As Forcas de Paz Combinadas sul americanas e o descompasso brasileiro

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IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa. “Forças Armadas e Sociedade Civil: Atores e Agendas da Defesa Nacional no Século XXI. 06 – 08 de julho, 2016. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina.

Área temática: Forças Armadas, Estado e Sociedade.

Título do trabalho: AS FORÇAS DE PAZ COMBINADAS SUL-AMERICANAS E O DESCOMPASSO BRASILEIRO. O CASO DA BRIGADA BINACIONAL “CRUZ DEL SUR”.

Autor: Matias Daniel Avelino Ferreyra (Universidade Federal Fluminense).

RESUMO Nos últimos dez anos, o cenário sul-americano foi marcado por uma variada proliferação de instituições regionais, todas com o objetivo de fomentar a atuação de maneira conjunta em operações de paz. Destacam-se, entre elas, o que genericamente se chama como Forças de Paz combinadas (FPC), entre alguns países da região, cujo projeto mais acabado e que tem conseguido o maior destaque foi a Brigada Binacional “Cruz Del Sur”, constituído

por

iniciativas

da

Argentina

e

do

Chile

a

partir

de

2012.

Uma questão que resulta enigmática é a ausência do Brasil na projeção de FPC. A Argentina se envolveu em duas iniciativas de FPC, o Chile também, o Uruguai em uma, o Peru e o Equador também com pelo menos uma. Mas o Brasil, em nenhuma, indicando um descompasso a respeito da tendência regional em cooperação militar. Essa atitude poderia estar demonstrando certa reação tardia, ou também, alguma relutância por parte de setores políticos e/ou militares, no Brasil, sobre o engajamento das FFAA em forças combinadas permanentes. Dessa forma, o objeto do presente trabalho se refere ao Brasil e a emergência de Forças de Paz Combinadas (FPC) na América do Sul, tomando como caso a Brigada Binacional “Cruz del Sur”, no período 2003 – 2014. A pergunta geral é como e por que o Brasil não se envolveu em iniciativas de criação de FPC como fizeram outros países da região, como a Argentina e o Chile, com a Brigada Binacional “Cruz del Sur”? Nesta direção, pretende-se analisar o comportamento do Estado brasileiro frente à formação de FPC, na América do Sul, considerando a percepção de setores militares e diplomáticos brasileiros sobre o tema e a possível incidência de uma particular prática soberanista, dentro Estado, como variável explicativa de ausência do País na formação de FPC. Palavras chave: Brasil / Forças de Paz Combinadas / Brigada “Cruz del Sur”

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos dez anos, o cenário regional sul-americano tem experimentado a definição de um novo formato de cooperação, na área de assuntos militares e de defesa, abrindo oportunidades de aprofundamento tanto para as medidas de confiança mútua entre os Estados, quanto como para a interoperabilidade e camaradagem, ao nível das forças armadas dos mesmos. Uma variada proliferação de instituições regionais, todas com o objetivo comum de fomentar a cooperação e a atuação de maneira conjunta em operações de manutenção da paz (OMP), constituem a expressão dessa nova tendência integracionista. Destacam-se, entre elas, a constituição e projeção do que, genericamente, se chama como Forças de Paz Combinadas (FPC). A Companhia de Engenheiros “Chiecuengcoi”, constituída em 2005, entre o Chile e o Equador, é um exemplo desse formato. Também, o projeto argentino-peruano da Companhia de Engenheiros “Don José de San Martín”, conhecido em 2012; e as iniciativas do Uruguai e do Equador, declaradas em fevereiro de 2015, para criar uma Forca de Paz combinada. Todas elas funcionam, ou pretendem funcionar, dentro do Sistema de Operações de Paz das Nações Unidas. 1 No entanto, o projeto mais acabado e que tem conseguido o maior destaque internacional foi o que genericamente se denominou como Força de Paz Conjunta Combinada “Cruz Del Sur” (FPCC “CdS”), constituído por iniciativas da Argentina e do Chile.2 Oficialmente, a Brigada Binacional “Crus del Sur” entrou em funcionamento em 2011, depois de um longo processo de negociações bilaterais iniciado em março de 2003, representando uma iniciativa inédita e sem precedentes históricos na América do Sul. 1

