AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM NA PROPAGANDA: SUA PRESENÇA E RELAÇÕES

May 26, 2017 | Autor: C. Finger-Kratochvil | Categoria: Languages and Linguistics, Applied Linguistics
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Revista Voz das Letras

AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM NA PROPAGANDA: SUA PRESENÇA E RELAÇÕES Cláudia Finger-Kratochvil Mestre em Psicolingüística pela Universidade Federal de Santa Catarina Professora nos cursos de Comunicação Social e Letras na Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC. Eliane Brocardo Pós-graduanda em Gestão de Marketing – UNOESC Professora no curso de Comunicação Social - UNOESC

Resumo O fascínio que a publicidade criativa e bem elaborada exerce sobre as pessoas motivou essa pesquisa. Assim, esse trabalho tem por objetivo mostrar a presença e a relação entre as funções da linguagem estabelecidas por Roman Jakobson, enquanto elementos no jogo da sedução do interlocutor, na composição de peças publicitárias da mídia impressa. O foco de estudo voltou-se para os anúncios criados para duas grandes marcas da área de beleza − Avon e Natura −, as quais mantêm uma série de características comuns. Buscou-se, assim, no período de julho a dezembro de 2000, analisar as peças elaboradas para a divulgação de produtos dessas empresas na revista Cláudia - revista de circulação nacional e que contempla mais de um estrato social de consumo - a fim de descortinar a relação entre as funções da linguagem na composição verbal e não-verbal e seus possíveis efeitos de sentido em cada uma das peças. Através da análise, percebe-se as abordagens diferenciadas estabelecidas por cada uma das empresas. Tais abordagens conectam-se, inicialmente, com a própria história de fundação e construção das marcas para, então, sedimentarem-se na filosofia dessas. Isso acaba por se materializar na composição dos anúncios através das escolhas feitas: o privilégio de determinadas funções em detrimento de outras, gerando, por sua vez, efeitos de sentido que atraem e seduzem o respectivo público-alvo. Palavras – chave: publicidade – linguagem – funções da linguagem

1. A Publicidade no Brasil A Publicidade representa, na moderna sociedade de consumo, uma eficiente forma de comunicação de massa que começou a surgir a partir da revolução industrial, ponto de partida para inúmeras mudanças sociais, as quais foram desenhando uma sociedade caracterizada pelo consumismo. O trabalho das agências de publicidade no Brasil, inseridas neste contexto de mudanças, passou por fases distintas, que mostram a evolução do texto publicitário, delineando um novo perfil de mensagem que, de simplesmente informativas passaram a contar, cada vez mais, com elementos de persuasão (Martins, 1997:31).

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Revista Voz das Letras Isso acentuou-se nas últimas décadas e vê-se, então, a sedução tornar-se o elemento mágico na malha que envolve o interlocutor e o deixa maravilhado, sem no entanto notar que se tornou refém de si mesmo. Pelo encantamento com os sentimentos que afloram − bom humor, alegria, vaidade, nostalgia, afeto − as barreiras da racionalidade são enfraquecidas dando lugar à aceitação do que lhe está sendo transmitido (Ferrés, 1998:16-23). Tal magia concretiza-se na tecitura do anúncio, combinando as linguagens habilidosamente, como se verá adiante.

