As instituições de suporte da nobreza coimbrã no século XVIII. Atores e dinâmicas institucionais no contexto do poder local

May 27, 2017 | Autor: Ana Isabel Ribeiro | Categoria: Local History, Social Network Analysis (SNA), Elites, LOCAL INSTITUTIONS
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36º Encontro APHES FEP 2016

As instituições de suporte da nobreza coimbrã no século XVIII Atores e dinâmicas institucionais no contexto do poder local Ana Isabel Ribeiro FLUC/CEIS20 [email protected]

As instituições, os atores e as suas escolhas – pressupostos teóricos As instituições, os seus contextos e os seus atores • As organizações estão profundamente inscritas nos ambientes sociais e políticos e, por isso, as práticas organizacionais e as estruturas são um reflexo ou uma resposta às regras, crenças e convenções inerentes a esses ambientes.

• Os atores podem atuar estrategicamente, mas definem os seus objetivos de forma historicamente situada, baseada na interpretação de situações sociais prevalecentes, incluindo valores, normas e configurações de poder preexistentes; • As escolhas dos atores (políticas, sociais) estão influenciadas e/ou limitadas pelas escolhas passadas, pela trajetória percorrida (path dependent).

• As instituições afetam o comportamento de atores sociais, dando significado às interações e providenciando o contexto no qual essas interações têm lugar; • Compreender as instituições é também compreender as interações individuais, as estratégias desenvolvidas, os jogos que se desenrolam nas arenas de ação institucional.

• Contudo, o comportamento dos atores no seio das instituições não é completamente estratégico – existe a limitação imposta pela visão do mundo e da sociedade própria ao indivíduo. Embora reconhecendo que o comportamento humano é racional e orientado para fins, enfatiza-se o facto de os indivíduos recorrerem com frequência a protocolos estabelecidos ou a modelos de comportamento já conhecidos para atingir seus objetivos, nomeadamente em contexto institucional.

• As instituições e os atores constroem-se e transformam-se mutuamente – os atores normalmente aceitam e seguem regras previamente contruídas como um ponto de partida para definir as sua identidades e interesses. No entanto, os mesmos atores podem modificar e/ou inviabilizar essas regras. (Steinmo and Thelen, 1992: 10)

Atores, instituições e escolhas em contexto histórico concreto • As instituições são potenciadoras de prestígio, de consolidação de recursos económicos e importantes instrumentos de formalização de posicionamento na hierarquia social local - possibilidade de ocupar um determinado cargo pressupunha que o indivíduo reunia as necessárias exigências “de qualidade” social. Por sua vez, o exercício de atividade pública, publicitava o seu estatuto perante a comunidade. • As regras e os comportamentos em contexto institucional são desenhadas (e transformam-se) no sentido de limitar o acesso ao exercício de poder.

Instituições e dinâmicas de permanência e mudança a) O caso da vereação de Coimbra

O perfil social das vereações na Época Moderna foi condicionado pela legislação enquadradora dos processos eleitorais: • Alvará de 12 de Novembro de 1611 - elitizou todo o processo de recrutamento municipal ao impor um novo método eleitoral, claramente mais seletivo que o processo de eleição por pelouros prescrito pelas Ordenações Filipinas; • Alvará de 10 de Maio de 1640 e Provisão de 8 de Janeiro de 1670 estipulava a produção de rol de elegíveis no qual devia constar uma cuidadosa recolha de informações sobre os elegíveis. De acordo com este quadro legal, o corregedor, que tutelava todo o processo, escolhia duas ou três pessoas idóneas e reputadas localmente que lhe facultavam informações sobre todos aqueles que “tinham qualidades para poderem servir os cargos da governança”.

• Na escolha de eleitores não estará envolvido todo o “Povo”, mas somente as pessoas que fossem “… naturaes da terra, e dos mais velhos e nobres della, sem raça alguma, e que tenham zelo pelo bem commum, e experiencia do governo da terra…”. • Formado o caderno eleitoral, passava-se, então, para a escolha de eleitores – “... pessoas naturaes da terra, e da governança della, ou houvessem sido seus pais e avós, de idade conveniente, sem raça alguma”. Nesta eleição, deveriam votar os homens nobres da governança para escolher seis eleitores que, atuando em pares, tinham como missão produzir pautas (os pares produziam três pautas, uma para cada ano).

• O processo eleitoral terminava com o envio das pautas ao Desembargo do Paço; • A partir das listas enviadas, este tribunal compunha os elencos governativos anuais que enviava no início do ano às câmaras.