Essas novas instituições não nasceram em ausência de uma ampla base de experiências regionais que as catalisaram. Nesse sentido, foram determinantes as experiências de cooperação em OPAZ adquiridas pelos países sul-americanos, com o Mecanismo de Coordenação 2x9, no marco da MINUSTAH, nascido em 2005, para atuar no Haiti. Também foi importante a criação do Conselho de Defesa Sul-americano (2008), como Foro de Consulta em questões de OPAZ. Por outra parte, destaca-se a Associação Latino-americana de Centros de Treinamento para Operações de Paz, ALCOPAZ, criada em 2008, e a experiência dos Exercícios Combinados Regionais UNASUL I, II, III e IV, a partir de 2011. 2 A expressão “conjunta” faz referencia, na gíria especializada desses dois países, ao critério estratégico y organizativo que involucra às três forças da milícia. A palavra “combinada”, por sua parte, refere à natureza binacional da brigada, composta por elementos armados de dois Estados nacionais.

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Uma questão que resulta enigmática, no entanto, é a ausência do Brasil na projeção sul-americana de Forças de Paz Combinadas. A Argentina se envolveu em duas iniciativas de FPC, o Chile também, o Uruguai em uma, o Peru e o Equador também com pelo menos uma. Mas o Brasil, em nenhuma. A principal potência da região pareceria ter permanecido em um descompasso a respeito da tendência regional, tomando uma atitude reativa frente às iniciativas de seus vizinhos. De fato, foi só a partir de setembro de 2014 que o Brasil manifestou oficialmente o interesse de participar da Brigada Binacional “Cruz del Sur” através de declarações do Ministro de Defesa, em aquele momento, Celso Amorim, indicando que o país ingressaria na força de maneira gradual. O certo é que o Brasil havia sido convidado para participar, pelo menos de maneira oficial, já em 2011, quando recém tinha sido constituída a FPCC. Porém, ainda não existe um compromisso formal que vincule o país com algumas das iniciativas mencionadas. Essa atitude poderia estar demonstrando, talvez, certa reação tardia a essas tendências regionais de cooperação militar, e por detrás disso, algum tipo de relutância por parte de alguns setores políticos civis e/ou militares, no Brasil, a respeito do engajamento das FFAA brasileiras em forças combinadas permanentes. O que resulta enigmático é que o Brasil sendo o país de maior peso geopolítico da região, que tem procurado assumir a liderança do processo regional de cooperação na área de defesa, que é um dos maiores contribuintes da região para Operações de Paz na ONU, e quem, por outra parte, tem consolidado uma robusta agenda de cooperação na área de defesa com países como a Argentina – principal sócio estratégico na região – não tenha participado de nenhum dos projetos de FPC e principalmente do projeto de criação da Brigada “Cruz del Sur”. Dessa maneira, surgem algumas interrogações que até o presente não tem recebido a devida atenção na comunidade regional de estudos de Defesa: Como e porque o Brasil não se envolveu em iniciativas de formação de Forças de Paz Combinadas como fizeram outros países sul-americanos, como Argentina e Chile, entre os anos 2003 e 2014? Qual foi o comportamento do Brasil a respeito da formação de FPC na América do Sul nos últimos anos? Qual é a percepção dos militares e diplomáticos brasileiros frente à possibilidade de integrar o Brasil em forças combinadas permanentes, como a Brigada “Cruz del Sur”? A hipótese defendida é que existem setores dentro do aparelho estatal brasileiro, tanto civis quanto como militares, que mantem reticencias e alguns graus de desconfiança 3

que impedem envolver o Brasil em forças multinacionais de caráter permanente, respondendo ao tradicional viés soberanista do Estado, e das elites brasileiras, que rejeitam a ideia de comprometer o país com instituições militares com elementos de supranacionalidade, na América do Sul. Tendo em conta a revisão geral da literatura e as consultas com alguns académicos que pesquisam sobre o tema, pode-se inferir que, até o presente, não existe bibliografia acadêmica que tenha se concentrado em associar de maneira analítica Politica Externa do Brasil frente às Forças de paz Combinadas, como a “Cruz del Sur”. Dessa maneira, a intenção de problematizar e tematizar a associação “Brasil” / “FPC – Cruz del Sur”, encontra uma importante justificação académica.

