AS JUVENTUDES E AS NOVAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIOCULTURAL: Projeto GERINGONÇA – onde caos e progresso caminham juntos

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FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL E CULTURAL DO BRASIL

AS JUVENTUDES E AS NOVAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIOCULTURAL: Projeto GERINGONÇA – onde caos e progresso caminham juntos

Lucio Enrico Vieira Attia Matrícula: 200780018

RIO DE JANEIRO 2009

Lucio Enrico Vieira Attia

AS JUVENTUDES E AS NOVAS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO SOCIOCULTURAL Projeto GERINGONÇA – onde caos e progresso caminham juntos

Monografia apresentada às Faculdades Integradas Simonsen em março/2009 como requisito para a aprovação no Curso de Pós-Graduação em História Social e Cultural do Brasil, sob orientação do Prof. Ms. Fernando Gralha.

RIO DE JANEIRO 2009

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Dedico esta pesquisa a todos os jovens que participaram do Projeto GERINGONÇA e, em especial às equipes e as estagiárias do ano de 2009 (Monna, Ana Paula, Marcela e Viviane) que, com todo carinho cuidaram de nosso Blog.

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AGRADECIMENTOS

A meus pais por sempre acreditarem e incentivarem; A Mônica minha companheira de vida por compreender os momentos de reclusão; A Fernando, gentil orientador e grande educador, o historiador que mais circula pelas artes que conheço! Instigador de reflexões e dos diálogos histórico-culturais e que me acolheu nesta empreitada se fazendo sempre presente nos momentos necessários; A toda equipe do SESC RIO, pela possibilidade de existência do Projeto, certo de que ele faz parte de uma visão institucional que extrapola os limites da Unidade onde o Projeto é realizado. Em especial à Zezé e à Sandra que mesmo “de longe” acompanham nossas propostas e nos entusiasmam a seguir adiante; A Maria Regina, Coordenadora Técnica da Unidade que, nos momentos mais agitados do dia-adia encontra disposição para nos tranqüilizar acompanhando com carinho nossos movimentos e ainda encontra tempo para fazer e nos oferecer seus deliciosos bolos; A toda equipe da Unidade Tijuca que lida quase diariamente com essa galera jovem ocupando espaços e fazendo “seu barulho”; A Fábio Maleronka, semeador do Projeto GERINGONÇA; A Patrícia Oliveira, minha querida companheira de viagem nas pirações e trans-pirações dos rumos propostos pelos jovens nessa engrenagem e A Marília Tapajóz por ter feito a revisão textual da pesquisa.

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Computadores fazem arte Artistas fazem dinheiro. Computadores avançam Artistas pegam carona. 5

Cientistas criam robôs Artistas levam a fama. Chico Sciense

RESUMO

Esta pesquisa utiliza como referência os estudos da corrente historiográfica denominada microhistória para, a partir do Blog do Projeto GERINGONÇA abordar o tema das juventudes e as novas formas de participação social. Para tanto traça um panorama da Teoria Crítica da Sociedade enfatizando entre seus principais expoentes Theodor Adorno e Walter Benjamin, pois em sua pioneira produção geraram conteúdo reflexivo acerca da indústria cultural e expressaram visões muitas vezes antagônicas sobre as possibilidades geradas à arte e a cultura através das novas formas de comunicação. A fim de trazer um olhar pós-moderno, contexto ao qual o Projeto se insere, lançamos mão da produção de Teixeira Coelho com sua leitura também crítica da sociedade voltada sobretudo, à política cultural e seus processos de produção e gestão, para em seguida aliar essa produção à de Marilena Chauí desenvolvendo a idéia de que o Blog do Projeto GERINGONÇA pode ser mais uma ferramenta de desenvolvimento de ações socioculturais que vislumbrem os conceitos de democracia cultural e de ampliação do capital cultural. Esta pesquisa busca através da visualização de um Blog e das discussões por ela suscitadas reconstruir os contornos de um grande jogo social e político ao qual o Projeto GERINGONÇA está inserido. PALAVRAS-CHAVE: juventudes, novas formas de participação social, Teoria Crítica da Sociedade, Pós-Modernidade, ações socioculturais, democracia cultural.

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SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................1

Capítulo 1: As juventudes e o Projeto GERINGONÇA

1.1 Juventudes.................................................................................................................21 1.2 Descrição do Projeto.................................................................................................26 1.2.1 Ações do Projeto ...................................................................................................30 1.2.2 Como participar do Projeto? .................................................................................33

Capítulo 2: Análise

2.1 As novas formas de participação sociocultural.........................................................34

Conclusão:

Onde caos e progresso caminham juntos.........................................................................39

Referências Bibliográficas............................................................................................41

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INTRODUÇÃO

Fundamentação Teórica

Para iniciar esta pesquisa evocamos e parafraseamos Jacques Revel no célebre prefácio de A herança imaterial, a fim de seguir inspirados e impulsionados pela estratégia utilizada na referida obra desenvolvida por Giovanni Levi, “buscando outras formas de fazer história 1”. Tal qual Levi, este trabalho de conclusão de curso escolhe tratar de “um lugar banal com uma história comum2” onde na cotidianidade de situações vividas por um grupo de pessoas envolvidas por acontecimentos locais e ao mesmo tempo ligados a fatos políticos e econômicos que fogem ao seu controle direto, são colocados dilemas e questões que dizem respeito às estratégias de ação e repercussão política.

Conforme se faz perceber, o presente trabalho busca se alinhar com os estudos da microhistória, corrente historiográfica surgida na Itália a partir da coleção dirigida por Carlo Ginzburg e Giovanni Levi publicada pela Editora Einaudi entre 1981 e 19883.

A micro-história nasce a partir de um enunciado feito por um grupo de historiadores italianos reunidos em torno de uma revista, Quaderni Storici, com objetivo de reformular certas exigências e procedimentos da pesquisa científica e com isso tornarem-se um dos palcos centrais do debate historiográfico. Entre eles Carlo Ginzburg, Carlo Poni, Edoardo Grendi e Giovanni Levi.

Como um sintoma que deflagra uma espécie de busca de novos paradigmas, esta nova tendência historiográfica busca reconhecer a forma como os atores sociais dão sentidos às suas

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JACQUES REVEL in Levi, 2000, p. 17. Ibidem, idem, p. 16. 3 Ibidem, idem, p. 08. 2

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práticas e discursos e constitui-se como uma reação a metodologias e eixos conceituais já consagrados de produções científicas ancoradas no paradigma de inteligibilidade de caráter macrossocial e totalizadora.

Sobre sua origem, Vainfas nos diz que: “O surgimento da micro-história tem a ver com o debate intelectual e historiográfico das décadas de 1970 e 1980. Tem a ver, também, com a questão da crise do paradigma marxista e de outros modelos de história totalizante e com a solução das mentalidades, que cedo se mostrou inconsistente no plano estritamente teórico-metodológico”. (VAINFAS 2002, p. 68 in Lacerda Filho).

De uma maneira geral, seu enunciado propõe uma redução de escala, outra leitura social, que permite destacar o destino de um homem, de uma comunidade, de uma obra expandindo a complexa rede de relações e a multiplicidade de espaços e tempos na qual se inscreve.

Esta tendência historiográfica, ao operar com escala reduzida de observação, explora exaustivamente suas fontes, descreve etnograficamente seus objetos e os apresenta sobre a forma narrativa. Sua busca é por temas ligados ao cotidiano de comunidades específicas recortadas sociológica ou mesmo geograficamente às situações limites e a biografias de microcontextos ou de figuras que poderiam passar despercebidas na multidão sendo capaz de mostrar quantos acontecimentos importantes podemos ver acontecer enquanto aparentemente nada acontece.

Conforme Levi é possível afirmar: “... que o princípio unificador de toda pesquisa microhistórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados, o que não aconteceria numa abordagem tradicional. A descrição micro-histórica serve para registrar uma série de acontecimentos ou fatos significativos que, de outra forma, seriam imperceptíveis e que, no entanto, podem ser interpretados por sua inserção num contexto mais amplo, ou seja, na trama do discurso cultural” (LEVI 1992, p. 139 in Lacerda Filho).

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O emprego da metodologia em micro-escala torna possível apreender e reconstituir o vivido inadmissível em outras abordagens historiográficas; propõe ainda identificar as estruturas invisíveis pelas quais esse vivido se articula. Desta maneira, busca investigar o conjunto de interrelações móveis em constante adaptação, atenta por vezes à construção de papéis sociais e à sua interação. Seu intento é permitir o enriquecimento da análise social, complexificando-a, levando em conta aspectos por vezes diferentes, inesperados e multiplicados na experiência coletiva.

Jacques Revel nos assegura três traços significativos para compreender a micro-história:

O primeiro deles diz respeito à atenção na construção do real e ao papel do observador e seus instrumentos. Lembra-nos o autor que esta redução de escala com interesse por destinos específicos não se reduz a “aquilo que efetivamente aconteceu 4” por ser capaz de analisar as condutas individuais e coletivas regulando a distancia e propondo recortes diferenciados.

O segundo traço segundo Revel é a facilidade do precedente. O trabalho dos microhistoriadores tem assumidamente dimensões experimentais. Cria condições de observação que farão aparecer formas, organizações e objetos inéditos reintroduzindo a todo instante as regras do jogo na própria narrativa; reconstroem o mundo exterior através de fragmentos de informação que recebem para transmitir tendo em perspectiva que sua informação é uma escolha na realidade à qual se superpõem outras escolhas.

A incerteza das formas de escrever a história seria o terceiro traço apontado pelo autor sejam argumentativas, de modos de enunciação diversos, maneiras de citar e jogos de metáfora diferenciados. Os defensores da micro-história colocam o problema e fazem questão de considerar essa dimensão em seu trabalho de forma tão experimental quanto os procedimentos da própria pesquisa.

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JACQUES REVEL in Levi, 2000, p. 19.

