificadas e não de “boa vontade”, assumindo o valor de parcerias com instituições civis no quesito da gerência do fluxo e da organização documental. Em síntese, são colocados pontos de reflexão para que os responsáveis pelos arquivos (bispos e chanceleres) reconheçam que os acervos da Igreja sejam transmitidos e utilizados, promovendo e facilitando a investigação histórica, já que, Gli archivi, in quanto beni culturali, sono offerti innanzitutto alla fruizione della comunità che li ha prodotti, ma con l’andare del tempo assumono una destinazione universale, diventando patrimonio dell’intera umanità. Il materiale depositato non può infatti essere precluso a coloro che possono avvantaggiarsene per conoscere la storia del popolo cristiano, le sue vicende religiose, civili, culturali e sociali (PONTIFÍCIA COMISSÃO PARA OS BENS CULTURAIS DA IGREJA, 1997).

3. Gestão de Arquivos e Bibliotecas Eclesiásticos no Brasil Pensar o patrimônio documental eclesiástico brasileiro, por sua vez, é uma situação um pouco complexa, sobretudo ao visualizar a sua atual configuração, elemento diverso do que ocorre em países como Espanha e Portugal. De fato, os arquivos e bibliotecas são considerados pela Igreja como patrimônio inalienável e um bem coletivo da humanidade, já que são capazes de refletir a identidade da comunidade eclesial. Nos países ibéricos, por exemplo, a sua importância é apontada no nível das Conferências Episcopais que, além de produzirem

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documentos pontuais de orientação em níveis locais, apóiam a concepção de comissões especializadas no tratamento da temática, bem como a formação de grupos especializados de arquivistas eclesiásticos em cursos superiores. No Brasil, isso é inexistente, elemento que reflete na situação dos arquivos da instituição5, que, mesmo sendo privados, devem ser abertos a todos aqueles que buscam pesquisar ou simplesmente conhecer o passado6. Em linhas gerais, configuram-se como grandes problemas destes espaços: I) a ausência de inventários do conjunto e das séries documentais e itens bibliográficos existentes, configurando um desconhecimento total ou parcial do espólio de cada arquivo e biblioteca por parte dos responsáveis. Com a falta de inventários, quando de roubos, parcelas significativas destes acervos são extraviadas graças à dificuldade de provar a propriedade; II) a ausência de condições ideais ou mínimas para o depósito e conservação dos documentos referidos, levando consideravelmente a degradação dos mesmos, sendo que alguns espécimes estão praticamente em desaparecimento, III) a ausência de pessoal qualificado para os trabalhos arquivísticos e preparo das fontes para os consulentes. Estes problemas acabam por incidir diretamente sobre os pesquisadores, já que a pesquisa é, de certo modo, “cerceada”, uma vez que se centra somente naquilo que o responsável pelo arquivo, na maior parte não profissionais, encontra ou julga conveniente ao tema solicitado. Formados por livros sacramentais e outros considerados como “adicionais” ou disciplinares, tais espaços são muito úteis aos estudiosos da história das religiões, privilegiados pelas fontes e tema das pesquisas. Contudo, é incorreto pensar que estes arquivos servem apenas a estes estudos, mas a pesquisas de cunho também civil, uma vez que, por exemplo, o maior volume de documentos conservados pela Igreja no Brasil é formado pelos registros paroquiais ou assentamentos, ditos livros sacramentais, de batizados, casamentos, óbitos e crismas, único registro de pessoas até o século XIX. Como visto, profundas são as relações entre a história religiosa (não somente do catolicismo) e a geral, algo despertado desde o início do século XX com os movimentos de mudança no campo historiográfico. Como demonstra Waché, L’historien, quel que soit son domaine de recherche, est amené à rencontrer de près ou de loin l’histoire religieuse, même s’il n’en fait pas sa spécialité (ROSA, 2000: 16).

