As instituições regionais no contexto plurilateral: o Conselho de Cooperação do Golfo e a ameaça Iraniana

August 5, 2017 | Autor: Danillo Alarcon | Categoria: Iran, GCC, Regional institutions
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4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais De 22 a 26 de julho de 2013.

AS INTITUIÇÕES REGIONAIS NO CONTEXTO PLURILATERAL: O Conselho de Cooperação do Golfo e a Ameaça Iraniana

Área Temática: Instituições Internacionais Painel – Trabalho Avulso

Danillo Alarcon Docente na Faculdade Anglo-Americano (Foz do Iguaçu-PR)

Belo Horizonte 2013

Danillo Alarcon

AS INTITUIÇÕES REGIONAIS NO CONTEXTO PLURILATERAL: O Conselho de Cooperação do Golfo e a Ameaça Iraniana

Trabalhosubmetido e apresentado no 4º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais – ABRI.

Belo Horizonte 2013

RESUMO

O que se propõe neste trabalho é uma análise da ação do CCG e sua resposta ante a ameaça iraniana, representada nas questões acima enumeradas, em especial em relação à ideia do crescente xiita que levou inclusive à intervenção do CCG no Bahrain, em 2011, para impedir a continuidade das revoltas da população – majoritariamente xiita – contra a família real, sunita. Partimos desse artigo da prerrogativa que as instituições internacionais, quaisquer que sejam o seu escopo de atuação, surgem como instrumentos apropriados de cooperação que tendem a crescer em impacto e precisão de suas ações.

Palavras chave: CCG; cooperação regional; Irã; ameaças.

As Instituições Regionais no Contexto Plurilateral: o Conselho de Cooperação do Golfo e a ameaça iraniana Em uma ordem internacional em que as ameaças de segurança não estão mais evidentemente concentradas nas preocupações de uma única superpotência e os rumos da economia global são titubeantes, os arranjos internacionais regionais têm tido proeminência para influenciar a agenda dos países sobre estas questões, bem como sido os depositários de temores, propostas e desafios a serem lidados em conjunto. As Organizações Internacionais são atores relativamente recentes na história do sistema internacional. A primeira organização com caráter realmente universal foi a Liga das Nações, instituída pelo Tratado de Versalhes, em 1919, mas tentativas de arranjos regionais já haviam sido esboçados nas Américas. Após a II Guerra Mundial, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), com objetivos semelhantes aos da Liga – manutenção da paz e promoção do desenvolvimento – mas com escopo maior, e contando com a participação de um número cada vez maior de países. Há, a partir da criação da ONU, em 1945, e respaldado por esta, uma decisiva onda de estabelecimento de instituições internacionais regionais, tais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização da União Africana (OUA, posteriormente substituída pela União África – UA), entre outras, que têm por objetivo focar nos problemas comuns de segurança, economia e desenvolvimento específicos de cada região. Atualmente, mesmo diante da crise econômica iniciada em 2008, a União Europeia não perde destaque, bem como ganharam evidência as iniciativas do sul, como o Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da União de Nações Sulamericanas (UNASUL), a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, e o próprio Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), objeto de estudo desse trabalho. Criado nos anos 1980, o CCG congrega as monarquias da Península Arábica – Emirados Árabes Unidos (EAU), Arábia Saudita, Bahrain, Sultanato de Omã, Qatar e Kuwait – como importante instituição de cooperação regional. Tem relevância fundamental para o cenário internacional do século XXI, pois, o seu maior país, a Arábia Saudita é pátria tanto do orquestrador quanto dos terroristas que levaram a cabo os atentados de onze de setembro de 2001, quanto um dos bastiões do Islã conservador. Além do mais, a região concentra tanto poder financeiro, em centros como Abu Dhabi, Dubai (nos Emirados Árabes Unidos) e Doha (Qatar), quanto detém reservas petrolíferas consideráveis. Uma das preocupações iminentes do CCG é com

