AS IGREJAS PRÓPRIAS NOS CONCÍLIOS III E IV DE TOLEDO: organização eclesiástica e feudalização no reino visigodo

June 15, 2017 | Autor: Guilherme Nunes | Categoria: Visigodos, Instituição eclesiástica, Igrejas próprias
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS INSTITUTO DE HISTÓRIA GUILHERME MARINHO NUNES

AS IGREJAS PRÓPRIAS NOS CONCÍLIOS III E IV DE TOLEDO: organização eclesiástica e feudalização no reino visigodo

RIO DE JANEIRO 2012

GUILHERME MARINHO NUNES

AS IGREJAS PRÓPRIAS NOS CONCÍLIOS III E IV DE TOLEDO: organização eclesiástica e feudalização no reino visigodo

Trabalho

de

Conclusão

de

Curso

apresentado ao Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de bacharel em História.

Orientadora: Leila Rodrigues da Silva

RIO DE JANEIRO 2012

À Myriam Maurity Santos, a eterna primeira cortadora do Fluminense

AGRADECIMENTOS Gostaria de iniciar estes agradecimentos referindo-me ao orgulho que tenho de minha Universidade tanto em seu aspecto institucional quanto, e talvez principalmente, pessoal: agradeço à PR-2 por ter auxiliado meu processo de pesquisa por meio do programa PIBIC que me garantiu um apoio financeiro fundamental e que possibilitou meu crescimento como pesquisador. Agradeço também aos funcionários da casa, desde os técnico-administrativos aos professores, que com seu trabalho nesta instituição pública e autônoma transmitem sua crença em um trabalho científico sério e de qualidade. Agradeço especialmente à Leila Rodrigues da Silva, mais do que uma orientadora, ela é um exemplo (de pesquisadora, de professora... enfim, de pessoa). Se hoje me considero um bom medievalista e historiador isto se deve a ela. Agradeço a Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva que considero como uma coorientadora, se não neste trabalho, pelo menos em minha formação. Agradeço ao PEM e a todos os PEMnianos, porque é de fato uma honra fazer parte deste time de pesquisadores de alto calibre, os quais considero não somente colegas, mas sim amigos. Agradeço os fantásticos PIBEX’s: Ana dos Anjos, Bruno Garcia, Juliana Raffaeli, André Caruso, Célia Daniele, Ingrid Assunção e Lívia Carine, que dividiram esta função comigo. Agradeço especialmente André Rocha, Bárbara Vieira e Kemmely Barbosa e Priscilla Campos. Vocês fizeram seus instrutores muito felizes!! Agradeço todos os meus contemporâneos de graduação, me orgulho de ver o que nos tornamos ao longo destes anos e de poder chama-los de companheiros. Agradeço meus amigos da Cozinha por sempre me lembrarem dos prazeres simples da vida e por me aceitarem com todas as minhas falhas. Agradeço ao Marcelo Thiesen, que me conhece há quase tanto tempo quanto eu mesmo. Agradeço também Nina, Lila e Sir Robert Plant. Agradeço à toda a família Rónai, por me acolherem tão carinhosamente. Agradeço aos meus tios e primos por todo o apoio que me dão e deram, sempre. Agradeço ao meu irmão que é para mim, ainda hoje, um dos caras mais cool que conheço. Agradeço aos meus pais que são uma fonte de inspiração em minha vida. Agradeço à Júlia Rónai, simplesmente por existir e fazer deste mundo um lugar melhor para mim.

RESUMO NUNES, Guilherme Marinho. As igrejas próprias nos concílios III e IV de Toledo: organização eclesiástica e feudalização no reino visigodo. Rio de Janeiro, 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em História)- Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012

Em meados do século VI no reino visigodo, é possível se observar um processo de institucionalização de um poder central, que se estrutura em torno da monarquia a partir de alianças entre esta, a nobreza laica e a elite episcopal. A conversão da realeza ao cristianismo niceno, elevando-o a condição de religião oficial, solidifica a relação com a instituição eclesiástica tornando-a principal produtora ideológica do período. Devemos notar que esta sociedade possui um modelo econômico de caráter protofeudal, baseado na propriedade agrária e no poder local que a elite possui. Portanto, percebemos uma relação extremamente instável entre este poder institucional, representado pelo rei e pelo clero, e os nobres, pois na medida em que estes senhores de terra são a principal forma de legitimação da autoridade monárquica em nível local, seu domínio sobre tais áreas é também um obstáculo para a afirmação do poder régio. Esta monografia dedica-se a debater sobre um aspecto que demonstra esta suposta tensão entre representantes dos setores sociais superiores: as igrejas próprias, templos construídos por senhores de terra que, presumivelmente, constituíam um aspecto de fragmentação do poder institucionalizado. Palavras-chave: igrejas próprias, visigodos, episcopado

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 7 1.1

APRESENTAÇÃO DO OBJETO E DA PROBLEMÁTICA .............. 7

1.3

QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO: ...................................... 12

1.4

OBJETIVOS ........................................................................................ 15

2.1

TRANSFORMAÇÕES NA PENÍNSULA ......................................... 17

2.2

A ESTRUTURAÇÃO DO PODER MONÁRQUICO ....................... 19

2.3

O PATRIMÔNIO ECLESIÁSTICO ................................................... 22

3

AS IGREJAS PRÓPRIAS .......................................................................... 26

4

ANÁLISE DOCUMENTAL ...................................................................... 35

5

CONCLUSÃO ............................................................................................. 41

6

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 46

7

1 INTRODUÇÃO 1.1 APRESENTAÇÃO DO OBJETO E DA PROBLEMÁTICA

Durante a primeira década do século V se percebeu uma gradual perda do poder imperial romano na Peninsula Ibérica.1 Durante esta relativa ausência de um poder central os visigodos se fixaram nesta região e aos poucos tornaram-se o principal reino ali. A sociedade visigótica, especialmente as altas camadas, era regida por uma organização econômica e política de caráter tipicamente proto-feudal.2 As relações estabelecidas entre senhores tinham uma importância central na consolidação do poder de um nobre. Cabe ressaltar que estas redes de interdependência estavam assentadas principalmente no âmbito regional e se limitavam às camadas superiores desta sociedade. Baseando-se principalmente nesta complexa teia de relações interpessoais, o rei Leovigildo deu início a um processo de centralização do reino visigodo, em 569, formando alianças com diversos setores da nobreza.3 O monarca instituiu-se como ponto focal de negociações políticas na camada nobiliárquica reforçando seu poder enquanto se posicionava como representante destas. Porém, isto não significou o começo de um cenário de estabilidade, já que o poder real, ao longo de todo esse período, oscila entre momentos de preponderância e de subjugação aos interesses das altas camadas fundiárias. Isto se deve à própria estrutura daquela sociedade, na qual a relação pessoal predomina sobre os preceitos júridico-políticos.4

1

COLLINS, Roger. La España Visigoda. 409-711. Barcelona: Crítica, 2005, p. 3-32.

2

O sistema proto-feudal, conceito defendido por Luís A. García Moreno, indica que grandes propriedades fundiárias, pertencentes a um reduzido grupo de nobres, possuíam um papel econômico e político fundamental. GARCÍA MORENO, Luís A. Historia de España Visigoda. Madrid: Catedra, 1989, p. 250-254. 3 4

ORLANDIS, José. Hispania y Zaragoza en la Antiguedad Tardía. Saragoça: Rialp. 1984. p. 186.

Em seu livro Antonio Manuel Hespanha demonstra que as instituições políticas, jurídicas ou legislativas típicas deste período, e.g. a monarquia, não podem ser observadas com um olhar contemporâneo. O aspecto personalista das relações sociais está presente nestas instituições e é parte integrante delas. HESPANHA, António Manuel. História das instituições: Épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982. p. 42.

8 Dando continuidade, e de certa forma superando, este projeto de unificação, buscou-se o estreitamento das relações entre a monarquia, as elites hispanoromanas e os setores eclesiásticos. Para tal, se deu no ano de 589, durante o III Concílio de Toledo, a conversão do rei Recaredo ao cristianismo niceno.5 Cabe ressaltar que os membros do episcopado eram, em sua maioria, senhores de terra pertencentes às camadas nobiliárquicas e, portanto, estavam inseridos nas relações sociais de interdependência que se formavam regionalmente. Esta aliança entre o poder real e o clero era peça chave para a centralização dos visigodos sob a égide de uma monarquia, pois, neste período os bispos assumiam invariavelmente o papel de legisladores e mediadores entre diversos setores da sociedade, estabelecendo-se como figuras centrais na localidade em que atuavam.6 Deste modo, tornou-se paulatinamente mais difícil delimitar o campo de atuação dos poderes exclusivamente religiosos ou seculares, devido à força política que a espiritualidade cristã adquiriu.7 Percebemos, a partir deste momento, que os concílios adquirem grande importância sobre o ponto de vista secular e legislativo.8 Os sínodos toledanos, em particular, alcançam um novo status, pois contam com a presença do rei, do episcopado de várias regiões e de nobres laicos. Por isso, atribuiu-se a eles um caráter geral,9 ou seja, suas resoluções deveriam, idealmente, abranger todo o reino. Neste sentido, fica claro um incipiente processo de institucionalização e organização dos clérigos, na medida em que o cristianismo se torna um discurso fundamental para a legitimação do poder régio e para a coesão identitária desta sociedade. Sob este aspecto, Leila Rodrigues da Silva nos chama atenção para a importância da estruturação da autoridade episcopal em dois níveis: o primeiro, “interno”, refere-se ao esforço de adotar um caráter normatizador e regulador das ações 5

ORTIZ DE GUINEA, Lina Fernandez. Participación episcopal de la articulación de la vida politica Hispano-Visigoda. Studia Histórica. Historia Antigua, Salamanca, v. XII, p. 159-167, 1994. 6

BASTOS, Mário Jorge da Motta. Igreja, religião e sociedade senhorial na Península Ibérica (séculos IV/VIII). Atas da IV Semana de Estudos Medievais. Rio de Janeiro, 2001. p. 122-128. 7

NAVARRO CORDERO, Catherine. El Giro Recarediano y sus implicaciones políticas: el catolicismo corno signo de identidad del Reino Visigodo de Toledo. In: Ilu. Revista de Ciencia de las Religiones, n. 5, Madrid, p. 97-118, 2000. 8

Idem, Ibidem.

9

THOMPSON, E. A. Los Godos en España. Madrid: Alianza. 2007. p. 313.