2. A Linguagem Verbal na Propaganda A publicidade enquanto processo comunicacional revela em seu discurso a utilização das funções da linguagem. A proposta sobre as funções da linguagem aceita pelos estudiosos da atualidade, foi elaborada pelo lingüista russo Roman Jakobson, com base nos fatores que sustentam o ato de comunicação verbal (Jakobson, 2000:123): remetente, contexto, mensagem, contato (canal), código e destinatário. A finalidade de todo processo comunicacional é a transmissão de uma mensagem que é construída pelo receptor/remetente privilegiando um dos fatores acima citados e, em função dele a linguagem é estruturada, determinando um perfil da mensagem, com características específicas que levam à função da linguagem que assinala aquela informação: a) função referencial - ênfase no referente; b) função emotiva - ênfase no emissor; c) função conativa - ênfase no receptor; d) função fática - ênfase no canal; e) função poética - ênfase na mensagem; f) função metalingüística - ênfase no código. Cabe ressaltar que a ênfase em um destes fatores, na construção da mensagem, não descarta a utilização das demais. Pelo contrário, sempre haverá mais de uma função numa mensagem e elas, as funções, estarão interagindo para o resultado final a que o emissor se propõe. No texto publicitário, a predominância ou hierarquia das funções da linguagem tem mudado ao longo do tempo. Inicialmente, a publicidade brasileira deu à função referencial grande destaque. Num segundo momento, a função conativa ganhou espaço. A mensagem voltava-se para o receptor. Na atualidade, embora o receptor não possa ser esquecido, a abordagem tem se configurado diferentemente. A "conquista" e convencimento do interlocutor precisa ser mais sutil. Assim, as funções poética e emotiva têm sido associadas à conativa, perceptivamente, na composição da mensagem. 1

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A campanha da Nestlé no ano de 1999: "Nestlé para mim é..." é um exemplo claro da inserção do interlocutor na leitura e reconstrução do anúncio. Há a exploração da função emotiva, pois abre-se espaço para que cada um torne-

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Revista Voz das Letras A função referencial está relacionada ao nível denotativo da linguagem e a sua marca lingüística revela-se em termos de quem ou do que se fala, caracterizando-se pela utilização da terceira pessoa do verbo. O emissor se expressa na função emotiva, marcada lingüisticamente pelo uso da primeira pessoa do verbo − singular e plural − pela interjeição, pelos adjetivos e advérbios. Predominante no texto publicitário, a função conativa é centrada no receptor, prevalecendo em sua construção o modo verbal imperativo, a segunda pessoa do verbo e a presença de vocativos. Verifica-se a função fática na mensagem com ênfase no canal, o suporte físico do processo comunicacional, caracterizando-se por expressões mecânicas e as falas tautológicas. Quando o emissor e o receptor querem verificar o código que estão utilizando, fazem uso da função metalingüística, que enfatiza-o na construção da mensagem. Verifica-se a função poética na construção textual cuja mensagem está voltada para si mesma. Ela busca projetar a significação dos paradigmas selecionados sobre o eixo de combinação, de forma que a significação dos termos selecionados se expresse também na forma como são combinados. Os recursos lingüísticos em toda a sua diversidade, são a principal marca lingüística dessa função. O perfil da combinação de signos praticada na função poética leva o receptor a participar da construção final da mensagem, através de associações mentais que gravitam em torno dos paradigmas selecionados pelo emissor.

3. Metodologia Essa pesquisa visou elucidar a presença e relação entre as funções da linguagem no texto publicitário da mídia impressa. Para tal, era necessário buscar no universo publicitário duas marcas que possuíssem um certo número de características comuns para tornar-se possível a comparação das estratégias de comunicação materializadas nos anúncios. Desta forma, elegeu-se as empresas Avon e Natura, ambas da área de beleza e higiene. São conhecidas e têm a imagem consolidada no mercado, atuam no segmento de varejo sem loja através de revendedoras (Avon) e consultoras (natura). Utilizam-se de mídia impressa e eletrônica. Outro ponto em comum entre elas: a divulgação de produtos na revista Cláudia, com abrangência nacional e inserção em mais de um estrato social de consumo, no período de julho a dezembro de 2000. Vários foram

se, além de receptor da primeira mensagem, um novo emissor, associando os seus conceitos e experiências à marca do anunciante.

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Revista Voz das Letras os produtos anunciados nesse período e, conseqüentemente, estudados2. Todavia, a fim de que se possa ilustrar melhor a presença e a relação entre as funções, para esse trabalho selecionou-se um mesmo produto de ambas as marcas: batom. Para sistematizar a análise, dividimos o anúncio na seguinte composição estrutural: a) nome do produto; b) título: frase curta, de impacto que introduz o anúncio e chama a atenção do receptor para levá-lo a observar e ler a peça publicitária; c) texto: o texto explica, argumenta, pondera sobre o tema proposto e termina por recomendar ao receptor para que este tenha uma atitude favorável à proposição, o que pode ser o gatilho para disparar a ação de compra; d) assinatura - fecha o anúncio com a logomarca do anunciante/emissor e pode vir acompanhada do slogan da empresa e/ou produto; e) relação texto/imagem - a imagem e o texto trazem significações que integradas constróem uma relação (que pode ser explicativa, orientadora, restritiva, de oposição, de impacto) para a transmissão da mensagem3.