2 AS FORÇAS DE PAZ COMBINADAS E A BRIGADA BINACIONAL “CRUZ DEL SUR”. Uma FPC contempla vários aspectos significativos. Por uma parte, refere a um ator militar intergovernamental sui generis na arena internacional, que cobra vida nos esquemas de segurança coletiva do século XXI. Concomitantemente, constitui fonte de novos desafios e oportunidades para os mecanismos de confiança mútua entre os Estados, devido ao elevado nível de integração e cooperação militar requerido para sua construção. Por último, representa a concretização de uma proposta dos quadros especializados em missões de paz da ONU para acelerar o processo de desdobramento das missões autorizadas pelo Conselho de Segurança. Com respeito às forças combinadas na América do Sul, as mesmas não podem ser compreendidas sem inseri-las no contexto da evolução do sistema de operações de Paz da ONU. Ênfase especial deve ser colocada nas novas exigências operativas nos contextos posteriores à Guerra Fria, derivadas de fatores tais como a necessidade de reduzir o máximo possível o ‘tempo’ no preparo e emprego das forças de paz, das quais as FPC constituíram uma resposta. A ONU há vários anos, havia solicitado aos países que preparassem e instruissem seus contingentes para serem empregados em operações de paz “multidimensionais”, ou

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seja, o emprego de forças em cenários complexos, que exigem desdobramento mais sofisticado, rápido e multidisciplinar que as operações de tipo tradicional. 3 Uma das diretivas trata exatamente do Sistema de Forças em Reserva para o Emprego Rápido das Nações Unidas (UNSAS, em inglês) (SALESI, 2011, p.2). Em coincidência com as novas necessidades do sistema ONU, pode-se demonstrar que a constituição de Forças Combinadas de Paz já é uma plena realidade no subcontinente da América do Sul, o que está exteriorizando um maior compromisso com a paz internacional, contribuindo para o atendimento das novas necessidades com respeito ao emprego rápido das forças de paz (NASCIMENTO, 2014; FORTI, 2014). A partir das experiências adquiridas pelos países sul-americanos participando com a MINUSTAH, no Haiti, concretizaram-se mecanismos de coordenação e cooperação em missões de paz sem precedentes, como o denominado mecanismo 2x9, criado em 2005. Certamente, a MINUSTAH significou o primeiro projeto de participação combinada subregional em uma missão de paz, mas não se pode dizer que haja uma força integrada, embora estabelecesse um forte vínculo e interconexão em nível de Estado-Maior, bem como entre os batalhões que lá se encontraram (LLENDEROZAS, 2007) Porém na América do Sul, as FPC ganharam impulso a partir de várias iniciativas e projetos posteriores à participação regional na MINUSTAH, que serviram como plataforma para esta nova tendência no regionalismo sul-americano. Criaram-se Foros de Consulta, como o Conselho Defesa Sul-americano (CDS), em 2008, que tem entre seus pilares o aprofundamento da cooperação sul-americana em operações de paz. (NASCIMENTO, 2014). Por outra parte, no mesmo ano se constituiu a ALCOPAZ, Associação Latino-americana de Centros de Treinamento para Operações de Paz, que promove o intercambio, aperfeiçoamento e contato entre os diferentes centros de treinamento dos países da região para Operações de Paz (OPAZ). Outras iniciativas referem aos Exercícios Combinados Regionais da UNASUR, desenvolvidos anualmente, o primeiro a partir do ano 2011 (UNASUR I), que tem por finalidade promover padrões

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As operações tradicionais se baseiam essencialmente em medidas militares, que incluem observação e monitoramento (com postos de controle estático, patrulhas, sobrevoos, ou meios técnicos aceitos pelas partes); supervisão do cesse do fogo entre Estados enfrentados, medidas de construção de confiança, mecanismos de verificação; e finalmente, interposição com amortecimento, entre outras. Em contraste, as operações multidimensionais ou complexas (Também chamadas de “segunda geração”) são aquelas que se enviam a cenários que tem vivido um violento conflito de caráter principalmente interno. Nos mesmos se emprega uma combinação de capacidades militares, policiais e civis para apoiar a implementação de um acordo de paz que inclua todos os aspectos necessários (VÁRNAGY, 2011, p.46)