9 do clero nas mais diversas instâncias, reforçando o caráter hierárquico e o poder das altas camadas eclesiásticas. O segundo nível, “externo”, alude ao uso de textos das “Sagradas Escrituras” e à menção da presença do monarca nos concílios de Braga.10 Desta forma vemos uma associação entre os bispos bracarenses, uma tradição cristã já instituída e o reconhecimento régio das medidas aprovadas nas atas. Logo, os concílios, neste período, possuem um caráter legislativo, além de teológico.11 Em meio a este cenário de formação de uma relativa unidade, baseada na aliança entre a monarquia, a nobreza laica e o clero, vemos florescer uma prática, que já existia desde os tempos do Baixo Império, mas que se encontrava neste período em um momento de crescimento: a edificação de igrejas próprias. Para definir o conceito de igrejas próprias cito Magdalena Rodríguez Gil:

“(...)Essa denominação identifica às igrejas (incluindo monastérios) construídas e dotadas por proprietários, sobretudo laicos, em terras de sua propriedade. Exerciam sobre elas um conjunto de direitos patrimoniais, pessoais e reais(...). Esses direitos procediam da fundação e dotação de templos nesse solo(...). Por esta causa, o dono podia perceber certos direitos, tanto na nomeação do clérigo, como na arrecadação de todo ou parte do rendimento da igreja, dízimos, estipêndios, doações, etc. (...)Utilizadas [também] como via de consolidação da propriedade fundiária que se desejava proteger frente à pressão régia, expropriatória ou devolutoria(sic).”12

10

Apesar da autora focar suas análises sobre o reino suevo, devido às semelhanças entre os processos de estruturação da autoridade eclesiástica de ambos os reinos, consideraremos suas conclusões não somente válidas, como de extrema utilidade para a compreensão da institucionalização desta autoridade: SILVA, Leila Rodrigues da. Limites da atuação e prerrogativas episcopais nas atas conciliares bracarenses. In: BASTOS, Mário Jorge da Motta; FORTES, Carolina Coelho, e; SILVA, Leila Rodrigues da. Atas do I Encontro Regional da ABREM. Rio de Janeiro: HP Comunicação, 2007. p. 208-215. 11

Diversos autores discorreram sobre esta questão, destacarei aqueles por quais me pautei na composição deste trabalho. Cf.: THOMPSON, E. A. Op. Cit. p. 317-318. Gonzalez Martínez Diez possui dois trabalhos nos quais apresenta também a importância da participação laica nos concílios: MARTINEZ DIEZ, Gonzalo. Los concílios de Toledo. Anales Toledanos, n. 3, p. 119-138, 1971, e; MARTINEZ DIEZ, Gonzalo. Cánones patrimoniales del Concilio de Toledo del 589. In: Concilio III de Toledo: XIV Centenario (589-1989). Toledo: Diputación Provincial, 1991. p. 565-579. 12

Tradução minha. RODRÍGUEZ GIL, Magdalena. Consideraciones sobre una antigua polémica: las Iglesias propias. Cuadernos de historia del derecho, n. 6, p. 247-272, 1999. p 248-249.

10 Estes templos, em sua maioria construídos por laicos, destoavam do projeto de fortalecimento institucional e hierárquico pelo qual o clero e a monarquia passavam, pois ao erigirem locais de culto, os nobres geravam obstáculos para este processo. Além disto, as igrejas próprias enfraqueciam a figura dos bispos, esvaziando seu poder local. Podemos notar, então, um claro conflito entre os setores pertencentes ao episcopado e aos laicos. Contudo, como já mencionei anteriormente, estes pontífices estavam atrelados às relações sociais que se encontravam no âmago das camadas senhoriais, pelo motivo de serem membros delas. A legitimidade de sua autoridade advinha, em grande parte, de sua posição dentro destas redes de interdependências que estavam presentes nas esferas regionais. Eles necessitavam do apoio de setores da nobreza laica para alcançarem uma titulação. Percebemos, observando sob esta ótica, uma aparente incongruência entre um projeto de institucionalização do clero e as práticas de uma nobreza que tem seu poder arraigado neste sistema proto-feudal. Cabe, então, perguntarmo-nos: de que forma as igrejas próprias se inserem neste cenário? Elas se constituem em uma prática combatida pela instituição eclesiástica, ou se elas são um aspecto comum da estrutura econômicapolítica desta sociedade? Ao longo deste trabalho pretendemos dar respostas que satisfaçam estas perguntas, demonstrando aspectos da presença destes templos na sociedade visigótica e chamando atenção para o debate historiográfico em torno do tema. No entanto, partimos da hipótese de que as igrejas próprias são uma das formas no qual transparecem a dinâmica política inerente à estrutura proto-feudal do período, pois são representantes da formação de vínculos, entre os membros da camada nobiliárquica, baseados na dependência pessoal.

1.2 APRESENTAÇÃO DO CORPUS DOCUMENTAL

O principal documento de nosso trabalho são as atas conciliares do III e IV Concílios de Toledo, ocorridos nos anos de 589 e 633 respectivamente. As atas conciliares são o produto destes sínodos, os pontos debatidos são apresentados em

11 cânones que possuem certos eixos temáticos. A confirmação do concílio se dava por meio da assinatura dos principais presentes, onde expunham também sua titulação e posição no clero ou poder secular. Mário Jorge da Motta Bastos defendeu, em sua tese doutoral, o aspecto abrangente dos concílios: “Dentre as fontes primárias elaboradas no âmbito da sociedade hispano-visigoda, e preservadas, nenhuma manifesta com mais vigor a articulação daqueles ‘vários níveis’ do que as atas conciliares.”13 De fato, nesta fonte percebemos um desdobramento de diversas das tensões sociais existentes neste período.14 Como já foi lembrado anteriormente, com a conversão de Recaredo o cristianismo niceno tornou-se a ideologia hegemônica da sociedade visigótica. Com isto, os concílios passam a desempenhar um papel central na vida política do reino. Ou seja, estes sínodos são uma das formas de expressão de um sistema simbólico que possui fortes influências políticas neste período. Porém, devemos perceber que estas fontes estão diretamente relacionadas à organização interna do clero, bem como à resolução de questões seculares e teológicas. O caráter institucional do clero era reforçado apresentando-se como uma estrutura fundamental para a legitimação das camadas nobiliárquicas e do poder monárquico. Além disto, ao observarmos estes textos, percebemos uma clara distinção entre dois tipos principais de concílios: os toledanos, que são idealmente direcionados a toda extensão do reino visigodo, e; os regionais, que possuem seu raio de ação circunscrito a uma localidade.15 Notamos, então, que temos em primeiro lugar sínodos que são presididos e convocados pelo monarca, orientados para a resolução de questões que abrangem todo o reino e pretendem reforçar a unidade territorial do reino visigodo em 13

BASTOS, Mário Jorge da Motta. Religião e hegemonia aristocrática na Península Ibérica (séculos IV – VIII). Tese apresentada à Área de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor. USP, 2002. p. 84. 14

No entanto, é óbvio que não devemos deixar de lado ou muito menos diminuir a importância de hagiografias, epigrafias, regras monásticas, achados arqueológicos, iconografias etc. Como o próprio autor chama atenção: BASTOS, Mário Jorge da Motta, Ibidem. Edward Arthur Thompson aponta que “teoricamente a regra geral era que se celebrasse um concílio geral quando houvesse que discutir um artigo de fé ou quando se houvesse levantado uma questão que afetava a toda Igreja Espanhola. Para os demais, deveria celebrar-se um sínodo provincial em cada província uma vez ao ano.” THOMPSON, E. A. Op. Cit. p. 316. 15

12 torno do rei. Em segundo, conclaves que debatem, usualmente, pendências surgidas na dinâmica social regional, e nem sempre contam com a presença do rei ou do episcopado de outras regiões, mas que, no entanto, podem se referenciar a decisões tomadas nos concílios gerais. Neste sentido, a escolha das fontes está intimamente relacionada à visão que temos da sociedade visigótica deste período, marcada pela tentativa de afirmação de um poder central que busca se impor frente à autoridade local. Vale ressaltar que muitos senhores laicos participavam destes concílios, inclusive, em alguns deles estes nobres possuíam o direito de assinar a ata, confirmando sua presença e apoio às resoluções apresentadas. Isto reforça a noção de que estas assembléias não tinham caráter meramente teológico.

1.3 QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO:

O cristianismo é um dos pilares que visa legitimar, e reciprocamente ser legitimado pela dominação política senhorial que permeava esta sociedade, funcionando como parte fundamental de um sistema simbólico. Segundo Pierre Bourdieu os sistemas simbólicos podem ser considerados instrumentos de construção da realidade, pois são os meios pelos quais o mundo é compreendido.

“É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os ‘sistemas simbólicos’ cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber, para a ‘domesticação dos dominados.” 16

Podemos notar que a religião se tornou um instrumento de afirmação das camadas nobres da sociedade visigótica,17 garantindo aos bispos, abades e outros

16 17

BOURDIEU, Pierre. In: O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1989. p. 11.

FILHO, Ruy de O. Andrade. Mito e monarquia na Hispânia visigótica católica. Temas Medievales, Buenos Aires, v. 13, n. 1, p. 9-27, jan./dez. 2005

13 pertencentes ao alto clero o papel de produtores de um arcabouço de símbolos que possuíam, além do aspecto espiritual, forte conotação política. Cabe ressaltarmos, no entanto, que a religião é um referencial simbólico que tem como requisito a presença de produtores e consumidores.18 Ou seja, a verdadeira crença e reprodução de seus valores por parte de fiéis em todos os setores da sociedade é um aspecto fundamental deste cenário. Associada à conversão de Recaredo, a fé cristã era um fator de coesão social e de identidade. As práticas e condutas que destoavam da norma, portanto, eram consideradas como algo possivelmente perigoso à ordem estabelecida, pois representava uma divergência ao referencial simbólico no qual a sociedade está estruturada.19 Simultaneamente, vemos ocorrer uma institucionalização da religião, que adotará um caráter normatizador frente ao resto da sociedade devido ao seu status de principal produtora ideológica. Encontramos aí uma área de conflito entre os setores clericais e laicos da camada nobiliárquica. Neste sentido devemos atentar que a ideologia, sistema simbólico instituído e legitimado, é duplamente determinada,20 pois enquanto atende aos interesses de uma classe em geral, é formulada visando, também, interesses específicos daqueles que a sistematizaram, neste caso o episcopado. Vemos, devido a isto, o fortalecimento do setor eclesiástico no âmbito secular do poder. Outro conceito fundamental de minha pesquisa é a compreensão dos aspectos feudais que já se faziam presentes no reino visigodo, para tal tenho como embasamento teórico a concepção de feudalismo de Alain Guerreau. 21 O autor afirma que este sistema social fundamenta-se em duas noções: dominium e ecclesia. A primeira está baseada sob os elementos de simultaneidade, a posse está diretamente associada ao poder político, e dominação, tanto sobre a terra quanto sobre os homens. Interessa-nos

18

BOURDIEU, Pierre. Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 27-78.

19

NAVARRO CORDERO, Catherine. Op. Cit. p. 98.

20

BOURDIEU, Pierre. Op. Cit, 1989, p. 13.

21

O trabalho mais extenso de Guerreau sobre o tema pode ser encontrado em: GUERREAU, Alain. O feudalismo: um horizonte teórico. São Paulo: 70, s/d. No entanto, seu trabalho mais recente sobre o tema se encontra no Dicionário Temático do Ocidente Medieval: GUERREAU, Alain. Feudalismo. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (Org.), Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru:Edusc. 2006. 2v. V. 1. p. 437-456.

