As imagens proibidas - A censura ao cinema português

June 3, 2017 | Autor: Leonor Areal | Categoria: Film Censorship, Cinema Studies, Portuguese Cinema
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Censura Nunca Mais! é uma produção coletiva realizada no contexto do trabalho Censura ao cinema e ao teatro antes, durante e depois do 25 de abril, projeto de investigação subsidiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. É simultaneamente o primeiro livro da nova coleção Media e Jornalismo, fruto de uma parceria entre a Alêtheia Kditoros e o Centro de Investigação Media e Jornalismo/CIMJ.

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O estudo centrou-se nos fundos arquivísticos da Torre do Tombo sobre as entidades que tutelaram a Inspeção-Geral dos T.speltu ulos (Secreta­ riado da Propaganda Nacional/Secretariado Nacional de Inlbrmação), em especial as «Actas das reuniões da Comissão dr ( Vnsura ao Teatro e ao Cinema» e dos «Processos da Censura ao Teatro c ao Cinema», nos diversos quadros legais que sucessivamente foram definindo, do ponto de vista jurídico, os objetivos, os meios e os procedimentos dos censores, Além destes, outros recursos possibilitaram compreender os meandros dos processos censórios, nomeadamente o estudo do funcionamento e dos critérios do Fundo do Cinema Nacional (criado em I(M>K), e também o recurso aos arquivos da Cinemateca Portuguesa M u s e u do Cinema e Arquivo Nacional das Imagens em Movimento (AN1M).



As abordagens centradas nos estudos brasileiros sobre censura e li­ berdade de expressão mostram como as ditaduras se parecem entre si e como, nas democracias, se verifica uma deslocação do eixo do debate sobre a censura do aparelho do Estado para o campo das comunicações.

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Este trabalho permite, sem dúvida, considerar que a censura teve efei­ tos que aqui são apresentados através de estudos de ( aso e, finalmente, remete para uma grande conclusão: a censura destruiu a diversidade cultural pela repressão, face à afirmação da criatividade e da diferença, e pela imposição de modelos únicos de pensamento c de expressão. . Ina ( 'abrera

CENSURA NUNCA MAIS! ISBN:

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APRESENTAÇÃO

T í t u l o : Censura N u nca M a is

© 2 0 1 3 , An a C a b r c r a ( C o o r d e n a ç ã o ) T o d o s os d i r e i t o s de p u b l i c a ç ã o em P o r t u g a l r e s e r v a d o s p or : ALÊTHEIA EDITORES E s c r i t ó r i o na Rua d o S é c u l o , n. ° 13 1200-433 L isboa, Portugal Tc 1.: ( + 3 51) 21 0 9 3 97 4 8 / 4 9 , F ax : ( + 3 51) 21 0 9 6 48 26 E-mai l: a l c t h ei a@ a lc t hc ia .p t www.alctheia.pt

F o t o g r a f i a s de c a p a : 1.* - Ma n u e l F a r i a de A l m e i d a 2. * - h t t p : / / t c a t r o m a t i c a t e . b l o g s p o t . p t ( P e ç a « A C a s a de B e r n a r d a Al b a » ) Rcv i s ào : An a Ma t e u s Capa: Hugo Neves Paginação: R o s a Q u i t e rio Impr es são c acabamento: V á r z e a da R a i n h a I m p r e s s o r e s , Ó b i d o s w w w. va r z e a d a r a i n h a . p t ISBN: 978-989-622-543-8 D e p ó s i t o Legal: 3 5 9 0 4 1 / 1 3 Ma i o de 2 0 1 3

CIMJ

Este livro inscreve-se no contexto do projeto de inves­ tigação Censura e mecanismos de controlo da informação no Tea­ tro e no Cinema. Antes, durante e após o Estado Novo (PTD C / /C C I-C O M /1 17978/2010), financiado pela Fundação para a Ciência e a Técnologia. A questão central deste projeto é pesquisar e estudar as várias facetas e a evolução dos processos e dos mecanis­ mos de controlo criados pela ditadura militar e pelo Esta­ do Novo, especialmente no que diz respeito à censura ao cinema e ao teatro. Pretendemos ainda compreender como estes processos foram naturalizados ao ponto de influírem nos procedimentos e formas de pensamento no tempo das democracias. Agora, já não sob a forma de censura explícita, mas como critérios ideológicos para a ação ou modus operandi que, de forma inconsciente, emergem na produção artísti­ ca. Por isso, este trabalho abrange um tempo longo, entre 1926 a finais dos anos 1970. Esta investigação é realizada por uma equipa de trabalho que reúne nove investigadores de diversas áreas científicas e articula investigadores séniores com outros que estão em diferentes níveis de formação.

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A S I M A G E N S P R O I B I D A S 96 - A C E N S U R A AO C I N E M A PORTUGUÊS

L e o n o r Areal Doutorada em Ciências da Comunicação / Cinema (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas —Universidade Nova de Lisboa, 2009) Professora-adjunta convidada na Escola Superior de Artes e Design de Caídas da Rainha (Instituto Politécnico de Leiria) Investigadora do Centro de Investigação Media c Jornalismo

96 E ste artigo recolhe e reorganiza textos dispersos antes publicados na obra de Leonor Areal, Cinema Português - Um país imaginado, Vol. I, Lisboa: Edições 70,2011. O texto foi corrigido pela nova/ortográfica ao contrário da opção da j(juAA^rw autora. '

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113

Os

ANOS DE C H U M BO

As décadas de 1950 e 1960, décadas de fechamento e de fortalecimento do regime ditatorial português, apro­ fundaram um clima de retração na cultura portuguesa que se sentiu fortemente no cinema (mais do que nas outras artes) por ser uma forma de expressão condicionada a verbas mais altas e coagida por várias limitações, entre as quais a severidade especial da censura, mas também a censura do rentável/vendável imposta pelos empresários do espetáculo. Neste clima de abafamento, o cinema espelha as cir­ cunstâncias que a sociedade impunha, tanto por meio da censura oficial como pela censura social, nas suas diver­ sas facetas: política^, moralista^ ou de gosto. Assim, o cinema português do período da ditadura constitui um retrato de época não apenas pelo que mostra adentro dos filmes, mas também por tudo o que omite e assim —como uma imagem em negativo —revela acerca do clima de censura existente, que partia do poder polí­ tico e acabava na crítica de filmes, passando pelo cri­ vo dos produtores e pela autocensura de realizadores e argumentistas.

A censura ao cinema A tesoura da censura era mais severa na imprensa perió­ dica, mas também o teatro e o cinema, por se considerar que teriam impacto sobre um público mais vasto, eram vistos como efectivo meio de educação popular, o que os tornava potencialmente mais perigosos enquanto meios de comunicação de massas. A censura mais leve era a dos livros,

onde não havia censura prévia97, mas, depois de publica­ dos, poderiam ser apreendidos e a penalização recaía sobre as tipografias. Todavia, gozavam de maior tolerância do que os espetáculos e a imprensa. Não fosse assim e nem teria sido possível um movimento literário neo-realista, principal campo de resistência ideológica ao regime. Ao contrário dos escritores ou dos artistas plásticos, o realizador tinha de submeter os seus projetos e capaci­ dades artísticas a vários juízes: primeiro, ao critério dos empresários; em segundo lugar eventual, ao critério do Fundo do Cinema Nacional que (desde 1948) financia­ va parcialmente os projetos apoiados98; e por último, à Comissão de Censura. Os argumentos e planificações eram enviados à Comis­ são de Censura dos Espectáculos que aprovava ou não a produção de um filme; mas, por vezes, a Comissão, aler­ tada por alguma denúncia ou mexerico, podia suspender as filmagens99*. Depois de concluídos, os filmes passavam de novo obrigatoriamente pela Comissão de Censura, que podia ordenar cortes ou proibir a sua exibição. O surgimento do Fundo do Cinema Nacional, com a cria­ ção do apoio estatal ao cinema, em vez de estimular a produ­

ção, veio paradoxalmente gerar uma dependência do cinema em relação ao poder político, o que fez degradar ainda mais as produções independentes. A escassez de empréstimos e subsídios estatais afectou também drasticamente o cinema nacional que, não possuindo nem indústriaynem mercado dinâmicos, só podia depender de critérios comerciais. Pode então dizer-se que o cinema português não pôde exprimir-se, desenvolver-se, existir mesmo; e não apenas por causa da ditadura da censura, mas também por res­ trições económicas que comprometeram a possibilidade de surgimento dos filmes ou limitaram aqueles mesmos que se fizeram numa lógica de investimento e mercado. Portanto, só duas estratégias eram bem sucedidas: a sub­ missão a um ou a outro critério, de público ou ideológico. Mas uma outra forma de censura era ainda mais forte: a autocensura gerada sob a ameaça de rejeição posterior, inibindo os autores e produtores de se atreverem a envere­ dar por assuntos ou cenas considerados menos aceitáveis. Assim, o cinema português cresceu sempre anquilosado, autorreprimido, recalcado; poucos ousaram desafiar a moral dominante —o politicamente correto da época.

97 Azevedo, Cândido de, M utiladas e Proibidas —Para a história da censura li­ terária em Portugal nos tempos do Estado Nono. Lisboa: Caminho, 1997. 98 O Fundo do Cinema Nacional é criado em 1948 pela lei n.° 2027 de 18 de fevereiro, que define o regime de proteção ao cinema nacional, depois re­ gulamentada pelos decretos-lei n.° 37369 e n.° 37370 de 11 de abril de 1969; o Fundo era gerido pelo Conselho do Cinema, presidido pelo secretário nacional da Informação, Cultura Popular c Turismo (SN ICPT), tendo uma composição corporativa. O Fundo apoiava os filmes em duas modalidades: empréstimo (a reembolsar) ou subsídio (a fundo perdido), alguns filmes beneficiando de am­ bos os apoios. (Fausto Cruchinho, «O Conselho do Cinema. N otas sobre o seu funcionamento (1962-1971)», Torgal (cd.), O Cinema Sob o Olhar de Salagar. Lisboa: Temas c Debates, 2001: 339) 99 O caso, por exemplo, do filme Camões—O Trinca-Fortes, realizado por Lei­ tão de Barros, cuja rodagem a Com issão mandou suspender em 1945 e, depois de vistas as filmagens, deu autorização para continuação dos trabalhos.