O recrutamento para a governança tornava-se, assim, mais restritivo uma vez que o processo de seleção fundamental recaía nas elites locais que acabavam por arrolar necessariamente os seus pares – gente natural da terra, “honrada e principal”, limpa de sangue e cuja família já estivesse ligada à governança – por imposição da lei, mas também devido à perceção por parte das elites locais de que nas listas de elegíveis deveriam apenas constar aqueles que partilhavam estatuto, riqueza e posicionamento semelhantes aos seus.

A análise de redes na investigação histórica • A exploração de redes sociais apresenta-se como uma proposta metodológica plena de potencialidades na compreensão de decisões estratégicas e de agentes potenciadores de mudança, pois, ao permitir a visualização das interações dos atores num contexto social (ou de poder) específico pode desvendar ao historiador relações, dependências e evoluções que metodologias mais tradicionais teriam dificuldade em detetar.

• os atores são vistos como agentes interdependentes, estabelecendo ligações que canalizam informação, recursos, afeições que afetam a forma como esses atores operacionalizam as suas ações; • O enfoque é colocado na apreensão dos padrões de relacionamento que definem estruturas sociais, políticas e económicas, mas que, obviamente resultam da arquitetura das ligações que os atores vão estabelecendo entre si. • A densidade das ligações, a centralidade e intermediação dos atores, a equivalência estrutural são ferramentas fundamentais na perceção destes padrões, que através de medidas estatísticas formalizadas, podem ser visualizados nos grafos que cartografam o sistema.

üEm Coimbra, o confinamento da vereação à elite fidalga é claramente observável a partir de 1739 (Soares, 2001: 46-49); üA partir de 1739, no caso de Coimbra, o Desembargo do Paço confirmou sucessivamente pautas onde só constavam como vereadores representantes da fidalguia mais tradicional, ou quando o seu recrutamento não era possível, integrando fidalgos oriundos da região centro, mas com ligações familiares à cidade; üO processo de “elitização” das vereações não é um fenómeno exclusivo da cidade de Coimbra, mas uma tendência nacional que se intensifica, especialmente, na segunda metade do século XVIII (Fernandes, 2006: 55).

üAté ao teminus do reinado de D. José I, um grupo coeso de famílias fidalgas, desenvolveu um intenso investimento na manutenção do poder, especialmente do municipal, através do controle dos processos eleitorais, contendo a ascensão da nobreza letrada (lentes, bacharéis, advogados), confinada ao exercício de cargos executivos como o de almotacé, ou procurador geral. üO desempenho do cargo de vereador era considerado, por parte destas figuras fidalgas, como um elemento integrante da sua identidade e poder a ser mantido e passado aos seus descendentes: explica-se, desta forma, a sucessão de gerações de fidalgos da mesma família no cargo muitos eram simultaneamente “chefes” das suas casas.

üA partir do final do século XVIII, mais especificamente dos anos 80, as famílias com uma presença mais antiga no senado passaram a manifestar algum desinteresse em abraçar os cargos municipais, preferindo investir em carreiras militares ou da magistratura. As frequentes escusas solicitadas pelos fidalgos nomeados pelas pautas emanadas do Desembargo do Paço constituem um testemunho deste desinteresse; ü Por outro lado, algumas famílias que tradicionalmente ocupavam lugares na vereação encontram-se em “decadência geracional” - os ramos principais não produzem descendência masculina, registando-se inclusivamente alguns casos em que os chefes de casa se mantêm solteiros.

üEste processo, que culminou na impossibilidade de o Desembargo do Paço substituir os fidalgos escusados por outros fidalgos, abriu caminho à nomeação de um bacharel e homem de negócio da cidade para vereador substituto; üNo ano eleitoral de 1796 ano foram chamados para desempenhar as funções de informantes e constituir o rol de elegíveis- João Henriques Seco, à data vereador da Câmara de Coimbra e Manuel de Sousa Nogueira, que desempenhara o cargo de procurador-geral em 1795.

Pela primeira vez, desde 1739, temos como informantes dois indivíduos não pertencentes à fidalguia - eram cidadãos nobilitados por um longo currículo de serviço no município, mas sempre em cargos executivos ou ligados à fiscalidade.