4. Análise das peças publici tária:s as marcas selecionadas e sua linha de comunicação 4.1. - Avon Products Inc.

As informações aqui compartilhadas foram extraídas, em grande parte, da página da empresa Avon Products Inc. − http://www.avon.com.br – em 28 de abril de 2001, bem como selecionados os dados mais relevantes para esse trabalho e direcionando-se a atenção para analisar o perfil da mensagem, a qual se revelou, essencialmente referencial. O próprio texto institucional é redigido em terceira pessoa – ela, a Avon – com informações objetivas, relatando fatos idéias e ações relacionados à empresa. O sentimento desperto é o de que está se visitando uma casa cujo anfitrião não é o próprio dono. A Avon não estabelece uma relação interativa com o visitante da página, ela o informa. Esta abordagem impessoal e objetiva reflete-se na peça analisada, como poderá ser observado através do anúncio que será tratado mais adiante. Fundada em 1886, a americana Avon é uma empresa global com variada linha de produtos atendendo a diversos perfis de consumidor. Em 1993, após detectar problemas

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O leitor poderá ter acesso à análise de outros anúncios em nosso trabalho entitulado "Da razão à Emoção: a Linguagem na Propaganda". 3 Leech, em sua obra English in Advertising (1966, apud Sandmann, 2000, p.80), estabeleceu a composição estrutural do texto publicitário com os seguintes elementos: título, texto, assinatura. Todavia, devido aos nossos objetivos, o uso de apenas três categorias acabaria por restringir a análise.

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Revista Voz das Letras com a imagem da marca devido a vários fatores, sofreu uma reformulação de seu marketing, atacando o problema em diversas frentes: lançando novos produtos, modernizando

embalagens,

reformulando

o

catálogo

(tipologia

e

diagramação

modernizadas), implantando o tele-vendas, fazendo-se presente na mídia, após uma longa ausência. Os resultados, pesquisados e avaliados no ano seguinte, mostraram que houve o resgate da imagem junto ao mercado consumidor e a conquista de novos segmentos de consumidoras: mulheres jovens, solteiras, com maior poder aquisitivo e grau de instrução (Penteado, 1999, p. 275-287).

4.2. - Natura

As informações coletadas sobre a empresa Natura originam-se do espaço Natura na internet – http://www.natura.net.com.br - o qual foi consultado em 09 de junho de 2001, além do artigo "Excelência Perfumada" publicado na Revista Exame número 14, de julho de 1998. O perfil da mensagem é essencialmente emocional, prevalecendo construções textuais na primeira pessoa do plural. Fato esse que evoca a sensação de que o proprietário recebe e conduz o visitante em uma viagem pela história da empresa, fundada em 1969, revelando a construção da marca, a cultura implantada, entre outros aspectos. Reflexos desta abordagem. serão vistos na análise do anúncio, mais adiante. O fazer e ser Natura revelam as ligações de seu sócio-fundador, Luiz Seabra, com o universo junguiano. Crendo que a beleza é um legítimo anseio do ser humano, busca libertá-la de preconceitos e manipulações e assim estender o belo, a beleza para qualquer idade, raça, etnia. O slogan da empresa: “bem estar bem”, revela que o fator mais importante do ser e estar belo, é a harmonia consigo mesmo.