14 destacar que um dos aspectos desta dominação centra-se na contínua troca de favores e presentes, submetendo os homens uns aos outros em uma rede de interdependências.22 A segunda representa, essencialmente, a presença da instituição eclesiástica como hegemônica no período, pois, não somente era a maior proprietária ao longo de todo o período, mas era também a única detentora dos bens de salvação socialmente reconhecidos.23 Desta forma, a permanência como um membro da sociedade, ou seja, a não-exclusão e não-marginalização, passava necessariamente pelo ato de compartilhar uma série de preceitos e rituais. Guerreau nos demonstra como isto veio a se tornar um importante meio de manutenção das estruturas do dominium, pois reforçava a imobilidade dos camponeses com relação à terra. Optamos por utilizar como metodologia a análise documental, intimamente relacionada com a categórica/temática, proposta por Laurence Bardin em Análise do Conteúdo. Esta escolha está diretamente relacionado com duas questões, a primeira se deve à facilidade de se estabelecer uma relação entre as várias referências ao nosso objeto, facilitando a investigação ao condensar informações em diferentes eixos temáticos. Ou como Bardin mesma afirma: “o propósito a atingir é armazenamento sob uma forma variável e a facilitação do acesso ao observador, de tal forma que este obtenha o máximo de informação (aspecto quantitativo) com o máximo de pertinência (aspecto qualitativo).”24 O segundo motivo que nos levou a esta opção é o próprio fato de não existir o termo igreja própria em nossos documentos – ou qualquer outro do período em questão –, o que nos leva a buscar os vários indícios existentes de nossa problematização em meio às menções ao próprio patrimônio eclesiástico. Desta forma, o método categórico/temático permite estabelecer analogias entre os vários excertos que nos interessam. Pretendo, desta forma, buscar nos cânones categorias de análise para facilitar a percepção de aspectos relacionados às “igrejas próprias”. Avaliarei ainda as similaridades temáticas presentes nos concílios e a quantidade de vezes que o tema das igrejas próprias se apresentam nas fontes.

22

BASTOS, Mário Jorge da Motta, et alli. Dom, dominação e santidade na Alta Idade Média Ibérica. NOTANDUM. São Paulo/Porto, v. 13, n. 24, p. 65-78, 2010. 23

Percebemos aí uma íntima relação entre as teorias de Guerreau e Bourdieu.

24

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. p. 51-52.

15

1.4 OBJETIVOS

Para podermos pensar melhor a problematização que propomos devemos voltar nosso foco às igrejas próprias, visando compreender um pouco mais da história deste conceito e seus usos. Portanto temos como um de nossos objetivos iniciais esta indagação sobre a historiografia já escrita acerca do assunto. O principal objetivo que norteia nosso trabalho é a análise das atas do III e IV Concílio de Toledo, observando o discurso eclesiástico em relação às igrejas próprias e ponderando sobre como elas estão inseridas nesta sociedade. É fundamental ter em mente, neste sentido, toda a reflexão que realizamos, sobre a estruturação política e os parâmetros que regem a vida social deste povo. Pensando desta forma, podemos afirmar que temos como hipótese a presença destes templos como pontos fundamentais de interpelação entre setores eclesiásticos e laicos da alta camada visigótica. Portanto, nossa proposta inicial se desdobra em uma investigação de mais amplo espectro, que não se atém somente à questão das igrejas próprias. Para nos aprofundarmos neste debate partiremos da análise de dois pontos fundamentais: as relações entre os membros do clero e a nobreza que o apoia, e entre o episcopado e os patrimônios reconhecidos como eclesiásticos. Porém, ao longo desta monografia ficará claro que a opção por estes dois recortes temáticos tem como intuito demonstrar o processo de feudalização pelo qual passa a sociedade visigótica. Como pretendi mostrar com a exposição de meu problema: ao observarmos a sociedade visigótica percebemos que, reconhecendo suas especificidades proto-feudais, nos deparamos com uma sociedade na qual já são aparentes algumas características do feudalismo. Ao analisar sob esta ótica, percebe-se a presença de um processo de organização monárquica-clerical que está diretamente aliado à estruturação de aspectos dominiais que regem este povo. Este é mais um dos objetivos de nossa monografia, discorrer sobre este momento de formação de instituições por meio de uma indagação crítica, demonstrando como os aspectos feudais desta sociedade transparecem no decorrer do processo de fomentação política.

16 O terceiro objetivo que nomearia neste trabalho seria a análise da inserção da instituição eclesiástica no processo de afirmação do poder real, especialmente no tocante a sua influência nas diferentes regiões da Península Ibérica. Devido à organização hierárquica e à amplitude jurisdicional que o episcopado possui, ele se torna um ponto fundamental de estabelecimento da autoridade monárquica nas várias províncias visigóticas. Deve-se perceber aí também que a soberania política dos bispos está em grande parte assentada no apoio do rei, que concede ao clero o papel hegemônico no que diz respeito à produção simbólica – como religião oficial do reino – e à propriedade fundiária – por meio da garantia da inalienabilidade dos patrimônios eclesiásticos. Para finalizarmos este capítulo introdutório, cabe atentarmos novamente que a hipótese que guia este trabalho é: as igrejas próprias, na medida em que são analisadas tendo em vista a estrutura social do reino visigodo, representam uma das formas nas quais as relações intra-classe se estabelecem, baseadas na dependência pessoal entre seus membros.

17 2 PANORAMA SOCIAL-POLÍTICO 2.1 TRANSFORMAÇÕES NA PENÍNSULA

Neste capítulo pretendemos apresentar um panorama histórico sobre o período em questão, visando desta forma facilitar a compreensão do cenário social na qual está inserida nossa problematização. O aspecto central que irá impulsionar nossa discussão neste ponto serão as transformações ocorridas com a desagregação do Império Romano e a ascensão do reino visigodo, especialmente no tocante a perda e reformulação de um centro de poder político na Península Ibérica. Primeiramente, cabe ressaltar que a síntese aqui apresentada encontra-se diretamente relacionada com uma visão histórica que reconhece a Primeira Idade Média como um momento de profundas transformações no continente europeu. No entanto, há de se ter em vista a existência de heranças políticas e sociais que marcam de forma contundente o período em questão. Neste sentido, temos como um aspecto norteador de nossas discussões que a formação da Europa Medieval está intimamente baseada na interligação e interpenetração de três tradições culturais: o germanismo, o romanismo e o cristianismo.1 Sob este ponto de vista é fundamental percebermos a presença romana, ainda no período imperial, como um importante elemento de formação de alguns centros agregadores de uma autoridade política e administrativa. Em outras palavras, os centros urbanos.2 No entanto, devemos notar que a conquista da Península Ibérica não foi feita somente a partir da imposição cultural e militar sobre as populações que já se encontravam neste local. As alianças formadas com os povos indo-europeus possuem um aspecto central no processo de organização da primazia de Roma no território. A relação entre elementos da aristocracia de ambos os lados facilitou a construção de um poder centralizado e, principalmente, com uma articulação relativamente bem sucedida 1

SONSOLES GUERRA, Maria. Romanismo, germanismo e cristianismo nos séculos V-VI. In: Textos didáticos IFCS. IFCS: Rio de Janeiro, 1992, p. 3. 2

Santiago Castellanos nos chama atenção neste ponto para um relativo consenso na historiografia da importância das civitates neste momento e em períodos subsequentes, especialmente no tocante à região noroeste da Península Ibérica. CASTELLANOS, Santiago; MARTÍN VISO, Iñaki. The local articulation of central power in the north of the Iberian Peninsula. Early Medieval Europe, Oxford, v. 13, n. 1, p. 142, 2005.

18 no âmbito local.3 No século I a.c., já se encontra a edificação de centros urbanos, as civitates, essenciais para a formação deste cenário de relativa estabilidade, como afirma Almudena Orejas Del Valle:

“A urbanização é um dos fenômenos tradicionalmente associados à presença de Roma: a cidade não só se converte em elemento que serve para articular o território, como também o dota de uma cabeça e permite a existência de um interlocutor de Roma e de um centro que represente também a uma periferia.” 4

A paulatina desagregação do Império Romano5 causa um impacto sobre esta realidade, enfraquecendo esta composição política, vemos ocorrer por volta do século V, simultaneamente à desarticulação da administração imperial, a penetração dos germanos na Península Ibérica.6 Seria errôneo, porém, imaginarmos o completo desaparecimento da autoridade romana e de suas estruturas, visto que podemos citar a permanência de diversos traços culturais e algumas das civitates mais importantes, além de um alto nível demográfico remanescente. Sob esta ótica, fica clara uma progressiva relação de integração entre “invasores” e “invadidos” dependendo especialmente do grau de identificação dos diferentes povos germânicos com aspectos do romanismo. O ingresso dos visigodos no território peninsular se dá nas primeiras décadas do século V, quando fixaram-se na região da Galia tendo Toulose como uma primeira capital de seu reino. Devemos observar que previamente às primeiras investidas militares em áreas ibéricas, a presença visigótica fora legitimada pelo Império e pelas elites hispanorromanas sob a condição de tropas federadas, convocadas para combater

3

Idem, Ibidem. Para um aprofundamento maior sobre dados arqueológicos e movimentos populacionais ligados às mudanças políticas cf. DEL VALLE, Almudena Orejas Saco. Estructura social y territorio. El impacto romano en la cuenca Noroccidental del Duero. Tese doutoral apresentada à Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 1992. 4

DEL VALLE, Almudena Orejas Saco. Op Cit., p. 427.

5

Não se pretende aqui enumerar ou classificar os fatores que contribuíram para este acontecimento, no entanto cabe mencionar a obra de Luis A. García Moreno, na medida em que esta expõe algumas das principais correntes historiográficas sobre o tema. GARCÍA MORENO, Op. Cit., p 22-29. 6

FONTES, Luís. O Período Suévico e Visigótico e o Papel da Igreja na Organização do Território. In: PEREIRA, Paulo (Coord.). Minho – Traços de Identidade. Braga: Universidade do Minho, 2009. p. 272-295.

19 vândalos, suevos e as bagaudas.7 No entanto, a firmação geográfica amplifica a aproximação cultural e populacional entre o reino germânico em questão e as comunidades romanas.8 Inicia-se a partir daí um movimento de expansão sobre as áreas previamente conquistadas por outros povos e um relativo domínio visigótico sobre uma larga porção da Hispania. Porém, este momento praticamente chega ao fim com a derrota em Vouillé sofrida nas mãos dos francos em 507, data que demarca o começo de uma série de perdas territoriais e políticas, que tem como uma de suas consequencias o deslocamento da capital para a cidade de Toledo. 9

2.2 A ESTRUTURAÇÃO DO PODER MONÁRQUICO

Em 569 ascende ao trono Leovigildo que irá alterar este quadro, realizando uma série de vitórias, retomando a expansão visigoda e firmando a supremacia militar de seu povo na Península Ibérica. No entanto, tão, ou mais importante que, suas conquistas bélicas, foi o êxito que teve em instaurar à monarquia um relativo papel de domínio sobre a nobreza. Impondo-se como uma figura central na complexa teia social que se organizava, construindo uma estrutura política com uma nova forma de autoridade institucional. García Moreno apresenta este processo como uma substituição do poderio imperial.10 Queremos dizer com isto que, durante os séculos VI e VII, notamos novamente a presença de uma autoridade administrativa hegemônica no território peninsular, algo praticamente inexistente desde a desagregação do Império Romano. Cabe ressaltar, como já foi apresentado na introdução, que esta sociedade e as formas de relação inerentes a ela são regidas por um sistema proto-feudal,11 e o estatuto jurídicopolítico das instituições encontram-se fundamentados na perspectiva do dominium.12 Fica claro, então, a existência de uma profunda diferença entre o modelo de administração goda e sua predecessora, a importância da posse e dos laços pessoais para 7

GARCÍA MORENO. Op. Cit. p. 49.

8

HESPANHA. Op. Cit., p. 113-114.

9

COLLINS, Roger. Op. Cit., p. 31-32

10

GARCÍA MORENO. Op. Cit.

11

Idem, Ibidem.

12

HESPANHA. Op. Cit.