A Co mi ssã o de Censura Nesta época, em todos os países da Europa havia cen­ sura de filmes, porém, não tão apertada como a nossa. Nos EUA, o código Hays entrara em período de ensaio em 1930 e depois em vigor em 19341IM I. Em Portugal, a primeira lei de censura ao cinema vinha já de 1925im, embora a primeira 100J. Maarek, Philippe, L a Censure Cinématograpbique. Paris: Litec, 1982: 30. 101A lei n°. 1748, de 16 de fevereiro de 1925, já «proíbe a exibição de filmes contra a moral» e o decreto n.° 11459, de 20 de fevereiro de 1926, «regulamen­ ta a lei sobre filmes contrários à moral». O primeiro decreto sobre censura ao

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Comissão de Censura dos Espectáculos tenha sido constituída apenas em 1945102. Então, no pós-guerra, a letra da lei torna-se menos específica, enquanto os critérios se tornam mais apertados e severos para evitar a entrada de ideias que pusessem em causa o regime. A censura ao cinema —como todas as outras —passa a obeceder à lei-geral, sob coorde­ nação direta de Salazar e exprime-se sobretudo através de ofícios e circulares internas aos serviços oficiais103. A lei criada em 1948 por António Ferro para proteger os filmes «representativos do espírito português» —«obras que traduzissem «a psicologia, os costumes, as tradições, a histó­ ria, a alma colectiva do povo» ou se inspirassem nos grandes temas da vida e da cultura universais»104—destinava-se, em princípio, a apoiar um cinema de maior qualidade. Mas não foi o que se verificou após a sua saída do SNI (Secretaria­ do Nacional de Informação) cm 1950. Na verdade, a cria­ ção do Fundo do Cinema Nacional, gerido pelo Conselho do Cinema105, veio a apoiar sobretudo filmes medíocres ou

de submissão às balizas ideológicas do regime, tendo dura­ do até 1971, quando foi criada uma nova lei do cinema106. O Fundo tinha duas modalidades de financiamento: os empréstimos (que eram posteriormente reeembolsados através dos proventos de exploração comercial) e os subsídios (a fundo perdido)107. Porém, o Fundo este­ ve praticamente congelado de 1952 a 1957108, fator que tornou a realização de filmes ainda mais dependente dos critérios de exploração comercial e teve como resultado a escassíssima produção —cujo ponto zero é o ano crídco de 1955, em que nenhum filme português foi produzido. Importa deixar claro que podemos verificar a existência de uma relação estreita, articulada e intencional, entre as directivas «políticas» de prescrição dos filmes e as condições de produção que possibilitam desenvolver uma certa cinematografia em detrimento de outra109* — ou seja, uma forma inversa de censura que procura construir um imaginário social orientado a partir dos filmes autorizados.

cinema que se conhece, após a instauração do Estado N ovo em 1926, é o de­ creto n.° 13564, de 6 de maio de 1927, que enumerava as representações proi­ bidas: «Art.° 133.°- É rigorosamente interdita a exibição de fitas perniciosas para a educação do povo, de incitamento ao crime, atentatórias da moral c do regime político e social vigorantes e designadamente as que apresentarem cenas que contenham: maus tratos a mulheres, torturas a homens e animais; perso­ nagens nuas; bailes lascivos; operações cirúrgicas; execuções capitais; casas de prostituição; assassínios; roubo com arrombamento ou violação de domicílio, em que pelos pormenores apresentados, se possa avaliar dos meios emprega­ dos para cometer tal delito; a glorificação do crime por meio de letreiros ou efeitos fotográficos». Só em 1945 é instituída uma Com issão de Censura, pelo decreto-lei n.° 34560, de 11 de março. E m 1952 cria-se a primeira tabela de classificação etária, reformulada depois cm 1957. [Lauro António (1978), Ci­ nema e Censura em Portugal. Lisboa: Museu República e Resistência, 2001: 17-19| 102 Decreto-lei n.° 41051, de 1 de Abril de 1957 (Antóhio, 2001: 20). 103 Cf. Azevedo, 1997. 104 Art.° 11.° da lei n.° 2027, de 18 de fevereiro de 1948, que institui o Fundo do Cinema Nacional (António Ferro, Teatro e Cinema. Lisboa: SNI, 1950:115-121). 105 O Conselho do Cinema integrava-se n j SN I (Secretariando N acional de Inform ação, Cultura Popular e Turismo), pertencente à Direcção-Geral

de Espectáculos. j SN I veio substituir, em 1944, o anterior SP N (Secreta­ riado de Propaganda Nacional); em 1968 passou a designar-se S E IT (Secre­ taria de E stado da Inform ação e Turismo) (Cruchinho, 2001: 339-340). 106 A chamada «Lei do Cinema Nacional» ou lei n.° 7 /7 1 , publicada a 7 de dezembro de 1971, de que decorre o decreto-lei n.° 286/73, chamado «Regulamento da Actividade Cinematográfica», publicado a 5 de junho de 1973, criou o Instituto Português de Cinema (IPC), que só a partir de 1974 passou a apoiar produções cinematográficas integralmente. 107 Mas como, na verdade, esse apoio cobria uma percentagem pequena do custo de um filme, este continuava dependente de financiamentos exte­ riores relevantes. 108 Entre os anos 1952 e 1957 não foram atribuídos quaisquer apoios a «filmes de grande metragem», segundo consta de relatório consultado no acervo do antigo Secretariado Nacional da Inform ação, Cultura Popular e Turismo, existente na Torre do Tombo. 109 C om o também assinala Jo ã o Mário Grilo: «O que leva à escolha de um filme, ao favorecimento de um projecto, é exactamente o m esm o que leva ao esquecimento e à impossibilidade (e à improbabilidade) de muitos outros. Um íilme está sempre no lugar de outro.» (Grilo, 1997: 17-20).

Corpus de análise A consulta, no Arquivo Nacional da Torre do Tom­ bo, das Actas da Comissão de Censura aos Espectáculo s"° permite perceber como funcionava esta comissão e quais os seus critérios expressos. Os relatórios de censura, por outro lado, através dos comentários feitos, revelam intransigências que vão bastante além daquilo que a lei previa, baseando-se também em convicções pessoais dos censores. Além disso, os cortes eram por vezes negocia­ dos com o distribuidor mas deste processo quase não se conhecem registos escritos"1. Não sendo possível aceder a todos os relatórios, nem recuperar o percurso informal de cada filme, a análise adicional dos cortes executados sobre obras concluídas —cotejadas com os respetivos guiões — permite-nos descobrir as lacunas e avaliar os limites aceites da liberdade de expressão, deixando-nos entrever, nessa proibição, o universo elidido. Como já foi dito, os filmes portugueses eram sujeitos a censura prévia ainda na forma de argumento planificado, que a censura aprovava ou corrigia, dando autorização para a sua produção. N o entanto, verifiquei que este pro­ cedimento era, por vezes, mais formal do que rigoroso, pois vários são os filmes que veem o guião aprovado qua­ se concomitantemente com a sua estreia. Podemos supor que a leitura e a aprovação dos guiões prévios pela censura fosse até feita com alguma displicên­ cia ou ligeireza, visto que a palavra definitiva seria sem­ pre dada sobre o filme acabado. Como testemunha Mota 110 Atualmcnte já disponíveis Online a partir de http://digitarq.dgarq.gov. pt/details?id=4323540. 111 O documentário Alguns Cortes, realizado por Manuel M ozos em 1996, para a Cinemateca Portuguesa, colige e organiza inúmeros pedaços de fita cortados pela censura, revelando os seus critérios multiformes.

da Costa112, embora se refira a casos pontuais de censura relativa a filmes estrangeiros, a maior parte dos cortes era ordenada oralmente e não restavam provas escritas de que cortes eram aplicados ou de quem ou por que motivo. A partir de 1957, com a mudança de legislação e a alte­ ração da Comissão de Censura dos Espectáculos (CCE) para Comissão de Exame e Classificação dos Espectáculos (CECE), aparentemente deixa de haver censura prévia dos argumentos para os filmes portugueses, que se submetem a censura final apenas depois de concluídos113. Talvez a própria Comissão tenha considerado^ desnecessária a caução prévia dos argumentos, pois a única censura eficaz seria aquela que se exercia sobre as imagens e as palavras filmadas; caberia assim ao produtor e ao realizador a prudência e a autocensura para não perderem dinheiro nem a valia artística do seu trabalho, e o ónus dos riscos que decidissem correr. Talvez o censor não estivesse muito preocupado em ler as entrelinhas do texto literário e em fazer o complicado exercício de imaginação que é ler uma planificação cinema­ tográfica em pormenor e imaginar a sua tradução visual114*. 112 Mota da C osta tomou uma série de notas pessoais sobre as aberrações da censura, pois, trabalhando numa distribuidora, e dessa form a relacionando-se diretamente com os censores, acabou por ter contacto com o sistema e as suas práticas. As notas coligidas por Mota da Costa denunciam uma total arbitrariedade no uso do veto censório. Mas a sua análise não está organi­ zada nem descreve uma estrutura, apenas conta episódios, «subsídios», diz ele, para um estudo que está por fazer (da Costa, Mota, «Subsídios para a história da censura cinematográfica em Portugal no tem po de Salazar», obra datiloscrita depositada na biblioteca da Cinemateca, s.d.: 33). 113 Lauro António (2001: 30) afirma que, ao contrário do teatro ou da imprensa, não havia censura prévia no cinema: «não se tornava necessário enviar à censura o argumento ou planificação que estariam na base de futu­ ros filmes, o que quer dizer que teoricamente qualquer filme podia ser roda­ do em Portugal», afirmação que será válida para o período mais recente. 114Talvez mesmo, e segundo relatam outras obras dedicadas à censura, porque os censores não eram intelectuais e não tinham grande apetência para a leitura aprofundada.

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Creio que dariam sobretudo atenção aos diálogos, tal como faziam, os mesmos censores, com a leitura prévia de todas as peças de teatro a levar à cena. Os critérios da censura eram abrangentes e variaram ao longo das décadas, até 1974, conforme as conveniências políticas. Por exemplo: Filmes pacifistas passaram a ser proibidos a partir de 1961. Com o País emguerra, o paáfismo era inaceitá­ vel. E diversas obras de índole abertamente belicista eram aprovadaspara públicos relativamentejovens, comoprepa­ raçãopara aguerr.a."5 Além dos aspetos sociopolíticos, era uma censura essencialmente moralista acerca do modelo de família, dos comportamentos condenáveis (adultério, etc.), da religião, de representações sensuais do corpo, entre outros. N o período de relativa abertura da chamada «primavera marcelista» (1969), embora alguma expressão da sexualidade fosse já tolerada, não era permitida qualquer alusão polí­ tica, à guerra ou ao regime. Mas logo em 1970 a censura volta a apertar a bitola, mostrando-se feroz e mesquinha tanto sobre os filmes estrangeiros como nacionais: Em 9 de Dezembro de 1970, uma exposição da União de Grémios de Espectáculos assinada pelo Eng.° José Gil era entregue a Marcelo Caetano. Um texto «angustiante», que dava contadeumainversão demarcha nos critériosdecensura: em 157filmes censurados edestinados aosprimeiros meses da temporada 1970/71, foram proibidos 34 (21,6%), tendo 76 (49,7%) sido sujeitos a mutilações! 116

7]

115Ibidenr. 57. "''António, 2001: 49

Entre 1970 e 1974, são conhecidas sete longas-metragens portuguesas proibidas11718*.