5 - Lendo anúncios Não será possível a apresentação da análise de todos os anúncios estudados. Serão observados dois, um de cada empresa, que abordam o mesmo tipo de produto: batom. Desta forma, serão evidenciadas a presença e relação entre as funções da linguagem usadas pelo criativo e/ou redator a fim de enredar/seduzir o interlocutor. 5.1 - Hydra-Finish: batom da Avon

O anúncio de anúncio do batom Hydra-Finish dispõe de página dupla; a imagem da modelo encontra-se na página da esquerda, onde observa-se, no canto superior

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Revista Voz das Letras esquerdo, em sentido vertical e letras pequenas, informação sobre a cor do produto que a mesma está usando; o texto e a imagem do produto dividem, em partes iguais, o espaço da página à direita. O tom predominante na peça é o rosa e suas nuanças. O anúncio apresenta, no sentido normal de leitura, título, texto, assinatura, novo texto e é encerrado com informação sobre formas de contato com o anunciante.

Figura 1 Nome do produto: conforme informações do anúncio, trata-se de uma linha de batons entitulada Hydra-Finish e com maior poder de hidratação. Mesmo sendo americana a marca Avon, esse produto é dirigido a uma classe de consumidores que não necessariamente domina a língua inglesa. Assim sendo, um nome em português poderia ser mais adequado. Isto, porém, não ocorre. Todavia é necessário esclarecer-se que o uso deste recurso − o empréstimo lingüístico − é recorrente em publicidade e tem sido utilizado por muitas empresas nacionais. Percebe-se que o nome do produto comunica, literalmente, seu principal benefício que é o alto poder de hidratação e traduz-se na solução definitiva para a hidratação dos lábios. Outra leitura possível está relacionada ao fato de que o batom é o item utilizado para finalizar a maquilagem feminina, ou seja, o toque final deste ritual de beleza. Título: na frase "seus lábios vão pedir água todo dia", encontram-se elementos que remetem às funções: (a) conativa, marcada pelo pronome possessivo de segunda pessoa − seus; e (b) referencial, ao reiterar informação já conhecida do público-alvo, ou seja a necessidade vital de hidratação, que todo ser humano tem, a qual traz embutida o aspecto saúde. Texto: o texto inicial "novo Hydra-Finish da Avon. 20% água. 100% hidratante", caracteriza-se pela referencialidade do conteúdo informativo. No texto seguinte "Chegou o batom que os seus lábios estavam pedindo. Ele tem 20% de água e deixa seus lábios macios, hidratados, transbordando cor. Hydra-Finish. Você não vai conseguir viver sem Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 2, I Semestre de 2005.

Revista Voz das Letras ele.", concorrem três funções da linguagem: a) referencial, presente na descrição de atributos e benefícios do produto, marcado lingüisticamente pela terceira pessoa; b) conativa, caracterizada pela orientação ao receptor, com o qual o texto dialoga em uma linguagem coloquial e direta, apresentando o uso da segunda pessoa do discurso; c) poética, porque observa-se a preocupação com a rede semântica na construção da mensagem, a partir do tema hidratação − água, hidratados, transbordando cor. A referencialidade da mensagem está explícita no conteúdo informativo do texto: "Para pedidos e informações consulte a sua Revendedora ou ligue grátis, de segunda à sábado, das 8 às 20 horas: 0800-127700 - www.avon.com.br", enquanto a função conativa se faz presente através do modo verbal imperativo. Observa-se a duplicidade na informação, em códigos diferentes, sobre a ligação gratuita - ligue grátis e 0800-127700. Essa redundância pode ter objetivo de reforço ou, ainda pode ser um indicativo do perfil do público-alvo, ou seja, é um público que pode não ter a informação de que um número telefônico com prefixo 0800 é livre de pagamento. A última parte da categoria texto ,"a modelo está usando a tonalidade 111 - Bouquet", é claramente referencial pois traz conteúdo informativo sobre a cor de batom que a mesma está usando. Assinatura: no slogan, "Avon, a gente conversa, a gente se entende", identifica-se a manipulação de uma fórmula fixa da língua − o dito popular conversando, a gente se entende − com mudança na estrutura sintática sem alteração do sentido inicial. A reconstrução sintática, neste caso, pela simplicidade estrutural e o perfil coloquial do texto, simulou uma intimidade muito maior entre emissor e receptor, o que pode despertar neste último, simpatia imediata. A expressão a gente, subentende a primeira pessoa do plural nós, ou seja, o emissor está afirmando algo de si mesmo, ao destinatário, o que caracteriza a presença da função emotiva, cuja mensagem, no caso, transmite a preocupação daquele em satisfazer os desejos e necessidades deste. Relação texto/imagem: é possível perceber o equilíbrio na utilização das cores, em diversos tons de violeta, com ênfase para a cor rosa, a qual representa a cor de pele hidratada e saudável. Na página da esquerda, o fundo possui um efeito que se assemelha a gotas de água. Na página da direita, o produto se apresenta em tamanho maior que o natural, semi-mergulhado em água, aparentemente gaseificada, coberto por gotículas de água, como que surgindo de dentro do líquido o que reitera o seu principal atributo, isto é, sua composição por 20% de água, garantindo-lhe alto poder de hidratação. A maciez para os lábios, benefício prometido pelo produto, pode ser observada na expressão suave da modelo - a cor da maquiagem, seu olhar, os lábios