20 a sua articulação nas localidades específicas. A legitimação do poder do monarca perpassa, necessariamente, pelo vínculo que ele possui com a nobreza regional, basta atentarmos ao fato de que a monarquia visigótica possui caráter eletivo.13 Porém, vemos que esta situação apresenta também um problema, pois a associação entre estes senhores de terra e o rei, devido à sua feição feudo-vassálico, possui um caráter de reciprocidade entre as duas partes, o que significa o fortalecimento de ambas em seus respectivos níveis de atuação. Ou seja, na medida em que estes membros da aristocracia são a principal forma de afirmação da autoridade real, no âmbito local, seu domínio sobre tais áreas também pode representar um obstáculo para a afirmação do poder régio.14 Contudo, na tentativa de construção de um poder hegemônico, a monarquia irá buscar apoio em uma outra instituição, que também se encontrava em um processo de estruturação, para alcançar a unificação política sob a égide da realeza: o episcopado niceno. Desde o século IV já é possível observarmos o desenvolvimento de alguns aspectos da organização eclesiástica, apesar de estarem em estágio demasiadamente incipiente para afirmarmos a existência concreta de uma coordenação entre as várias instâncias hierárquicas. Porém, já é evidente sua presença nos principais meios urbanos onde se encontrava a administração imperial.15 Além disto, grande parte das populações germânicas que se estabeleceram na Península Ibérica haviam se convertido a alguma forma, usualmente heterodoxa, de cristianismo. Percebemos aí a penetração da cultura romana nestes povos em algum nível. Durante o século V nota-se uma transição oficial do poder civil para as altas camadas clericais citadinas,16 tornando o bispo a principal representação da autoridade imperial. É preciso denotar que a aristocracia romana já era a principal detentora deste cargo e, portanto, já havia uma forte associação entre o episcopado e o prestígio

13

GONZÁLEZ, Teodoro. La Iglesia desde la conversión de Recaredo hasta la invasion árabe. In: GARCÍA VILLOSLADA, Ricardo (dir.). Historia de la Iglesia en España. Biblioteca de autores cristianos: Madrid, 1979, 5v., V. 1, p. 447-458. 14

FRIGHETTO, Renan. O problema da legitimidade e a limitação do poder régio na Hispania visigoda: o reinado de Ervígio (680-687). Gerión, Madrid, v. 22, n. 1, p. 421-435, 2004. 15 16

FONTES. Op. Cit. p. 284-285.

MAYMÓ, Pere. El Obispo como autoridad ciudadana y las irrupciones germânicas em el Occidente latino durante el sigloV. Studia Ephemeridis Augustinianum. Barcelona, v. II, n. 58, p. 551-558, 1997.

21 político. Desta forma, os prelados tornam-se importantes figuras entre as elites hispanorromanas, exercendo certo domínio nas áreas sob sua jurisdição. Percebemos, então, que o estreitamento dos laços com a instituição eclesiástica era fundamental para a monarquia goda por dois motivos principais: a aproximação com os setores remanescentes do período romano, e; a articulação do poder real nas diferentes regiões por meio da autoridade jurisdicional das dioceses. Ou seja, a conversão de Recaredo em 589 representou a possibilidade de expansão do projeto unificador de seu antecessor, pois permitiu o reconhecimento do poder real nas áreas onde a aristocracia hispanorromana possuía um forte domínio. Além disto, o episcopado contribuiu para a ramificação da autoridade monárquica em diversas áreas, inclusive rurais, utilizando a hierarquia clerical para legitimar o poder institucional, tanto eclesiástico quanto monárquico, nos diversos âmbitos de atuação dos clérigos. Por outro lado, ao observarmos este momento de solidificação da aliança entre bispos e rei sob a ótica das teorias de Bourdieu,17 notamos que para a instituição eclesiástica esta união também foi fundamental. A conversão da monarquia ao cristianismo niceno significou a legitimação da religião como principal referencial simbólico no reino visigótico e do clero como principal (re)produtor ideológico. Podemos perceber neste processo dois aspectos indissociáveis que reforçam a posição de bispos e outros membros das elites religiosas como únicos detentores das formas politicamente aceitas de compreensão e representação do mundo: a promoção de uma integração social em torno da fé, e; a exclusão de formas heterodoxas que fogem à normatização das relações sociais. Associada à conversão de Recaredo, o cristianismo era um fator de coesão social e de identidade, especialmente no âmbito nobiliárquico. Vemos ocorrer uma institucionalização da religião, que adotará um caráter normatizador frente ao resto da sociedade devido ao seu status de principal produtora ideológica. Simultaneamente, as práticas e condutas que destoavam da norma eram consideradas como algo possivelmente perigoso à ordem estabelecida, pois representavam uma divergência ao referencial simbólico no qual a sociedade estava estruturada.18

17

BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 1987.

18

NAVARRO CORDERO, Catherine. Op. Cit. p. 98

22 Notamos, portanto, que no primeiro terço do século VII se estabelecem duas instituições, a monarquia e o clero, que têm como uma de suas características a afirmação da camada nobre visigótica como elite, econômica bem como social, e a manutenção do status quo.19 No entanto, cabe novamente ressaltarmos a qualidade proto-feudal da organização política do reino, pois o poder de ambas ainda advinha de sua qualidade dominial. Ou seja, a posse de terras e servos aliada às relações estabelecidas com outros senhores.

2.3 O PATRIMÔNIO ECLESIÁSTICO

Como já mencionamos anteriormente, a noção de dominium é um aspecto fundamental da estrutura social vigente no período. Levando isto em consideração, fica claro para nós que a institucionalização de um patrimônio eclesiástico torna-se um passo fundamental para a imposição da ecclesia. Isto é algo expressivo não somente na Península Ibérica, mas algo comum a quase toda a cristandade em seu processo de ascensão à qualidade de religião oficial do Império.20 Neste sentido, vemos ocorrer também um processo de organização dos preceitos pelos quais estas posses seriam regidas. Uma leitura preliminar das atas conciliares do reino visigodo nos demonstram três principais aspectos em relação às propriedades: o encargo administrativo destas ficava sob responsabilidade do bispo;21 elas são consideradas inalienáveis,22 e; a repartição das doações é tripartite.23

19

FILHO, Ruy de O. Andrade. Op. Cit.

20

Sobre isto poderíamos citar uma quantidade infindável de trabalhos. Faço referência a alguns que possuem destaque particular para o nosso trabalho: BUENACASA PÉREZ, Carles. La legislación conciliar concerniente a La administración Del patrimônio eclesiástico: el bajo imperio (siglos IV-V). Studia ephemerides Augustinianum, Roma, n. 78, p. 49-72, 2002; PÉREZ MARTÍNEZ, Meritxell. La burocracia episcopal em la Hispania tardorromana y visigótica (siglos IV-VII). Studia Historica. Historia Medieval, Salamanca, n. 18-19, p. 17-40, 2000-2001; PÉREZ SÁNCHEZ, Dionisio. Las transformaciones de La antiguedad tardia em La Península Ibérica: Iglesia y fiscalidad em La sociedad visigoda. Studia Historica. Historia Antigua, Salamanca, n. 17, p. 299-318, 1999; TERESA DE JUAN, María. La gestión de lós bienes em La iglesia hispana tardoantigua: confusión patrimonial y sus consecuencias. POLIS, Madrid, n. 10, p. 167-180, 1998. 21

Apesar de isto ser perceptível ao longo de quase todo o registro documental, os cânones XIX e XXXIV do III e IV Concílios de Toledo respectivamente, apresentam isto de forma bem clara. VIVES, José (ed.) et alli. Concilios visigóticos e hispano-romanos. Barcelona: Instituto Enrique Flórez, 1963. p. 131; 205.

23 Como pudemos perceber, uma das transformações ocorridas na desagregação do Baixo Império, foi o crescimento da atuação política de epíscopos, tanto no âmbito local quanto multiregional. Este fato se dá por diversas razões, no entanto, qualquer que seja a opção teórica para compreendê-lo, a propriedade e a participação destes homens na camada superior da sociedade possuem um papel fundamental. Além disto, a estrutura hierárquica da instituição eclesiástica reconhecia o bispo como referência para as igrejas, urbanas ou rurais, inseridas em seu campo de atuação. Neste sentido, notamos as deliberações sinodais como um momento de reafirmação desta realidade social, o prelado é o gestor dos bens, móveis ou imóveis, que se encontram dentro de sua jurisdição. As primeiras referências à inalienabilidade do patrimônio eclesiástico datam do início do séc. IV no concílio de Ancira e fazem alusão aos abusos feitos por representantes do alto clero.24 Devemos notar que as atas conciliares apontam para uma tentativa de resguardar propriedades frente a ação tanto de laicos quanto eclesiásticos. Neste sentido, vemos a existência de uma divisão entre aquilo que pertence ao bispo, como indivíduo, e aquilo que pertence às igrejas, como algo recorrente no discurso canônico. No entanto, há diversas passagens nos documentos que demonstram a possibilidade de epíscopos de tomarem posses dos templos sob suas responsabilidades, caso transfirar para estes, algo de seus próprios pecúlios. Cabe ressaltar que, a proibição à subtração de posses dirige-se também aos trabalhadores que se encontram sob patrocínio da instituição eclesiástica, portanto, a libertação de escravos não significa o fim de um contrato de servidão. As disposições dos concílios em relação à repartição das doações em três partes nos apresentam uma especificidade da Península Ibérica em relação a outras partes da Europa, incluindo Roma, que utiliza um sistema tetrapartite.25 A diferença entre estas duas formas de organização está centrada na parcela dos ganhos das dioceses que é direcionada às ações caritativas. Ou seja, Roma optou por uma divisão que dava um

22

VIVES, José (ed.) et alli. Cânones III, VIII e XXI de Toledo III, e; XXXIII de Toledo IV. Concilios visigóticos e hispano-romanos. Barcelona: Instituto Enrique Flórez, 1963. p. 125; 127; 132; 204. 23

VIVES, José (ed.) et alli. Cânone XXXIII de Toledo IV. Op. Cit., p. 204.

24

MARTÍNEZ DIEZ, Gonzalo. Op. Cit. 1991.

25

WOOD, Susan. The proprietary church in the Medieval West. Oxford: Oxford University, 2006. p. 10.