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comuns de interoperabilidade e a busca de uma doutrina regional em matéria de planejamento e atuação em OPAZ (VARNAGI, 2011). Quanto à Forças de Paz Combinadas (FPC), criou-se a Companhia de Engenheiros “CHIECUENGCOI”, em 2005 entre o Chile e o Equador. Existe também, a partir de 2012, o projeto em andamento da Companhia de Engenheiros “Libertador Don José de San Martín”, entre a Argentina e o Peru, e também o compromisso entre o Uruguai e o Peru em constituir uma FPC para empregá-la no Haiti. Mas o projeto que resultou mais acabado e completo, como se indicou anteriormente, foi a Força de Paz Conjunta Combinada “Cruz del Sur”. A força foi colocada à disposição da ONU, conforme o Sistema UNSAS, em 2011 (United Nations Stand-By Arrangement System), podendo ser deslocada quando houver um pedido da ONU e com a aprovação de ambos países, ante qualquer cenário de conflito em não mais de 90 dias, outorgando-lhe ao organismo internacional o tempo suficiente para um emprego da força contundente (PERCOCO, 2014). Quanto à estrutura política da forca, vale destacar que a FPCC cria distintos níveis de decisão e execução, sendo o Grupo Bilateral de Direção Política (GBDP) o escalão de mais alto nível na força. El GBDP está conformado por dois representantes titulares do Ministério de Defesa e dos representantes titulares do Ministério de Relaciones Exteriores de cada Estado. Tem como finalidade analisar, assessorar e avaliar todos aqueles aspectos vinculados com as atividades da FPC e a canalização do processo da toma de decisões políticas binacionais para seu emprego. O GBDP intermedia inteiramente o processo de decisão entre o nível nacional e a ONU para dar viabilidade ao emprego da FPCC (PERCOCO, 2014). O mesmo consiste numa instância civil que realiza o controle político da execução do acionar militar conjunto, disposição da Autoridade Militar Binacional.

3 O BRASIL E A BRIGADA “CRUZ DEL SUR”. No ano 2012, mais precisamente o dia 7 de novembro, o Brasil enviou observadores à Argentina, para acompanhar os primeiros exercícios combinado com participação de tropas desde a constituição da Brigada “Cruz del Sur”. Durante três dias, oficiais do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas estiveram na Bahia Blanca, a 700 kilómetros de Buenos Aires, observando exercícios da brigada. “Trata-se de um exercício 6

que simula tudo aquilo que pode ocorrer em missões de paz”, disse o contra-almirante Jorge Armando Nery Soares, subchefe de Logística Operacional do Ministério da Defesa, que previamente, no mês julho do mesmo ano esteve na Argentina para conhecer a brigada binacional (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2012). Ao retornar a Brasília, o almirante Armando Nery Soares fez um relato sobre o que viu durante a visita ao pais vizinho. Segundo ele, o convite para que o governo brasileiro enviasse observadores representava o primeiro passo para estabelecer a entrada do Brasil como membro da força de paz. Em aquela ocasião, o militar afirmou que já foram feitos contatos nesse sentido e qualquer decisão sobre a participação brasileira na “Cruz Del Sur” caberia ao ministro da Defesa, Celso Amorim, que submeteria a decisão ao crivo da presidenta Dilma Rousseff. Naquela ocasião, um dos principais pontos de interesse dos observadores brasileiros foi verificar como os dois países sul-americanos estão trabalhando a interoperabilidade dentro dos padrões das Nações Unidas (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2012). No entanto, o almirante foi enfático em assinalar que “ainda que o Brasil venha a participar dessa brigada, isso não descarta qualquer participação isolada nossa em outras missões pelo mundo” (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2012). Uma semana depois do começo da visita dos observadores brasileiros à Bahia Blanca, no dia 13 de novembro, as autoridades militares do Chile e da Argentina sinalizaram o interesse de somar o Brasil à Brigada Cruz del Sur (GIRALDI, 2012). Foi o mesmo almirante Jorge Amando Nery Soares que difundiu essa noticia, destacando o diálogo entre as forças dos três países sobre o questão – que com a hipotética adição do Brasil se converteria em uma brigada “trinacional”-. O ex- subchefe de logística operacional do Ministério da Defensa, destacou que “foi muito importante a nossa participação porque mostra que existe interesse da Argentina e do Chile em ter nosso apoio na Força de Paz. Verificamos as ações e conversamos sobre o assunto. Esta força está a disposição da ONU, que definirá o lugar a ser empregada” (GIRALDI, 2012). Porém, Nery Soares aclarou que “a participação brasileira, no entanto, depende ainda de uma série de negociações, que devem resultar em um acordo internacional a ser submetido à presidenta Dilma Roussef, o ministério de Defesa e o Congresso Nacional. Tem várias exigências que devem ser cumpridas, mas já existe um avanço” (GIRALDI, 2012).