Autocensura e conformismo A censura cortava todos os pequenos atrevimentos, o que naturalmente alimentava a precaução timorata dos realizadores e os remeda a um conformismo que —nos critérios coetâneos como nos de hoje - os confina a uma mediocridade menos do que aceitável e clamorosa; e basta compará-lo com o cinema espanhol, também subjugado a uma ditadura férrea e sujeito a censura forte, mas com uma produção muito mais vasta1'78, onde, portanto, sobra­ vam mais talentos. Exisda portanto uma apertada censura polídea e moral que limitava a representação livre do imaginário ou de ideias pessoais. Por todos estes constrangimentos, o cine­ ma das décadas de 1950 e 1960 é maioritariamente um cinema convencional, moralista e veiculador da ideolo­ gia oficial, que predomina. Mas não considero que seja um cinema de propaganda (tirando algumas exceções). E sobretudo um cinema de refugo, o que sobra do pou­ co que se oferecia e se permida fazer. A ameaça da censura estatal naturalmente gerava um abafamento social das ideias: a opressão era interioriza­ 117 Nem Amantes Nem Amigos, Nojo aos Cães, Grande Grande E ra a Cidade, Deixem-me ao Menos Subirás Palmeiras..., índia, Sofia e a Educação Sexual, O Mal-Amado. 118O s números de longas-metragens produzidas em E spanha na década de 1950, são: 43 filmes anuais em média, sendo 27 apoiados pelo Estado, a que acresce ainda um número médio de 13 co-produções, que, na década de 1960, aumentou para uma média de 58 anuais, tendo as produções nacionais passado para uma média anual de 63. (Lera, J. M. Caparrós, História del Cinc Espano/. Madrid: T & B E d., 2007: 295).

da e a autocensura existia a todos os níveis de expressão, por parte de escritores, realizadores e produtores. E certo que este clima de restrição teve peso, mas não terá sido a única causa da incipiência do cinema nacional. O cinema estava anquilosado por outros fatores além da censura, nomeadamente pelas condições de produção. A fraca qualidade do cinema português da década de 1950 não deriva somente do clima de censura social ou oficial. Mesmo quando há filmes realizados a partir de argumentos interessantes e capazes de suscitar um desenvolvimento rico de temas e referências sociais —por exemplo, Planí­ cie Heroica (Perdigão Queiroga, 1953) ou Um Dia de \/ida (Augusto Fraga, 1962) —nota-se que a precaução dos rea­ lizadores tolhe a expressão de uma visão mais indepen­ dente, pessoal ou próxima das liberdades que a literatura —em que se inspiravam —permitia sugerir. Assim, as estratégias de evitamento da censura são reveladoras do que não se podia dizer ou mostrar. A exis­ tência da censura tornava-se o mecanismo de criação que alimentava tanto os filmes conformistas como os de resis­ tência. Podemos até supor que a pobreza geral do cinema da década de 1950 resulta, em grande parte, da mediania dos realizadores e menos do papel castrador da censu­ ra "9. Mais facilmente ainda poderemos atribuir a pouca qualidade cinematográfica à bitola baixa imposta pelos produtores de cinema, arriscando o seu capital apenas em produtos destinados a um público de teatro de revista — donde a predominância de filmes musicais. A maior parte dos filmes são feitos para um público pouco ilustrado ou analfabeto, feitos talvez com excessivo paternalismo. É a esse público não educado que se con­ siderava que o cinema devia oferecer modelos positivos, 1,9 Areal, 2011: 343.

socialmente construtivos e moralmente corretos —como os que perpassam muitos filmes. C) cinema era o principal meio de comunicação de massas até ao aparecimento da televisão em 1957, sendo, portanto, encarado como um meio de educação popular. Essa função pedagógica era-lhe reconhecida pela ideologia do regime, mas também por um consenso da crítica. Também a Comissão de Censura patenteia uma ati­ tude paternalista —pelo menos assumida nas atas e nos relatórios - que chegava ao ponto de corrigir as incorre­ ções ortográficas nos guiões; e que, já nos anos de 1970, admitia que certos filmes fossem exibidos para públicos cultivados (cm salas de cinema «estúdio») mas não para as massas (nas salas grandes). De tal modo que os cortes da censura, que atingiam com mais crueldade os filmes «resistentes», afetavam também os filmes «conformistas» de realizadores apaniguados do regime. No seu discurso de 1949, António Ferro (que, em segui­ da abandonaria o SN I por ele dirigido) acusara a neces­ sidade de se fazerem «filmes do quotidiano»120 —género praticamente inexistente no cinema português à epoca. Embora a maior parte das suas recomendações tenha caí­ do em saco roto, mormente porque a política de apoios do Fundo do Cinema Nacional era tímida e apostada em filmes de entretenimento inócuo ou de propaganda nacio­ nalista, a necessidade de algum realismo e de enfrentrar os problemas sociais não deixa de se fazer sentir, sobre­ tudo ao nível da crítica —que seguia e comentava a cine­ matografia estrangeira em que se destacavam os filmes do neorrealismo italiano. É então que surgem vários filmes de intenções sociais descritivas e moralistas, como, por exemplo, Sonhar é Fácil 120 Ferro, António, Teatro e C.inema. Lisboa: SN I, 1950: 66.

e Madragoa (ambos de Perdigão Queiroga, 1951). Também nos realizadores mais comerciais se percebe a procura de um certo realismo, fosse na expressão dos atores, tornada mais naturalista, fosse nos temas procurados. Por exem­ plo, o problema das mães solteiras em Duas Causas (Hen­ rique Campos, 1953) ou Raça (Augusto Traga, 1961), a delinquência masculina e a prosdtuição em O Dinheiro dos Pobres (Artur Semedo, 1956), o desemprego em Um Dia de Vida (Augusto Fraga, 1962), a guerra colonial em 29 Irmãos (Augusto Fraga, 1965) e outros. Mas estes filmes traduzem também uma crescente censura social, refletida através da sanção positiva e negativa do comportamento das personagens.

Cinema de resistência N o panorama de unanimismo e conformismo do cine­ ma da década de 1950, destaca-se em contracorrente a figura de Manuel Guimarães, nosso único realizador neorrealista121 —papel que assumiu isolado contra o regime, numa longa resistência na defesa de um cinema de arte e de consciência social. Esta resistência apenas encontrava eco na literatura neorrealista contemporânea, principal basdão de resistência cultural contra a ideologia do Esta­ do Novo, desde os inícios de 1940 e até meados de 1960. Guimarães foi o mais sacrificado de todos realizadores, aquele a quem a censura mais cortou os filmes —Saltim­ bancos (1951), Nazaré (1952) e Vidas sem Rumo (1952-56), foram todos mutilados pela censura e ainda vídmas da incompreensão da crítica perante as suas consequentes fragilidades.

121 Areal, 2011: 293.

N os anos 1950, Manuel Guimarães foi o único pradcante de um cinema de resistência. Foi ele cjuem se atre­ veu a empreender a realização de filmes de fundo quase sem apoios financeiros122. Assim, a sua obra afirma-se perante dificuldades concretas —a penúria financeira e os cortes da censura —num contexto onde está fora de pos­ sibilidade a expressão autêndea de uma visão antagonista da sociedade. Aliás, está sempre cautelosamente omissa dos seus filmes qualquer relação com a oposição política (clandesdna) ao regime ditatorial. Como a combatividade não podia ser declarada, logo, não podia existir; onde não é possível combater, resta a resistência. O neorrealismo de Manuel Guimarães procura combater essa limitação escolhendo temas de marginalidade social: os saltimbancos, os pescadores, os esdvadores e contra­ bandistas de Lisboa, os malteses e serrazinos do Alentejo. Apesar de usar protagonistas encarnados por estrelas de cartaz (como obrigam os preceitos comerciais), Guima­ rães contrói sempre personagens coledvas - traço autoral que o insere nitidamente num ideário neorrealista. E há outra caracterísdca que o distingue de todos os cineastas dos anos de 1950: o desfecho trágico a que sucumbem os seus protagonistas, exprimindo essencialmente a desespe­ rança e uma ausência de saídas. Além desse fatalismo tout court, que faz rematar as histórias por mortes inevitáveis, outra forma de exprimir a inexprimível revolta é a demis­ são de qualquer moralismo, sem o que a vida nos aparece pintada como constatação de facto.

122 Saltimbancos (1951) foi produzido graças à cooperação graciosa entre todos os atores e técnicos, e filmado com grande escassez de película e o em­ penhamento pessoal de bens do realizador e de outros, escassez que será a ra­ zão para a imperfeição técnica que a crítica, na altura, considerou severamente. Também N azaré (1952) e Vidas sem Ritmo (1953-1956) foram produções inde­ pendentes.

O cinema de resistência que Manuel Guimarães foi capaz de empreender nos anos de 1950 —continuado ainda com O Crime da Aldeia Velha (1964) e O Trigo e oJoio (1965) —só voltaria a ser tentado por outros, enquanto desafio ao poder, já depois da primavera marcelista. Como pergunta João Bénard da Costa: se não podia haver lugar para um imaginário oposto ao do regime, sig­ nificaria isso que só a ideologia oficial se manifestava?123 De facto, não era assim: nos interstícios de uma despon­ tava a outra e vice-versa. Muitos outros filmes —mesmo os mais conformistas — foram vitimados pela tesoura da censura. A literatura neorrealista —à época único escape para a expressão do interdito social e ideológico - foi inspiração para diversos filmes, cobrindo ou satisfazendo as sensi­ bilidades de cineastas de tendências diferentes. Além de Manuel Guimarães e da geração do Novo Cinema124, herdeira dessa cultura literária de resistência, outros autores mais convencionais também aí procuraram um conteúdo social para os seus filmes125*. Note-se que, em cinema, pode ser mais relevante o que se mostra do que o que se diz; e essa compreensão era comum tanto aos censores como aos cineastas, como mostra o exemplo de O Dinheiro dos Pobres (Artur Semedo, 123 «N ote-se (...) que neste cinema não houve, nem podia haver, lugar para o imaginário que ao imaginário do regime se opunha. (...) Se um cine­ ma diferente ou oposto (no sentido da obra livre ou da obra de oposição) era impossível, poder-se-á dessa verificação inferir que as obras realizadas traduzem a ideologia oficial e são, sem excepção, veículos desta?», Bénard da Costa, João, Arte Portuguesa A nos Quarenta, n.° 5, Catálogo do ciclo de cinema, Lisboa: Gulbenkian, 1982: 9. 124 Filmes do novo cinema adaptados de obras literárias neorrealistas: Dom Roberto, Pássaros de A sas Cortadas, Domingo à Tarde, IJm a Abelha na Chuva, A Promessa. 125 Com o, por exemplo, Perdigão Queiroga com Planície Heroica (1953) ou Jo rge Brum do Canto com Retalhos da 1 'ida de um Médico (1962).

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1956), cuja planificação foi aprovada pela censura prévia sob condição: O jilme «O Dinheiro dos Pobres», tal como está pla­ nificado, oferece, no meu entender, grandes dificuldades de realização. Só realizado comgrande dignidadepoderá resultar umf ilme admissível. Sou deparecer que não nos podemos responsabilizar por qualquer opinião prévia, dependendo da dignidade da realização a actuação dos censores aquando da censura do filme. Posso no entanto afirmar, para já, que não resultando um filme sério e equilibrado, será sujeito certamente a cortes substan• • 126 c ia is . A década de 1960 prolonga ainda um estado de imo­ bilismo cultural e social que se reflete na maioria da pro­ dução cinematográfica conformista. Mas surgem outras obras que conseguem fugir às restrições e imposições ide­ ológicas da censura, em particular aquelas que se inserem na corrente do Novo Cinema, que emerge como força de renovação e oposição. De início, é uma oposição ténue: a geração de novos cineastas contorna essas limitações atra­ vés de uma opção esteticizante e fugindo a um confronto direto, que sabiam votado ao insucesso.

Alusão e elipse A censura omnipresente conduzia os autores, na imprensa e na literatura, a uma forma de expressão críp­ tica que dizia nas entrelinhas, ou seja, alusiva e metaforica126 Cópia do ofício enviado em 1 de setembro de 1954 a Artur Semedo, assinado pelo inspetor-chefe O scar de Freitas, encontrado em folha solta no interior da planificação do filme, em exemplar visado pela censura, existente na biblioteca da Cinemateca.