ü A aplicação de uma medida de centralidade designada por betweenness que mede a importância de posição intermediária ocupada pelos atores de um grafo, ou seja, mede o número de fluxos que desapareceriam se um determinado indivíduo fosse removido da rede confirma a relevância destes atores na rede e na transformação da mesma (Marsden, 1982: 202)

João Henriques Seco – biografia: • Natural do Balteiro, lugar pertencente à freguesia de Santa Maria de Poiares; • Cursou leis e, nas décadas de 70 e 80 do século XVIII, advogou nos auditórios da cidade, exercendo, também, funções de procurador de figuras e instituições locais; • Em 1783, passou a dedicar-se também aos negócios, arrematando, em sociedade com Luís de Sousa Trovão, a renda da comenda de S. Pedro das Alhadas (pertencente a Manuel Bernardo de Melo e Castro, Visconde da Lourinhã); • Cargos da Câmara: em 1786 desempenhou as funções de recebedor e depositário das décimas. Em 1790, foi arrolado para servir como almotacé nos meses de Março e Abril de 1791, acabando por, nesse ano, ser nomeado para as funções de almotacé da limpeza. Em 1793, torna-se lançador das sisas para os cidadãos de maior condição da cidade e o seu nome figura na lista de elegíveis para procurador-geral. Em 1796 torna-se vereador substituto.

Manuel de Sousa Nogueira - biografia • Bacharel e advogado nos auditórios de Coimbra; • Desde 1773, desempenhava cargos ligados à fiscalidade como o de recebedor das sisas para cidadãos de maior condição (1773, 1777, 1786, 1787, 1790 e 1791) ou o de procurador do povo no lançamento das sisas (1782, 1789 e 1790). Em 1783, foi arrolado para procuradorgeral, mas só desempenhou o cargo a partir 1792, mantendo-se em funções até 1794.

• O rol produzido por estes informantes é extenso – 47 nomes (em 1783, os informantes haviam arrolado apenas 11 pessoas) e socialmente muito mais diversificado. Condição Social Fidalgos da Casa Real Lentes/opositores/doutores

Arrolados

16

Percentagem (47=100%)

34,0%

4

8,5%

15

32,0%

Proprietários

4

8,5%

Sem informação

8

17,0%

Bacharéis/advogados

Constituição efetiva das vereações da Câmara de Coimbra (1777-1820)

b) O caso da Misericórdia de Coimbra

ü No período entre 1749/50 e 1798/1799, vamos encontrar uma Misericórdia dominada pela fidalguia, e sobretudo pela fidalguia eclesiástica, especialmente no tocante aos anos em que a escolha do provedor dependeu de eleições - neste período de tempo 94% dos provedores são fidalgos (Lopes, 2002: 202-274); ü Fortes ligações familiares entre muitos dos provedores e os vereadores em exercício –como exemplo, o caso do provedor da Misericórdia e deão da Sé de Coimbra, António Xavier Barreto de Brito e Castro, que exerceu o cargo durante 13 anos ininterruptos, de 1771/1772 a 1783/1784 que era irmão do vereador Francisco Xavier de Brito Barreto e Castro (vereador entre 1777-1780, 1783-1785 e no ano de 1792).

üSegundo Maria Antónia Lopes, a viragem na composição social dos órgãos diretivos da Misericórdia de Coimbra e, nomeadamente, no cargo de Provedor, acontece a partir do ano de 1799, mais especificamente com o ato eleitoral de 2 de Julho desse ano - o provedor e o escrivão eleitos (António Xavier de Brito Barreto e Castro e Inácio Roberto Bettencourt, ambos pertencentes ao cabido da Sé de Coimbra), escusaram-se do exercício dos cargos; üConvocaram-se, então, novas eleições, mas os irmãos não conseguiram chegar a um acordo quando à lista de elegíveis, pairando sobre o processo o rumor de subornos e irregularidades. Perante a incapacidade de eleger os órgãos dirigentes foi escolhido um provedor interino – João Henriques Seco.

üDurante a sua administração, João Henriques Seco conseguiu fazer aprovar uma importante alteração à orgânica da Mesa da Misericórdia, passando de 2ª para 1ª graduação os irmãos lavradores, negociantes e almotacés - as portas estavam abertas a um recrutamento mais diversificado; üAinda no decorrer desse ano fizeram-se novas tentativas para preencher o cargo de Provedor com gente da fidalguia ou da nobreza letrada, contudo as escusas sucederam-se; a 23 de Setembro de 1799, elegeramse João Henriques Seco (provedor) e Teófilo Morato Freire (escrivão).

Efetiva-se, assim, em paralelo com a constituição das vereações, uma mudança de paradigma institucional

Conclusões • O interesse de repensar a análise Histórica a partir de modelos teóricos e enfoques de outras ciências sociais; • As instituições como arenas de ação/reflexo/transformação social; • As potencialidades da análise de redes na deteção de atores protagonistas de transformações que por vezes são conducentes à mudança de paradigmas de funcionamento institucional.

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