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Porém, um ponto importante nesta questão corresponde ao acesso, questão prevista no próprio CDC, mas com referências pouco satisfatórias. Conforme apontou Monsenhor Jamil Nassif Abib em sua comunicação na Mesa Nacional de Arquivos, realizada no Rio de Janeiro, em 1999, o Código Canônico estabelece um pequeno número de documentos que são realmente sigilosos e de acesso restrito até mesmo para o aparato eclesiástico. Muitos, por falta de formação adequada, confundem a grande maioria de documentos não sigilosos com aqueles poucos. Também há um certo receio da Igreja quanto ao uso inadequado dos documentos, a partir de interpretações alteradas ou leituras incorretas dos mesmos, principalmente quando se tratam de processos de costumes, gênero e vida. Isto porque a Igreja se preocupa em proteger não a própria Instituição, mas as pessoas envolvidas. Sua prioridade reside em defender o espaço da consciência que muitas vezes está presente nos documentos. Daí o temor generalizado em dar acesso os arquivos, o que reverte negativamente para o próprio acervo, gerando o seu desconhecimento e a desorganização (ABIB, 1999).

De fato, o problema do sigilo dos documentos é outro agravante no que tange às pesquisas: não há uma distinção transparente entre o que é secreto ou não pela Igreja. Existem algumas tipologias documentais a serem trancadas em cofre, mas existem muitas séries dos acervos que não estão classificadas como tal e mesmo assim não são abertas ao pesquisador, já que os responsáveis acreditam que estes consulentes poderão fazer mau uso ou interpretá-las de modo incorreto. É neste ponto que reside à dificuldade das pesquisas acadêmicas, sendo o acesso às fontes um grande entrave para o desenvolvimento dos estudos sobre a história das religiões e, neste caso, da História da Igreja no Brasil. Os acervos eclesiais configuram-se como um patrimônio inédito7, não explorados devido ao desconhecimento dos pesquisadores e, por vezes, dos próprios administradores e responsáveis. Isto se mostra como um grande problema, visto que os centros de custódia de documentação da Igreja Católica mostram-se possuidores de conjuntos raros e de possibilidades inextinguíveis de pesquisa, já que Il ne s’agit pas ici seulement de faire l’histoire de la religion (catholique, protestante, juive, orthodoxe, etc.), mais encore celle du sentiment religieux et des représentations du monde, du cosmos, de la vie et de la nature, construites par les acteurs historiques. (...) Les archives religieuses sont et seront le lieu de la recherche fondamentale pour comprendre ce phénomène majeur de notre histoire, au-delà des impressions parfois trompeuses de la mémoire, de l’actualité, de la construction idéologique (CONSULTATION GÉNÉRALE SUR LE PATRIMOINE RELIGIEX DU QUEBEC, 2005:10).

Assim, é correto afirmar que os arquivos religiosos constituem (e constituirão para as gerações futuras de historiadores) materiais essenciais para melhor

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compreender não somente a história religiosa, mas também a de cunho social, econômico, cultural, político e intelectual do Brasil. Considerando a totalidade do acervo documental brasileiro, a Fundação Histórica Tavera, associação espanhola, quantificou que um terço desta massa é formado por documentos eclesiásticos, porém em um estado que pouco auxilia o pesquisador: acervos desorganizados, sem classificação, sem instrumentos de pesquisa, em estado deplorável de conservação. Tal situação leva os pesquisadores a caminharem sempre por alguns temas e certos arquivos em particular, onde o acervo está organizado e disponível. Contudo, até mesmo o estado e organização dos conjuntos, por mais irreconhecíveis dentro dos padrões da arquivística contemporânea, devem ser levados em consideração pelos estudiosos das religiões, já que estes elementos apontam para influências de fatores internos e externos à instituição. Como aponta o Conselho Geral sobre o Patrimônio Religioso de Québec, elemento que serve inteiramente para se pensar a situação e relação entre arquivos eclesiais e historiadores, Matière première de l’historien, l’archive, bien préservée, organisée selon les règles de l’art et rendue par là même accessible à son questionnement, est la condition première de la production de mémoire et de science dont il a la responsabilité. Ce que le passé nous laisse, ce reflet de lui-même que constitue l’archive, est donc fondamental et doit être tenu comme tel. De plus, ce passé est constamment réinterprété : les archives sont relues par des générations successives de chercheurs qui ont d'autres questions à leur poser. Une fois consultées les archives continuent d'être vivantes. Elles doivent donc être précieusement protégées (CONSULTATION GÉNÉRALE SUR LE PATRIMOINE RELIGIEX DU QUEBEC, 2005:10).