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mente, o que se não podia dizer abertamente —todo um treino, um jogo literário de insinuações que se tornou constitutivo de uma certa forma de pensar. Para evitar a ferocidade da censura, também os realizado­ res no Novo Cinema desenvolveram diversas estratégias de alusão e elipse —que presumiam já a cumplicidade do públi­ co na sua decifração, bem como a suspeição dos censores, por vezes excessiva, outras vezes obnubilada ou distraída. No cinema, a elipse serviu para dizer o não-dito; foi o subterfúgio que a geração de 1960 usou, com o risco de ficar pela «fal­ sa exposição das questões», como escreveu Luís de Pina127. O Novo Cinema diverge essencialmcnte da ótica social do neorrealismo; o coletivo não é representado, apenas o indivíduo desinserido desse coletivo. O social estará pre­ sente metonimicamente, ou na forma de alegoria, mas não enquanto personagem coletiva. N o Novo Cinema, tal como em Manuel Guimarães, a chave moral do filme encontra-se no final, nesse final deixado em suspenso, em aberto. E se Guimarães teve a maior parte dos seus filmes censurados, já os realizadores do Novo Cinema, tendo incorporado a tática da alusão, conseguiram fazer passar uma mensagem subliminar de oposição através da recusa em falar da organização social e política; falavam sobre­ tudo em termos existenciais, de uma opressão latente, de impossibilidades narrativas, de revezes inexprimíveis128. O Novo Cinema encontra escapatórias a este clima de restrição, onde a censura funciona quase como estímulo à invenção129. Não podendo exprimir-se contra o sistema

127 Pina, Luís de, A Aventura do Cinema Português. Lisboa: Vega, 1977: 137. 128M udar de Vida, O Cerco, Uma Abelha na Chuva, O Recado, Perdido por Cem são alguns dos mais crípticos nesse aspeto. 129C om o diz Bazin, «a função de censura é essencial para o sonho com o para o cinema. Ela é-lhe dialecticamente constitutiva» (Bazin, André, Qtt 'est-ce que te cinema? Paris: Cerf, 2002: 251).

político-social —sem ser por ele aniquilado —os cineastas encontram uma fuga para as ideias latentes através da forma. Este cinema torna-se existencial e subjetivado; as suas personagens não estão inseridas num devir histórico que as condiciona —como o neorrealismo queria demonstrar—mas estão já à margem desse mundo que as faz sentir alheadas da sua função social. Colocando-se também à parte do sistema, os realizadores contornam os riscos de fazer crítica social e conseguem evitar a censura implícita e interiorizada. E isso cjue distingue a nova geração: conseguir falar da repressão sem a designar, mas mosttando-a no alheamento das perso­ nagens, nas escolhas de mise en scène e em formas de expres­ são que fogem às codificações classicistas do cinema para procurar outras formas e combinatórias a nível da expressão. O modo alusivo de falar das coisas sem as explicitar é comum a quase todos os filmes do cinema novo, enquan­ to estratégia de expressão - e muitas vezes optando por um ponto de vista subjetivado nas personagens. O caso de O Cerco (António da Cunha Telles, 1969) é exemplar: o que me surpreende neste filme é quão longe vai na des­ crição da ambiguidade, que não se situa tanto ao nível da expressão ou da narrativa, mas que é constitutiva do carác­ ter e das relações sociais retratadas, onde o eufemismo e as meias-palavras são código de comunicação. Assim foi que os realizadores do Novo Cinema —cien­ tes da impossibilidade de vencer a censura no seu terre­ no —souberam adaptar-se-lhe. Por um lado, conseguiram tirar partido dos apoios que o Fundo do Cinema Nacio­ nal concedia para formação em Portugal130e no estrangei130 «E m 1961 é inaugurado o Estúdio Universitário de Cinema Experimen­ tal, da Mocidade Portuguesa, com o apoio do Fundo do Cinema e do Minis­ tério da Educação, presidido por Fernando Garcia e dirigido por António da Cunha Telles, estabelecimento por onde vão passar muitos dos novos cineas­ tas, embrião da nossa futura Escola Superior de Cinema» (Pina, 1987: 142).

ro131. Por outro, relacionaram-se com o poder político132 de forma conivente (não direi cúmplice, pois o espírito era de oposicionismo), de compromisso ou até de oportu­ nismo —sem perder a independência de pensamento, mas sacrificando os seus filmes conscientemente aos limites da expressão consentida que, aos poucos, foram forçando... até ao limiar da interdição. Aeí ( nível estético, os novos cineastas ensaiavam outras formas de pegar na matéria fílmica e de transformá-la, com recurso privilegiado à mise en scene. Fugindo a um confronto direto com os censores — e recalcando a pos­ sibilidade de um cinema de resistência —o novo cinema conseguirá vingar e contornar a mordaça social pelo lado estético, constituindo-se como um cinema de renovação da linguagem, ciente, aliás, da influência da nouvelle vague francesa (e não só). A atitude persistente de reserva e pru­ dência, de autoproteção, era, mais do que uma forma de resistência, uma capacidade de resiliência. Tanto no aspeto político dos filmes, como no comercial (a publicidade inserida nos filmes), desenvolveu-se uma espécie de ideologia suave, uma atitude mansa —dúbia, dúplice, capciosa. Pode dizer-se que os agentes do cinema (e também do teatro) - produtores, realizadores, atores, encenadores, etc. —desenvolveram uma dupla moral que permitia a conciliação de opostos. Aliás, toda a socieda­ de portuguesa ficou marcada por esta duplicidade e pelo 131 D o conjunto dc dezassete realizadores do novo cinema, apenas qua­ tro não foram estudar no estrangeiro. 132 «O chamado «novo cinema» pôde, ainda antes do 25 dc Abril, con­ trolar todos ou quase todos os lugares da instituição «cinema», tendo assim nas mãos o poder de produzir, ensinar e criticar, apesar do seu alinhamento político à esquerda» (Monteiro, Paulo Filipe, Uma margem no centro: a arte e o poder do «novo cinema», Torgal (ed.), 2001: 306. «E m 73, nas vésperas da Re­ volução de Abril, conquistavam o poder. Ainda hoje o mantêm» (Bcnard da Costa, João, Histórias do Cinema. Lisboa: IN C M , 1991: 119).

gosto da ambiguidade que a expressão popular «uma no cravo outra na ferradura» adequadamente define. Portanto discordo de Luís de Pina quando considera «claro» que a censura não prejudica a emergência de gen­ te talentosa133*, o que a realidade claramente nega. Basta pensar em como Manoel de Oliveira esteve três décadas quase remetido ao silêncio e sem poder realizar mais do que curtas-metragens e documentários. E evidente que a censura impediu a manifestação do seu talento. E não foi o único. Só no início dos anos 1970 começam a surgir filmes abertamente contundentes, que são feitos para provocar o sistema e não esperam ser aprovados pela censura —fil­ mes «subversivos» que foram obviamente proibidos. Este atrevimento anunciava já provavelmente a eminência da queda do regime.

2.

ÁS

FICÇÕES CENSURADAS

Produtos de um cerceamento da expressão livre, os fil­ mes desta época podem, ainda assim, ou por isso mesmo, revelar o constrangimento moral e ideológico em que se vivia na época. O cinema, por omissão ou recalcamento, revela igualmente o que tenta esconder —e pode dar azo a outras leituras sobre essa sociedade.

133 «Claro que a censura não impede a form ação de talentos, nem a sua ausência o estimula, mas a verdade é que a criação cinematográfica sofre com a proibição e aprende uma linguagem de alusão, de subentendido, de entreli­ nha, de meia-palavra, ficando sempre pela falsa exposição das questões. Cria também — e entre nós criou —o medo de abordar as questões, ficando-se pelo superficial, pelo documental, pelo convencional» (Pina, 1977: 137).

Não eram censurados apenas os filmes oposicionistas; também alguns filmes conformistas, nos pequenos atre­ vimentos sensíveis, eram sujeitos a cortes, e houve até um filme de Arthur Duarte —a quem poderíamos cha­ mar o realizador do regime - que foi proibido. Encontro com a Morte ou Em Eegítima Defesa (1965) era uma produ­ ção brasileira onde se esboçava uma história de adultério e morte, envolvida em diversas sugestões eróticas que — nos padrões lusitanos —eram muitíssimo audaciosas. Foi liminarmente proibida a sua importação134. A censura era portanto uma espécie de polícia do espí­ rito, uma instância moral severa e autoritária que pelo seu poder inquestionável e arbitrário obrigava a sociedade, vista como irresponsável e subordinada, a andar direita. Se observarmos os filmes sequencial e cronologica­ mente, apercebemo-nos de como certos assuntos, vários indícios e alguns tabus vão aparecendo filme após filme e podemos reconstituir o puzzle das limitações e os sinais das mudanças sociais apenas aludidas.

Saltim ban co s (1951) Arte em sofrimento O primeiro filme de Manuel Guimarães foi saudado pela crítica e pelos escritores neorrealistas na revista Imagem[},s, que lhe dedicou um número especial. Entre críticas e elogios, o tom foi de entusiasmo —com suaves cono-

134 Filme produzido no Brasil e totalmente interdito «pela Censura, que o considerou «moralmente reprovável» (A.D. —testemunho oral)» (Matos-Cruz, Jo sé , O Cais do Olhar—O cinemaportuguês de longa-metragem e a ficção muda. Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1999: 128.) 135 Imagem, n.° 13, janeiro de 1952.

tações oposicionistas: «emancipação», «realidade», «pro­ blemas humanos». A sua mensagem moral é subtilmente diferente, mas não essencialmente antagónica da de outros filmes con­ temporâneos136, exortando ao trabalho para vencer as adversidades da pobreza inevitável. Porém, o sentimento predominante assinala uma ideologia de sinal contrário: os filmes de oposição não têm um final feliz, nem disfar­ çam as adversidade com alegrias, danças e ditos jocosos. Flá uma curiosa homogeneidade ao nível das mensagens explícitas, mas uma diferença abissal na tonalidade e na moral da história. A história termina tragicamente. Com a morte da mãe num acidente acrobádco e a perda da tenda, a companhia acabou e os artistas separam-se então. A voz do narrador fecha a moral do filme, assumindo uma missão de sacrifí­ cio, de sofrimento, de luta que há-de continuar para sem­ pre, uma luta paradoxalmente inelutável137. A função deste narrador é, sobretudo, a de exortar à resistência. N os filmes neorrealistas, a função catártica não está ativada. Não há alívio, não há transferência de angústias, não há finais felizes. A ideologia está implícita na posição da enunciação, não na moral subjacente. Sobre a existência de cortes aplicados pela censura em Saltimbancos, temos apenas a informação dada por Bénard da Costa: «Quase todos os «intelectuais de esquerda» saí­ ram à liça para defender a obra, que se sabia ter sofrido algumas tesouradas da censura»138. 136 Madragoa (Henrique Cam pos, 1951) ou Sonhar é Fácil (Perdigão Queiroga, 1951). 137 «Estávam os de novo unidos, mais duros e mais fortes, capazes de transformar o nosso próprio destino. N ada nos poderia separar. A vida não acabara ainda. Viriam novos dias de lutas, de desilusões e de sofrim entos — mas venceríamos!» 138 Bénard da Costa, João, Histórias do Cinema. Lisboa: IN CM , 1991: 108.

E diz o narrador em desabafo: «Por que é tão difícil viver, quando só temos o nosso trabalho para dar?» —frase que pode ser extrapolada para a atividade artística ou qual­ quer outra profissão mal remunerada, e onde está contida uma alusão crítica e política, discreta, como tinha de ser para o filme passar na censura. O circo, sociedade fechada em si mesma e quase sem contactos com o exterior, pode - nos códigos alusivos propiciados pela falta de liberdade de expressão - repre­ sentar metonimicamente a sociedade mais ampla e um sentimento de impossibilidade e opressão sem solução à vista, interpretação que era, na época, suficientemente clara, ainda que hoje possa parecer ténue.

N a z a ré (1952) Exclusão dos excluídos Logo de seguida, Manuel Guimarães realiza este filme que se integra numa linhagem de filmes situados na Nazaré e em outras praias atlânticas139, mas apresenta uma visão desmistificadora da vida dos pescadores, aqui encarnada em anti-heróis que subvertem a anterior visão mítica do seu sacrifício. Nazaré dá-nos uma visão neorrealista da vida dos pes­ cadores, não tão subtil, porém, que não fosse detetada pela censura oficial e fortemente amputada, resultando daí um filme que, na sua versão autorizada, apresenta fragilidades dc construção, e que só uma leitura do guião planificado, comparado com o filme, permite perceber no conjunto140.