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Desta forma o trabalho da micro-história centraliza-se na busca de uma descrição mais realista do comportamento humano e prega um modelo de ação que possa dar voz a personagens que de outra maneira ficariam no esquecimento. O esforço teórico da micro-história busca privilegiar o estudo do aparato conceitual com ênfase na escolha dos temas, nas relações entre escalas de observação e a delimitação dos objetos de estudo em termos de espaço e de temporalidade. Uma forma de investigar o objeto histórico de maneira “intensiva” onde os pequenos objetos são analisados em sua totalidade tomados como “micro-universos”. Reznick reforçando esse pensamento nos diz: “Ao eleger o local como circunscrição de análise, como escala própria de observação; não abandonamos as margens (...), as normas que, regra geral, ultrapassam o espaço local ou circunscrições reduzidas. A escrita da história local costura ambientes intelectuais, ações políticas, processos econômicos que envolvem comunidades regionais, nacionais e globais. Sendo assim, o exercício historiográfico incide na descrição dos mecanismos de apropriação — adaptação, resposta e criação — às normas que ultrapassam as comunidades locais” (REZNICK 2002, p. 3 in Lacerda Filho).

Autores e produções sempre lembrados no contexto da micro-história são Carlo Ginzburg com seu livro O queijo e os vermes, e Giovanni Levi, com A herança imaterial, fonte inspiradora desta pesquisa. Levi ilustra as pesquisas micro-históricas afirmando que o recorte neste tipo de abordagem deve ser temático e relacionado sempre com um assunto mais amplo. Segundo o autor, a micro-história trabalha como um zoom de uma fotografia. Nela, o pesquisador observa um pequeno espaço bastante ampliado e ao mesmo tempo leva em consideração o restante da paisagem apesar desta última não estar ampliada. Ao concluir a exposição dos temas chaves desta metodologia de pesquisa, parece-nos correto afirmar que os pesquisadores desta prática historiográfica constroem narrativas que buscam ser mais realistas através do recorte do objeto que privilegia histórias particulares de indivíduos ou grupos específicos, compreendem a ação social como resultado de constante negociação e manipulação incluindo também as escolhas individuais. Através desta análise, cada aparente detalhe que pode parecer insignificante para um olhar mais apressado ou de foco mais 11

amplo passa a ser considerado indicador de valor e significado na rede de relações plurais com seus múltiplos elementos constitutivos. O foco ao qual esta pesquisa lança-se é o Projeto GERINGONÇA, um projeto pioneiro de arte-educação realizado pelo SESC RIO – Unidade Tijuca, que através de seu viés multiartístico desenvolve conceitos como de “ponto de encontro”, “protagonismo jovem” 5 e “gestão colaborativa”. Todas as ações do GERINGONÇA estão ancoradas nessas três dimensões e presentificam um determinado olhar ao abordar o tema das juventudes. O recorte específico, dado ao tamanho e volume de ações socioculturais gerado pelo projeto, será o Blog do mesmo, aqui utilizado como uma forma de visualização concreta que vai além das ações do projeto, e dá conta da aplicação prática do projeto em si. Muitos dos dados que aqui aparecerão individualmente podem não parecer ter a menor importância, mas tratados de forma integrada podem reconstruir os contornos de um grande jogo social e político ao qual o Projeto GERINGONÇA está inserido e busca abordar o tema das juventudes e das novas formas de participação sociocultural, que são o assunto deste trabalho. Importante frisar que as estratégias utilizadas pelos jovens não são livres, mas ligadas a valores e cercadas por limitações, sejam elas dos participantes do projeto naquele momento ou pelas contingências impostas por se tratar de uma ação sociocultural desenvolvida dentro de uma instituição tal qual o SESC RIO6 representa. A busca desta pesquisa é por compreender como a sociedade fortemente diferenciada responde aos acidentes da história, qual a construção social torna possível o trabalho. Qual prática social empresta corpo e eficácia à ação do projeto?

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Para garantir a igualdade entre os gêneros na linguagem deste texto, onde se lê “o jovem” ou “os jovens”, leia-se também “a jovem” ou “as jovens”. 6

Com a industrialização, o processo migratório em direção aos grandes centros urbanos aumenta e, diante da falta de infra-estrutura no saneamento, transportes, educação e saúde, a classe empresarial toma a iniciativa, no ano de 1945, de gerar novas medidas e compromissos sociais para o país chegando a conclusão de que a melhor maneira de conciliar o crescimento econômico com a justiça social seria criar um organismo mantido com a contribuição patronal e dedicado especificamente ao serviço social em benefício do trabalhador. Foi através dessas reivindicações que nasceu o SESC, criado através de um Decreto-Lei Nº 9.853 e assinado pelo presidente da república Eurico Gaspar Dutra, no dia 13 de setembro de 1946. Fonte: http://www.sescrio.org.br/main.asp?View=%7B257F8F7C05E9-4F21-B748-12D7721A72E0%7D

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Os acontecimentos não são únicos, mas só podem ser compreendidos até mesmo em sua particularidade se forem restituídos aos diferentes níveis de uma dinâmica histórica. Objetivamos até aqui evidenciar que este breve exercício historiográfico incide seu olhar sobre a descrição dos mecanismos de apropriação de seu objeto; com suas adaptações, respostas e criações que dialogam com as normas que ultrapassam a realidades local. Para abordar as novas formas de participação social que são possibilitadas pelas também novas formas comunicação, faz-se necessário voltar um pouco na História e fazer uma reflexão sobre as origens recentes dos meios de comunicação, para tal exercício, utilizaremos o paradigma da sociedade de massa.

Os conceitos de cultura, assim como o de meios de comunicação de massa têm sua origem no século XIX. Neste período, o ideal da Sociedade Moderna passa pelo vislumbre de uma sociedade predominantemente citadina, e não mais rural como antigamente. Desta forma, a concentração populacional nos espaços que cada vez mais devem ser urbanizados e industrializados leva inevitavelmente a pensar na massificação.

Neste mesmo período surgem organizações ditas também de massa como os partidos, associações e sindicatos com suas reivindicações coletivas incluindo-se ainda neste tipo de participação coletiva, manifestações como o cinema e o futebol.

Pensar então em uma sociedade industrializada significa pensar a vida em torno da indústria e da técnica, técnica esta, cada vez mais aperfeiçoada para a produção em grande escala, em que cada vez mais as tarefas devem ser especializadas para um melhor desempenho econômico.

Os primeiros estudos sobre a Teoria Crítica da Sociedade remetem-nos à Escola de Frankfurt, na Alemanha. Entre seus principais expoentes estão Theodor Adorno, Max Horkheimer, Erich Fromm, Herbert Marcuse, Walter Benjamin e Siegfried Kracauer. Os primeiros, são os criadores do conceito de indústria cultural e os últimos, junto com os demais estudiosos, são considerados os criadores da pesquisa crítica em comunicação. Nesta investigação 13

optamos por privilegiar as leituras de Adorno e Benjamim, por entendermos que os mesmos identificaram e situaram com extrema eficiência as novas questões surgidas com a indústria cultural.

Os frankfurtianos basicamente partem das teses elaboradas por Marx, Freud e Nietzsche e recriam suas ideias de modo que pudessem ser capazes de esclarecer as novas realidades surgidas com o desenvolvimento do capitalismo no século XX.

A chegada de Hitler ao poder na

Alemanha faz com que os membros do instituto – em sua maioria judeus migrem para Genebra, Paris e para a Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Em 1944, Adorno e Horkheimer estão refugiados nos Estados Unidos e percebem que também nos regimes formalmente democráticos existem tendências totalitárias onde a população é mobilizada a se engajar nas tarefas necessárias à manutenção do sistema econômico e social através do consumo estético de produtos massificados, articulados pela indústria cultural. Desta forma, percebem que as comunicações neste tipo de sociedade também se veem presas à ordem social dominante. Adorno afirma então que a indústria cultural tem como objetivo impor suas ideologias 7 e, portanto visa orientar comportamentos. Assegura ainda, que para conseguir tal fim, esta deve diminuir a consciência da massa sobre determinada ação para que possa atingir de forma mais eficiente sua disseminação ideológica. O autor entende por indústria cultural a conversão da cultura em mercadoria, ou seja, o processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, que ocorre, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX.

A indústria cultural desenvolve-se com base nos mecanismos de oferta e procura criados pela sociedade capitalista, designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado.

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Conforme desenvolvido por Marilena Chauí, a ideologia possui caráter prescritivo, normativo e regulador significando o conjunto de idéias, opiniões e concepções a respeito de um determinado tema sujeito a discussão que orienta, indica e prescreve a ação efetiva dos membros da sociedade dizendo o que pensar e como pensar, o que valorizar e como, o que sentir e como sentir, e finalmente o que fazer e como. (CHAUÍ, O que é ideologia. p.113).

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Newton Cunha no Dicionário SESC, A Linguagem da Cultura,8 ao analisar a indústria cultural afirma que [...] a cultura de massa deve ensinar a todos os públicos e classes o desejo imediato, o que se obtêm pelo excesso de imagens, pela provocação de emoções intensas (“o império do gozo”) e pela carência de conceitos duradouros. (CUNHA, 2003, p.192). Já Adorno diria:

“... a novidade consiste em que os elementos inconciliáveis da cultura, arte e divertimento, sejam reduzidos a um falso denominador comum, a totalidade da indústria cultural. Essa consiste na repetição. Que as suas inovações típicas consistam tão somente em melhorar os processos de reprodução de massa não é de fato extrínseco ao sistema. Em virtude do interesse de inumeráveis consumidores, tudo é levado para a técnica, e não para os conteúdos rigidamente repetidos, intimamente esvaziados e já meio abandonados. O poder social adorado pelos espectadores exprime-se de modo mais válido na onipresença do estereótipo realizado e imposto pela técnica do que nas ideologias velhas e antiquadas, às quais os efêmeros conteúdos devem se ajustar. Não obstante na indústria cultural permanece a indústria do divertimento”. (ADORNO, p.29-30).

Ao escrever sobre as justificativas da existência da indústria cultural, Adorno afirma que os interessados em explicar tal existência lançam mão da explicação em termos tecnológicos. A participação de milhões de pessoas nesta forma de produção imporia métodos de reprodução cultual que atendam às mais diferentes necessidades de uma mesma forma. Os clichês utilizados nos produtos distribuídos, segundo esses defensores, seriam causados pela necessidade dos consumidores. Afirma Adorno: “Na realidade é por causa desse círculo de manipulações e necessidades derivada; que a unidade do sistema torna-se cada vez mais impermeável. O que não se diz é que o ambiente em que a técnica adquire tanto poder sobre a sociedade encarna o próprio poder dos economicamente mais fortes sobre a mesma sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação, é o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena”. (ADORNO, p.9).

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CUNHA, 2003.

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E continua mais adiante: “Para todos alguma coisa é prevista, a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente. O fato de se oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa, cada um deve se comportar, por assim dizer espontaneamente, segundo o seu nível, determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se à categoria de produto de massa que foi preparada para o seu tipo”.(ADORNO, p.11).