4. Possibilidades de Gestão Integrada dos fundos eclesiásticos Em primeiro lugar, é necessário reconhecer a importância dos acervos eclesiásticos como lócus privilegiados de constituição e construção histórica não somente no que tange à dimensão da religião, mas abrangendo temas e aspectos da vida, história, sociedade, cultura, política. Como bem pode ser apontado, Dispersées pour des raisons pastorales et liturgiques sur l’ensemble du territoire, les Églises ont été bien avant l’État, et longtemps avec beaucoup plus d’intensité, au contact de la vie locale, agissant comme une interface entre celle-ci et les autres échelles de la vie publique. C’est pourquoi les archives religieuses locales recèlent des trésors qui permirent de raconter non seulement les comportements démographiques de nos ancêtres, mais encore de lever le voile sur leur existence quotidienne, sur une part de leurs peurs, de leurs espoirs, et même de leur vie intime. Il s'agit aussi des traces de la vie politique locale, forme première en expérience et par la chronologie de la vie démocratique. Ces archives sont encore le moyen d’appréhender les modalités complexes, fines et changeantes du vivre ensemble. Elles ont été récemment les matériaux d’études célèbres portant sur cet

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aspect de notre passé collectif (CONSULTATION GÉNÉRALE SUR LE PATRIMOINE RELIGIEX DU QUEBEC, 2005:10).

Grande é o valor pastoral, frente à urgência de um esforço missionário, que a Igreja aponta para o seu patrimônio, sobretudo documental, como foi colocado pela Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja. Conforme afirma o papa João Paulo II, “os bens culturais nas suas múltiplas expressões (...) constituem uma componente que de modo algum deve ser descuidado na missão evangelizadora e de promoção humana, que é própria da Igreja” (JOÃO PAULO II, 2000). Contudo, na prática, esta situação tem novos problemas e raras são as iniciativas em prol de medidas técnicas e corretas para a sua divulgação e conservação. É por isso que trabalhos e parcerias com centros de cultura e universidades tem alcançado objetivos e resultados muito satisfatórios8. De fato, julga-se necessária uma atenção especial aos arquivos eclesiásticos e fundos de origem religiosa dispersos em acervos públicos, reflexo da indefinição de sujeitos até o fim de período imperial pelo Brasil. Porém, qual seria a especificidade no trato deste patrimônio documental? Em primeiro lugar, está a distinção feita a eles como arquivos privados, definindo-os como o conjunto de documentos, quer sejam suas datas, forma, conteúdo e suporte material, produzidos ou recebidos pela Igreja Católica no Brasil. Em segundo, após estudos específicos dos espécimes documentais, está a necessidade de empreender análises diplomáticas e tipológicas específicas, partindo de valores sócio-culturais e históricos, já que, assim como os documentos civis, os eclesiais também são submetidos a validade do Direito e emanam fé pública dos seus atos 9. Será a partir destas primeiras validações que a incorporação destes acervos no contexto e universo da arquivística atual se processará de maneira plausível e respeitando os elementos que lhes originaram. Deste modo, devido à importância e abrangência destes fundos, torna-se urgente a formação de uma gestão integrada, entre grupos da Igreja e organismos civis, propondo meios de salvaguarda deste inigualável patrimônio documental. Entre eles, está a formação de grupos de debate específicos e a criação de uma Associação de Arquivistas Eclesiásticos, formados em cursos aprofundados que partam das premissas ditadas pela especificidade destes conjuntos. Tais ações já são realizadas, por exemplo, nos países ibéricos e na França, através do Centre