a segurança de seus membros, sendo dois dos grandes temores o programa nuclear iraniano e o chamado “Crescente Xiita”. Assim, as instituições regionais ganham atualmente uma releitura a partir das identidades expressas pelos seus membros e se moldam às condições estruturais das regiões em que foram criadas. Não negamos aqui a existência de avanços tímidos em uma conciliação mais ampla dentro do CCG, mas esta está muito mais vinculada às identidades compartilhadas – países monárquicos, compostos por uma vasta população xiita controlada por uma minoria sunita, com altíssimos índices de população imigrante e os desafios da manutenção da ordem e da estabilidade – do que necessariamente com o avanço dos arranjos institucionais formais. De fato, quandoanalisamos a relação entre o Irã e ospaíses do CCG é primordial ressaltarmos, comoaponta Haji-Yousefi (2009, p. 116), que “about 70% of the populations of the Persian Gulf states are shiite and they primarily reside on oil-rich areas that constitute about 75% of the world’s oil resources”. De tal modo, diante do dilema da democratização imposto pelos Estados Unidos em sua “cruzada democrática” após 2001 pelo Oriente Médio, os países árabes se voltaram para o alvitre de criar uma ameaça exterior, o “crescente xiita”, com o objetivo de distrair os americanos dos planos e pressões de democratização no Oriente Médio. Isso ainda garantiria o apoio dos Estados Unidos para lutar contra o que eles efetivamente viam como uma ameaça para si, um possível levante da população xiita em seus territórios. A questãoideológicaficamaisagudaquando, comoapontaBarzegar (2008, p. 89), “the popularity of Hassan Nasrollah of Lebanese Hezbollah and President Ahmadinejad of Iran, two Shiite leaders, in the Arab Streets is of great concern for the Arab Sunni elites”. Esse temor ficou evidente diante dos protestos ocorridos no Bahrain, em 2011, que suscitaram uma inusitada intervenção do CCG, a pedido da família real dos alKhalifa, para salvaguardar sua manutenção no poder. Além do mais, desde o início do conflito na Síria, e com o apoio declarado do CCG ao Exército Livre da Síria, os países do bloco têm tido que enfrentar, como declara a mídia local, a questão da interferência iraniana em prol do regime de Bashar al-Assad (AL TAMIMI, 2012). Os desafios do CCG não têm sido pequenos desde o início da guerra contra o terror, e o Irã desponta como um ator fundamental no jogo de poder da região. Sendo assim, o que se propõe neste trabalho é uma análise da ação do CCG e sua resposta ante a ameaça iraniana, representada nas questões acima enumeradas, em especial

em relação à ideia do crescente xiita que levou inclusive à intervenção do CCG no Bahrain, em 2011, para impedir a continuidade das revoltas da população – majoritariamente xiita – contra a família real, sunita. A bibliografia analisada será basicamente secundária, com aportes de acadêmicos inclusive de instituições do Golfo e de fontes midiáticas da região. A busca de fontes locais se dá pela necessidade de captação das percepções da região que levam à construção da sensação de ameaça nas políticas que presumivelmente Teerã adota. Partimos nesse artigo da prerrogativa que as instituições internacionais, quaisquer que sejam o seu escopo de atuação, surgem como instrumentos apropriados de cooperação que tendem a crescer em impacto e precisão. Como aponta Sato (2003, p. 169), somente o que ocorreu no mundo do comércio já seria suficiente para justificar o argumento de que há muito mais sucesso do que fracasso a ser registrado na história das organizações internacionais e é possível identificar trajetórias semelhantes nas finanças, nas relações monetárias, na ciência e tecnologia e em muitos outros campos da cooperação internacional, que, de muitas maneiras, têm construído pontes de relacionamento e de entendimento entre os povos e nações.

Como veremos no artigo, no campo da segurança, em especial quando há uma ameaça em comum, a cooperação também pode surgir, enredando os países em arranjos regionais, que passam a lidar com suas particularidades diante de um cenário internacional cada vez mais plural. Apesar da importância das instituições internacionais multilaterais, a nova ordem plurilateral prevê a conciliação daquelas com os arranjos regionais, permanentes ou ad hoc, em prol de interesses mais amplos na construção de uma ordem global mais democrática e menos concentrada em agendas impostas de poucos centros de poder. Imbuídos destas reflexões, estudaremos, em primeiro lugar a criação do Conselho de Cooperação do Golfo. 1. A criação do CCG e sua atuação em perspectiva histórica Com exceção da Arábia Saudita, os países que compõe o CCG se tornaram independentes do controle britânico no início dos anos 1970. O controle externo na região, todavia, jamais fora mal visto por boa parte dos atores importantes: The Pax Britannica benefited the Gulf shaikhdoms as much as it did the British. The view of British protection as unsolicited and unwanted only arose when memories of the turbulent years before British protection became distant, when the benefits of British protection

became less apparent and when the British became increasingly involved in domestic affairs (ONLEY; KHALAF, 2006, p. 204).