No caso da estética, quando esta se integra à produção mercantil, é forçada a passar pelo filtro da mídia enquanto máquina de publicidade. Desta forma, a ideia do que somos depende dos bens que podemos comprar e dos modelos de conduta veiculados pelos meios de comunicação. Segundo o autor, não por acaso, a publicidade é o elixir da indústria cultural. Sobre esta forma de ajuste social Adorno afirma:

“A diversão é o prolongamento do trabalho no capitalismo tardio. Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que esteja de novo em condições de enfrentá-lo. Mas ao mesmo tempo, a mecanização adquiriu tanto poder sobre o homem em seu tempo de lazer e sobre sua felicidade, determinada integralmente pela fabricação dos produtos de divertimento que ele apenas pode captar suas cópias e as reproduções de seu próprio processo de trabalho. [...] Do processo de trabalho na fábrica e no escritório só se pode fugir adequando-se a ele mesmo no ócio. Disso sofre incuravelmente toda diversão. O prazer congela-se no enfado, pois que, para permanecer prazer não deve exigir esforço algum, daí que deva caminhar estreitamente no campo das associações habituais. O espectador não deve trabalhar com a própria cabeça; o produto prescreve toda e qualquer reação [...] toda conexão lógica que exija alento intelectual é escrupulosamente evitada”. (ADORNO, p.31).

Para Adorno, a família e a escola, depois da religião, estão perdendo sua influência socializadora para as empresas de comunicação que servem às empresas multimídia e aos conglomerados privados, que passam a conferir um poder cada vez maior às tecnologias de reprodução e difusão de bens culturais. Neste sentido, as obras de arte e as próprias ideias, senão as pessoas são criadas, negociadas e consumidas como bens cada vez mais descartáveis, ao 16

mesmo tempo em que são produzidos e vendidos levando em conta princípios de construção e difusão estética e intelectual que, antes, eram reservados apenas às artes, às pessoas e ao pensamento. Sobre o valor de uso da arte e o prazer estético afirma:

“Aquilo que se poderia chamar de valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca, em lugar do prazer estético penetra a idéia de tomar parte e estar em dia; em lugar da compreensão, ganha-se prestígio. O consumidor torna-se o álibi da indústria de divertimento, a cujas instituições ele não pode subtrair [...] Tudo é percebido sob o aspecto apenas de que pode servir a qualquer outra coisa [...] Tudo tem valor somente quando pode ser trocado , não enquanto é alguma coisa per se. O valor de uso da arte, o seu ser, é para os consumidores um fetiche [...] Ela é um tipo de mercadoria, preparado, inserido, assimilado á produção industrial, adquirível e fungível [...] quando o lucro não é só mais a sua intenção, mas seu princípio exclusivo”.(ADORNO, p.62).

Os teóricos da Escola de Frankfurt foram os primeiros a perceber que as emoções na cultura de massa já vêm prontas, alienando o envolvimento e persuadindo-nos a sentir a mensagem que a indústria cultural quer; o que temos segundo esta ótica é uma produção da indústria cultural que se homogeniza e perde em qualidade. Para Adorno, a cultura de massa seria narcotizante e reforçadora das normas sociais vigentes promovendo assim o conformismo social. Afirma ainda que com a criação de uma indústria cultural e a valoração de determinadas culturas em detrimento de outras, haveria uma homogeneização, com significativas perdas qualitativas. Desta maneira, sua visão pode ser considerada de cunho aristocrático por acreditar em uma divisão de capacidades das pessoas em compreenderem determinados assuntos. Sobre o que chama de degradação da arte afiança: “Já hoje as obras de arte como palavras de ordem política são oportunamente adaptadas pela indústria cultural, levadas a preços reduzidos a um público relutante, e seu uso se torna acessível a todos como o uso dos parques. Mas a dissolução do seu autêntico caráter de mercadoria não significa que elas sejam custodiadas e salvas na vida de uma sociedade livre, mas sim que desaparece até a última garantia contra a sua degradação em bens culturais. A abolição do privilégio cultural por liquidação e venda abaixo preço não introduz as massas nos domínios já a elas anteriormente fechados, mas contribui, nas condições sociais atuais para a própria ruína da cultura, para o progresso da bárbara inconsistência”. (ADORNO, p.64).

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Como contraponto a esta visão pessimista de Adorno, dentro da mesma Escola, surge o olhar de Walter Benjamin que manifesta uma visão diferente da ideia anterior de cultura burguesa e simpatia pelas novas formas de arte tecnológicas. Benjamim percebe que os privilégios culturais que durante tanto tempo foram usufrutos apenas da burguesia, estavam em vias de serem democratizados, bastando apenas que as massas tomassem o controle dos meios de produção. Para Benjamim, o capitalismo criara – mesmo sem querer as condições para uma democracia da cultura, uma vez que ao tornar os bens culturais objeto de produção industrial a apropriação das massas pelos meios de produção seria facilitada e estes bens seriam produzidos de acordo com sua vontade e seu projeto de sociedade, uma vez que “no interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo em que seu modo de existência”. (BENJAMIN, p.169). Walter Benjamin então elabora um novo conceito o qual denomina “aura”. Este conceito é utilizado para desenvolver a ideia de que com a possibilidade de reprodutibilidade técnica obtida através de experiências estéticas geradas a partir de meios técnicos extra-estéticos aconteceria a perda da aura da obra de arte. Poderiam ser citados como exemplo os livros, o CD e o DVD; ao contrário da pintura, da música ou uma peça teatral, não são em si mesmos obras de arte, são apenas os meios pelos quais as obras podem passar a circular. Segundo o autor estas obras só passam a existir para o grande público tão-somente na medida em que são processados e reproduzidos tecnicamente.

Seguindo esse raciocínio, a reprodução substitui a existência única da obra por uma existência serial atualizando o objeto reproduzido em um violento abalo da tradição. Benjamin afirma que as tecnologias modernas agora estabelecem um relacionamento entre a arte e o sistema industrial, do qual dependem as massas para sobreviver, este mesmo sistema agora integra também os meios técnicos através dos quais poderiam vir a constituir um fator de melhoramento estético e intelectual do conjunto amplo da população.

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Para fundamentar estas colocações o autor afirma ser possível reconstituir a história da arte a partir do confronto entre dois pólos: o valor de culto da obra e seu valor de exposição. Lembra-nos que a produção artística começa a serviço da magia afirmando que em sua origem, o que importa é a existência da imagem, e não sua exposição. Cita como exemplo o desenho de um alce pintado na parede das cavernas e estátuas divinas acessíveis somente ao sumo sacerdote. “na medida em que as obras de arte se emancipam do seu uso ritual, aumentam as ocasiões para que elas sejam expostas” (BENJAMIN, p.173). Demonstra que a exponibilidade de uma obra de arte cresceu em tal escala, com os vários métodos de sua reprodutibilidade técnica, que a mudança da ênfase de um pólo a outro corresponderia em termos de mudanças qualitativas comparavelmente ao que ocorreu na pré-história com a refuncionalização da pintura: do valor de culto como objeto mágico à obra de arte. “Fazer as coisas ‘ficarem mais próximas’ é uma preocupação tão apaixonada da das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através da sua reprodutibilidade. [...] Cada dia fica mais irresistível possuir o objeto, de tão perto quanto possível, na imagem, ou antes, na sua cópia, na sua reprodução [...] Com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa pela primeira vez na história, de sua existência parasitária, destacando-se do ritual. A obra de arte produzida é cada vez mais a obra de arte para ser reproduzida. [...] Mas no momento em que o critério de autenticidade deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma, em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política”. (BENJAMIN, p.170-171, grifos nossos).

Adorno sustentou forte polêmica com essas e outras ideias de Benjamin e jamais negou o potencial democrático e progressista dos meios técnicos, mas acreditava que os processos não se desenvolveriam neste percurso, mas sim sob uma forma direcionada e contida pela exploração com finalidades capitalistas. Sob esse aspecto parece-nos que Adorno tinha razão se observarmos que hoje em dia existem cada vez mais empresas especializadas em produção de conteúdo com foco em nicho cultural tal qual é descrito no livro A Cauda Longa de Chris Anderson9.

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ANDERSON, 2006.

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Para Walter Benjamim a questão da reprodutibilidade da arte é central. Segundo o autor, ao ser possível a questão da reprodutibilidade, a arte perderia sua aura – esta aqui entendida como emoção despertada no sujeito pela obra de arte que, em sua essência é única afirmando: “Mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: o aqui e agora da obra de arte, sua existência única, no lugar em que ela se encontra. É nessa existência única, e somente nela que se desdobra a história da obra. [...] O aqui e agora original constitui o conteúdo de sua autenticidade, nela se enraíza uma tradição que identifica esse objeto, até os nossos dias, como sendo aquele objeto sempre igual e idêntico a si mesmo. A esfera da autenticidade como um todo escapa à reprodutibilidade técnica, e naturalmente não apenas à técnica. [...] A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir de sua origem, desde sua duração material até seu testemunho histórico”. (BENJAMIN, p.167 - 168).

Conforme visto anteriormente, o conceito de aura faz jus ao testemunho e este se perde com a reprodutibilidade técnica ao se destacar do domínio tradicional o objeto produzido; com as cópias perde-se a existência única. Porém, sobre a reprodução da obra de arte Benjamin afirma:

“Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para a difusão das obras e finalmente por terceiros, meramente interessados nos lucros. Em contraste a reprodução técnica da obra de arte apresenta um processo novo, que vem se desenvolvendo na história intermitentemente, através de saltos separados por longos intervalos, mas com intensidade crescente”. (BENJAMIN, p.166).

Assim foi com a Xilogravura, quando pela primeira vez o desenho torna-se tecnicamente reprodutível (muito antes da invenção dos tipos móveis que mais tarde viriam a prestar este serviço à escrita), seguida pela estampa em chapa, cobre e a água forte, assim como a litografia, a fotografia e o cinema, segundo Walter Benjamin. Para trabalhar com o conceito de reprodutibilidade técnica e de aura de uma maneira mais simples e sintética poderíamos dizer que o significado refere-se à “contemplação e criação 20

estéticas” (CUNHA, 2003) que designa a autenticidade, a unidade de uma presença real impossível de se repetir, o “aqui” e “agora” de uma obra artística, que inclui em seu testemunho a sua duração no tempo e no espaço e a analogia das teias de relações de seus significados. Benjamin com o advento dos meios de reprodução através de vias mecânicas, óticas e eletrônicas, percebe que, com a multiplicação indefinida das cópias a aura se desvanece e o evento ocorrido anteriormente, único, passa a ter a possibilidade de servir às mais diversas circunstâncias possíveis sendo inclusive utilizado de maneira desligada da situação original.