Salientam-se os problemas interiores do protagonis­ ta, António, um pescador que ganha medo ao mar e se embebeda. Sua jovem mulher, Maria da Nazaré, aguen­ ta pacientemente a situação, numa construção dramática com poucos diálogos. A narrativa aparenta, porém, várias lacunas. Centrando-se nas interações familiares e na psi­ cologia do protagonista, inexplicavelmente, é esta cons­ trução psicológica que parece falhar. Ora, conhecendo nós a mestria narrativa de Manuel Guimarães no seu primeiro filme, e sabendo que é seu argumentista Alves Redol, o celebrado romancista que iniciou o movimento do neorrealismo, temos o dever de duvidar da origem dessas lacunas, que presumivelmen­ te serão atribuíveis aos «muitos cortes da censura»141. Da comparação entre o guião planificado do filme142 com a minha memória do visionamento em sala143, percebi então que as lacunas sentidas na construção mais espes­ sa das personagens principais, que me pareceram dema­ siado esquemáticas e sucintas, de facto correspondem ao que está no guião; não foi portanto aí, na relação do casal protagonista, que o filme foi diminuído. Verifiquei que as cenas cortadas são essencialmente aquelas em que têm protagonismo o gago escorraçado, os bêbedos e os miúdos ladrões de peixe, ou seja, aqueles cujo comportamento «marginal» terá suscitado a reprova­ ção posterior da censura, visto que não o fez na aprova­ ção prévia, nem levantou qualquer objeção. Essas cenas de conteúdo social amplificariam o filme e dar-lhe-iam uma dimensão de fresco social, onde os mais miseráveis 141 M atos-Cruz, 1999.

139Areal, 2011:53. 140 A versão restaurada - a partir dos cortes da censura encontrados e existentes no A N IM - não repõe mais do que breves cortes e fica longe da obra completa escrita na planificação, que, julgo, poderá estar perdida.

142Exem plar «visado pela censura» prévia; aprovado pela Com issão de Censura em 2 de setembro de 1952; existente na biblioteca da Cinemateca. 143Agora que o filme já está editado em D VD , este cotejo poderá ser fei­ to de m odo mais minucioso.

e excluídos encontram representação. Foi, portanto, essa exclusão a posteriori dos excluídos que nos faz sentir que a família protagonista tem pouco desenvolvimento, pou­ ca profundidade, quando afinal se pretendia dar-lhe um peso semelhante aos demais personagens, numa lógica de drama coletivo. Outras cenas foram excluídas da versão finaycenas onde se esboçam levemente situações de conflito, que a censura parece ter querido anular;/cenas onde se referem dificuldades económicas ^ambém-fotam-excktídft^144. Um dos aspetos mais intrigantes destes cortes da censura é terem sido retiradas a maior parte das referências à pes­ ca de longo curso do bacalhau, no guião mostrada como último recurso de sobrevivência dos pescadores, incapa­ zes de viver na incerteza da pesca costeira. Outra divergência importante é o final. Na versão cor­ tada, após o nascimento do filho de António na praia, ao mesmo tempo que o pai morre no mar, o tio ergue o recém-nascido frente ao sol poente, transformando esta conclusão numa espécie de sacrifício do bebé ao futu­ ro selvagem do mar, como seu pai, avô e antepassados, numa espécie de predestinação moralista e épica. Mas, no guião, a seguir a esta cena que se tornou final, havia ainda duas cenas de epílogo. Uma cena onde percebemos que a cunhada de António enlouqueceu com a perda do homem amado. E a derradeira cena, dois anos mais tarde, com o filho de Tonho brincando na areia enquanto as duas irmãs conversam145 e com naturalidade partilham a criança do homem que ambas amavam, partilha talvez estranha para a moral da época, razão suposta para a exclusão destas cenas. Com estas duas cenas, o filme acabaria com uma 144 Ver detalhes em Areal, 2011: 300-305. 145 D iz Estrela: «Ficaste com ele. E o teu sangue.»; ao que a gentil Maria da N azaré responde: « E o teu coração, Estrela. Ele também te pertence.»

recuperação suigeneris do desgosto, uma resignação feita de amor e loucura mansa. Percebemos que a sua mensagem final não era a do sacrifício dos homens desde o nascimento, mas a capaci­ dade de resistir das mulheres. Esse conteúdo expressa-se, na versão conhecida, apenas através de uma montagem eisensteiniana dos gritos das mulheres e dos movimen­ tos coletivos, um remendo provavelmente, pois não apa­ rece na planificação. E se, para a época, esta seria já uma estética um tanto ultrapassada, poderá eventualmente ser lida como uma citação de cariz político, uma referência ao cinema soviético, uma homenagem até146. As omissões permitem-nos reformular, ainda que pre­ cariamente, uma leitura do filme onde os aspetos sociais se tornam mais significativos do que a primeira aborda­ gem, convencional, nos levara a considerar. Compreen­ demos que a versão original desviava a nossa atenção dos protagonistas para uma condição social subjacente que era, sim, a temática central do filme. C) filme, afinal, procurava afastar-se do melodrama simples e dar uma visão mais articulada de todos os atores sociais, os habi­ tantes da vila, dos quais se destacariam com suficiente pertinência —a suficiente para ter sido censurada —aque­ les que as desigualdades sociais e as discriminações já punham de parte. Essa dimensão social do argumento, claramente com­ prometida com uma visão política, é que a censura terá a posteriori elidido, reduzindo o filme a pouco mais do que

146 N o entanto, de Eisenstein apenas se vira em Portugal O Velho e o Novo (1929). T odos os filmes soviéticos estiveram, entre 1936 e 1970, apriori proi­ bidos em Portugal; antes disso alguns foram apresentados, mas o Couraçado Potemkin e Outubro de Eisenstein foram proibidos (Bénard da Costa, João, «A Censura ao Cinema em Portugal», Lim iti delia rappmentatione (I): censura, visibile, modi di rappresentatçiom m l cinema, 2000: 457).

uma história familiar que não se desenvolve por si, por não ser essa a história principal147. De acordo com o argumen­ to lido, a presença das estrelas de cartaz não seria mais do que o convencional chamariz e caução comercial de um filme cujo foco estava mais dirigido aos atores espontâ­ neos: as crianças e os vadios da praia. A hipótese de o filme não ter sido filmado na totalidade (de ter havido alterações na rodagem) pode ser considerada improvável, pois a planificação parece escrupulosamente cumprida, além de que a lógica dos cortes não beneficia obviamente o sentido e a coesão do filme. Pelo contrá­ rio, amputa-o de cenas significativas que só uma instância penalizadora se atreveria a cortar. A censura, contudo, não parece agir apenas como uma sanção cirurgicamente corretora dos excessos de expres­ são; pelo contrário, no caso de Guimarães, tratar-se-á pos­ sivelmente de uma perseguição ad hominem, como mostra 147 N ota importante: no documentário Alguns Cortes de, Manuel M ozos, (1996), que faz um recoleção de cortes da censura existentes nos arquivos do AN IM /Cinem ateca, aparecem muitos pequenos cortes, quase cirúrgicos, de N azaré, que, posteriormente, terào sido integrados na versào atualmente m ostrada na Cinemateca, mas que nào coincidem com esta minha hipótese de levantamento e interpretação das cenas omissas. E sses cortes são breves, de alguns segundos, e quase ridículos de tão mesquinhos: um barco saindo ao mar; fragmentos da (suposta) tempestade; os homens debatendo-se na água cm plano aproximado; as mulheres gritando, através das grades, a aber­ tura do portão para a saída do barco de salvamento; o arrais assediando, ape­ nas em diálogo, Maria da N azaré; António vendo-se ao espelho deform ado; António acordando com um pesadelo; António bebendo na taberna; A ntó­ nio passando perto do armazém fechado (?); os miúdos da praia assaltando uma camioneta de peixe; uns bêbedos na praia; uma mulher que atira uma pedra a um cão com endo restos de peixe; Joaninho despindo o casaco ao lado da tabuleta da loja de penhores. Ponho, assim, a hipótese de ter havido dois mom entos na atuação da censura: um primeiro cortando cenas inteiras (cortes que poderão eventualmente ter sido negociados com o realizador, com o acontecia em certos casos, o que explicaria que nào estejam nos arqui­ vos remanescentes da Censura); um segundo, limpando os últimos resíduos eventualmente incómodos.

um ofício enviado em 1953, pelo SNI, ao presidente do Conselho, Salazar: José Manuel da Costa, então responsável máximo pelo organismo, resumia em breves palavras a posição do regime (...): «Nem por divertimento nempor obrigação pude ainda ver ofilme Nazaré’. A realização é intei­ ramente de iniciativa particular e tem raízes naquele grupo de ‘intelectuais da miséria’ ao qual nunca são estranhas intenções políticas e sociais em arte e em literatura,»m

Vidas Sem Rumo ( 19 52- 56) Da bondade dos meliantes O filme seguinte de Guimarães, esboçado já des­ de 1949, começou a ser rodado ainda em 1952 e ficou concluído em 1953. Mas aí começaram os problemas que obrigaram o realizador a cortar 45% do filme, a reescrevê-lo e a refilmar cenas até conseguir concluí­ do em 1956, tendo estreado —com algum sucesso —no Teatro da Trindade, de onde foi «expulso» por razões (talvez) alheias148149. Apesar disso, o filme apresenta grande consistência narrativa. Manuel Guimarães terá conseguido disfarçar ou

148 C om issão do Livro N egro sobre o regime fascista, 1980: 167; in A Política de Informação no Regime Fascista. L isboa: Presidência do Conselho de M inistros, 1980; apud Cunha, Paulo, «N azaré», Caroline O v erh o ff Ferreira (org.), O Cinema Português Visto Através dos seus Filmes. Porto: Cam po das Letras, 2007: 86. 149 Esteve três semanas em cartaz no Teatro da Trindade em Lisboa, de onde teve de sair por a direcção da companhia Teatro d ’Arte de Lisboa ter sido subitamente demitida pelo Fundo do Teatro. E sta companhia tinha a concessão do teatro e era dirigida por Orlando Vitorino e Azinhal Abelho, reconhecidos oposicionistas (vide comunicados publicados na imprensa).

sobreviver a essa grossa amputação150. A introdução de um narrador —que vem subsdtuir o narrador poético da primeira versão e contar a história através de um flashback. que se percebe artificial —denuncia os enxertos operados sobre a versão original filmada e recusada. O que se segue é como um segundo filme, dissonante do tom daquela introdução, uma história dramática, filma­ da em ambientes noturnos de iluminação expressionista, tendo como personagens centrais vagabundos, pedintes e outros marginais que participam deste «drama de vie­ las escuras»151. Vidas Sem Rumo intenta um retrato aprofundado de uma população urbana até então quase ausente do cine­ ma - pela escolha das personagens mais marginais de entre os marginais: vadios, pedintes, estivadores, aleijados, velhos, negros, contrabandistas, prostitutas, varinas, etc... Na escolha de personagens marginais revela-se um parti-pris, um interesse declarado pelo mundo dos miseráveis, os «injustiçados» da vida, poderia dizer-se, com a ressalva de que neste olhar não há qualquer visão justiceira, nem uma acusação implícita à injustiça social. Este grupo social compõe um herói coletivo que não tem sequer relações com outras classes sociais —característica persistente de quase todos os filmes desta época. Manuel Guimarães isola as personagens do resto do mundo e constrói uma espécie de universo fechado, com referentes que não demonstram, ou elidem, qualquer conflito social. Mas esta ausência de hierarquias, ou da representação dos poderes, poderá ser lida como uma forma de afirma­ ção antipoder. O facto é que não agradou a várias censu-