A dependência e a necessidade da manutenção de um poder externo na região era tão relevante, em especial para os pequenos Estados na península arábica, que quando a Grã-Bretanha confirmou em 1968 que não mais poderia pagar para manter seus exército na região, os quatro protetorados britânicos produtores de petróleo – Abu Dhabi, Dubai (que se uniram com outros reinos para formar os EAU), Bahrain e Qatar – se ofereceram para pagar a conta para a manutenção da presença militar estrangeira em seus países (ONLEY; KHALAF, 2006). Todavia, uma vez consolidada a independência, esses Estados tiveram que passar a conviver com o ambiente de hostilidade advindo em especial do vizinho Irã, com pretensões sobre sues territórios. O CCG foi criado em maio de 1981 em um contexto de profundas mudanças no Oriente Médio. Em 1979 ocorrera a Revolução Iraniana e quase no ocaso do ano a União Soviética invadiu o Afeganistão para apoiar o governo comunista instaurado lá há alguns anos através de golpe. Diante do temor em relação a um Irã revolucionário e xiita, os Estados do Golfo, apoiaram o Iraque na Guerra Irã-Iraque (que durou de 1980 a 1988), inclusive oferecendo direito de pouso a aeronaves iraquianas1 (STORK, 1985). Com os auspícios do CCG, em especial de seu membro mais forte, a Arábia Saudita, esses países buscaram se desengajar do conflito, quando as forças iranianas recuperaram suas posições no campo de batalha a partir de 1982. Além do mais, já naquela circunstância, a opressão contra a maioria xiita no Bahrain era vista como uma dificuldade adicional ao país, diante do apelo do revolucionarismo iraniano (essa questão voltará a ser discutida no tópico seguinte). Ainda de acordo com Stork (1985, p. 4), “the idea of a Gulf collectivity had been haphazardly advanced by Iran, Iraq and Saudi Arabia ever since the period of British withdrawal (1968-71)”. Os microestados do Golfo, todavia, nunca foram simpáticos à hegemonia iraquiana ou iraniana, até porque alguns deles haviam sido partes do Irã décadas atrás2 e nutrido uma relação complicada com Teerã após as independências 1

Para Mearsheimer e Walt (2003), o imã Khomeini estava disposto a exportar a revolução, apoiando o levante das populações xiitas e curdas do Iraque. Ciente da fraqueza do Irã no período, Saddam lançou uma guerra limitada em setembro de 1980 para conter escaramuças fronteiriças que vinham acontecendo desde o início da revolução. 2 Por exemplo, no caso do Bahrain, independente em 1971, o país fora parte do Irã esporadicamente durante alguns séculos. Apesar de o Irã ter aceitado o resultado de uma pesquisa de opinião conduzida pela ONU em 1970 para confirmar a posição do país, em que a vasta maioria optou pela manutenção do país independente, até hoje alguns oficiais e a mídia iraniana fazem alarde quanto à situação do vizinho (CRISIS Group, 2011).

e afirmação da soberania. Sendo assim, o espaço estava aberto à influência saudita. Já em 1977, os Estados da região discutiram a possiblidade da criação de uma área de livre comércio. De acordo com a Carta do CCG, assinada em Riad, capital da Arábia Saudita, os objetivos principais do bloco são: 1) Coordenação e integração dos membros em todas as questões que promovam a unidade entre eles; 2) Aprofundamento e ampliação da coordenação entre os povos da região; 3) Elaboração de regulações semelhantes em áreas como comércio e finanças, educação e comunicação; 4)