Para completar esse panorama historiográfico sobre as teorias da comunicação, trataremos agora das reflexões de Teixeira Coelho ao abordar seus temas nos eixos “indústria cultural”, “meios de comunicação de massa” e “cultura de massa”. Optamos por este caminho por considerar que o autor trabalha de forma clara e sintética os principais tópicos abordados no texto e, esperamos com isto fechar o ciclo de conceitos e noções fundamentais para a compreensão do trabalho que segue. Teixeira Coelho nos sinaliza que uma boa porta de entrada para discutir o assunto em pauta pode ser a discussão sobre as relações existentes entre a “indústria cultural”, os “meios de comunicação de massa” e a “cultura de massa”. Coelho afirma que se, ao pensarmos atualmente na relação existente entre os “meios de comunicação de massa” e a “cultura de massa” parece-nos que ambas coexistem, sendo inevitável a percepção de que para a existência da “cultura de massa” a existência dos meios de comunicação tenha que ocorrer de forma determinante. Para desfazer essa confusão de percepção Coelho cita como exemplo a invenção dos tipos móveis de imprensa criados por Gutenberg no século XV. Demonstra que mesmo criando as condições para que a produção de textos da época fosse reproduzida de forma ilimitada, seu consumo continuava baixo e circunscrito aos letrados da elite. Com isso, demonstra-nos que ter a possibilidade de acesso, construção e reflexão sobre determinada tecnologia não quer dizer que necessariamente esta ferramenta será utilizada e terá amplitude de alcance, paralelamente pode-se dizer que, de um modo geral, percebe-se atualmente a subutilização de todo potencial social-tecnológico da internet.

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Segundo Coelho, a indústria cultural só apareceria com o surgimento dos primeiros jornais que, para terem alcance de massa teriam que incluir neles romances de folhetim, composto por esquemas simplificadores de entendimento fácil, tal qual hoje fazem as novelas. Deste modo, as características da indústria cultural seriam a simplificação, homogeneização e a não participação na produção dos conteúdos a serem consumidos. O autor nos diz ainda que para que existisse de verdade uma cultura de massa foi necessário que outras formas simplificadas de arte se juntassem à primeira; eram elas a opereta (relacionada à ópera), o teatro de revista (simplificando o teatro) e o cartaz (massificando a pintura) “o que situaria o aparecimento da cultura de massa na segunda metade do século XIX europeu”. (COELHO, p. 10).

Na mesma linha argumentativa Coelho afirma que mesmo que a Revolução Industrial tenha ocorrido no século XVIII, a condição essencial para a existência da “indústria cultural” e da “cultura de massa” só viria a se efetivar com a existência de uma economia de mercado baseada no consumo de bens e produtos só verificada na segunda metade do século XIX. Lembra-nos ainda que no momento histórico do aparecimento de uma cultura de massa – pré-histórico como ele mesmo o chama surgem também grandes avanços tecnológicos que possibilitaram a penetração irrefreável dos meios de comunicação: a Era da Eletricidade no fim do século XIX, e a Era Eletrônica a partir da terceira década do século XX. “Assim, a indústria cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da industrialização. É esta, através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os mesmos princípios da produção econômica em geral: o uso crescente da máquina e da submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços mais marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa.” (COELHO, p.1011).

As ideias de Cunha ao definir a cultura de massa parecem-nos complementar Coelho: “Cultura de Massa é aquela que passou a predominar mundialmente no século XX e que tem se manifestado ao mesmo tempo como “industrialização do espírito”, numa

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“sociedade de espetáculos”. Ou seja, de um lado corresponde à produção em série, mercantil, e de consumo massificado de bens e serviços, de normas e símbolos da vida práticas. De outro, constitui a valorização predominante de um imaginário abstrato e sedutor, substitutivo da realidade cotidiana, e gerado pelos meios de comunicação”. (CUNHA, p.191).

Desta forma, segundo Coelho, dois traços devem ser examinados mais de perto: a reificação – transformação de tudo e todos em coisa (também conhecida como coisificação) e a alienação. Ambos são estreitamente ligados, pois dentro deste paradigma e a partir do momento de criação da sociedade de consumo tudo – inclusive o homem – é julgado como um produto e tem seu trabalho cada vez mais alienado do todo da sua produção, de seu país e de seus projetos, uma vez que sem seu tempo livre perde a possibilidade de dispor de crítica de si mesmo e da sociedade. Assim, mesmo a cultura – que passa a ser feita em série, em escala industrial e para um grande número de pessoas passa a ser vista como um produto trocável por dinheiro que deve ser consumida como se consome qualquer coisa. Não mais instrumento de livre expressão, não mais fonte de crítica e criação de conhecimento, mas agora apenas um mero produto feito de acordo com as normas gerais, padronizadas em um gosto médio de um público que tem cada vez menos tempo de questionar o que consome; perecível como qualquer peça de vestuário. “Esse é o quadro caracterizador da indústria cultural: revolução industrial, capitalismo liberal, economia de mercado, sociedade de consumo”. (COELHO, p.12, grifos nossos).

O autor evidencia que apesar das características acima abordadas, ao estudar o fenômeno da indústria cultural, muitas pessoas lançam mão do modelo de compreensão adotado pela teoria crítica da indústria cultural pondo em pólos opostos a cultura dita superior e a cultura de massa. Concordamos com o autor quando afirma que este tipo de categorização cria uma série de conceitos e ideias muito mais pertencentes ao pesquisador do que ao tema pesquisado.

Entraremos então brevemente nessa discussão trazendo à tona o que Coelho afirma ser o núcleo do discurso acusatório contra a indústria cultural: a questão da alienação.

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Etimologicamente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus, que significa "pertencente a outro". Neste sentido, alienar é tornar alheio, transferir para o outro o que é seu. Alienação será aqui entendida como a negação da essência humana existente no trabalho, pois com a divisão social das tarefas e a separação entre o fazer e o feito (a produção e o produto), o homem não produz mais as garantias das necessidades humanas, mas sim mercadorias que não lhe pertencem.

Para os que operam com as categorias supracitadas, a cultura de massa alienaria o indivíduo em relação à sociedade por ser narcotizante e ter ênfase apenas no divertimento, no entretenimento. Desta maneira este modo de produção seria uma forma de fuga da realidade mascarando realidades intoleráveis. Por outro lado, atuaria no reforço das normas sociais que são enfim repetidas à exaustão e sem discussão, promovendo assim o conformismo social e a facilitação do dirigismo do consumidor. Sobre os aspectos acima relacionados, diz-se que a expressão “cultura de massa” utilizada para caracterizar esse tipo de produção oriunda da indústria cultural é inadequada devido esta ser produzida fora do território das massas, apresentando-se antes como um modo de cultura para as massas. Teixeira Coelho em seu Dicionário Crítico de Políticas Culturais 10 descreve o que Norberto Bobbio afirma ser o paradoxo da democracia: a compatibilidade entre a democracia e a indústria cultural, pois o uso da informação feito pela industrialização da cultura produz doutrinação, além de tender a reduzir ou eliminar o sentido da responsabilidade individual, considerado o fundamento da democracia. Sob esse aspecto, a indústria cultural não é vista como difusora da cultura, mas impede seu acesso por destruir formas populares e filtrar a produção que entra em seu mecanismo, impedindo assim a crítica aos modos culturais predominantes.

Os que celebram a indústria cultural ressaltam que esta forma de funcionamento não seria fator de alienação na medida em que sua própria dinâmica interior a leva a produções que beneficiam o desenvolvimento do homem. Dizem ainda que, com base na dialética de Engels, que o acúmulo de informação acaba por transforma-se em formação (a quantidade provocaria 10

COELHO, 2004.

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alterações na qualidade), ou ainda que a indústria cultural possa unificar nacionalidades e classes sociais. Seus defensores afirmam ainda que a cultura de massa não ocupa o lugar das culturas eruditas ou populares, mas cria para si uma terceira faixa promovendo a circulação dos códigos culturais.

O fato é que a partir dos anos 80, passou-se a admitir que os produtos dessa indústria transitem mensagens, sejam elas superficiais ou não, que refletem sobre hierarquias e valores sociais que propõem modos de vida e de entendimento do mundo. Por outro lado, eventualmente proporcionam às artes11 uma penetração que de outro modo seria impossível ainda que saibamos que pelo menos no caso do Brasil essa divulgação não é feita nos melhores horários e que possamos também discutir os efeitos duradouros dessa veiculação proporcionando práticas permanentes. Concluindo este raciocínio, a ideia que desejamos que ficasse retida é a de que de uma maneira ou de outra, a opinião sobre negação pura e simples do valor cultural dessa indústria não é mais uma unanimidade.

Neste capítulo objetivamos situar conceitualmente a corrente historiográfica à qual esta pesquisa busca filiar-se abordando sua origem, seus enunciados, principais autores e temas chave.

Apresentamos em seguida o paradigma da sociedade de massa com suas novas formas de organização e produção social a indústria e a técnica se fazem cada vez mais presentes com o avanço do capitalismo, o que nos levou ao ponto seguinte, o desenvolvimento da Teoria Crítica da Sociedade. Da referida teoria, foram privilegiadas as leituras de Adorno e Benjamim, devido suas produções adequarem-se aos propósitos desta pesquisa ao acreditarmos que os mesmos abordaram de forma contundente as novas questões referentes às discussões sobre a indústria cultural.

Dentre estas questões foram abordados os principais motes referentes à indústria cultural como a alienação e a massificação. Apresentamos como discordância a estas questões apenas o cunho elitista no desenvolvimento das ideias de Adorno quando este se refere à acessibilidade aos

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Incluídas aqui as artes ditas eruditas.

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bens culturais o que em sua opinião levaria ao que ele denomina a ruína da cultura; à inconsistência bárbara, com progressiva perda dos privilégios culturais da elite.