150 Cf. Areal, 2011: 306. 151 C om o foi anunciado na publicidade de imprensa.

ras - da comercial à oficial152, passando pela crítica e pela historiografia153. Apesar de o argumento ter sido aprovado na censura prévia, de facto houve problemas com a censura após a produção. Que cenas poderiam ter assustado a censura? Teria o resultado filmado diferido substancialmente do que estava escrito? Ao ler a planificação original (a que foi visada pela cen­ sura), constatei então as principais diferenças entre esta e a versão final do filme, concluído quatro anos mais tar­ de, em 1956. Nas partes conservadas - a maior parte das cenas, aliás, da história de Alfredo Meia-Lua, o contraban­ dista —encontrei uma grande fidelidade ao guião, apenas com uma exceção evidente: quando Marlene se lamenta de não ter direito a ter ciúmes nem amor, ela caía cho­ rando, simplesmente; na versão filmada, é Alfredo que a empurra e ela, já tombada sobre a cama, recebe dele um beijo na boca, um beijo exposto e carnal, raro no cinema português. Mas não foi, pelos vistos, este tipo de porme­ nor que se tornou empecilho à projeção pública do filme. A partir daí, as diferenças são muitas, mas há algumas que revelam os contrangimentos colocados a posteriori. Por exemplo: na versão escrita, no encontro inicial com a varina, Alfredo, por despeito ou raiva, tirava-lhe o bebé e ia abandoná-lo no barco, sem cjue soubéssemos o que teria acontecido à mulher-mãe; na versão corrigida, o afo­ gamento da mulher por acidente, e a criança deixada nos braços do homem, desculpam o protagonista. Seria cho-

152 Segundo declarações de Manuel Guimarães na revista imagem n.° 17. 151 A observação de I .uís de Pina de que, após os cortes da censura, o fil­ me ficou «irreconhecível», m arcou a sua fama de filme falhado, que, hoje, me parece infundada. E uma obsçrvíição que outros glosaram sem a confron­ tarem com o filme original, (de Pina^Luís/ História do Cinema Português. M em Martins: Europa-Am érica, 1987: 125).

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cante que o protagonista retirasse a criança à mãe para a abandonar nas mãos dos párias? (As cenas com a mulher do bebé foram refilmadas com outra atriz.) Também o justificativo do contrabando estava omisso, aparecendo aqui como pretexto moderado para a sua marginalidade. Outra diferença fundamental do filme em relação ao guião original é que, neste, Meia-Lua fugia dos vagabundos perseguidores e, depois de escapar à ameaça do comboio, trepava por um guindaste acima até que, encurralado, se agarrava a uma corda que se rompia e vinha estatelar-se no chão, onde se via rodeado por todos. Antes, porém, confessava a paternidade e pedia «cuidem da menina, digam-lhe quem fui...» Assim mostrava uma intenção sui­ cida que a versão final —sugerindo um acidente na linha férrea —vem afastar como hipótese direta. Eis como este filme é produto de uma metamorfose em que, por alegada interposição da censura ou de crité­ rios comerciais, o realizador corrige o seu próprio traba­ lho, conseguindo eventualmente dar-lhe outra unidade, coerência e justificação. E uma descoberta surpreendente, mas ficam ainda por averiguar que razões e que cortes lhe aplicaram os censores, neste que se considera ser o filme de ficção mais mutilado pela censura154.

O D in h eiro dos Pobres (1956) Religião ou prostituição A história começa com a notícia de que ardeu o abri­ go de crianças do Padre Manuel das Dores, protagonista do filme. Após uma recolha de fundos por toda a fregue­ 154 A ssim com o Catembe (1964-65), de Faria de Almeida, documentário semificcionado filmado em Angola, cuja metragem também foi reduzida a cerca dc metade e depois proibido.

sia, a caixa do dinheiro é roubada da sacrisda e o padre honestíssimo —em busca do seu irmão delinquente —será tomado por fugitivo e mais tarde julgado. E na barra do tribunal que, em flashback, se desenrola uma história fami­ liar complexa e terrível: a violação da sua noiva pelo seu irmão; o casamento desta com o caseiro para remendar o mal; a viuvez e consequente incapacidade para susten­ tar o filho acolhido no orfanato; o recurso à prostituição como modo de sobrevivência feminina. Não era, apesar de tudo, vulgar num filme da época falar-se por junto de tantos tabus: a vida amorosa de um padre, a prostituição ou a violação a que quase assisá­ mos —vendo a violência do homem e a sugestão dada do violador aproximando-se, num plano subjectivo, assus­ tadoramente sobre a câmara, sequência elipticamente cortada por um plano negro. E se essa ousadia é possí­ vel, será porque este padre representa, impolutamente, a garanda de um comportamento moral, que se opõe e distingue das imoralidades do mundo representadas pelo tratante seu irmão, personagem completamente negadva, mas considerada como «doente». O padre é a andtese desse mundo corrupto de gente perdida. Porém, enquanto modelo de conduta, não é ele quem repreende os comportamentos dos outros; esses outros aparecem mais como vítimas das circunstâncias do que maldosos em si: a mulher vídma da violação; o violador vítima de uma abstrata doença que o torna des­ peitado e violento, algum trauma radicado numa infância aludida. Há uma benevolência cristã que perdoa os com­ portamentos reprováveis, mostrando-os no horror da sua maldade, como forma de moralização prevendva. Após a cena do tribunal, que iliba o padre, o filme aca­ ba com a imagem de um cruzeiro, glorificação simbóli­ ca e óbvia da religião. Desfeitos os equívocos, fica tudo

esclarecido: fim. Isto é o que vemos na versão censura­ da, pois a censura também cortou a cena final155 —e vale a pena ver porquê. Aquela que seria a última cena, o epílogo da história, apresenta-se em forma de apoteose: há festa no largo da igreja pelo regresso do padre. E dá-se então o milagre: o rapazinho paralídco levanta-se e caminha, a população aplaude e todos entram na igreja para participar na missa. Seria um bom final156, não fosse o destino ambíguo da mãe, que, observando a cena, não se acerca do filho curado, nem entra na igreja, por vergonha, supõe-se, mas para penalização do filho que, ajoelhado diante do altar, vemos chorar, em montagem alternada com a mãe cá fora chorando diante da cadeirinha de rodas agora vazia, e depois afastando-se. Um final de tal forma angustioso, representado pelo afastamento dramático entre a mãe e o filho, só pode ter por modvo a condenação social do seu comportamento moralmente inaceitável. A ostracização da mãe, que ninguém acusa, mas que se assume como autopunição, não podia senão ser demasiado incómoda.

P ássaros de A sas C o rtad as (1963) Luta de classes Este filme de Artur Ramos é um filme naturalista —no sentido político e sociológico que o termo tinha no sécu­ lo X IX —com o intuito de demonstrar uma tese social, definida à partida pela anatomia do comportamento da classe poderosa, instalada nos seus privilégios, mas que, perante uma situação de crise, se tornará fria, imoral, abusadora e criminosa. 155E sta cena final está conservada em bobine à parte na Cinemateca. 156Em bora o milagre pudesse ser considerado talvez herético...

A crítica do filme incide também sobre alicerces sociais que são referentes do cinema anterior e da sua estrutura simbólica e funcional assente nas categorias de origem de classe. Temos, portanto, uma história cujas personagens-dpo parecem semelhantes ao cliché habitual: os senhores versas os criados. Mas aqui, a conhecida diletância dos ricos157 apresenta-nos figuras decadentes e prepotentes, enquanto os serviçais, igualmente reconhecidos pela sua humildade sofrida, mastigam uma revolta surda incapaz de se afirmar. E um filme a que a historiografia tem dado pouco relevo, mas que, visto cinco décadas passadas, é um mar­ co de consciência social, único na forma como critica a classe abastada e o seu exercício do poder sobre as clas­ ses dependentes. A crítica social que faz (mesmo com os cortes da censura) é a mais contundente desse primeiro período de renovação. A narrativa, centrada na protagonista feminina, acompa­ nha o seu ponto de vista e o seu olhar dirigido à linguagem dos gestos que subtilmente revelam a falsidade declarada por palavras. Na caracterização apenas delineada das per­ sonagens está posta uma intenção de distanciação crítica que - sem denunciar nem simpatia^nem antipatia cm rela­ ção a elas - mostra o tédio afetado dos da classe alta. Por exemplo, o olhar para o relógio durante o funeral, plano que a censura mandou cortar, o que para o realizador «pro­ va que a censura era feita por gente que sabia de cinema»: Como contou o realizador: «Enquanto eu, através desses grandes planos e dessas panorâmicas, procurava transmitir essas diferenças de classe, de estatuto social, ou seja, procurava denunciar essas diferenças, a censura agia exactamente ao contrário, cortando todos os diálogos, todas as imagens, mesmo as que não tinham diálogos, 157 C om o em Raça (1961), de Augusto Fraga, por exemplo.

que pudessem salientar o domínio de uma classe sobre outra»™. O gesto, território por excelência do cinema, é aqui desen­ volvido com habilidade, sobretudo por exprimir o que as palavras não poderiam dizer. Mas nem assim esses gestos passaram incólumes ou conseguiram enganar a censura, que cortou o filme cirurgicamente (num total de onze minutos158159). E curioso o subterfúgio encontrado pelo autor para contornar ou ludibriar a censura do filme, que foi repu­ blicar em livro a obra dramatúrgica160 que lhe dera origem (1959) com as adaptações feitas para o filme, incluindo fotografias do mesmo, e assinalar muito discretamente com asterisco os diálogos cjue tinham sido cortados. Como não havia censura prévia de livros, a coisa terá passado. E quais são essas palavras proibidas? Por exemplo, a comparação explícita entre os pombos (mortos a tiro pelo desporto dos patrões) e os cbauffeurs que lhes aturam os «caprichos», na frase que foi suprimida: «Como os pom ­ bos, hã? Você ainda está em rodagem»161. Outro diálogo modificado (após referência a um país da América Central onde houvera uma «grande revolu­ ção» e ao comentário «Esses tipos fazem revoluções para

158 Entrevista de Artur Ram os in Príncipe, César, A Censura de Sa/açar e Marcelo Caetano. Lisboa: Caminho: 1999: 232-3. m «Pássaros de A sas Cortadas (1963, Artur Ramos) estreou com menos onze minutos» (Matos-Cruz, Jo sc de, «Breve Dicionário Tipológico do Ci­ nema», in Luís Reis Torgal (ed.), O Cinema Sob o Olhar de Sata^ar. Lisboa: T e­ mas e D ebates, 2001: 377). 160 Texto de 1958, levado à cena em 1959, pela companhia Teatro N a­ cional Popular, apoiada pelo Fundo do Teatro N acional, com encenação de Francisco Ribeiro (o ator Ribeirinho), no Teatro da Trindade. 161 Pássaros deA sas Cortadas, segundo a peça de Luiz Francisco Rebello, adap­ tação de Artur Ramos e Luiz Francisco Rebello, diálogos de Sttau Monteiro e Alexandre C)’Neill, planificação de Artur Ramos, Lisboa: Prelo, 1963: 16.

matar o tempo») era: «E outros vão matando o tempo sem fazerem revoluções. —Querias uma revolução todos os dias, não? —Contigo não discuto revoluções. —Porque será que vocês, os democratas, nunca querem discutir connosco?» Neste filme, à diferença dos anteriores aqui referidos, o tipo de censura feita é essencialmente política —cortando qualquer referência aos conflitos de classes —e não, curio­ samente, nos aspetos morais e de costumes: o adultério assumido e a conivência no crime de omissão de morte não foram cortados.