Estimulo ao desenvolvimento científico e tecnológico, incentivando inclusive o setor privado (GCC – The Charter, 1981, on-line). Os objetivos gerais do bloco eram um tanto quanto vagos se analisadas as

condições dos países da região no momento. Nos anos 1980, todavia, o foco principal era em conter a guerra Irã-Iraque, evitando que a situação de caos se alastrasse pelos países membros, além de fazer frente face à ameaça da exportação da revolução iraniana, que foi inclusive um dos motivos para o renascimento religioso no Oriente Médio. Nos anos 1990, após o ato de agressão de Saddam Hussein contra o Kuwait, o foco do bloco voltou-se para a busca da libertação kuwaitiana e a restauração de sua soberania. Aliás, para Barzegar (2008), a guerra Irã-Iraque foi uma das guerras mais desnecessárias da história, e aconteceu por conta da retórica exagerada da percepção de ameaça tradicional advinda do Irã pelo mundo árabe sunita. É interessante notar que o autor, sendo iraniano, e defendendo este ponto de vista, deixa claro que a divisão sunita/xiita tem papel extremamente relevante nos jogos de poder na região. Um dos pilares do CCG é justamente a não intervenção em assuntos internos e o respeito à soberania dos membros, pelos quais estão dispostos a agir em conjunto. Uma das lutas fundamentais do CCG é o auxílio aos EAU para a recuperação das ilhas de Tumbs e Abu Musa, ocupadas pelo Irã em 1971 (GGC – Policial Affairs, online), apoiando o país constantemente e tentando diplomaticamente a resolução da querela. Como já é possível notar, as relações com o Irã são deveras problemáticas para os países do CCG, desde a criação do bloco. Como fica demonstrado pela

análise de algumas das últimas declarações finais das conferências do grupo, o país vizinho ocupa o cerne das preocupações de segurança, dividindo espaço com a questão Palestina. Na Declaração Final da 25ª reunião do CCG no ano de 2004 em AlManama, Bahrain, as menções diretas aos Irã voltaram-se para a questão das ilhas cuja

soberania

defende-se

ser

dos

EAU.

Todavia,

aindanestareunião

se

referiramaoIraque e a mensagemfoi a de rejeitar: “everything that could lead to the partition of Iraq, and the need to preserve the sovereignty of Iraq, its independence and the integrity of its soil, and the need to avoid intervention in its internal affairs, inviting other sides to follow the same principle” (GCC, 2004, on-line). Analisando o excerto acima, percebemos a preocupação já existente à época, quanto ao sectarismo no país vizinho ao bloco, que fora invadido em 2003 pelas tropas da coalização liderada pelos Estados Unidos, e quanto aos temores da influência de atores externos nas questões internas iraquianas. No 26º Conselho Supremo do CCG, que aconteceu em Abu Dhabi em 2005, as preocupações referentes aos pontos anteriores, como demonstradas no relatório final, foram as mesmas. Na reunião de 2006, realizada em Riad, Arábia Saudita, a questão nuclear iraniana também aparece da seguinte forma: In line with the commitment of the GCC States to their firm principle of respecting the international law, and to resolving conflicts through peaceful means, the GCC States reiterated their call towards peaceful resolution of this crisis. The Council urged Iran to continue with the international dialogue, and to cooperate fully with the International Atomic Energy Agency (IAEA) (GCC, 2006, on-line).

O programa nuclear iraniano é um problema especialmente importante para os países da região, pois poderia desestabilizar ainda mais a área e provocar uma corrida armamentista. Além do mais, pela persistência de problemas relacionados ao Irã de forma histórica, um vizinho percebido como hostil e nuclearizado, não seria a melhor alternativa para garantir os interesses do CCG em moldar a política árabe. Entretanto, apesar das hostilidades, as diplomacias da região tentam manter seu trabalho constante. Assim, em 2008, na 29ª reunião do CCG, o tom em relação ao Irã foi mais ameno: uma aproximação tímida poderia ser iniciada, caso houvesse boa vontade iraniana. Todavia, como nos anos anteriores, o pleito emirati pelas ilhas no Golfo Pérsico fora repetido. Além do mais, foienfatizada a questão de que “the Supreme Council renewed the call to turn the Middle East region including the Gulf to an area free from weapons of mass destruction” (GCC, 2008, on-line).