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Revista Voz das Letras entreabertos. No contexto, a imagem quer transmitir uma sensação de maciez, frescor, umidade, que são os benefícios do produto oferecidos na mensagem ao receptor.

5.2 - Batom Natura

Trata-se de anúncio de um item da linha de maquilagem, em página da direita apenas. Sua apresentação é composta por um retângulo ao centro da página no qual estão inseridas fatias circulares de batom, sobrepostas e em diversas cores com predominância do marrom e vermelho. Essa imagem repousa em fundo branco sobre o qual os outros elementos que constituem o anúncio estão dispostos. A representação do produto − quatro embalagens de batom, três abertas e uma fechada − é mostrada logo abaixo à direita e sobrepõe-se às imagens do retângulo O slogan da linha de maquilagem aparece à esquerda, acima do retângulo, tendo sua primeira frase sido escrita em cor neutra, cinza, e a segunda, em marrom avermelhado, demonstrando coesão entre os elementos apresentados. A logomarca da empresa é mostrada à direita e em cores. Logo abaixo do retângulo e à esquerda, observa-se o texto. No rodapé da página a indicação de telefone e endereço eletrônico do anunciante.

Figura 2 Nome do Produto : a simplicidade caracteriza o nome do produto, Batom Natura, que se confunde com a marca, esta figurando como um sobrenome, dando-lhe identidade e personalidade. Parece ser o caso de uma marca forte que por si só agrega valor ao produto, dispensando malabarismos lingüísticos para seu batismo.

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Revista Voz das Letras Título: no contexto do anúncio, o título: "tratamento de pele, agora em cores", causa um certo estranhamento ao leitor. Parece ter sido esta a intenção do redator, afinal como se pode propor um tratamento de pele em um anúncio de batom? O estranhamento continua na afirmativa" agora em cores", quando supõe-se que seja do domínio do público-alvo o fato de os produtos para tratamento de pele, geralmente disponíveis no mercado, não atuarem como maquilagem e, muito menos, pela sua função e uso, terem alguma coloração. Entretanto, estrategicamente, o redator busca mostrar o caminho oposto, ou seja, como os itens da linha de maquilagem possuem, em sua composição, elementos que também auxiliam no tratamento da pele. Desta forma, o texto do título cumpre a função de oposição à imagem, para despertar a curiosidade, chamar a atenção e levar o destinatário a buscar uma explicação no texto, logo abaixo. Texto: o texto "Batom Natura. Contém HydraSpheresR, vitamina E e FPS 8. O resultado você vê no espelho, com ou sem maquilagem: lábios hidratados e protegidos da ação dos radicais livres.", localizado logo abaixo da imagem, apresenta traços referenciais evidentes com a descrição dos componentes do produto e seus benefícios, bem como conativos, percebido pelo uso do pronome pessoal você. Assim, o texto esclarece a aparente contradição do título, isto é, o produto é um item da linha de maquilagem com propriedade hidratante e protetora da pele dos lábios, atuando, portanto, como produto auxiliar para o tratamento de pele. O texto que segue ao pé da página: "Você não conhece uma Consultora Natura? Ligue 0800-115566 ou visite nosso portal: www.natura.net", mescla as funções conativa, referencial e emotiva para dialogar mentalmente com o receptor, identificadas respectivamente pelos seus elementos lingüísticos: o pronome pessoal e o verbo na segunda pessoa e no modo imperativo; o conteúdo claramente informativo; e o emissor passando uma informação sobre si mesmo, através da primeira pessoa do plural, identificada pelo pronome possessivo nosso. A inovação está presente na construção textual na forma interrogativa que torna a informação simpática ao leitor, simulando um diálogo que aproxima emissor e destinatário. Assinatura :