Para confrontar essa ideia, trouxemos à tona as questões desenvolvidas por Benjamin com sua leitura favorável às novas formas de arte tecnológicas. O autor percebe que o capitalismo criara as condições para uma democratização da cultura ao tornar os bens culturais objeto da produção industrial. Afirma também que as massas ao se apropriarem dos meios de produção, produziriam bens de acordo com sua vontade o que faria, por conseguinte, que fossem derrubados os privilégios da burguesia.

O olhar lançado por Benjamin o leva a elaboração de novas questões e conceitos também fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa, a reprodutibilidade técnica e a aura, temas chave para a ideia de circulação cultural que são categorias axiais para compreender como experiências estéticas geradas a partir de meios técnicos extra-estéticos não são consideradas arte; antes, são meios pelos quais as obras podem passar a circular e vir a propiciar um fator de melhoramento estético e intelectual do conjunto amplo da população. Para ilustrar seus argumentos, enumeramos alguns antecedentes históricos elencados pelo autor como a ampliação e refuncionalização da pintura e da escultura que foram transformados de objetos mágico-rituais a obras de arte, ou ainda os casos da litografia, da xilogravura, da fotografia e do cinema com toda sua dimensão política.

Completando nosso panorama abordando questões de cunho mais político no sentido estrito da palavra, trouxemos à tona as reflexões contemporâneas de Teixeira Coelho, que estabelece uma clara diferenciação entre os “meios de comunicação de massa” e a “cultura de massa”, exemplificando sua posição através do exemplo da invenção dos tipos móveis de imprensa.

Coelho, em uma leitura apressada, quando aborda a questão da indústria cultural, pode rapidamente nos remeter a Adorno quando afirma que as principais características da indústria cultural são a simplificação, a homogeneização e a não participação na produção dos conteúdos de consumo. Entretanto difere deste por não encarar este fato como perda de privilégios de 26

determinada classe social, sim como perda qualitativa socialmente generalizada. Teixeira Coelho afirma ainda dentro desta ideia, que para que os jornais – arautos da indústria cultural – emplacassem, foram necessárias simplificações de outras formas de arte como a ópera, o teatro e o cartaz. Importante aqui reforçar e mantermo-nos situados no momento histórico de surgimento da cultura de massa, com seus grandes avanços tecnológicos que possibilitaram a penetração irrefreável dos meios de comunicação: a Era da Eletricidade no fim do século XIX, e a Era Eletrônica a partir da terceira década do século XX.

Os estudos de Coelho demonstram-nos como a indústria cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno da industrialização produzindo alterações no modo de produção e na forma do trabalho humano. Este tipo particular de indústria e de cultura segundo o autor, determina os traços mais marcantes da sociedade capitalista liberal em que se faz nítida a oposição de classes e onde surge a cultura de massa disseminando ideologias que buscam não permitir esse debate.

Seguindo esse raciocínio a cultura, feita em série, passou a ser vista como um produto trocável por dinheiro e que deve ser utilizado como se consome qualquer coisa, sem críticas e padronizada de acordo com as normas gerais em um gosto médio de um público que tem cada vez menos tempo de questionar o que consome. O que tornou a não ser mais instrumento de livre expressão, não mais fonte de crítica e geração de conhecimento, transformando-se apenas em divertimento, entretenimento, fuga da realidade, conformismo social.

No capítulo a seguir desenvolveremos o tema das juventudes e demonstraremos de que forma o Projeto GERINGONÇA se relaciona com os jovens descrevendo suas diversificadas ações, conceitos e modos de funcionamento e manutenção.

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CAPÍTULO 1

As Juventudes e o Projeto GERINGONÇA

1.1 Juventudes

A discussão sobre a ampliação dos canais de comunicação remonta a um momento não tão longínquo, já do século passado. Fenômenos que segundo Renato Ortiz (Mundialização e Cultura, 1994), citado pelo geógrafo Milton Santos (2008, p.118) são conhecidos como Globalização ou Pós-Modernidade12. Se o processo de globalização da economia, ao qual se associa o fenômeno da globalização cultural está em curso pelo menos desde a época das grandes viagens marítimas no século XVI, da qual resulta nossa colonização, sua intensificação foi potencializada após a Segunda Guerra Mundial e de maneira mais específica, a partir da década de 80 graças ao aperfeiçoamento dos meios de comunicação de massa e da informática.

Para Santos, tanto a Globalização quanto a Pós-Modernidade constituem um momento bem demarcado no processo histórico e são considerados como pertencentes a um período que, tal qual Adorno e Benjamin debatiam-se pelos idos oitocentistas prevendo a trajetória de desenvolvimento dos meios de comunicação, agora ocorre uma discussão a respeito das identidades culturais. Tema este que perpassa diretamente pela questão das novas formas de tecnologia de comunicação onde, se por um lado os pessimistas da homogenização cultural temem por uma “Macdonaldização” do mundo, por outro os otimistas veem nele a possibilidade de abrir espaços para a emergência de numerosas e diferentes variações de subjetivação realizando assim uma nova história.

As juventudes têm um papel determinante nessa construção, com suas territorialidades, interconexão de bairros e ampliação de fronteiras. O trânsito pela cidade, os novos territórios 12

Segundo Teixeira Coelho, e aqui de maneira bastante resumida, seriam traços distintivos da Pós-Modernidade a não aceitação do pensamento linear (no que diz respeito a questões evolucionistas) que possibilitam a aceitação da heterogeneidade e a idéia de fragmentação do mundo - contrária a idéia de homogeneidade buscada anteriormente pela Modernidade; desta forma, a Pós-Modernidade valoriza cada vez mais a aceitação das diferenças e mais ainda, as entende como um processo de identidade sucessivas e provisórias – contrariando a Moderna idéia de identidades fixas e estáveis.

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conquistados, suas culturas e o surpreendente terreno da educação não-formal circulando por vias também digitais tecem um rico enredo multifacetado e dinâmico que tem cada vez mais chamado atenção de diversos setores sociais para seus temas que vão muito além das questões relativas à violência. Constata-se cada vez mais um movimento crescente de mobilização e criação de grupos juvenis empenhados em participar da arena político-social por meio de manifestações artístico-culturais13. Atualmente, os jovens parecem preferir expressar por meio dessa via as falas sobre a sua existência, suas necessidades, percepções, reivindicações e afirmações identitárias.

É prudente lembrar aqui que juventude é uma categoria socialmente constituída e, portanto, não tem uma única definição, igualmente seus significados variam de acordo com o momento histórico e sua interação com as múltiplas dimensões da vida sejam elas econômicas, políticas, sociais ou culturais. Neste sentido, ao se falar de juventude a primeira dificuldade que costuma aparecer é determinar qual é a faixa etária que a define.

Exixte um consenso social que diz que o jovem se transforma em "gente grande" quando conclui os estudos, começa a trabalhar, passa a morar sozinho, se casa e tem filhos. Com as contingências cada vez mais aceleradas pela Pós-Modernidade esse roteiro linear já não acontece mais tão comumente. Os jovens brasileiros hoje, em geral conciliam escola com a profissão, muitos com pouca idade já cuidam de seus filhos, enquanto outros passam dos trinta e continuam na casa dos pais. Segundo dados da Secretaria Nacional de Juventude14, diante desse prolongamento da experiência juvenil na vida das pessoas e respaldados pela lei 11.129, de âmbito federal que define a área de abrangência desta Secretaria, são considerados jovens, cidadãos e cidadãs entre 15 e os 29 anos sendo mais especificamente considerados jovens os adolescentes-jovens (com faixa etária entre 15 e 17 anos), os jovens-jovens (compreendidos entre a faixa etária de 18 a 24 anos) e os jovens-adultos (situados entre 25 e 29 anos). Vale ressaltar que a juventude não é só uma questão de idade, muito embora não seja também um "estado de espírito", que independe da 13

Segundo dados coletados nos Cadernos Temáticos da Conferência Nacional de Juventude. Disponível em: http://www.juventude.gov.br/conferencia 14 Disponível em http://www.juventude.gov.br/

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faixa etária à qual o sujeito pertence. É preciso delimitar que a juventude é uma fase da vida que, embora seja complicado estabelecer precisamente os seus limites, tem começo e fim.

No sentido ao qual nos referimos, jovem é aquele que completa etapas determinantes de socialização e desenvolvimento corporal (físico, emocional, intelectual), passando a desfrutar de crescente autonomia em relação à sua família. Não estamos considerando a juventude apenas como uma breve passagem da infância para a vida adulta, mas sim os diversos aspectos de uma fase marcada por intensas experimentações e importantes decisões.

No cerne democrático da questão, enquanto as crianças e os adolescentes dependem do de ações do Estado e da família para viver em plenitude, os jovens já são capazes de optar sozinhos por parte de seus caminhos. Se segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos15 todo ser humano precisa de proteção, os jovens, mais do que isso, precisam de direitos e oportunidades de emancipação.

A discussão pública no período atual busca legitimar este momento na vida de uma pessoa reconhecendo em sua singularidade o segmento social que partilha uma identidade geracional e que portanto possui questões próprias e diferentes das questões de outros grupos etários. Em tempo, gostaríamos de frisar que, ao olhar para a juventude, vemos um mosaico, e devido esta compreensão utilizamos em toda esta pesquisa a grafia juventudes englobando as questões referentes às diversas etnias, ambos os sexos e os diferentes gêneros, credos e classes sociais. Acreditamos que certamente, é preciso considerar essa rica diversidade e não apenas seus esteriótipos. É sobre essa juventude, concreta, complexa, numerosa e diversificada que estamos falando. Segundo dados da Conferência Nacional de Juventude16 que foi realizada em abril de 2008, em Brasília, as juventudes têm ganhado espaço na mídia, nas pesquisas acadêmicas e nos debates públicos principalmente nos últimos 15 anos porque segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), cerca de 50,5 milhões de brasileiros (um quarto da população do 15

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Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos. php Disponível em http://www.juventude.gov.br/conferencia/

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país, têm entre 15 e 29 anos). Estas mesmas estatísticas indicam que esse grupo etário nunca foi (e caso se mantenham as tendências demográficas, nunca será) tão numeroso em termos absolutos, como é hoje.

Esse grupamento jovem traz à tona questões que geram preocupações e expectativas, seja no despreparo do Estado em receber esse enorme volume de pessoas com insuficiência de serviços públicos para atender a demanda, sobretudo no que diz respeito à educação que, deficitária em qualidade, há muito não corresponde às expectativas deste grupo, seja nas barreiras encontradas para conseguir e manter uma atividade remunerada no mercado de trabalho, no pouco conhecimento do poder público sobre a realidade juvenil ou ainda pelas múltiplas transformações contemporâneas, que vêm alterando as configurações familiares. O que se nota é que a juventude ficou sem acesso aos serviços públicos básicos e não desfruta dos seus direitos mais fundamentais. Contrariando os fatos acima descritos, os jovens, em considerável proporção, estão interessados e ativos, desenvolvendo novas formas de engajamento e lutando por mudanças éticas, sociais, culturais, políticas e ambientais.