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National des Archives de l’Eglise de France, fundado em 1981, fortalecendo arquivos diocesanos, paroquiais e dos monastérios e casas religiosas. Assim, um trabalho de gestão de acervos, em nível nacional, proposto em conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos de Brasil (CNBB)10 e organismo nacionais (como o Arquivo e Biblioteca Nacional), é uma ação mais que necessária. Por meio deste, seria possível desenvolver uma gestão integrada da arquivística religiosa, a fim de definir uma política clara para o patrimônio documental eclesiástico. Tal assertiva deve ser realizada o mais rápido, uma vez que intervenções e organizações sem sistematização estão levando diversos arquivos eclesiais brasileiros à destruição, frutos, muitas vezes, da “boa-vontade” e do “senso comum”. Além do descarte generalizado de itens que alguns julgam não fazer parte do acervo, trabalhos de restauro sem nenhum embasamento são feitos em obras, além de controle de pragas por meio da aplicação de venenos que tornam o acesso aos itens impossibilitado. As experiências dos países ibéricos dever-se-iam, novamente, se tornar base para a implantação de políticas de gestão no Brasil, criando sistemáticas de identificação de fundos e quadros de arranjo padronizados, através de identificação das tipologias documentais. Este tipo de atividade é plausível, uma vez que os conjuntos, mesmo formados em contextos históricos e culturais específicos, repetem-se dentro de uma mesma estrutura: livros sacramentais; documentos das cúrias, paróquias e capelas; acervos de confrarias, irmandades e congregações religiosas; fundos de sacerdotes e leigos consagrados, entre outros. Com estas informações, conhecendo intrínseca e extrinsecamente as unidades documentais, poder-se-iam compor quadros de arranjo que, implantados nas circunscrições eclesiásticas do Brasil, possibilitariam uniformizar métodos e atividades de gestão, tanto dos arquivos quanto das bibliotecas eclesiais. Um aspecto necessário é empreender estudos que, baseados em métodos históricos e arquivísticos, resgatem uma relação orgânica à documentação, culminando com a ideia de respeito e proveniência dos fundos, reintegrando-os e descrevendo-os. Neste caminho, outra vertente deve procurar estipular metodologias transparentes no tratamento dos conjuntos definidos como secretos, tendo sempre em vista o reconhecimento e a compreensão do caráter eclesial privado dos arquivos da Igreja e, por outro, sua importância e interesse nacional. Inventariar e descrever este patrimônio é uma tarefa mais que necessária, imperiosa, como

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expressa a carta circular “Sobre a necessidade e urgência do inventário e catalogação dos bens culturais da Igreja”, de 8 de dezembro de 1999. Objetivando dar conhecimento, salvaguardar e valorizar os bens culturais, incluindo arquivos e bibliotecas,a carta apresenta um tom enérgico, estimulando a Igreja mundial a realizar atividades de preservação de seus bens, precavendo-se de dispersões e clamando a cada comunidade o empenho em dividir a responsabilidade com as autoridades civis e privadas. Todas as ações, portanto, culminando sempre na confecção de inventários e catálogo, devem ser executadas tendo em vista uma visão global histórica do arquivo. Partindo deste tipo de pressuposto, e tendo por desígnio a especificidade do conjunto para a análise e constituição de cada série documental, considera-se como essencial, para os trabalhos nestes acervos, compreender a dinâmica cultural da religião, elemento central que incidirá em uma diplomática coerente para estes espaços, ressaltando sempre a historicidade dos fatos religiosos, tanto a partir do pressuposto fundamental de sua possível e necessária redução à razão histórica, quanto pela necessidade de acolher e definir, nesta perspectiva, aqueles fatos que não resultassem redutíveis aos modelos analógicos (isto é, constituídos ao redor de denominadores comuns) sugeridos pela pesquisa comparada.(MASSENZIO, 2005: 19)

5. Bibliografia Consultada ABIB, Jamil Nassif, Mons. “Mesa 3: Arquivos Eclesiásticos”. Anais Eletrônicos da Mesa Redonda Nacional de Arquivos. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.