"maquilagem Natura, arte é expressar quem é você", refere-se ao

slogan da linha de maquilagem da empresa. Ao confrontar-se a idéia de maquilagem enquanto um ritual construtor de beleza à expressa no slogan, percebe-se que aquela sucumbe. Partindo do conceito da palavra arte − atividade criadora que expressa, de forma estética, sensações ou idéias, logo, ela expressa algo subjetivo − e da palavra maquilar − embelezar-se por meio de cosméticos (Minidicionário Luft, 1996) − um novo conceito é criado para o ato de maquilar-se: ele não embeleza, expressa a beleza

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Revista Voz das Letras inerente de quem a utiliza. Esta elaboração textual imprimiu ao ato de maquilar-se o status de arte, ampliando o sentido de beleza, que extrapola o plano puramente físico, fugindo da imposição de um padrão.. O texto da assinatura mescla, como se observa, duas funções da linguagem − a função conativa e a função poética − com o intuito de transmitir a cada mulher que o mais importante é a singularidade e autenticidade do ser: "seja você mesma inteiramente". Analisando então esta composição, percebe-se que a expressão "Natura bem estar", propositadamente, sugere mais de uma leitura. É possível a leitura das primeiras palavras (deixando a última) a qual resgata a questão do bem-estar. Ou seja, o estado do ser gozando de satisfação de suas necessidades corpóreas, ensejando uma existência agradável. Esta abordagem atrela-se bastante à questão física. Quando a leitura se detém nas últimas duas palavras, estar bem, o foco se desloca mais para a questão metafísica. O estar bem não está condicionado à satisfação de necessidades físicas e parece estar ligado às sensações, aos sentimentos. A união destas duas leituras, viabiliza a compreensão total do slogan da Natura: para de fato se ter bem-estar é necessário estar bem e vice-versa. E, assim, apreende-se como os criativos conseguiram expressar, em texto e imagem, tanto o produto quanto as crenças da empresa (já comentadas na apresentação, veja página 5). Relação texto/imagem: o slogan da linha de maquilagem se reflete na imagem: um retângulo repleto de formas circulares sobrepostas, em cores fortes, o que poderia ser associado a uma tela, estilo abstracionista. E nos lembrar a palheta de um pintor, sendo os pincéis representados pelos batons, dispostos da forma peculiar a que os pincéis costumam ser guardados, isto é, dentro de um recipiente, com os cabos apoiados na borda, com o tufo de pelos para cima. Não há uma modelo jovem e de beleza perfeita, usando o batom. Por quê? A análise aponta para o fato de que os criativos da peça conseguiram codificar, também na imagem, a ampliação do sentido de beleza, expresso no slogan da linha de produtos, ou seja, não há imposição de um padrão de beleza idealizado, a Natura expressa quem é você, expressa a sua beleza. A imagem, em sintonia fina com as assinaturas da marca e da linha do produto, reforça a mensagem, compondo uma peça publicitária em que impera a função poética.