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Dois anos depois, em setembro de 2014, o Brasil manifestou oficialmente o interesse de participar da Brigada Binacional “Cruz del Sur”. A participação brasileira tinha sido discutida na reunião que os ex-ministros de Defesa do Brasil, Celso Amorim, e do Chile, Jorge Burgos, tiveram em Brasília. Amorim explicou que se enviaria, inicialmente, um pelotão da Policia do Exército e de alguns oficiais para integrar o Estado Maior Conjunto Combinado. Na seguinte fase, o Brasil sumaria uma companhia completa de infantaria. Também, o ministro assegurou que a participação do Brasil na iniciativa reforçará a integração regional e a formação de uma identidade de defesa sul-americana. “Pelo histórico das relações entre Chile e a Argentina, a Cruz del Sur é uma iniciativa simbólica de cooperação sul-sul. Temos um grande desejo de fazer concreta a nossa participação” (SPUTNIK NEWS, 2014). O certo é que o Brasil havia sido convidado para participar, pelo menos de maneira oficial, já em 2011, quando recém tinha sido constituída a FPCC. Porém, ainda não existe um compromisso formal que vincule o país com algumas das iniciativas mencionadas. O certo é que a criação da Brigada “Cruz del Sur” demonstra que a Argentina e o Chile tem apresentado disposição maior que o Brasil respeito de uma incorporação de áreas cada vez maiores na tentativa de criar uma visão cooperativa comum em defesa e de elevar o nível de institucionalidade da integração regional na área de defesa. No caso do Brasil, apesar do discurso governamental, ainda parece alimentar desconfianças e procura postergar qualquer decisão nessa matéria (MATHIAS, GUTZZI & GIANNINI, 2008). Nesse sentido, são ilustrativas as palavras de Rosendo Fraga (2008): Em matéria de segurança internacional, a política do Brasil para a Argentina é muito clara: potencia os acordos bilaterais exércitoexército, armada-armada, força aérea-força aérea, mas não permite que isto se institucionalize como uma política dos dois Estados (...)Porque a relação bilateral força-força não tem status político, e se é tomada a decisão de suspender tal relação em um determinado momento, não se gera uma crise política. Por isso, não vejo o Brasil interessado em avanços concretos, como a criação de uma brigada binacional ou de algum elemento militar permanente do Mercosul (citado em MATHIAS, GUTZZI & GIANNINI, 2008). Dessa forma, não surpreende que, no caso da negociação para a conformação da Brigada Cruz del Sur, há informações de militares chilenos que indicam que o Chile vetou a participação brasileira nos exercícios promovidos sob a tutela do Acordo, acusando 8