Como se percebe, o CCG tem sido um fórum de conciliação entre os países da região, todavia, tem dificuldades de fazer avanços consideráveis em outras questões. Os países da região compartilham de problemas iguais, tais como a imigração e dependência de mão de obra estrangeira, os riscos e oportunidades da transição de economias petrolíferas para outros ramos da atividade econômica mais sustentáveis a médio e longo prazo, e sofreram também com a crise financeira global de 2008. Para Ulrichsen (2009), as diferenças de capacidades entre seus membros fez com a cooperação em termos de segurança ficasse em segundo plano, abrindo espaço inclusive para a cooperação na área econômica. Essa não foi, todavia, tão tímida quando se precisou rechaçar o Irã e a ideia do “crescente xiita”, nem mesmo quando se precisou controlar os protestos no Bahrain, em 2011, e é justamente sobre isso que discorreremos adiante. 2. A Invasão do Iraque e o “crescente xiita” Apesar de não ser o objetivo central deste artigo lidar com a Guerra do Iraque de 2003, é inevitável tocarmos em especial em suas consequências para entendermos como o CCG passaria a se posicionar a partir desse momento em relação a seu entorno estratégico. As monarquias do Golfo estavam reticentes quanto à Guerra do Iraque. Ainda em 2003, o Ministro das Relações Exteriores saudita, Saudal-Faisal, já avisara ao presidente Bush que a remoção de Saddam Hussein à força resolveria um problema, mas criaria outros cinco (ULRICHSEN, 2009). Evidentemente, a perspectiva pragmática, secular e anti-iraniana (vide a própria guerra Irã-Iraque que durou de 1980 a 1988) do então governante iraquiano era um fator de estabilização da região. O Iraque é majoritariamente xiita, e Hussein não poupou esforços para controlá-los. Como Barzegar (2010) defende, a queda de Saddam Hussein impediu a formação de um equilíbrio de poder legítimo no Golfo, transformando a região em uma situação de “equilíbrio de segurança”, mais compatível com a posição de Teerã, que pretende defender seus interesses na região, sem causar desconforto. Todavia, para os Estados Unidos e para os países conservadores da península arábica, há ainda equilíbrio de poder, e é justamente o Irã o Estado que deve ser controlado. Devemos salutar que o regime iraquiano indiretamente servia aos interesses norte-americanos, pois era um ponto de equilíbrio com o Irã. Os Estados Unidos logo perceberam que deveriam buscar um substituto para ele. Para Barzegar (2010), desde

os anos 1970, para a proteção de Israel e do fluxo de petróleo para o Ocidente, tem sido comum a manutenção de uma presença norte-americana na região em prol do equilíbrio de poder. Em relação aos países do Golfo, essa aproximação se cristaliza a partir dos anos 1980, em apoio à estrutura logística criada para auxiliar Saddam Hussein na guerra contra o Irã. No fim da Guerra Fria, os Estados Unidos mantiveram sua presença na região, ampliando-a diante da inexistência de impeditivos sistêmicos mais profundos. A partir de 2001, na guerra contra o terror, o aparato norte-americano nos países do CCG foi fundamental para as ações militares no Afeganistão e no Iraque, perfazendo um total de mais de três décadas em que os interesses dos Estados Unidos e dos países do CCG veem suas agendas sendo conciliadas. O inimigo certo dos norte-americanos na região também é o Irã. A escolha por desbancar o líder iraquiano foi inclusive vista com suspeita por muitos pensadores nos Estados Unidos. Por exemplo, Vali Nars (2007), acredita que a guerra de 2003 fez com que boa parte do Iraque se tornasse esfera de influência iraniana. O poder militar iraquiano era uma barreira para a expansão dos interesses de Teerã no Golfo, que agora estaria livre de amarras. Isso fomentou ainda mais o pensamento de que o Irã é o grande adversário na região, suscitando a formação de alianças para contê-lo. Além do mais, com a queda de Bagdá, ficou evidente às monarquias do Golfo, incluindo-se a Jordânia, que qualquer governo democrático ali instaurado teria maioria xiita. Diante deste temor, o rei jordaniano, Abullah II ibnAl-Hussein, proferiu em um discurso no ano de 2004 a ideia de que havia um crescente ideológico xiita sendo construído no Oriente Médio, envolvendo Irã, Iraque, Síria e Líbano. A partir daí, essa visão ganhou inclusive notoriedade popular, até mesmo sendo corroborada por autoridades de outros países do CCG, em especial,após os constantes protestos contra as autoridades estabelecidas naqueles países nos anos de 2005 e 2007 (HAJIYOUSEF, 2009; BARZEGAR, 2008; ULRICHSEN, 2009). É importante ressaltarmos o quão importante foram as políticas norteamericanas para a região na criação desta visão de um “crescente xiita”. Para os países do Golfo, monarquias não democráticas, a política de promoção da democracia engendrada pelos Estados Unidos a partir da presidência de George W. Bush era uma ameaça (HAJI-YOUSEF, 2009). Sendo assim, a existência de um inimigo em comum tiraria o foco da questão política interna desses países para a crescente influência iraniana nos países da região, em especial a partir do momento em que o Irã passara a fazer parte do chamado “Eixo do Mal” do presidente Bush.