6. - Considerações Finais O fascínio exercido pela publicidade tem sólidas bases na linha emocional que passou a ser privilegiada pelos diretores de arte e redatores das agências com o intuito

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Revista Voz das Letras de encantar e seduzir o interlocutor. Como foi possível perceber, a linguagem verbal e sua recursividade − funções da linguagem − são elementos imprescindíveis à tecitura da malha da sedução no discurso publicitário, os quais viabilizam o cumprimento do objetivo primeiro da publicidade: a persuasão. A análise da amostra publicitária selecionada ratifica esta afirmativa e, a seguir, alinhavam-se algumas considerações que esse estudo permite fazer. Em primeiro lugar, a denominação dos produtos de ambas as empresas chama a atenção. Enquanto a Avon faz uso da língua inglesa para nomear seu produto, a Natura utiliza-se da força que tem a própria marca para funcionar como sobrenome do produto. Esta, de forma simples e clara apenas informa que o batom é Natura. Aquela carrega o nome de sentidos, unindo elementos da língua inglesa e compondo algo novo. Ambas mantêm a coerência de suas propostas. A Avon, empresa americana, busca manter sua identidade e referência optando pelo estrangeirismo em terras brasileiras. A Natura marca o estabelecimento da relação consigo mesma e com seu cliente, ambos brasileiros, ao se valer da língua portuguesa. Outro aspecto importante na elaboração das peças relaciona-se ao conceito de beleza que se materializa de forma distinta. A empresa americana traz nesse anúncio, e em vários outros, a imagem de uma modelo jovem e bela. A empresa brasileira prescinde desse elemento na composição dessa peça (e de tantas outras). Considerando o produto anunciado, a utilização da fotografia de uma modelo é recorrente na publicidade. Nesta linha, a Avon mantém o padrão de utilização de uma modelo de beleza idealizado que carrega consigo implicitamente a promessa de aproximação deste ideal pelo uso do produto. Esse é o conceito de beleza expresso pela empresa sem, todavia, mencionar uma palavra sobre o assunto: perfeito, simétrico, atemporal. Mas, então, por que a ausência de (a) modelo na (s) peça (s) da Natura? A ausência é significativa. O conceito da marca - o fazer e ser Natura - amplia a visão de beleza e o trata em sentido holístico, indo além da padronização que impera em nossa sociedade. O belo não se encontra, assim, representado por ninguém, mas é e está em cada um. Percebe-se, então, a costura com o slogan "maquilagem natura. arte é expressar quem é você." A maquilagem expressa a beleza singular de quem a usa. Pelas razões aqui apresentadas, observa-se que a função poética ganha espaço na tecitura desta peça, pois a preocupação volta-se para a mensagem: o como da mensagem precisa ser coerente com a filosofia da empresa e, ao mesmo tempo, seduzir o interlocutor. Desta forma, a função poética transcende o espaço do texto, alia-se a parte gráfica e ambas traduzem (-se em) arte.

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Revista Voz das Letras Outro ponto, aparentemente sem importância, é a elaboração do texto que informa os meios de contato com o anunciante. A Avon emprega a forma usual, qual seja, uma frase imperativa com conteúdo informativo: "para pedidos e informações consulte a sua revendedora ou ligue grátis,"; a Natura inova com uma frase interrogativa que dialoga, mentalmente, com o receptor: "você não conhece uma Consultora Natura? ligue (...)". em outras palavras, a Avon informa o receptor de forma clara e objetiva, enquanto a Natura busca interação com ele e deixa informações implícitas que serão ou não recuperadas nas sentenças seguintes: se você não conhece uma consultora Natura, então ligue x ou consulte o site y. Considerando ainda esse texto, há mais um aspecto a ser abordado: a redundância informativa no anúncio Avon. Ao comunicar para seu interlocutor como estabelecer qualquer contato, o redator faz uso da expressão ligue grátis e a ela adiciona um número telefônico com prefixo 0800. Isso leva a uma reflexão sobre o perfil do público-alvo (ou consumidor) desta empresa: alguém que desconhece a gratuidade do prefixo 0800, ou que precisa da reiteração desta informação. Conseqüentemente, algumas perguntas e considerações se apresentam: a) carece realmente o público-alvo desta redundância?; b) faz ele parte do segmento que lê a revista Cláudia?; c) quem desconhece a função do 0800 tem o grau de conhecimento de uma língua estrangeira necessário para a recuperação do (s) sentido (s) dos termos usados para denominar o produto?; d) por que fazer uso de um empréstimo lingüístico se o receptor provavelmente desconhece o real e/ou possível significado do (s) termo (s)? A seguir, algumas respostas possíveis para esses questionamentos são elaboradas, o que não significa a exaustão do tema. Pelo contrário, eles poderão motivar outra pesquisa que busque mais dados a fim de melhor elucidar o assunto. Assim, primeiramente, podemos relaciona-se a redundância da informação às mudanças da imagem da marca implementadas em 1993, quando a linha de produtos da empresa conquistou novos segmentos de consumo sem, no entanto, perder seu perfil popular. Em segundo lugar, levando-se em conta o universo de abrangência da revista Cláudia e ainda, o tempo de vida útil alongado desse tipo de meio de comunicação, é possível que o veículo contemple os diversos públicos consumidores da marca. Por fim, o uso da língua inglesa pode, eventualmente, ter um caráter valorativo; ou seja, visa agregar prestígio ao produto. Afinal faz parte do senso comum, para não dizer do inconsciente coletivo, atribuir maior credibilidade ao produto estrangeiro, procedimento este associado a fatores socioculturais e históricos de nossa sociedade. Nos anúncios apresentados temos o mesmo tipo de produto e mensagens com perfis distintos, quais sejam, Hydra-Finish/referencial e conativo, Batom Natura/poético. HydraFinish: observa-se a objetividade e a coloquialidade do texto, bem como a mensagem Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 2, I Semestre de 2005.