esse de promover ações que emperram as iniciativas de aprofundamento da cooperação em defesa (MEDEIROS FILHO, 2011). Essa relutância parece ser bastante clara no Exército Brasileiro. Na Marinha e na Aeronáutica há maior disposição para discutir colaboração com outras Forças. No entanto, em nenhuma delas, em particular no Ministério da Defesa, cogita-se um projeto de defesa binacional comum (MEDEIROS FILHO, 2011). Desde os anos noventa, no âmbito do MERCOSUL, a valoração positiva dos militares, frente à cooperação na área de defesa, passava pela compreensão de um mundo unipolar no qual se devia ganhar autonomia estratégica frente aos Estados Unidos, o qual, somado à necessidade de desconstruir fatores de desconfiança com a Argentina, estimularam projetos de cooperação militar ( MEDEIROS FILHO, 2011). No entanto, o Exército Brasileiro tem procurado tratar o tema da integração militar na América do Sul com prudência e cautela, o que tem se consolidado entre as linhas mestras do Estado Maior como recusa para propostas de uma força militar supranacional permanente (MEDEIROS FILHO, 2011). Como ilustração daquela reticência, é útil a visão expressada pelo Subchefe do Estado-Maior do Exército General Rui Monarca Da Silveira, General-deBrigada, em 2004: Pontualmente, observa-se uma considerável pressão dos EUA para a transformação das Forças Armadas latino-americanas em “guarda hemisférica”, com as missões de combate ao crime organizado, em especial ao narcotráfico, de defesa do meio ambiente, e que pudesse participar de missões de paz. Evidentemente, uma concepção de força supranacional permanente não atende aos interesses estratégicos do Brasil e de outros países da América do Sul, em que pese a necessidade de entendimento e cooperação para a prevenção e combate aos delitos transnacionais e crimes ambientais. Tais projeções demonstram que segurança e defesa continuam sendo assuntos de alta relevância (SILVEIRA, 2004). Desta maneira, percebe-se que os motivos alegados pelo Exército são vários: interesses nacionais divergentes; ausência de inimigos comuns declarados; custos financeiros considerados altos; finalidades questionáveis (contra essa força será empregada?); o risco de ter que se empregar essa força por pressão de países desenvolvidos em contextos não desejáveis (MEDEIROS FILHO, 2011).

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No entanto, a reticencia brasileira em participar em forças multinacionais permanentes não pode ser explicada apenas pela rejeição que pode existir em setores das Forças Armadas do país. Tais ‘resistências’ encontram razoes profundas, também, no setor diplomático brasileiro e nas lideranças civis do país. A rejeição brasileira em comprometer o Estado com maiores níveis de institucionalidade no âmbito da integração regional, é condicente com a tradicional prática soberanista do Estado Brasileiro, de enorme influencia na politica externa do país (LIMA, 2005; MALLMAN, 2007) e para o caso particular deste trabalho, com instancias potenciais de supranacionalidade na área de defesa e forças internacionais permanentes, como a “Cruz del Sur”. O historial brasileiro na área da delegação a instituições e normas com caraterísticas de supranacionalidade não é muito alentador, os sócios do Mercosul poderiam afirmar (LIMA, 2005). Este viés soberanista está pressente nas elites brasileiras em geral e mesmo nos setores à esquerda do espectro politico ideológico. Aparece, assim, uma contradição clara entre, por um lado, a defesa quase unânime do fortalecimento do Mercosul, tanto para a implementação de políticas ativas de desenvolvimento, quanto para fortalecer o poder de barganha nas principais negociações comerciais em curso, ALCA e União Européia e, por outro, a relutância em se aceitar arranjos

institucionais

que

impliquem

delegação

de

autoridade

à

instâncias

supranacionais (LIMA, 2005).

4 CONCLUSÕES As FPC podem ser consideradas como emboço de uma integração supranacional entre as forças armadas da região, algo que tivesse sido inimaginável algumas décadas atrás. Este projeto tem o potencial para conduzir a resolução de conflitos e a cooperação sob o paraquedas de novas formas militares e políticas (VARNAGY, 2010). A ex-ministra de Defesa argentina, Nilda Garré, em dezembro de 2006, enfatizou “um contexto mais amplo que o binacional, Argentina y Chile estão capacitados para articular um esquema com capacidade de expansão, na região, cujo centro neurálgico é esse processo de integração que parte do âmbito binacional, e que conta com capacidade de incorporar a outros países como o Brasil” (VARNAGY, 2010, 177)

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No entanto, superar as reticencias brasileiras, resultado do viés soberanista, parece ser tanto um obstáculo quanto como uma condição para aprofundar o projeto de criação de brigadas multinacionais permanentes na América do Sul.

5 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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