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___________. Lettera Circolare sulla necessità e urgenza dell’inventariazione e catalogazione dei Beni Culturali della Chiesa. (08/12/1999). CONSULTATION GÉNÉRALE SUR LE PATRIMOINE RELIGIEX DU QUEBEC. Le sort des archives religieuses au Québec: les historiens sont inquiets. Septembre, 2005. Acessado em 03 de abril de 2011 e disponível em http://schec.cieq.ca/documents_pdf/memoire_historiens.pdf FUNDAÇÃO HISTÓRICA TAVERA. Brasil: primer borrador de informe sobre la situación sel patrimonio documental de América Latina. Madrid, 30 de marzo de 1999. Acessado em 14 de setembro de 2010 e disponível em http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/Media/publicacoes/mesa/relatrio_s obre_a_situao_do_patrimnio_documental_do_brasil.pdf HAYES, P. “Ecclesiastical Archives”. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company, 1907. Acessado em 7 de Janeiro de 2011 e disponível em http://www.newadvent.org/cathen/01696a.htm. MASSENZIO, Marcello. A História das Religiões na Cultura Moderna. São Paulo: Hedra, 2005. PAPA JOÃO PAULO II. Constituição Apostólica Pastor Bonus. 28/06/1988. __________________. Discurso à Assembleia Plenária da Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja. 31/03/2000. PAPA PAULO VI. Discorso di Paolo VI agli Archivisti Ecclesiastici. 26/09/1963. ROSA, Maria de Lurdes e FONTES, Paulo F. Oliveira (coord.). Arquivística e Arquivos Religiosos: contributos para uma reflexão. Lisboa: SerSilito, 2000. SANTOS, Christian J. Oliveira. “Arquétipos da Memória Religiosa e Gestão Arquivística: uma análise comparada dos arquivos eclesiásticos nos códigos de direito canônico de 1917 e de 1983”. Associação dos Arquivistas Brasileiros. Anais do XV Congresso Brasileiro de Arquivologia, 2008. Acessado

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Mestrando em História Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-UNICAMP), sob orientação da Profa. Dra. Eliane Moura da Silva. Email: [email protected] 2 Segundo Santos, “os monarcas, em virtude desse regime, dispunham do direito de administrar assuntos religiosos, subordinando as necessidades da Igreja aos interesses da Coroa. Por conseguinte, diversos aspectos do governo civil mesclavam-se com os eclesiásticos no que se referia, por exemplo, ao pagamento dos dízimos e de outros subsídios às paróquias. Isso faz com que os fundos documentais depositados nas dioceses criadas antes da extinção do padroado se tornem complemento importante às fontes de informação arquivísticas de origem civil” (SANTOS, 2005: 107). 3 “È il Cristo che opera nel tempo e che scrive, proprio Lui, la sua storia, sì che i nostri brani di carta sono echi e vestigia di questo passaggio del Signore Gesù nel mondo. Ed ecco che, allora, l’avere il culto di queste carte, dei documenti, degli archivi, vuol dire, di riflesso, avere il culto di Cristo, avere il senso della Chiesa, dare a noi stessi, dare a chi verrà la storia del passaggio di questa fase di «transitus Domini» nel mondo”. (PAULO VI, 1963). 4 Compreende-se como Arquivos Eclesiais o mesmo que Hayes: “Ecclesiastical archives may be described as a collection of documents, records, monuments, and memorials, pertaining to the origin, foundation, growth, history, rights, privileges, and constitutions of a diocese, parish, monastery, or religious community under the jurisdiction of the Church; the term is also applied to the place or depository where such records and documents are kept”. (HAYES, 1907). Do mesmo modo, Lucile Povin os define como “l’ensemble des documents, quelle que soit leur date ou leur nature, produits ou reçus par un organisme religieux pour ses besoins ou l’exercice de ses activités et conservés pour leur valeur d’information générale”. (ROSA, 2000: 56). 5 Para este trabalho, foram visitados vários centros de guarda da Igreja Católica e a situação encontrada foi praticamente a mesma. Apesar de alguns muito organizados, faltam, na maioria, instrumentos de pesquisa, retratos credíveis dos acervos. Pode-se citar como um trabalho introdutório e geral para o tema, uma das poucas reflexões feitas sobre o contexto brasileiro, a dissertação de mestrado de Cristian José Oliveira Santos, Os Arquivos das primeiras Prelazias e Dioceses brasileiras no contexto da legislação e práticas arquivísticas da Igreja Católica. (UnB, Brasília, 2005). Outro trabalho de destaque é o relatório feito pela Fundação Histórica Tavera, fundação espanhola cujo objetivo é desenvolver projetos e ações que concorram para o conhecimento da memória histórica dos países ibero-americanos, contratada pelo Banco Mundial para realizar um levantamento sobre a situação do patrimônio documental na América Latina, no ano de 1999. Neste estudo inédito, aponta para a situação “dramática” em que se encontram os arquivos eclesiásticos neste território, especialmente no Brasil, apesar da valorosa documentação, válida não somente para a História da Igreja, mas para a compreensão da cultura, economia, sociedade e política. Para mais, ver FUNDAÇÃO HISTÓRICA TAVERA, 1999. 6 “Apesar de serem dotados de caráter privado, têm documentação classificada como de interesse público e social, e, desta forma, são patrimônio cultural da nação. Contudo, a classificação de um arquivo privado como de interesse público e social não assegura o direito ao acesso a esse arquivo, pois a legislação delega aos seus detentores a decisão de liberá-los à pesquisa”. (SILVA e BORGES, 2009). 7 Conforme dados da Fundação História Tavera, “los archivos de Brasil, tanto de ámbito público como de instituciones privadas o de carácter eclesiástico, tienen en común la posesión de un rico patrimonio documental que destaca, no sólo por la calidad y antigüedad de la documentación, sino también por el volumen de sus fondos [...] Queremos destacar la importancia de los fondos documentales depositados en instituciones de carácter eclesiástico, por la significación histórica de la Iglesia Católica en el Brasil. Éste es un patrimonio prácticamente desconocido, siendo complemento importante a las fuentes documentales de origen civil”. (FUNDAÇÃO HISTÓRICA TAVERA. Op cit.) 8 Entre algumas ações bem sucedidas, vale apontar a parceria realizada entre a Arquidiocese de Cuiabá, a Universidade Federal do Mato Grosso e o Arquivo Público de Mato Grosso, da Secretaria de Estado de Administração. Através dela, o conjunto documental custodiado na cúria metropolitana foi organizado, catalogado, descrito, conservado e microfilmado (cerca de 26 mil peças), projeto que teve duração de 2003 a 2008. Como resultado, foi publicado um extenso catálogo dos documentos do acervo, intitulado Memória da Igreja em Mato Grosso: o arquivo da Cúria Metropolitana de Cuiabá: catálogo de documentos históricos (2002). Além deste, existem diversas ações desta natureza espalhados pelo Brasil, como o projeto Escravidão Africana nos Arquivos Eclesiásticos (séculos XVIXIX), criado pela Universidade Federal Fluminense em 2003, focando inicialmente em arquivos eclesiásticos do Rio de Janeiro, trabalho já realizado em países como Cuba e Estados Unidos. Outro