Todavia, para Teerã, a ideia de um “crescente xiita” é uma tática para criar fobia contra o xiismo e o Irã. Como Barzegar (2008) aponta, a partir de uma perspectiva iraniana, há uma clara disputa entre xiitas e sunitas no Oriente Médio após a queda de Saddam Hussein. Para o autor, mesmo que o Irã passe a influenciar os países árabes, é importante notar que isso estaria embasado muito mais em uma lógica racional e pragmática do que ideológica. Assim, “Iran’s presence in the region is a result of the need to make an alliance with friendly Shiite governments in response to security threats caused after the arrival of U.S. troops in the region. It isthereforedefensive, notexpansionist” (p. 88). O que fica evidente da análise da questão do “crescente xiita” é que o discurso contra o Irã está embasado no temor de que as cisões xiismo/sunismo, que são relevantes o suficiente para suscitarem choques na região, se alastrem e ganhem maiores proporções. Então, o fórum do CCG, criado face à ameaça iraniana e contra a expansão da revolução política xiita, continua servindo aos mesmos propósitos de 1980. 3. A Intervenção no Bahrain Face à Ameaça Iraniana Uma impressionante onda de movimentos revolucionários varreu o mundo árabe a partir do final do ano de 2010. Esse movimento chamado por alguns analistas de “Primavera Árabe” foi capaz de derrubar três regimes, há muito tempo estabelecidos3. Para Vânia Carvalho Pinto (2011), os motivos principais para esses movimentos revolucionários foram: expansão dos direitos civis (como o direito de reunião e de livre expressão) e políticos (direito de escolher livremente os líderes políticos e parlamentares), e melhores condições de vida e acesso ao mercado de trabalho. Os países do CCG não passariam incólumes por essa onda de movimentos, mas a solidez de suas monarquias, fortemente controladas, e a fluidez de riquezas proporcionados pelo petróleo e novos investimentos (imobiliários, financeiros e na área de turismo), garantiram que eles conseguissem manejar os protestos encharcando a sociedade com novos benefícios. Todavia, no Bahrain, os protestos ganharam mais força e, esse caso em especial, suscitou a atenção dos países pares do CCG. Emrelação a essaquestão, de acordo com um relatório de 2011, da International Crisis 3

O do presidente Hosni Mubarak no Egito, de MuammarAl-Qadafi, na Líbia, e Zine elAbidini Ben Ali na Tunísia.

Group, “along with other member states of the Gulf Cooperation Council (GCC), Saudi Arabia purportedly is responding to dual fears: that the popular uprising could lead to a Shiite takeover, and a Shiite takeover would be tantamount to an Iranian one. Both are largelyunfounded” (2011, p. i). O caso do Bahrain traz, então, a questão xiismo/sunismo e a percepção de ameaças, como já estudamos acima. A situação dos xiitas no pequeno reino é digna de uma nota especial, pois demonstra semelhanças com os outros países do CCG: it would be misleading to reduce the situation to a pure sectarian divide; historically, many Sunnis have been active in the opposition. But Shiites undoubtedly have been hardest hit by social dislocation and endure, as they have since the late 1970s, multiple forms and levels of discrimination. This has provided a decidedly sectarian hue to the island’s troubles, even though grievances are far broader and broadly shared (CRISIS Group, 2011, p. 3).