Os Verdes Anos (1963) Tabu da prostituição Pela primeira vez —desde Maria Papoila (1937), de Lei­ tão de Barros —Paulo Rocha põe no lugar de protagonis­ tas os serviçais vindos da província. Esta rotação de 180 graus na colocação do ponto de vista é a primeira novidade do filme. Ao pôr em cena esta classe intermédia entre o camponês e o burguês —os invisíveis do cinema, sempre presentes mas secundários —Rocha dá o protagonismo aos que estão no cerne da transformação social. Este filme remete para a mesma sociedade estratificada e hierarquizada que aparece criticamente em Pássaros deA sas Cortadas ou nos filmes conformistas de costumes162 e apre­ senta uma continuidade ao nível das representações. O pon­ to de vista/muda radicalmente em Os Verdes Anos-, a mes­ ma sociedade é olhada apenas pelo lado dos serviçais. Essa mudança de eixo, ainda que não seja politicamente contun162 Encontro com a Vida (Arthur D uarte 1960), Raça (Augusto Fraga, 1961), Retalhos da Vida de um Médico (Jorge Brum tio Canto, 1962).

dente, é muito significativa. É, de certo modo, equivalente, em termos temáticos, à opção de Manuel Guimarães pelas personagens marginais ao poder, posição que Paulo Rocha há-de reiterar no seu segundo filme, Mudar de Vida (1966). Ao nível da formulação estética, será este filme que traz a revolução de uma nova forma de discurso alusivo, feito de lacunas e subentendidos e capaz de ultrapassar as malhas da censura, sem desafiar o poder. Contudo, houve alguns cortes. A certa altura começam os desentendimentos entre os namorados. Júlio sente-se inseguro, afasta-se, embebeda-se, insulta o tio, encon­ tra um inglês com quem conversa sem se entenderem e entram num bordel (cuja porta se fecha para a rua). Paulo Rocha refere o «encontro com as prostitutas que a Censura acabaria por cortar»163mas, na versão restaurada (2007), esta cena não teve qualquer acrescento, podendo supor-se que não foi encontrada164. O realizador explica noutra ocasião: «Cortaram-me pequenas sequências por estupidez. Na cena de Júlio com as prostitutas, havia uma frase que dizia mais ou menos «em Portugal as mulheres são bonitas» e foi cor­ tada. Mas não alteraram o sentido do filme»165.

O Trigo e o Jo io (1965) Paganismo alentejano Em 1965, Manuel Guimarães realiza este hino ao sofri­ mento da população alentejana, que é também uma boa

163 Coelho, Eduardo Prado. Vinte Anos de Cinema Português — 1962-1982. Lisboa, ICLP, 1983: 17. 164 Só o autor ou os seus colaboradores o poderão esclarecer, visto que o relatório dos censores não foi encontrado. 165 Entrevista a N eva Cerantola, U Cinema di Pau/o Rocha. Tese di Laurea, Universita’ degli Studi di Padova, 1999: 234.

descrição da sua estrutura social e laborai, onde se inserem os protagonistas mais marginais, os rendeiros pobres, os malteses, os trabalhadores à jorna e sazonais, os capatazes, os ciganos, os feirantes, assim como o lavrador abastado, o autarca e a guarda republicana. O filme, inserindo-se claramente numa linha estética neorrealista, não procura um confronto com a ideologia estadonovista, a não ser nessa atenção andeonformista por personagens pobres e marginais, nas quais projecta uma humanidade idealista, uma esperança e uma deter­ minação pelo trabalho que parecem quase demagógicas. Por outro lado, a pobreza é mostrada como uma condição endémica de ignorância e dependência de fatores alheios, seja a falta de meios, a falta de braços de trabalho, a mal­ dade de outros homens tão miseráveis quantos estes, a lepra que ninguém sabe tratar, a meteorologia ou a cren­ dice em bruxarias. Tal como nos seus três primeiros filmes da década de 1950, não conseguirá livrar-se dos cortes. A censura não se iludia facilmente e, convencida de que um autor de esquerda teria sempre um outro fito que não a «pura arte», cortava tudo o que parecesse imoral, e neste filme particularmente —incompreensivelmente até — os cen­ sores apuraram-se em cortar o mais possível. Acontece que entre a versão primeira do filme, com 110 minutos, e aquela que se conhece hoje, de 96 minutos, faltam pelo menos 14 minutos cortados pela censura166. O acesso ao processo de censura do filme permitiu-me analisar detalhadamente os cortes feitos e os que, não estando assinalados no relatório da censura, são ine­ xistentes da versão conhecida. Uma boa parte do filme, particularmente as cenas e as frases mais fortes, foi eli166 A versão emitida pela R TP tem apenas 94 minutos.

minada por diversas razões: ora por indicação escrita da Comissão, ora por um ato de voluntarismo manifestado pelo próprio realizador, deveras incompreensível (a não ser porque tenha sofrido alguma pressão), ora sugeridos pela empresa produtora que pede para baixar a classifi­ cação etária de 17 para 12 anos, e depois volta atrás por haver protestos do público, ora ainda pela omissão de outras partes significativas cuja exclusão não está regista­ da por escrito. Todo este processo deixa muitas incógni­ tas por esclarecer, mas uma certeza: a de que o filme que hoje podemos ver é uma versão estropiada que não faz justiça aos seus autores167. Num a primeira fase, a comissão, com excesso de severidade, ordenou dez cortes de que logo após recurso levanta metade. Mantêm-se os cortes na redução na parte mais erótica de uma cena de prostituição, e em hipotéticas e levíssimas alusões político-sociais —onde os censores entreviam alegorias subversivas. O recurso, aliás, defendia-se dizendo que ... nem sempre certas passagens do filme foram inter­ pretadas em conformidade com as intenções do rea­ lizador. Essa inadequada interpretação mais parece resultante de uma prévia desconfiança, que sempre conduz à pesquisa de propósitos que não existem e, 167 Falo em autores porque, no genérico inicial, surpreende o facto de não vir referido o nome de quem fez a adaptação (nem o argumento, ou a sequência ou a planificação, com o Manuel Guimarães costumava assinalar). E ssa om issão esconde obviamente alguém. Pela consulta de um guião (inicial e sem data) existente na biblioteca da Cinemateca, fiquei a saber que a figura omitida foi Orlando Vitorino, dramaturgo, encenador e realizador que não era bem visto pelo regime. Assim , atribuirei provisoriamente a adaptação e sequência deste filme a Orlando Vitorino e Manuel Guimarães em conjun­ to, deduzindo que a planificação fosse do encargo do realizador, com o era habitual. Outro crédito que não aparece atribuído é o dos cantos populares usados: onde foram gravados e por que grupo coral.

seguidamente, ao convencimento de que a obra apre­ ciada os confirmou. Mas o final também foi cortado e o recurso não con­ seguiu repô-lo. Compreende-se que a imagem final —do homem a puxar a charrua - tivesse uma leitura metafó­ rica evidente e a frase de exortação cjue o acompanhava uma também óbvia mensagem de luta política, apesar da argumentação apresentada no recurso: Em final, em suma, que pretende ser e é positivo, pois nele apenas se exalta a solidariedade. Em vadio que renuncia à vadiagempara participar dos sonhos que dig­ nificam a vida. Assim, o final épico ficou reduzido à imagem das enxa­ das ritmicamente cavando a terra em contraluz, imagem que glorifica o esforço humano e saúda a esperança em forma de cliché. Apesar de tudo, o filme consegue deixar uma ine­ quívoca mensagem de resistência num território de sobre­ vivência e miséria extremas, como era o Alentejo, e cujo modo de produção agrícola é aqui descrito, sem, no entanto, expôr qualquer conflito de natureza ou conotação política. Mas muitos outros cortes aconteceram fora daquilo que o relatório e o recurso expõem, o que simplesmen­ te se constata pelo cotejo da lista de diálogos do filme (entregue à Comissão) com a versão final do filme. E estes —para grande espanto nosso —foram a maior parte fei­ tos por vontade do realizador, que os enumera em carta manuscrita dirigida ao inspetor-chefe dos Espetáculos168. As explicações dadas na carta servem as aparências e são obviamente falsas, já cjue os cortes feitos demonstram uma intencionalidade diferente, escondendo provavelmente 168Para a análise detalhada destes cortes, consultar Areal, 2011: 319-323.

uma coação pessoal e a possibilidade concedida de ser o próprio autor a reformular o filme. O que se percebe, nos cortes aqui listados, é a tentativa de limpar do filme as referências mais desenvolvidas em relação ao erotismo de Vieirinha e às bruxarias do Loas, que, embora não fundamentais em relação ao desenvolvi­ mento da intriga, o eram enquanto retrato da segunda per­ sonagem, que assim sai bastante empobrecida, perdendo o seu traço de aldrabão e guardando apenas a bondade sonha­ dora. E, no entanto, os motivos de bruxaria mantêm-se no filme, com grande evidência na cena em que o Vieirinha pede ajuda ao Loas para seduzir uma mulher, ou quando o Loas vai à aldeia e a população troça dele, ou ainda quan­ do consulta o livro de rezas e faz a defumação da burra e da filha, num ritual perfeitamente pagão. Note-se, porém, cjue, nos cortes levantados pela censura, se incluía o corte de duas pequenas frases onde os censores encontrariam vagos sentidos ocultos —«lepra na courela» e «E mesmo preciso dar um jeito a isto tudo» —e partes fun­ damentais do ritual de purificação, em cuja página se pode ler anotações dos censores: «Nada de rezas». Podemos, por isso, supôr que Manuel Guimarães, tentando salvar alguns destes cortes arbitrários, tenha cedido a pressões da censu­ ra e aceitado reduzir a presença das cenas de bruxaria —e outras menos politicamente corretas —em troca da inteireza e pertinência da cena da defumação, sem a qual todo o desfe­ cho do filme —com a mulher matando a burra e os homens retomando o trabalho —seria desvirtuado. O filme ficou efe­ tivamente amputado de algumas das suas cenas mais ricas, cortes que foram impostos não sabemos por que meios informais de pressão e cedências do realizador169. '',9 N ote-se que o filme teve ante-estreia em 25 de agosto de 1965, onde terá sido exibido integralmente, visto ser uma data anterior ao pedido de exame na C E C E .

Outra bizarria ainda maior é o facto de, passado apenas uma semana da estreia, o distribuidor sugerir mais dois cortes no filme, com o objetivo de baixar a idade para que estava classificado (de 17 para 12 anos), pretensão que a Comissão aceita, indicando vários outros pequenos cortes, mas de que a empresa se arrepende após um mês por haver protestos do público pedindo a restituição dos cortes. Voltará a montar a versão primeiramente aprova­ da que é aquela cjue conhecemos. Afinal, contra quem lutava Manuel Guimarães: contra a censura ou contra os distribuidores? Em que momento foi obrigado a vergar-se ou a desistir? Perguntas sem res­ posta. Assinale-se ainda que este não era de todo um fil­ me contundente, como o alega conscientemente o recurso apresentado: «...somos forçados a deduzir que terá havi­ do para o nosso caso um critério de pardeular severidade, quando seria de esperar a compreensão a cjue já nos referi­ mos». A suspeita de que Guimarães foi alvo de especial de ostracização por parte dos censores do regime reforça-se com a declaração, em ata da Comissão, de ser «necessá­ rio tomar providências para que o filme não saia do país».