24 quarto das doações aos bispos, um para os demais clérigos, o outro para a manutenção de templos e o último era revertido a ações caritativas. No reino visigodo não havia uma definição em relação aos valores obtidos pela diocese que seriam dirigidos ao apoio aos pobres, dividindo os bens em três partes. Isto não quer dizer que o episcopado não possuía esforços voltados à assistência, pelo contrário, a caridade era uma das formas principais formas de afirmação do poder eclesiástico.26 Neste sentido, podemos citar Bruno Miranda Zétola, quando afirma: Considerando que no Reino Hispano-Visigodo não havia uma quantia do patrimônio eclesiástico reservada para a assistência aos pobres, e que os bispos se apropriavam de parte das riquezas da Igreja, notamos que a caridade se desenvolveu muito mais em âmbito pessoal do que de uma maneira institucionalizada pela Igreja. Em outros termos, a institucionalização da caridade urbana investiu-se na própria figura episcopal, e não no aparato eclesiástico. A caridade tornou-se uma virtude e uma obrigação dos bispos, e era desenvolvida como se fosse uma obra de misericórdia não da Igreja, muito menos daqueles que doavam bens para a Igreja, mas do próprio bispo.27

Compreendemos então que, a falta de uma especificação das rendas contribui para reforçar a imagem pessoal destes representantes do alto clero. Poderíamos considerar, também, que a escolha de um sistema tripartite estaria centrada no empenho em delimitar bem a divisão entre propriedades eclesiásticas e próprias, i. e., uma forma de coibir o uso do patrimônio das igrejas nas ações caritativas, mantendo sua inalienabilidade. Porém, é interessante notarmos que as atas conciliares demonstram um aspecto mais de ressalva e não proibição no tocante à doação de bens para os pobres.28 María Teresa de Juan propõe que este evergetismo cristão se apresenta como um dos fatos que causa a confusão entre as propriedades do bispo e as da instituição eclesiástica.29 Pois, na medida em que investia muito de suas próprias posses para apoiar a comunidade que o cercava, encontraria no uso do patrimônio eclesiástico uma 26

ZÉTOLA, Bruno Miranda. Discurso caritativo e legitimação do poder episcopal na antiguidade tardia: o caso de Emerita (550-633). Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de Mestre pelo curso de Pós-Graduação em História da Universidade do Paraná. Curitiba, 2005. p. 147-151 27

Idem. Ibidem. p. 147

28

VIVES, José (ed.) et alli. Cânone III do III Concílio de Toledo, e; Cânone XXXVIII do IV Concílio de Toledo.Op. Cit., p. 125; 204. 29

TERESA DE JUAN, María. La gestión de los bienes en la iglesia hispana tardoantigua: confusión patrimonial y sus consecuencas. Polis. Revista de ideas y formas políticas de la Antiguëdad Clásica. Madrid, v. 10, p. 167-180, 1998.

25 forma de auto-compensação. Apesar de reconhecermos um ponto importante levantado pela autora, a ambiguidade que as medidas assistenciais causam, poderíamos observar isto sob outro ângulo, tendo em mente o conceito de dominium e seus elementos constitutivos. Na medida em que estamos tratando de uma sociedade, que tem como um dos aspectos essenciais de sua estrutura a subjugação dos homens por meio da relação desigual de troca, é passível de imaginarmos que este é um modelo que se repete no tocante às relações verticais. Os grandes senhores de terra, especialmente os clérigos, ao se tornarem protetores das comunidades que os rodeiam, criam laços de dependência por parte de seus subservientes. Neste caso devemos nos remeter ao elemento da simultaneidade de Guerreau e não ficar nos questionando se o poder político do episcopado se estabelece por causa da dominação que ele exerce sobre os homens, ou se esta dominação é que garante seu poder político.30

30

GUERREAU, Alain. Op. Cit. 2006.

26

3 AS IGREJAS PRÓPRIAS

Reservemos esta seção para nos aprofundarmos sobre o tema da construção de templos cristãos particulares, historicizando esta prática, com o objetivo de demonstrar a existência das igrejas próprias como um aspecto da sociedade visigótica. Para tal, utilizarei como principal embasamento a historiografia já escrita sobre o assunto, debatendo acerca de algumas das pesquisas mais relevantes feitas sobre o assunto. Iniciemos, então, focando sobre os princípios deste costume, o que nos traz dois problemas: o primeiro de ordem teórica, relacionado ao próprio modo como pensamos o estudo da História após o surgimento da Escola dos Annales; o segundo referencia-se à definição de um marco inicial, causado por um problema de conceituação. No século XIX a incessante busca pela verdade nas mais diversas áreas do conhecimento teve suas consequências na pesquisa histórica, tornando um dos principais focos de seu esforço o descobrimento da gênese por trás das construções sociais, culturais e simbólicas que influenciavam o mundo. Este paradigma epistemológico era fortemente influenciado por uma tentativa de compreender o nascimento das nações e possuía uma forte conotação darwinista na medida em que classificava os diferentes períodos sob a ótica do progresso e da evolução. Porém, as primeiras décadas do século XX trouxeram novas reflexões, a partir do momento em que a ciência histórica voltou seu interesse ao ser humano e suas produções como um contínuo processo de construção social, buscando o suporte teórico de outras áreas do conhecimento na tentativa de melhor entender o homem e o tempo no qual ele se insere. Para que seja possível não incorrermos em antigos erros conceituais, cabe nos remetermos a Marc Bloch em Apologia da História quando se refere à perigosa idolatria dos historiadores para com as origens.1 Devemos, portanto, ter em mente duas questões: a procedência primordial de um fato não explica sua existência ou desenvolvimento ao longo dos anos, e; nossa ciência possui um forte componente de construção ideológica, priorizando certos elementos em detrimento de outros, de acordo com as escolhas teóricas e metodológicas do pesquisador. Sendo assim, por mais que tentemos traçar a trajetória de alguma instituição, costume, símbolo ou idéia, devemos lembrar

1

BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 2002.

27 constantemente de contextualizar nosso objeto de estudo em seu próprio tempo inserido em uma particular gama de relações sociais. Além disto, é fundamental mantermos um contínuo contato com o legado historiográfico de outros autores. O segundo problema com que nos deparamos é a definição de um marco temporal que esteja em consonância com os objetivos que pretendemos alcançar neste trabalho. A resolução desta questão está diretamente ligada à conceituação de Magdalena Rodríguez Gil acerca das igrejas próprias, a qual nos referimos na introdução.2 Pois é a partir dela que percebemos como a construção e dotação de templos cristãos está fundamentada na relação patrimonial, intimamente ligada ao conceito de propriedade existente no período medieval.3 Desta forma fica claro que, em um período onde se opera uma ação de caráter centralizador, este vínculo tipicamente personalista entre posse e autoridade representa um obstáculo à organização de um poder soberano. Neste sentido, a edificação e apropriação de locais de culto por parte da nobreza laica assume uma perspectiva aparentemente discrepante do cenário de estruturação política que vinha sendo construído. Este aspecto de fragmentação comumente associado às igrejas próprias é ponto central de diversos dos trabalhos mais importantes sobre o tema.4 No entanto, mesmo sob este ponto de vista, ainda há um intenso debate acerca do momento em que podemos definir a existência destes templos privados, pois se voltarmos nossa atenção para períodos anteriores à chegada dos visigodos podemos observar já a existência de

2

RODRÍGUEZ GIL, Magdalena. Op. Cit., p 248-249.

Susan Wood explicita isto muito bem quando demonstra que, “uma dificuldade particular é que a propriedade medieval estava intimamente ligada com autoridade.” WOOD, Susan. Op. Cit., p. 3. (Tradução minha). 3

4

Poderíamos citar aqui, por exemplo, as obras de Manuel Torres (TORRES, Manuel. El origen del sistema de “iglesias propias”. Anuario de historia del derecho español, Granada, n. 5, p. 83-217, 1928.), Susan Wood (WOOD. Op. Cit.) e Magdalena Rodríguez Gil (RODRÍGUEZ GIL. Op. Cit.) que tratam diretamente sobre o tema das igrejas próprias. Além disso, cabe ressaltar outros vários trabalhos sobre história do reino visigodo que não pretendem tratar diretamente sobre o assunto, porém possuem importantes considerações acerca dele, podemos citar: FERNANDEZ ALONSO, Justo. La cura pastoral en la España romanovisigoda. Roma: Iglesia Nacional Española, 1955. p. 215-223; GARCIA VILLOSLADA, Ricardo. Historia de la Iglesia en España. Espanha: Biblioteca de Autores Cristianos, 1979. p. 595-610, e; ORLANDIS, José. Historia del Reino Visigodo Español. Madrid: Rialp, 1988. p. 314-315. Há também um trabalho mais recente: TESTÓN TURIEL, Juan Antonio. El monacato en la diocésis de Astorga en los periodos antiguo e medieval: La Tebaida Berciana. León: Universidad de León, 2008. p. 154-159.

28 locais de culto cristãos que se encontram sob domínio de um senhorio laico. Próximo ao fim da era romana era comum a presença de basílicas dentro das villae da aristocracia. Portanto, devemos apontar dois aspectos nos levam a descartar o período imperial como momento de origem das igrejas próprias. Primeiro, a reduzida área de influência destes pequenos templos não apresentava uma relação, favorável ou não, com a tentativa de organização do poder central. Muitos historiadores reconhecem que eles se destinavam apenas ao uso pessoal do proprietário, apesar de os membros da elite deterem alguns direitos, como a nomeação de seu presbítero. Em segundo lugar, apesar dos bispos já possuírem uma influência no jogo político e social, a instituição eclesiástica ainda não tem o poder que conquista após o III Concílio de Toledo, advindo do reconhecimento de sua posição como principal produtora ideológica e de seu crescimento patrimonial. Fica claro, então, que o interesse de nossa pesquisa acerca das igrejas próprias tem como foco o papel fundamental destas dentro de um sistema de relações definidos por características feudais, enquanto que, no período imperial, sua existência ainda não era representativa o suficiente para se configurar como tal. Devido a este posicionamento, devemos nos colocar em discordância com as teorias de Ramón Bidagor e José Orlandis, que apresentam a presença das igrejas próprias como um desvio da norma social constantemente combatido pela instituição eclesiástica.5 Estes autores, bem como muitos outros,6 concebem que a origem destes templos tem seu ponto de partida na ação individual de alguns senhores que procuram ampliar seu patrimônio pessoal e para isto se utilizam de uma construção religiosa, o que garantia sua inalienabilidade, bem como lhes permitiria a apropriação de terras pertencentes à realeza. Orlandis vai além, afirmando que a ação destes domini se caracteriza não apenas pela apropriação indevida das propriedades diocesanas e reais, bem como uma exploração aos camponeses cristãos. Isto porque ele afirma que a rápida multiplicação de templos construídos em propriedades senhoriais é uma consequência direta da expansão da religião cristã nicena. Ou seja, com a evangelização dos campos os trabalhadores rurais demonstraram a necessidade da construção de igrejas para exercerem sua fé, dando oportunidade aos nobres de erguerem estes edifícios visando o

5 6

RODRÍGUEZ GIL, Magdalena. Op. Cit.

MARTÍNEZ DIEZ, Gonzalo. Op. Cit.; FERNANDEZ ALONSO, Justo. Op. Cit.; GARCIA VILLOSLADA, Ricardo. Op. Cit.; TESTÓN TURIEL, Juan Antonio. Op. Cit.