A situação se torna mais crítica, pois há inclusive políticas de naturalização de sunitas para alterar a balança sectária do país. Isso é um problema em especial porque mesmo as forças de polícia do país são conformadas por imigrantes, na maioria sunitas, que demonstraram pouca compaixão pelos manifestantes. Desta feita, em contraste com outras situações no mundo árabe em 2011, o exército não pode ser um ator fundamental no Bahrain para a queda do regime (CRISIS Group, 2011). É importante notar que os xiitas na região não sofrem opressão religiosa, e nem foi esse o motivo pelo qual a maioria da população foi às ruas em 2011. O objetivo principal era pressionar o rei a seguir com o plano de reformas e modernização do Estado que havia proposto anos atrás, e clamavam por democracia, direitos humanos e melhoria nos serviços públicos. A opressão socioeconômica foi, assim, o ponto central dos protestos em 2011 (CRISIS Group, 2011). Foi diante deste cenário que em quatorze de março de 2011, 1000 soldados da Arábia Saudita e mais 500 policiais dos EAU (com poucas tropas do Qatar), cruzaram a ponte que separa o Estado insular do continente em prol da manutenção da estabilidade interna e da eliminação da percebida ameaça externa, pois até a mídia saudita enfatizava que o Irã estava por trás dos protestos. Há sim proximidade entre grupos no Bahrain (e nos outros países do Golfo) com a ideologia iraniana. Ainda em 1981 foi descoberta uma tentativa de golpe xiita no reino, o que foi inclusive fundamental para aproximar os países da península arábica. Como o relatório da CrisisGroup (2011) aponta, alguns xiitas sauditas participaram dos eventos no país vizinhos, o que alarmou ainda mais Riad. Todavia, desde 1981, é difícil apontar que o regime iraniano tenha tentado algo novamente nesse sentido.

Algo que se torna mais relevante e de destaque na relação entre os países do CCG é a influência saudita nas políticas internas dos outros membros. Stork, ainda em 1985, já indicara a importância que teria a ligação direta entre o Bahrain e a Arábia Saudita: With the expected completion of the causeway between the island and Saudi Arabia this fall, Saudi military access to and political influence in Bahrain will be even greater. (...) but each regime in the GCC has felt compelled to guard against potential coups by minimizing the means of coordination between, for instance, its own air force and land forces. ‘The most important military balance in most Gulf nations,’ Anthony Cordesman observes, ‘is often the one that prevents their own military forces from seizing power’. (p. 6).

Como indicado em uma reunião do CCG no início de maio de 2011, logo após a intervenção no Bahrain, ficou explícito que o objetivo da missão estava vinculado com um: profound concern over the continual Iranian interference in domestic affairs of the GCC member countries through committing conspiracy against their national security, spreading sedition and sectarian affliction among their peoples and flagrantly violating their sovereignty and independence, the principles of good neighborhood, international norms and laws, the United Nations Charter and the Organization of Islamic Conference statute (KHALEEJ Times, 2011a, on-line).

Interessantenotarqueemumareportagemdivulgada no mesmodia, a Jordânia e o Marrocoshaviamsidoconvidados a fazer parte do CCG: “‘Leaders of the GCC welcomed the request of the Hashemite Kingdom of Jordan to join the council and instructed the foreign minister to enter into negotiations to complete the procedures,’ GCC Secretary-General Abdullatif Al Zayani said in Riyadh. He said the same procedure would be followed with Morocco” (KHALEEJ Times, 2011b, on-line). Isso indica a preocupação do grupo em se manter como uma união de monarquias. Além do mais, demonstra a importância dos instrumentos de conciliação criados pelo CCG para a manutenção da ordem e estabilidade governamental nesses países, o que indica que o bloco tem atingido em parte seus objetivos. O caso do Bahrain é simbólico porque demonstra o quão temerosos são os Estados do Golfo em relação à influência iraniana. O equilíbrio de poder que se busca na região joga com os elementos religiosos e nacionalistas e suscitam a constante intervenção estrangeira, em especial dos Estados Unidos, com aval dos países do CCG. Todavia, como o caso analisado deixa claro, os países do Golfo estão dispostos a recorrer a qualquer meio possível para a manutenção das famílias reais no poder, e a força do CCG advém justamente do fato de ser o clube das elites governantes, que o