Dando ênfase a este olhar e afiançando que a juventude pode contribuir para as soluções dos problemas e exercer uma influência positiva e determinante tanto sobre seus pais quanto sobre seus filhos através da privilegiada posição intergeracional que ocupam, acreditamos ser possível e – necessário – criar condições para que as juventudes possam produzir e fazer repercutir suas próprias expressões artísticas, dentro e fora dos espaços culturais institucionalizados através da utilização de seu tempo livre, entendido aqui como as horas do dia que não estão ocupadas por nenhum compromisso formal. Não estamos falando nem do dia de folga do trabalho, nem tempo ocioso que se tem por estar fora da escola ou desempregado, mas o tempo dedicado a fazer aquilo de que se gosta: cantar, dançar, ler, encontrar os amigos, ir ao cinema, ouvir e fazer música, ver televisão, navegar na internet etc. Dessa forma de usufruto do tempo livre de que estamos falando, do tempo do momento privilegiado de obter e processar novas informações, que podem ajudar os jovens a processar suas buscas e desenvolver suas potencialidades. 31

Ponderamos, no entanto, que a vivência desses momentos requer oportunidades e atividades que, em geral, são oferecidas pela iniciativa privada e, portanto, são pagas e o desfrute da ocupação produtiva e criativa do tempo livre acaba privilegiando jovens em melhores condições financeiras, na maioria dos casos.

Especialmente no que tange a Grande Tijuca (área de abrangência da Unidade onde o GERINGONÇA é desenvolvido) nas últimas três, quatro décadas, a região – que engloba sete bairros e vinte nove comunidades – vem passando por um gradativo processo de esvaziamento econômico e cultural, pois junto com o empobrecimento da população e o poder crescente do tráfico de drogas, vem ocorrendo uma visível decadência cultural e a marginalização dos seus espaços públicos17.

Tendo em vista esse olhar e atuando para promoção do desenvolvimento humano por uma perspectiva intergeracional, o SESC RIO ao mesmo tempo em que se mostra “curioso” por essas questões, desenvolve ações e reflexões em conjunto com essas diferentes juventudes percebendo que é preciso ampliar a realização de atividades culturais, esportivas e de lazer gratuitas e de qualidade contribuindo assim para que efetivamente o tempo livre possa cumprir, de fato, um importante papel no desenvolvimento integral dos jovens.

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Informações retiradas da publicação comemorativa de dois anos de existência do GERINGONÇA.

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1.2 Descrição do Projeto

O Projeto GERINGONÇA é uma ação sociocultural18 de arte-educação19 realizado há cinco anos pelo SESC RIO, na Unidade Tijuca, que através de seu viés multi-artístico desenvolve conceitos como o de ponto de encontro, protagonismo jovem e gestão participativa. Estas três categorias explicitam claramente um determinado olhar sobre o tema das juventudes, pois ao mesmo tempo que o ancoram, servem de norte para todas as ações do Projeto como veremos mais adiante. O Projeto GERINGONÇA tem tido como objetivo catalisar iniciativas artístico-culturais e apresenta como missão, facilitar o acesso às diversas linguagens artísticas visando instigar o jovem a posicionar-se como dinamizador do seu próprio senso estético. Acredita que a expressão artística é a ponte imediata do sujeito com o mundo ao seu redor e por isso, o GERINGONÇA se oferece como um abrigo para as mais diferentes linguagens e manifestações - poesia, música, teatro, cinema, artes plásticas, dança, performance e moda onde, através do encontro criativo das obras, esses indivíduos têm a oportunidade de se conhecerem e de se reinterpretar. Classificá-lo como Projeto é uma saída simplista e inevitável devido ao emprego indiscriminado do termo, que acabou esvaziando sua idéia principal. Para manter a vitalidade do GERINGONÇA durante sua análise, faz-se necessário ressaltar de antemão que estamos diante de múltiplos processos motivados e acolhidos por uma mesma intenção que é a de discutir a formação das subjetividades conjuntamente.

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Entendida aqui no sentido desenvolvido por Teixeira Coelho como conjunto de procedimentos que envolvem recursos humanos e materiais buscando praticar os objetivos de uma determinada política cultural. Em seu sentido específico, a ação sociocultural é definida pelo processo de criação e organização das condições necessárias para que as pessoas ou grupos inventem seus próprios fins no universo cultural e visa propor às pessoas que considerem seu momento e espaço próprios, assim como os meios à sua disposição para refletir criticamente sobre as obras culturais; sobre si mesmas e sobe a sociedade como um todo. 19 Conforme Teixeira Coelho, a arte-educação é a ciência do ensino da arte. A abordagem utilizada no GERINGONÇA não se ocupa das questões da educação formal; considera antes que, arte e cultura são esferas e instrumentos indispensáveis a vida humana e devem ser promovidas nos domínios da produção e da recepção sem pretender ter caráter diretivo. O Projeto privilegia a escolha coletiva das linguagens que se tornam meios para o desenvolvimento de uma consciência social pela via da produção artística; nele, são os indivíduos e grupos que inventam os modos com os quais se aproximam da obra cultural e os fins que com ela pretendem alcançar.

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Dito isto, acreditamos ser conveniente neste momento significar os conceitos aos quais estamos trabalhando definindo uma série de noções que norteiam nossa ação sociocultural.

Ponto de encontro

Sobre esse tema, em primeiro lugar é preciso demarcar que o GERINGONÇA não pretende capacitar, mas aguçar o olhar e a leitura de mundo de modo compartilhado. Desta forma, o Projeto não pretende ser formador de conteúdos estéticos, visto que esta é a função social da universidade e das demais instituições de ensino voltadas para as linguagens artísticas. O que o Projeto busca é lançar mão da arte e da cultura para criar e aprofundar contatos interpessoais.

Este ponto de encontro é também territorial, pois precisamos situar que estamos falando de jovens que, em sua maioria, têm origem nas camadas populacionais de menor poder aquisitivo. E nesse sentido a importância do GERINGONÇA atualmente tem se ampliado cada vez mais devido ao contexto contemporâneo em que os grandes espaços urbanos já não são mais públicos20. Apresentam-se agora como espaços apropriados, seja pela classe média que legal ou ilegalmente fecha as ruas buscando evitar a ação de criminosos pela marginalidade ocupando territórios e deixando-os entregue ao tráfico, pelas grandes corporações – que pela violência financeira cada vez mais diminuem os espaços de ocupação pública – ou pelos (ainda) monopólios da grande difusão cultural. Dito de uma maneira breve, devido às restrições impostas pelos abismos sociais criados pela nossa sociedade. Tendo em vista essa reflexão, a noção de ponto de encontro é axial ao projeto e é resguardada e desenvolvida sobretudo através da provocação de “encontros casuais” em que a profundidade ou superficialidade de cada um deles é construída pelos agentes envolvidos no processo. Busca com isso fugir dos clichês que costumam ser associados aos encontros entre pessoas que, ao desejar criar, acabam por caminhar pelos mecanismos de dominação e vergonha.

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No sentido de espaços para todos e que todos podem usufruir com harmonia o tempo todo.

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Essa tecnologia social21 acredita que, quando uma pessoa chega num espaço como esse, já tem uma trajetória e o que deseja é partilhar e multiplicar sua história de vida, conhecer pessoas, dialogar com profissionais e trocar com outras experiências.

Protagonismo Jovem

A equipe diretamente envolvida no GERINGONÇA é composta atualmente por dois funcionários do SESC RIO, duas estagiárias de Produção Cultural e uma equipe de cinco jovens, conhecidos como Geringonceiros, que são a essência do funcionamento dessa engrenagem. Dito de uma maneira direta, o GERINGONÇA é feito por jovens e para jovens. Os Geringonceiros recebem uma bolsa artística têm como funções refletir sobre o funcionamento do Projeto, selecionar temas para oficinas e shows, escolher locais para contatos, articular pessoas e grupos (por meios físicos e digitais) e cuidar do ritmo geral da produção, além de projetar os futuros cenários aos quais o GERINGONÇA irá buscar.

Gestão Colaborativa

Cada equipe fica no Projeto por três meses e deixa sua marca e proposta de mudança visto que os novos integrantes serão escolhidos em função do rumo que o projeto quer tomar. Esse rumo pode ser definido tanto pelo viés do conteúdo artístico com os quais os jovens desejam se aprofundar, como também pelas novas regiões da cidade que o projeto quer alcançar.

Se por um lado esta rotatividade combate hierarquias e tenta evitar que haja apropriação inadequada da proposta através de escambo de favores, por outro, permite que novos indivíduos, ideias e possibilidades estejam sempre chegando. Essa metodologia garante resposta à natural

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Conceito contemporâneo que remete a uma proposta inovadora de estratégia de desenvolvimento sendo considerado desta forma todo produto, método, processo ou técnica, criado para solucionar algum tipo de problema social que atenda a quesitos como simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade e replicabilidade, e que tenha ainda impacto social comprovado.

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tendência de renovação do Projeto que ao renovar-se, permite que pessoas que vão aos shows apenas como espectadores, tenham a possibilidade de, além de se desenvolver nas oficinas e reuniões e se apresentar, também fazer parte da equipe gestora, e viver a produção daquilo que elas já assistem.

Conforme se pode perceber, a rotatividade envolvida em toda a dinâmica do processo é fundamental para permitir uma reflexão que se pretende coletiva, e por isso transversal; pois ao buscar essa consciência, o GERINGONÇA partilha autorias e com isso acaba por escrever histórias comuns. E é desta forma que o Projeto tem se desenvolvido ao longo destes cinco anos: transformando a sua própria trajetória.