Revista Voz das Letras explícita que a imagem do produto comunica; a interpretação da mensagem não implica em uma participação ativa do receptor, ou seja, não há um convite para a produção de sentidos, nada se exige do destinatário porque a decodificação é quase imediata. Batom Natura: o título quebra, em certo grau, a expectativa do receptor, leva-o a se perguntar tratamento de pele com batom? Então, o texto, conciso e elegante, afirma a composição do produto e os resultados do seu uso. O slogan, por sua vez, é um desafio às associações mentais que leva o destinatário ao universo da arte, onde o belo se expressa das mais diversas formas, obedecendo apenas ao plano subjetivo, tanto do emissor, como do receptor. Se ele adentra no plano subjetivo e o anúncio é de um item de maquilagem, o desafio é buscar um sentido de beleza que extrapole a superficialidade e padronização com que ela é tratada no meio social em que vivemos. A imagem, que na análise foi associada a uma pintura abstrata, pode fazer o receptor levantar uma questão óbvia: de que vale um batom se não estiver colorindo os lábios bem delineados de uma bela jovem? O fato de a imagem da modelo não estar ali subtrai um estereótipo de beleza direcionando para uma retomada do slogan, que está centrado no destinatário e afirma que o importante é o receptor expressar a si mesmo, sendo que o produto anunciado pode ajudá-lo a fazer isso. Todos os pontos a respeito dos quais discorreu-se, evidenciam as diferenças da linha de linguagem trabalhadas pela Avon e pela Natura que, por sua vez remetem diretamente ao perfil do público-alvo de ambas. Outras poderiam ser feitas, mas o espaço gráfico não permite. Não se pretende ter esgotado as possibilidades de análise e sim apenas aberto mais uma janela para o vasto campo da publicidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVON. Apresenta informações sobre a história da empresa, sua realidade atual, linha de produtos. Disponível em: http://www.avon.com.br. Acesso em 28/04/2001. ARTE. In: LUFT, Celso Pedro. Minidicionário Luft. 12. ed. São Paulo: Ática, 1996. p. 55. BLECHER, Nelson. Excelência Perfumada. Revista Exame, São Paulo, n. 14, pp. 20-27, jul. de 1998. FERRÉS,

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Revista Voz das Letras visitantes, entre outros. Disponível em: http://wwwnatura.net.com.br. Acesso em 09/06/2001. PENTEADO, J. Roberto Whitaker. Marketing Best: os melhores casos brasileiros de marketing. São Paulo: Makron Books, 1999. 430p. SANDMANN, Antônio José. A Linguagem da Propaganda: linguagens especiais, morfosintaxe e semântica da propaganda, propaganda e retórica. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2000. 99p. (Coleção Repensando a Língua Portuguesa)

Concórdia, Santa Catarina, Universidade do Contestado, número 2, I Semestre de 2005.

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