29 lucro pessoal.7 Percebemos aqui uma incongruência entre a teoria de Orlandis e uma grande porção da historiografia do período. Enquanto a grande maioria dos estudiosos sobre este período afirma que uma das consequências da multiplicação de igrejas próprias foi a evangelização das áreas rurais, o autor defende justamente o inverso.8 A principal crítica que devemos apresentar é o pressuposto teórico de ambos os historiadores de que o clero após o período de conversão já possui características institucionais bem organizadas. Isto significa dizer que, apesar de o reino visigodo possuir características feudais no âmbito social, o episcopado já possui um direcionamento político que vai além deste cenário, aproximando-se de um aspecto de utilidade pública. Os bispos seriam, para Bidagor e Orlandis, funcionários impessoais que tem como objetivo o crescimento patrimonial da instituição eclesiástica, indo de encontro ao modelo protofeudal que esta sociedade vivencia. É preciso levar em conta, que ambos os autores durante suas vidas foram representantes da Igreja, Bidagor era um padre jesuíta e Orlandis foi durante a maior parte de sua vida filiado à Opus Dei. Este segundo, particularmente, tinha como uma das principais hipóteses de seu trabalho que o período do reino visigodo de Toledo representou um momento de formação inicial da Espanha moderna. Ulrich Stutz, autor que é reconhecido ainda hoje como pioneiro das pesquisas sobre o tema central de nossa investigação, tem como sua principal teoria acerca do assunto a procedência essencialmente germânica da construção de templos por senhores laicos. O autor apresenta em seu texto que esta prática era comum entre os povos que se encontravam além do limes previamente à desagregação do Império Romano do Ocidente e que foi trazida por eles à medida que se estabeleciam em territórios dominados. Sua principal obra Die Eigenkirche als Element des mittellatenlichengermanischen Kirchenrechts, publicada em 1895, baseia-se em leituras de Konrad Maurer, historiador especialista no povo nórdico, e utiliza como principal documento a Germania de Tácito, para comprovar sua hipótese.9

7

ORLANDIS, José. Op. Cit. p. 314-315

8

Para nomear alguns exemplos: BASTOS, Mário Jorge da Motta. Op. Cit. 2002; CASTELLANOS, Santiago; MARTÍN VISO, Iñaki. Op. Cit.; DÍAZ, MARTÍNEZ, Pablo de la Cruz. Formas económicas y sociales en el monacato visigodo. Salamanca: Universidad de Salamanca. 1987, e; FONTES, Luís. Op. Cit.; 9

STUTZ, Ulrich apud. TORRES LÓPEZ, Manuel. Op. Cit., p. 99.

30 Seus argumentos em defesa de uma herança unicamente germânica se centram sobre dois pontos fundamentais: a existência das figuras do “pai-sacerdote” e do “templo-casa”, heranças das antigas religiões destes povos que estariam presentes também na doutrina cristã ariana, e que comprovaria a presença não somente do culto familiar, mas também de templos que estavam inseridos nos patrimônios dos chefes destes povos.10 O segundo ponto é a clara germanização das leis canônicas que, segundo o autor, podem ser observadas.11 Apesar de termos denotado anteriormente a presença de igrejas que eram patrimônios de senhores laicos previamente à chegada dos germanos no território imperial, o que nos coloca em desacordo com as teorias de Stutz, é importante assinalarmos pontos interessantes de sua hipótese. Podemos citar, por exemplo, o reconhecimento de um processo de assimilação, não apenas social, mas também jurídico, i.e. cultural, sob a ótica de um processo de adaptação do direito romanocanônico com as relações pessoais e leis consuetudinárias mais comuns entre os povos germânicos.12 Outro aspecto interessante que o autor propõe está relacionado à noção de “paisacerdote” que ele defende. Apesar de partirmos de um ponto de vista crítico a ele, é preciso reconhecer sua importância quando sugere a existência de um conceito patrimonial eclesiástico que está centrado em figuras locais de poder. Neste sentido, cabe ressaltar que a concepção de família (pai) na qual Stutz está se baseando não é meramente genealógico, mas está arraigado no âmbito essencialmente político que este conceito possui no decorrer da Idade Média. Ou seja, o âmbito familiar, especialmente nas altas camadas, compreende além de laços de sangue, os laços de fidelidade que os homens possuem uns para com os outros. Portanto, devemos perceber a figura destes líderes religiosos, também como uma soberania política na localidade. Os templos erigidos por estes senhores assumem, desta forma, contornos que vão além da crença, se tornando centros de poder por representarem a possibilidade de intercessão destes em favor de uma população que se mantém aquém dos espólios de sua própria produção.

10

RODRÍGUEZ GIL, Magdalena. Op. Cit.

11

TORRES LÓPEZ, Manuel. Op. Cit.

12

Idem, Ibidem..

31 Manuel Torres López apresenta em um de seus principais textos sobre o tema, El origen del sistema de “iglesias propias” produzido em 1928, diversos pontos que se adequam às nossas referências. Utilizando uma vasta gama de documentos, em especial alguns concílios visgóticos, e baseando-se amplamente na historiografia escrita anteriormente, o autor afirma que:

Expusemos como nas “villae” romanas se fundam igrejas, a partir do século IV principalmente; vimos igualmente que essas igrejas encontram-se em propriedade de seus fundadores, ainda que laicos; examinamos igualmente que o Papa e os Bispos se esforçam não para que esta propriedade desapareça mas para evitar que se rompa com ela a unidade da diocese; afirmamos igualmente que é o regime senhorial, com seu conceito de propriedade, o que dá lugar tanto à propriedade das igrejas nos primeiros tempos de liberdade religiosa, quanto ao desenvolvimento e evolução da instituição, até chegar à igreja própria medieval em seu próprio sentido. A novidade desta não é a propriedade sobre a igreja mas sua absoluta independência da diocese, que dá lugar a que somente dependa do proprietário em todos os sentidos. Ao falar, por conseguinte, de origem de igrejas próprias, o essencial é determinar qual é o caminho que conduz desde a propriedade original à independência que a igreja própria supõe.”13

Fica aparente a consonância de nossas idéias com as teorias de Torres López, excetuando-se alguns pontos de menor importância – o uso da palavra Papa para o período referente à Primeira Idade Média, por exemplo. No entanto, dois aspectos nos distanciam do autor: o primeiro é o caráter fragmentador que as igrejas próprias possuem em seu texto, pois para nós elas demonstram uma representação da estrutura dominial que possui a instituição eclesiástica. Significa que, este perfil desestabilizador que alguns historiadores concebem para os templos particulares se deve ao próprio processo no qual se baseia a organização política desta sociedade. A construção e apropriação de locais de culto por senhores laicos aparenta enfraquecer o poder diocesano. No entanto, isto se deve à forma como as relações de poder se estruturam na alta camada no reino visigótico está constituída realocam constantemente a autoridade sobre a propriedade em função da dependência pessoal que a aristocracia possui entre si.

13

Idem, Ibidem. p. 212

32 O segundo aspecto que nos leva a entrar em desacordo com Torres López é o peso que ele coloca sobre a expansão do monacato como um agente de cerceamento do domínio diocesano em ambientes rurais:

“Nós afirmamos que esse processo [de independência das igrejas próprias à diocese] está intimamente ligado ao geral de ruptura com a diocese pela independência dos monastérios. Os proprietários de igrejas tomam como modelo para suas pretensões de independência àquela dos monastérios.”14

Tocamos aqui em um ponto fundamental no tema das igrejas próprias, amplamente discutido por vários autores que se propuseram a debater sobre o assunto,15 a autonomia monacal frente ao poder do bispo. Sobre este aspecto grande parte da historiografia aponta que esta seria uma forma de a aristocracia laica ter a liberdade de fundar templos no âmbito de sua propriedade e ainda sim fugir ao controle patrimonial eclesiástico, devido às limitações que a diocese possui em intervir na administração dos mosteiros. Além disto, devido ao seu caráter de edifício religioso, seria garantido o direito de inalienabilidade, burlando desta forma a ação expropriatória ou até mesmo tributária do rei.16 No entanto devemos nos remeter a Pablo de la Cruz Díaz Martínez, quando se refere a independência patrimonial dos mosteiros:

“Acreditamos que a independência patrimonial do monastério frente ao patrimônio eclesiástico não é um acontecimento excepcional. É certo que foi anterior no tempo e que serviu, quiçá, de modelo formal para que outros organismos eclesiásticos se independentizassem paulatinamente, mas responde a um processo estrutural que

14

Idem, Ibidem. p. 212

15

Além do próprio Torres López, percebemos esta relação entre igrejas próprias e mosteiros ser estabelecida por: DÍAZ MARTÍNEZ, Pablo de la Cruz. Op. Cit.; FONTES, Luís. Op. Cit.; FRIGHETTO, Renan. Sociedade e Cultura no NO. Peninsular Ibérico em finais do século VII, segundo o De Genere Monachorum de Valério do Bierzo. Gallaecia, Santiago de Compostela, v. 18, p. 363-373, 1999., e; LAWRENCE, C. H. El monacato medieval : formas de vida religiosa en Europa occidental durante la Edad Media. Madrid : Gredos, 1999. 16

GARCÍA MORENO, Luís A. Disenso religioso y hegemonía política. Ilu. Revista de ciencias de las religiones. Cuadernos. Compludo, v. 2, p. 47-63, 1999. p. 53; 58-59

33 afetava a sociedade tardoantiga em geral e à sociedade visigoda em particular, e que levava em direção a um processo de feudalização global da sociedade.”17

Fica claro então que o direito à autonomia patrimonial do monacato é um processo representativo da complexidade das relações senhoriais em função da estruturação da dominação. Isto nos leva a relembrar o aspecto de simultaneidade que o conceito teórico de feudalismo de Guerreau possui,18 os poderes jurídicos no reino visigodo se apresentam apenas na medida em que são utilizados para reforçar as estruturas dominiais da sociedade. Renan Frighetto nos traz duas hipóteses sobre a intervenção secular na vida religiosa,19 mais especificamente na monástica, feita sob o pretexto de direito senhorial sobre suas propriedades. A primeira está associada a um caráter ideológico, “(...)a afirmação da condição cristã por parte de um grande proprietário seria condição sine qua non de sua aproximação aos elementos da alta nobreza(...)”20. A segunda possui um caráter diretamente econômico, “assim destinavam-se a estas fundações monásticas uma quantidade considerável de oferendas e dádivas que a transformavam em autênticos pólos de atração da economia regional.”21 Neste último ponto devemos chamar a atenção de que a edificação de mosteiros garantia aos nobres uma forma de expandir seus direitos de proprietários sobre bens imóveis previamente régios, assim como obter regalias referentes a taxação e fiscalidade do poder secular. Por fim, cabe lembrar as reflexões realizadas pelo professor Mário Jorge da Motta Bastos, que apesar de não possuir nenhuma obra dedicada exclusivamente às igrejas próprias, suas investigações em algumas ocasiões se relacionam a este tema.22

17

DÍAZ MARTÍNEZ, Pablo de la Cruz. Op. Cit., p. 62

18

GUERREAU, Alain. Op. Cit. 2006

19

FRIGHETTO, Renan. Op. Cit.

20

Idem, Ibidem. p. 365

21

Idem, Ibidem. p. 366

22

Podemos citar como exemplos: BASTOS, Mário Jorge da Motta. Op. Cit. 2002 e; BASTOS, Mário Jorge da Motta. Santidade e relações de dom(inação) na Alta Idade Média Ibérica (séculos VI/VII). Colóquio Ler, Escrever e Narrar na Idade Média, Rio de Janeiro, 5 a 8 de maio de 2009. Retirado do site: www.pem.ifcs.ufrj.br/Santos.pdf (último acesso em 18/03/2011)

34 Partindo disto, podemos notar uma proximidade entre as idéias deste autor e de Frighetto. Bastos afirma que a construção de templos por parte de senhores remete-se à “(...) articulação, em seu entorno, das atividades econômicas, das dependências pessoais e da própria dinâmica religiosa”23 percebemos aí a diferença essencial entre estes pesquisadores sobre esta questão. Enquanto Frighetto centraliza o debate no binômio clérigos/leigos, Bastos apresenta uma teoria mais condizente com o reconhecimento de um sistema no tocante às igrejas próprias. Ou seja, ele defende a existência de uma rede relacional, entre senhores laicos e senhores eclesiásticos, mais pautada no pertencimento de ambos à camada nobiliárquica do que ser ou não um homem do clero. Para concluirmos este capítulo, devemos perceber que, as origens do processo de construção das igrejas próprias e sua relação com a estruturação de um poder central são até hoje um ponto de intenso debate no meio de historiadores medievalistas, pois representam em grande parte um aspecto da teoria de formação das estruturas sociais durante a Primeira Idade Média. Portanto, é possível observarmos uma impressionante variedade de teorias acerca deste assunto, dependente do ponto de partida de cada autor. Desta forma, cabe nos localizarmos em consonância com as idéias de Torres López, matizadas com as teorias de Díaz Martínez, Frighetto, Bastos e Stutz. Compreendemos que o estudo acerca destes templos particulares nos interessa na medida em que representam a forma como esta sociedade se estrutura politicamente em torno de características de um poder feudal. Logo, em nossa concepção, só podemos compreender as igrejas próprias quando abandonamos a tentativa de o delimitarmos como uma herança de uma raiz cultural específica, elas são aspectos representativos da fusão entre as tradições germânica, romana e cristã, fusão esta que demarca o início da Idade Média.