Neste sentido, ressignificar, reencontrar e relacionar são palavras-chave nesse processo criativo tendo em vista que o verbete “geringonça” possui duas chaves semânticas: uma que trata a palavra com o sentido de vulgaridade, com tom de informalidade, como aquilo que se opõe à norma culta e a segunda que diz respeito a qualquer coisa malfeita, de estrutura frágil e funcionamento transitório, escapando a qualquer modelo de ajuste. Fica claro então com o desmembrar dessa engrenagem que o processo se amolda a ambas as classificações encontradas nos dicionários e diz mais, pois ao dialogar com o jovem no terreno informal de sua língua e fazer da mudança seu alicerce constante, o GERINGONÇA convive intimamente com todas as probabilidades concretas destas juventudes em um misto de metamorfose constante onde renasce mensalmente. Como nessa modificação uma espécie desenvolvimento aprimorado de idioma, sempre mutante, cuja compreensão suscita a convivência íntima com suas múltiplas, infinitas e possíveis transformações.

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1.2.1 Ações do Projeto

Redemoinho Artístico: "Encontros semanais para a mostra de trabalhos e troca de experiências artísticas".

O foco central do Redemoinho Artístico é oferecer o espaço para quem faça arte, independente de sua linguagem e que prime pela produção autoral, original, inédita e independente. Às sextasfeiras, das dezessete às vinte horas todas as pessoas que desejam mostrar seus trabalhos e trocar experiências artísticas se encontram em uma espécie de sarau com direito a telão, pick-ups, conexão com a internet, diversão e muita reflexão capitaneada pelos cinco jovens que fazem parte da equipe do projeto. Plano Geral: “Uma idéia na mão, um vídeo na cabeça”.

O Plano Geral que dentro do histórico do projeto já teve edições independentes e mais espaçadas em sua realização, hoje é exibido dentro do evento mensal chamado "Amostra Grátis" conforme veremos em seguida. Tem como objetivo propiciar um novo espaço para a exibição de vídeos e filmes independentes, com ênfase na produção universitária, amadora e experimental. Esta ação do Projeto concebe o audiovisual como forma de organizar o pensamento, transmitir ideias e pontos de vista e busca estimular e experimentar diversas maneiras de unir som, imagem e movimento com efeitos, cortes e seqüências que fogem à regra clássica de tratamento e montagem. “Amostra Grátis”: "Todas as formas de arte em um irreverente anti-espetáculo para quem faz ou consome arte – onde caos e progresso caminham juntos”. O “Amostra Grátis” é o ponto de afluência de todos os processos da engrenagem e, portanto em torno de sua realização circulam as oficinas, reuniões, equipes e prazos. Com edições mensais, o “Amostra Grátis” sem dúvida alguma, ainda é a ação de maior visibilidade do Projeto. Nele acontece uma grande circulação seja nos bastidores ou nos camarins, dos jovens que estão apreendendo o “espetáculo”. Muito dessa preparação é visível para a plateia, já que através da

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utilização do espelho representado pelo “palco”, surge o detalhe que torna o GERINGONÇA bastante simbólico e representativo: o desvelar do macrocosmo dos jovens.

Workshow: "Experimentação musical entre artistas convidados".

O clima do Workshow é o de um show em construção. O formato desta ação apresenta um músico formulador de linguagem, que troca o CD com uma banda que já tenha participado do Projeto. Durante um mês eles ensaiam cada um separadamente, mergulhando um na linguagem do outro. No dia do evento eles se encontram poucas horas antes do show e trocam seus sons. Enfim, se conhecem pessoalmente. À noite, em um espaço intimista e simultâneo à apresentação no teatro, batem um conversam com o público convidado, daí contam suas histórias e ensaiam para mais tarde levar ao palco o que foi produzido em conjunto encerrando o evento mensal.

Nos cinco anos de existência do Projeto foram abordadas diferentes linguagens artísticas que, de maneira geral buscam instigar os jovens a refletir e se relacionar de maneira crítica com o ambiente em que vivem. Atualmente, embora nem todas as ações se apresentem sob forma de oficinas, todas se conectam de uma forma ou de outra ao "Amostra Grátis". Penélope na Vitrine: despindo a moda – essa vertente do GERINGONÇA vai da carnavalização ao figurino cênico em um ponto de tricô e busca criticar o universo da indústria fashion através de oficinas que entrelaçam diferentes formas de fazer roupa. Hoje tem sim senhor! Oficina de mediação de palco – Videojockeys (vjs), apresentadores de programas de auditório, desejo maior de qualquer figura que almeje o sucesso. O ícone do apresentador constitui uma figura ilusória, porém extremamente real no universo onírico e simbólico, principalmente na projeção das ambições. Brincar com a natureza caricata da apresentação para pensar sobre essa relação foi a origem do “Hoje tem, sim senhor!” Na prática, uma companhia por mês oferecia uma oficina de rudimentos teatrais para que, através de esquetes e improvisos dirigidos, todos que desejassem poderiam apresentar o espetáculo mensal juntos.

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Exprima-me. Literatura (im)possível – O Exprima-me se apresentava como uma oficina de poesia hidráulica, que partia do princípio de que poesia é algo que exprime, mas que também se espreme no momento em que as palavras deixam de ser o que o uso rotineiro lhes impõe e passam a transcender o óbvio, tornam-se objeto de tradução e ruptura. A ideia aqui presente é discutir qual papel fica reservado ao fazer poético num contexto cada vez menos interessado em abordar a si mesmo, pois a poesia tem encontrado dificuldade justamente naquela que é uma de suas aspirações – a comunicação. Este espaço, criado nas oficinas do projeto e hoje mantido dentro do "Amostra Grátis" também vem facilitando a circulação poética e é altamente estimulante para aqueles que sempre escreveram seus versos, mas nunca tiveram a oportunidade de publicá-los. Abriu-se, com isso, uma nova relação, direta, sem intermediários, entre quem faz e quem se alimenta de poesia. Realejo ArtesAndAndo: "Urbanidades em ação" – Inspirada na produção contemporânea das artes visuais que, principalmente a partir dos anos 90 recebeu denominações diversas tais como: coletivos de arte, intervenção urbana, arte participativa, comunitária, colaborativa entre outros. A Oficina Realejo ArtesAndAndo propõe discutir a relação entre arte e cidade, estimulando o diálogo entre essas novas práticas artísticas e o contexto urbano no qual se inserem. O caminho percorrido é o da produção coletiva de conteúdos estéticos que, movimentados pela surpresa através de intervenções, dão novos contornos ao cenário habitual. Nas suas mais diversas formas de interação, fazem um recorte da vida comum e provocam uma reflexão sobre a cultura e a sociedade. Desta forma, as várias possibilidades da arte na sua relação com o universo circundante convidam-nos a explorar novos caminhos e realizar novas descobertas. Sua metodologia alterna um módulo de oficina com uma "crítica ao vivo". Durante o mês um grupo ou artista com pesquisas e trabalhos voltados às intervenções no espaço público, realiza uma oficina produzindo conteúdos que serão exibidos no “Amostra Grátis” mensal. Durante o evento, um crítico (professor, artista plástico, jornalista, curador, etc.) fará a análise do trabalho produzido e conversará com o grupo trocando experiências e opiniões. Na semana seguinte, artista e crítico redigirão uma lauda sobre o processo da oficina e a “crítica ao vivo” que são postados no Blog do projeto.

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Como participar do projeto?

Atualmente é possível participar do Projeto GERINGONÇA de várias formas:

1. As pessoas interessadas nas oficinas mensais e gratuitas podem escrever-se por telefone, e-mail ou pelo Blog do Projeto desenvolvendo seu potencial artístico e expondo sua produção no evento mensal “Amostra Grátis”.

2. Para quem já tem um trabalho pronto, basta comparecer aos encontros semanais, o Redemoinho Artístico. É possível nestas reuniões apresentar a obra ao vivo, demonstrar por meio de suportes físicos, levando o trabalho no formato que desejar (CD, DVD, portfólio, fotos, imagens, poesias etc.), ou ainda por meio digital, via internet.

3. Quem quer iniciar uma nova experiência estética vinculada a outros artistas deve também comparecer às reuniões das sextas-feiras com disponibilidade para trocar e construir.

4. Se o desejo for tornar-se Geringonceiro ou Geringonceira, é só entrar em contato também por telefone, e-mail ou pelo Blog do Projeto. 5. Caso a expressão artística já tenha se apresentado no “Amostra Grátis”, ela pode ser contatada para participar de algum Workshow.

No capítulo a seguir, buscaremos articular a discussão histórica apresentada no primeiro capítulo da pesquisa que hora se apresenta, com a prática conceitual atual do projeto GERINGONÇA, ilustrando-o, sobretudo, ao enunciar a utilização do Blog do projeto como ferramenta de acesso e de estímulo à democracia cultural.

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CAPÍTULO 2

Análise: As novas formas de participação sociocultural

Conforme dito anteriormente, o recorte específico desta pesquisa é o Blog do GERINGONÇA22, aqui indicado como uma forma de ampliação e visualização concreta das ações do projeto que dá conta de forma contundente da aplicação prática dos substratos conceituais do Projeto em si.

Para continuarmos nossa exposição vamos definir primeiramente o que é um Blog.

Segundo Hugh Hewitt, conhecido como historiador não-oficial do movimento blogueiro e autor do livro Blog: entenda a revolução que vai mudar seu mundo 23, Blog é a contração da palvra inglesa weblog. Sendo que web é a forma pela qual é conhecida a World Wide Web que traduzida para o nosso idioma significa "Rede de alcance mundial",esta, segundo a Wikipédia é um sistema de documentos em hipermídia24 que são interligados e executados na Internet. Já o sufixo Log significa diário, e é uma espécie de registro cotidiano mantido na internet por um ou mais autores.

O primeiro Blog surgiu em 1999 aproximadamente, e em apenas cinco anos esse número multiplicou-se para quatro milhões de diários digitais segundo o historiador não-oficial, Hugh Hewitt.

Hoje em dia, os Blogs apesar de terem um amplo expectro de variações, basicamente se dividem em analistas e agregadores, sendo este último, o tronco ao qual o GERINGONÇA se filia pelo seu caráter de reunir artistas.

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Disponível em: http://projetogeringonca.blogspot.com/ HEWITT, 2007. 24 Aqui entendida como linguagem e como escritura expandida. O conceito de hipermídia une as idéias de nãolinearidade, interface e multimídia numa só linguagem. Se difere do conceito multimídia, por apenas reunir os meios existentes, e sim a fundí-los a partir de elementos não-lineares. Atualmente lançamos mão deste recurso de forma rotineira ao navegarmos na internet. 23

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Em verdade, o Blog do Projeto seria considerado um neoblog por situar-se dentro de uma estrutura organizacional; sendo interesante pensar que estamos falando de uma produção coletiva jovem que atua dentro de uma instituição com mais de seis décadas de existência. O Blog existe há cerca de um ano. Em 31 de dezembro de 2007 foi feita sua primeira postagem é utilizado principalmente como organizador da memória e também como meio de circulação de registro de todas as ações socioculturais do Projeto.