moldam à sua maneira e têm sido moldadas de acordo com os arranjos estabelecidos pelo bloco. 4. Notas Conclusivas O que evidentemente complicou a questão de segurança para os países do CCG após a queda de Saddam Hussein foi o fato de os Estados Unidos não terem se preparado para o “renascimento xiita”. Para Haji-Yousef (2009, p. 130), apesar de não terem se organizado, os Estados Unidos passaram a lidar com a questão da melhor maneira possível tendo em vista seus objetivos, “in otherwords, the United StatesistryingtotakeadvantageoftheuncertaintyandfearthattheArabstatesfeel resultof

a

Shiarevival

in

ordertocreate

a

regional

coalitionincluding

as

a

Israel

andArabstatesagainst Iran, Syria, Hizbullah and Hamas”. Todavia, ver esta questão somente pela ótica norte-americana não é suficiente, pois os países da região conseguiram criar uma agenda própria sobre a ameaça iraniana, cristalizada na visão do “crescente xiita” e pelas relações com o vizinho persa que já datam de séculos. A situação imposta pela Guerra do Iraque de 2003 aos países do CCG forçou a conciliação entre eles. Mesmo que, como aponta Ulrichsen (2009), haja uma dificuldade enorme de coordenação política e econômica dentro do grupo, os países têm conseguido se firmar com unidade pelo menos diante da ameaça iraniana. Além do mais, Bahrain e Omã têm visto suas reservas de petróleo de esgotarem, o que lhes trazem desafios crescentes para a manutenção do contrato social estabelecido em uma situação de desigualdade entre os governantes e os governados. Isso ficou muito nítido quando o CCG atuou para auxiliar a família real do Bahrain diante dos protestos iniciados busca de direitos socioeconômicos e em prol de abertura política e respeito aos outros direitos humanos. Não se pode nem se quer negar a influência norte-americana na região do Golfo, muito menos julgá-la. Todavia, não se pode também esquecer que os Estados da região têm uma agenda de política externa própria que consegue, passadas algumas décadas de sua criação como Estados independentes e a consolidação de uma organização regional própria, conjecturar interesses próprios. Assim, por mais que Washington necessite do apoio do CCG para manter seus interesses ativos na região, o CCG também consegue manipular a grande potência em prol de seus objetivos mais amplos, quais sejam, a manutenção da ordem e da estabilidade na

região simbolizada na permanência das casas monárquicas no poder, sem o risco de instabilidades internas provocadas pelas fracções religiosas. A contribuição do CCG para uma ordem plurilateral, no que tange em especial aos aspectos de segurança, advém de seu papel conciliador para importantes países, localizados em uma região estrategicamente relevante para todo o mundo. Isso não foi incompatível com uma aproximação mais estreita com a ótica de segurança internacional apoiada pelos Estados Unidos, o que aponta para o fato de que a plurilateralidade pode ser concomitante a uma ordem uni/multilateral. Em relação ao CCG, é importante ressaltarmos que, como aponta Sato (2003, p. 175), “construir e participar de instituições internacionais é uma das formas mais valiosas de aprimorar a convivência humana em nosso tempo, mas também não se pode esquecer de que essa é uma dedicação que exige, antes de mais nada, um exercício continuado de paciência e tolerância”. Poderíamos dizer que essa é uma experiência tão valiosa que leva até mesmo à manutenção de um concerto de segurança, entremeado de cooperação econômica e em outras áreas, em torno de um inimigo em comum que deve ser contido, ou ao menos, lidado. O Conselho de Cooperação do Golfo tem efetivamente trabalhado sobre estas bases.

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