23

BASTOS, Mário Jorge da Motta. Op. Cit. 2011. p. 3

35

4 ANÁLISE DOCUMENTAL

Como já foi destacado, as atas dos concílios III e IV de Toledo possuem uma forte conotação política além de seu aspecto teológico, pois são documentos que desempenham um papel essencial no processo de centralização e legitimação das instituições monáquica e eclesiástica. Este é o principal motivo pelo qual reconhecemos a importância da análise deste material ao tentarmos compreender as igrejas próprias e sua relação com o momento em que estão inseridas. Procuramos com a leitura deste corpus documental apresentar a prática de construção de templos como um fenômeno fundamental para a criação e sustentação da autoridade real, hipótese que destoa de grande parte dos trabalhos realizados sobre o assunto.1 Para facilitar o processo de análise utilizaremos dois eixos temáticos, que serão os fios condutores de nossa argumentação, baseando-nos em indícios que podem ser percebidos ao estudarmos estas atas: um está associado ao esforço normatizador voltado para a regulação dos membros do clero, e; o outro está ligado à relação de dependência que se estabelece entre o clero e os fundadores de igrejas. Como já mencionamos na introdução, Leila Rodrigues da Silva nos chama atenção para a importância da estruturação da autoridade episcopal em dois níveis, interno e externo,2 neste momento vamos nos focar mais no primeiro. Sobre isto podemos nos remeter a Bourdieu em gênese e estrutura do campo religioso, quando ele demonstra que as religiões, em especial as urbanas, ao passarem por um processo de racionalização, associado à estruturação de uma divisão entre trabalho intelectual e manual, percebemos também a criação de aspectos diferenciadores entre sacerdotes e leigos. Neste sentido, a organização de uma normatização interna tem como fundamento a institucionalização da religião e a criação de uma classe social de detentores dos bens simbólicos de salvação que, em particular nas sociedades em que a religião configura-se

1

Colocamo-nos, então, em consonância com as visões de Santiago Castellanos e Iñaki Martín Viso (2005) e Luís Fontes (2009). Cf. nota 4 da página 27 deste trabalho 2

SILVA, Leila Rodrigues da. Op. Cit.

36 um

aspecto

de

reconhecimento

identitário,

definem

um

processo

de

aceitação/marginalização.3 Voltando o foco ao reino visigodo, devemos notar que o enraizamento da instituição eclesiástica como detentora dos meios de produção simbólica não está de forma alguma descolada das relações políticas e sociais do período. Queremos dizer com isto que, devido à importância que a posse de terras e homens possui na sociedade visigótica, é inconcebível observarmos a estruturação de um poder que não tenha como um de seus pilares fundamentais o patrimônio. Portanto, o acúmulo de propriedades é um ponto essencial para percebermos a participação política do episcopado. Neste sentido faz-se necessário chamar atenção para o cânone IX do concílio de 589,4 que se refere à perda do direito de autoridade patrimonial de todos os bispos arianos sobre suas igrejas, que passariam para as dioceses niceístas da qual se encontravam sob jurisdição. Percebemos aqui um processo bífido de diminuição do poder do cristianismo ariano, bem como crescimento da religião real. Além disto, visando o crescimento institucional percebemos a presença de disposições que pretendem cercear ações pessoais que poderiam enfraquecer o domínio fundiário eclesiástico. Ou seja, a relação patrimonial entre os bispos e a propriedade das igrejas é continuamente combatida, pois ela representava a possibilidade de diminuição do poder local do episcopado em poucas gerações, o que acarretaria em uma contínua perda da estrutura institucional, que era um aspecto importante de reafirmação da autoridade clerical sobre as outras camadas sociais. Neste sentido, os cânones III, 5 da ata conciliar de 589, e XXXIII,

6

de 633, possuem uma restrição muito similar em

relação aos bispos, para que não subtraiam os bens das igrejas e mosteiros que se encontram sob sua jurisdição.

3

BOURDIEU, Pierre. Gênese e estrutura do Campo Religioso. In: __ A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 30 “Que las iglesias de los arrianos pertenecerán a los obispos católicos, em cuyas diócesis se hallan.” VIVES, José (ed.). Op. Cit. p. 127. 4

“Este santo concilio no autoriza a ningúm obispo a enajenar las cosas de la iglesia(...)”. Idem, Ibidem. p. 125. 5

“Que el obispo no tome nada de los bienes de las iglesias, fuera de la tercera parte de las ofrendas.” VIVES, José. Idem, Ibidem. p. 204 6

37 Mário Jorge da Motta Bastos defende em seus trabalhos a existência de uma rede relacional entre senhores laicos e senhores eclesiásticos, mais pautada no pertencimento de ambos à camada nobiliárquica do que no binômio clérigos/leigos.7 Tendo isto como uma referência compreendemos que os bispos, além de membros do episcopado são senhores de terra e também possuem uma concepção patrimonial acerca da propriedade. Portanto, a relação entre a diocese e suas igrejas se assemelha ao vínculo que a alta camada laica possui com as igrejas próprias, uma relação de dominação no sentido mais amplo desta palavra. Cabe ressaltarmos também um outro aspecto que facilita esse processo de construção de formas de proteção do patrimônio eclesiástico é a existência de verdadeiras dinastias episcopais.8 Famílias que detêm o cargo de prelado por sucessivas gerações e fortalecem o caráter dominial de seu poder por meio das posses que estão sob sua jurisdição bispal. Maria Teresa de Juan aponta que a contínua passagem de posses das igrejas entre membros de uma mesma família torna praticamente impossível a separação entre os bens dos bispos e da instituição, a autora defende que este seria um dos principais motivos da existência de uma confusão patrimonial.9 No entanto, podemos perceber também que estas famílias têm grande interesse em manter a qualidade inalienável das suas posses, desta forma poderíamos nos questionar se esta “confusão” causa uma diminuição das terras das igrejas ou um aumento delas, já que, como apontamos no capítulo anterior, a construção e dotação de templos servia como uma forma de se burlar a fiscalidade e a ação expropriatória da monarquia.10 Ainda nos referindo à relação patrimonial dos bispos para com suas igrejas, gostaria de chamar atenção para o cânone IV da ata de 589, 11 que se refere à possibilidade dos epíscopos de transformarem uma de suas igrejas em mosteiro. Como pudemos perceber no capítulo anterior, o monacato visigótico era marcado por sua autonomia frente à diocese, então poderíamos considerar algumas possibilidades para o

7

BASTOS, Mário Jorge da Motta. Op. Cit., 2002.

8

FUENTES HINOJO, Pablo. Sucesión dinástica y legitimidad episcopal em La Mérida Visigoda. En La España Medieval. Compludo, v. 35, p. 11-33, 2012. 9

TERESA DE JUAN, María. Op. Cit. p. 179-180

10

GARCÍA MORENO, Luís A. Op. Cit., 1999. p. 53-54

“Que le sea permitido al obispo convertir em monastério uma de las iglesias de la diócesis”. VIVES, José. Op. Cit., p. 126 11

38 significado desta disposição, como por exemplo, uma medida restritiva para limitar o número de igrejas convertidas em monastérios, ou, pelo contrário, até um sinal de incentivo a esta ação. Porém, algo que devemos notar é a existência de membros das altas camadas eclesiásticas que têm interesse, seja por devoção ou não, em afastar templos do poder administrativo da diocese. Apesar de ser questionável o quão real é a autonomia concedida por estes prelados aos mosteiros, seja qual for o motivo de sua ação, a principal pergunta que devemos fazer é: não seria isto um exemplo de igreja própria? Para o caso específico da problematização pela qual optamos, isto seria de fato uma igreja própria, pois como é garantido ao monacato certa autonomia à normatividade da hierarquia episcopal, a relação estabelecida entre o bispo e um monastério fundado por ele não é regulada pelas instâncias superiores do clero. Desta forma, percebemos um afastamento do poder central e a estruturação de um laço de dependência pessoal. Iniciemos nossa investigação acerca do segundo eixo temático, a relação entre os setores laico e clerical da camada nobiliárquica, ressaltando a presença de dois cânones, XV e XXXVIII, que se encontram no III e no IV concílios respectivamente. O primeiro se refere à permissão de construção e dotação de templos apenas com a confirmação por parte do bispo como representante do poder real,12 o segundo aos deveres das igrejas de ajudarem aos fundadores de templo, caso eles fiquem pobres.13 Devemos notar que não há em nenhum momento nestes concílios uma proibição em relação à fundação de templos por membros da aristocracia laica, por outro lado, há uma espécie de incentivo para a edificação destas, contanto que tenha a bênção da instituição eclesiástica. Percebemos, então, que a ação clerical está associada a um esforço de regulação mais do que de extinção desta iniciativa. Podemos denotar também que, no cânone XXXVIII, a disposição conciliar deixa claro que os membros da aristocracia detém direito hereditário sobre os templos fundados ou dotados por seus

“Si alguno de los siervos fiscales construyere acaso alguna iglesia y quisiera enriquecerla de su pobreza, procure el obispo con sus ruegos que sea confirmado lo hecho por la autoridad real”. VIVES, José. Op. Cit., p. 129. 12

“De la ayuda que se ha de prestar a los fundadores de las iglesias y a sus hijos. Los sacerdotes deben dar a los pobres lo necesario para la vida, y sobre todo a aquellos para los cuales ejercítase una restitución”. VIVES, José. Op. Cit., p. 205. 13

39 parentes, algo que reforça nosso argumento sobre a característica feudal da relação dos nobres com as igrejas construídas por eles. Cabe destacarmos sobre o tema outro ponto fundamental: segundo alguns autores as igrejas próprias são em grande parte responsáveis pela disseminação do cristianismo nas áreas rurais distantes dos centros urbanos onde atuavam os principais membros da elite eclesiástica.14 Portanto, era interessante, até certo ponto, para o episcopado a contínua construção de locais de culto, pois garantia por um lado a expansão das estruturas simbólicas que reforçava a autoridade clerical, por outro o crescimento das propriedades que poderiam ser consideradas patrimônio eclesiástico. Além disto, no que concerne o apoio aos fundadores laicos devemos nos remeter a Renan Frighetto quando ele demonstra que o reconhecimento dos bens simbólicos cristãos é aspecto fundamental para a inserção nas redes de interdependência das altas camadas.15 Podemos considerar que fazer parte desta rede de auxílio da igreja é um dos vários aspectos de reconhecimento e pertencimento ao sistema simbólico instituído. Desta forma, a construção de igrejas serviria como um meio de estreitar os laços com membros do episcopado. Os séculos VI e VII foram marcados, no reino visigodo de Toledo, por um processo de estruturação de um poder político que impõe sua primazia por grande porção da Península Ibérica. Esta centralização é realizada fundamentalmente por meio da aliança entre a monarquia, os diversos setores da nobreza laica e a instituição eclesiástica, esta união é solidificada com a realização dos concílios toledanos III e IV, momento em que ocorre a conversão do rei ao cristianismo niceno. Neste sentido devemos observar as igrejas próprias inseridas neste processo de unificação em torno de um poder centralizado não como um aspecto de fragmentação política, mas como uma prática relativa ao sistema proto-feudal que rege os visigodos e suas instituições. No entanto, cabe pautar a presença de uma tentativa de regulação da fundação de templos por parte de laicos, reforçando o caráter normatizador do episcopado e sua hegemonia sobre a propriedade de locais de culto. Podemos nos remeter a Pierre Bourdieu quando ele defende que o referencial simbólico, ideologia 14