Dom ingo à Tarde (1965) C ontorn ar a censura Apesar de ser um filme de temática essencialmente psi­ cológica —em que um médico e a sua doente se defron­ tam com o medo da morte —este filme de António de Macedo não escapou aos cortes da censura, como expli­ ca o realizador: Foi submetido à censura obrigatória e depois de muito tempo por lá andarfoi «aprovado» com quatro cortes. Dois abrangiam a sequência do pequeno «filme dentro

dofilme», onde o «emissário das trevas» destrói um cruci­ fixo, outro era a sequência da discoteca onde duas rapa­ rigas dançam uma com a outra, acariciando-se; efinalmente o quarto era umaparte do diálogo entre o «Diabo» e opadre, quase nofinal.™ Entretanto, o filme foi selecionado para o Festival de Veneza: Quando cá se soube a notícia, percebi que o seu efeitofoi assinalável no alto departamento censório. (...) Aprovei­ tei a onda e interpus recurso à censura, mas a resposta nunca mais vinha. O festiva! correu, a oportunidade da estreia passou (...), e a resposta continuava sem vir. Compreendi que os censores hesitavam. Fuifalar com o director-gera/, de quem tudo dependeria em última ins­ tância, ele mostrou-se claramente entalado entre Veneza e Salagar, epor fim, para não me aturar mais, condes­ cendeu em autorizar ofilme, desde que eu, em laborató­ rio, escurecesse os planos ímpios, para que não se perce­ besse que eram duas mulheres que se estavam a beijar enquanto dançavam juntas, na discoteca! Quanto ao diálogo foi intransigente. Não tive outro remédio senão estrear ofilme com esse corte. Fm Veneza ofilmepassou na íntegra,m Curiosamente, o filme integra em si 1jirj pequeno fil­ me «estrangeiro»170172—fantástico e blasfemo —a que assis­ timos, junto com duas personagens médicas. Começa com a profanação de uma igreja por um morto ressus­

170Macedo, António de, Como sefaspa cinema em Portugal —Inconfidências de um ex-praticante. Lisboa: Apenas, 2007: 26-28 171 Ibidem. 172 António de Macedo explicou que, para criar a aparência de filme estran­ geiro, inverteu a banda sonora, tornando-a incompreensível e legendando-a. Também usou película reversível para obter uma imagem muito contrastada.

citado que, após quebrar um crucifixo, sai para o mun­ do vestindo a batina dc padre. O episódio do cinema será retomado mais adiante na narrativa, com uma cena em que o falso padre força os prisioneiros indigentes a olhar o sol de frente até cegarem, para afastarem o mal com a luz. A representação alegórica, sendo suficientemente afas­ tada do real, talvez fosse suficiente para que os censores não antevissem nela outras interpretações (como, por exemplo, a leitura de que a temática da morte refletia a angústia recalcada da sociedade portuguesa em relação à guerra nas colónias173). Ou, talvez, simplesmente, a Comis­ são tenha querido evitar o escândalo de cortar demasiado um filme que fora exibido no estrangeiro.

O Cerco ( 19 69- 70) Sociedade de bufos Este filme de António da Cunha Telles descreve-nos a cultura do não-dito e do silêncio. E ousa falar de denún­ cia, de contrabando, de polícias cúmplices, de violência doméstica, de formas veladas de prostituição, de guerra e de prisão —misturando todas estas referências sociais numa história feminina. A censura social atua como cul­ pada ou como desculpa, tanto faz; pertence a esse cerco que a impede de ser livre. O cerco será também metonimicamente o ambiente social vivido e a opressão existente —que é referida indiretamente através de uma persona­ gem masculina complexa, ex-revolucionário e ex-presidiá173«.. .um suicídio silencioso, (...) próprio daqueles que são obrigados a lidar com a morte no quotidiano, e que não são apenas estes médicos, mas toda a sociedade portuguesa dos anos 60, forçada à guerra (em África) e ao seu silêncio» (Areal, 2011: 470) j

rio reintegrado e contrabandista em boas relações com a polícia, mas que acaba denunciado e morto. Temos assim, sem equívocos, um filme que, parecen­ do apenas falar de negócios ilícitos, antes caracteriza, em conjunto, uma sociedade onde todos se controlam e onde o silêncio e as meias-palavras são código de con­ duta. E sendo claro que isto descreve realmente a socie­ dade policial do Estado Novo, na sua mesquinhez subtil, este é um filme que revela as entranhas de uma sociedade vigiada —e tanto melhor quanto não o mostra com con­ tundência, mas revelando a natureza mesma da denúncia e da clandestinidade inerente a essas relações sociais, tal como a contaminação das relações amorosas pela esfera deste poder clandestino. A precisão desta descrição social e o arrojo das cenas de cama e de violência doméstica deixam-nos até surpre­ endidos com o atrevimento do realizador, sabendo que se sujeitava à censura. Ele próprio o referiu na época e assinalou ter havido apenas dois cortes174. Porém, o rela­ tório da censura mostra que o filme foi objeto de cortes posteriores, num processo que durou cerca de um ano, até que conseguisse estrear175. Todas as referências a uma cultura de clandestinidade passaram, curiosamente, impunes às mãos da censura (que se preocupou mais com as cenas de violência e dc nus). As referências ao contrabando de uísque, à prostituição 174«Toda a gente pensava durante a rodagem que o filme seria proibido e que teria 50 cortes. Houve uma mudança cm Portugal e quando o filme foi à censura, só teve dois cortes, um plano m ostrando um bairro da lata e um corte na cena de amor entre Marta c o fotógrafo de moda», entrevista em Écran 72, n.° 8, set-out. de 1972. 175A censura mandou «reduzir substancialmente a cena de cama», «cortar a ima­ gem dc crianças pobres junto das barracas de madeira», «a imagem em que aparece uma velha vendedora de jornais», entre outros (do relatório dc Censura, de 30 de de­ zembro dc 1969. Os segundos cortes incidiram exatamente nas cenas de violência.

velada, à prisão (presumidamente política) do amigo Vítor Lopes, após a sua participação na guerra de E sp a­ nha (compensada pelo seu discurso de arrependimento e bom senso e pelo comentário do polícia), a denúncia enquanto método de ajuste de contas —e até a colabo­ ração meramente hipotética com o polícia (não sabe­ mos se é da pide ou da judite —o que vai dar no mesmo, claro, visto que, naquela época, qualquer pessoa podia ser um informador) —todas essas referências concretas passaram imunes pelo crivo da censura. Talvez porque se referem a um caso de crime civil —o contrabando — que necessariamente pediria um castigo bem merecido, como, de facto, vem a acontecer: o Lopes será encon­ trado morto no rio Tejo. Por outro lado, podemos supor que os ventos da pri­ mavera marcelista tenham beneficiado o filme, que, no geral, parece mais um filme de costumes do que político; mas é, de facto, um filme sobre a mentalidade reinante de denúncia e de censura, que afinal talvez fosse familiar aos censores e assim impercetível...176

A Prom essa ( 19 72- 74) Bruxaria e religião O filme de António de Macedo adapta a peça hom ó­ nima de Bernardo Santareno e revisita o locus das praias batidas do N orte e a miséria dos pescadores, condi­ cionados entre a faina dura da pesca costeira, a altcr-

176 C) facto de o realizador não ser um perigoso neorrealista e ter até rela­ ções próximas com o Fundo do Cinema Nacional - que financiara o curso de Cinema da Mocidade Portuguesa na Universidade de Lisboa e diversos filmes de que era produtor —poderão ter contribuído para a benevolência da censu­ ra. Mas isto são suposições que merecem ser confirmadas com o próprio...

nativa das campanhas do bacalhau, a guerra em Á fri­ ca e a emigração, factores que levaram quase todos os homens dali e deixaram as mulheres entregues ao temor das forças da natureza personificadas na religião e nas superstições. A promessa central é só uma entre várias que povoam o quotidiano assustado de uma população de pescadores sujeita às tormentas do mar caprichoso e violento. Os ciga­ nos anunciam e distribuem mezinhas e relíquias —sempre na voz sussurrada e sibilante do mago que se insinua como um vento na crendice ingénua do povo fazendo chanta­ gem com os seus sentimentos e temores. Assim, acima do tema social que dá seguimento a outros filmes desta linhagem piscatória, perfila-se um tema central: o da religião enquanto forma de supersti­ ção e de figuração do terror da morte e da violência. As circunstâncias de miséria e ignorância tornam-se pasto da superstição e da religião. A questão religiosa é, aliás, discutida entre o prior da paróquia, jovem e recém-saído do seminário, e o Padre Couto, anterior prior. E que o padre novo rejeitou a esmo­ la dos paroquianos à igreja, por lhe parecer imoral dian­ te das suas dificuldades extremas, gerando a indignação popular. E o padre explica-lhe então que a religião é de facto, um comércio com Deus e fundamenta-o com uma série de parábolas de Cristo todas baseadas em metáfo­ ras do comércio. Parecer-nos-á hoje estranho que um debate destes se pudesse fazer em pleno regime totalitário. Devemos, porém, recordar que o Concílio do Vaticano II (1962-65) era recente e que, no panorama político de então, os pen­ sadores católicos eram um sector mais progressista do que o poder político, e abertos à discussão dos métodos da Igreja (que entre outras inovações, deixara de dizer a

missa em latim), como aliás o recurso apresentado à cen­ sura didaticamente explicava: Porque rasgão há-de temer a Censura que uma igreja ultrapassada, contemporânea de Pio X, procure no Evangelhojustificação para a devoção popular? Alguns padres com quem oAutor discutiu o texto em causa não lhe encontraram nada de reprovável, não se preocupando com ofacto de a Igreja ter s conteúdos, o estudo de caso de alguns destes filmes ajuda-nos a perceber a atu­ ação da censura. Assim, vemos que o tipo de conteúdos julgados impróprios ou censuráveis não passava tanto por 'w Vide Azevedo, 1997.

questões de moral social —modelos familiares ou afins — como passava, sobretudo, por uma restrição de palavras e atos que pudessem ser alusivos de intenções políticas, por muitos pequenos e até insignificantes que pudessem ser. Uma segunda ilação prende-se com o funcionamento do processo de censura, onde percebemos que há uma prolon­ gada negociação entre os fazedores do filme e os censores, com correções e sugestões da iniciativa dos primeiros com vista a satisfazer exigências dos segundos —porém, não expressas e sobretudo informais. E percebe-se ainda que, muitas vezes, a censura se executa vingativamente para além do razoável, como forma de pressão e sanção que já não deve grande coisa a critérios morais ou ideológicos, mas a razões de afirmação e exercício de poder.

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ÍNDICE

Apresentação......................................................................................... 5

Censura e estratégias censurantes na sociedade contemporânea Ana Cabrera........................................................................................ 15

Pesquisa: Opinião pública sobre Censura Maria Cristina Castilho Costa............................................................77

As imagens proibidas Leonor Areal..................................................................................... 113

A Censura depois da censura: o caso dos filmes eróticos e pornográficos (1974-76) Paulo Cunha...................................................................................... 177

Do Minho a Timor Somos todos... pássaros de asas cortadas Maria do Carmo Piçarra.................................................................. 205

Tensões entre Marte e Vénus - reflexões sobre a censura ao amor e à violência nos primeiros anos do governo de Marcello Caetano Ana Bela Morais............................................................................... 257

Saídas de emergência: o teatro impedido e as suas deslocações durante o Estado Novo de Salazar (1933-1974) Graça Dos Santos............................................................................ 311

A censura portuguesa à Companhia Maria Delia Costa: aprovações e reprovações Miriele Abreu.................................................................................... 333

360

361

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