Por esse diário de bordo circulam todas as informações referentes ao GERINGONÇA: filipetas, vídeos, fotos, depoimentos, textos produzidos nas oficinas, links para outros Blogs que tenham na arte e cultura seu foco principal e o que mais os jovens acharem pertinente demonstrar na realização do Projeto. Todo esse conteúdo é basicamente gerado e gerenciado pelos próprios jovens participantes que já criaram inclusive uma fotonovela brincando com a estrutura do GERINGONÇA e com o perfil dos participantes naquele momento.

Por ser um Blog e não um sítio na internet permite a ampliação do canal de diálogo, que outrora se dava somente sob forma presencial. Com isso temos o alargamento e o reforço das carcterísticas do Projeto de ser direto e autêntico com os jovens participantes. Vale lembrar ainda que estar na grande teia mundial possibilita também oferecer o conteúdo do GERINGONÇA a uma plateia ilimitada.

Cunha ao traçar uma análise sobre como as ações socioculturais podem lançar mão da indústria cultural para utilizá-la a seu favor, nos diz o seguinte:

“Talvez seja indispensável sem abandonar o contato vivo e direto com as manifestações culturais e artísticas tradicionais (exposições de artes plásticas, espetáculos cênicos, cursos regulares, debates, seminários, etc.) que ela própria se associe ou incorpore meios eletrônicos ou publicitários como instrumentos de sua permanente difusão.” (CUNHA, 2003, p.6).

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Essa ideia de difusão e de ampliação de plateias nos remete diretamente à questão abordada por Peter Burke25 quando analisa as transformações sociais causados por Gutenberg. Ao criar os tipos móveis de imprensa Gutenberg acabou por possibilitar também a explosão da informação que, com possibilidades cada vez maiores de multiplicação através do avanço das novas tecnologias torna capaz de alargar a discussão sobre a democracia cultural. Segundo a filósofa Marilena Chauí (apud ARANHA, 2003), nas determinações constitutivas do conceito de democracia estão incluídas as ideias de conflito, abertura e rotatividade. A heterogeneidade existente do processo democrático pressupõe a busca de superação de conflitos derivados de pensamentos de múltiplos discursos que, é claro, podem (e devem) ser divergentes. A abertura democrática diz respeito à circulação da informação, inclusive cultural e refere-se tanto ao consumo cultural, como principalmente de produção e fruição do mesmo. Já a rotatividade na democracia diz respeito à possibilidade de tomada de poder ocupando o lugar vazio, sem privilégios ou limitações, tendo as diferenças representadas.

Com a leitura dos capítulos anteriores somada ao parágrafo acima, fica fácil perceber que o GERINGONÇA se enquadra facilmente dentro das determinações constitutivas do conceito de democracia.

Quando trabalha com uma visão ampliada das juventudes, busca a heterogeneidade e supera os conflitos que surgem no decorrer do processo. Seja na forma presencial em seus diferentes braços de atuação ou pela via digital, divulga suas ações de maneira pública e transparente e mais que isso, incentiva o consumo cultural instigando a reflexão, a criação e a fruição do mesmo. No que diz respeito à ocupação do lugar vazio, vemos claramente a importância da rotatividade dos jovens no Projeto que oportuniza a outros, sem privilégios ou limitações, terem suas diferenças representadas.

Trabalhamos no Projeto com a ideia de democracia cultural e, portanto, nossa questão principal não reside somente na ampliação da população consumidora (diferentemente daqueles 25

BURKE, 2002.

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que trabalham com a ideia de democratização cultural), mas na discussão sobre quem controla os mecanismos de produção cultural e no aumento da possibilidade de acesso à produção de cultura em si mesma. Políticas de democracia cultural se apóiam na noção de serviços culturais 26 a serem prestados à população no projeto de ampliação do capital cultural27 de uma coletividade no sentido mais amplo da expressão. (COELHO, p.145, grifos nossos).

Trabalhar com uma política de sustentação do capital cultural passa necessariamente pela discussão das formas de acesso e controle à dinâmica de produção da cultura afim de que se possam criar condições para práticas culturais duradouras, quer de consumo, quer de produção; seja esta relação mediada pela da linguagem artística que for, pois em nossa leitura, é considerada cultural toda a experiência da qual estes jovens saiam diferentes do que eram antes. Cultura é direito básico e está incluída na formação de um sujeito livre, uma vez que acreditamos que ela não apenas dá prazer, diverte e entretém. Cultura, “abre a cabeça”, amplia o aspecto emocional, aumenta a compreensão do mundo em que este jovem vive e que assim, se torna mais livre para escolher seu destino. Como nos ensina Amartya Sen28, prêmio Nobel de Economia, o desenvolvimento é essencialmente norteado por um processo de expansão das liberdades reais, que comprometidas socialmente ampliam as escolhas e as oportunidades das pessoas em exercer a sua condição de agentes ativos de mudança. De uma forma mais clara, compartilhamos com o autor a crença de que o desenvolvimento é a eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercerem a sua condição de agente. Agentes de mudança. Mudanças culturais podem ser estimuladas a acontecer no dia-a-dia de cada pessoa ou instituição a partir do momento em que escolhemos e priorizamos. Mudar mentalidades e

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Entendido aqui em seu sentido estrito querendo destacar a idéia de “levar cultura ao povo” ampliando o acesso a um capital cultural previamente selecionado e considerado como o mais adequado mantendo assim seus beneficiários na condição de expectadores ou consumidores. 27 O conceito de capital cultural aponta para o conjunto dos instrumentos de apropriação dos bens simbólicos, o consumo e a produção desses bens assim como sua distribuição e troca somados aos instrumentos que permitem o consumo dos bens produzidos anteriormente e assim por diante. 28 SEN, 2000.

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transformar realidade é difícil, mas também é possível, pois depende apenas da nossa consciência de que, mais do que meros expectadores, somos todos co-autores deste processo.

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CONCLUSÃO

Onde caos e progresso caminham juntos

Ao abordar desde os tipos móveis de imprensa aos hipertextos, este exercicio historiográfico incidiu seu olhar sobre a descrição dos mecanismos de apropriação das juventudes que participam do Projeto GERINGONÇA. Teve como objeto seu Blog e pretendeu com isto evidenciar de que forma estas juventudes têm criado respostas para dialogar com as novas formas de comunicação e participação sociocultural ao se relacionarem de maneira ampla e pública com as vicissitudes e configurações sociais que ultrapassam a realidades local. Desta forma, esperamos ter deixado evidente que embora o GERINGONÇA busque também ampliar seu público de maneira alguma compartilha no modo de operar da indústria cultural, simplificando seus conteúdos, homogeneizando seu olhar e excluindo os principais interessados – os jovens – da participação na produção dos conteúdos a serem abordados. Neste sentido, concordamos com Benjamin em sua leitura favorável às novas formas de arte tecnológica e percebemos claramente em nosso Pós-Moderno cotidiano que os diferentes usos da reprodutibilidade técnica possibilitados pelas novas tecnologias aliadas ao propósito do Projeto, podem efetivamente permitir uma democracia da cultura, ampliando o acesso, a produção, a reflexão e a fruição da mesma. Concordamos também com Teixeira Coelho ao afirmar que nestes tempos Pós-Modernos, categorias como cultura superior, média e de massa discutidas no começo dos anos 60 por Dwight MacDonald seguidor dos escritos da Escola de Frankfurt com os quais iniciamos toda essa discussão incluindo ainda conceitos semelhantes desenvolvidos posteriomente como o de cultura popular, de elite ou erudita, cultura hegemônica, cultura dominada ou nacional-popular não dão mais conta sozinhas da complexidade e diversidade de toda dinâmica cutural possível em nosso tempo. Estes conceitos inegavelmente têm seu papel na historiografia da cultura e com certeza em seu tempo abriram novas perspectivas de pesquisa porém não nos permitem mais atualmente avançar no entendimento de como vivemos hoje em dia nossa cultura.

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Entre os reflexos imediatos da Pós-Modernidade sobre as ações culturais está o abandono da compreensão do processo cultural que opõe as culturas ditas de massa, popular ou erudita e a busca por novos modelos conceituais que pensem a cultura de um modo mais aberto às interações entre os diferentes universos culturais e as diversas formas de sensibilidade contemporânea tal qual acontece no GERINGONÇA. Estas buscas podem inclusive trabalhar com modos de produção que privilegiem o afetual (sensível e sensorial) de forma que não se oponham necessariamente ao intelectual ou ao abstrato como o início de um percurso nessariamente tal qual víamos outrora. Enfim, esse modo educacional Pós-Moderno de aprender fazendo pode ou não desembocar no intelectual assim como acontece com a feitura desta pesquisa realizada após nosso trabalho no mesmo completar um ano. Se com o desenvolvimento de novas formas de multiplicação da informação no campo da escrita é necessário criar novas formas de organização e catalogação, parece-nos comum hoje em dia a utilização do Blog do Projeto como forma de organizar a memória e difundir nossos rumos. Tal como nos falava Burke 29, “... [para] facilitar [também] à volta às “fontes”, com base no princípio de que a informação, como a água, era tanto mais pura quanto mais perto chegava da nascente”. Além disto, esta “nova” ferramenta proporciona autonomia de acesso aos conteúdos gerados e o contato direto com os produtores dos conteúdos que circulam pelo GERINGONÇA. A existência e manutenção do blog do projeto alimentado constantemente pelos próprios jovens da equipe ilustram a práxis das ações desenvolvidas pelo mesmo. A relação indissolúvel de prática-teoria-prática ampliadas pela metodologia dialógica do GERINGONÇA demonstram como buscamos legitimar nosso agir antecedido por concepções que são construídas executadas e refletidas a cada momento nessa engrenagem. Neste sentido, evocando novamente Benjamin, o Blog não busca ocupar o lugar da aura, do aqui e agora das obras de arte, mas sim ser um fragmento de memória deste ponto de encontro disponível continuamente em http://projetogeringonca.blogspot.com/. Lá, estão presentes as fotos, textos e vídeos que são testemunhos dos encontros proporcionados pelas ações socioculturais do Projeto GERINGONÇA.

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Ibidem, idem.

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