FONTES. Op. Cit. p. 286

“(...)a afirmação da condição cristã por parte de um grande proprietário seria condição sine qua non de sua aproximação aos elementos da alta nobreza(...)” FRIGHETTO, Renan. Op. Cit., 1999. p. 365 15

40 legitimada e predominante, é duplamente determinada,16 portanto este esforço de limitação é um aspecto de afirmação de poder político. Ou seja, a instituição eclesiástica sustenta e é sustentada pela camada nobiliárquica em geral, visando simultaneamente atender interesses específicos do setor clerical, apresentando-se como única detentora do meio de construção ideológica. Portanto, ao conservar o poder de consagrar edifícios, um bem simbólico exclusivo, ela mantém posição igual ou superior em relação aos outros setores da nobreza.

16

BOURDIEU, Pierre. Op. Cit, 1989, p. 13

41

5 CONCLUSÃO

Como já explicitei anteriormente, o referencial teórico de minha pesquisa está alinhado às idéias de Pierre Bourdieu, especialmente aos conceitos de sistema simbólico, que está adequado ao modo como observo a ascensão do cristianismo como ideologia predominante, e; ideologia duplamente determinada, o qual atende a uma compreensão do discurso eclesiástico, por um lado como legitimador da instituição monárquica e das camadas nobiliares, e por outro como forma do clero se afirmar como produtor ideológico fundamental à estruturação da sociedade, garantindo sua posição na camada social superior. No entanto, é preciso notar como este processo está diretamente associado à estrutura sócio-política que rege este reino e que apresenta diversas características feudais, segundo as teorias de Alain Guerreau. Portanto, é preciso termos em mente que a sociedade, em especial a alta camada, garante a posição dos senhores de terra, devido ao seu poder de dominum, seu direito de autoridade sobre homens e terras. Além disto, a ecclesia, mais do que uma construção cultural que tem como objetivo a dominação simbólica, reproduz esta estrutura dominial pois é também um agente ativo dela, a instituição eclesiástica é ela, também, proprietária de terras e pessoas. Os séculos VI e VII na Península Ibérica representam um momento altamente conturbado no sentido político, pois percebemos desenvolver-se aí o processo de formação de um poder que pretende abranger a todo o reino visigodo. No entanto, tendo em vista que a afirmação da autoridade se transcorre em nível local, baseado em um aspecto dominial de posse de terra e homens, fica claro a impossibilidade de uma imposição fundamentada apenas utilizando a força bélica. Cabe lembrarmos que o exército real é constituído por representantes da aristocracia, na medida em que eles declaram seu apoio ao rei.1 Portanto, a soberania de uma monarquia só poderia ser atingida caso uma parcela representativa da nobreza se colocasse ao lado do rei. Notamos então uma constante instabilidade no âmbito da afirmação do poder político, pois a manutenção da posição do monarca dependia da contínua relação de troca que ele estabelecia com os senhores locais. Podemos observar aqui a presença de um instável equilíbrio, já que, enquanto a realeza retira sua força das alianças formadas,

1

CASTELLANOS, Santiago; MARTÍN VISO, Iñaki. Op. Cit. p. 18

42 estes nobres também estabelecem um domínio que é reforçado por meio dos vínculos com o rei. Em muitos casos, é difícil definir qual das partes está exercendo um esforço de dominação sobre a outra, já que estamos lidando com uma relação construída na base da interdependência. Portanto, neste cenário a conversão de Recaredo no III Concílio de Toledo tornase um marco fundamental por dois principais motivos: em primeiro lugar, ela permite o estreitamento dos laços com as elites hispanorromanas, bem como facilita-se a aproximação com a camada eclesiástica propriamente dita. É preciso ter em mente que para este setor da sociedade o cristianismo niceno desempenha um papel fundamental na construção identitária, pois é uma ideologia hegemônica pela qual perpassa o reconhecimento de participação na estrutura simbólica que faz parte desta cultura. Isto nos leva ao segundo ponto que gostaríamos de expressar, o episcopado tinha, em grande parte se firmado como uma presença política nas várias regiões da península, pois a figura do bispo vinha, desde finais do século IV, representando um centro agregador de poder nas diferentes localidades. Além disto, a instituição eclesiástica, no momento de chegada dos visigodos, já vinha se colocando como uma organização administrativa que era herdeira e substituta do Império Romano, por meio do estabelecimento de dioceses com autoridade jurisdicional sobre as igrejas rurais. Por ser uma instituição que possui um caráter multiregional com uma estrutura burocrática que permite a articulação sobre as localidades específicas, o clero adquire a função de representar o poder central nas várias regiões da Península Ibérica. A partir do apoio real, os niceístas tornam-se a única fórmula religiosa aceita pela aristocracia visigoda, e portanto, são eles os únicos detentores da produção ideológica. Desta forma, o cristianismo foi elevado à condição de um sistema simbólico, meio de compreender e agir sobre a realidade, iniciando um processo dúplice de normatização da sociedade, reconhecendo a religião sob um aspecto que é tanto político quanto teológico, e da organização hierárquica do clero, que tem no rigor institucional um ponto de diferenciação dos outros membros da aristocracia fundiária. A aliança com a monarquia significou, também, para o episcopado a garantia de seu poderio patrimonial, algo essencial para que fosse possível a imposição ideológica dos bispos. Isto porque a propriedade representava para estes homens uma condição fundamental para a participação nas redes de interdependência.

43 No que se refere à discussão bibliográfica sobre o tema de nossa pesquisa, pretendemos observar uma extensa gama de historiadores que propuseram suas visões sobre o assunto, focando principalmente na tentativa destes autores em localizar a origem desta prática. Cabe ressaltar que o que pretendemos demonstrar ao trazer à tona a discussão do aspecto que resultou no nascimento destas igrejas, tem como ponto fundamental a apreensão das várias perspectivas acerca do tema e não uma real resolução da questão das origens das igrejas próprias, pois é nossa opinião que a construção de templos por senhores laicos não era reconhecido efetivamente como um problema para os homens da Primeira Idade Média. Ou seja, a problemática de nosso objeto só se torna aparente em função da delimitação que nós, historiadores dos séculos XX e XI, colocamos sobre ele. Dito isto, percebemos a presença de duas principais correntes historiográficas em debate. A primeira está mais associada a uma História das Instituições mais tradicionalista, seus principais representantes são José Ramón Bidagor e José Orlandis. Apesar de produzirem em períodos diferentes um do outro, Ramón Bidagor publicou suas principais teorias em 1933 enquanto Orlandis escreve suas principais obras entre as décadas de 1960 e 1980, ambos autores defendem o caráter institucional da Igreja e seus membros no reino visigodo. Portanto, podemos observar que eles apresentam as igrejas próprias como um desvio de conduta perpetrado por alguns indivíduos laicos, visando o lucro pessoal. José Orlandis aponta também a possibilidade de que, com a evangelização dos campos, os trabalhadores rurais demonstraram a necessidade da construção de igrejas para exercerem sua fé. Os nobres construtores de templos seriam, então, “oportunistas” que exploravam verdadeiros cristãos. A segunda corrente historiográfica está associada a uma visão mais contemporânea de História, mais preocupada em problematizar as fontes, buscando, por meio do questionamento, analisar as relações e tensões presentes na sociedade visigótica. Nomeamos como os principais estudiosos do tema vinculados a essa vertente, Ulrich Stutz, Manuel Torres López e Pablo de la Cruz Diaz Martínez. Estes autores, apesar de apresentarem uma série de divergências sobre o assunto, têm em comum o pressuposto de que, a construção dos templos em questão está associada às transformações sociais ocorridas na Europa com a desagregação do Império Romano.

44 Ou seja, as igrejas próprias não são atípicas na sociedade visigótica, pelo contrário, elas estão em consonância com um cenário mais amplo de formação da Europa Medieval e seus componentes característicos, germanismo, romanismo e cristianismo. Devo ressaltar que, dentre os autores, os principais referenciais bibliográficos para a pesquisa são as proposições de Stutz, Torres López, Díaz Martínez, Bastos e Frighetto. Tendo em vista este aspecto de estruturação social que define o período em que focamos nossas indagações, selecionamos como corpus documental os Concílios III e IV de Toledo, devido à relação de ambos com a construção política que ocorria na Península Ibérica. O discurso eclesiástico destas atas conciliares é fundamental no processo de organização de um sistema de normas que possui influência ao longo da existência subsequente do reino visigodo. As análises propostas neste trabalho focaram-se sobre dois eixos temáticos principais: as relações patrimoniais do clero com os bens das igrejas, e; os vínculos que se formam entre o episcopado e os membros da nobreza que construíam templos. No entanto, ao analisarmos mais profundamente percebemos que os dois eixos escolhidos são representativos de um mesmo problema, o processo de feudalização pelo qual passa a instituição eclesiástica e a sociedade visigótica. Neste sentido, acredito que a inserção do episcopado nas redes de interdependência eram fortemente apoiada nos concílios, mas somente enquanto estas alianças políticas entre clérigos e laicos não desmantelavam a soberania da instituição eclesiástica. Para que isto fosse possível, tornava-se necessário impedir que os bispos subtraíssem bens das igrejas e dificultar a ascensão de nobres leigos a altos cargos do clero, além de diminuir a influência do poder secular sobre o religioso. Percebemos, então, uma tentativa de impossibilitar a autoridade senhorial sobre a institucionalidade do episcopado, na medida em que as atas conciliares apresentam medidas restritivas à construção de templos por nobres. No entanto, podemos observar em diversos casos um apoio a doadores e edificadores de locais de culto e manutenção de seus direitos patrimoniais como proprietários destas estruturas. Devemos, então, observar as igrejas próprias inseridas no processo de unificação em torno de um poder centralizado não como um aspecto de fragmentação política, mas como uma prática relativa ao sistema proto-feudal que rege os visigodos e suas instituições.

45 No entanto, cabe pautar a presença de uma tentativa de regulação da fundação de templos por parte de laicos, reforçando o caráter normatizador do episcopado e sua hegemonia sobre a propriedade de locais de culto. Assim, a instituição eclesiástica sustenta sua condição de única gestora do meio de construção ideológica, ao se impor como detentora dos bens de salvação reconhecidos socialmente. Portanto, ao conservar o poder de consagrar edifícios, um bem simbólico exclusivo, ela mantém posição igual ou superior em relação aos outros setores nobreza, por representar-se como um grupo especializado.

46

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