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trabalho de grande importância foi o desenvolvido pelos membros da antiga Sociedade Genealógica do Utah (Estados Unidos), atual Family Search, de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os “Mórmons”, que, apesar da proibição expressa do Vaticano em 2008, digitalizaram quantidades consideráveis de livros sacramentais para alimentar seus bancos de dados, hoje disponíveis na internet. Apesar de terem interesses próprios, a iniciativa deste grupo foi inédita em muitos acervos eclesiais já que, além de desenvolverem um trabalho profissional, deixavam cópias de todo o trabalho, possibilitando a pesquisa digital de obras em péssimo estado de conservação. 9 Como aponta Fernando de Lasala, “Los documentos eclesiásticos poseen rasgos peculiares, algunos de tipo conceptual, otros de tipo técnico. (...) En la génesis de los documentos eclesiásticos también existe un proceso peculiar, ligado a la estructura de la Curia Romana, de lãs curias episcopales, de los institutos de vida religiosa y de las cofradías. Son de notable importancia los documentos parroquiales —obituarios, libros de nacimientos y bautismos, libros de matrimonios, libros de Obligaciones de Misas y libros de Fábrica (construcción o reformas de la parroquia)—, así como los libros de hospitales y cofradías. (...). Todos estos documentos eclesiásticos son fuentes para el conocimiento de la sociedad, de la cultura y, en definitiva, de la Historia” (ROSA, 2000: 260). 10 Vale ressaltar que, desde a sua fundação, foram raras as vezes que a CNBB publicou algum documento disciplinar no que tange a salvaguarda dos bens culturais da Igreja do Brasil. Geralmente, tais ações ocorrem por meio de seminários realizados em algumas regionais do órgão, como o I Seminário Igreja e Bens Culturais – Evangelização e Preservação, realizado pela regional Leste II em parceria com o IPHAN, em 2010.

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